Carreira e Identidade Profissional dos Farmacêuticos: Pontes entre os contratos Rousseaunianos
João Pedro Dias Fontes da Costa
Carreira e Identidade Profissional dos Farmacêuticos: Xxxxxx entre os contratos Rousseaunianos
Dissertação de Doutoramento na área científica de Gestão de Empresas, especialidade de Estratégia, orientada pela Senhora Professora Doutora Xxxxxx Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx e apresentada à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Setembro de 2011
CARREIRA E IDENTIDADE PROFISSIONAL DOS FARMACÊUTICOS: PONTES ENTRE OS CONTRATOS ROUSSEAUNIANOS
Contributo para a definição de um Contrato Psico-Social na Relação de Emprego
Xxxx Xxxxx Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx
Dissertação de Doutoramento na área científica de Gestão de Empresas, especialidade de Estratégia, orientada pela Senhora Professora Doutora Xxxxxx Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx e apresentada à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Setembro de 2011
Imagem da capa:
Emblema CLXXXIII de Xxxxxxx, Xxxxxx (1531) Book of Emblems, publicado online em xxxx://xxx.xxx.xx/xxxxxxx/x000.xxxx, consultado em 16 de Janeiro de 2011.
AGRADECIMENTOS
A assinatura de um trabalho resulta da procuração passada por todos os que de forma consciente ou inconsciente para ele contribuíram. Chamar nosso ao resultado é ignorar o esforço partilhado de professores, familiares, amigos e tantos outros que, ainda que não o saibam, contribuíram decisivamente para a escrita destas páginas.
Agradeço à Doutora Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx pelo seu conselho avisado, conhecimentos transmitidos e as palavras de incentivo constante que impulsionaram o nem sempre fácil processo de escrita. Agradeço aos docentes da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, minha alma mater, que me formaram o gosto pelo trabalho de investigação, destacando particularmente a Doutora Xxxxxxxx Xxxxxxxx com o seu rigor e disponibilidade. Xxxxxxxx ainda à Doutora Xxxxxxx Xxxxxxxxx pelo apoio que soube oferecer.
Agradeço à minha mulher, Xxxxx e aos meus filhos Xxxxxxxx e Xxxxxx pela compreensão que tiveram durante todo o processo. Agradeço aos meus pais, pela presença e estímulo, bem como aos meus sogros.
Por fim agradeço a todos os colegas e amigos, não nomeados mas sempre recordados.
RESUMO
Na literatura de comportamento organizacional, em particular a referente ao desenvolvimento e desempenho humano, tem vindo a ser cada vez mais argumentada a existência de um novo contrato psicológico. Tudo isto numa tentativa para melhor compreender as relações de emprego em mudança no actual contexto sociopolítico e económico. Ao tomarmos o contrato psicológico também como a expectativa dos direitos e deveres de uma relação concreta, e considerando ainda a crescente flexibilização e desinstitucionalização dos vínculos, poderemos estar outrossim na presença de um novo contrato social que informa os contratos psicológicos. As relações de emprego incorporam mudanças constantes e céleres com novos normativos sociais de enquadramento, proporcionando um desafio acrescido para a gestão organizacional, em particular na definição de carreiras e na criação de contextos favoráveis à identificação e comprometimento.
O presente estudo procura melhor compreender a formação da identidade profissional e a sua importância na percepção concernente à contratualização social e psicológica na relação de emprego. Recorrendo a uma metodologia de estudo de caso (profissional) e aos princípios da Grounded Theory e tendo por base um modelo de análise da identidade profissional foram audiogravadas cinquenta entrevistas semi-estruturadas a farmacêuticos de vários subsectores de actividade. Com base num código que enfatiza a natureza psico e sócio-construtiva do contrato psicológico procedeu-se à análise de conteúdo da transcrição integral dos discursos.
Os resultados salientam a relevância da profissão enquanto foco determinante de identificação, sobrepondo-se aos alternativos como a organização, equipa ou carreira. Tal é evidenciado na dinâmica entre os níveis sociais e psico-cognitivos nas narrativas de identidade profissional reflectida na percepção do contrato psicológico, com implicações atitudinais e comportamentais e consequentes reflexos no desempenho. Em particular, revela-se o papel mediador da identidade profissional entre o contrato social e o contrato psicológico, tendo como cenário a carreira. A gestão dos (trabalhadores) profissionais representa um desafio particular, porquanto entrecruza ideologias e percepções de trabalho quer do grupo profissional, quer da organização. As retóricas de socialização ocupacional representam um conjunto de fronteiras modelares para, em primeiro lugar, os papéis sociais e ocupacionais e, em segundo lugar, os próprios
percursos para uma carreira. Conclui-se assim que o propalado conceito de carreira sem fronteiras não pode ignorar o mapa mental associado aos contratos sociais para a profissão como dimensão estruturante também do contrato psicológico, institucionalizando balizas para os indicadores objectivos e subjectivos de sucesso e para os papéis e relações de papel.
Palavras-Chave: contrato social; contrato psicológico, identidade profissional; narrativas profissionais; escolhas de carreira
ABSTRACT
The organizational behavior literature, particularly the one addressing human development and performance, has argued on the existence of a new psychological contract. This is an explanation of the changing employment relations in the contemporary sociopolitical and economical context. By taking the psychological contract partly as the expectations on both obligations and rights of a specific relation and by considering the growing flexibilization and deinstitutionalization of the bonds we are otherwise in the presence of a new social contract that informs psychological contracts. Employment relations incorporate constant and fast changes with new social normatives and framings, offering a deeper challenge for the organizational management particularly on the definition of careers and the creation of favorable contexts to the employee‘s identification and commitment.
This study searches for a better understanding on the formation of professional identity and its importance in the perception of the social and psychological contracts in the employment relations. Using a (profession) case-study methodology scrutinized by Grounded Theory principles and based in an analysis model of professional identity we have audio taped fifty semi-structures interviews to pharmacists from several economical subsectors. Making use of a code that emphasizes the psycho and social constructive nature of the psychological contract we analysed the full transcripts of the discourses.
Results point out that there is a relevant role of the profession as an identification focus, overlapping the alternative organization, team or career focuses. This is seen on the dynamics between the social and psycho-cognitive levels of the professional identity narratives reflected upon the perceptions of the psychological contract with both attitudinal and behavioral implications and reflexes on performance. There is a mediating role of professional identity between the social and psychological contracts enacted in careers. Managing professionals represents a particular challenge in the way that ideologies and work perceptions both from the professional group and the organization concur. Occupational socialization rhetoric‘s represent a set of modular frontiers for social and occupational roles and for carrier paths as well. We conclude that the widely written concept of boundaryless career cannot ignore the mental map associated with social contracts for a profession as a structuring dimension of the
psychological contract institutionalizing barriers for objective and subjective success and for roles and role relations.
Key words: social contract; psychological contract; professional identity; work narratives; career choices
ÍNDICE
1.1. Relevância Temática e Objectivos: Reconfiguração das Identidades e das Carreiras? 1
2.1. Conceito de Carreira e Escolhas de Carreira 9
2.1.1. O Sucesso de Carreira 13
2.1.2. Modelos Emergentes de Carreira 18
2.1.3. Gestão Organizacional e Gestão Individual de Carreira 22
2.2. Identidade e Contrato Psicológico 29
2.2.1. Identidade Pessoal e Identidade Social 31
2.2.2. Identidade no Trabalho, Profissional e Organizacional 32
2.2.2.1. Identidade Organizacional e Identidade Corporativa 33
2.2.4. Comprometimento Organizacional 44
2.2.5. Contrato Psicológico 46
2.2.6. Quebra e Violação do Contrato Psicológico 49
2.2.7. Contrato Social e Contrato Psicológico 50
2.2.8. Ideologia e Contrato Psicológico 57
2.2.9. Identidades como Normativos e a Gestão de Carreiras 58
2.2.10. A Importância da Socialização 66
3. Modelo de Análise: A Carreira e a Identidade Profissional dos Farmacêuticos 69
3.1. O Foco e a Unidade de Análise 69
3.2. Entrevista Pessoal, Narrativas e Identidades 70
3.3. A Identidade e Identificação Profissional dos Farmacêuticos 74
3.3.1. Identidades, Contexto Profissional e Momentos Críticos de Decisão 82
3.4. A Questão de Partida e outras Questões 85
3.5. O Quadro Conceptual de Análise 87
3.5.1. Sistema de Codificação 87
4. Estudo de Caso: Carreira e Identidade Profissional dos Farmacêuticos 89
4.1. Contexto do Estudo de Caso 89
4.1.1. A escolha do Sector Farmacêutico 89
4.2. A opção pelo Estudo Qualitativo 91
4.2.1. Metodologia de Recolha de Dados: Entrevistas Pessoais 93
4.2.2. Definição da Xxxxxxx e da Observação 94
4.3. O Processo de Análise 95
4.4. Validação do Modelo de Análise 97
4.4.1. Medidas de Fiabilidade e Validade 97
4.4.2. Estabilidade (fiabilidade) da Codificação 100
4.4.3. Sistema de Codificação de Entrevistas (Inter Judge Coding Reliability)100 4.4.4. Medidas de Validade 104
4.4.5. Outras Medidas e Cuidados 104
5. Análise de Dados 107
5.1. Características da Amostra 107
5.2. Conceito(s) de Carreira para o Farmacêutico 108
5.2.1. Locus de Controlo 110
5.3. A Escolha da Profissão de Farmacêutico 113
5.3.1. A Escolha da Formação (entrada no Curso Superior) 117
5.3.1.1. Herança Ocupacional 118
5.3.2. Identificação com o Currículo da Formação 119
5.3.2.1. Identificação com a Identidade Profissional 119
5.3.2.2. Outras Razões 120
5.3.2.3. A Medicina (querer e não querer) - Média de Curso e Identidade Profissional 121
5.3.3. Escolha do Sector de Actividade 123
5.3.3.1. Farmácia Comunitária 123
