RELATÓRIO
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO XXXX XXXXXX:
Trata-se de recurso especial interposto por WEATHERFORD INDÚSTRIA E
COMÉRCIO LTDA, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão, proferido pelo colendo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, assim ementado:
"APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. COMISSÕES NÃO PAGAS. AGRAVO RETIDO ANALISADO NA FORMA DO ART. 523, CAPUT, DO CPC. REJEIÇÃO. SENTENÇA QUE APLICOU OS PERCENTUAIS DE COMISSÃO CONSTANTES DO CONTRATO EM VIGOR QUANDO DA EFETIVAÇÃO DO NEGÓCIO. MANUTENÇÃO. LIQUIDAÇÃO REALIZADA PELO JUIZ A QUO. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL. PAGAMENTO DE JUROS MORATÓRIOS A PARTIR DA PROPOSITURA DA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MORA DEVIDA A PARTIR DA CITAÇÃO VÁLIDA DO PROCESSO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO." (fl. 1.032)
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.
Em suas razões recursais, a ora recorrente alega, inicialmente, que o col. Tribunal estadual incorreu em omissão, ao deixar de examinar teses fundamentais arguidas pela parte ré, ofendendo, assim, o disposto no art. 535 do Código de Processo Civil.
Além disso, afirma que o v. acórdão recorrido, além de violar o art. 32 da Lei 4.886/65, deu-lhe interpretação divergente em relação a outros Tribunais. Sustenta, para tanto, que o colendo Tribunal de origem afrontou referido dispositivo legal, ao adotar "posição de que o percentual de comissão a ser aplicado à relação mantida com a Ré é aquele previsto no momento da licitação (Contrato de 1994) e não no momento do pagamento (Contrato de 2001) (...). A lei é clara e trata do direito às comissões, que somente é adquirido quando do pagamento realizado pelo comprador. Se o pagamento não for realizado, por certo a
comissão não é devida. Nesse contexto, haverá que ser respeitado o contrato de representação comercial vigente à época do pagamento, assinado por livre acordo entre as partes, por ser o momento em que o direito é adquirido (...). Havendo, portanto, contrato de representação comercial vigente à época da conclusão do negócio agenciado, ou seja, quando do pagamento do preço e entrega da mercadoria, este deverá ser respeitado (...). Diante do exposto, requer seja a ação julgada improcedente, eis que nada resta a ser pago à Recorrida, conquanto já foi remunerada no passado pela recorrente, mediante o pagamento dos valores relativos aos percentuais previstos no contrato de 2001, vigente à época do pagamento do preço pela compradora" (fls. 1.059/1.073).
Contrarrazões apresentadas às fls. 1.097/1.106. Admitido o recurso na origem, subiram os autos. É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO XXXX XXXXXX (Relator):
Inicialmente, não prospera a alegada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, tendo em vista que o v. acórdão recorrido, embora não tenha examinado individualmente cada um dos argumentos suscitados pela parte, adotou fundamentação suficiente, decidindo integralmente a controvérsia.
É indevido, assim, conjecturar-se a existência de omissão ou contradição no julgado apenas porque decidido em desconformidade com os interesses da parte.
No mérito, a controvérsia cinge-se à verificação do momento em que é devida a comissão no contrato de representação comercial, se na data da realização do negócio intermediado pelo representante ou do pagamento.
A parte autora, ora recorrida, sustenta que é a data da realização do negócio que deve nortear o valor da comissão contratada, respaldando-se, para tanto, no § 7º do art. 32 da Lei 4.886/65. Pleiteia, assim, a aplicação da comissão ajustada no contrato assinado em 1º de outubro de 1994 - alterado segundo a Comunicação Interna NR 011/96 -, vigente à época da negociação.
Por sua vez, a ré, ora recorrente, sustenta que, nos termos do art. 32, caput, da Lei 4.886/65, o valor da comissão deve ser aquele vigente na data do efetivo pagamento, o qual, na hipótese, somente ocorreu na vigência do novo contrato, celebrado em 23 de maio de 2001.
