Tribunal da Relação de Lisboa Processo nº 2286/09.6TJLSB.L1-6
Tribunal da Relação de Lisboa Processo nº 2286/09.6TJLSB.L1-6
Relator: XXXXX XX XXXX XXXXXXX
Sessão: 23 Maio 2013
Número: RL
Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
CONTRATO DE CRÉDITO
ALTERAÇÃO DO CONTRATO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Sumário
I - Celebrado um contrato, existem determinados princípios definidos por lei entre os quais se destaca o princípio da força vinculativa, ou seja: uma vez celebrado, o contrato, plenamente válido e eficaz, constitui lei imperativa entre as partes. É o que expressa o art.º 406.º do Código Civil. Desenvolve-se, portanto, a norma ou princípio da força vinculativa através de outros três princípios: o da pontualidade, utilizando a lei a palavra «pontualmente» com o alcance de que o contrato deve ser executado ponto por ponto, quer dizer, em todas as suas cláusulas e os da irretractabilidade ou da irrevogabilidade dos vínculos contratuais e da intangibilidade do seu conteúdo. Os dois últimos fundem-se no que também se designa por princípio da estabilidade dos contratos.
II - É assim, ilegal a prática seguida pela parte contratante que, unilateralmente, no decurso da vigência de um contrato, decide alterar as respectivas cláusulas, enviando-lhe pelo correio as alterações com a cominação de que, nada dizendo, em determinado prazo, se consideram aceites.
III - A comunicação indevida à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, por parte de entidade bancária, reportando situação de incumprimento que não existe, é susceptível de fazer incorrer a mesma em responsabilidade civil por factos ilícitos.
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Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
XXXXXXX, residente em Vila Nova de Gaia, na Xxx xx Xxxxxxx xx Xxxxxx, x.x 000, em Grijó, propôs a presente ação declarativa com processo sumário contra CB INTERNATIONAL PLC – SUCURSAL EM PORTUGAL, com sede (…),
pedindo:
(i) que seja a ré condenada a reconhecer a inexistência da dívida que a mesma reclama junto do autor e a transmitir o mesmo às entidades financeiras e bancárias,
(ii) bem como a eliminar junto dessas entidades financeiras e bancárias, as informações sobre a pretensa dívida do autor à ré;
(iii) seja a ré condenada ao pagamento de uma indemnização a título de danos patrimoniais ao autor no valor de 6.270 € e, ainda, a quantia diária de 10 € a contar da data da propositura da presente acção, até à efectiva eliminação junto das entidades financeiras e bancárias da informação transmitida pela ré, sobre a pretensa dívida do autor;
(iv) seja a ré condenada a pagar ao autor 9.500 € pelos danos não patrimoniais causados ao autor.
Para tanto, alegou, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de adesão ao cartão de crédito “CB” visa, o qual previa um programa de pontos, tendo a ré deixado de prever o programa de pontos nos seus extractos. Perante a falta de explicações sobre tal ocorrência, o Autor resolveu o contrato e devolveu o cartão.
A Ré transmitiu ao Banco de Portugal e outras instituições do sector financeiro e bancário a existência de uma dívida do Autor no valor de € 241,92.
Em Março de 2008, o Autor dirigiu-se à sua agência bancária a fim de solicitar um empréstimo para aquisição de um veículo automóvel, mas foi-lhe negado com fundamento na existência de uma dívida vencida e não liquidada com a Ré. Viu-se também impossibilitado de requisitar e utilizar cheques. Ora, o Autor não tem qualquer dívida para com a Ré.
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Xxxxxx, a Ré contestou a acção, invocando, em síntese, que remeteu, com o extracto datado de 6 de março de 2007, uma nova revisão do acordo de utilização do cartão de crédito Citi, nunca tendo o autor manifestado oposição à substituição do anterior acordo de utilização do cartão de crédito Citi durante o período de reflexão ou em momento posterior.
Concluiu, pugnando pela improcedência da acção e pela sua consequente absolvição do pedido.
Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a Ré do pedido.
Inconformado com a decisão, o Autor interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1º- O Recorrente sustenta que o benefício que lhe foi atribuído de um desconto de 1% em todas as compras que o Recorrente efectuasse com o cartão, tinha carácter vitalício, o que significa que, o Recorrente tinha direito com a subscrição da proposta de adesão para a utilização do cartão e enquanto o mesmo estivesse activado, ao desconto vitalício no valor de 1%. A referência ao desconto vitalício de 1% encontra-se provado no ponto 16º da fundamentação de facto da sentença recorrida, ao contrário do que vem estabelecido no ponto 15º, razão pela qual se argui a nulidade da sentença aí existente.
2º O benefício do desconto de 1% era vitalício, conforme se pode verificar no ponto 16º da fundamentação de facto, que é sustentada pelos depoimentos das testemunhas (…), que de forma expressa afirmaram o vertido no ponto 15º da fundamentação de facto, em contraposição com o vertido no ponto 16º da fundamentação de facto, na parte que diz respeito ao desconto vitalício.
3º- O benefício de desconto de 1% nas compras efectuadas pelo recorrente com a utilização do cartão não foi nunca revogado, cancelado ou extinto, pois que a Recorrida apenas manifestou no extracto emitido por si em Novembro de 2006, a consideração sobre o programa de pontos Citi Bónus e não sobre o benefício de 1% concedido ao Recorrente. Pelo que deve entender-se que o mesmo benefício esteve em vigor até ao cancelamento do cartão de crédito operado pelo recorrente.
