CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE. LEI 13.467/2017
CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE. LEI 13.467/2017
Xxxxxxxxx das C. Lima Filho1
Sumário: 1. Introdução; 2. Contrato de trabalho intermitente. Conceito e alcance; 3. Formalidade como requisito de validade do contrato; 4. Direitos e deveres;
5. Considerações finais; 6.
Referências.
I. Introdução
Proponho neste modesto artigo tecer alguma rápidas considerações a respeito do chamado “contrato de trabalho intermitente”, disciplinado pela Lei 13.467/2017, que implementou na
1 Desembargador do TRT da 24ª Região. Mestre e doutor em Direito Social pela Universidad Catilla-la Mancha (Espanha). Diretor da Escola Judicia do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região.
legislação de proteção do trabalho talvez a mais profunda reforma após a edição da velha Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, e que foi e ainda é, objeto de muitas discussões e incompreensões, mas cujos resultados e o alcance, positivos ou negativos, apenas o tempo terá condições de revelar, pois como toda obra humana, contém virtudes e defeitos, mas que certamente serão fruto, em alguma grande medida, do labor hermenêutico da doutrina e da jurisprudência. Por isso mesmo, o que se defenderá neste trabalho nem de longe terá a pretensão de ser definitivo, à medida que como toda ciência, o Direito também se encontra sob a influência da evolução da sociedade, e o Direito do Trabalho com maior razão, que é sempre influenciado e muitas vezes depende, para ser concretizado, do modelo de trabalho e de produção. E num mundo capitalista globalizado em que o trabalho humano se encontra sob a forte influência se não de dominação das conquistas, cada vez mais rápidas, do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, essa
realidade passa a ser ainda mais visível, não se podendo, verdadeiramente, no atual estágio da civilização ocidental e no contexto histórico que vivenciamos, defender um modelo perene de legislação laboral, sob pena do Direito do Trabalho se dissociar da realidade, o que leva o legislador a editar normas que de alguma forma possam contribuir para a geração de postos de trabalho para os milhões de desempregados, inclusive no Brasil2, o que obriga em muitos momentos a se mitigar algumas garantias histórica e dolorosamente conquistadas, em troca da manutenção de outras ligadas à manutenção e à geração de emprego e de trabalho embora isso dependa muito mais do desenvolvimento econômico.
Com o devido respeito, parece ter sido essa a visão dos autores da Lei 13.467/2017 e não
2 De acordo com as estatísticas dos órgãos de pesquisa atualmente seriam mais de doze milhões de desempregados, sem contar aqueles que vivem de “fico” no subemprego aumentando o quadro de exclusão, fruto de uma crise jamais vista no País e que, em boa medida, foi gerada por corrução e equívocos de Governos descompromissados com valores éticos.
apenas a de precarizar ou extinguir direitos como tem sido afirmado por alguns com os quais não vejo como concordar. E entre as alterações trazidas pela aludida Lei, encontra-se aquela relativa ao reconhecimento e a disciplina do “contrato de trabalho intermitente” que era uma realidade entre nós, mas que ainda não tinha recebido a devida disciplina legal, o que, a bem da verdade, passou a existir no cenário jurídico nacional, levando alguns a defender que a Lei 13.467/2017 nada mais fez do que legalizar o chamado “bico”3.
Se o contrato intermitente trará ou não ganhos ao trabalhador, isso, por si só, não pode nem deve deslegitimá-lo, pois incumbe ao intérprete, sem adotar posições ideológicas, dar- lhe a devida dimensão e o correto alcance.
É isso o que se propõe demonstrar no presente artigo.
3 Foi o que afirmou o ex-Ministro do Trabalho e do TST, Xxxxx Xxxxxxxxxx em entrevista quando da tramitação da “Reforma Trabalhista”.
2. Contrato de trabalho intermitente. Conceito e alcance
Inicialmente necessário se faz tecer algumas e rápidas considerações a respeito do conceito do contrato de trabalho intermitente para que se possa entender em que consiste a nova modalidade de contração prevista no § 3º do art.
443 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, na redação constante da Lei 13.467/2017.
Pode-se, grosso modo, definir o trabalho intermitente como aquele que é prestado de forma descontínua em certos dias da semana, do mês ou do ano, ou em determinadas épocas, dependendo de eventos que apenas acontecem nessas ocasiões como carnaval, festividades de finais de ano, temporadas de férias, trabalho prestados para conjuntos musicais em shows de finais semana, trabalho de garçons em clubes e outros estabelecimentos que apenas funcionam em finais de semana, nos feriados ou certas épocas, não existindo necessidade de que o trabalhador fique
de forma integral, todos os dias, à disposição do empregador.
