Nº 2685/2014 – ASJCIV/SAJ/PGR
Ação Cível Originária nº 1.957 - PR
Relator: Ministro Xxxxx Xxxxxxx
Autor: Ministério Público Federal Réus: Itaipu Binacional e União Interessado: República do Paraguai
Ação Cível Originária. Itaipu Binacional. Contratações ir- regulares de empregados sem prévio concurso público, nos termos do art. art. 37, II, da Constituição.
Ação Cível Originária. Itaipu Binacional. Contratação de mão de obra sem submissão dos candidatos à prévio con- curso público, nos termos do art. 37, II, da Constituição brasileira. Tratado internacional celebrado entre Brasil e Paraguai. A Itaipu Binacional não integra a administração direta e indireta do Brasil. Composição e estrutura únicas. Impossibilidade de cisão das Diretorias brasileira e para- guaia para fins de distinção do regime jurídico de contrata- ção de mão de obra. Previsão, no Tratado de Itaipu e em Protocolo adicional, de regras gerais sobre a contratação e o regime de trabalho dos funcionários da binacional. Im- possibilidade de incidência das regras previstas no ordena- mento jurídico brasileiro. Autonomia de vontades. Teoria Geral dos Tratados Internacionais e princípio pacta sunt servanda. A lide deve ser solucionada, não a partir de uma análise da hierarquia das normas internacionais no ordena- mento jurídico interno, mas da compatibilidade com o pró- prio tratado internacional constitutivo da Itaipu.
Parecer pela improcedência da ação.
Trata-se, na origem, de ação civil pública proposta, na Vara Federal Cível da Circunscrição de Foz do Iguaçu - Seção Judiciá- ria do Paraná, pelo Ministério Público Federal em face da Itaipu Binacional e da União, visando à proteção do erário contra as contratações irregulares de empregados sem prévio concurso pú- blico.
O autor inicia sua argumentação tratando da natureza jurí- dica da Itaipu Binacional. Segundo afirma: (i) por ter sido criada mediante tratado entre a República Federativa do Brasil e a Re- pública do Paraguai e ser constituída por recursos públicos, sua natureza é de pessoa jurídica de direito público; (ii) na ausência de participação privada na sua constituição e sendo o seu objeto a produção e distribuição de energia elétrica, a Itaipu Binacional subsome-se ao conceito legal de empresa pública, previsto no art. 52, II, do Decreto-lei 200/1967; e (iii) o art. 21, XII, da CF, que atribui à União, em caráter de exclusividade, os serviços e insta- lações de energia elétrica, reforça sua natureza jurídica de em- presa pública internacional prestadora de serviço público – produção e fornecimento de energia elétrica.
Aduz que o tratado constitutivo da Itaipu Binacional estabe- lece que a participação na contratação de empregados é igualitá- ria – 50% para o Paraguai e 50% para o Brasil – cabendo a cada
um dos Estados selecionar a sua metade, em conformidade com a sua Constituição e leis internas.
Assevera haver nítida divisão entre a gestão das duas Dire- torias, devendo cada uma delas submeter-se ao seu ordenamento jurídico, constituindo-se em uma única empresa submetida a duas ordens jurídicas nacionais diversas e não-comunicantes. No caso brasileiro diz que, por óbvio, a Itaipu tem de se curvar à Consti- tuição e às leis brasileiras, sob pena de afrontar a soberania do país e a dignidade do povo brasileiro, que veria sufragado seu di- reito de ver realizado concurso público para a contratação de em- pregados de uma empresa que tem participação de 100% de capital da União.
Destaca que o Tratado de Itaipu não veda a contratação me- diante concurso público e a sua realização não afronta os interes- ses do Paraguai.
Argumenta que as contratações sem concurso violam os arts. 37, incisos I e II, da Constituição Federal, causam danos ir- reparáveis ao patrimônio público e a número indeterminado e in- determinável de pessoas, que têm o direito à igualdade (art. 5º, caput, da CF), e ao de livre acesso aos cargos públicos em igual- dade de condições (art. 37, II, da CF), além de enormes prejuízos
à moralidade, legalidade, impessoalidade, eficiência da Adminis- tração (art. 37, caput, da CF) e ideal de justiça (art. 3º, I, da CF).
Afirma que a contratação por meio de concurso público é garantia constitucional inafastável que já constava do artigo 97 da Constituição de 1969, repetido na Constituição de 1988. Quanto à legislação infraconstitucional, destaca que, até a edição do Decreto-lei 2.300/1986, a contratação de servidores públicos e as licitações em geral eram regidas por diversas normas esparsas, entre elas alguns artigos do Código de Contabilidade da União, do Decreto-Lei 185/1967 e do Decreto-lei 200/1967, todos dei- xando clara a exigência do certame. Portanto, desde a celebração do tratado de Itaipu já era necessário, para investidura em cargos ou empregos públicos, a realização de concurso.
Argumenta o autor que a Itaipu não é um país soberano, dentro da República Federativa do Brasil, mas sim uma empresa pública que deve se submeter aos ditames legais e constitucio- nais do Brasil e do Paraguai (fl. 36).
No mesmo contexto, salienta que os tratados internacionais, por razões de soberania nacional, têm status de lei ordinária, logo, não derrogam a Constituição. Segundo afirma, havendo dis- crepância entre os ordenamentos dos Estados soberanos, quanto à administração da empresa constituída mediante tratado, as solu-
ções jurídicas deverão resguardar a soberania das partes contra- tantes, respeitando-se sempre a supremacia hierárquica da Cons- tituição de cada país signatário.