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4º- A mensagem que a recorrida enviou ao recorrente no extracto de novembro de 2006, revela ser uma declaração atendendo o exposto no artigo 224 nº1 e 3 do código civil, ineficaz, uma vez que, o recorrente nunca tomou conhecimento dela, pelo devem Vªs Exªs declarar a ineficácia da citada declaração.
5º- O teor da mensagem é pouco claro, duvidoso, o que faz com que a declaração produzida no extracto de novembro de 2006, no seu todo não deva ser considerada como uma declaração de cancelamento do programa de pontos, mas sim uma declaração que manifestava a reavaliação do programa, pois que esse seria o sentido que um declaratário normal daria aquela mensagem. Nesse sentido não pode ser dado por provado o ponto 44º da fundamentação de facto, assim como o vertido no paragrafo 3º da fundamentação de direito da sentença recorrida.
6º- O benefício do desconto de 1% nunca foi cancelado ou revogado pela recorrida, mantendo-se em vigor até à data do cancelamento do cartão e resolução do contrato pelo recorrente, pelo que o recorrente nunca incumpriu qualquer pagamento, sendo por isso falso o que refere a esse respeito na fundamentação da sentença.
7º- Os danos patrimoniais e não patrimoniais foram provados nos diversos pontos da fundamentação de facto, pelo que deve a recorrida ser condenada nos valores peticionados.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida, substituindo-a por douto Xxxxxxx, e em consequência;
-ser a Ré condenada a reconhecer a inexistência da dívida que a mesma reclama junto do Autor e a transmitir o mesmo às entidades financeiras e bancárias, acima descritas;
-ser a Ré condenada a eliminar, junto das entidades financeiras e bancárias, acima mencionadas e outras, as informações sobre a pretensa dívida do Autor
-ser a Ré condenada ao pagamento da indemnização a título de danos patrimoniais ao Autor, do valor de 6.270,00 euros, já verificado e ainda à quantia diária de 10,00 euros, a contar da data da propositura da presente acção, até à efectiva eliminação junto das entidades financeiras e bancárias, da informação transmitida pela Ré, sobre a pretensa divida do Autor;
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-Ser a Ré condenada a pagar ao Autor 9.500,00 euros, pelos danos não patrimoniais causados ao Autor;
-Ser a Ré condenada a pagar juros dos montantes estipulados, desde a presente citação e até ao efectivo e integral pagamento dos mesmos;
-Ser a Ré condenada a pagar as custas e procuradoria do processo.
Nas suas contra alegações, a Recorrida pugna pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela confirmação da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II - OS FACTOS
Na 1.ª instância, foram dados como assentes os seguintes factos:
1. O autor, subscreveu uma proposta de adesão ao Cartão de Crédito “CB” Visa, no seu domicílio profissional, sito na Rua (…) Vila Nova de Gaia, entre si e um colaborador que representava a Ré, para a atribuição e utilização de um cartão de crédito sob a responsabilidade da “CB” INTERNACIONAL PLC, sucursal em Portugal, em 22 de dezembro de 2005 – alínea A) dos factos assentes;
2. A proposta referida em 1. foi analisada pelo Departamento de Crédito da ré e, tendo
em consideração os elementos remetidos juntos com a mesma, tomou a decisão de aprovar a proposta referida em 1., à qual foi atribuída a referência 0000000000000000, tendo sido emitido o cartão de crédito “CB”, o qual foi ativado, na modalidade de pagamento por débito directo, com o n.º de autorização de débito em conta 501280900069 – alínea B) dos factos assentes;
3. O contrato celebrado entre ambas as partes, concedia uma linha de crédito ao autor, que podia ser utilizado por este na aquisição de bens e serviços em qualquer estabelecimento aderente à rede Visa – alínea C) dos factos assentes;
4. O Programa de pontos Citi Bónus, previa a atribuição ao autor de 1 ponto por cada 5 € de compras efetuadas com o referido cartão, sendo utilizada uma escala de atribuição do desconto que correspondia ao desconto de 5 € por cada 100 pontos atribuídos – alínea D) dos factos assentes;
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5. Com início em fevereiro de 2006, onde foi atribuído um bónus de 100 pontos, com a
primeira compra através do cartão de crédito, os extratos previam no seguimento da utilização do cartão, para cada mês, acompanhado do saldo a liquidar e respetivas compras, a descrição no local destinado ao resumo do programa de pontos, do saldo anterior e pontos acumulados do respetivo mês, assim tendo sucedido nos extratos dos meses de março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2006 – alínea E) dos factos assentes;
6. No extrato do mês de novembro de 2006, foram atribuídos ao Autor 80 pontos acumulados do exercício mensal anterior, com o saldo de 697 pontos – alínea F) dos factos assentes;
7. Os extratos de dezembro de 2006, janeiro e fevereiro de 2007 não indicavam qualquer valor na área destinada ao resumo do programa de pontos, sendo que a partir do extrato do mês de março de 2007, a ré deixou de prever nos seus extratos, quaisquer referências relativas ao resumo do seu programa de pontos – alínea G) dos factos assentes;