5.3.3.2. A Herança Ocupacional 126
5.3.3.3. Indústria Farmacêutica 127
5.3.3.4. Análises Clínicas 128
5.3.3.5. A Referência à Medicina 128
5.3.3.6. A Referência aos outros Subsectores da Farmácia 128
5.3.3.7. Farmácia Hospitalar 129
5.3.3.8. Assuntos Regulamentares 130
5.4. A Propriedade 131
5.4.1. A Propriedade da Farmácia Comunitária 132
5.4.2. A Propriedade do Laboratório de Análises Clínicas 133
5.5. A Escolha da Formação Pós-Graduada e Profissional 133
5.6. As Escolhas de Carreira e a Vida Pessoal 136
5.6.1. A Qualidade/Estilo de Vida 138
5.6.2. A Aquisição de Casa 139
5.6.3. A Relação entre o Trabalho e a Família 140
5.7. Escolhas de Carreira 142
5.7.1. Escolhas Baseadas nas Oportunidades 143
5.7.2. Escolhas Baseadas na Identidade e Identificação 143
5.7.3. Pluriemprego 144
5.7.4. O Papel de Terceiros e Networking 148
5.8. Tipologias de Comportamento na Gestão de Carreira 149
5.9. Sucesso de Carreira 151
5.9.1. A Segurança 153
5.9.2. Capital de Carreira para Negociação 155
5.10. A Actual Transformação do Papel do Farmacêutico 155
5.10.1. A Percepção sobre a Formação em Farmácia 156
5.11. A Identidade Profissional e o Contrato Psicológico 158
5.11.1. O Capital Económico, o Capital Profissional e a Concentração 161
5.11.2. Agente Económico e/ou Agente de Saúde Pública? 162
5.12. O Contrato Social do Farmacêutico (auto-percepção) 164
5.13. Reconhecimento Social do Farmacêutico (hetero-percepção) 168
5.14. Contrato Social e Contrato Psicológico 171
5.14.1. Dimensões Positivas do Contrato Psicológico (Domínio da Transacção de base Relacional) – Função Actual 173
5.14.2. Violações do Contrato Psicológico (Domínio da Transacção de base Relacional) – Função Actual 174
5.14.3. Violações do Contrato Formal (Domínio da Transacção de base Jurídico-Económica) – Função Actual 175
5.15. Comprometimento Organizacional 175
5.15.1. Comprometimento Afectivo 175
5.15.2. Comprometimento Calculativo (continuidade) 176
5.15.2.1. Replicabilidade do Contrato/Escassez de Alternativas Viáveis 176
5.15.2.2. Instrumentalidade 179
5.15.3. Comprometimento normativo 180
5.16. Satisfação 180
5.17. Recomendação do Curso e Sector de Actividade 183
5.18. Grupos Profissionais de Referência e Auto-Imagem 184
5.18.1. Médicos 185
5.18.2. Enfermeiros 189
5.18.3. Técnicos de Saúde (incluindo técnicos de farmácia) 190
5.18.4. Ajudantes-Técnicos de Farmácia 191
5.18.5. Outros Profissionais 192
5.19. O Sucesso dos Outros Subsectores 192
5.20. Contrato Social Internacional 194
5.21. Foci de Identificação 194
5.22. Relações entre códigos 198
6. Conclusões 201
6.1. Profissões e Carreiras 203
6.1.1. Escolhas de carreira 203
6.1.2. Terceiros e escolhas de carreira 204
6.1.3. A escolha do subsector da farmácia 205
6.1.4. O sucesso profissional 205
6.1.5. Carreiras sem fronteiras? 206
6.1.6. A carreira e a identidade 207
6.2. Identidade Profissional, Contrato Psicológico e Contrato Social 209
6.3. Identidades Profissionais e o Processo de Identificação 212
6.3.1. A identidade profissional 213
6.3.2. Os grupos de referência 217
6.4. A questão de partida e outras questões 218
6.5. Um novo modelo de análise do contrato psicológico 220
6.6. Contributo para a Teoria 222
6.7. Contributo para a Prática 224
6.8. Limitações do Estudo 226
Referências Bibliográficas 229
Anexo I – dados de estratificação dos entrevistados 245
Xxxxx XX – Guião de Entrevista 247
Anexo III– Quadro de Coeficientes de Concordância 249
Anexo IV – Foci de Identificação por Entrevista 257
Anexo V – Code Matrix Browser (MAXQDA) 259
Anexo VI – Code relations Browser (MAXQDA) 260
Figura 1. Escolha de carreira - modelo de Blau (a partir de Passos, 2000) 12
Figura 2. Gestão de carreira (adaptado de Xxxxxxxxx, Xxxxxxxx et al., 2010) 24
Figura 3. Identidade e mudança identitária (adaptado de Xxxxxxx e Xxxxxxx, 1998: 217) 34
Figura 4. Preditores de identificação social (adaptado de Xxxx, Xxxxxx et al., 2004) 35 Figura 5. Identidade, imagem organizacional e identificação (adaptado de Xxxxxx, 1994, p. 253) 39
Figura 6. Identificação organizacional num contexto de alargamento de fronteiras (Bartel, 2001: 387) 39
Figura 7. Criação do contrato psicológico (Xxxxxxxx, 1995) 46
Figura 8. Tipos de contrato (Rousseau, 1995: 9) 51
Figura 9. Criação de um contrato normativo (Xxxxxxxx, 1995: 47) 52
Figura 10. Contrato psicológico e relação de emprego (adaptado de Guest, 2004: 83- 87) 70
Figura 11. Dimensões, níveis de identidade e resultados (construção própria) 80
Figura 12. Génese de formação de outputs identitários (construção própria). 81
Figura 13. Relações de sobreposição entre identidades e contexto profissional (construção própria) 83
Figura 14. Relação entre conceitos associados à carreira (adaptado de Xxxxxxxxx e Xxxxxxx, 2007: 66) 85
Figura 15. Escolhas de carreira relevadas na análise (construção própria) 85
Figura 16. Distribuição dos farmacêuticos por subsector de actividade (frequência absoluta; frequência relativa) 90
Figura 17. Passos de validação do modelo de análise 103
Figura 18. Distribuição da amostra por sexo (frequência absoluta; frequência relativa) 107
Figura 19. Distribuição da amostra por idade (frequência absoluta; frequência relativa) 107
Figura 20. Distribuição da amostra por local de trabalho/distrito (frequência absoluta; frequência relativa) 107
Figura 21. Distribuição da amostra por subsector de actividade (frequência absoluta; frequência relativa) 108
Figura 22. Distribuição da amostra por natureza da organização (frequência absoluta; frequência relativa) 108
Figura 23. Conceito de carreira 109
Figura 24. Locus de controlo de carreira 111
Figura 25. Razões para a escolha da formação em farmácia 117
Figura 26. Estado da identificação com curso de medicina, à data da escolha da formação 121
Figura 27. Escolha da formação pós-graduada e profissional 133
Figura 28. Vida pessoal e escolhas de carreira 136
Figura 29. Papel de terceiros e networking 148
Figura 30. Sucesso percebido dos outros subsectores da farmácia 193
Figura 31. Identidade profissional e perfil funcional comparados 193
Figura 32. Códigos mais fortemente relacionados com a identidade profissional e contrato psicológico 200
Figura 33. Relação entre imagem profissional e identidade profissional e respectivos níveis de enfoque (construção própria) 201
Figura 34. Contrato psicológico na relação de emprego (a partir de Guest, 2004 e construção própria) 221
Figura 35. Code matrix browser (cores) 259
Figura 36. Code matrix browser (valores) 259
Figura 37. Code relations browser 260
Tabela 1. Principais teorias de escolhas de carreira: abordagem vocacional (Xxxxxxxxx e Xxxxxxx, 2007: 94) 13
Tabela 2. Resumo de indicadores de sucesso objectivo e sucesso subjectivo e relação com a carreira (construção própria) 15
Tabela 3. Modelos emergentes de carreira (construído a partir de Xxxxxxxxxxx, 2009: 392) 19
Tabela 4. Efeitos interactivos das metacompetências (adaptado de Hall, 2004) 20
Tabela 5. Adaptado de DeFillipi & Xxxxx (1996) e Hall (2004) 21
Tabela 6. Níveis de estudo da identidade (Xxxxxxx, 2003: 64) 30
Tabela 7. Tipos de contrato psicológico por requisitos de desempenho e duração da relação (Xxxxxxxx, 1995: 98) 48
Tabela 8. Ideologia de trabalho profissional e administrativa e o contrato de emprego (a partir de Bunderson, 2001: 719) 54
Tabela 9. Comparação dos níveis de contrato (adaptado de Xxxxxxxx e Hart, 2006: 231) 56
Tabela 10. Diferentes moedas (currencies) do contrato psicológico (O‘Donohue e Xxxxxx, 2007: 549) 58
Tabela 11. Preditores organizacionais e de campo (construída a partir de DiMaggio e Xxxxxx, 0000 e 1991) 60
Tabela 12. Os três pilares das instituições: adaptado de Xxxxx (1995: 35; 2001: 52) . 63 Tabela 13. Sumário de propriedades e processos de instituições e carreiras (adaptado de Xxxxx e Xxxx, 2007) 65
Tabela 14. Carreiras e instituições: criação, reprodução e transformação (adaptado de Xxxxx e Xxxx, 2007) 66
Tabela 15. Tipologias isomórficas e resultados identitários (construção própria) 69
Tabela 16. Constructos de reconhecimento identitário relacionados (a partir de Xxxxxxxx e Xxxxx, 2008: 8) 77
Tabela 17. Conceitos-chave associados à carreira (construído a partir de Xxxxxx, 0000; Xxxxxxxxx e Xxxxxxx, 2007: 59-60) 84
Tabela 18. Sistema de codificação 88
Tabela 19. Coeficientes de concordância mais utilizados (adaptado de Leiva, Ríos et al., 2006) 101
Tabela 20. Resumo dos resultados dos indicadores de inter-judge code reliability 102 Tabela 21. Resumo do volume de informação analisado 107
Tabela 22. Conceito de carreira 109
Tabela 23. Locus de controlo de carreira 111
Tabela 24. Relação entre locus de controlo e conceito de carreira 112
Tabela 25. Escolha do curso superior e identificação com medicina 121
Tabela 26. Postura dos farmacêuticos comunitários face à escolha do subsector antes da entrada no mercado de trabalho 124
Tabela 27. A escolha do subsector farmácia comunitária após entrada no mercado de trabalho 125
Tabela 28. Perspectivas sobre a propriedade de farmácia comunitária 132
Tabela 29. Tipologia da formação pós-graduada e profissional já realizada 134
Tabela 30. Formação por responsabilidade de selecção e/ou pagamento 134
Tabela 31. Razões de escolha da formação profissional ou pós-graduada 135
Tabela 32. Escolha de carreira e impacto na relação de emprego 137
Tabela 33. Aceitação ou recusa de proposta de emprego por vida familiar 137
Tabela 34. Decisões de conciliação de carreira e ciclo de vida familiar 138
Tabela 35. Local de trabalho e estilo de vida intencionado 138
Tabela 36. Relação entre aquisição de casa própria e propensão para a mobilidade 139 Tabela 37. Balanceamento trabalho-família por condicionalismo relatado 141
Tabela 38. Situação face ao pluriemprego 144
Tabela 39. Situações de pluriemprego actual por subsector de actividade 145
Tabela 40. Razões para o pluriemprego 146
Tabela 41. Identificação de terceiros influentes nas escolhas de carreira 148
Tabela 42. Tipologia de comportamentos na gestão de carreira 149
Tabela 43. Relação entre comportamentos e tipo de carreira 151
Tabela 44. Perspectivas sobre o sucesso de carreira 152
Tabela 45. Perspectiva sobre a segurança na relação de emprego 154
Tabela 46. Perspectivas sobre o curso de farmácia (ciências farmacêuticas) 156
Tabela 47. Percepção do contexto profissional, com incidência no conteúdo funcional e identidade profissional associada 159
Tabela 48. Rejeição de propostas de emprego baseadas no conteúdo funcional ou identidade profissional associada 160
Tabela 49. Razões de saída baseadas no conteúdo funcional ou identidade profissional associada 160