Alega, ainda, que o fato de a empresa binacional ter sido criada por tratado não lhe confere capacidade legislativa, pelo que o art. 7º do Regulamento de Pessoal da Itaipu Binacional, aprovado pelo Conselho de Administração por meio da Resolu- ção CA-010/92, de 30.2.1992, prevendo a livre contratação de pessoal pela binacional, não pode ser aplicado, salvo se revogada não só a Lei de Licitações, como o próprio art. 37 da Constitui- ção brasileira.
Ao final, requer seja condenada a Itaipu Binacional a demi- tir progressiva e paulatinamente todos os empregados que te- nham sido contratados sem o devido concurso, realizar certame público para contratar novos funcionários e substituir paulatina- mente os empregados contratados irregularmente, no prazo má- ximo de um ano, que poderá ser dilatado por mais um, para os casos de cargos técnicos altamente especializados e indispensá- veis ao regular funcionamento da hidroelétrica. Além disso, re- quer seja declarada a competência da União para, através de seu Ministério de Minas e Energia, fiscalizar o cumprimento da deci- são judicial.
A Itaipu Binacional apresentou manifestação sobre o pedido de tutela antecipada (fls. 105/131), em que alega a ausência de requisitos para o seu deferimento e as seguintes preliminares: (i) incompetência do juízo, nos termos do art. 102, I, “e,” da CF, uma vez que a discussão envolve a constitucionalidade de tratado internacional firmado pelo Brasil e Paraguai e a soberania entre os dois Estados; e (ii) incompetência da Justiça Federal de Foz do Iguaçu-PR, na forma do art. 100, IV, “a”, do CPC, visto que, de acordo com o art. 4º do tratado internacional, a sede da Itaipu Bi- nacional é em Brasília.
O Juízo da 1ª Vara Federal da Circunscrição Judiciária de Foz do Iguaçu, em decisão de fls. 312/319, deferiu o pedido de antecipação de tutela apenas para determinar à Itaipu a realização de todas as contratações realizadas a partir da data em que inti- mada da ação, em conformidade com o art. 37, II, da Constitui- ção, sob pena de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). O pedido foi, contudo, indeferido em rela- ção à despedida dos funcionários contratados antes da intimação da ação.
Foram, ainda, afastadas as preliminares de (i) incompetência absoluta, sob o argumento de que a discussão não envolve Brasil e Paraguai, mas apenas a correta aplicação da Constituição brasi- leira à contratação de funcionários pela Diretoria brasileira, sem
qualquer questionamento das contratações realizadas pela Direto- ria paraguaia da Itaipu Binacional; e (i) incompetência relativa, seja porque não foi arguida em sede oportuna (art. 112 do CPC), seja porque incide, na hipótese, o art. 94, § 4º, do CPC c/c o art. 109, § 2º, da CF.
A Itaipu Binacional, em sua contestação (fls. 355/397), alega, preliminarmente: (i) a necessidade de citação dos servido- res que seriam eventualmente atingidos na hipótese de uma deci- são de procedência do pedido; e (ii) a incompetência do juízo federal de Foz do Iguaçu.
No mérito, sustenta, em síntese, que a questão não pode ser decidida como se existissem duas empresas, uma paraguaia e ou- tra brasileira. Também não se deve impor à Itaipu Binacional, como um todo, uma decisão de um juiz brasileiro, fundada no or- denamento jurídico de apenas um dos Estados Partes. Segundo defende, há uma empresa só, de cunho binacional, sendo certo que às partes que a compõem assegura-se a igualdade de direitos e obrigações. Desse modo, não se lhe aplica o art. 37, II, e 22, XXVII, da Constituição.
Destaca, ademais, que os argumentos deduzidos na inicial são contrários à atual posição da Câmara Constitucional e Infra- constitucional do Ministério Público Federal, assim também do
Ministério Público do Trabalho, no sentido de se tratar a Itaipu Binacional de uma pessoa jurídica pública de direito internacio- nal, regida, portanto, pelo seu Tratado, Estatuto e demais anexos, não pela legislação brasileira.
A União contestou a ação, às fls. 458/495.
Preliminarmente, argui a necessidade de formação de litis- consórcio passivo necessário e a incompetência do juízo.
No mérito, alega, em suma, que a Itaipu Binacional tem na- tureza de pessoa jurídica pública de direito internacional, não su- jeita ao direito interno, mas a regime jurídico próprio e sui generis. Diz tratar de uma empresa una e indivisível, com admi- nistração conjunta e paritária, havendo um só Conselho de Admi- nistração e uma só Diretoria Executiva, de forma que não há falar em contas nacionais diversas, atos exclusivamente brasileiros ou paraguaios e administração brasileira ou paraguaia.
Afirma que o pedido não se coaduna com a orientação fir- mada no âmbito do próprio Ministério Público Federal, haja vista que a Câmara Constitucional e Infraconstitucional já havia fir- mado posição no sentido da inaplicabilidade da regra do artigo 37, II, da CF, à Itaipu Binacional.
O Ministério Público Federal, às fls. 494/513, impugnou as contestações apresentadas.
