SEGURO
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CONCEITO E PRINCÍPIOS APLICÁVEIS
Trata-se de um dos contratos mais comuns da atualidade face a evolução das relações sociais e as exigências de se adotar maior cautela frente aos riscos do cotidiano, que são muitos. A bem da verdade, “viver é um risco”.
Contudo, convém esclarecer que, apesar de a expressão “seguro” comportar uma pluralidade semântica enorme, o objeto de presente estudo será o seguro de natureza contratual, convencional, e não os obrigatórios, como DPVAT (seguro legal obrigatório de automóveis) ou o direito securitário regulador de certas relações travadas no âmbito da Previdência Social.
De acordo com o art. 757 do CC, é o negócio jurídico por meio do qual, mediante pagamento de um prêmio, o segurado, visando a tutelar interesse legítimo, assegura o direito de ser indenizado pelo segurador em caso de consumação de riscos predeterminados.
Portanto, tem por objetivo acautelar o interesse do segurado em caso de sinistro, obrigando o segurador a indenizá-lo. E justamente por servir a uma infinidade de situações de risco, típica de uma sociedade de massa, que o seguro tem se afigurado como um contrato de adesão, onde apenas uma das partes ditam o seu conteúdo, redigindo as suas cláusulas, cabendo à outra apenas a elas aderir (que não deixa de ser, em última análise, um resquício de bilateralidade). Ou aceita ou contrata!
Mas isso não significa a legitimação do abuso de poder econômico, o qual é limitado por princípios supranegociais e por normas de ordem pública, como a função social do contrato e a boa-fé, previstos no CC e no CDC, e, em última análise, ligados ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, é possível até dizer que haja, excepcionalmente, modalidades personalizadas de contrato de seguro, onde o segurado estabelece cláusulas específicas, como no caso de artistas e esportistas que seguram partes de seu corpo, como voz, pernas etc.
Certo é que, não obstante tudo isso, o contrato de seguro assenta-se em dois princípios fundamentais: o da boa-fé e o do mutualismo.
Quanto ao primeiro, revela-se na exigência de as partes atuarem com lealdade, de modo que a confiança recíproca se faz obrigatória, pois que se trata de um contrato muito suscetível a fraudes.
Já o mutualismo implica que, para o contrato de seguro seja viável jurídica e economicamente, deve haver uma base mutuária do seguro para custeá-lo, ou seja, a concorrência de um número mínimo de segurado que, por meio de seus aportes financeiros, garantem a solvabilidade do sistema.
Dessa forma, se não houver um número mínimo predeterminado de segurados, onde se é levado em conta o perfil socioeconômico de cada um, a base mutuária torna-se deficitária e insuficiente, levando o sistema ao colapso.
CARACTERÍSTICAS
O contrata de segura caracteriza-se por ser:
típico e nominado
bilateral => há obrigações para ambos os contratantes, embora a bilateralidade ou sinalagma se revela no seguro com menor intensidade.
oneroso => pois ao benefício proporcionado ao segurado lhe corresponderá um sacrifício patrimonial, que é pagar o prêmio à seguradora.
aleatório => pois visar assegurar o interesse do segurado, cujo dano dependerá da ocorrência ou não do sinistro. Logo, o risco poderá não se concretizar e o contratante assume o risco de não vir a ganhar coisa alguma, deixando à sorte o resultado da sua contratação1.
evolutivo (de acordo com o professor Xxxxxxx Xxxx) => pois nela é estabelecida uma equação financeira, impondo-se a compensação de eventuais alterações sofridas no curso do contrato, havendo cláusulas estáticas e outras dinâmicas.
de duração (ou de execução continuada) => pois se prolonga durante o tempo de vigência estabelecido pelas próprias partes, podendo ser reconduzido tacitamente uma única vez, consoante o art. 774, CC. Mas nada impede que, ao invés da recondução, se faça novo contrato. Ex: contratos dos planos de saúde, que pode viger por longos anos; seguro de veículos.
consensual e não solene => pois se aperfeiçoa com a simples manifestação de vontade das partes, por escrito (formulário, fax, internet) ou oralmente (por telefone). Todavia, a sua redução a termo e consequente emissão da apólice e do documento para pagamento do prêmio são necessários apenas para prova do negócio, em juízo (arts. 758 e 759, CC) – ad probationem.
personalíssimo (intuitu personae) => o contrato de seguro é firmado em função da figura do contratante (segurado), sem o qual o contratado (seguradora) não consente ao negócio. Pode-se afirmar que a pessoa do contratante, ou seja, o perfil do segurado, torna-se um elemento causal do contrato.
individual => pois se trata de uma estipulação entre pessoas determinadas, que são consideradas individualmente.
causal => se a causa determinante for inexistente, ilícita ou imoral, impõe o reconhecimento da invalidade do contrato.
principal e definitivo => não depende de qualquer outra avença, nem é preparatório de nenhum outro negócio jurídico.