8. O autor insistiu para que fosse reposto o programa de pontos agregado à utilização do cartão de crédito “CB” Visa, sob pena de pôr termo ao contrato entre ambas as partes e, uma vez que não obteve qualquer resposta ao solicitado, procedeu à resolução do contrato para a utilização do cartão de crédito “CB” n.º 0000000000000000, cancelando-o, tendo anexado na referida carta o cartão devidamente inutilizado, acompanhado do cheque nº 8538651185 no valor de 452 € – alínea H) dos factos assentes;
9. Após ter recebido a carta referida em 8., em 23 de outubro de 2007, a ré emitiu a informação do cancelamento da modalidade de pagamento por débito, relativa ao cartão de crédito “CB” Visa nº 0000000000000000 – alínea
I) dos factos assentes;
10. O Autor deixou, em 20 de setembro de 2007, de efectuar qualquer utilização do cartão de crédito “CB” nº 0000000000000000 – alínea J) dos factos assentes;
11. A ré veio a emitir um extracto de novembro de 2007, com o valor em débito pelo Autor de 81,78 €, relativos a uma comissão por atraso de pagamento, taxa de processamento de cheque/vale, imposto de selo e juros – alínea K) dos factos assentes;
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12. A 18 de fevereiro de 2008, a ré emitiu uma informação numa carta enviada ao Autor, dando conta que este era titular de uma dívida vencida àquela no valor de 134.93 € e que tal informação seria comunicada à CREDI INFORMAÇÕES para a inclusão no registo de morosidade, informação que foi confirmada pelas cartas da Ré que se seguiram, datadas de abril e agosto de 2008, onde reafirmou a dívida do Autor, embora no valor crescente, chegando aos 241,92 € – alínea L) dos factos assentes;
13. O autor recebeu uma carta proveniente da CREDINFORMAÇÕES, INFORMAÇÕES DE CRÉDITO, LDA., dirigida ao seu domicílio, na qual constava sobre si dados pessoais em ficheiro automatizado, participados à mesma pela Ré, referentes a uma dívida vencida perante a Ré, no valor de 161,68 € – alínea M) dos factos assentes;
14. A ré enviou ao autor o extracto que constitui o documento de fls. 54, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, cujo saldo não foi pago pelo autor – alínea N) dos factos assentes;
15. Entre outros, o contrato referido em 3. previa a isenção de anuidades e um desconto de 1% em todas as compras que o mesmo realizasse com o cartão “CB” Gold – resposta ao ponto 1.º da base instrutória;
16. O benefício concedido do desconto vitalício de 1% nas compras efetuadas pelo Autor com o mencionado cartão era criteriosamente controlado por um programa de pontos Citi Bónus – resposta ao ponto 2.º da base instrutória;
17. Os pontos referidos em 4. deviam ser discriminados mensalmente, em zona própria, nos extratos de utilização do cartão de crédito enviados ao Autor
– resposta ao ponto 3.º da base instrutória;
18. Tendo tal procedimento para a conversão de pontos sido escrupulosamente respeitado pela Ré, até ao mês de novembro de 2006 – resposta ao ponto 5.º da base instrutória;
19. Em virtude do referido em 7., o autor interpelou os serviços da ré sobre tal situação – resposta ao ponto 6.º da base instrutória;
20. O cheque descrito em 8., serviu para efetuar o pagamento do saldo do mês de outubro de 2007, descontado do valor de 44,44 euros, obtido do resultado da aplicação feita pelo autor do programa de pontos Citi Bónus, relativo às compras que efectuou e que se encontram descriminadas a partir do extracto de janeiro a outubro de 2007 – resposta ao ponto 7.º da base instrutória;
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21. No montante de 5.048,24 €, a que equivaleriam 1.009,65 pontos, ou seja, 50,48 € de desconto – resposta ao ponto 8.º da base instrutória;
22. A Ré transmitiu ao Banco de Portugal e outras Instituições do setor financeiro e bancário, inclusive à Effico, à TWW, à Transcom e à Intrum Justitia Portugal Unipessoal, Lda, empresas recuperadoras de ativos, a informação da existência de uma dívida vencida do Autor para com aquela no valor de 241,92 euros – resposta ao ponto 10.º da base instrutória;
23. No mês de março de 2008, o Autor, dirigiu-se à sua agência bancária, BPI- Argoncilhe, para aí contrair um empréstimo bancário, tendo em vista a aquisição de um veículo automóvel, de marca Renault Mégane, 1.5 dci, no valor de 19.800 € – resposta ao ponto 11.º da base instrutória;
24. Em data não concretamente apurada de 2008, o autor dirigiu-se à sua agência bancária, BPI-Argoncilhe, para aí contrair um empréstimo bancário, tendo em vista a aquisição de um veículo automóvel de marca Renault, modelo Mégane, 1.5 dci – resposta ao ponto 12.º da base instrutória;
25. O autor, em setembro de 2008, e após ter iniciado negociações, viu recusado um pedido de crédito solicitado junto da RECTIGAIA LDA., para a aquisição da viatura acima referida, em virtude da impossibilidade de obtenção de crédito bancário originado pela informação transmitida pela Ré – resposta ao ponto 13.º da base instrutória;
26. O autor estava impossibilitado de requisitar e utilizar cheques em seu nome em 17/09/2008 – resposta ao ponto 14.º da base instrutória;
27. A veiculação das informações referidas em 22., fizeram com que o autor ficasse impossibilitado de contrair crédito junto da banca até data não concretamente apurada, o que o impediu de desenvolver determinados projetos, nomeadamente adquirir certos produtos com recurso ao crédito bancário – resposta ao ponto 15.º da base instrutória;
28. O autor encontrou-se impedido de efetuar a aquisição de um veículo automóvel de
marca Renault, modelo Mégane, 1.5 dci, em valor não concretamente apurado
– resposta ao ponto 16.º da base instrutória;
29. O autor é uma pessoa de bem, que leva uma vida controlada, honrando sempre os seus compromissos – resposta ao ponto 17.º da base instrutória;