O pedido foi julgado parcialmente procedente, às fls. 636/650, para condenar a Itaipu Binacional a observar o dis- posto no art. 37, II, da CF/88 nas contratações feitas, a partir de 10/01/2003, pela Direção-Geral Brasileira da Usina e condenar a União, por meio do Ministério das Minas e Energia e o Tribu- nal de Contas (art. 71, III, CF/88), a fiscalizar o cumprimento da presente decisão, aplicando as penalidades cabíveis, caso neces- sário.
A República do Paraguai apresentou manifestação, às fls. 661/671. Informa ter enviado carta ao Governo Brasileiro com reservas do País às ações civis públicas propostas pelo Ministério Público Federal e às decisões antecipatórias de tutela concedidas.
Além disso, ressalta a necessidade de integrar a lide, sob o argumento de que qualquer ação que atente contra a vigência, interpretação e aplicação de dispositivos do Tratado Internacio- nal de 26 de abril de 1973 e seus Anexos atingem diretamente in- teresses, direitos e bens inerentes à soberania paraguaia, a começar de seu direito, como Alta Parte Contratante, de ver res- peitados e cumpridos fielmente os Tratados Internacionais que pactua com outros Países (fl. 666).
No mérito, afirma, em síntese, que a pretensão do Ministério Público Federal viola: (i) os arts. I, II, III, § 1º, IV, § 1º, V e XXII
do Tratado de Itaipu e os arts. 3º, 7º, 12 e 17 do Estatuto da Itaipu, Anexo A do Tratado; (ii) os arts. 4º, V e VII, 5º, II, XXXVI e § 2º, 37, caput e II, 70, 71, V, 73, 102, I, “e”, e 129, III,
da Constituição brasileira; e (iii) o art. 5º, II, do Decreto-lei 200/67, art. 1º-C da Lei 9.494/97 e o art. 273 do CPC.
A Itaipu Binacional opôs embargos de declaração da sen- tença do Juiz Federal da 2ª Vara Cível de Foz do Iguaçu (fls. . 750/757), acolhidos, em parte, para consignar redação no disposi- tivo da sentença esclarecendo que a obrigação de fazer foi im- posta apenas à Direção-Geral brasileira da Itaipu Binacional (fls. 758/768).
A República do Paraguai, a Itaipu Binacional e a União, às fls. 771/786, 801/850 e 853/856, respectivamente, interpuseram recursos de apelação da sentença que julgou parcialmente proce- dente o pedido.
O Ministério Público Federal apresentou impugnação aos recursos do Paraguai, às fls. 798/800, e contrarrazões às apela- ções, às fls. 873/878.
A Procuradoria Regional da República da 4ª Região mani- festou-se pelo desprovimento dos recursos, às fls. 885/888-v.
Após, o Supremo Tribunal Federal comunicou ao juízo o julgamento da RCL 2.937, em que reconhecida a competência da
Corte para apreciar as ações 2003.70.02.000961-9, 2003.70.02.000947-4, da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Foz do Iguaçu, 2002.70.02.006812-7, da 2ª Vara Federal da Se- ção Judiciária de Foz do Iguaçu, e 2004.70.04.000538-7, da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Umuarama, determinando-se a remessa imediata dos processos ao Tribunal (fl. 893).
Esses os fatos de interesse. Vieram os autos à Procuradoria- Geral da República.
A questão central do presente caso é se a empresa Itaipu Bi- nacional está sujeita ao regime jurídico de contratação de pessoal previsto no art. 37, II, da Constituição Federal.
A solução da lide demanda o exame (i) da natureza jurídica da Itaipu Binacional, (ii) do conteúdo do Tratado de Itaipu e seus anexos sobre o regime de contratação de empregados; e, comple- mentarmente, se (iii) a Itaipu Binacional integra a administração direta ou indireta de qualquer dos poderes da União, e (iv) o que prescrevem sobre o tema a Constituição e a legislação brasileira.
A resposta a esses questionamentos não se dá de forma iso- lada, porque todos estão direta ou indireramente interligados.
É o que passa a fazer a Procuradoria-Geral da República, na análise da ação cível originária.
Inicia-se, portanto, pela análise da natureza jurídica da em- presa Itaipu Binacional.
A questão já foi amplamente debatida pela doutrina e por di- versos órgãos da Administração Pública brasileira.
Em levantamento de atos administrativos a respeito da natu- reza jurídica da empresa Itaipu Binacional, no sentido da sua ex- clusão da classificação como empresa pública para os fins do decreto-lei 200/1967, colacionamos os seguintes atos: Parecer L- 208, de 22.9.1978 – Consultoria-Geral da República; Parecer FC- 27, de 9.3.1990 – Consultoria-Geral da República; Parecer GQ- 16, de 29.4.1994 – Advocacia-Geral da União, Decisão do Tribu- nal de Contas da União sobre o Controle dos Atos de Gestão da Itaipu; Xxxxxxx 279/95 do TCU, referente à Tomada de Contas 003.064/93-0; Xxxxxxx 1.477/2008 do TCU, referente à Tomada de Contas 015.096/2008-3.
A Itaipu Binacional foi criada pelo Tratado internacional ce- lebrado em 26 de abril de 1973 entre a República Federativa do Brasil e a República do Paraguai. Conhecido como Tratado de Itaipu, o acordo foi devidamente aprovado pelo Congresso Naci- onal, por meio do Decreto Legislativo 23/1973, promulgado pelo Presidente da República, por intermédio do Decreto 72.707/1973, e passou, então, a integrar o direito positivo brasileiro. O mesmo
ocorreu no Paraguai, onde o tratado foi aprovado e ratificado me- diante a Lei paraguaia 389/1973.