Tabela 50. Satisfação com a função actual 161
Tabela 51. Perspectivas sobre a relação entre o capital económico e o capital profissional na liberalização das farmácias comunitárias 162
Tabela 52. Percepção do papel social do farmacêutico 164
Tabela 53. Percepção do reconhecimento social do farmacêutico 168
Tabela 54. Contributo do contrato social para o contrato psicológico 171
Tabela 55. Dimensões positivas do contrato psicológico 174
Tabela 56. Violações do contrato psicológico 174
Tabela 57. Violações do contrato psicológico 175
Tabela 58. Comprometimento afectivo 175
Tabela 59. Escassez de alternativas e continuidade: dimensão relacional e dimensão económica 177
Tabela 60. Dimensões e subdimensões de satisfação 181
Tabela 61. Subdimensões de satisfação 181
Tabela 62. Dimensões de insatisfação 183
Tabela 63. Intenções de recomendação do curso ou sector de actividade 184
Tabela 64. Percepções da profissão (incluindo carreiras) e identidade profissional do médico 186
Tabela 65. Percepções do reconhecimento social relativo do médico e farmacêutico 187
Tabela 66. Percepções da competência e capital profissional do médico e farmacêutico 188
Tabela 67. Percepções das atitudes e comportamentos da classe médica 189
Tabela 68. Referências aos profissionais de enfermagem 190
Tabela 69. Referências aos técnicos de saúde 190
Tabela 70. Percepção da valorização relativa de farmacêuticos e ajudantes- técnicos 191
Tabela 71. Percepções do contrato social noutros países 194
Tabela 72. Focos de identificação 194
Tabela 73. Análise de foci de identificação por subsector (percentagem absoluta das referências e relativa no sector) 195
Tabela 74. Tipos de identificação 196
Tabela 75. Tipologia de identificação por subsector (percentagem absoluta das referências e relativa no sector) 198
Tabela 76. Intersecções de códigos (code relations browser) 200
Tabela 77. Dados de estratificação dos entrevistados 246
Tabela 78. Guião da entrevista 248
Tabela 79. Quadro de coeficientes de concordância 256
Tabela 80. Foci de identificação por entrevista 258
1. INTRODUÇÃO
A hegemonia do discurso económico e a sua prevalência sobre outros tópicos sociais é reconhecida como uma característica da modernidade, conjuntamente com a ascensão do individualismo (Xxxx e Dugas, 2008: 231). Concomitantemente, as novas configurações de carreiras plasmadas na literatura aportam uma maior responsabilidade da gestão dos percursos por trabalhadores mais proactivos e adaptativos (Xxxxxx, 2001; Xxxxx, Frese et al., 2007). Configura-se uma renovada lógica nas organizações, corporizada na assunção de diferentes comportamentos e formas de pensar as trajectórias profissionais. A flexibilização dos vínculos laborais é uma realidade, assumindo-se genericamente que o indivíduo deve desenvolver o seu próprio projecto de carreira, estabelecendo uma relação aberta com a organização. Uma questão central enquadrada pelas teorias de carreiras proteanas e sem fronteiras, conceitos amplamente debatidos e investigados como adiante se demonstra, é perceber que ao assumir-se um elevado nível de autonomia entre o indivíduo e a organização na construção de um percurso profissional, o quadro de formação identitária é alterado. O indivíduo apropria- se do planeamento e desenvolvimento da sua carreira, podendo investir no seu Know- How (conhecimentos e técnicas), Know-Why (motivações para o exercício do trabalho) e Know-Whom (redes de contactos e relacionamentos) (Defillippi e Xxxxxx, 1994).
1.1. Relevância Temática e Objectivos: Reconfiguração das Identidades e das Carreiras?
A declarada reconfiguração das carreiras, nomeadamente pela via da redefinição da relação de emprego poderá impactar as identidades profissionais? Que papel caberá então às organizações e especificamente aos gestores na definição dos clássicos planos de carreira? Estas libertam-se das regras tradicionais, não se sustentando necessariamente numa relação de emprego de longo prazo, nem em ascensões verticais continuadas ou aquisição cumulativa de benefícios e símbolos de estatuto (Sullivan, Carden et al., 1998). A carreira proteana presume o tomar de rédeas por parte do trabalhador, ainda que se possa manter o locus, ou seja, o contexto organizacional de actuação; no caso da carreira sem fronteiras não há necessariamente um locus único e específico, sendo a escolha dos contextos organizacionais de actuação feita na medida óbvia das oportunidades e dos objectivos individuais.
A flexibilização, adaptabilidade e inovação pautam os discursos de gestão na actualidade. Neologismos como Flexisegurança ou expressões como mobilidade positiva estão presentes nos discursos oficiais e integram já o léxico corrente, indiciando mudanças sensíveis nas relações laborais. Contudo, este discurso parece colidir com a necessidade de retenção de colaboradores; esta é uma preocupação que tende a crescer na proporcionalidade do investimento feito nos indivíduos e da adopção no discurso corrente de temas como a gestão do capital humano. A contratação de um novo elemento surge sustentada na lógica da procura de alguém que se adeqúe à organização, ou às expectativas que esta tem para o seu futuro, e não a um posto de trabalho específico, abandonando-se o paradigma do ―Homem certo no lugar certo‖ claramente reducionista (Xxxxxxx, 2000). A decisão de um indivíduo permanecer numa determinada organização em detrimento de outras pode ter evidentemente vários suportes, nem sempre de compreensão fácil ou até sensível para o próprio. O estudo das razões de permanência é, por si só, um universo de causalidades inter-cruzadas de leitura teórica extremamente complexa. Por seu turno, a caracterização do suporte do processo de formação identitária do indivíduo na organização, integrado com o seu processo de identificação poderá fornecer um espaço de compreensão para algumas atitudes e comportamentos.
Com o advento da industrialização, da moderna tecnologia e da multiplicação da variedade de empregos disponíveis cria-se a possibilidade de escolha, em que o significado do trabalho se assume como um dos vectores a ter em conta (Xxxxxx e Xxxxxxxx, 1984: 2). A apresentação dos contributos teóricos da Identidade Social e Categorização do Self na Identificação Social em contextos organizacionais surge como um objectivo fundamental deste trabalho, pela demonstração da multidimensionalidade da Identificação Social pela existência de diferentes Foci e Dimensões. Pretende-se identificar a relação entre os Foci de identificação Carreira e Função e as intenções de saída ou permanência na organização, bem como a sua compaginação com as noções de sucesso de carreira objectivo e subjectivo. Um segundo objectivo passa por identificar a influência do institucionalismo no processo de geração identitária e identificação organizacional, tendo como pano de fundo as carreiras; a identidade organizacional assenta numa imagética de referenciação múltipla, também externa, sobre a qual assentam os processos de socialização, profundamente permeáveis ao isomorfismo. O princípio enunciado de contratar visando o melhor resultado da adequação indivíduo-
organização poderá enfermar de um enviesamento radiculado no pressuposto de que a organização é para os decisores algo diferente do que objectivamente existe, traduzindo- se numa imagética de referenciação externa sobre a qual assentam os processos de socialização. As estruturas cognitivas dos indivíduos integram conhecimentos obtidos de forma consciente com informações e processos de nível subconsciente. Aqui importa recorrer aos trabalhos que versam a construção do conhecimento, reconhecendo componentes tácitas, implícitas, explícitas, de ordem individual ou colectiva, analisando de uma forma multivariada este fenómeno.
A imagética organizacional partilhada ou percebida não possui necessariamente sustentação empírica, não perdendo ainda assim uma crucial relevância na dinâmica do seu funcionamento. Importa contudo perceber a relação entre a identidade organizacional e as tendências isomórficas quer do ponto de vista dos decisores, quer do ponto de vista do indivíduo a socializar, reconhecendo a identificação organizacional como uma extensão do self que pode, de formas diversas, assentar na comparação de categorias sociais intra-organizacionais inexistentes, ainda que desejadas ou desejáveis. Parece fundamental reconhecer as influências institucionais na formação das identidades que servem de base aos processos de identificação organizacional, descrevendo os princípios de uma dinâmica concomitantemente extra- organizacionalmente referenciada e intra-organizacionalmente relevante. A reconhecida especificidade da identidade organizacional enquanto cenário de cruzamento de referências individuais, grupais, internas e externas, continua a merecer uma dedicação académica profunda, correspondida empiricamente por uma riqueza de elementos para análise que importa conhecer.
A proposta de investigação agora avançada pretende dar mais um passo na exploração dos contornos da identidade profissional, nomeadamente da sua relação com as carreiras em contexto organizacional, reconhecendo os impactos na formação de um contrato psico-sociológico. Não se procura um estudo na esteira da Sociologia ou Psicologia das Profissões, antes sim uma reflexão orientada para o domínio da Gestão de Recursos Humanos, iluminada pelos diversos paradigmas científicos e correntes explicativas. Pode questionar-se o papel dos gestores na determinação das carreiras, assumindo-se como um elemento preponderante na construção da morfologia organizacional com base nas suas visões, valores, espartilhos legais, condicionantes ambientais ou contingências
de várias outras ordens. Mas como decide o gestor qual o modelo organizacional, políticas e práticas de gestão de Recursos Humanos a implementar? O desejo de incrementar a identificação dos colaboradores com a organização não deverá passar por medidas globais e inespecíficas. O efeito será, potencialmente, mais positivo se as intervenções forem planeadas de forma a corresponderem aos desejados foci ou dimensões que os gestores pretendem mudar e concomitantemente que façam sentido para os colaboradores. A título de exemplo, se o gestor quer aumentar a identificação com a equipa, o foco optimal será a equipa e não a organização como um todo. Xxxxxxx Xxxxxxxxxxxx centra a noção de carreira sem fronteiras no debate das identidades, questionando em que medida é que o sentido de espaço é importante na constituição do sentido do self (Brocklehurst, 2003).