PARTES
Normalmente, são o segurado e o segurador; mas eventualmente surge a figura do beneficiário.
O segurado é a pessoa física ou jurídica, que possui um interesse legítimo que se quer ver acautelado mediante o pagamento do prêmio2. É, portanto, o destinatário da prestação do serviço securitário, enquadrando-se, pois, na posição de consumidor, razão pela qual são lhe aplicáveis as normas do CDC.
Já o segurador é, obrigatoriamente, uma pessoa jurídica, sob a forma de sociedade anônima, cooperativa ou sociedade mútua, devidamente autorizada pelo Poder Executivo. Portanto, é necessário possuir um registro público, uma autorização do governo.
O segurador assume o risco, obrigando-se pagar a indenização ao segurado em caso de concretização do sinistro. Há uma divergência doutrinária se se trata de indenização (Gagliano, Pamplona) ou de contraprestação contratual (Venosa), tendo prevalecido o primeiro entendimento, sob o argumento de que, em que pese a obrigação do segurador tenha natureza contratual, a sua atividade pressupõe a transferência do risco de dano a ser eventualmente experimentado pelo segurado, que busca, no seguro, a garantia de compensação pela ocorrência do sinistro.
A prova que se trata de obrigação compensatória é que é vedado ao segurador, no seguro de dano, contratar valor que supere o interesse do segurado, no momento da conclusão do contrato (art. 778, CC).
Por fim, não nos esqueçamos a figura do beneficiário que não é parte do contrato, mas experimenta os efeitos patrimoniais favoráveis decorrentes do contrato de seguro. Ex: seguro de vida, quando se indica um terceiro como pessoa favorecida. Trata-se, na verdade, de uma verdadeira estipulação em favor de terceiro.
Não confundir com uma situação semelhante: o seguro por conta de outrem (art. 767).
No contrato de seguro de vida, o segurado tem liberdade para dispor livremente sobre o beneficiário e os riscos transferidos ao segurador incidem sobre o estipulante.
Já no seguro por conta de outrem, os riscos não pesam sobre o estipulante, mas sobre os interesses de outrem. Evidentemente que se essa pessoa, que se tornou segurada pelo estipulante, descumprir posteriormente as normas da conclusão do contrato ou inadimplir o pagamento do prêmio, o segurador poderá opor contra ela quaisquer defesas que tiver contra o estipulante (art. 767). Ex: a mercadoria é despachada com destino a um armazém geral, onde deverá ser negociada posteriormente. O embarcador faz, então, o seguro dos riscos que podem ocorrer, a favor de quem pertencer.
OBJETO
O objeto do contrato de seguro é o risco. O próprio art. 757 do CC, ao definir o seguro, estabelece que a finalidade do negócio é “garantir um interesse legítimo do segurado, em caso de consumação da situação de risco”.
Dessa forma, podem ser objeto inúmeros interesses tutelados, sejam de natureza material, como casa, apartamento, avião, joias etc, quanto de natureza moral, como vida, imagem, honra etc.
Importante destacar que, em vistas a garantir a função social do contrato, o art. 762 considera nulo o contrato de seguro pactuado para garantir risco decorrente de ato ilícito doloso do segurado, do beneficiário, ou do representante de um ou de outro. Ex: quadrilha contrata seguro de carregamento contrabandeado ou de um lote de drogas.
Nota-se que a referida norma leva em consideração o elemento subjetivo, de modo que o comportamento culposo fica isento da proibição. Ex: se o segurado, assumindo o risco de seu comportamento, realiza um racha e culmina por danificar o seu veículo, não terá direito ao pagamento da indenização, pois agiu com dolo eventual.
De outra banda, se o segurador, ao tempo do contrato, sabe que inexiste a situação de perigo de dano, o contrato carece de objeto e, portanto, é inexistente. Nesse caso, reza o art. 773 que se, ainda assim, o segurador expedir a apólice deverá pagar em dobro o prêmio estipulado. Tal dispositivo guarda íntima conexão com o princípio da boa fé nos contratos.