A finalidade da Itaipu Binacional, de acordo com o art. I do Tratado é realizar o aproveitamento hidrelétrico dos recursos hí- dricos do Rio Paraná, pertencentes em condomínio aos dois paí- ses e, para o alcance desta finalidade, foi a empresa binacional criada em igualdade de direitos e obrigações, preceituando o art. III do Tratado que:
Artigo III
As Altas Partes Contratantes criam, em igualdade de direitos e obrigações, uma entidade binacional deno- minada ITAIPU, com a finalidade de realizar o apro- veitamento hidrelétrico a que se refere o Artigo I.
Parágrafo 1º - A ITAIPU será constituída pela ELE- TROBRÁS e pela ANDE, com igual participação no capital, e reger-se-á pelas normas estabelecidas no pre- sente Tratado, no Estatuto que constitui seu Anexo A e nos demais Anexos.
Parágrafo 2º - O Estatuto e os demais Anexos, poderão ser modificados de comum acordo pelos dois Gover- nos. [Destacado]
A sua constituição orgânica e funcional faz-se pela partici- pação da Eletrobrás e da Ande na composição, em termos iguali- tários, do capital de Itaipu. Neste caráter societário é que o
Estatuto tem ambas empresas como partes da Itaipu Binacional (art. I e III), sem que isso afete a especificidade da natureza jurí- dica da entidade binacional.
Quanto ao regime jurídico estabelecido nas normas do Tra- tado e seus Anexos, é de se destacar, notadamente, o Estatuto de Itaipu (Anexo A), que só pode ser alterado, de comum acordo, pelos Estados Partes (art. III, §§ 1° e 2°, art. VI, do Tratado de Itaipu).
O Estatuto da Itaipu dispõe que a empresa binacional tem capacidade jurídica, financeira e administrativa, bem como res- ponsabilidade técnica, para estudar, projetar, dirigir e executar as obras que tem por objeto, bem como pô-las em funcionamento e explorá-las. Decorrente desses atributos e para o efeito de dar- lhes cumprimento, a entidade poderá adquirir direitos e contrair obrigações (art. IV).
Além disso, o estrito critério igualitário, que preside, em to- dos os momentos, a sua composição e estrutura, se traduz, tam- bém, em que os órgãos da administração da Itaipu Binacional sejam integrados por igual número de nacionais de ambos os paí- ses e, a exemplo de similares no plano internacional, tenham duas sedes, de igual categoria e importância, em Brasília e em Assunção, sem que desta peculiar circunstância resulte a quebra da unidade institucional (Tratado de Itaipu, art. IV).
A Itaipu Binacional é, portanto, um organismo internacio- nal privado, dotado de natureza empresarial, surgido de um tratado e com plena capacidade de direito internacional. Como afirma Xxxxxxxxx Xxxxx, Xxxxxx, é, com efeito, uma pessoa jurí- dica de direito privado binacional.1 Apresenta, contudo, duas pe- culiaridades que se destacam.
A primeira, é que não se trata de um tratado multilateral, mas celebrado entre dois Estados soberanos, que constituem enti- dade binacional, a partir da participação, em igualdade de capital, de duas empresas de nacionalidade distintas, a ELETROBRÁS – Centrais Elétricas Brasileiras S.A e a ANDE – Administración Nacional de Eletricidad, entre as quais não há posição jurídica sobranceira, mas de equivalência, ou seja, trata-se, como o pró- prio tratado afirma, de uma binacional. A segunda, decorrente da primeira, é que não existe cisão da entidade. As duas empresas nacionais se unem para formar uma terceira, a Itaipu Binacional. E permanecem com personalidade jurídica própria na respectiva atuação empresarial no âmbito da economia interna do país de origem.
Consequentemente, não há falar em: a) dupla e cindida ad- ministração, mas em unicidade; b) em impossibilidade de con- trole, nos limites da legislação de cada uma das altas partes
contratantes, das respectivas empresas constituintes, o que não se confunde com o controle da binacional constituída.
A unicidade da Diretoria-Geral da empresa é extraída, a pro- pósito, da leitura do § 1º do art. III do Tratado de Itaipu:
§1° - A ITAIPU será administrada por um Conselho de Administração e uma Diretoria Executiva integrados por igual número de nacionais de ambos os países.
No mesmo sentido, lê-se no artigo 12 do Estatuto da Itaipu:
A Diretoria Executiva, constituída por Membros nacio- nais de ambos os países, em igual número e com a mesma capacidade e igual hierarquia, compor-se-á do Diretor-Geral Brasileiro, do Diretor-Geral Paraguaio, dos Diretores Executivos: Técnico, Jurídico, Adminis- trativo, Financeiro e de Coordenação, e dos Diretores: Técnico, Jurídico, Administrativo, Financeiro e de Co- ordenação, todos com voz e voto.
Inexistindo prevalência de uma das empresas constituintes
– brasileira ou paraguaia – sobre a outra, tampouco cisão da Di- retoria – sediada no Brasil ou no Paraguai -, não há falar em du- plicidade de regimes jurídicos. Despiciendo dizer que toda e qualquer entidade internacional necessita de uma sede física, que será situada no território de algum Estado nacional. Não é pelo só fato de que uma das sedes da Itaipu Binacional situa-se no Brasil
que a empresa passa a se submeter à legislação brasileira, especi- almente naqueles aspectos ressalvados pelo Tratado.
