SHORT CONSIDERATIONS ABOUT THE CONTRACT IN THE CONTEMPORANIUM LAW
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx 123
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTRATO NO DIREITO CONTEMPORÂNEO
SHORT CONSIDERATIONS ABOUT THE CONTRACT IN THE CONTEMPORANIUM LAW
R. Jurídica, Curitiba, n. 21, Temática n. 5, p. 123-141, 2008.
XXXX XXXXXXX XXXXXX
R. Jurídica, Curitiba, n. 21, Temática n. 5, p. 123-141, 2008.
124 Breves Considerações Sobre o Contrato no Direito Contemporâneo
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx 125
RESUMO
R. Jurídica, Curitiba, n. 21, Temática n. 5, p. 123-141, 2008.
Tanto se escreveu a respeito dos novos princípios do direito contratual - boa-fé objetiva, equilíbrio econômico e função social – que os princípios clássicos – liberdade de contratar, força obrigatória do contrato e eficácia relativa da convenção – parecem desprestigiados a ponto de não mere- cer a devida atenção. Na realidade, os novos princípios do direito contratual hão de ser compreendidos e interpretados ao lado dos clássicos de for- ma a promover a segurança dos envolvidos quanto ao cumprimento do avençado evitando frustrar a justa expectativa do contratante que confiou na seriedade do ajuste e, simultaneamente, assegurar um ambiente contratual justo, ético e compatível com os valores constitucionais, evi- tando-se a imposição de estipulações iníquas em prejuízo de uma das partes no contrato.
126 Breves Considerações Sobre o Contrato no Direito Contemporâneo
ABSTRACT
A lot has been written about the new principles of contract law – objective good faith, economical equilibrium and social role – that the classic principles – freedom of contract, binding force of contracts and relative efficiency of the convention – seems to loose prestige to a point to do not deserve due attention. In reality, the new principles of contract law must be comprehended and interpreted together with the classic ones in order to promote the safety of the involved parties regarding the respect to the consented upon avoiding frustration about the fair expectation of the contractor who trusted on the seriousness of the agreement and, simultaneously, to assure a fair contractual environment, ethical and compatible with the constitutional values, avoiding the imposition of iniquitous stipulations in harm to any party of the contract.
Palavras chave: Contratos. Boa-fé objetiva. Função social. Equilíbrio econômico. Cooperação mútua. Força obrigatória. Confiança. Justa expectativa dos contratantes.
R. Jurídica, Curitiba, n. 21, Temática n. 5, p. 123-141, 2008.
Keywords: Contracts. Objective good faith. Social function. Economic equilibrium. Cooperation. Binding. Trust. Just expect the contractors.
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx 127
1 INTRODUÇÃO
O Direito privado classicamente se fundamentou em três pilares estruturantes quais sejam: a) o contrato; b) a propriedade e c) a família.
A sociedade moderna, no entanto, possui demandas que não mais são atendidas pelo apego acrítico a tais figuras jurídicas na forma como desenvolvidas há muitos e muitos anos. É este contexto moderno, por- tanto, que devemos considerar para bem compreender a mudança na visão de mundo operada pela entrada em vigor do atual Código Civil que superou a compreensão individualista dotada pelo antigo Código Civil de 1916 para adotar uma concepção ampla e social da maneira como o ho- mem se insere no mundo: “o homem é o valor fundamental, algo que vale por si mesmo”1.
O ponto de tensão surge naturalmente na dificuldade de harmoni- zar o clássico e o moderno, ou seja, como o operador do Direito se coloca ante a necessidade de adaptar institutos jurídicos clássicos às atuais de- mandas sociais sem cometer o abuso de manter-se cego à modernidade numa aplicação do Direito que não corresponde à realidade ou extrapolar a modernização da compreensão do fenômeno jurídico para, com receio de parecer ultrapassado, violar o conteúdo do Direito que pretende apli- car sob o falacioso argumento de uma interpretação moderna do fenô- meno jurídico e da legislação.
E é precisamente o equilíbrio entre a concepção moderna de ins- titutos jurídicos já de há muito conhecidos, dando-lhes uma nova compre- ensão de forma a atender às mais modernas necessidades da socieda- de, que irá permitir e promover uma aplicação do Direito em harmonia com as novas demandas da sociedade.