Nesse tipo de labor, a prestação de serviços é necessária enquanto e quando ocorrem esses eventos, embora muitas vezes aquele que a contrata tenha uma atividade permanente, donde se concluir que a intermitência não está ligada ao tipo de atividade empresarial, mas à necessidade do labor apenas em certos dias ou determinadas ocasiões ou épocas.
Para a doutrina judicial espanhola, a singularidade que define o objeto do contrato de trabalho fixo descontinuo (o contrato intermitente previsto no § 3º do art. 443 da CLT no Brasil) está não apenas no fato de que não se realiza a prestação laboral todos os dias do ano, mas também na circunstância de que se reitera com periodicidade cíclica, alternando períodos de atividade com outros de inatividade, o que supõe que não se desenvolve uniformemente ao longo de
todo o ano, mas de forma intermitente ou por ciclos (STSJ Murcia 10.05.1994, AS 1816)4.
Se trata, assim, de um contrato fixo quanto à duração, mas descontinuo no que diz respeito à forma da prestação de serviço, que não é de trato sucessivo, mas intermitente que, todavia, não pode ser confundido com contrato de duração determinada ou aquele por tempo parcial. Por conseguinte, a intermitência da prestação laboral é, assim, o traço característico do contrato intermitente, embora seja uma modalidade de contrato de trabalho por conta alheia, em que a prestação laboral é executada de forma subordinada em proveito daquele que aufere os frutos do labor, mesmo descontinuamente5.
4 POVEDA, Xxxx Xxxxxxx. El contrato de trabajo fixo discontinuo: Um estúdio jurisprudencial. Madrid: Editorial Bormazo, 2004, p. 10-11.
5 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx et al. Derecho del Trabajo Madrid: tecnos, 2007, p. 537; XXXXXXXX, Xxxxx Xxxx. Compendio de Derecho del Trabajo Madrid: tecnos, 2014, p. 255-256.
Para a legislação brasileira (§ 3º, do art. 443 da CLT, na redação da Lei 13.467/2017):
Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.
Em primeiro lugar, aparentemente se rompe nessa modalidade contratual com o pressuposto da não eventualidade previsto no art. 3º da Lei Consolidada, mas só aparentemente, pois a intermitência, como antes se viu, não diz respeito à atividade da empresa, que para a teoria dominante a respeito da relação de emprego a não eventualidade é definida considerando-se os objetivos sociais da empresa ou do empregador. Portanto, não é o labor, mas a forma como é prestado em certos dias, semanas, mês ou épocas, independentemente da atividade da empresa que pode
ser a atividade fim ou a atividade meio. Por isso, não é o tipo de atividade da empresa que define o trabalho intermitente, mas a forma como é prestado. E tanto assim é verdadeiro, que independentemente do tipo de atividade empresarial, exceto no caso dos trabalhadores aeronautas que são regidos por lei própria, o contrato de trabalho intermitente pode ser celebrado para qualquer tipo de serviço, contrariamente ao que é previsto em outras legislações, nomeadamente a europeia, a exemplo da Alemanha, Itália e Portugal, em que existem algumas restrições para a contratação por essa modalidade de arregimentação de trabalhadores6.
6 O Estatuto de los Trabajadores espanhóis (arts. 12.3 e
16.1 ET), faz uma clara distinção do trabalho estacional, entre trabalhos fixos e periódicos dentro do volume norma de atividade da empresa, que ficam enquadrados no âmbito do contrato a tempo parcial, e aqueles que tenha caráter de fixo-descontinuo e que não se repetem em datas certas, dentro do volume normal de atividade da empresa, que constituem o objeto do contrato fixo-descontinuo, ou intermitente como o denomina a legislação brasileira. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. El contrato fixo-discontinuo. Retos actuales de una modalid contractual histórica. In:
Documentación Laboral. Madrid: n. 110, Año 2017, Vol. II,
p. 93-101. Na Itália e em Portugal, por exemplo, existe previsão de pagamento de uma compensação pelo período de inatividade e só setores com períodos de maior demanda podem adotá-lo- como o de alimentação e hotelaria. Há também limites de idade e de duração do contrato. Na Itália, apenas podem ser contratados os trabalhadores com menos de 25 anos ou com mais de 55 anos, com permissão em negociação coletiva ou pelo Ministério do Trabalho. O trabalho só é permitido por um período de 400 dias a cada três anos com o mesmo empregador, com exceção dos setores de entretenimento, turismo e serviços em locais abertos ao público. Se for ultrapassado, o contrato passa a ser por tempo integral e prazo indeterminado. Em Portugal, a legislação prevê que a prestação de serviço não pode ser inferior a seis meses por ano, dos quais pelo menos quatro meses devem ser consecutivos. O empregador precisa avisar o funcionário com pelo menos 20 dias de antecedência.