Brasil e Paraguai livremente assinaram os termos do acordo, que faz lei entre as partes – princípio pacta sunt servanda. Ocorre que, assim o fazendo, ambos os Estados abriram mão de parcela de suas competências, dentre as quais, a de contratar em- pregados nos moldes das respectivas legislações internas. Não há razões, portanto, para fazer prevaler um ou outro – brasileiro ou paraguaio – regime jurídico.
Como afirmado no Parecer L-208, de 22.9.1978 da Consul- toria-Geral da República:
Deveras: parece por inteiro prescindível fundamentar alongadamente a asserção, pois é perceptível a todas as luzes que a lei nacional de um país não se pode irro- gar a força de reger entidade nascida da vontade conjunta de dois países, além de que não editada em vista disto.
São os termos do tratado bem como os princípios jurí- dicos conviventes com a autonomia das partes e dessu- míveis do acordo que podem regular as situações não previstas explicitamente. [Destacado]
Também a doutrina de Xxxxxxxxx Xxxxx:
Não obstante, a empresa recolhe apreciável benefício do fato de resultar da conjugação de duas vontades so-
beranas, e de ter sido, assim, instituída por tratado. Itaipu não está sujeito aos transtornos que se po- dem abater sobre toda empresa (e, com maior natu- ralidade ainda, sobre empresas estatais) por força das decisões do poder público. Nem ao Brasil nem ao Paraguai é facultado esquecer a base convencio- nal, assentada em direito das gentes, sobre a qual um dia os dois países construíram o estatuto da em- presa. [Destacado]2
Continua o internacionalista, invocando a Teoria Geral dos Tratados Internacionais, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados e o princípio pacta sunt servanda, para lecionar que ad- mitir uma imposição de regime jurídico pretendida pelo autor:
[…] significa não apenas induzir o Brasil em ato ilícito perante o Estado copactuante – a República do Para- guai, que, recorde-se, é quem arca com metade dos custos da empresa binacional –, mas ainda afrontar, por força das consequências dessa opção, o princípio cons- titucional da autonomia retributiva. Esse princípio não é apenas de ordem pública: ele se inscreve historica- mente na Constituição do Brasil e em todas as declara- ções de direitos que no plano internacional se promulgaram ao longo do século XX.
No quadro da criação de Itaipu Binacional nenhuma das duas soberanias pactuantes colocou-se em posição de prevalência sobre a outra. […] A Convenção de Vi- ena sobre Direito dos Tratados, ao codificar em 1969 normas consuetudinárias secularmente reconhecidas
pela comunidade internacional, lembrou que “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito in- terno como justificativa para o inadimplemento de um tratado” (artigo 27). A Convenção recorda ainda que o respeito pelos tratados internacionais é princípio rudi- mentar do direito das gentes. Os tratados obrigam as partes à base de consentimento soberano, e devem ser cumpridos de boa fé, tão inteiramente quanto neles se contém. Este o conteúdo do princípio pacta sunt ser- vanda.3
Destarte, é impossível a pretensão de impor-se regime jurí- dico de contratação de empregados de apenas um dos países para apenas “uma das Diretorias”, pois, repita-se, a Diretoria-Geral da Itaipu Binacional, bem como o seu regime jurídico, já convencio- nado pelas partes, é uma só.
Esse foi o entendimento defendido pela própria Corte de Contas, que, em mais de uma ocasião, foi instada a se manifestar sobre a fiscalização e o controle da Itaipu Binacional, o que tem reflexos diretos na pretendida – e descabida – imposição do re- gime previsto no art. 37, II, da Constituição à Itaipu.
No Acórdão 279/95 do TCU, referente a representação for- mulada pela 9ª SECEX sobre o controle externo da Xxxxxx Xxxxxx- xxxx. o Ministro Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx destacou, em seu voto, que:
O Governo Brasileiro juntamente com o Governo do Paraguai, como também sugere o Relator, através, por exemplo, de notas reversais trocadas entre os dois paí- ses, podem estabelecer a forma de fiscalização, ou atra- vés dos respectivos órgãos fiscalizadores, ou através de outro órgão. Mas a verdade é que a expressão constitu- cional “nos termos do tratado constitutivo” tem relevo interno e externo porque é dispositivo de Direito Inter- nacional, que o Ministro Xxxxxx Xxxxx, como antigo di- plomata conhece muito melhor do que eu, fazendo com que o assunto seja examinado e regido pelo di- reito internacional e não pelo Direito interno. [Des- tacado]
Na mesma linha, no Acórdão 1.477/2008, referente a infor- mações sobre a situação do Tratado de Itaipu, o TCU limitou-se a asseverar ser oportuno que as Eletrobrás mantivesse a Corte in- formada acerca de eventuais negociações envolvendo mudanças no Tratado de Itaipu e seus anexos. Em outras palavras, foi confir- mado o entendimento de que, no atual quadro normativo, não é possível a fiscalização pelo TCU.
