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Aproximação a figura do contrato de cartão de crédito enquanto contrato de xxxxxx
Xxxxxxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx.*
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O contrato de cartão de crédito e a questão legal; 3. O contrato de cartão de credito como contrato de adesão; 4. O cartão de crédito como um contrato de crédito ao consumo; 5. Conclusão; 6. Bibliografia.
RESUMO: O artigo consiste na análise do contrato de cartão de crédito enquanto contrato de xxxxxx, a partir de enfoque consumerista. Neste sentido, o estudo convida a uma reflexão sobre a inter-relação entre os princípios da autonomia da vontade, pacta sunt servanda e equidade, face aos novos desafios de uma economia de escala, afrontando o desafio de garantir o desenvolvimento comercial, frente a particular condição de hipossuficiência do consumidor.
Palavras chave: Cartão de crédito; consumidor, contrato de adesão. ABSTRACT
The article is the analysis of the credit card as a contract of membership, as of focus at the consumer protection. Accordingly, the study calls for reflection on the interrelationship between the principles of freedom of choice, pacta sunt servanda and equity, given the new challenges of an economy scale, afrontando the challenge of ensuring the business development front of a particular fragility condition of the consumer.
Key-words: Credit cards; consumer; contract of membership.
1. INTRODUÇÃO
Sem qualquer pretensão de esgotar tema, mas sim, de inquietar o leitor quanto a importância da questão, o presente estudo suscita a partir de enfoque geral, mas sem prescindir da singeleza, a vulnerabilidade do consumidor enquanto parte aderente do contrato de cartão de crédito1.
Tomando como ponto de partida o conteúdo doutrinário que envolve a questão, este trabalho não pretende refutar qualquer das obras aqui mencionadas, mesmo porque a excelência destas nos exime de tal responsabilidade.
Assim, cumpre-nos ressaltar, ainda que perfunctoriamente, a indubitável pertinência da aplicação do Código de Defesa do Consumidor2 nos negócios que relacionem administradoras com usuários de cartão, e suas implicações, pelo simples aspecto de tratar-se o último de destinatário final do serviço de intermediação oferecido por aquela. Neste sentido, vejamos o que diz o artigo 2º da mencionada lei, in verbis: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”
Nesse esteio, importante considerar que, se por um lado, a figura do cartão de crédito representa a otimização das relações comerciais, conferindo ao seu titular a segurança proporcionada pela desnecessidade de transporte de moeda propriamente dita – em uma espécie de virtualização da moeda - por outro, ocasiona incertezas diante da omissão legislativa que lhe marca.
Assim, na tentativa de plantar as bases para uma pesquisa mais verticalizada sobre tema, ora enfrentaremos a figura do contrato de adesão, assim como a questão da admissibilidade do contrato de cartão de crédito frente alguns dos princípios norteadores do nosso sistema legal, em especial, aqueles que apresentam relação de maior proximidade com a norma consumerista.
A bem da verdade, cumpre destacar que a suposta e já amplamente discutida abusividade nas relações contratuais não se trata de prerrogativa exclusiva dos contratos de emissão de cartão de crédito, sem embargo, a sua aparição nessa modalidade contratual ganha contornos ainda mais preocupantes face ao exponencial crescimento dessa modalidade negocial, o que justifica o estudo.
2. O CONTRATO DE CARTAO DE CRÉDITO E A QUESTÃO LEGAL
Segundo o princípio da liberdade contratual, pode ser criado um vínculo obrigacional entre partes, na medida de seus interesses e dos limites legais, formando a lex contractus. Assim, a consagração legal da admissibilidade dos contratos de cartão de crédito, como uma das espécies do gênero vínculo obrigacional, encontra abrigo legislativo no supracitado princípio.
Numa visão tradicionalista do “dever ser”, um contrato resulta de uma harmonização de interesses, levada a cabo pelos intervenientes em um contrato, que dirimem suas posições antagônicas pela livre, completa e complexa discussão, no intuito de estabelecerem auto- regulamentação, agindo por sua própria e autônoma vontade.3 Corolário do princípio da autonomia da vontade é a liberdade que tem as partes de contratar ou não, estabelecendo dentro dos limites da lei, o conteúdo do contrato e escolhendo a parte com a qual quer pactuar.
Entretanto, sob a égide do modelo capitalista vigente, assistimos a massificação das relações comerciais, a qual responde pelo surgimento em paralelo da figura do contrato de adesão, a qual se encontra regulado pelo artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor, enunciando em seu caput, in verbis:
Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
É nesse cenário que se tornam fecundas vasta gama de arbitrariedades, fomentadas pela superioridade econômica dos fornecedores e prestadores de serviços, em detrimento dos consumidores finais.
Particularizando para a realidade do contrato de emissão de cartão de crédito, não incomum encontramos cláusulas que vêm a eximir a responsabilidade civil do pólo emissor (administradoras de cartão), superprotegendo-os e deixando a sua própria sorte as pessoas com as quais contratam.