O d. Juízo sentenciante concluiu:
"Para o correto deslinde dessa questão é necessário analisar um aspecto específico do contrato de representação comercial. O objeto imediato da representação comercial é um fazer bem específico: realizar comércio em nome do representado. Em assim sendo, o representante atua como a longa manus do representado, vendendo produto em seu nome. Como longa manus, no real sentido do art. 32, o representante assume em parte os riscos da atividade empresária,
razão pela qual só faz jus à comissão quando da efetivação do pagamento. Por outro lado, o 'realizar comércio' da representação comercial não equivale a dizer que o representante e o representado são sócios no empreendimento. Levando-se isso em consideração, pode-se melhorar a noção de representação comercial para defini-lo como o contrato no qual o representante atua no interesse do representado mediando a realização de negócios entre ele e os clientes, com o objetivo de efetivar transações comerciais. Colocando-se dessa maneira, mais adequada, vemos que o objetivo da representação não é o pagamento, mas sim a efetivação do negócio. Por esta razão a comissão é devida desde o momento em que o cliente e o representado finalizam o negócio intermediado pelo representante, mas, porque o representante assume parte dos riscos da atividade empresária, o direito à comissão só se aperfeiçoa quando do pagamento. Esta assunção do risco é explicada pela própria natureza do serviço prestado pelo representante, de intermediação sem subordinação. Por esta razão o representado não está vinculado aos pedidos realizados pelo representante, podendo recusá-los sem dever nenhuma indenização ao representante. Não é o caso, contudo, quando o negócio deixa de ser realizado por culpa exclusiva do representado, ocasião na qual o representado faz jus à comissão.
(...)
Diante do exposto, conclui-se que a comissão é devida da efetivação do negócio jurídico entre o representado e o comprador, havendo, entretanto, a suspensão desse direito até a posterior aperfeiçoamento do negócio com o pagamento. Em assim sendo, pelas razões expostas e considerando as provas trazidas aos autos, considero que o negócio se realizou entre a compradora PETROBRAS e a vendedora WEATHERFORD, ré neste processo, na data de 05/03/2001, conforme documentos às fls 485/495, o que leva a considerar o contrato assinado em 01/10/1994 (fls. 28/31), alterado segundo a Comunicação Interna NR 011/96 (fl. 32), como o vigente para o negócio jurídico em análise.
(...)
Por esta razão, cabe o percentual de 3% à autora, conforme o adendo de fls. 32 ao contrato de 1994. Considerando que já houve pagamento parcial de 0,5% (meio por cento) sobre cada fatura, o cabe à parte ré efetuar o pagamento à parte autora no percentual de 2,5% (dois e meio por cento). O devido, então, é encontrado transformando-se para a moeda pátria o valor de cada fatura, considerando a cotação do dólar americano para venda estipulada pelo Banco Central do Brasil na data de emissão da fatura, e aplicando-se sobre o valor convertido o percentual de 2,5%." (fl. 894, grifou-se)
O colendo Tribunal de Justiça, confirmando a r. sentença, acrescentou, nesse tópico:
"No respeitante ao momento de aquisição do direito às comissões,
verifico também não haver como acolher os argumentos da recorrente. Embora tenha invocado a regra preconizada pelo art. 32 da Lei n.º 4.886/65 em seu favor, esta não lhe consigna o direito à reforma da sentença. O dispositivo em comento preconiza que o representante comercial adquire o direito às comissões quando do pagamento dos pedidos ou propostas e, de fato, conforme a cronologia apresentada pela recorrente, os pagamentos efetuados pela Petrobrás S/A sobre a negociação em discussão, intermediada pela apelada, ocorreram sob a
forma de parcelas.
Porém, o direito a que se refere o dispositivo legal é apenas à efetiva transferência do numerário, posto que, com a intermediação da venda, inegável que o serviço contratado foi realizado. Assim, mesmo que o consumidor só venha a pagar as mercadorias a posteriori, é devida ao representante comercial a comissão pelo trabalho concluído. Desta feita, apesar de quitado o valor do negócio apenas em 2002,
a comissão é devida sobre o total do contrato firmado, a saber, US$
4.739.31 8,00 (quatro milhões, setecentos e trinta e nove mil, trezentos e dezoito dólares americanos), posto que a representada recebeu da Petrobrás S/A, mesmo que parceladamente, a contraprestação integral pela entrega da mercadoria, que foi intermediada pela apelada.