Até mesmo o STF, no julgamento da RCL 2.937, em que discutida a competência da Suprema Corte para julgamento das ações civis públicas propostas pelo Ministério Público Federal (ACOs 1904, 1905 e 1957), afirmou tratar-se a Itaipu de um con- domínio binacional e registrou o desacerto de se aplicar unila- teralmente a legislação de um só dos Estados soberanos
constitutivos da binacional. A esse respeito são elucidativos os seguintes trechos do Informativo 652, de 12 a 19 de dezembro de 2011, do STF:
Itaipu Binacional e competência do STF – 2 […] Após explicitá-los e da leitura de alguns artigos constantes do Tratado de Itaipu, acentuou-se que seria pressuposto lógico de todos os pleitos do parquet a submissão da Binacional a regras do direito brasileiro atinentes ao exercício da atividade administrativa. Asseverou-se que a Itaipu possuiria posição peculiar no ordenamento pátrio, ainda a ser definitivamente assentada pelo Su- premo. Acrescentou-se que, consoante o próprio acordo, a usina hidrelétrica poderia ser considerada um condomínio binacional instaurado sobre o transfrontei- riço rio Paraná. Registrou-se óptica segundo a qual es- taria submetida exclusivamente ao disposto no aludido tratado, sob a competência de mais de um Estado em situação de igualdade jurídica, a revelar que toda inge- rência brasileira em seu regime jurídico violaria a so- berania do Paraguai e, assim, surgiria o interesse na intervenção processual. Evidenciou-se que proceden- tes, ou não, os pedidos apresentados nas ações civis pú- blicas afetariam prerrogativas reconhecidas à República do Paraguai no tocante à atividade da hidre- létrica, tendo em conta a dupla nacionalidade da pessoa jurídica e as previsões do tratado internacional. Dessa feita, pretensão de submetê-la integralmente ao direito brasileiro teria o condão de interferir nos interesses do país na atuação daquela sociedade.
Itaipu Binacional e competência do STF – 3 […] Pes- soa jurídica internacional criada pelo Brasil/Paraguai, com fundamento de sua jurisdicidade num tratado in-
ternacional em que previsto o cumprimento de obriga- ções. Estas não poderiam ser superadas pela aplicação unilateral da legislação de um só dos Estados sobera- nos que participaram da empreitada. O Min. Xxxxx Xxxxxx acresceu que a Constituição referir-se-ia a em- presas supranacionais no inciso V do art. 71 da CF, a propósito das competências do TCU. Aduziu que na expressão “supranacional” estaria embutida a binacio- nalidade, a trinacionalidade, a plurinacionalidade. Su- blinhou que a competência judicante seria nitidamente do Supremo. Salientou que o Estado do Paraguai pode- ria sair prejudicado com eventuais decisões naquelas causas. [Rcl 2937/PR, rel. Min. Xxxxx Xxxxxxx, 15.12.2011.]
Especificamente sobre a contratação de pessoal da Itaipu Bi- nacional, o próprio Parquet já teve oportunidade de se pronun- ciar.
O Ministério Público do Trabalho - Procuradoria Regional do Trabalho da 9ª Região, esclarecendo a natureza jurídica sui generis da Itaipu Binacional, arquivou o procedimento investiga- tório 524/97, referente à recontratação, pela empresa binacional, de servidores aposentados sem concurso público, oportunidade em que, aderindo-se às razões do parecer do Xxxx Xxxxxx Xxxxx, assentou:
A ITAIPU Binacional, como posta na manifestação de fls. 30/38, não está sujeita aos ditames da Notificação Recomendatória n. 72/97, expedida pela CODIN-PGT
[…]
pelos termos do referido Tratado não há lugar mesmo para a compatibilização da regra do art. 37, II, da CF, que prevê a prévia aprovação em concurso público para o ingresso em cargo ou emprego público na admi- nistração pública direta e indireta. Mencione-se a título de exemplo, o art XI e parágrafo primeiro do Tratado, verbis:
“Artigo XI - Na medida do possível e em condi- ções comparáveis, a mão-de obra, especializada ou não, os equipamentos e materiais disponíveis nos dois países, serão utilizados de forma equita- tiva.
Parágrafo primeiro - As Altas Partes Contratantes adotarão todas as medidas necessárias para que seus nacionais possam empregar-se, indistinta- mente, em trabalhos efetuados no território de uma ou de outra, relacionados com o objetivo do presente Tratado.”
Ora, como a mão-de-obra, disponível nos dois países, pode ser utilizada de forma equitativa, se se admitir a incidência da regra do art 37, II, CF, à ITAIPU? Não é preciso dizer, por razões óbvias, que a entidade para- guaia (ANDE - Administración Nacional de Eletrici- dad) não se submete à Constituição Brasileira. Da mesma forma, como os trabalhadores dos dois países poderão empregar-se indistintamente em trabalhos efe- tuados no território de um ou de outro, se citado artigo constitucional estabelece rígida limitação no que tange ao acesso ao servidor público?
No mesmo sentido, a Câmara Constitucional e Infraconstitu- cional do Ministério Público Federal homologou o arquivamento do procedimento 08115.000186/93-67, que apurava possível in- fração ao art. 37, II, da CF, na admissão de empregados pela Itaipu Binacional. Na ocasião, a Câmara asseverou que a binacio- nal não está situada em nenhuma das espécies de empresas pú- blicas ou privadas previstas em nosso sistema jurídico e destacou o seguinte:
O Regulamento de Xxxxxxx aprovado pelo Conselho de Administração da Itaipu Binacional (fls. 85/108) tem natureza jurídica de relações trabalhistas não estatutá- rias, pois adota o Fundo de Garantia por Tempo de Ser- viço, excluindo expressamente a estabilidade. Assim, não há que se falar em cargos públicos.