Não mais podemos aplicar literalmente institutos jurídicos históri- cos e ainda existentes. Da mesma forma como também não podemos ceder à tentação da modernidade e desprezar a evolução jurídica ocorri- da em anos e anos de estudo para aplicar institutos jurídicos clássicos sem nenhuma vinculação à sua origem e essência.
Assim foi que a compreensão jurídica da família teve de ser revis- ta de maneira a bem tutelar os novos núcleos de convívio humano que compreendem as uniões estáveis, uniões homoafetivas, adoção, a famí- lia monoparental, etc. Não se nega que a família foi e certamente continu- ará sendo uma das colunas de sustentação da nossa sociedade mas a
R. Jurídica, Curitiba, n. 21, Temática n. 5, p. 123-141, 2008.
1 XXXXX, Xxxxxx. Introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo : Saraiva, 1994. p. 158.
família a que hoje nos referimos não é mais e nem poderia ser aquela família típica do início do século passado.
A compreensão jurídica da propriedade privada também passou por sérias transformações e hoje já não há mais negar a imperiosa ne- cessidade do uso adequado da propriedade em atendimento à sua fun- ção social.
Interessa-nos, aqui, mais especificamente, a nova compreensão do contrato que, evidentemente, evoluiu e aprimorou-se de forma a aten- der às atuais demandas sociais.
Na lição de XXXX XXXXX XXXXXX:
“É o inegável envelhecimento do que já nasceu passado, pois foi parido de costas para o presente. Outro horizonte, inquietante e interrogativo, bate às portas cerradas do sistema. O medievo que emoldura os institutos do status quo se mostra em pânico pois, à medida que o civilismo pretensamente neutro se assimilou ao servi- lismo burocrata doutrinário e jurisprudencial, não conseguiu disfar- çar que não responde aos fatos e às situações que brotam da realidade contemporânea”2
2 O CONTRATO – DA REVOLUÇÃO FRANCESA AO CÓDIGO CIVIL DE 1916
Instituto jurídico já de há muito conhecido e de extrema relevância no desenvolvimento da humanidade, o contrato ocupa merecida posição de destaque no Direito privado pois possui relevante papel na troca, na circulação de riquezas e na movimentação da economia. Merece desta- que, ainda, a função civilizadora do contrato eis que a partir do momento em que o homem passou a contratar o desejo individual não mais foi satis- feito pela força mas sim pelo contrato que traz em si o respeito à palavra empenhada, o respeito entre os indivíduos e à vida em sociedade.
Ao longo de toda a evolução do Direito, no entanto, o contrato pas- sou por inúmeras transformações até chegar à sua atual configuração.
A partir da concepção de Estado Liberal oriundo da Revolução Francesa3, fixadas as máximas de igualdade, liberdade e fraternidade,
2 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro : Xxxxxxx, 0000. p. 9
– negritos nossos.
3 Escapa à intenção do presente estudo a análise dos contratos no período histórico anterior à Revolução Francesa.
tomou corpo a compreensão do contrato como o resultado do exercício da plena liberdade individual e autonomia da vontade dos contratantes. Ademais, pelo princípio da igualdade formal então vigente, todos os ho- mens eram considerados formalmente iguais em direitos e obrigações e, portanto, o contrato, uma vez firmado, deveria ser obrigatoriamente cum- prido pelos signatários independentemente das particulares condições em que nasceu o vínculo. Era o tempo do obrigatório cumprimento do avençado em respeito cego ao pacta sunt servanda. Assim estruturado, o Estado Liberal não intervencionista permitiu que uma série de abusos fossem cometidos eis que, evidentemente, a igualdade formal não equivalida à igualdade substancial entre os homens e tal situação apenas serviu para permitir o abuso da classe dominante sobre os menos favore- cidos que eram continuamente prejudicados por contratos formalmente igualitários mas que apenas acobertavam uma situação de manifesta ini- qüidade.
O Estado Liberal, então, por não atender às demandas da socie- dade, cedeu lugar ao Estado Social que, como reação ao liberalismo exa- cerbado, passou a intervir diretamente na economia e deu origem ao inchaço do aparato estatal com as consequências da ineficiência e do travamento da economia.
Por fim, chegamos ao atual Estado Democrático de Direito, tam- bém chamado Estado subsidiário em que o foco é a liberdade sem abu- sos: o Estado incentiva, estimula, regula e fiscaliza a economia mas só exerce as atividades econômicas quando os particulares não o fazem.