Conquanto sustente a apelante que as comissões devem ser pagas em percentual menor para atender ao contrato firmado entre as partes em 2001, época de quitação do negócio, estes argumentos não podem ser acolhidos.
Na hipótese, deve ser observada a regra em vigor quando da concretização do negócio intermediado pela apelada, ou seja, vigente na data de celebração do contrato de fornecimento de material para a Petrobrás S/A (consumidora).
Nestes termos, de acordo com o que se verifica da documentação acostada (fls. 4851495), a Autorização de Fornecimento de Material Global (contrato celebrado com a Petrobrás S/A) foi emitida em 21 de fevereiro de 2001, tendo sido assinada pela fornecedora/apelante em 07 de março de 2001, informação, inclusive, confirmada pela recorrente (fls. 732).
Infere-se, então, a inaplicabilidade do Segundo Contrato assinado entre representante e representada, datado de 23 de maio de 2001, porque originado em período posterior ao da realização do negócio. Por conseqüência, são devidas à apelada as comissões com base no Contrato assinado entre os litigantes em 1994 (fis. 28/31), vigente à época do negócio realizado com a Petrobrás S/A e intermediado pela recorrida." (fls. 1.039/1.040, grifou-se)
A questão trazida aos autos deve ser elucidada à luz da interpretação a ser dada aos seguintes dispositivos da Lei 4.886, de 9 de dezembro de 1965:
"Art. 27. Do contrato de representação comercial, além dos elementos
comuns e outros a juízo dos interessados, constarão obrigatoriamente:
a) condições e requisitos gerais da representação;
b) indicação genérica ou específica dos produtos ou artigos objeto da representação;
c) prazo certo ou indeterminado da representação
d) indicação da zona ou zonas em que será exercida a representação; (Redação dada pela Lei nº 8.420, de 8.5.1992)
e) garantia ou não, parcial ou total, ou por certo prazo, da exclusividade de zona ou setor de zona;
f) retribuição e época do pagamento, pelo exercício da representação, dependente da efetiva realização dos negócios, e recebimento, ou não, pelo representado, dos valores respectivos;
g) os casos em que se justifique a restrição de zona concedida com
exclusividade;
h) obrigações e responsabilidades das partes contratantes:
i) exercício exclusivo ou não da representação a favor do representado;
j) indenização devida ao representante pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação.
§ 1° Na hipótese de contrato a prazo certo, a indenização corresponderá à importância equivalente à média mensal da retribuição auferida até a data da rescisão, multiplicada pela metade dos meses resultantes do prazo contratual. (Redação dada pela Lei nº 8.420, de 8.5.1992)
§ 2° O contrato com prazo determinado, uma vez prorrogado o prazo inicial, tácita ou expressamente, torna-se a prazo indeterminado. (Incluído pela Lei nº 8.420, de 8.5.1992)
§ 3° Considera-se por prazo indeterminado todo contrato que suceder, dentro de seis meses, a outro contrato, com ou sem determinação de prazo. (Incluído pela Lei nº 8.420, de 8.5.1992)"
"Art. 32. O representante comercial adquire o direito às comissões quando do pagamento dos pedidos ou propostas.
§ 1º O pagamento das comissões deverá ser efetuado até o dia 15 do
mês subseqüente ao da liquidação da fatura, acompanhada das respectivas cópias das notas fiscais.
§ 2º As comissões pagas fora do prazo previsto no parágrafo anterior deverão ser corrigidas monetariamente.
§ 3º É facultado ao representante comercial emitir títulos de créditos para cobrança de comissões.
§ 4º As comissões deverão ser calculadas pelo valor total das mercadorias.
§ 5º Em caso de rescisão injusta do contrato por parte do representando, a eventual retribuição pendente, gerada por pedidos em carteira ou em fase de execução e recebimento, terá vencimento na data da rescisão.
6° (Vetado).