Possuindo regime jurídico próprio e sui generis, torna prejudicada a análise de provimentos por meios deriva- dos, este próprio dos servidores públicos (fl. 115).
Ressalte-se que a impossibilidade de submissão da Itaipu ao regime jurídico brasileiro de contratação de empregados, por meio de concurso público, não significa inexistência de um re- gime jurídico trabalhista. Na verdade, as contratações, exata- mente por se tratar de entidade pública binacional, ficam submetidas, pela própria natureza jurídica, ao regime jurídico que
ambos os Estados Partes deliberadamente pactuaram como cabí- vel.
Convém destacar que, na página eletrônica da Itaipu Binaci- onal, consta a seguinte informação:
A Itaipu adota um sistema de processo seletivo seme- lhante a um concurso público e que a diferença na ter- minologia se deve às características peculiares da natureza jurídica da empresa, que não é uma estatal, mas uma binacional regida por um tratado assinado pe- los governos brasileiro e paraguaio. Consta, ainda, que o tratado não estabelece critérios para a contratação de empregados. Mas a Itaipu implantou o processo sele- tivo com o intuito de democratizar o ingresso na orga- nização. Dessa forma, são oferecidas oportunidades por igual para a sociedade.4
Recentemente foi publicado o Edital 1.005/2014 da Itaipu Binacional referente a processo seletivo para o provimento de 23 vagas existentes e formação de cadastro reserva, sob a responsa- bilidade da Universidade Federal do Paraná – UFPR, por inter- médio do Núcleo de Concursos.
O processo seletivo para a contratação de empregados existe, portanto, mas tem como fundamento as normas institucio- nais da própria entidade, decorrentes, aliás, do Tratado de 1973.
4 Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx- seletivos. Acesso em 30/3/2014.
Destarte, sendo o Estado brasileiro signatário do Tratado da Itaipu, exsurge o máximo interesse em zelar, tanto quanto o Es- tado paraguaio, pela legitimidade dos atos administrativos da usina, dentre os quais estão aqueles que envolvem a contratação de funcionários. Foi com base nesta teleologia que as Partes Con- tratantes, em comum acordo, elegeram o processo seletivo sim- plificado com a modalidade adequada para a seleção de funcionários para a Itaipu Binacional.
Os arts. XX e XXVII do Tratado de Itaipu dispõem que:
Artigo XX
As Altas Partes Contratantes adotarão, por meio de um protocolo adicional, a ser firmado dentro de noventa dias contados a partir da data da troca dos instrumentos de ratificação do presente Tratado, as normas jurídicas aplicáveis às relações de trabalho e previdência social dos trabalhadores contratados pela ITAIPU.
Artigo XVII
Poderão prestar serviços à ITAIPU os funcionários pú- blicos, empregados de autarquias e os de sociedades de economia mista, brasileiros ou paraguaios, sem perda do vínculo original e dos benefícios de aposentadoria e/ou previdência social, tendo-se em conta respectivas legislações nacionais.
O art. 3º do Protocolo adicional sobre relações de trabalho e previdência social relativo aos contratos de trabalho dos trabalha- dores dos empreiteiros e subempreiteiros de obras e locadores e sublocadores de serviços, por sua vez, diz que:
ARTIGO 3º
Os trabalhadores brasileiros deverão ser contratados no território do Brasil e os trabalhadores paraguaios no território do Paraguai.
Parágrafo único: A contratação de trabalhadores de ou- tras nacionalidades será. feita, indiferentemente, no ter- ritório de uma ou outra Alta Parte Contratante.
De acordo com Xxxxx, o Protocolo brasileiro paraguaio de 1974, que rege as relações entre a Itaipu Binacional e seus em- pregados diretos, é um tratado internacional em sentido estrito, de hierarquia não inferior àquela de qualquer outro tratado inter- nacional que obrigue presentemente o Brasil. Assim, a fiel apli- cação de um regime jurídico que compromete nacionalmente a República não é uma opção, mas um dever dos poderes do Es- tado brasileiro, sem exclusão do Judiciário.5
Nunca é demais lembrar que é juridicamente impossível ad- mitir uma cisão abstrata, com vistas a, violando-se a pacta sunt
servanda, fazer incidir, no caso, o ordenamento jurídico brasi- leiro, que, na verdade, sequer é aplicável a ente de natureza bina- cional.
Entendimento em sentido diverso confrontaria não apenas o Direito Internacional – sobretudo a Teoria Geral dos Tratados In- ternacionais e as regras especificamente previstas no Tratado da Itaipu e anexos, quanto o próprio Direito Interno brasileiro – es- pecialmente as regras referentes ao Regime Jurídico Administra- tivo e, analogicamente, à Teoria Geral dos Contratos.
Verifica-se, desse modo, que as formas de contratação de mão de obra pela Itaipu Binacional juridicamente aceitáveis são apenas aquelas dispostas no tratado internacional e nas normas dele derivadas, cuja observância é imposta tanto ao Brasil quanto ao Paraguai.