Assim, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor a essa modalidade contratual mostra-se inquestionável, haja vista versar o contrato sobre uma prestação de serviço. Sem embargo, importante destacar o atraso de nosso ordenamento quando se fala da matéria, o que não se pode atribuir exclusivamente ao excesso de formalismo do processo legislativo pátrio, e tampouco ignorar possíveis interferência externas.
Apesar do entendimento jurisprudencial acerca da matéria, o qual vem demonstrando sensibilidade a particular condição de hipossuficiencia do titular do cartão, perdura a carência de uma regulação uniforme da matéria, afim de evitar-se a disparidade das sentenças e conferindo aos usuários a tranqüilidade necessária para a fruição do serviço disponibilizado pela administradora.
Desde instante da criação dos cartões de crédito, fruto do espírito inventivo do homem e da sua capacidade de maximizar resultados, a estipulação das cláusulas contratuais ficava a cargo do livre arbítrio das entidades emitentes, que dispunham de ampla liberdade para criarem o regime jurídico que mais lhe aprouvesse. Hoje, a partir de uma mais aguçada percepção do consumidor, mostra-se imperativa a necessidade de um maior labor legislativo sobre a matéria, estabelecendo de forma mais pormenorizada um standard mínimo de proteção ao titular do cartão, a partir da mínima intervenção necessária para o equilíbrio dos interesses em jogo.
A percepção do consumidor como, regra geral, parte mais débil de uma relação contratual, permite visão mais otimista sobre a questão. A abusividade nas relações contratuais é uma tendência a inverter-se pelo surgimento não só de normas gerais passíveis de incrementar justiça equitativa nas regras contratuais em geral, mas ainda pela proteção jurídica concedida pelo legislador aos contratos de crédito ao consumo em geral, dos quais o contrato de cartão de crédito é um caso particular, em obediência a política de tutela do consumidor.
3. O CONTRATO DE CARTAO DE CRÉDITO COMO CONTRATO DE XXXXXX
Nos contratos que nos propomos a analisar, motivações pragmáticas costumam justificar a não verificação de uma negociação individualizada das cláusulas contratuais, explicação que não nos para razoável ou convincente.
A pré-elaboração unilateral dos contratos contribui para o fortalecimento do modelo de sociedade desigual, privilegiando minoria abastarda, em flagrante desrespeito ao que preceitua o Código de Defesa do Consumidor, ao ocasionar muitas vezes vantagem exagerada para o fornecedor. É o que preceitua o Código de Defesa do Consumidor ao tratar das cláusulas abusivas, em seu artigo 51, parágrafo 1º, inciso III, ao taxar de abusiva a disposição que se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerada a natureza, interesses e circunstâncias peculiares ao caso.
A ausência da livre discussão entre as partes quanto as disposições contratuais, resultado da imposição por uma delas de modelo cuja aceitação deve ocorrer em bloco, além de atentar contra a equidade, desvirtua a própria essência da relação contratual, gerando a obrigação da tutela do Estado para efetivação da justiça.
Ao materializar-se o desequilíbrio econômico das partes no contrato, abre-se caminho para possíveis lesões patrimoniais ao usuário, violando não só o Código de Defesa do Consumidor, como também dispositivos do Código Civil Brasileiro4. Senão vejamos o que enuncia o artigo 423 da referida norma, in verbis: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”. No mesmo sentido, o artigo 424 proclama, in verbis: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza de negócio.”
No entanto, na esteia de parte da doutrina, os contratos de adesão são uma manifestação jurídica da vida moderna, algo inevitável, uma prática irreversível e ineliminável, destinada a satisfazer interesses objetivamente justificados das empresas.
Entendemos que as circunstâncias ora abordadas são conseqüência do crescente incremento das relações negociais e jurídicas e da manifestação da vida econômica, que impelem ao surgimento de mecanismos que permitam a maximização dos resultados e subseqüente subsistência em um mundo competitivo. Entretanto, injusto é cobrar-se o preço dessas mudanças do já violentado consumidor, a revelia das normas que reconhecem a hipossuficiência do seu status quo.
Sendo assim, deve-se buscar formas alternativas de crescimento, sustentadas na equidade das relações comerciais, rompendo com raiz cultural que vem há muito desrespeitando o consumidor.A aposição de disposições generalizadas, para um conjunto heterogêneo de clientes, tem sido a tônica dos contratos de adesão do mundo moderno, impondo-se em bloco cláusulas de rigidez inabalável.
Quase sempre viciados, fruto da omissão legislativa, os contratos de adesão podem apresentar vantagens, desde que haja controle sobre seu conteúdo. Como isto não ocorre, mostram-se sob feição patológica, resultantes, não só da superioridade econômica da entidade proponente, mas também face à flagrante debilidade do consumidor.
Doutrinariamente, este tipo de contrato é encarado como uma limitação ao princípio da liberdade contratual, uma vez que uma das partes fica inibida de estabelecer o conteúdo do contrato. Resta ao consumidor aceitar as cláusulas pré-estabelecidas ou optar pela não vinculação - aceitar ou rejeitar - , sem poder interferir efetivamente, ou mesmo intervir de forma significativa, na conformação do conteúdo negocial que lhe é proposto, visto que o emitente não está disposto a alterá-las ou negociá-las. Se o potencial cliente decidir contratar, terá que se sujeitar as cláusulas previamente determinadas por outrem, limitando-se aquele a aderir a um modelo.