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30. O autor goza de um bom-nome junto da sua família, amigos, conhecidos, bem como no meio comercial – resposta ao ponto 18.º da base instrutória;
31. E sempre possuiu uma excelente imagem junto das instituições de crédito e bancárias, em geral, até ao presente episódio – resposta ao ponto 19.º da base instrutória;
32. A veiculação das informações referida em 22. lesaram o bom-nome, seriedade ao autor, nomeadamente no meio comercial onde reside – resposta ao ponto 20.º da base instrutória;
33. O que fez com que o Autor se sentisse ferido, vexado e ofendido no seu bom-nome e na sua honra – resposta ao ponto 21.º da base instrutória;
34. Mais, em consequência do sucedido, o Autor viu o seu bom-nome manchado no setor bancário – resposta ao ponto 22.º da base instrutória;
35. Em caso de mora no pagamento no âmbito do contrato referido nos factos assentes, os juros de mora correspondentes ao atraso no pagamento dos extratos enviados são calculados sobre os montantes utilizados, à taxa contratual em vigor, não concretamente apurada – resposta ao ponto 24.º da base instrutória;
36. E, nos termos acordados, o titular do cartão suportará, ainda, o encargo por pagamentos atrasados – resposta ao ponto 25.º da base instrutória;
37. Os clientes têm um período de reflexão de 15 dias, concedido para manifestar a sua posição quanto à nova redação do acordo de utilização dos cartões de crédito “CB” – resposta ao ponto 29.º da base instrutória;
38. Presumindo-se que o cliente aceita a nova redação do acordo de utilização do cartão de crédito “CB” caso o titular utilize o cartão de crédito no período de reflexão ou nada comunique ao “CB” durante esse período – resposta ao ponto 30.º da base instrutória;
39. A nova redação do acordo de utilização do cartão Xxxx entrou em vigor em 6 de abril
de 2007 – cfr. documento de fls. 98 a 107, cujo teor se dá por integralmente reproduzido – resposta ao ponto 31.º da base instrutória;
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40. Em momento algum é referido no acordo de utilização do cartão de crédito referido nos factos assentes o “Programa de Pontos Citi Bónus” – resposta ao ponto 32.º da base instrutória;
41. A publicidade contida no documento de fls. 16 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, destinava-se a adesões ao cartão de crédito “CB” até ao dia 30 de setembro de 2005 – resposta ao ponto 33.º da base instrutória;
42. Não obstante o referido em 40. e 41., o autor foi inscrito no “Programa de Pontos Citi Bónus” ao aderir ao cartão de crédito – resposta ao ponto 34.º da base instrutória;
43. Tendo o “CB” feito o resumo do referido programa de que beneficiava o autor até ao extracto datado de 8 de novembro de 2006 – resposta ao ponto 35.º da base instrutória;
44. No extracto de 8 de novembro de 2006 a ré comunicou ao autor que “iremos proceder ao seu cancelamento [Programa de Pontos Citi Bónus] à data do seu próximo extracto de dezembro de 2006. Deverá efetuar a conversão dos pontos acumulados até essa data, a partir da qual expiram definitivamente” – resposta ao ponto 36.º da base instrutória;
45. Não tendo o autor deduzido qualquer oposição ao cancelamento do programa na sequência dessa comunicação – resposta ao ponto 37.º da base instrutória;
46. Os pontos acumulados pelo autor ao abrigo do programa referido foram convertidos no dia 14 de dezembro de 2006 – resposta ao ponto 38.º da base instrutória;
47. Constando, por isso, creditado o montante de 45 € na conta-cartão do autor no extracto datado de 8 de janeiro de 2007 – resposta ao ponto 39.º da base instrutória;
48. O saldo identificado no extracto, datado de 8 de outubro de 2007, de 496,44 € devia ser pago até ao dia 29 de outubro de 2007, o que não sucedeu
– resposta ao ponto 42.º da base instrutória;
49. Do montante referido em 48. o autor não pagou ao réu o montante de 44,44 € –
resposta ao ponto 43.º da base instrutória;
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50. Nos termos acordados, o titular do cartão suportará uma comissão por pagamentos atrasados, no caso de até à data limite indicada no extracto da conta-cartão o titular deste não efectuar o seu pagamento – resposta ao ponto 44.º da base instrutória;
51. Em face do referido em 49. e 50., a ré aplicou a referida comissão por atraso no pagamento, no valor de 25 € – resposta ao ponto 45.º da base instrutória;
52. Nos termos contratuais então em vigor, o titular do cartão deveria liquidar o saldo em dívida preferencialmente através do sistema de débito direto e na rede nacional das caixas automáticas – resposta ao ponto 46.º da base instrutória;
53. E se optasse por liquidar a sua dívida por outro meio de pagamento, nomeadamente por cheque ou vale postal, tal implica que tenha de suportar o pagamento de uma taxa – resposta ao ponto 47.º da base instrutória;
54. Em face do referido em 53. e tendo o autor pago parcialmente o extracto de 8 de outubro de 2007 através de cheque, foi debitada na conta-cartão do autor, no mês de novembro, uma taxa no valor de 7,50 € – resposta ao ponto 48.º da base instrutória;
55. Não tendo o autor efetuado mais nenhum pagamento para além daquele que se mostra referido em 8., ao autor foi debitado o montante de 25 € pelo atraso no pagamento da dívida ao “CB”, ao qual acrescem os juros e o respectivo imposto de selo – resposta ao ponto 49.º da base instrutória.