É neste contexto evolutivo que se inserem os novos princípios contratuais positivados no Código Civil de 2002, a saber: boa-fé objetiva, equilíbrio econômico e função social do contrato. O desafio que se apre- senta ao atual operador do Direito, portanto, é justamente adequar os princípios clássicos do direito contratual – liberdade de contratar, força obrigatória do contrato e eficácia relativa da convenção - a estes novos princípios positivados na legislação.
3 O CONTRATO – COMPREENSÃO MODERNA E PRINCÍPIOS
Muito se evoluiu na compreensão do contrato e na sua interpreta- ção de modo a afastar o apego exacerbado ao princípio pacta sunt servanda e, neste sentido, os novos princípios contratuais positivados no Código Civil de 2002 são de fundamental importância, a saber: boa-fé objetiva, equilíbrio econômico e função social do contrato.
Registre-se desde logo que a respeito da boa-fé nas relações privadas o Código Civil determina expressamente nos seus artigos 113 e 422:
“Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a
boa-fé e os usos do lugar de sua celebração” (negritos nossos).
“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na con- clusão do contrato como em sua execução, os princípios de probi- dade e boa-fé” (negritos nossos).
Daí afirmar-se que os contratantes, longe de disputas ingênuas e imaturas, devem proceder de maneira a cooperar mutuamente para ga- rantir o êxito do contrato, ou seja, as partes devem pautar suas condutas pela intenção de obter o sucesso do vínculo que voluntariamente forma- ram uma com a outra, ou melhor, nenhum dos contratantes deve agir de maneira a boicotar o alcance da finalidade do contrato ou iludir o outro a respeito da sua verdadeira intenção “visto que a persecução de interes- ses contrapostos não é empecilho para a construção de um ambiente contratual ético e compatível com a ordem jurídica”4.
E, mais adiante, os mesmos autores continuam:
“Se é evidente que, em relações de consumo, o direito deve atuar de forma protetiva, em atenção à vulnerabilidade do consumidor, utilizando-se dos mecanismos próprios (e mesmo dos impróprios, se outros não estiverem disponíveis por qualquer razão) para reequilibrar a relação entre as partes, é igualmente evidente que, nas relações paritárias, o direito não vem proteger qualquer das partes, mas exigir de ambas uma atuação honesta e leal (eis o que exige a boa-fé objetiva) e conforme aos valores consagra- dos pelo ordenamento civil-constitucional”5.
Daí dizer-se, portanto, que os negócios jurídicos, em especial os contratos, hão de ser celebrados, interpretados e executados de maneira a preservar e estimular a boa-fé, a lealdade entre os contratantes e a
4 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. A boa fé objetiva no código de defesa do consumidor e no novo código civil in Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitu- cional. Coordenador Xxxxxxx Xxxxxxxx. Rio de Janeiro : Xxxxxxx, 0000. p. 40 – negritos nossos.
5 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. A boa fé objetiva no código de defesa do consumidor e no novo código civil in Obrigações: estudos na perspectiva civil- constitucional. Coordenador Xxxxxxx Xxxxxxxx. Rio de Janeiro : Xxxxxxx, 0000. p. 41
– negritos nossos.
cooperação recíproca... tais princípios, ora, dizem com a imposição de boa conduta a todos e a cada um, cuidando de sempre agir como agiria e age o homem probo, honesto e leal, atuando em harmonia com as regras jurídicas pertinentes e os valores morais de uma sociedade justa.
Ainda a respeito da boa-fé, XXXXXX XXXXXXX-XXXXX leciona:
“Isto significa dizer que, em cada Ordenamento, a confiança en- contra particular e concreta eficácia jurídica como fundamento de um conjunto de princípios e regras que permitem, de um lado, a observância do pactuado, conforme as circunstâncias da pactuação, e, de outro, a coibição da deslealdade (em sentido amplo), nesta hipótese possuindo eficácia conformadora do exercí- cio de direitos subjetivos e formativos.
