DIREITO DO TRABALHO
I. Dos Princípios e Fontes do Direito do Trabalho 002
II. Dos Direitos Constitucionais dos Trabalhadores (Art. 7.º da CRFB/88) 010
III. Da Relação de Trabalho e da Relação de Emprego 013
IV. Dos Sujeitos do Contrato de Trabalho Stricto Sensu 028
V. Do Grupo Econômico; da Sucessão de Empregadores; da Responsabilidade Solidária...................................................................................................................
039
VI. Do Contrato Individual de Trabalho: conceito, classificação e características... 040
VII. Da Alteração do Contrato de Trabalho 043
VIII. Da Suspensão e Interrupção do Contrato de Trabalho 052
IX. Da Rescisão do Contrato de Trabalho e Aviso Prévio 065
X. Da Estabilidade e Garantias Provisórias de Emprego 077
XI. Da Duração do Trabalho e da Jornada de Trabalho 087
XII. Do Salário-Mínimo 100
XIII. Das Férias 103
XIV. Do Salário e da Remuneração 115
XV. Da Equiparação Salarial; do Princípio da Igualdade de Salário; do Desvio de Função.....................................................................................................................
130
XVI. Do FGTS 136
XVII. Da Prescrição e Decadência 140
XVIII. Da Segurança e Medicina no Trabalho 146
XIX. Da Proteção ao Trabalho do Menor 153
XX. Da Proteção ao Trabalho da Mulher 187
XXI. Do Direito Coletivo do Trabalho 191
XXII. Das Comissões de Conciliação Prévia; da Renúncia e Transação 213
XXIII. Do direito de Greve 221
DIREITO DO TRABALHO
(...)
VI. DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO: CONCEITO, CLASSIFICAÇÃO E CARACTERÍSTICAS.
1. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO
O art. 442 da CLT define o contrato de trabalho como “acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”. Pela definição legal, apreendemos a existência de uma íntima relação entre ambos os institutos.
Quando falamos em contrato, estamos nos referindo a acordo de vontades. Para a caracterização dos contratos – em especial os meramente consensuais, como é o contrato individual de trabalho – basta a existência de uma proposta e de uma aceitação. A partir daí o direito lhe reconhece efeitos, vinculando, juridicamente, os sujeitos participantes.
Portanto, o contrato diz respeito à manifestação de vontades das partes. Feita uma proposta e uma aceitação (elementos nucleares), nasce o contrato (passa a existir), e necessariamente surge um vínculo jurídico (direitos e deveres) entre seus integrantes. Esses direitos e deveres podem ter maior ou menor amplitude, conforme ingressemos nos elementos essenciais do contrato (que dizem respeito à verificação de sua validade) e nos seus elementos acidentais (que dizem respeito a sua eficácia). Estando o contrato plenamente constituído, ou seja, estando presentes todos os seus elementos nucleares, essenciais e acidentais, surge o vínculo empregatício entre as partes, caracterizam-se os sujeitos como empregado e empregador e constitui-se a relação de emprego.
De outra forma, ausentes algum ou alguns dos elementos essenciais ou acidentais, formam-se vínculos e relações jurídicas – pois os elementos nucleares fazem-se presentes e, consequentemente, há (existe) contrato – mas não necessariamente vínculo empregatício e relação de emprego. Vejamos o exemplo da contratação de um trabalhador por uma empresa pública sem o prévio concurso de provas e títulos. O art. 37, II, da Constituição Federal estabelece essa formalidade como essencial para a contratação pela administração pública. Sendo um elemento essencial, a sua não observância fulmina de invalidade o ato jurídico (o ato é nulo de pleno direito).
Em que pese essa situação, houve proposta e aceitação, assim como prestação de serviços por parte do trabalhador (este, geralmente, de boa-fé). O trabalhador aceitou a
proposta de trabalhar nos moldes de um contrato individual de emprego, ou seja, com pessoalidade, onerosidade, subordinação e não eventualidade. Há contrato, embora nulo. E esse vício impede o pleno reconhecimento do vínculo empregatício, embora não impeça o reconhecimento de algum vínculo jurídico de trabalho. Assim, embora não se possa falar em relação de emprego, há direitos e deveres para as partes (tomador e prestador dos serviços). Nesse sentido, o TST consolidou a Súmula 363, com a seguinte redação: “A contratação de servidor público, após a CF/88, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no seu art. 37, II e § 2o, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS”.
2. CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
1. Contrato intuitu personae
O contrato individual de trabalho é personalíssimo. O vínculo forma-se diretamente com o prestador dos serviços – o empregado – o que torna a sua obrigação infungível.
2. Contrato comutativo, sinalagmático e oneroso
O contrato individual de emprego é comutativo, ou seja, há obrigações certas e determinadas para ambas as partes. A noção de comutatividade contrapõe-se à noção de álea: nos contratos aleatórios, a obrigação para uma ou ambas as partes é incerta, como, por exemplo, nos contratos de seguro, em que uma das obrigações da seguradora (pagamento do prêmio) depende da ocorrência do sinistro.