O maior fluxo de investigação dos novos formatos de carreira tem sido proporcionado por países Anglo-Saxónicos, nomeadamente Reino Unido e Estados Unidos da América, sendo menos conhecido o impacto desta realidade em sistemas institucionais económico-legais diversos, com vasta legislação laboral e fortes índices de sindicalização; este contexto pode proporcionar um ambiente de carreira mais estável (Sturges, Conway et al., 2008). Existe alguma evidência empírica das transformações de carreira reconhecidas no plano teórico, ainda que não na escala que a literatura previu, compaginada com a constatação de que elementos da ―velha‖ carreira ainda subsistem (Sturges, Conway et al., 2008). Sturges et al. refere, a título de exemplo, indivíduos que em fases prematuras da sua carreira consideram a empregabilidade como um factor determinante, embora não haja evidência de que os seus comportamentos de Gestão Individual de Carreira se destinem a promover uma estratégia de mudanças regulares de empregador; por outro lado, ainda que os responsáveis das organizações reconheçam mudanças nas práticas e atitudes de carreira pouco ou nada fazem para apoiar os empregados na sua gestão de carreira (idem, ibidem). Na verdade, ainda que reconhecidamente os trabalhadores tenham comportamentos de gestão individual da sua carreira, os empregadores continuam a providenciar ajuda nesse campo e, por outro lado, os trabalhadores esperam e valorizam essas acções (Sturges, Guest et al., 2002). Neste sentido, a nova visão de carreira envolve a Gestão Individual, mas continua a exigir a Gestão Tradicional/Organizacional, que contribui para uma variedade de comportamentos positivos incluindo o comprometimento e a performance (Sturges, Guest et al., 2002; Sturges, Xxxxxx et al., 2005; Xxxxxxx, Xxxxxx et al., 2008). Sendo
reconhecida a heterogeneidade das regiões Europeias, também se reconhece que diferentes práticas de Gestão de Recursos Humanos podem prevalecer como mais eficazes em diferentes contextos (Mayrhofer, Xxxxx et al., 2004), considerando condições culturais e institucionais. No caso concreto dos estudos de carreiras, Xxxx Xxxxxxx identifica especificidades nos comportamentos dos trabalhadores Islandeses, sugerindo que um maior comprometimento com a organização não determina um número superior de comportamentos que promovam a carreira no seu seio, contrariando o esperado (Sturges, Xxxxx et al., 2002; Xxxxxxx, Xxxxxx et al., 2005; Xxxxxxx, Xxxxxx et al., 2008). Na verdade, é o menor comprometimento com um empregador que se encontra ligado a comportamentos de gestão de carreira por networking, o que estará ligado à vontade de mudança de emprego (Sturges, Conway et al., 2008). A implicação do enquadramento cultural nacional na generalização dos resultados empíricos conhecidos não se encontra explorada neste como noutros domínios da Gestão de Recursos Humanos (Xxxxxx-Xxxxxxx, 2004). Os indivíduos podem ter menos comportamentos estratégicos na gestão de carreira e mais comportamentos tácticos ou operacionais. O horizonte temporal que informa as decisões poderá ser relativamente curto. Se é verdade que os impactos da crise económica, ou do normal funcionamento da economia com empresas que iniciam e outras que encerram, criam receios no indivíduo, a dinâmica do mercado de trabalho é também o reflexo da dinâmica económica. Tal não implica necessariamente que o paradigma de carreira se tenha transformado no mapa mental dos trabalhadores. Conscientes da realidade contextual, concentram-se na empregabilidade. A noção do controlo da carreira poderá existir na proporção do valor das competências no mercado. Para alguns a flexibilidade funcional, com perfis não especializados ou com formações de banda larga, favorece a capacidade do indivíduo reinventar a sua carreira. Por outro lado, torna-se necessária a avaliação das variações culturais no contrato psicológico, que ainda se encontram pouco estudadas apesar de se começar a reconhecer a sua importância (Xxxxxx, Au et al., 2003).
Alguns estudos empíricos sugerem que os efeitos da Gestão de Recursos Humanos são menores em sectores altamente institucionalizados (como Hospitais) do que em sectores pouco institucionalizados (tais como Hotéis) (Boselie, Paauwe et al., 2003). Segundo Xxxxxxx Xxxxx e Xxxx Xxxx (2007) uma falha identificada nos estudos que relacionam as carreiras e as instituições é que raramente ligam as carreiras individuais aos seus efeitos na organização ou ocupação. A relação entre os indivíduos e as instituições é
crítica para o entendimento das carreiras, que são ao mesmo tempo a sua expressão e a sua melhor lente, refocalizando o neoinstitucionalismo (Xxxxx e Xxxx, 2007). A pesquisa sobre carreiras proporciona uma ponte entre os níveis micro e macro de análise e uma âncora intelectual para fenómenos como o empreendedorismo, mudanças ocupacionais, entre outros (idem, ibidem). A compreensão das carreiras e da sua gestão é fundamental em duas dimensões: i) pode ajudar os indivíduos a gerir as suas carreiras de modo mais eficiente e ii) as organizações podem beneficiar da compreensão das decisões de carreiras e dilemas com que os seus empregados se confrontam (Greenhaus, Xxxxxxxx et al., 2010: 13).
Tal como Xxxx Xxxxx afirma os estudos sobre organizações e carreiras têm maioritariamente tratado esta última como uma variável dependente e a organização como variável independente, ignorando o impacto que o desenvolvimento de carreiras pode ter no formato e funcionamento das organizações (Weick, 2001: 208-209). Desta forma, pretendemos estudar a noção de carreira, impactada pelos contornos institucionais da identidade profissional, contribuindo modestamente para o abrir de um percurso que pode ajudar os decisores organizacionais na gestão organizacional de carreiras, com a construção de percursos em que os indivíduos se possam rever e fomentar o comprometimento afectivo e de continuidade. A socialização na profissão precede, em situações normais, a socialização na organização, sendo o impacto desta socialização antecipatória na análise da carreira e no contrato psicológico com o empregador um elemento fulcral deste estudo.
As transformações estruturais retiram a ascensão vertical do plano de sucesso de carreira, ainda que não esteja suficientemente claro que o mapa mental dos empregados tenha acompanhado essa tendência; na realidade a potencial desadequação entre a expectativa individual e organizacional no que diz respeito às carreiras e oportunidades merece, a nosso ver, maior atenção. A sincronização entre as necessidades individuais, as relativas à função e as da organização são tema fundamental para a gestão. Especialistas funcionais envolvidos na produção ou no desenvolvimento de processos produtivos devem focar-se na sua tarefa não ignorando o contexto de uma equipa (Korac-Kakabadse, Korac-Kakabadse et al., 1998: 135).
Xxxxxxx e Xxxxx indicam a necessidade de investigar as consequências das discrepâncias entre as percepções do contrato social e as percepções do contrato psicológico, sendo provável que um alto grau de incongruência entre o ideal e o obtido numa relação de emprego pode contribuir para a insatisfação e absentismo, rotação e reduzidos comportamentos de cidadania organizacional (Xxxxxxx e Karau, 2007). Neste estudo tentaremos a percepção da importância destas ideias numa das dimensões relevantes do contrato social, a identidade profissional e os papéis dos farmacêuticos. Procuraremos as características ou traços organizacionais que levam o profissional a concluir que determinada organização não cumpre as obrigações profissionais ou administrativas. Como referem Xxxxxxx e Karau no papel administrativo estas características podem incluir formalização, estandardização e mecanismos de coordenação, entre outros; no papel profissional podemos incluir o envolvimento no processo de decisão, políticas de compensação, suporte ao desenvolvimento profissional, práticas de socialização e investimento na comunidade (Xxxxxxx e Karau, 2007).
1.2. Estrutura do Trabalho
Para além da presente introdução este trabalho encontra-se dividido em 6 Capítulos. O segundo encontra-se dedicado à revisão teórica de vasta literatura nomeadamente versando os conceitos de Carreira, Contrato Psicológico, Identidade e Identificação apresentando-se as formulações relevantes e clarificando-se as escolhas fundamentais para o subsequente trabalho de pesquisa.
No capítulo 3 é avançado o Modelo de Análise decorrente das leituras e deduções do autor, com clarificação da adição de conceitos induzidos pelos dados empíricos ao modelo pré-concebido e identificando o foco e a unidade de análise.
No capítulo 4 é apresentada a Metodologia utilizada, explicando as opções pelo estudo de caso e pela análise qualitativa, clarificando o contexto de pesquisa e as medidas de validação e fiabilização do processo.
No capítulo 5 apresentam-se os resultados da análise dos dados e a discussão daí decorrente.
No capítulo 6 são propostas as conclusões, subdivididas pelas temáticas relevantes e salientam-se os contributos para a Teoria e para a Prática, nomeadamente relevando o potencial impacto na formulação estratégica e definição operacional na Gestão e Pessoas. São igualmente referidas as limitações do presente estudo a par com a determinação de sugestões para futuras investigações.
2. CARREIRAS E IDENTIDADES
O presente trabalho foca-se nas carreiras, identidade profissional, contrato psicológico e contrato social, ainda que relevando alguns contributos da escolha vocacional ou aconselhamento de carreiras, uma vez que o enquadramento geral é o da Gestão de Recursos Humanos.
2.1. Conceito de Carreira e Escolhas de Carreira
O trabalho está presente na vida dos indivíduos e, independentemente da sua centralidade ou periferalidade, é incontornável a sua existência. As dimensões em estudo são múltiplas e no caso concreto das carreiras considerando as diferentes perspectivas teóricas podemos encontrar múltiplos enfoques, muitas vezes delimitados pelos diferentes paradigmas que informam diferentes ciências sociais (Xxxxxx, Xxxx et al., 1989). Como refere Xxxxxx a palavra carreira teve ela própria uma carreira (Xxxxxx, 2003: 130). A literatura versando este tema é fragmentada e não integrada (Baruch, 2006; Ferreira, 2007; Santos, 2007). A falta de uniformidade no conceito de carreira decorre, aparentemente, em larga medida, da noção diferenciada acerca da perenidade das escolhas e da internalidade ou externalidade da sua origem (Driver, 1994; Xxxxxxxx, 2007; Xxxxxx, 2007). Para Xxxxxxx Xxxx podem distinguir-se quatro significados diversos associados ao conceito de carreira: i) carreira como desenvolvimento profissional, ii) carreira como ocupação profissional, iii) carreira como uma sequência de trabalhos/funções ao longo da vida e iv) carreira como sequência de experiências profissionais ao longo da vida, sendo que este último significado assume a relevância da visão subjectiva, salientando a dinâmica nas concepções, percepções e atitudes (Hall, 1976). Numa revisão de literatura que, apesar da sua vetustez relativa, nos ajuda a conhecer as referências até 1984, Xxxxxx e Xxxxxxxx (1984) encontram linhas comuns em várias definições de carreira: trabalho, sentido para a vida, avaliação social e noção temporal. Estas ideias sublinham a noção da carreira enquanto formadora da identidade e elemento de juízo social para o sucesso.