Das variadas formas pelas quais atua a confiança no Ordenamento, a mais fértil é, a nosso juízo, a possibilitada pela aplicação do prin- cípio da boa-fé como ‘teor geral’ norteador da colaboração intersubjetiva que se espraia não apenas nas relações de direito civil e de ‘direito do consumidor’, mas, por igual, no direito empresa- rial, aí atuando, por exemplo, como parâmetro auxiliar de avaliação da diligência devida pelos gestores da atividade negocial da empre- sa e como fonte de deveres positivos e negativos: entre esses últi- mos está, v.g, o de não usar informações privilegiadas (insider trading) em benefício próprio ou em prejuízo do investidor, ou, ainda, em fins colidentes com aqueles predispostos aos fins para os quais recebeu a informação. Observe-se que, etimologicamente, confiança provém de cum fides, ‘com fé’. A boa-fé, bona fides, é uma confiança adjetivada ou qualificada como ‘boa’, isto é, como justa, correta ou virtuosa”6.
Nota-se, portanto, da lição da renomada civilista, que o respeito ao princípio da boa-fé objetiva em nenhum momento pode representar o atropelo do princípio da força obrigatória do avençado tanto assim que, afirma a professora XXXXXX XXXXXXX-XXXXX, a boa-fé objetiva asse- gura a “observância do pactuado, conforme as circunstâncias da pactuação”.
No sentido da obrigatoriedade de cumprimento dos contratos tal qual avençado pelas partes, conquanto escrito ainda na vigência do Có- digo Civil de 1916 vale a lembrança, no particular, das lições de XXXX XXXXX XX XXXXX XXXXXXX:
6 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. Comentários ao novo código civil, volume V, tomo I: do direito das obrigações, do adimplemento e da extinção das obrigações. Rio de Janei- ro: Xxxxxxx, 0000. 2. ed. p. 37 – negritos nossos.
“O princípio da força obrigatória do contrato contém ínsita uma idéia que reflete o máximo de subjetivismo que a ordem legal oferece: a palavra individual, enunciada na conformidade da lei, encerra uma centelha de criação, tão forte e tão profunda, que não com- porta retratação, e tão imperiosa que, depois de adquirir vida, nem o Estado mesmo, a não ser excepcionalmente, pode inter- vir, com o propósito de mudar o curso de seus efeitos”7.
Ou seja, ao Estado é lícito interferir nos ajustes privados quando circunstâncias excepcionais de abusos e ilegalidade assim o permitirem. E isso porque, ao contrário do que poderia sugerir uma análise simplista e rasa dos novos princípios de direito contratual, o princípio da força obri- gatória do avençado ainda merece respeito sob pena de total supressão da segurança nas operações contratuais. Noutras palavras, não se pode, sob o pretexto de aplicar os novos princípios do direito contratual para conter os abusos decorrentes da cega imposição do pacta sunt servanda, incorrer no extremo oposto de pretender fazer justiça social às custas da segurança jurídica com sérios prejuízos ao contratante que legitimamen- te e de boa-fé confiou na seriedade do ajuste contratual formulado.
Neste sentido o magistério de XXXXXXX XXXX:
“É preciso salientar que a função social do contrato não deve ser interpretada como proteção especial do legislador em relação à parte economicamente mais fraca. Significa a manutenção do equilíbrio contratual e o atendimento dos interesse superiores da sociedade, que, em determinados casos, podem não coincidir com os do contratante que aderiu ao contrato e que, assim, não exerceu plenamente a sua liberdade contratual”8.
Nota-se, portanto, que a justa expectativa dos contratantes quan- to ao cumprimento do contrato firmado de boa-fé e sem abusos ou ilega- lidades há de ser respeitada e isso naturalmente envolve o equilíbrio na harmonização dos princípios contratuais clássicos com aqueles novos trazidos pelo Código Civil de 2002.
No particular, lembramos os ensinamentos de XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXX:
7 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil. Vol. III. 10. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1998. p. 06 – negritos nossos.
8 XXXX, Xxxxxxx. A evolução do contrato no terceiro milênio e o novo código civil in ALVIM, Xxxxxx et al. Aspectos controvertidos do novo código civil. São Paulo : XX, 0000. p. 72 – negritos nossos.
“Na verdade, os três novos princípios – boa-fé objetiva, equilíbrio econômico e função social – não eliminaram aqueles em que a ideologia liberalista havia se fixado (liberdade de contratar, força obrigatória do contrato e eficácia relativa da convenção)”9.