Na Alemanha, a legislação estabelece número mínimo de horas a serem prestadas pelo empregado. São três horas consecutivas por cada dia solicitado e pelo menos dez horas semanais. Xxxxx Xxxxxxxx, lembra que o contrato de trabalho intermitente se encontra previsto no Código do Trabalho Português de 2009 nos seguintes termos: “Se, para além do quantum, também é previamente definido o quando da prestação de trabalho, estamos perante a submodalidade de trabalho alternado, em que as partes estabelecem o início e o termo de cada período de trabalho” (cfr. art. 159º, n. 1, 1ª parte). O ritmo de intermitência é previsível e está programado no contrato. Se quando da prestação não é antecipadamente determinado e o trabalhador se obriga a responder às solicitações do empregador (art. 159º, n. 1, in fi)”. Trata-se, na visão da aludida autora, da submodalidade de trabalho à chamada. XXXXXXXX, Xxxxx. O
Não existe, pois, restrição quanto ao tipo de trabalho que pode ser objeto de contratação intermitente, no Brasil, ressalvado apenas a hipótese prevista na norma de regência, o que permite afirmar que não havendo proibição legal, pelo menos em tese, o trabalho doméstico também poderia ser contratado de forma intermitente, em que pese existirem vozes em sentido contrário7.
3. Formalidade como requisito de validade do contrato
Como se trata de uma modalidade especial, o contrato de trabalho intermitente, é
contrato de trabalho intermitente. A relação laboral cimentada na segurança do emprego através do trabalho descontinuo. In: Questões laborais. Lisboa: Nº. 35-36, 2010, p. 203.
7 Penso ser perfeitamente possível a contratação de trabalhadores doméstico como cuidadores de idosos ou babá, enfermeiros e outros que trabalhariam, às vezes como foguistas, apenas nos fins de semana o em feriados, que teriam os direitos garantidos, inclusive para efeitos previdenciários, sem que isso implique em qualquer ilegalidade ou precarização de direitos, como alguns têm defendido.
um contrato formal exigente de formalização por escrito, devendo constar de seu conteúdo o prazo de vigência quando houver contratação por tempo determinado; tipo de labor; jornada; tipo e forma da prestação laboral, inclusive quanto à convocação do trabalhador; remuneração, respeitado o valor do salário mínimo ou aquele que for habitualmente pago aos demais trabalhadores da empresa que exerçam a mesma função no mesmo estabelecimento com contrato intermitente ou não8, entre outras, de modo que possa ser identificada a forma da contratação, com registro, como os demais contratos, na carteira de trabalho do empregado, sob pena de se considerar fraudulenta a contratação na modalidade intermitente passando a
8 É isso, aliás, que se extrai do contido na Convenção 175 e da Recomendação 182 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ao estabelecer e recomendar, que os trabalhadores a tempo parcial, devem perceber em condições equitativas, as mesmas compensações pecuniárias ao salário básico que percebem os trabalhadores a tempo completo em situação comparável, ou seja, o salário deve ser calculado proporcionalmente sobre as horas laboradas, porém, com base nos mesmos métodos usados para os trabalhadores a tempo completo que se achem em uma situação comparável (Convenção 175).
ser considerada pela modalidade integral de prestação de serviços9. Até porque, como afirmado pelo Tribunal Supremo espanhol, como se sabe, os contratos são que são e não o que as partes dizem que são (STS 1-04.1991, RT 3329) pelo que, mesmo sendo formalmente celebrado sob outra modalidade, de acordo com o princípio da primazia da realidade, prevalece aquilo que as partes vivenciaram a despeito do que formalmente “contratado” ou da denominação que se possa ter lhe emprestado.
É isso que se extrai da interpretação teleológica e sistemática do previsto no art. 452- A da CLT em harmonia com o estabelecido no art. 443, § 3º, na redação dada pela Lei 13.467/201710.
9 Nesse sentido prevê expressamente o art. 15.8 do Estatuto de los Trabajadores espanhóis.
10 XXXXXXX, Xxxxxxxx XXXXXXX. A Reforma Trabalhista no Brasil. São Paulo: LTr, 2017, p. 156-157.
4. Direitos e deveres
Antes de tudo, vale lembrar que a interpretação da Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT em harmonia com o previsto nos arts. 3º, inciso IV e 5º da Carta de 1988, permite afirmar que o trabalhador admitido pelo regime de contrato intermitente não pode sofrer nenhum tipo de discriminação em relação aos demais trabalhadores contratados pelo regime integral da prestação de serviços.