No entender de Xxxx Xxxxxx podemos encarar as carreiras à luz de nove metáforas, agregando de forma extensiva diversos contributos teóricos: carreira como herança, construção, ciclo, ajuste, viagem, encontros e relacionamentos, papéis, recursos e história (Xxxxxx, 2004; Xxxxxx, 2006; Xxxxxx, 2007). Cada uma destas perspectivas
oferece uma lente para analisar a carreira e accionar estratégicas (como a definição lata de objectivos e do caminho a seguir), tácticas (escolha de uma ocupação) ou operacionais (procura de emprego) (Inkson, 2007).
A nossa opção conceptual recai sobre a carreira como uma sequência de experiências de trabalho de um indivíduo ao longo do tempo, sublinhando-se a importância da dimensão cronológica opondo-se à visão estática de uma posição laboral em concreto (Xxxxxx, Xxxxxxx et al., 2005). Xxxx Xxxxxx prefere uma definição diversa na formulação mas semelhante nos termos, em que se integram elementos subjectivos e objectivos externos ao emprego mas com ele relacionados: carreira é uma sequência de posições relacionadas com o emprego, papéis, actividades e experiências encontradas pela pessoa (Xxxxxx, 2001). Não são assumíveis constrangimentos de contexto, nem se limita a progressão na carreira às ascensões verticais, sendo estas últimas consideradas apenas uma das hipóteses de evolução; outras, não menos importantes são a mobilidade horizontal ou mesmo movimentos descendentes dentro de contextos organizacionais, ocupacionais, industriais ou nacionais reconhecidos ou ainda entre qualquer um destes contextos (Xxxxxx e Xxxxxxxx, 1996; Xxxxxx, Khapova et al., 2005). Não assumiremos a carreira como algo contínuo, previsível e linear, estritamente organizacional, mas como algo por vezes descontínuo e com uma matriz de referência também extra- organizacional (Inkson, 2007).
As carreiras podem então ser descritas de duas formas diversas: (i) subjectiva, reflectindo a noção do indivíduo acerca da sua própria carreira e do seu futuro ou (ii) objectiva, sustentada pelas posições ocupadas com maior ou menor exposição pública, situações, estatutos ou reconhecimento sociais (Xxxxxxxxx e de Waal-Andrews, 2005). Esta dualidade ontológica é já descrita na Sociologia, nomeadamente pela Escola de Chicago, sendo a componente objectiva identificada com as formas de participação institucional na sociedade, e a componente subjectiva corporizada nos significados que os indivíduos atribuem à sua carreira, que se alteram com o tempo na medida em que os indivíduos redesenham o seu papel social e reconstroem o seu passado e futuro para se ordenarem com o presente (Xxxxxx, 1989). A carreira pode ser entendida como um caleidoscópio em que, para além de cada indivíduo escolher o seu prisma, de acordo com os seus valores e objectivos, se assume como elemento dinâmico e em movimento (Xxxxxxxx e Mainiero, 2007).
Xxxxxx chegou a pôr em causa o próprio conceito de carreira organizacional, propondo o conceito de carreira interna como sendo um conjunto fragmentado de trabalhos que em comum têm a noção subjectiva de um rumo; por oposição a carreira externa é o conjunto formal de estágios e papéis definidos pelas políticas organizacionais e conceitos societais expectáveis numa estrutura ocupacional (Schein, 1996). A maioria dos indivíduos produz um forte conceito, uma âncora de carreira, que enquadra a sua carreira interna, ainda que experiencie mudanças dramáticas na carreira externa; Os actores organizacionais alinham-se frequentemente por uma das âncoras de carreira primárias e satisfazem as necessidades de outras âncoras de forma selectiva (idem, ibidem).
De uma forma básica podemos identificar dois grandes grupos teóricos na análise das carreiras: i) teorias da escolha de carreira, em que inscreveremos as teorias da compatibilidade, explicando as escolhas com factores influenciadores da decisão (auto- identidade, interesses, personalidade e experiência social) bem como as teorias de processo, que explicam as escolhas como um processo dinâmico e gradual que culmina na escolha de uma ocupação e ii) as teorias dos estádios de carreira que assumem que a carreira evolui tangencialmente ao indivíduo e no decurso da sua vida (Passos, 2000). Importa salientar, pela orientação dos argumentos que desenvolveremos ao longo deste trabalho, o modelo de Blau, que ensaia a integração de aspectos individuais e sociais na escolha de carreira, nomeadamente o recrutamento e selecção social por padrões ideais, estrutura realística e forma de distribuição social das ocupações (Passos, 2000, referindo Blau, 1956). Desta forma são sublinhados aspectos que vão para além da lógica de racionalização individual e se centram num domínio sociológico e institucional que interessa conhecer no estudo de uma profissão, ou do acesso dos seus membros, nomeadamente a valorização social e a tipologia de tarefas atribuídas no que mais à frente identificaremos como dimensões constituintes do contrato social. A organização socioeconómica e as mudanças histórias na mobilidade social, composição das organizações e mesmo as exigências dos consumidores/públicos têm impacto na decisão de escolha de uma carreira:
Figura 1. Escolha de carreira - modelo de Blau (a partir de Passos, 2000).
Na perspectiva da person-organization fit têm coexistido várias correntes de investigação. Algumas linhas independentes de pesquisa nesta área são assentes em pressupostos diferenciados: congruência de valores, congruência de personalidade, congruência de ambiente de trabalho e congruência de competências relevantes (Westerman, 1997). As atitudes são de fulcral importância enquanto preditivas da congruência dos valores, personalidade, ambiente de trabalho e na intenção de permanência, bem como na assunção de comportamentos de cidadania organizacional (idem, ibidem). Conclui-se que as atitudes dos colaboradores medeiam a relação entre o ambiente de trabalho e a intenção de permanência na organização. A congruência entre os valores individuais e o conjunto de valores da organização, bem como a correspondência entre as preferências individuais no que diz respeito aos ambientes de trabalho e o existente/percepcionado ambiente de trabalho na organização são preditores significativos e directos da intenção de permanência do indivíduo (idem, ibidem: 112-
113). Aponta-se para uma multidimensionalidade da adequação indivíduo-organização, transversal à maioria das propostas teóricas conhecidas (idem, ibidem).
As escolhas de carreira podem assumir vários significados, desde as preferências individuais, aspirações, orientações, imagens e intenções, bem como definições mais objectivas como contexto económico e factores sociológicos como família e educação (Xxxxxxxxx e Xxxxxxx, 2007). As teorias do conteúdo são reflexo da lógica de que os traços individuais deverão corresponder aos requeridos para uma profissão, sendo que se pensará ser possível a previsão de escolhas tendo por base factores específicos como as características individuais e fenómenos psicológicos. A lógica de desenvolvimento focalizada no processo vê a carreira como um processo dinâmico e as abordagens pós- modernas são caracterizadas pelo foco no contexto e respectiva interpretação subjectiva. Na tabela seguinte encontram-se elencadas as principais teorias de escolha de carreira pela abordagem vocacional, com a identificação dos seus principais autores:
Teorias do Conteúdo | Teorias do Processo | Abordagens Pós-Modernas |
Abordagem dos Traços e Factores (Xxxxx Xxxxxxx); Teoria de Roe; Teoria de Holland; Teoria de Bordin; Teoria de Dawis e Xxxxxxxx; Teoria de Krumboltz; Teoria de Hackett & Betz; Teoria de Brown. | Teoria de Ginzberg; Teoria de Super; Teoria de Tiedermann, O‘Hara e Xxxxxx- Xxxxxxxxx. | Criação de narrativas baseadas na Terapia Narrativa; Contextualização do desenvolvimento de carreira; Aconselhamento existencial de carreira baseado na Logoterapia de Frankl. |
Tabela 1. Principais teorias de escolhas de carreira: abordagem vocacional (Xxxxxxxxx e Xxxxxxx, 2007: 94)
Um conceito conexo fundamental é o de Carreira de Sucesso1. Esta pode definir-se como o cumprimento de metas esperadas relacionadas com o trabalho num determinando momento, mas considerando toda a experiência laboral ao longo do tempo (Xxxxxxxxx e de Waal-Andrews, 2005). De igual modo pode ser definido um sucesso de reconhecimento pessoal, subjectivamente ponderado, e outra forma de sucesso, prosperidade, de reconhecimento alargado e centrado na lógica da comparação
1 A este propósito Xxxxx Xxxxxx produz uma excelente revisão da operacionalização dos critérios objectivos e subjectivos de avaliação das carreiras (Heslin, 2005a; Heslin, 2005b).
social (idem, ibidem). O sucesso de carreira subjectivo pode ser definido como a apropriação e avaliação internas do sujeito acerca da sua carreira, segundo as dimensões que este considere relevantes (Xxx Xxxxxx e Xxxxxx, 1977; Xxxxxx, Xxxxxxx et al., 2005). Os diferentes actores sociais possuem aspirações de carreira distintas e valorizam de forma diversa factores como vencimentos, segurança, localização do trabalho, estatuto, progressão, acesso à formação, a importância do trabalho versus tempo pessoal e familiar entre outros (Xxxxxx, Xxxxxxx et al., 2005). As carreiras subjectivas de indivíduos em situações profissionais e sociais semelhantes, como mulheres, minorias, médicos, secretárias, operários da construção, podem sobrepor-se; contudo, será um erro assumir que todos os membros de uma determinada categoria social partilham as mesmas orientações subjectivas de carreira (Bailyn, 1989). Ainda assim, é conhecida a tendência para as mulheres preferirem medidas subjectivas de sucesso e os homens medidas objectivas, resultando da sua posição desvantajosa no mercado de trabalho (Heslin, 2005a). Contrariamente, mas com iguais resultados, indivíduos altamente especializados e com competências procuradas pelo mercado valorizarão o sucesso subjectivo uma vez que o sucesso objectivo está devidamente assegurado (Xxxxxx e Xxxxx, 2008). Não é completamente certo que o tipo de estrutura familiar condicione as escolhas de carreira; o facto de se ser casado com alguém que trabalha e a presença de filhos pequenos implica, para as mulheres, um favorecimento do balanceamento entre o trabalho e a família, restringindo as escolhas geográficas de emprego (Xxxxxxxxxx, 2006). No caso dos homens a estrutura familiar não surge associada às preferências na escolha de emprego, acrescendo ao facto de que em fases mais tardias da carreira as mulheres estão em desvantagem uma vez que têm menos probabilidade de ter um esposo que não trabalhe, o que surge como variável associada ao alcançar de posições mais valorizadas (idem, ibidem). Por outro lado, não ter filhos e ser solteiro está associado a menos sucesso tanto em homens, como em mulheres noutras referências (Xxxxxxxx, 1999). O sucesso objectivo de carreira, pelo menos em termos salariais, pode ser influenciado por uma colecção de potenciais características e experiências pessoais e outros factores irrelevantes ou discriminatórios (Xxxxxx e Xxxxx, 2008). Esta questão assume maior relevância porquanto os indivíduos tendem a valorizar mais os salários do que realmente estão dispostos a afirmar (Xxxxx, Xxxxxxx et al., 2004)., 2004), e conhecemos os efeitos dos vencimentos na auto-estima e consequentemente na performance organizacional (Xxxxxxx, Xxxx et al., 2004).