E, mais adiante, o mesmo autor continua:
“O princípio da boa-fé despreza a malícia da parte que se valeu de evasivas para criar convenções obscuras ou duvidosas e posterior- mente procurar, de forma maliciosa, obter vantagens incomuns em negócio da espécie. Esse tipo de manobra é inócuo, porque o juiz, frente ao contrato, somente aceitará uma interpretação que seja harmônica com ‘as intenções de uma pessoa correta e ho- nesta’. O juiz não dará cobertura à astúcia ou à má-fé e interpre- tará o negócio de modo com que se cumpram ‘as intenções das pessoas corretas’”10.
Vê-se, portanto, que, ao tratar dos princípios da liberdade de con- tratar, boa-fé objetiva e função social do contrato, o legislador não teve a intenção de privilegiar contratantes maliciosos que pretendem simples- mente abandonar o outro contratante à própria sorte. Fosse assim e cer- tamente instaurar-se-ia a anarquia e a insegurança jurídica com inequí- vocos prejuízos à coletividade e ao progresso da economia sustentável. E isso porque, ao contrário do que aquela análise simplista e rasa anteriormente apontada sustenta, os novos princípios de direito contratual nem de longe representam demérito ao princípio pacta sunt servanda. É que ninguém ousaria sustentar o fim do princípio da força obrigatória dos contratos. Seria, tal insanidade, o mesmo que lançar na obsolescência todo o progresso humano representado pelo respeito à palavra livremen-
te empenhada.
Daí se dizer que o princípio pacta sunt servanda não vige menos após o advento do novo Código Civil do que vigia antes dele. E se é certo que o dirigismo contratual evoluiu a ponto de hoje o Estado poder intervir de maneira mais contundente nas relações particulares para evitar os abusos de um dos contratantes em prejuízo do outro (relativizando o prin- cípio da força obrigatória dos contratos, mas sem revogá-lo), não é me- nos certo que nunca, em tempo algum, alguém pretendeu seriamente
9 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro : Xxxxxxx, 0000. 3. ed. p. IX – negritos nossos.
10 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro : Xx- xxxxx, 0000. 3. ed. – p. 27.
sustentar o fim da obrigatoriedade do cumprimento da obrigação livre e conscientemente assumida.
E tanto assim o é que XXXXX ANDRIGHI, Ministra do colendo Superior Tribunal de Justiça, ensina:
“O contrato, desde que validamente celebrado, torna-se lei inviolável entre as partes, criando vínculo ético e jurídico. Por fun- dar-se na autonomia da vontade, só se contrata aquilo que se consi- dera justo e, por isso, cria-se, na parte contrária, a legítima expecta- tiva de que o ato prometido irá se concretizar. A partir daí, surge, para o devedor, a obrigação ética de dar cumprimento à sua decla- ração, bem como, para o credor, o direito de exigir coercitivamente o adimplemento”11.
No mesmo sentido XXXXXX XXXXXXXX ao lembrar, ainda, da fun- ção econômica do contrato:
“Não está a ruir o princípio da estabilidade do pacto, pois todos sabemos que o homem moderno, cada vez mais dependente dos pares, entabula vínculos negociais com notável freqüência, e sem o cumprimento sente-se inseguro. Entretanto, o contrato deve ser visto dentro do papel que lhe confia a sociedade, isto é, como ele- mento propulsor de trocas econômicas. Essas devem ser asse- guradas e, somente por justificada exceção, inibidas”12.
É assim, portanto, que devemos modernamente compreender os contratos: como instrumentos necessários às trocas econômicas que merecem respeito e devem ser cumpridos desde que observados todos os princípios do direito contratual, os clássicos e os novos, numa compre- ensão harmônica que dê estabilidade e segurança nas relações priva- das, mas ao mesmo tempo assegure o respeito aos valores constitucio- nais necessários ao atingimento de uma sociedade justa e igualitária em que o homem, o ser humano ocupa posição de destaque e não fica nave- gando ao sabor dos caprichos dos agentes econômicos.
11 XXXXXXXX, Xxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxx. Comentários ao novo código civil, vol. IX: Das várias espécies de contratos, do empréstimo, da prestação de servi- ço, da empreitada, do depósito. Coordenador: Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx. Rio de Janeiro : Forense. pp. 6/7 – negritos nossos.
12 XXXXXXXX, Xxxxxx. A resolução do contrato no novo código civil in Revista Jurídica, vol. 304, fev. 2003. p. 52 – negritos nossos.