II-O DIREITO
Atentas as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição as questões que importa conhecer são as seguintes:
1-Nulidade da sentença
2-Saber se o Apelante é ou não devedor da Apelada.
3-Saber se está justificada a comunicação feita pela Apelada ao Banco de Portugal e outras entidades.
4- Montante indemnizatório.
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1-O Apelante invoca a nulidade da sentença com fundamento no disposto no art.º 668.º n.º 1 c) do CPC, invocando que no ponto 16.º da matéria de facto provada se faz referência ao “benefício concedido do desconto vitalício de 1% nas compras efectuadas pelo A.” e no ponto 15.º não se faz referência ao termo “vitalício”, ao descrever-se o benefício.
Ora, nos termos do referido preceito legal, a sentença será nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
Não é, manifestamente, o caso. Não há contradição entre os fundamentos e a decisão e também não há contradição entre os dois pontos da matéria de facto provada. Pelo facto de não se aludir num dos pontos a uma característica do benefício conferido pelo contrato a que já se tinha feito referência noutro ponto, tal não envolve qualquer contradição.
Cumpre ainda realçar que a discussão em torno do adjectivo “vitalício” refente ao desconto, acordado pelas partes, nos parece despropositado. Foi celebrado um contrato e, obviamente, neste âmbito, nada é vitalício. As cláusulas contratuais vigoram enquanto vigorarem os contratos e os contratos vigoram enquanto as partes não lhes puserem termo, naturalmente, dentro das regras que são aplicáveis a tais negócios jurídicos.
2-Tal como é referido na sentença recorrida: “concluímos que o autor celebrou com a ré um contrato de cartão de crédito, através do qual subscreveu o cartão Citi, tendo o mesmo ao aderir ao referido cartão, passado a beneficiar de um programa de pontos (cfr. pontos 41. a 43. Dos factos provados)”.
A sentença continua porém, a discorrer nos seguintes termos:” Tal programa de pontos foi, porém, cancelado pela ré, tendo a comunicação de tal facto ao autor sido feita através de referência a tal cancelamento feita no extrato de 8 de novembro de 2006, ali se referindo “iremos proceder ao seu cancelamento [Programa de Pontos Citi Bónus] à data do seu próximo extrato de dezembro de 2006. Deverá efetuar a conversão dos pontos acumulados até essa data, a partir da qual expiram definitivamente” (cfr. ponto 44. dos factos provados).
Por sua vez, o autor não deduziu qualquer oposição ao referido cancelamento na sequência daquela comunicação, tendo os pontos pelo mesmo acumulados sido convertidos em 14 de dezembro de 2006 e o montante de 45 €, correspondente aos mesmos, creditado na sua conta-cartão (cfr. pontos 45.,
46. e 47. dos factos provados).
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Apenas em outubro de 2007 viria o autor a solicitar o cancelamento do cartão em causa, o que fez na sequência do envio que lhe havia sido feito do extrato datado de 8 de outubro de 2007,(…).
Analisando o comportamento assumido pelo autor, impõe-se constatar que o mesmo não se revela razoável ou adequado, pois que o programa de pontos deixou de funcionar em dezembro de 2006, tendo o autor continuado a utilizar o cartão em causa até 20 de setembro de 2007.”
Não podemos concordar com esta argumentação.
Subjacente a tal argumentação está a ideia de que celebrado um contrato, uma das partes pode, unilateralmente, alterar as respectivas cláusulas, bastando-lhe enviá-las pelo correio à contraparte que, imediatamente, fica vinculada, só porque num determinado prazo, imposto também pela mesma parte, nada disse. Ora isto é inaceitável e desprovido de fundamento jurídico.
Não há dúvida de que é essencial à existência de um contrato o “acordo de vontades”. A uma proposta ou oferta corresponde uma aceitação. Estamos diante de declarações de vontade convergentes[1].
Celebrado um contrato, existem determinados princípios definidos por lei entre os quais que para aqui releva se destaca o princípio da força vinculativa, ou seja: uma vez celebrado, o contrato plenamente válido e eficaz constitui lei imperativa entre as partes. É o que expressa o art.º 406.º do Código Civil: “o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir- se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei.”
Desenvolve-se, portanto, a norma ou princípio da força vinculativa através de outros três princípios: o da pontualidade, utilizando a lei a palavra
«pontualmente» com o alcance de que o contrato deve ser executado ponto por ponto, quer dizer, em todas as suas cláusulas e os da irretractabilidade ou da irrevogabilidade dos vínculos contratuais e da intangibilidade do seu conteúdo. Os dois últimos fundem-se no que também se designa por princípio da estabilidade dos contratos.[2]
Todavia o próprio art.º 406.º n.º1 do Código Civil prevê desvios justificados à regra clássica «pacta sunt servanda». Tais desvios da estabilidade contratual podem resultar da vontade das partes, directamente de uma providência legislativa, ou ainda da intervenção judicial[3].
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Obviamente que está excluído deste elenco de possibilidades de alteração dos contratos, a vontade unilateral de uma das partes, comunicando à outra a alteração das cláusulas contratuais, impondo-lhe o teor das mesmas, o momento do início da respectiva vigência e as circunstâncias de validade dessas cláusulas. Foi o que sucedeu no caso em apreço.