O sucesso de carreira objectivo define-se como uma perspectiva externa com indicadores mais ou menos tangíveis que podem incluir ocupação, situação familiar, mobilidade, atribuições de tarefa, rendimento e nível profissional (Xxx Xxxxxx, 1977). A este respeito Blau define os benefícios que um indivíduo obtém na sua carreira como uma das expectativas de recompensas sociais, autonomizando ainda o estatuto social (Blau, 2004). A carreira objectiva é pública e notória, englobando o papel social e a posição oficial, reflectindo um entendimento partilhado e não apenas um entendimento subjectivo (Xxxxxx, Xxxxxxx et al., 2005). A antropologia comparativa sugere seis indicadores de sucesso objectivo (utilitários) que são recorrentes: a) estatuto e posição hierárquica, b) sucesso material (riqueza, propriedades, capacidade de ganho), c) reputação social, prestígio, influência, d) conhecimentos e competências, e) amizades, redes relacionais, contactos e f) saúde e bem-estar (Xxxxxxxxx e de Waal-Andrews, 2005). O sucesso subjectivo, por seu lado, só é identificável pela introspecção e não pela observação e validação consensual; a lista de indicadores é necessariamente mais exaustiva, sendo que podemos sempre adicionar novas dimensões, ainda que na literatura figurem consistentemente: a) orgulho nos resultados conseguidos, b) satisfação intrínseca com o trabalho, c) sensação de valia pessoal, d) comprometimento com o papel laboral na instituição, e) relações satisfatórias e f) satisfação moral (idem, ibidem).
Sucesso Objectivo | Sucesso Subjectivo | |
Carreira | A carreira objectiva é pública e notória, englobando o papel social e a posição oficial, reflectindo um entendimento partilhado e não apenas um entendimento subjectivo (carreira externa de Schein) | A carreira subjectiva é a apropriação e avaliação internas do sujeito segundo as dimensões que este considere relevantes (carreira interna segundo Schein) |
Ponto Focal | Centrado na lógica da comparação social e reconhecimento alargado. Valorização por perspectiva externa com indicadores mais ou menos tangíveis de várias dimensões (e.g. ocupação, situação familiar, mobilidade, atribuições de tarefa, rendimento e nível profissional) | Centrado no reconhecimento pessoal (auto- conceito). Valorização subjectiva de várias dimensões (e.g. vencimentos, segurança, local de trabalho, estatuto, progressão, acesso à formação, work-life balance) |
Exemplo de Indicadores | Estatuto e posição hierárquica, sucesso material (riqueza, propriedades, capacidade de ganho), reputação social, prestígio, influência, conhecimentos e competências, amizades, redes relacionais, contactos e saúde e bem-estar | Orgulho nos resultados conseguidos, satisfação intrínseca com o trabalho, sensação de valia pessoal, comprometimento com o papel laboral na instituição, relações satisfatórias e satisfação moral |
Tabela 2. Resumo de indicadores de sucesso objectivo e sucesso subjectivo e relação com a carreira (construção própria)
O entendimento que os investigadores têm do conceito de carreira não pode ignorar a interdependência entre o sucesso subjectivo e o sucesso objectivo, uma vez que só assim se entendem os processos sociais que lhe estão subjacentes (Xxxxxx, Xxxxxxx et al., 2005). Não obstante, alguns pesquisadores continuam a assumir que o sucesso deriva da posição na organização ou das promoções entre posições (idem, ibidem). Esta circunstância contrasta com a realidade relatada de que os veículos convencionais para determinação do sucesso organizacional, as hierarquias, estão a achatar-se (Littler, R. et al., 2003) e os mercados de trabalho internacionais ganham uma influência crescente (Cappelli, 1999).
A consideração de noções objectivas de sucesso pode levar ao sentimento subjectivo de sucesso, o que gerará uma motivação para comportamentos que possam levar ao sucesso objectivo, num ciclo de sucesso psicológico (Hall, 2002). Contudo, pode haver um custo associado à tentativa de obtenção do sucesso que se reflicta em falhas ou negligência em dimensões da vida pessoal, levando à quebra do referido ciclo (Xxxx e Xxxxxxxx, 2005). São cinco os critérios de análise do envelhecimento com sucesso reportados na literatura: i) adaptabilidade e saúde, ii) existência de relações positivas,
iii) crescimento ocupacional, iv) segurança pessoal e v) um foco continuado nos objectivos pessoais e no seu atingimento (Xxxxxx, Xxxxxxx et al., 2006). O crescimento ocupacional surge negativamente relacionado com a idade (idem, ibidem). A importância emergente das variáveis subjectivas na verificação do sucesso de carreira surge para preencher o vazio de algumas metas objectivas, como o promoção vertical, com mudança de título o categoria profissional (Weick, 2001: 208).
Contudo, tal como questionam Xxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxx, o sucesso de carreira dependerá mais do desempenho ou da posição social do indivíduo (Xxxxxx e Xxxxx, 2008)? Citando Judge et al. os mesmos autores respondem que há mais evidência do impacto da posição social do que do desempenho (Judge, Xxxxxxxx-Xxxxxxx et al., 2004). Com esta consideração faz todo o sentido pensar na importância do papel de Mentores, Redes Sociais e Capital Social, Orientadores de Carreira ou redes de Desenvolvimento Múltiplo (Xxxxxx e Xxxxx, 2008).
As variáveis preditoras do sucesso podem classificar-se em quatro tipos distintos: i) capital humano (como a centralidade do trabalho, horas trabalhadas, habilitações e competências); ii) apoio organizacional (como o apoio dos superiores ou recursos organizacionais); iii) sociodemográficas (género, raça, estado civil, idade) e iv) diferenças individuais estáveis (características de personalidade) (Xx, Xxx et al., 2005). O nível salarial e as promoções foram considerados como medidas de sucesso objectivo, sendo o sucesso subjectivo representado pela satisfação com a carreira; o capital humano e variáveis sociodemográficas combinados demonstraram relações mais fortes com o sucesso objectivo, ao passo que o apoio organizacional e diferenças individuais se relacionam fortemente com o sucesso de carreira subjectivo (idem, ibidem).
A mobilidade pode ser analisada a par do sucesso de carreira, considerando a lógica inter-organizacional e percebendo uma mudança no contrato psicológico em que os actores percebem que a organização não será capaz de providenciar emprego para a vida, assumindo-se a noção de que uma relação de emprego não dura necessariamente para sempre (Xxxxxxxx, 1999; Xx, Xxxxxxxx et al., 2007). A lógica de carreira sem fronteiras reflecte a procura de oportunidades que ultrapassam a lógica convencional de uma relação laboral e não se esgotam com o acto de mudança de empregador (Xxxxxx, 1994; Xxxxxxxxxx e Xxxxxx, 1994; Xxxxxx e Xxxxxxxx, 1996; Xxxxxx, Xxxxxxx et al., 2005). Há uma interdependência entre o físico e o psicológico, ainda que as barreiras propostas para as duas dimensões não sejam necessariamente coincidentes (Xxxxxxxx e Xxxxxx, 2006). A mudança física, com efectiva saída do indivíduo da organização, não é o único reflexo de mobilidade, podendo as competências com elevado valor de mercado ser usadas para fortalecer a capacidade negocial interna do lado do empregado, transformando as meras oportunidades de mobilidade, mesmo sem efectiva saída, na outra face desta moeda (Xxxxxx, Khapova et al., 2005). Os indicadores de sucesso objectivo perdem gradualmente importância para os indivíduos quando comparados com os indicadores subjectivos, fruto especificamente da imprevisibilidade do emprego e do futuro das carreiras, provocando uma relação mais dinâmica entre o sucesso objectivo e subjectivo (idem, ibidem). Os indivíduos mostram-se frequentemente preocupados com a gestão de certos aspectos das suas carreiras como a manutenção de um rendimento satisfatório, ter tempo para a família e a procura de novos conhecimentos relevando para a multi-dimensionalidade do conceito de sucesso de carreira (Xxxxxx, Xxxxxx et al., 1999; Xxxxxx, Xxxxxxx et al., 2005).
Alguns autores enfatizam a concepção subjectiva do sucesso, uma vez que os indicadores objectivos são menos atingíveis e menos relevantes na era das carreiras proteanas ou sem fronteiras (Xxxxxx e Xxxxx, 2008). Contudo, é necessário perceber que muitas organizações ainda escolhem pessoas e determinam a alocação de recursos escassos, sendo inapropriado valorizar demasiado o subjectivo quando, por exemplo, o nepotismo é recorrente (idem, ibidem). O sucesso de carreira e a satisfação com a carreira não são semelhantes ao sucesso no emprego e satisfação no emprego, desde logo porque os últimos poderão ser momentâneos e uma das definições de carreira é a sua continuidade no tempo, o que permite a explicação de sacrifícios actuais para um desiderato futuro (Xxxxxx, 2007).