Neste contexto sobressai a compreensão da finalidade do contra- to não como fim em si mesmo considerado, mas sim como meio, como instrumento para o alcance de determinado bem da vida objetivado pelos contratantes. Daí a importância do magistério de XXXXXX XXXXXXXXX que leciona a respeito do que ela mesma denomina paradigma da essencialidade:
“O aqui denominado paradigma da essencialidade constitui, portan- to, um instrumento para se distinguirem os contratos à luz das dife- rentes funções que desempenham em relação às necessidades exis- tenciais do contratante. Os contratos que tenham por função sa- tisfazer uma necessidade existencial do contratante devem su- jeitar-se a um regime de caráter tutelar – ampliando-se, correlatamente, o campo de aplicação dos novos princípios. Ao re- vés, os contratos que tenham por objeto bens supérfluos, destina- dos a satisfazer preferências que não configuram necessidades bá- sicas da pessoa, tais contratos são compatíveis com uma disciplina mais liberal, o que vale dizer que devem sofrer maior influência dos princípios clássicos”13.
Num sentido próximo ao chamado paradigma da essencialidade de XXXXXX XXXXXXXXX também o magistério de XXXXX XXXXX ao afirmar que “contrato, hoje, é relação complexa solidária”14 e, mais adi- ante:
“Em outros termos, o contrato não é só o acordo de vontades, pois o acordo, em que pese sua atual presença, não possui a mesma rele- vância que em outras épocas. O contrato se posiciona, hodiernamente, antes do acordo, na contratação, na execução e na sua pós-eficácia, movido pela boa-fé, princípio que materializa o valor constitucional da solidariedade, sendo dele, em verdade, derivado”15.
13 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Teoria do contrato – Novos paradigmas. Rio de Janeiro : Xxxx- xxx, 0000. 2. ed. pp. 31/32 – negritos nossos.
14 XXXXX, Xxxxx. Do contrato – Conceito pós-moderno (em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional). Curitiba : Juruá, 2008. 2. ed. p. 253.
15 XXXXX, Xxxxx. Do contrato – Conceito pós-moderno (em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional). Curitiba : Juruá, 2008. 2. ed. pp. 254/255 – negritos nossos.
Noutras palavras, de maneira mais simples, modernamente não se pode mais interpretar um contrato de locação residencial de imóvel para abrigar família de baixa renda pelo mesmo ponto de vista com que se interpreta um contrato de locação comercial de barracão industrial para instalar empresa de armazéns gerais que atua no comércio internacional em região portuária.
É tempo de harmonização, ora. É tempo de uma compreensão do contrato que assimile a nova perspectiva jurídico-constitucional para in- terpretar o direito civil de maneira a assegurar os valores intrínsecos à Constituição.
Neste sentido os ensinamentos de XXXX XXXXX XXXXXX:
“No domínio juscivilístico não estão tão-só as regras tradicionalmente aplicáveis às relações de Direito Civil. Chamadas à colação estão as normas constitucionais e nelas encartados os princípios constitu- cionais, vinculantes e de caráter normativo. O acervo, entretanto, aí não acaba. Respeito aos direitos fundamentais, ao princípio da igual- dade, ao direito de constituir família e de protegê-la, entre outros, são garantias desse rol. Destarte, não há liberdade contratual com ofensa à igualdade, e não se deve a aplicação, mesmo genérica, dos princípios constitucionais. Os princípios constitucionais se apli- cam direta e imediatamente nas relações interprivadas”16.
O desafio que atualmente se coloca ao operador do Direito, por- tanto, diz justamente com a imperiosa necessidade de apreciar e analisar o fenômeno contratual pelas lentes desta nova perspectiva constitucional que assegura o respeito aos valores humanos, ao chamado paradigma da essencialidade e à solidariedade contratual. Tudo com o propósito de que o contrato, como instituto jurídico de extrema e indispensável impor- tância no mundo moderno, constitua cada vez mais um instrumento para o desenvolvimento sustentável da sociedade e não um instrumento de dominação ou exploração dos menos afortunados pelos mais favoreci- dos econômica e intelectualmente.
Noutro lanço, esta nova perspectiva não pode e não deve extrapolar a própria sistemática hermenêutica moderna para, sob o pretexto de mi- tigar os princípios contratuais clássicos, padecer do extremo oposto e aplicar os novos princípios deslocados do seu contexto jurídico e promo-
16 XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro : Xxxxxxx, 0000. p. 33 – negritos nossos.
vendo a insegurança jurídica pela chancela ao puro e simples descumprimento dos contratos.