Celebrado um contrato entre o ora Apelante e a ora Apelada, em determinado momento da vigência desse contrato, a Ré decidiu, unilateralmente, alterar as condições do contrato e impô-las ao Autor, decidindo sempre unilateralmente a “presunção de que o cliente aceita a nova redacção do acordo de utilização do cartão de crédito “CB” caso o titular utilize o cartão de crédito no período de reflexão ou nada comunique ao “CB” durante esse período”, conforme consta dos pontos 37.º, 38 e 39.º da matéria de facto provada.
Ora, esta prática é ilegal pois contraria frontalmente as normas legais e princípios jurídicos supra mencionados, aplicáveis aos contratos. Embora seja uma prática corrente que, por força da frequência com que ocorre, chega a parecer normal até perante os próprios tribunais, como o demonstra a sentença ora recorrida, cumpre sublinhar o insólito da situação: permite-se que determinadas entidades contratantes gozem de prerrogativas e direitos que nunca se admitiriam às respectivas contrapartes. Imaginemos a situação ao contrário: suponhamos que o cidadão, pessoa singular, por exemplo o ora Apelante, tinha enviado uma carta para a “CB” International PLC dizendo que, a partir de determinada data, as condições do contrato seriam outras que passariam a vigorar caso nada fosse dito, em determinado prazo. Qual seria o efeito jurídico que seria atribuído a tal iniciativa?
Pois será o mesmo efeito que deverá ser atribuído à missiva da ora Apelada: nenhum efeito.
Aqui chegados, encontramo-nos perante um contrato que deixou de ser cumprido pela “CB” International PLC, Sucursal em Portugal, nos moldes em que tinham sido acordados, pelas partes, conforme resulta do ponto 7 da matéria de facto.
Em face disso, o Autor reagiu e insistiu para que fosse reposto o cumprimento integral do contrato, sob pena de por termo ao contrato, mas “não obteve qualquer resposta ao solicitado”, conforme ponto 8.º da matéria de facto.
Então este facto não é suficiente para demonstrar que o Autor não estava de acordo com a nova redacção do acordo de utilização dos cartões de crédito
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“CB”, junto a fls. 98-107, ainda que se entendesse (e não se entende) que seria possível a aceitação tácita da alteração contratual?
Parece-nos evidente que o Autor, ao exigir a reposição do programa de pontos agregado à utilização do cartão de crédito “CB” visa[4], tal como inicialmente acordado, contraria frontalmente o teor das novas condições que lhe foram remetidas, pelo que nunca poderia colher o argumento da “CB” no sentido da respectiva aceitação por parte do Autor.
Portanto, se não foram aceites pela contraparte, as novas condições de utilização do cartão de crédito, diversas daquelas que tinham sido acordadas, nunca entraram em vigor para o Autor/ Apelante.
Conforme resulta do ponto 48 da matéria de facto, o saldo identificado no extracto datado de 8 de Outubro de 2007, de € 496,44 devia ser pago até ao dia 29 de Outubro de 2007.
Como já referido, o autor insistiu para que fosse reposto o programa de pontos agregado à utilização do cartão de crédito “CB” Visa, sob pena de pôr termo ao contrato entre ambas as partes e, uma vez que não obteve qualquer resposta ao solicitado, procedeu à resolução do contrato para a utilização do cartão de crédito “CB” n.º 0000000000000000, cancelando-o, tendo anexado na referida carta o cartão devidamente inutilizado, acompanhado do cheque nº 8538651185 no valor de 452 €[5] –
Ficou por pagar, portanto a quantia de € 44,44. Importa analisar se esta quantia era devida.
Esta quantia de € 44,44 corresponde ao valor de 1% sobre o total das compras feitas pelo Autor através do cartão “CB” visa, desde a data em que a Ré unilateralmente deixou de efectuar esse desconto, contratualmente acordado, a partir de 01-01-2007.
Ora, da análise dos extractos juntos aos autos a fls. 31-47, relativos ao período compreendido entre Janeiro e Outubro de 2007, verifica-se que o Autor realizou compras com o cartão “CB” visa, no valor de € 5.021,02. Assim, o valor que tinha direito a descontar seria € 50,21.
Por conseguinte, o Autor ainda ficou com um crédito em relação ao “CB” no valor de € 5,77. Nada ficou a dever à Ré.
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Por consequência, foi totalmente ilegítima a cobrança por parte da Ré da quantia constante do extracto de fls. 54 que, acrescido de juros e taxas, totalizava € 81,78, em 8-11-2007.
Perante a carta registada dirigida à Ré na qual o Autor chamava a atenção para o erro e reafirmava que nada devia àquela instituição, mencionando as cartas já enviadas[6] a Ré limitou-se a responder que a situação iria ser comunicada para inclusão no “Registo de morosidades, onde permanecerá durante um período de SEIS ANOS” e a indicar que a dívida pendente era agora ( 18-02-2008) de € 97,28 e a dívida total de € 134,93[7]. Conforme resulta de fls. 58, em 17 de Abril de 2008, a Ré já estava a exigir ao Autor € 188,42. Mas em 29 de Abril de 2008, a Ré já estava a exigir como dívida pendente € 159,17 e dívida total € 214,42 (Vide doc de fls. 59).E seguem-se várias cartas de várias empresas de cobranças exigindo diversas quantias que nos dispensamos de continuar a descrever. Apenas se fez a alusão que antecede para colocar em evidência que o procedimento da Ré perante as questões legítimas e pertinentes colocadas pelo seu cliente, não foram de molde a esclarecê-lo e a resolver a questão numa perspectiva de igualdade das partes, mas sim numa atitude de supremacia, diríamos mesmo de sobranceria.