§ 7º São vedadas na representação comercial alterações que impliquem, direta ou indiretamente, a diminuição da média dos resultados auferidos pelo representante nos últimos seis meses de vigência." (grifou-se)
De acordo com os dispositivos transcritos, o contrato de representação comercial deve dispor sobre a retribuição, ou seja, o valor desta, geralmente um percentual sobre o montante da venda, bem como a época do pagamento da retribuição contratada, sempre dependente da efetiva concretização do negócio intermediado. Por isso, o caput do citado art. 32 estipula que o direito à comissão é adquirido pelo representante somente quando do pagamento realizado pelo comprador à representada.
Cabe lembrar, acerca do pagamento, que pode ser realizado à vista ou a prazo. No caso de pagamento à vista, uma vez realizado, o representante fará jus à percepção da retribuição contratada, a ser paga na época igualmente ajustada. Na hipótese de pagamento parcelado, mostra-se correto entender que a comissão será devida após o pagamento de cada prestação, de acordo com o valor contratado da comissão, observando-se a época própria prevista no contrato de representação.
Então, tem-se aspectos distintos no contrato de representação comercial: a) o valor ou forma da retribuição ou comissão; b) a época de pagamento desta; e c) o momento de aquisição do direito à percepção da retribuição. O valor da comissão e o momento do pagamento desta devem estar previstos no contrato. Já o direito à percepção da comissão surge, em regra, como dispõe o caput do art. 32, no momento do pagamento do preço, no todo ou em parcelas.
Assim, embora o art. 27, letra f, da Lei 4.886/65 possibilite que, no contrato de representação comercial, seja estipulado outro momento para a aquisição pelo representante do direito à comissão (quando diz: "e recebimento, ou não, pelo representado, dos valores respectivos"), estabelecendo que as partes contratantes podem ajustar, expressamente, de forma diversa, o momento da retribuição (elegendo, para tanto, v.g., a data do início das negociações ou qualquer outra), ficando silentes, deve ser aplicada a regra do caput do art. 32 da Lei em comento.
Segundo preceituado na Lei 4.886/65, a comissão é a retribuição devida ao representante, no contrato de representação comercial, pela atividade de intermediação nas negociações entre o representado e o terceiro (cliente). Não se trata de remuneração derivada de contrato de trabalho (salário), mas de contraprestação decorrente de contrato empresarial, de
maneira que o representante, assumindo riscos empresariais inerentes à atividade econômica de sua representada (no caso, principalmente, trabalhar com êxito e não receber pelo trabalho, caso, porventura, não ocorra o pagamento pelo cliente), intermedeia negócio a ser finalizado entre representado e o cliente, passando a ter direito à comissão respectiva tão logo concluídas as negociações. Porém, e aí está o risco, somente adquirirá o direito ao pagamento da comissão a que já faz jus pela conclusão do negócio depois de recebido o preço pelo representado, salvo estipulação contratual em contrário (Lei 4.886/65, art. 27, f, parte final).
Trata-se de uma obrigação de resultado, não bastando a simples negociação, sem sua finalização, para fins de aquisição do direito à comissão. Tanto é assim que este somente surge quando da atividade do representante resultar utilidade para o representado. Se, por exemplo, o negócio não é concluído por insolvência do terceiro, nenhuma retribuição é devida ao representante pela intermediação frustrada.
Para melhor compreensão da controvérsia, pode-se conceber exemplo de situação similar e comum no meio forense, qual seja o ajuste de honorários advocatícios feito por advogado para o caso de êxito na ação. Nessa hipótese, tão logo obtido êxito na demanda, o causídico já faz jus aos honorários advocatícios contratados, mas somente terá direito à percepção efetiva dessa verba após o cliente receber o benefício pecuniário almejado na ação. Enquanto o cliente não receber o valor cobrado, nada pagará ao advogado, embora este já tenha adquirido o direito aos honorários. O pagamento contratado apenas será feito depois do recebimento do benefício pelo vitorioso na ação.
XXXXXX XXXXXXX, interpretando o caput do art. 32 da Lei 4.886/65, esclarece:
"171 - O representante comercial adquire direito às comissões quando do pagamento dos pedidos ou propostas - Em duas hipóteses o representante comercial faz jus às comissões quando do pagamento dos pedidos ou das propostas.