A comutatividade no contrato individual de trabalho manifesta-se através de obrigações distintas e sucessivas. Como obrigações principais de empregado e de empregador, temos, respectivamente, a prestação de serviços (ou colocar-se a disposição para prestá-los) e o pagamento do salário. O empregado, em um primeiro momento, põe-se a disposição do empregador para prestar seu serviço e, após, recebe a contraprestação salarial devidamente ajustada.
Daí surge o caráter sinalagmático do contrato de trabalho. As prestações trabalhistas são recíprocas e guardam, subjetivamente, uma noção de equivalência. Em outras palavras, o empregado recebe porque trabalha (ou se coloca a disposição); não trabalhando, não recebe (salvo situações excepcionais previstas em lei). E, nesta reciprocidade de prestações, o
empregado cria, com seu trabalho, um valor para o empregador, que em função disso retorna uma prestação (contraprestação – o salário) de valor aproximado ao empregado1.
Assim, concebem-se as prestações principais do contrato de trabalho como aquilatáveis economicamente: o empregado produz $X e recebe o equivalente (subjetivo e relativizado) a $X como contraprestação. Este fluxo patrimonial de um sujeito da relação de emprego para outro, e vice-versa, nos traz o caráter oneroso do contrato: o trabalho é percebido como um bem integrativo do patrimônio jurídico do trabalhador (embora, paradoxalmente, dele não possa ser separado) e, uma vez cedido e corporificado em um bem, criando um valor determinado ao empregador, obriga este ao dever de contra prestar pecuniariamente com o equivalente (pagamento de salário).
3. Contrato consensual
Basta o mero consenso entre as partes para que o contrato se constitua. Ou seja, a regra no direito do trabalho é que não haja maiores formalidades para a constituição do contrato. Este pode ser tácito ou expresso e, uma vez expresso, pode ser tanto verbal quanto escrito (art. 443, CLT).
4. Contrato de trato sucessivo
A regra é que o contrato individual de emprego seja de trato sucessivo, ou seja, suas obrigações periodicamente se renovam no tempo. O empregador contrata a prestação de serviços, cuja exigência se renova no tempo. E enquanto o empregado estiver trabalhando, deverá receber seu salário, periodicamente. Em outras palavras, a prestação de serviços é uma obrigação de meio, e não de resultado.
Não é pelo mero término de uma obra que o empregado satisfaz sua obrigação; esta se renova enquanto desenvolver sua atividade, que, a princípio, perdura no tempo.
5. Dirigismo contratual
O contrato individual de trabalho foi concebido em meio à doutrina do dirigismo contratual pelo Estado. Como uma das partes é presumidamente hipossuficiente (o empregado) e sendo, em função disso, a relação contratual não paritária, o Estado interveio determinando um anteparo normativo mínimo de proteção ao elo mais frágil.
1 De valor aproximado, pois a equivalência inerente à ideia de sinalagma não pode ser mensurada em termos absolutos: o valor contraprestado deve atender minimamente a dignidade do trabalho (subjetivação do sinalagma) e, no contexto capitalista, em boa parte ditada com base em leis de mercado (relativização do sinalagma)
Grande parte das cláusulas contratuais são determinadas ou dirigidas pelo direito. Nesse sentido, a autonomia de vontades no contrato individual de trabalho é limitada em função da ação do Estado, que determina, por intermédio da lei, standards contratuais (art. 444, CLT).
6. Contrato realidade
O contrato individual de trabalho é um contrato realidade, ou seja, molda-se a partir da situação fática efetivamente estabelecida. Suponhamos que ‘A’ passe a prestar serviços de natureza pessoal, com intuito oneroso, de forma subordinada e não eventual para ‘B’, embora haja um documento expresso especificando a prestação de serviços como autônoma. A situação real, nesse caso, fará emergir o contrato de trabalho. Ou então, suponhamos que o empregador ‘D’ tenha anotado na CTPS do empregado ‘G’ o salário de R$ 800,00, mas todo o mês pagava-lhe o valor de R$ 1.000,00. A situação fática fará emergir uma cláusula contratual tácita de aumento salarial, que deverá ser reconhecido como sendo de R$ 1.000,00. Em suma, situações fáticas mais benéficas ao empregado e habitualmente estabelecidas têm o poder de modificar o documento contratual expresso.
VII. DA ALTERAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
a) Considerações iniciais
Sendo o contrato de trabalho um contrato de trato sucessivo, que se renova no tempo, há a necessidade de se admitir um espaço para alterações. Ainda, há que se ter em conta que o empregador é, em regra, empreendedor, ou seja, responsável pelo desenvolvimento de uma atividade empresarial, que por natureza é dinâmica.
Simultaneamente, não se pode perder de vista que o direito do trabalho é informado pelo princípio protetivo, resultando a circunstância de que, apesar da necessidade de o contrato ser permissivo a alterações, esta possibilidade deve estar limitada pelas garantias mínimas consagradas por este ramo jurídico. Daí resulta a regra geral no que diz respeito às alterações do contrato de trabalho de restringir as alterações prejudiciais ao trabalhador.