Neste particular, ganha relevância o papel do Judiciário como aplicador da lei ao caso concreto eis que o assim chamado ativismo judi- cial – assim entendido o movimento que entende necessária a atuação do Judiciário no sentido de promover a igualdade e o bem estar social –, ainda que originário nas boas intenções do julgador, não pode interferir na essência do negócio privado firmado entre as partes. Muito menos poderá, sob o pretexto da aplicação dos novos princípios do direito contratual, exacerbar a proteção à parte menos favorecida economica- mente de maneira a protegê-la das consequências do inadimplemento a contrato legalmente firmado.
No particular, XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXXX leciona:
“Não se presta a teoria da boa-fé objetiva para credenciar o juiz a alterar a substância do contrato, ainda que pactuado de má-fé, por uma das partes, visto que o acordo de vontades continua sendo o fundamento desse tipo de negócio bilateral. O juiz pode interpretá- lo e suprir-lhe lacunas, segundo os usos e costumes. Pode decotar- lhe cláusulas ou condições ilícitas ou imorais. Não lhe cabe, po- rém, a pretexto de apoiar-se na boa-fé, recriar o conteúdo do contrato, em moldes diferentes daqueles fixados pelo acordo bilateral de vontades que lhe deu origem”17.
E mais adiante:
“A boa-fé objetiva não deve ser vista como fonte de poder para o juiz criar, segundo seu ponto de vista ético, sem clara autoriza- ção da lei, obrigações substancialmente diversas das que fo- ram objeto do contrato concebido pela vontade dos contratan- tes. Tampouco, lhe cabe, sem previsão em norma legal, transformar em sua essência a obrigação instituída no contrato”18.
Por todo o exposto, conclui-se que tendo sido firmado com respei- to a todos os princípios legais e constitucionais pertinentes não se pode tutelar o inadimplemento contratual sob o pretexto de aplicar os princípi- os da boa-fé objetiva e função social do contrato. Até porque, é bom lem-
17 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2008. 3. ed. pp. 28/29 – negritos nossos.
18 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2008. 3. ed. p. 164 – negritos nossos.
brar, não se deve confundir função social do contrato com função de as- sistência social:
“A função social que se atribui ao contrato não pode ignorar sua função primária e natural, que é a econômica. Não pode esta ser anulada, a pretexto de cumprir-se, por exemplo, uma atividade assistencial ou caritativa. Ao contrato cabe uma função social, mas não uma função de ‘assistência social’. Um contrato onero- so e comutativo não pode, por exemplo, ser transformado por revi- são judicial, em negócio gratuito e benéfico. Por mais que o indiví- duo mereça assistência social, não será no contrato que se en- contrará remédio para tal carência. O instituto é econômico e tem fins econômicos a realizar, que não podem ser ignorados pela lei e muito menos pelo aplicador da lei.
Reconhece-se, modernamente – repita-se – que a liberdade de con- tratar deve-se comportar dentro da função social do contrato. Mas, que função social maior pode ter o contrato senão aquela que justi- fica a sua existência: servir à circulação de riquezas, proporcionan- do segurança ao tráfego do mercado?
Primeiro, portanto, tem de reconhecer-se a função natural e especí- fica do instituto jurídico dentro da vida social; depois é que se pode pensar em limites dessa natural e necessária função. O contrato, então, existe para propiciar circulação da propriedade e emanações desta, em clima de segurança jurídica. Assegurada esta função só- cio-econômica, pode-se cogitar de sua disciplina e limitação. Não se pode, contudo, a pretexto de regular a função natural, impedi-la. A função social é um plus que se acrescenta à função econômica. Não poderá jamais ocupar o lugar da função econômica no domínio do contrato. Contrato sem função econômica simplesmente não é contrato. O contrato pode ser invalidado por ofensa aos limites da função social. Não pode, entretanto, ser transformado pela sentença, contra os termos da avença e ao arrepio da vontade negocial, em instrumento de assistência social. Impossível é determinar, que se preste gratuitamente o que se ajustou oneroso. Nem tampouco se admite exigir, pelo mesmo preço, prestação mai- or ou diversa da que se contratou. Isso equivaleria a um confisco dos valores econômicos a que o contratante tem direito, segundo a ordem econômica tutelada pelo sistema constitucional vigente”19.