Impõe-se pois, sublinhar a nossa divergência em relação ao que se afirma na sentença recorrida no sentido de ter o Autor contrariado os limites impostos pela boa- fé. Se alguém contrariou os limites da boa - fé, nesta relação contratual, cremos seguramente que não foi o Autor.
Em suma, o Autor não incumpriu o contrato, e nada ficou a dever à Ré. Ao invés, quem não cumpriu foi a Ré que, durante a vigência do contrato, lhe passou a aplicar, unilateralmente, regras diferentes daquelas que tinham sido acordadas, que pretendeu impor ao Autor, dando motivo para que este, legitimamente, resolvesse o contrato.
3-Do exposto e dando já resposta à terceira questão que importa apreciar, resulta que não deveria a Ré ter procedido à comunicação ao Banco de Portugal prevista no D.L. n.º 204/2008 de 14 de Outubro, dado que o Autor, realmente, não era devedor da Ré. Tal comunicação foi, portanto, infundada.
4-Importa, por último, apreciar a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, decorrente da informação que foi prestada ao Banco de Portugal, referente a uma situação devedora que não existia.
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Conforme dispõe o art.º 483.º do C. Civil “aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
São unanimemente aceites como constitutivos do direito à indemnização os seguintes requisitos:
- A prática de um facto voluntário;
- A ilicitude do facto;
- A culpa, ou seja a imputação do facto ao lesante;
- O dano;
- O nexo de causalidade entre o facto e o dano[8].
No caso concreto que ora nos ocupa, o acto voluntário consiste na informação ao Banco de Portugal sobre a situação de incumprimento do Autor e subsequentes diligências relacionadas com essa informação. Importa desde logo apurar se existe ilicitude na actuação da Ré. É verdade que a Ré está obrigada por lei a relatar mensalmente à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, todos os créditos concedidos e responsabilidades emergentes de contratos de crédito em vigor com indicação da sua situação. Porém, como já vimos, nos caso em apreço, não havia comunicação alguma a fazer, visto que o Autor não era devedor de qualquer quantia.
Não obstante, a Ré transmitiu ao Banco de Portugal e outras Instituições do sector financeiro e bancário, inclusive à Effico, à TWW, à Transcom e à Intrum Justitia Portugal Unipessoal, Lda, empresas recuperadoras de ativos, a informação da existência de uma dívida vencida do Autor para com aquela, no valor de 241,92€. Impõe-se concluir que a comunicação referida, por não ter fundamento legal é susceptível de ser qualificada como uma conduta ilícita.
Quanto à culpa que reveste as modalidades de dolo ou negligência, não há dúvida que também se verifica. O acto deve ser imputado à Ré, pelo menos a título de negligência.
Quanto aos danos provou-se o seguinte:
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“ No mês de março de 2008, o Autor, dirigiu-se à sua agência bancária, BPI- Argoncilhe, para aí contrair um empréstimo bancário, tendo em vista a aquisição de um veículo automóvel, de marca Renault Mégane, 1.5 dci, no valor de 19.800 € – resposta ao ponto 11.º da base instrutória”. O autor, em setembro de 2008, e após ter iniciado negociações, viu recusado um pedido de crédito solicitado junto da RECTIGAIA LDA., para a aquisição da viatura acima referida, em virtude da impossibilidade de obtenção de crédito bancário originado pela informação transmitida pela Ré – resposta ao ponto 13.º da base instrutória”. “O autor estava impossibilitado de requisitar e utilizar cheques em seu nome em 17/09/2008 – resposta ao ponto 14.º da base instrutória”
“A veiculação das informações referidas em 22., fizeram com que o autor ficasse impossibilitado de contrair crédito junto da banca até data não concretamente apurada, o que o impediu de desenvolver determinados projetos, nomeadamente adquirir certos produtos com recurso ao crédito bancário – resposta ao ponto 15.º da base instrutória”. “O autor encontrou-se impedido de efetuar a aquisição de um veículo automóvel de marca Renault, modelo Mégane, 1.5 dci, em valor não concretamente apurado – resposta ao ponto 16.º da base instrutória”.
Mais se provou que “o autor é uma pessoa de bem, que leva uma vida controlada, honrando sempre os seus compromissos” – resposta ao ponto 17.º da base instrutória e que “ goza de um bom-nome junto da sua família, amigos, conhecidos, bem como no meio comercial” – resposta ao ponto 18.º da base instrutória” e “sempre possuiu uma excelente imagem junto das instituições de crédito e bancárias, em geral, até ao presente episódio” – resposta ao ponto 19.º da base instrutória”. “A veiculação das informações referida em 22. lesaram o bom-nome, seriedade ao autor, nomeadamente no meio comercial onde reside” – resposta ao ponto 20.º da base instrutória, “o que fez com que o Autor se sentisse ferido, vexado e ofendido no seu bom-nome e na sua honra” – resposta ao ponto 21.º da base instrutória” Mais, “em consequência do sucedido, o Autor viu o seu bom-nome manchado no setor bancário” – resposta ao ponto 22.º da base instrutória”.
Quanto aos danos patrimoniais, cremos não se terem provado factos que configurem esse dano. O facto de o Autor não ter conseguido obter crédito para a aquisição do automóvel que pretendia comprar não configura por si só um dano de natureza patrimonial. O seu património não ficou por esse motivo diminuído.