Não obstante, vale destacar que os Estados Partes do Tra- tado de Itaipu, caso desejassem ver aplicada a legislação interna para regular a contratação de trabalhadores pela Itaipu Binacio- nal, assim pactuariam, mas não o fizeram, por exercício da auto- nomia de vontades. Tanto assim que, quanto à apuração e responsabilidade civil e penal do corpo diretivo e de seus empre- gados, sejam brasileiros ou paraguaios, por atos lesivos aos seus interesses, estabeleceram expressamente que o processamento dar-se-ia em conformidade com o disposto nas leis nacionais res-
pectivas. Destarte, somente quanto a tais assuntos, expressos no Tratado de Itaipu, aplica-se o princípio da lei nacional, o mesmo não se podendo afirmar em relação às licitações.
Nesse sentido, o já citado Parecer L-208, de 22.9.1978 da Consultoria-Geral da República, da lavra do Doutor Xxxx Xxxxxx Xxxxx:
O ordenamento jurídico resultante de norma internaci- onal transcende, necessariamente, o âmbito estatal, ex- cede o espaço jurídico de validez e incidência do ordenamento interno. Confirma-se, desse modo, o re- gime de Direito Internacional a que se submete, tam- bém nesse setor, a empresa binacional, situação jurídica objetiva que constitui, sistematicamente, o quadro em que ela se move, sem que se autorize o seu suprimento pela recorrência, direta ou subsidiária, à le- gislação interna senão nos pontos e no alcance expres- samente admitidos.
Indubitável, assim, que o Direito Internacional e a Teoria Geral dos Tratados são suficientes para a solução do presente caso.
Na verdade, ainda que considerada a possibilidade de inci- dência, na hipótese, das regras do ordenamento jurídico interno do Brasil, não se justificaria a pretensão de aplicar-se à Itaipu o art. 37, II, da Constituição, ou seja, a pretensão não tem amparo sequer na legislação nacional.
O Decreto-lei 200/1967, em seus arts. 4º e 5º, explicita o que compreende a administração direta e indireta:
Art. 4° A Administração Federal compreende:
I - A Administração Direta, que se constitui dos servi- ços integrados na estrutura administrativa da Presidên- cia da República e dos Ministérios.
II - A Administração Indireta, que compreende as se- guintes categorias de entidades, dotadas de personali- dade jurídica própria:
a) Autarquias;
b) Empresas Públicas;
c) Sociedades de Economia Mista;
d) Fundações públicas. […]
Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:
I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pú- blica, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.
II - Empresa Pública - a entidade dotada de personali- dade jurídica de direito privado, com patrimônio pró- prio e capital exclusivo da União, criado por lei para a
exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por fôrça de contingência ou de con- veniência administrativa podendo revestir-se de qual- quer das formas admitidas em direito. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 900, de 1969)
III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta. (Redação dada pelo Decre- to-Lei nº 900, de 1969)
IV - Fundação Pública - a entidade dotada de persona- lidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o de- senvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com auto- nomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custe- ado por recursos da União e de outras fontes. [Desta- cado]
Ocorre que, nos termos do art. III, § 1º, do Tratado, a Itaipu Binacional é formada com a participação de capitais brasileiros e paraguaios, em situação absolutamente igualitária e equivalente. A entidade não se enquadra, contudo, em qualquer das figuras da administração direta ou indireta, tal como configuradas no Decre- to-lei 200/1967. Nesse sentido, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx afirma:
É óbvio que não se enquadraria dentro da administra- ção direta, que, de resto, se compõe de unidades não personalizadas. Outrossim, é insubmissa a qualquer es- forço de alojamento entre as pessoas definidas como de administração indireta. Sua proximidade maior seria com as sociedades de economia mista, contudo, delas se aparta por inexistir a necessária prevalência acioná- ria votante da União. (Parecer de Xxxxx Xxxxxxx Xxx- deira de Mello, fl. 233)
Como a Constituição, em seu art. 37, caput e II, fala em Administração Pública e a Lei 8.112/90 dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, suas regras não alcançam a Itaipu Binacional, que, como visto, é composta por capital brasi- leiro e paraguaio em situação de absoluta igualdade, tratando-se, como afirma Xxxxx, de pessoa jurídica de direito privado binaci- onal.
De mais a mais, a Lei 8.112/90 é expressa em afirmar, no art. 1º, que esta Lei institui o Regime Jurídico dos Servidores Pú- blicos Civis da União, das autarquias, inclusive as em regime es- pecial, e das fundações públicas federais. Em seguida, diz que, para os efeitos desta Lei, servidor é a pessoa legalmente inves- tida em cargo público. Ocorre que os cargos públicos, nos termos do art. 3º, parágrafo único, são acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento
pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão [Destacado].
Ora, não há sequer como admitir que as despesas com pes- soal de uma empresa binacional, que possui patrimônio próprio e distinto dos países signatários do Tratado que a constituem, se- jam custeados pelos cofres públicos brasileiros. Ademais, não há no Tratado de Itaipu qualquer disposição que fale sobre a criação dos cargos da Itaipu Binacional mediante lei.
A conclusão alcançada é, portanto, de que não se deve exigir a sujeição da Itaipu Binacional ao art. 37, II, da Constituição, também por ausência de fundamento para tal exigência no orde- namento jurídico brasileiro.
Ante o exposto, opina a Procuradoria-Geral da República pela improcedência da ação.
Brasília (DF), 31 de março de 2014.
Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxxxxx-Geral da República
BIAA/JCCR