Não restam dúvidas de que a entidade emitente é o elemento propulsor e de controle de toda operação relativa à utilização dos cartões de crédito, predispondo unilateralmente as condições gerais dos contratos e impondo-as as outras partes.5
O que aqui releva é a possibilidade de averiguar a legalidade dessas disposições contratuais - a sua equidade - , tendo como função não apenas obstar a eventuais abusos, como servir de elemento dissuasivo a sua verificação, diminuindo a posição dominante que seguem assumindo as entidades emitentes.6
4. O CARTÃO DE CRÉDITO COMO UM CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
Para o regular controle do contrato de emissão de cartão de crédito - os quais estão consubstanciados em um crédito para o consumo - , exige-se um acompanhamento particularizado.
Constitui o cartão uma das várias modalidades de crédito ao consumo, uma vez que atua na atribuição de meio monetários para a aquisição de bens de consumo ou prestações de serviço.
Vem se entendendo a figura do cartão como uma disciplina autônoma dentro do universo creditício, cuja expansão pode justificar-se pela crescente concorrência no setor bancário, aliada a queda da rentabilidade das operações usuais, bem como pelo consumismo que impera na sociedade contemporânea. Assim, a concessão de crédito ao consumo vem experimentando um notável incremento, em uma multiplicidade de formas e esquemas negociais, dos quais se destacam, por exemplo, a venda a crédito e a prestações, as vendas com reserva de propriedade, os empréstimos bancários e o leasing, questões que exigem cada vez mais a atenção do legislador, preponderantemente no que concerne a tutela do contratante mais débil.
5. CONCLUSÃO
A realidade dos contrato de cartão de crédito, enquanto contrato de adesão, é pautada pela inobservância dos princípios norteadores do Direito, criando ambiente caracterizado pela abusividade.
É indispensável extirpar-se do modelo atual toda e qualquer expressão que colida com a proporcionalidade, a equidade e a boa-fé nas relações de consumo, tendo como desiderato o respeito ao consumidor. É preciso estancar-se os efeitos funestos do capitalismo voraz, coibindo o colapso da autonomia da vontade.
A retórica da economia de escala não pode prevalecer ante a soberania da lei e dos ideais que a norteiam. Neste sentido, vejamos o que diz o artigo 5º da Constituição Federal7, em seu inciso XXXII, in verbis: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.”
Imprescindível é a observância da função social da norma, competindo as administradoras de cartão de crédito a busca de formas alternativas de manutenção que não atentem contra a dignidade os interesses econômicos do consumidor, preocupando-se com a adequação de sua atividade aos princípios gerais, uma vez que constituem a base de sustentação de todo o ordenamento jurídico.8
Sendo assim, importante considerar-se que, o almejado desenvolvimento, fruto da capacidade humana de superar obstáculos, rompendo paradigmas, é algo glorioso; desde que compartilhado com todos.
6. BIBLIOGRAFIA
Doutrina
1. XXXXX, Xxxxxx. Direito Bancário. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.
2. XXXXXXXX XX XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Elementos do Direito Administrativo. São Paulo: ed. XX, 0000.
3. XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Manual de Direito Bancário. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.
4. XX XXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxx. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 1998.
Legislação
5. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
6. Código Civil Brasileiro (Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002).
7. Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990).
Notas de rodapé
1 Serviço de intermediaçao oferecido por uma administradora de serviços que permite ao consumidor adquirir bens e serviços em estabelecimentos comerciais previamente credenciados à entidade emitente. Supõe uma relação triangular. A primeira delas decorre de um contrato celebrado entre a entidade emitente do cartão e o titular ou usuário; uma outra do contrato que aquela celebra com o estabelecimento comercial aderente, e uma última resultante da relação entre o titular ou usuário e o estabelecimento comercial conveniado.
2 Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90 de 11 de setembro de 1990).
3 DE XXXXXXX XXXXX, Xxxxx Xxxxx. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, p. 197.
4 Código Civil Brasileiro (Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002).
5 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Manual de Direito Bancário. 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 415.
6 Ibidem, p. 415.
7 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
8 BANDEIRA DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Elementos do Direito Administrativo. São Paulo: ed. RT, p. 230.
* Doutorando em Direito Internacional Privado pela Universitat de València - España (bolsista da Universidade) (2005-2008). Diplomado em Estudos Avançados (DEA) pela Universitat de València - España (bolsista da Universidade) (2007). Professor e Coordenador de Núcleo de Pesquisa. Professor visitante da Universitat de València – España (2008). Diretor Geral do Cathedra - Instituto de Ensino e Estudos Jurídicos, Políticos e Sociais para América Latina.
Consultor jurídico. Advogado (inscrito na OAB/PE sob o nº 21.995) especialista nas áreas de Direito Empresarial e Internacional.
Disponível em: xxxx://xxxxx.xxx/xxxxxxx/00000> Acesso em: 6 out. 2008.