DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CONTRATO DE JOGO E APOSTA: UMA ANÁLISE DA (I)LEGALIDADE DO BINGO BENEFICENTE
DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO CONTRATO DE JOGO E APOSTA: UMA ANÁLISE DA (I)LEGALIDADE DO BINGO BENEFICENTE
Xxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx0
Xxxxx Xxxxxxxx da Motta2 Taline Dornelles Severo3
Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar as discussões sobre o atual entendimento jurisprudencial acerca do contrato de jogo e aposta previsto no Código Civil vigente,mais especificamente no que tange o jogo de bingo. Será abordado de forma sucinta o conceito do contrato de jogo e aposta, logo após será feita a análise das jurisprudências que tratam da possível (i)legalidade do bingo beneficente.
Palavras-chave: Aposta.Proibição.Ilegalidade.
Introdução
No nosso cotidiano social moderno, ainda resta presente a prática de aposta, na qualduas pessoas com conhecimentos diversos sobre determinado assunto, decidem apostar, seja algo de valor pecuniário, seja por uma simples competição para ver quem „‟ganha‟‟ e é favorecido no final. Nessa modalidade de competição, os participantes contam com a sorte, ao contrário do jogo, em que os participantes fazem uso também do desempenho pessoal de cada um.
1 Orientadora. Professora de Direito da Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA). Mestranda no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM (Em andamento). Especialista (2012) em Temas Emergentes do Direito Empresarial pelo Centro Universitário Franciscano - UNIFRA. Graduada (2014) no Programa Especial de Graduação de Formação de Professores para a Educação Profissional da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Graduada (2010) em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria - FADISMA. Advogada. Endereço eletrônico: xxxxxxxxx@xxxxxxxxxxxx.xxx.xx.
Por serem práticas exercidas corriqueiramente sem haver nenhum amparo legislativo, o direito civil acabou por incorporar essas práticas no nosso ordenamento, como uma forma de contrato, embora haja quem discorde dessa inserção do jogo e aposta, como negócio jurídico.
Os jogos e apostas popularmente conhecidos como „‟bicho‟‟, „‟bingo‟‟ e os cassinos, são tipificados como contravenções penais, sendo ilícitas as suas práticas dentro de nosso país. Com o surgimento dos chamados bingos beneficentes, cujo principal objetivo é a arrecadação de fundos para causas sociais, surge-nos o questionamento: poderiam ser enquadrados como prática ilícita?
O presente artigo, portanto, possui como principal objetivo analisar jurisprudências e decisões acerca do assunto, verificando se há a possibilidade de inserção da modalidade de bingo como legal, e quais os fundamentos jurídicos para tanto.
1. Um passeio no conceito de Contrato de Jogo e Aposta a partir da doutrina e do código civil.
Dentro do nosso ordenamento jurídico, temos a figura do contrato de jogo e aposta nos artigos 814 a 817 do Código Civil vigente. Apesar de serem duas figuras com conceitos distintos, possuem evidentes afinidades, conforme assevera Xxxxxxxx. Sendo que o contrato de jogo pode ser definido como: „‟ o negócio jurídico por meio do qual duas ou mais pessoas prometem realizar determinada prestação (em geral de conteúdo pecuniário) a quem conseguir um resultado favorável na prática de um ato em que todos participam‟‟ (GAGLIANO; PAMPLONA,2015, p. 597).
A doutrina reconhece que o contrato de jogo, depende necessariamente da atuação e desempenho de cada jogador, seja por sua inteligência, seja por sua habilidade ou sorte. Ao contrário do contrato de aposta, que por sua vez depende exclusivamente da sorte de cada participante (álea de cada jogador). Portanto, faz-se necessário que os contratos sejam conceituados distintamente conforme Xxxxx Xxxxxx
Jogo é o contrato em que duas ou mais pessoas prometem, entre si, pagar certa soma àquela que conseguir um resultado favorável de um acontecimento incerto, ao passo que aposta é a convenção em que duas ou mais pessoas de opiniões discordantes
sobre qualquer assunto prometem, entre si, pagar certa quantia ou entregar determinado bem àquela cuja opinião prevalecer em virtude de um evento incerto.(XXXXX, 2009, p. 565)
Com base na legislação pátria, de acordo com o elemento álea, a doutrina fornece uma classificação para o jogo e para a aposta, os quais podem ser: (a) proibidos ou ilícitos: quando o ganho ou a perda depender exclusivamente da sorte, são os jogos de azar; (b) tolerados: o resultado não depende, simultaneamente, da sorte e da habilidade do jogador; (c) autorizados ou lícitos têm utilidade social, de modo que trazem proveito a quem os pratica (SIQUEIRA, 2016). Como se pode verificar, os jogos que dependem exclusivamente da sorte, ou ilícitos são vedados pela nossa legislação, p. ex. o jogo do bicho, roleta, bingo etc.