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Já a nível de danos não patrimoniais, os factos são abundantes e susceptíveis de configurar a produção de danos relevantes dessa natureza.
Encontram-se, assim, verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, susceptíveis de constituir a Apelada na obrigação de indemnizar o Apelante pelos prejuízos causados.
Situamo-nos no âmbito dos direitos fundamentais de personalidade, consagrados, desde logo, no texto constitucional – direito à integridade física e moral e ao livre desenvolvimento da personalidade (arts. 25º e 26º, nº1) e reiterados naturalmente no CC, ao contemplar, no art. 70º, a tutela geral da personalidade dos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral – sendo óbvio e inquestionável que os direito à honra e ao bom nome constituem emanação do referido direito fundamental de personalidade.
Nos nossos dias, ninguém põe em dúvida o princípio da reparação do dano moral. Já pertence ao passado a controvérsia sobre a questão de saber se deve admitir-se a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais.
O argumento daqueles que se pronunciavam pela negativa era o de que esses danos não são pela sua própria natureza susceptíveis de reparação ou indemnização. A reparação natural não é praticável, pois não é possível, por exemplo retirar as dores físicas a quem as sofreu. E a reparação pecuniária não se ajusta à natureza dos danos em causa pois os danos morais são insusceptíveis de avaliação pecuniária. Invoca-se até o carácter imoral da reparação dos danos morais, por ser chocante e fruto de uma visão materialista receber dinheiro em troca da privação de bens espirituais.
Ora, a indemnização, no caso dos danos morais, terá “o sentido de proporcionar ao lesado meios económicos que de algum modo o compensem da lesão sofrida. Trata-se, por assim dizer de uma reparação indirecta. Na impossibilidade de reparar directamente os danos, pela sua natureza não patrimonial, procura-se repará-los indirectamente, através de uma soma em dinheiro susceptível de proporcionar à vítima satisfações porventura de ordem puramente espiritual, que representem um lenitivo, contrabalançando até certo ponto os males causados”[9]. O julgador não avalia os danos morais como calcula o valor dos danos patrimoniais. O que faz é calcular o valor necessário para obter essas satisfações. Não se avaliam os danos em si, porque esses são insusceptíveis de avaliação em dinheiro, mas as vantagens ou benefícios que se pretende facultar.[10]
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Por fim, nada tem de imoral a indemnização correspondente ao pretium doloris. Não está em causa o comércio de bens espirituais. Do que se trata é de impor ao ofensor uma sanção em benefício do ofendido. Na verdade, fora das hipóteses em que o acto violador do direito de outrem assumisse carácter criminal ou disciplinar e não havendo danos patrimoniais, o causador do dano escaparia a qualquer sanção. Assim, “criticável e ofensivo do sentimento de justiça não é poder a vítima dos danos morais reclamar uma compensação material que lhe permita de algum modo equilibrar ou atenuar esses danos (…
).Seria antes não receber a vítima dos prejuízos morais a reparação destes - a única com eles compatível – e conservar o ofensor intacto o seu património, continuando no tranquilo gozo de todos os seus bens”[11].
Assim, posto que deve a Apelada compensar o Apelante pelos danos morais infligidos que no caso se concretizaram na violação do seu direito à honra e bom nome, impõe-se fixar o valor adequado da indemnização.
A fixação do valor indemnizatório no caso dos autos não poderá perder de vista os valores fixados a título de indemnização por danos morais, noutros casos semelhantes[12], de modo a evitar desproporções e divergências que ponham em causa o equilíbrio do sistema jurídico e a própria equidade que deve presidir à fixação da indemnização.
Tudo visto e ponderado, considerando os critérios legais, designadamente o disposto no art.º 496.º do Código Civil e jurisprudenciais aplicáveis ao caso, entendemos adequado fixar o valor de € 7.500,00 a título de indemnização por danos morais, devida ao Autor.
IV-DECISÃO
Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso parcialmente procedente e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, condenar a Ré:
(i) a reconhecer a inexistência da dívida que a mesma reclama junto do Autor e a eliminar junto das entidades financeiras e bancárias, acima mencionadas e outras, as informações sobre a pretensa dívida do Autor ;
(ii) a pagar ao Autor a quantia de € 7.500,00 a título de indemnização por danos morais.
Custas pela Apelada e pelo Apelante na proporção de 80% para a primeira e 20% para o segundo.
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Lisboa, 23 de maio de 2013 Xxxxx xx Xxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx
Xxxxxx Xxxxxx Xxxx Xxxxxxx
[1] Xxxxxxx Xxxxx, Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, p.220-221.
[2] Xxxxxxx Xxxxx, ob.cit., p.312-313.
[3] Os tribunais interferem neste caso, ou com um fim supletivo ( ex.º art.º 777.º n.º2 e 3 do CC) ou correctivamente ( ex.º arts. 283.º e 812.º do CC).
[4] Conforme consta do ponto 8 da matéria de facto.
[5] Ponto 8 da matéria assente.
[6] Vide documento de fls. 55.
[7] Desconhece-se o fundamento da distinção entre “dívida pendente” e “dívida total”, mas tal questão não interessa aqui dilucidar, visto que não é objecto da discussão.
[8] Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx, Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, p.557.
[9] INOCÊNCIO GALVÃO TELES, Direito das Obrigações, 4.ª edição, Coimbra Editora, Lda, 1982, p.297.
[10] Idem, p.298.
[11] Idem, p.299.
[12] Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-05-2011, xxx.xxxx.xx
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