Como os demais trabalhadores, o empregado contratado de forma intermitente é destinatário e sujeito dos direitos, especialmente os direitos fundamentais, embora a forma como presta o serviço de certo modo mitigue o desfrute desses direitos, como por exemplo, em relação ao valor da remuneração. Porém, incumbe aos poderes públicos, aí incluído o Poder Judiciário, velar para que a liberdade e a igualdade do indivíduo, inclusive do trabalhador intermitente, e dos
grupos em que se integra, seja real e efetiva, à medida que parece não existir dúvida de que a descontinuidade da prestação laboral constitui um grande obstáculo que se não impede pelo menos dificulta a participação desses trabalhadores na vida social, econômica, sindical e na da própria empresa. Todavia, o que não se admite é que sejam excluídos da proteção outorgada ao trabalhador de tempo integral pela mera circunstância de terem sido contratados sob a modalidade intermitente11.
Embora a norma legal (art. 443, § 3º da CLT) não disponha expressamente a respeito da categoria dos e direitos fundamentais, eles encontram abrigo no Texto Maior e nas normas internacionais das quais o Brasil é signatário, inclusive aquelas expedidas pela Organização Internacional do Trabalho - OIT e, portanto, devem ser aplicados aos trabalhadores contratados sob o regime de contrato intermitente, de forma que tenham esse e outros direito respeitados, especialmente aqueles que compõem a dignidade
11 POVEDA, Xxxx Xxxxxxx. Ob. cit., p. 36.
humana, como o direito à intimidade, à segurança, à saúde – física e mental – aí incluídas aquelas de proteção da jornada, intervalo, além das férias, gratificação natalina, FGTS, seguro desemprego entre outras, sem contar que também são beneficiários das conquistas previstos ou garantidas por força de normas coletivas, é claro.
De outro lado, as normas de regência dessa modalidade contratual em outros países, como aqueles da União Europeia, estabelecem os critérios de chamamento para a execução da prestação laboral e as consequências da recusa ou de justificação do não atendimento, prevendo prazo mínimo para tanto, não havendo aí, penso eu, nenhuma inconstitucionalidade, pois, em caso de recusa ou ausência sem justificação no prazo nela estabelecido, o trabalhador deverá indenizar o empregador, o mesmo ocorrendo quando este convoca aquele e não lhe proporciona o trabalho, pois
nesse caso viola o direito à ocupação xxxxxxx00, devendo indenizar o trabalhador pela ausência de trabalho, embora se reconheça que esse direito - à ocupação efetiva - em se tratando de trabalhador contratado de forma intermitente, não é um direito completo, pois limitado, à medida que a descontinuidade é elemento constitutivo dessa modalidade contratual e não tenha a norma brasileira fixado critérios mais explícitos para a convocação ou chamamento, contrariamente a outras legislações, que estabelecem uma ordem para o chamamento, o se que recomenda deva ser prevista no contrato ou em norma coletiva, de modo que não fique inteiramente ao alvedrio da vontade subjetiva do empregador, sob pena de se criar situações em que o trabalhador poderá não ser convocado ou sê-lo apenas por poucas horas ou
12 O direito à ocupação efetiva, dimensão do direito social
fundamental ao trabalho, se traduz num direito à trabalhar, ou seja, que seja dada ao trabalhador a oportunidade de executar, de forma efetiva, a atividade para a qual foi contratado. XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx. ~~´´=. Coimbra: Almedina: 2006, p. 504.
raras vezes, o que o submeteria à uma álea desproporcional comprometendo o direito à própria sobrevivência.
Como todo poder, o poder empresarial deve ser exercido dentro de certos limites e por isso, “respeitar aquilo que doutrinariamente se denomina “zona de imposição” do direito necessário, tanto absoluto como relativo, o que implica afirmar que o exercício desse poder deve ser levado a efeito de forma “regular”13, ou seja, com respeito aos direitos fundamentais do trabalhador, inclusive no que diz respeito ao dever de proporcionar trabalho ou ocupação efetiva (art. 6º da Carta Suprema).
Assim, não parece possível, por exemplo, o empregador se valer do poder empresarial para alterar a forma de trabalho integral para intermitente, pois isso implicaria em violação ao previsto no art. 468 da CLT, porque redundaria em
13 LIMA FILHO, Xxxxxxxxx xxx X. Os direito fundamentais e boa-fé como limites ao poder diretivo empresarial. São Paulo: LTr, 2017, p. 77-78.
redução da remuneração, o que apenas poderá ocorrer mediante negociação coletiva (art. 7º, inciso VI da Constituição da República), embora o oposto seja possível.