Como a existência da figura do bingo beneficente é questão ainda não pacificada pelos tribunais, surge a dúvida se esse poderia ou não ser enquadrado como prática ilícita, tendo em vista que esses bingos são realizados com o objetivo de arrecadar fundos para ajudar instituições e causas sociais. Embora já haja certo entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal Federal no sentido de sua ilegalidade, em razão de sua importância, será abordado em capítulo próprio.
2.A figura do Bingo Beneficente: pontos e contrapontos conceituais e jurisprudenciais
Tem-se como Bingo Beneficente a forma de bingo na qual o valor arrecadado não servirá para enriquecimento de uma das partes, sendo exclusivamente dado a fins sociais, assim, não visando ao lucro propriamente dito(MINISTÉRIO PÚBLICO DE XXXXX XXXXXXXX, 0000).Xxxx forma de bingo é visto corriqueiramente em cidades pequenas, com o intuito geralmente, de arrecadação de dinheiro para igrejas, escolas ou associações beneficentes, uma prática que é realizada sem a consciência da possível pena que pode recair sobre os participantes.
Como já foi exposto anteriormente, a figura do bingo em si, é expressamente proibida pelo ordenamento jurídico atual, sendo sua tipicidade prevista no art. 50 da Lei 3.688/41 (Lei de Contravenções Penais) pois se trata de uma modalidade de jogo de azar proibido. No entanto, a punição da modalidade beneficente desse jogo, seria um excesso legislativo, pois não há exploração do jogo como forma de enriquecimento. Dessa forma, os entendimentos
dos tribunais se mostram variados, ora no bom senso da atipicidade da conduta, ora na expressa vedação da pratica pela lei cabendo uma análise.
Pode se destacar o entendimento do TJ-SP atual sobre a dívida adquirida com o bingo, que nesse caso se mostrou plenamente eficaz e cobrável em virtude da licitude do evento:
BINGO BENEFICENTE EM PROL DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA IRMANDADE SENHOR DOS PASSOS DE UBATUBA - PRÊMIO NÃO ENTREGUE À GANHADORA – SENTENÇA QUE EXTINGUE O FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO
– EXISTÊNCIA DE DECISÃO JUDICIAL QUE ATESTA A LICITUDE DO EVENTO – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA AFASTADA OBRIGAÇÃO DAS REQUERIDAS DE ENTREGAREM O PRÊMIO AO GANHADOR, CONSISTENTE NUM VEÍCULO FORD K, ZERO KM, CONFORME PUBLICAÇÃO VEICULADA DANO MORAL CARACTERIZADO - ARBITRAMENTO DA INDENIZAÇÃO EM R$ 10.000,00 – SUCUMBÊNCIA ATRIBUÍDA ÀS REQUERIDAS – DADO PROVIMENTO AO RECURSO. (TJ- SP, 2015)
A decisão se fundou em justificar que a autorização judicial para a realização do evento foi dada.
Também foi encontrado improvimento de recurso que contestava a legalidade do bingo por parte do Ministério Público do Paraná, alegando o juízo que a finalidade era exclusivamente social e beneficente, não havendo também habitualidade na conduta realizada pela escola, como mostra a ementa:
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL BINGO BENEFICENTE ENTIDADE COOPERATIVA EDUCACIONAL SEM FINS LUCRATIVOS INTERESSE PÚBLICO DECISÃO BEM FUNDAMENTADA AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. IMPROVIMENTO DO RECURSO.(TJ-PR, 2001)
Por fim, o entendimento majoritário da jurisprudencial é sobre a legalidade através de autorização judicial que deve se dar a bingos, quando estes, são realizados pelo espírito do benfazejo, não tendo o lucro como objetivo e sim o bem social. Também foi citado em sentença mineira “que o objetivo da legislação contravencional não foi o de obstaculizar a realização de sorteios, prêmio, bingos e quejandos que tivessem por escopo fins altruísticos”.(SCRIBONI, 2016).
Conclusão
Após o estudo no tocante ao tema dos contratos de jogo e aposta, ficou claro que a regra é a proibição expressa da conduta, como ficou evidente na primeira parte desse presente artigo. No entanto, a modalidade de bingo beneficente deste contrato, mereceu atenção especial por trazer dúvidas quando a sua tipicidade material, ficando constatado a partir das pesquisas, que a jurisprudência adota a sua legalidade a partir de autorização judicial, quando esta não tem como fim o lucro e não é praticado com habitualidade. Dessa forma, conclui-se que a ilegalidade da modalidade é evidente só que se torna relativa quando o bingo é realizado com fins puramente sociais e altruísticos.
Referências
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XXXXXXXX, Xxxxx X. e PAMPLONA, Xxxxxxx X..Novo curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2015.
JUSBRASIL. TJ-SP-APELAÇÃO. Disponível em: xxxx://xx- xx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/000000000/xxxxxxxx-xxx-00000000000000000-xx- 0004720-4420118260642 Acesso em: 16 mai. 2016.
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MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. Bingo Beneficente – esclarecimentos a população. Disponível em: xxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx.xx/0000/00/xxxxxx- beneficentes-esclarecimento.html. Acesso em: 16 mai. 2016.
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