Nota
A comissão é a retribuição que cabe ao representante comercial pelo exercício da representação.
(...)
O art. 32 disciplina o direito à comissão resultante do contrato de representação comercial. O representante comercial adquire o direito assim que o preço seja pago, no todo ou em parte, mas a exigibilidade da comissão está subordinada à regra contida no contrato, ou, na falta dessa, na forma do art. 32, § 1º.
A lei estabelece confusão a respeito do momento em que é devida a comissão. No art. 27, letra f, determina que o contrato preveja a
retribuição e época do pagamento, dependente da efetiva realização dos negócios e recebimento, ou não, pelo representado, dos valores respectivos. No art. 32 é peremptória no sentido de que o direito às comissões ocorre logo que o comprador efetue o pagamento 'dos pedidos ou propostas', sem se lembrar que este pagamento pode ser parcial ou parcelado. Numa elipse condenável, refere-se ao contrato final, intermediado, ou aos seus efeitos. Já no art. 32, § 1º, determina que as comissões serão pagas até o 15º dia do mês subseqüente ao da liquidação da fatura. Em face desses aparentes conflitos de dispositivos legais, o conveniente é que as partes ajustem com clareza a época e modo do pagamento da comissão, que é o ponto naturalmente mais sensível do contrato de representação comercial.
Ficou esclarecido, no comentário ao art. 27, letra 'f', nº 147, supra, que o representante comercial, como mediador que é, adquire o direito à remuneração não pelo seu trabalho, mas pela utilidade que dele decorre para o representado. A comissão do representante comercial, assim, não possui a natureza do 'salário', mas pertence à categoria do 'lucro' comercial. O lucro só surge do negócio executado, a operação liquidada. Assim também a comissão.
A representação comercial pode ter como objeto a mediação em todo o tipo de operação negocial, seja nos contratos de compra e venda, de locação de coisas, de locação de serviços. A regra do art. 32 deve ser aplicada ao resultado de qualquer negócio, de cujo pagamento, total ou parcial, surgirá a aquisição do direito à comissão. Analisando o dispositivo do art. 32, adiantou-se que a hipótese nele abordada é a a aquisição do direito à comissão do negócio 'concluído e pago'. Na compra e venda não se pode perder de vista a circunstância de que se considera contrato perfeito e acabado tanto que as partes se ajustem na coisa, no preço e nas condições. O pagamento do preço pode ser à vista, contra a entrega, ou a prazo. A comissão será devida pelo representado logo que o preço for pago, no todo ou parceladamente, se outra forma não tiver sido pactuada. Se o pagamento for fracionado em prestações, a comissão é devida sobre cada parcela. Outros tipos de negócios, além de compra e venda, comportam parcelamento de seu preço, custos, aluguel etc. O sistema de pagamento das comissões geradas por estes será o descrito,
observadas suas peculiaridades.
(...)
Pode ocorrer que o contrato estipule o pagamento da comissão em bens ou coisas. Não há proibição, mas estes casos são raros. A quitação sempre se dará em função da quantia paga. O mesmo ocorrerá quando o pagamento da comissão é feito mediante endosso de duplicata sacada em função do próprio negócio agenciado ou de outros negócios a cargo do representante.
O Código Civil regula o direito do agente às comissões no art. 174. Dessa disposição podemos extrair que a obrigação do agente continua a ser de resultado, como veio exposta na Lei nº 4.886, de dezembro de
1965. A comissão será exigível em razão do negócios concluídos dentro da zona atribuída ao agente. Negócio concluído é aquele que teve os efeitos previstos implementados normalmente, inclusive quanto ao pagamento do preço ajustado. Pago este, abre-se o crédito do agente pela comissão ajustada no contrato de agência.
(...)
A lei civil não proíbe que o agente tenha direito à comissão antes da conclusão do negócio. A comissão, autorizando o contrato, poderá ser devida no momento da apresentação do pedido ou proposta de negócio pelo agente, ou no momento em que o proponente aprovar a intermediação e fechar o contrato. O crédito, com o seu termo assim antecipado, poderá ser integral ou parcial, conforme estipulação contratual.