19 XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro : Xxxxxxx, 0000. 3. ed. pp. 116/117 – negritos nossos.
4 CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, após estas breves considerações a respeito dos novos princípios do direito contratual, que a estrutura clássica dos contratos fundamentada na liberdade de contratar, força obrigatória do contrato e eficácia relativa da convenção há de ser necessariamente har- monizada aos novos princípios do direito contratual, a saber: boa-fé obje- tiva, equilíbrio econômico e função social do contrato.
O contrato, assim, há de ser analisado e interpretado por meio desta nova perspectiva civil-constitucional de maneira a assegurar o res- peito à palavra empenhada, mas ao mesmo tempo o atingimento do bem estar social com o respeito ao princípio da solidariedade humana.
A função primordial do contrato de assegurar e promover a circu- lação de riquezas não foi superada e não deve ser desprezada. Na rea- lidade, a função econômica do contrato permanece e somente uma análse obtusa do Direito pode sustentar que aquilo que o Código Civil chama função social do contrato substituiu a histórica função econômi- ca do instituto.
É necessário ter em mente, isso sim, que os princípios clássicos do direito contratual não foram revogados e permanecem em vigor hoje assim como antes. E os novos princípios contratuais vigem lado a lado com os clássicos.
O que mudou, aí sim, foi a compreensão total do fenômeno contratual de maneira a promover o desenvolvimento econômico coletivo e proporcionar bem estar social, não mais permitindo que o contrato seja utilizado como mecanismo de dominação do menos favorecido pelo mais abastado.
A função social do contrato a que se refere o Código Civil diz muito mais com os efeitos dos contratos particulares sobre a coletivida- de do que com alguma equivocada intenção de finalidade assistencial do instituto.
A boa-fé, por sua vez, não constitui instituto jurídico novo como alguns sustentam equivocadamente: a boa fé sempre existiu e sempre foi respeitada e incentivada pelo Direito. A positivação do princípio da boa fé objetiva, no entanto, representa o abandono do princípio neminem laedere e a imposição de um comportamento ativo dos contratantes no sentido de promover o sucesso do negócio jurídico valida e espontanea- mente firmado.
Seja lá como for, tudo caminha no sentido de promover a eficácia dos princípios constitucionais, em especial a solidariedade e dignidade humana.
É neste amplo contexto principiológico, portanto, que devemos aceitar e compreender que a obrigatoriedade de cumprimento do pacto validamente firmado ainda persiste e permanece e pode e deve ser exigida pelos contratantes e imposta pelo Judiciário como forma de tutelar as legítimas expectativas das partes contratantes que confiaram no cumpri- mento do ajuste.
Não fosse assim e certamente o progresso da humanidade esta- ria comprometido pela total e absoluta insegurança no cumprimento dos contratos.
REFERÊNCIAS
XXXXXXXX, Xxxxx; XXXXXXX, Xxxxxx; XXXXXXXX, Xxxx. Comentários ao novo código civil, vol. IX: Das várias espécies de contratos, do emprés- timo, da prestação de serviço, da empreitada, do depósito. Coordenador: Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx. Rio de Janeiro : Forense.
XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro : Xxxxxxx, 0000.
XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. Comentários ao novo código civil, volume V, tomo I: do direito das obrigações, do adimplemento e da extinção das obrigações. Rio de Janeiro : Xxxxxxx, 0000. 2. ed.
XXXXX, Xxxxx. Do contrato – Conceito pós-moderno (em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional). Curitiba : Juruá, 2008. 2. ed.
XXXXXXXXX, Xxxxxx. Teoria do contrato – Novos paradigmas. Rio de Janeiro : Xxxxxxx, 0000. 2. ed.
XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil. Vol. III. 10. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1998.
XXXXX, Xxxxxx. Introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo : Saraiva, 1994.
XXXXXXXX, Xxxxxxx. Obrigações: estudos na perspectiva civil-cons- titucional. Coordenador Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro : Xxxxxxx, 0000.
XXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxxx. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro : Xxxxxxx, 0000. 3. ed.
XXXXXXXX, Xxxxxx. A resolução do contrato no novo código civil in
Revista Jurídica, vol. 304, fev. 2003.
XXXX, Xxxxxxx. A evolução do contrato no terceiro milênio e o novo código civil in ALVIM, Xxxxxx et al. Aspectos controvertidos do novo có- digo civil. São Paulo : XX, 0000.