A BOA-FÉ NO CONTRATO DE SEGURO
Dada a sua vulnerabilidade a fraudes, o contrato de seguro é uma das modalidades contratuais que mais exige a observância da boa-fé e da ética negocial, sob pena de desvirtuamento de sua própria finalidade. Esta é a inteligência do art. 765, que diz: “O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”.
Na verdade, o dispositivo deve ser interpretado extensivamente a compreender a exigência de boa-fé também antes da celebração da avença e até após a sua consumação, a exemplo do segurador que anuncia coberturas inexistentes (violação à boa-fé pré-contratual), ou que, após a vigência do negócio, divulga dados e informações dos segurados por outras empresas violação à boa-fé pós-contratual).
Portanto, a violação da boa-fé no contrato de seguro implica na sua ineficácia jurídica, bem como imposição de responsabilidade civil e até penal do infrator (art. 171, §2º, inciso V, CP). Ex: furto simulado de um automóvel ou um incêndio criminoso de um estabelecimento, visando receber o valor do seguro.
Por fim, outra manifestação de violação de eticidade e boa-fé no contrato de seguro é o descumprimento do dever de informação, por meio de omissão ou inexatidão das informações prestadas pelo segurado, sob pena deste perder o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido (art. 766).
Se a inexatidão ou omissão não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio (parágrafo único, art. 766).
No entanto, a jurisprudência pátria tem entendido que o contrato é eficaz caso o segurado tenha agido culposamente, sendo-lhe devido o pagamento de todo o prêmio estipulado.
Cumpre também registrar que, de acordo com o art. 768, “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”. Trata-se de verdadeiro abuso de direito por parte do segurado. Exemplos: 1) contratado o seguro de danos de uma casa, o seu dono deixa expostos fios elétricos, facilitando a ocorrência de sinistro; 2) em seguro contra furto de veículo, o dono estaciona o carro em local ermo e perigoso e deixa a chave na ignição.
APÓLICE
Atenção: não se pode confundir apólice com o contrato de seguro. Este é o negócio jurídico, a avença, o acordo de vontades entre segurado e segurador; aquele é apenas o instrumento que consubstancia e descreve os limites de incidência do seguro pactuado.
Portanto, por meio dela, descreve-se o risco e delimita-se o período de vigência do seguro, em dias e horas, tornando clara a assunção do risco pelo segurador e permitindo ao segurado a noção exata do seu direito.
É prova do contrato de seguro (art. 758), embora o seu não recebimento não implica em negativa de cobertura do risco. É possível firmar o contrato de seguro com vigência imediata, e o envio da apólice ocorrer apenas posteriormente.
Xxxxx, o STJ tem decidido que a ausência da apólice não impede a comprovação do contrato de seguro por outros meios.
Antes da emissão da apólice, há uma proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco, consoante o que dispõe o art. 759.
Todavia, há contratos que podem ser celebrados com a dispensa da apólice, emitindo um documento mais simples, denominado bilhete de seguro, mediante solicitação verbal do interessado (art. 10 do Dec-lei n. 73/66). Ex: seguro obrigatório de veículos/DPVAT.
Mas tanto a apólice quanto o bilhete de seguro são nominativos, à ordem ou ao portador, devendo ser mencionados os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e do beneficiário (art. 760). Se forem nominativos, são transferíveis mediante cessão de direito; se à ordem, mediante endosso. Lembrando que os seguros de pessoas, notadamente o seguro de vida, não são podem ser ao portador.
DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES
1 No entanto, como bem esclarecem Xxxxxxxx e Pamplona (2004, p. 356), “esta álea de incerteza (no pagamento da indenização em caso de sinistro) não chega a gerar insegurança jurídica para a atividade securitária, pois, em virtude dos precisos cálculos atuariais que realiza, o segurador tem, em altíssima margem de acerto, uma projeção antecipada do número de sinistros que ocorrerão, em determinada localidade, em certo período de tempo. Cuida-se, pois, nesse enfoque, de uma atividade relativamente segura para o segurador”.
2 O prêmio, ao contrário do que muitos imaginam, é a obrigação pecuniária devida pelo segurado ao segurador, para que tenha direito de receber o valor indenizatório do seguro no caso da ocorrência do sinistro.