Se o negócio fracassar por algum motivo, menos aquele que for imputável ao proponente (art. 716), a comissão antecipada poderá ser estornada, abrindo-se um crédito em favor do proponente, de responsabilidade do agente.
No Código Civil não há regra sobre o prazo de pagamento da comissão no contrato de agência. Valem, portanto, pela força do art. 721, as regras previstas pela Lei n.º 4.886, de dezembro de 1965, para satisfação da comissão."
(Do Representante Comercial: Comentários à Lei nº 4.886, de 9 de dezembro de 1965, à Lei nº 8.420, de 8 de maio de 1992, e ao Código Civil de 2002. 9ª ed., rev. e atual. por Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 216-219, grifou-se)
Outrossim, leciona XXXX XXXXXXX que, no contrato de representação comercial, "o pagamento da remuneração fica a depender do pagamento da mercadoria por parte do comprador. Podem, entretanto, as partes convencionar épocas em que serão apuradas as comissões e devidamente pagas. Entretanto, as remunerações do representante podem ser retidas pelo representado nos casos em que o contrato for rescindido por culpa deste. A retenção, em tal caso, tem por finalidade garantir ao representado a indenização dos danos sofridos com a rescisão" (Contratos e Obrigações Comerciais, 16ª ed., rev. e aum., Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 270).
Xxxxxxx também a lição de XXXXX XXXXX XXXXXX:
"A representação comercial autônoma é contrato interempresarial, isto é constituinte de vínculos obrigacionais entre empresários. O representante comercial, por mais exígua que a sua empresa seja, é empresário (...). Note-se que o traço da subordinação entre os contratantes está presente em toda relação empresarial expressa em contratos de colaboração, e assim também é na representação comercial autônoma: o representante, ao organizar a sua empresa, deve atender às instruções do representado. Mas, sublinhe-se, a
subordinação não pode dizer respeito senão à forma de organização da empresa do representante. Se é, na verdade, a pessoa dele que se encontra subordinada às ordens do representado, estando presentes os requisitos do art. 3º da CLT, então é contrato de trabalho, e não se aplica às relações entre as partes o regime de direito comercial.
(...)
A remuneração do representante, como é normal na colaboração por aproximação, costuma ser proporcional ao valor dos pedidos de compra encaminhados por meio dele ao representado (chama-se 'comissão'). Mas não basta localizar interessados e motivá-los a formular pedido de compra para que tenha o representante direito à remuneração. Regra geral, ele passa a titularizar crédito perante o representado desde que se verifiquem, sucessiva e cumulativamente, mais duas condições: a aceitação do pedido (isto é, a concretização do contrato de compra e venda mercantil) e o recebimento do preço pelo representado (ou seja, o cumprimento do contrato pelo comprador).
No tocante à primeira condição: se o representado não aceita o
pedido de compra levado pelo representante e comunica ao colaborador a recusa dentro do prazo previsto no contrato de representação, não se aperfeiçoa a compra e venda mercantil e não é devida nenhuma comissão pela frustrada tentativa de aproximação (...).
Em relação à segunda condição do direito à comissão: diz a lei que o representante adquire o direito à comissão quando do pagamento (art. 32). Quer dizer, se a compra e venda é concluída e cumprida pelo representado, mas o comprador não paga o preço da coisa, fica sustado o direito do representante à remuneração enquanto se promove a cobrança judicial do devido. Apenas se restar caracterizada, na ação ou execução proposta, a insolvência do comprador, isto é, a falta de patrimônio para cumprimento da obrigação, ficará definitivamente liberado o representado do dever de remunerar o representante (art. 33, § 1º, primeira parte). Se receber, em juízo ou fora, parte do valor devido, o representado deve remunerar proporcionalmente o representante. Mas, se, adotadas as tentativas razoavelmente exigíveis para a cobrança, resultar não recebido o preço, não se constitui o direito à comissão, visto que o representante, no desenvolvimento de sua atividade de colaboração, assume o risco empresarial semelhante ao do representado (Xxxxx, 1959:417). O representante terá, contudo, direito à remuneração se a compra e venda, após a aceitação, vier a ser rescindida por culpa do próprio representado, nas hipóteses, por exemplo, de este não entregar a mercadoria, entregá-la com vício ou no caso de evicção. Claro, nessas vezes, o comprador não deve pagar o preço ou, se já o fez, tem direito a devolução. Num ou noutro caso, não há prejuízo ao direito do representante de receber a comissão, já que cabe ao representado a culpa pelo não-recebimento do preço.