As alterações do contrato de trabalho, lato sensu, podem ser objetivas ou subjetivas. As alterações que ora estudaremos são as alterações objetivas, pois as subjetivas são as alterações nos polos da relação de emprego, que não dizem respeito a este tópico da matéria juslaboral.
Alterações lato sensu do contrato de trabalho | Alterações objetivas |
Alterações subjetivas |
As alterações contratuais no direito do trabalho podem dar-se dentro de limites predeterminados, quais sejam:
a) por determinação estatal, visto que o contrato individual de emprego é um contrato dirigido, e assim a lei poderá alterar suas condições, respeitados o ato jurídico perfeito e o direito adquirido;
b) por vontade da coletividade, via negociação coletiva, plano em que se presume um maior equilíbrio entre capital e trabalho e, portanto, permitem-se, dentro dos limites expressamente estabelecidos, alterações. (Art. 7o, XXVI, CRFB);
c) por vontade individual das partes, desde que haja o mútuo consentimento e, ainda assim, desde que não resultem prejuízos diretos ou indiretos ao empregado (art. 468, CLT);
d) por vontade unilateral do empregador, nos estreitos limites do jus variandi.
As espécies de alterações contratuais que são objeto de estudo deste capítulo são as individuais bilaterais e unilaterais. A alteração por determinação estatal (mudança da norma estatal) não compõe esta obra, pois diz respeito à teoria geral do direito (entre outras áreas do saber). As alterações realizadas pela vontade das partes coletivamente consideradas serão objeto de nosso estudo no capítulo referente ao direito coletivo do trabalho.
b) Alteração contratual bilateral, por vontade individual das partes
O dispositivo legal cerne das alterações bilaterais é o art. 468 da CLT. Dele é possível extrair os dois requisitos fundamentais para a realização das alterações: mútuo consentimento e ausência de prejuízos, diretos ou indiretos, ao trabalhador.
Para a ocorrência do mútuo consentimento se pressupõem vontades livres, sem vícios. Como regra, a vontade deve ser ativa, ou seja, comissiva, mas nada impede que a alteração se dê de forma tácita, sem uma manifestação expressa. Afinal se o próprio contrato de trabalho pode iniciar de maneira tácita, evidente que uma alteração em seu curso pode dar-se desta forma. Também não é exigido, como regra, que as alterações contratuais se deem por escrito, embora em certas situações pontuais a lei exija tal formalidade.
Em regra, as alterações não podem gerar prejuízo direto ou indireto para o empregado. O legislador entendeu absolutamente nula a modificação no contrato que gere desvantagem ao obreiro, mesmo que supostamente haja comprovação de sua aquiescência. Neste caso, a
vontade do empregado é substituída pela do legislador; afinal, não se mostra razoável uma situação em que um trabalhador, presumidamente hipossuficiente, respalde de forma livre e consciente uma alteração que lhe seja prejudicial.
c) O jus variandi
As alterações contratuais eram, pela doutrina clássica do direito do trabalho, estudadas com base central no art. 468 da CLT, sempre sendo requisitada a bilateralidade para sua ocorrência. A evolução do direito do trabalho trouxe à tona a teoria do jus variandi, que surgiu de uma necessidade de se permitir unilateralmente alterações no contrato, sob pena de “engessá-lo” ao somente permitir modificações com o assentimento das suas partes.
O jus variandi é a faculdade do empregador, decorrente do seu poder de comando e exercida dentro de limites, de introduzir modificações em aspectos da relação de emprego, geralmente circunstanciais, que digam respeito à prestação de serviços e à organização da empresa, para melhor adequar a energia laboral disponível às reais exigências da atividade econômica.
O jus variandi ocorre sempre unilateralmente pelo empregador, não existindo modificação do contrato pela vontade exclusiva do empregado. Afinal, trata-se de uma relação subordinativa. Para que o trabalhador consiga inserir alguma alteração na relação empregatícia, ela contará, no mínimo, com a concordância tácita do empregador, e desta forma haverá a bilateralidade.
Em linhas gerais, o jus variandi é limitado por três grandes ordens de circunstâncias (como, aliás, também o é o poder de comando): extrínsecas, intrínsecas e subjetivas. Uma vez respeitados os limites, a alteração unilateral reveste-se do caráter de ordem patronal legítima e, portanto, a recusa injustificada por parte do empregado pode consubstanciar insubordinação ou, conforme o caso, indisciplina (art. 482, “h”, CLT).
Os limites extrínsecos dizem respeito à ordem normativa (princípios e regras) regente do contrato do trabalho. As alterações contratuais promovidas pelo jus variandi não podem afrontar os direitos básicos do trabalhador. Além disso, em certas matérias, a lei regula de forma mais minuciosa a alteração unilateral, admitindo-a, mas estabelecendo requisitos que devem ser observados para a sua validade (como é o caso da transferência, art. 469, § 1º, CLT). Já em outras alterações circunstanciais, a legislação implicitamente veda a adoção do jus variandi, ao exigir o requisito do acordo escrito (e, consequentemente, impossibilitando a imposição unilateral), como ocorre na compensação de jornada (art. 59, § 2º, CLT e Súmula 85, TST).