2.1.2. Modelos Emergentes de Carreira
Assistimos à (pretensa) recomposição da relação sujeito-trabalho através dos modelos emergentes de carreira, usufruindo, antecipando ou forjando a desinstitucionalização da relação de emprego:
Modelo/Autores | Proposições | Sujeito | Trabalho |
Carreira Sem Fronteiras (Xxxxxx, 1994; Xxxxxx e Xxxxxxxx, 1996; Xxxxxx, Xxxxxx et al., 1999) | Pluralidade de contextos de trabalho; Transversalidade dos vínculos com as organizações; Competências (know-why, know-how e know-whom). | Agente | Campo privilegiado da acção individual; Arranjo instável de trocas mútuas entre indivíduo e organização. |
Carreira Proteana (Hall, 1976; Hall, 1996; Hall, 2002; Hall, 2004) | Mudança como um dado de realidade; Variedade de experiências; Adaptabilidade e resiliência; Identidade como âncora. | Meio de externalização da identidade pessoal; Sequência de experiências pessoais. | |
Carreira Artesanal (Craft) (Xxxxxxxxxxxx e Xxxxxx, 2001; Xxxxxxxx e Amundson, 2002) | Autonomia, criatividade, invenção e reinvenção do próprio trabalho; Sujeito e actividade como um único conjunto; Trabalho e construção de sentido. | Trabalho como ―fluxo‖; Modelo de organização artesanal de trabalho. | |
Carreira Portfolio (Xxxxxx, Xxxxxxxx et al., 2004; Inkson, 2007) | Diversificação das actividades profissionais; Flexibilização das identidades pessoais; Múltiplas zonas de expertise individual | Pós-Moderno | Trabalho como um elemento entre outros do espaço de vida pessoal; Trabalho fragmentado, em tempo parcial. |
Carreira Multidireccional (Baruch, 2004a; Baruch, | Não linearidade das experiências de trabalho; | Trabalho como um suporte para a construção da |
2004b; Xxxxxx, 2006) | Contrato psicológico transaccional; Comprometimentos múltiplos. | identidade pessoal; Flexibilidade do trabalho. | |
Carreira Transicional (Duberley, Mallon et al., 2006) | Interdependência entre agência individual e estrutura social; Carreira como mediação entre instituições e processos de interacção; Processo de contínua construção e reinterpretação de scripts. | Reflexivo | Trabalho-portfólio; Desregulamentação institucional do trabalho. |
Carreira Narrativa (Xxxxxxx, 1990; Xxxxxx, 2004) | Temporalidade e acção como processos narrativos; Interpretação de eventos da realidade e do self; Narrativa e projecto; Carreira entre história colectiva e história singular. | Interaccional | Trabalho como narrativa social e pessoal; Trabalho como facto ―objectivo‖ apresentado à interpretação (e reinterpretação). |
Carreira Construcionista (Xxxxxxxx, P et al., 2004; Xxxxx, Xxxxxxxx et al., 2004) | Carreira como um processo de construção social e de interacção; Identidade como metamorfose; Processos de negociação de significados no contexto de estruturas sociais. | Trabalho como um processo discursivo; Partilha de valores e objectivos comuns. |
Tabela 3. Modelos emergentes de carreira (construído a partir de Xxxxxxxxxxx, 2009: 392)
Independentemente dos contributos ulteriores, ou anteriores, de vários autores na detecção de novos formatos de carreira, é possível identificar dois conceitos seminais: i) carreira sem fronteiras e ii) carreira proteana. Ambas as definições surgem do reconhecimento de que as carreiras estão em mudança, sendo a visão proteana uma das primeiras alusões conceptualmente justificadas pela mão de Xxxxxxx Xxxx (Hall, 1976). É descrita uma orientação de carreira em que o indivíduo assume o controlo, em que os seus valores nucleares são os norteadores da decisão e onde os critérios de avaliação do sucesso são claramente subjectivos, estando ligados ao sucesso psicológico (idem, ibidem). O conceito de carreira proteana centra-se no indivíduo, nos seus valores pessoais e não nas recompensas organizacionais e serve um todo pessoal, familiar e de propósito de vida (Hall, 2004). Há duas metacompetências que ajudam o indivíduo a ser mais proteano: adaptabilidade e identidade (auto-consciência), fazendo com que a tónica na avaliação do perfil de competências por parte de muitas organizações esteja errada (idem, ibidem: 6-7). Os efeitos interactivos das duas metacompetências encontram-se expressos no quadro seguinte:
Respostas Comportamentais | Adaptabilidade | |
Alta | Baixa | |
Alta | Proactividade; Performance Inteligente | Paralisia; Bloqueio; Evitação |
Auto-Consciência | Reactividade; Comportamento Camaleónico | Rigidez; Actuação segundo Ordens |
Baixa |
Tabela 4. Efeitos interactivos das metacompetências (adaptado de Hall, 2004).
A existência das metacompetências é indispensável, sendo que alta adaptabilidade sem auto-consciência significa um comportamento camaleónico e a possibilidade de traçar um caminho com o qual não se possui identificação (idem, ibidem). Por seu turno, a carreira sem fronteiras surge associada a competências que diferem das necessárias para uma carreira convencional (Xxxxxx, Xxxxxx et al., 1995; Xx Xxx, Xxxxxxxxxx et al., 2009): i) no que concerne ao Know-How é fundamental percepcionar as mudanças, nomeadamente tecnológicas, quer do ponto de vista organizacional, sectorial ou no contexto mais alargado, desenvolvendo-se conhecimento, habilidade e competências não para uma organização em concreto mas para o mercado de trabalho globalmente entendido; ii) o Know-Whom, correspondente a uma ampla e consistente rede de relacionamentos, é essencial para que se possa manter um fluxo constante de trabalho;
iii) quanto ao Know-Why assume-se uma relação transaccional, onde o trabalho é trocado por uma remuneração adequada e onde o conceito de sucesso profissional se encontra enraizado em critérios pessoais, não necessariamente restrito a um contexto organizacional; O indivíduo identificar-se-á mais com o trabalho e com a sua profissão e, tendencialmente, menos com a organização. É verdadeiramente a dimensão do Know- Why que determina a maior diferenciação das carreiras sem fronteiras face às carreiras convencionais.
O Know-Whom nas carreiras sem fronteiras surge focalizado no exterior, contraposto ao princípio das organizações industriais clássicas Fordistas em que, para avançar na carreira, os indivíduos teriam que desenvolver uma rede de relacionamento internos privilegiada, podendo mesmo cultivar o nepotismo (Xxxxxx, Xxxxxx et al., 1995). No contexto de algumas organizações, nomeadamente com gestão menos profissionalizada, ou em pequenas empresas familiares estas características podem ainda prevalecer. No quadro seguinte surge representada a comparação entre a carreira tradicional e a proteana, segundo XxXxxxxxx (1996) e Hall (2004):
Tradicional | Proteana | |
Limites | Uma ou duas Organizações | Múltiplas Organizações |
Identidade | Dependente do Empregador | Independente do Empregador |
Relações | Segurança no Emprego | Empregabilidade para Performance e Flexibilidade |
Competências | Específicas da Organização | Transferíveis |
Medida de Sucesso Pelo/a | Remuneração, Promoção e Estatuto | Trabalho Psicologicamente Significativo |
Responsabilidade Pela Gestão De Carreiras | Organização | Individual |
Atitudes-Chave | Compromisso/Envolvimento Organizacional | Satisfação no Trabalho e Compromisso/Envolvimento Profissional |
Tabela 5. Adaptado de DeFillipi & Xxxxx (1996) e Hall (2004)
Uma questão que se impõe é saber se as carreiras sem fronteiras representam uma maior instabilidade, ainda que a opção de delinear um percurso com essas características possa partir do indivíduo. Xxxxxx e Xxxx apontam no sentido positivo desta relação (Mirvis e Hall, 1994). Uma carreira sem fronteiras não é função de uma relação de emprego convencional e pode assumir diversos significados: i) através do ultrapassar das fronteiras de diferentes empregadores (como em Silicon Valley); ii) quando uma carreira é validada e ganha valor de mercado fora do presente empregador (como nas carreiras académicas); iii) quando uma carreira é sustentada por redes de contactos ou informações extra-organizacionais (como um agente imobiliário); iv) quando as fronteiras tradicionais de uma carreira são ultrapassadas, nomeadamente o reporte hierárquico e os princípios de progressão; v) quando uma pessoa rejeita as oportunidades de carreira existentes por razões pessoais ou familiares; vi) quando o actor da carreira interpreta o seu futuro como não tendo fronteiras, sendo independente de constrangimentos estruturais (Xxxxxx, 1994).
Os indivíduos que agora iniciam as suas carreiras terão, provavelmente, mais hipóteses de desenvolver carreiras sem fronteiras uma vez que os ambientes de actuação são mais ambíguos e incertos (Xxxxx e Xxxxxxx, 1996; Xxxxxxxx, 1998). As pessoas que iniciam carreiras sem fronteiras não desenvolvem, provavelmente, comportamentos como a lealdade ou identificação com o empregador, nem a expectativa de que este lhe trará o desenvolvimento de competências e a evolução de carreira que procuram (Xxxxx e Xxxxxxx, 1996). As suas identidades profissionais são formadas num mercado que
procura investimento contínuo em competências e na própria carreira, provocando um sentido de identidade mais coeso e de maior auto-eficácia, ainda que espraiado por múltiplos empregadores (idem, ibidem). Alguns autores, contudo, salientam que uma carreira sem fronteiras pode determinar sensações de falta de propósito, dúvidas e fragmentação psicológica (Mirvis e Hall, 1994). Outros autores referem que as carreiras se encontram inevitavelmente condicionadas, logo com fronteiras, pela história do indivíduo, a sua identidade ocupacional e pelos constrangimentos institucionais de quem decide as selecções (King, Xxxxx et al., 2005). Por outro lado, as metáforas de carreira proteana ou sem fronteiras surgem para alguns autores como redutoras e muitas vezes até desorientadoras do verdadeiro conceito (Xxxxxx, 2004; Xxxxxx e Xxxxx, 2008). Na realidade as metáforas são utilizadas nas teorias formais de carreira mas também no pensamento e discurso diário dos não especialistas, podendo ser identificadas como uma amálgama epistemológica (Inkson, 2004). A riqueza explicativa de uma metáfora encerra o perigo de diversidade objectiva, ou variância subjectiva, sendo o significado simbólico potenciador da multiplicidade de perspectivas de análise.