Desse modo, e mesmo não vendo nenhuma mácula de inconstitucionalidade nas normas que passaram a disciplinar a contratação de trabalhadores pelo regime de contrato intermitente, não se pode fazer uso dessa forma de arregimentação de trabalhador de forma desproporcional, como mecanismo de precarização ou de renúncia a direitos, devendo ser levada a efeito de acordo com a vocação institucional da norma, que foi a fomentar o emprego. Desviada dessa finalidade, a contratação deve ser declarada pelo Judiciário como desproporcional e, portanto, fraudulenta, com reconhecimento do contrato a tempo integral.
5. Considerações finais
De tudo o que antes foi afirmado, entendo que, ao contrário do que têm defendido
alguns, não se vislumbra nenhuma mácula de inconstitucionalidade nas normas constantes da Lei 13.467/2017 que disciplinaram o contrato por trabalho intermitente; ao contrário, se bem e corretamente interpretadas e aplicadas, poderão fomentar o emprego numa época de grave crise de desemprego.
É claro que não poderão ser usadas para fraudar a legislação de proteção do trabalho humano, incumbindo ao Judiciário, como último intérprete, lhes dá o verdadeiro alcance e a dimensão que o legislador pretendeu.
Nos países em essa modalidade de trabalho se encontra disciplinada, como nos países europeus, elas têm sido fonte da fomentação de emprego como acontece, por exemplo, naqueles que recebem imigrantes, como a Espanha, embora ali existam certas garantias mínimas ao trabalhador e requisitos mais severos para essa modalidade de contração, é certo.
E mesmo o § 5º, do art. 452-A permitindo que o trabalhador celebre com outro empregador contrato de trabalho intermitente, é de certa forma complicado, pois a incerteza de quando será chamado por um ou por outro, certamente constituirá um forte obstáculo a que isso se concretize, salvo se ajustados os dias ou épocas certas da convocação.
Num mundo de economia globalizada com um modelo de produção e de trabalho baseado essencialmente em tecnologias cada vez mais sofisticadas que ao mesmo tempo que permitem o ingresso de trabalhadores qualificados no mercado de trabalho, também eliminam um grande contingente que não dispõe dessa qualificação, especialmente em um pais como Brasil, com onze milhões de pessoas sem alfabetização e mais de doze desempregadas que não têm condições de acesso à essas tecnologias, o Direito, nomeadamente o Direito do Trabalho deve criar condições para inclusão dessas pessoas, sob pena de aumentar o
desemprego e a violência que graça todas as regiões do País.
Vejo, pois, com cauteloso otimismo o reconhecimento e a disciplina da contratação intermitente como fonte para diminuir o desemprego, não vislumbrando nas normas que a disciplinam nenhuma mácula de inconstitucionalidade, desde é, claro, que sejam devida e corretamente interpretadas e aplicadas.
Incumbe, pois, ao Judiciário velar para que o objetivo nobre do legislador não seja desvirtuado por meros interesses econômicos.
É isso que, com o devido respeito penso a respeito desse novo contrato que tanta polêmica tem causado.
6. Referências
BRASIL. Constituição República Federativa do Brasil. São Paulo: Editora Atlas, 2017.
XXXXXXXX, Xxxxx. O contrato de trabalho intermitente. A relação laboral cimentada na segurança do emprego através do trabalho descontinuo. In: Questões laborais. Lisboa: Nº. 35-36, 2010.
XXXXXXX, Xxxxxxxx XXXXXXX. A Reforma Trabalhista no Brasil. São Paulo: LTr, 2017, p. 156-157.
ESPÃNA. Estatuto de los trabajadores. Madrid: tecnos, 2017.
XXXX XXXXX, Xxxxxxxxx xxx X. Os direitos fundamentais e a boa-fé como limites do poder diretivo empresarial. São Paulo: LTr, 2017.
POVEDA, Xxxx Xxxxxxx. El contrato de trabajo fixo discontinuo: Um estúdio jurisprudencial. Madrid: Editorial Bormazo, 2004.
XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx. Direito do Trabalho.
Coimbra: Almeidda, 2006.
SCALERCIO Xxxxxx et al. CLT COMPARADA CONFORME A REFORMA TRABALHISTA. São Paulo: LTr, 2017.
XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx et al. Derecho del Trabajo. Madrid: tecnos, 2007.
XXXXXXXX, Xxxxx Xxxx. Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx xxx Xxxxxxx. Xxxxxx: tecnos, 2014.