A segunda condição do direito à remuneração pelo representante pode ser afastada por cláusula do contrato (art. 27, f). Se,
eventualmente, o contrato estabelecer de modo expresso que o representante terá direito de receber a comissão mesmo que o terceiro comprador não tenha feito o pagamento ao representado, o direito à remuneração pela representação sujeita-se apenas à primeira condição, isto é, à inexistência de recusa do pedido dentro do prazo." (Curso de Direito Comercial: dereito de empresa, Vol. 3, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 114-119, grifou-se)
Portanto, no contrato de representação comercial de execução continuada, o direito de percepção do valor da comissão, no caso de parcelamento do preço da compra e venda mercantil intermediada, fica adquirido pelo representante a partir do momento em que o comprador liquida cada prestação do negócio, devendo ser pago pela representada ao representante nas condições de valor da retribuição e na época do pagamento previstas no contrato respectivo.
Na hipótese em exame, as instâncias ordinárias estabeleceram algumas premissas, após análise dos contratos celebrados em outubro de 1994 e maio de 2001, bem como do acervo fático-probatório dos autos: (I) "a Autorização de Fornecimento de Material Global (contrato celebrado com a Petrobrás S/A) foi emitida em 21 de fevereiro de 2001, tendo sido assinada pela fornecedora/apelante em 07 de março de 2001"; (II) "os pagamentos efetuados pela Petrobrás S/A sobre a negociação em discussão, intermediada pela apelada, ocorreram sob a forma de parcelas"; (III) o valor total do negócio foi quitado apenas em 2002; (IV) foi "confessado, pela própria apelada/postulante, o recebimento do percentual de 0,5% (meio por cento) a título de comissão sobre o negócio", requerendo o pagamento de sua complementação. Ademais, não há nenhuma informação de que os referidos contratos tenham estipulado de forma diversa do art. 32, caput, da Lei 4.886/65, estabelecendo outro momento para a aquisição do direito à comissão.
Na espécie, então, a negociação intermediada pela ora recorrida foi concluída sob a égide do contrato firmado em 1994, embora as parcelas do preço ajustado tenham começado a ser quitadas somente após o início do novo contrato de representação assinado em maio de 2001.
Conforme assinalado pelas instâncias ordinárias, o contrato antigo previa comissão de 3% sobre o valor da fatura, enquanto o novo contrato reduziu o percentual para 0,5%. A representada pagou ao representante o percentual reduzido, enquanto o representado quer fazer jus aos 3%.
A solução da questão remete aos já referidos aspectos distintos do contrato de representação comercial, em que: o valor da retribuição ou comissão e a época de pagamento desta
devem atender ao previsto no contrato vigente à época em que concluída a negociação, ou seja, ao contrato de outubro de 1994 e suas alterações, que previa comissão de 3%; e o momento de aquisição do direito à percepção da retribuição ocorre após quitada cada prestação do preço total ajustado.
No mais, a pretensão da representante de receber a complementação do valor da comissão encontra amparo também no § 7º do art. 32 da Lei 4.886/65, que estabelece: "São vedadas na representação comercial alterações que impliquem, direta ou indiretamente, a diminuição da média dos resultados auferidos pelo representante nos últimos seis meses de vigência." Trata-se de norma protetiva do representante, que, em regra, possui menor capacidade econômica do que o representado. Nas palavras de XXXXXXX XXXXX XXXX, visa a "proteger o representante de alterações contratuais que possam repercutir negativamente nos resultados que vinha auferindo no desempenho da representação" (Representação Comercial, 4ª ed., rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 71).
Desse modo, o novo contrato, que reduz a retribuição da representada, somente incide para negociações iniciadas e concluídas após maio de 2001, pois, do contrário, haveria violação à regra do § 7º do art. 32 da Lei 4.886/65.
Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso especial. É como voto.