2.1.3. Gestão Organizacional e Gestão Individual de Carreira
A motivação de carreira é um constructo multidimensional, corporizado numa tipologia de três domínios que explicam a propensão para a Gestão Individual de Carreira: i) resiliência de carreira, definida como a habilidade de adaptação a diferentes circunstâncias e uma maior aceitação dos riscos; ii) realismo de carreira, definido por objectivos claros, baseados num auto-conhecimento das forças e fraquezas e iii) a identidade de carreira, o grau em que o indivíduo se define pelo trabalho e pela organização onde trabalha (London, 1993). Segundo London a identidade de carreira é composta por duas dimensões independentes: a identidade profissional e a identidade organizacional, sendo que os indivíduos que possuem maior identidade organizacional serão menos visados no empowerment pelos seus supervisores (idem, ibidem). Salienta- se assim o importante envolvimento dos gestores de linha no desenvolvimento de carreiras (Xxxx e Hyde, 2006). Em termos motivacionais a identidade de carreira desempenha o papel de direccionadora da motivação, sendo o realismo responsável pela energia votada ao planeamento e decisões de carreira e tornando-se a resiliência o garante da persistência (London, 1993). Suportando-se em vários autores Xxxxxx Xxxxxx refere que a identidade de carreira pode ser conceptualmente ligada ao
comprometimento com o trabalho, comprometimento organizacional e cidadania organizacional (idem, ibidem).
O conceito de maturidade de carreira encontra-se relacionado com a capacidade de tomar decisões que demonstram envolvimento, determinação e compromisso entre as necessidades e a realidade (London, 1993). O realismo e a identidade de carreira desenvolvem-se a partir do processamento de informação; especificamente a resiliência aumenta quando se verifica um reforço positivo do trabalho, oportunidades de realizar e o ambiente é propício a correr riscos, ao passo que o realismo aumenta com o encorajamento para definir objectivos e com o estabelecimento de oportunidades de carreira (London, 1993). A identidade de carreira é promovida pelas oportunidades de avanço e desenvolvimento e pela existência de modelos a seguir (idem, ibidem). Um estudo de Xxx et al (1990) desenvolveu uma escala de medida da resiliência, realismo e identidade de carreira, percebendo que todos os três elementos de motivação se encontravam positivamente relacionados com a saliência de papéis e características funcionais motivadoras. A resiliência e o realismo encontram-se relacionados com a sobreposição dos planos de carreira individuais e organizacionais e o suporte dos gestores (idem, ibidem).
Os comportamentos de auto-gestão de carreira podem ser de três tipos: i) posicionamento, com a acumulação de contactos, competências e experiências para produção de um determinado resultado; ii) influência, destinada à interferência nas decisões dos responsáveis organizacionais e iii) gestão de fronteiras, operando a gestão das exigências do trabalho e não-trabalho (King, 2004). A gestão de carreira pode definir-se como o conjunto de intervenções que moldam as carreiras nas organizações, não somente pelos indivíduos envolvidos, mas também formal e informalmente pelos seus gestores (Xxxxxx, 1997). Com os novos formatos de carreira teremos necessidade de nos afastar dos modelos de gestão de carreiras altamente estruturados, de alguma forma mecanicistas, em favor de abordagens mais holísticas e integradas (Xxxxx, 2000).
As instituições, quer sejam educacionais, familiares, laborais e societais fornecem informação, oportunidades e suporte às decisões de carreira dos indivíduos sempre que esta necessidade surge, tal como se pode observar na figura seguinte:
Figura 2. Gestão de carreira (adaptado de Xxxxxxxxx, Xxxxxxxx et al., 2010)
A noção de carreira, típica do paradigma da Gestão de Recursos Humanos, é de que esta é um recurso partilhado entre empregador e empregado, em que ambos investem mutuamente e da qual ambos lucram mutuamente em interdependência (Hall, 2002; Xxxxxx, 2007). Que solução será necessário adoptar face aos novos modelos de carreira? No entender de Xxxxx é necessário um entendimento superior, por parte dos teóricos e gestores, dos padrões e motivos de carreira bem como da forma como estes são transformados nos processos de troca da relação de emprego (Xxxxx, 2000). A carreira possui um valor económico inegável, quer para a organização quer para o trabalhador (Inkson, 2007). A noção de que o indivíduo é um recurso potenciador de vantagem competitiva levará à necessidade da sua protecção pela manutenção da continuidade da relação. O conceito de Capitalismo de Carreira (Career Capitalism) proporciona o entendimento de que o indivíduo gerirá os próprios recursos em seu benefício, aplicando o capital de conhecimento adquirido pela carreira e outras experiências (idem, ibidem). Ampliando o carácter explicativo da metáfora, e entendendo as organizações como um espaço de aplicação do Capital de Carreira, interessará a estas atrair o melhor Capital e aos trabalhadores perceber qual o melhor local para a sua aplicação. É o intuito de aumentar o Capital de Carreira que está na cogitação dos expatriados, conjuntamente com a noção de desenvolvimento e outras razões de ordem familiar, relegando para segundo plano o imediatismo da recompensa financeira proposta
(Xxxxxxxx, Xxxxxxx et al., 2008). Esta ideia imbrica na noção de carreira portátil avançada por Xxxxxx, uma vez que o sucesso do indivíduo resulta da sua transferência de competências de organização para organização (Kanter, 1989 citado por Xxxxxxx, Xxxxxx et al., 2008).
Num estudo de Lips-Wiersmsa e Xxxxxxx Xxxx (2007) foi analisada uma empresa que reduziu os comportamentos de Gestão de Carreiras até ao momento em que os seus colaboradores percepcionaram a falta de estrutura e orientação como sendo negativa. Verifica-se um empowerment dos trabalhadores na gestão de carreiras, que é por estes bem aceite, sendo contudo necessariamente supletivo do papel organizacional (Lips- Wiersma e Hall, 2007). Sistemas e estruturas de Carreiras demasiado estruturados não conseguirão acompanhar a diversidade e complexidade da gestão de carreiras no futuro (Doyle, 2000). A futura gestão de carreira passará por uma intervenção indirecta na relação de troca com o trabalhador; em substituição das interacções diádicas directas surgirá espaço para estratégias organizacionais menos intervencionistas direccionadas para os factores contextuais que influenciam as escolhas de carreira (idem, ibidem).
Mais do que considerarem-se antagónicas a Gestão Organizacional de Carreiras e a Gestão Individual de Carreiras podem combinar-se, em organizações bem geridas, num círculo virtuoso de actividades gestionárias (King, 2004; King, Xxxxx et al., 2005). O paradoxo desta dinâmica é que quanto mais se investe nas competências do trabalhador mais valor no mercado de trabalho se lhe confere (Xxxxxx, 2007). Não obstante, há evidências recentes de que a Gestão Organizacional de Carreiras aumenta o comprometimento para a continuidade na organização (Sturges, Guest et al., 2002; Xxxxxxx, Xxxxxx et al., 2005; Sturges, Xxxxxx et al., 2008). A existência de suporte ao desenvolvimento de carreiras é uma das dimensões do apoio percebido. O conceito de Apoio Organizacional Percepcionado (Perceived Organizational Support) captura o conteúdo da relação de troca empregador-empregado, corporizado na percepção da valorização do contributo do indivíduo e na preocupação da organização com o seu bem-estar (Coyle-Xxxxxxx e Xxxxxx, 2004). Há fortes evidências empíricas entre o reconhecimento de um elevado Apoio Organizacional Percepcionado, a par de uma alta relação de troca líder-membro (leader-member exchange), e o comprometimento organizacional, comportamentos de cidadania organizacional, elevada performance, desejo de ficar na organização e uma mais baixa probabilidade de ter comportamentos
como absentismo ou atrasos (Xxxxx-Xxxxxxx e Conway, 2004). O suporte percebido por um trabalhador no que concerne à gestão da sua carreira surge das actividades de Gestão de Recursos Humanos, como a avaliação de desempenho, programas de desenvolvimento de competências, entre outras (Inkson, 2007). Há várias possibilidades de intervenção, nomeadamente recorrendo à Mentoria, Outplacement, Aconselhamento, Centros de Desenvolvimento, Planeamento da Sucessão, Avaliação de Desempenho, Planos de Desenvolvimento Pessoal ou Networking (Xxxxxx, 1997). Contudo, com excepção da Mentoria, há frustrantemente poucas provas do bom resultado de qualquer uma das técnicas tomadas isoladamente, bem como da sua utilização conjunta, resultando que apenas a conjugação destes processos com outras dimensões da organização pode originar resultados (Arnold, 2001).
A existência de sistemas de Gestão de Carreiras tipificados e comummente aceites no paradigma da Gestão de Recursos Humanos, tal como noutras dimensões da gestão, pode ser impactada por uma lógica isomórfica (Paauwe e Boselie, 2005). As ferramentas e acções de gestão podem estar condicionadas por via coerciva, normativa ou mimética (Pfeffer e Xxxxxxxx, 1978; XxXxxxxx e Xxxxxx, 1983; Xxxxxxxx e Xxxxx, 1990; XxXxxxxx e Xxxxxx, 0000; Deephouse, 1996). Os tipos de intervenção ao nível da Gestão Organizacional de Carreiras podem assim também ser analisados à luz de uma perspectiva fenomenológica acima dos modelos deterministas baseados na racionalidade do comportamento do actor social e na congruente adaptação das estruturas às contingências do ambiente externo. Neste sentido, e considerando que a Gestão de Recursos Humanos não representará um universo paralelo da gestão em que estas pressões para a conformidade, ainda que não conscientes, cessem de existir, será interessante estudar mais a fundo a problemática da definição de práticas e ferramentas e a sua adaptação real à contingência específica de actuação da organização. Um estudo envolvendo 366 empresas do Reino Unido confirma a associação entre o uso de um número superior de práticas de Gestão de Recursos Humanos e uma redução do turnover e aumento de lucratividade, mas falha na comprovação do nexo causal entre a Gestão de Recursos Humanos e o aumento da produtividade ou das várias medidas subjectivas e objectivas de Performance (Guest, Michie et al., 2003). Ainda assim, a Gestão de Carreiras pode e deve ser uma preocupação da gestão. Na verdade a qualidade do alinhamento entre o Planeamento Estratégico de Recursos Humanos e a sua consequente operacionalização será um factor determinante do sucesso das práticas
a implementar (Xxxxx, Xxxxxx et al., 2003; Xxxxxx e Xxxx, 2006). Duas perspectivas são identificáveis no que concerne à distribuição das responsabilidades sobre a organização das carreiras, produzindo diferentes resultados no comprometimento dos trabalhadores; uma, sustenta-se na ideia de que o empregado é independente (Xxxxxx, 1986; Xxxxx, 1994) sugerindo-se que esta tipologia de trabalhadores possui menor comprometimento afectivo (Tsui, Xxxxxx et al., 1997) e a outra, baseada na noção de dependência face ao empregador, encontra-se ligada a indivíduos com níveis superiores de comprometimento (XxXxxxxx, Xxxx et al., 1988; Xxxxxxx, 1994).
Na percepção do que é valorizado pelos colaboradores, conjugado com os processos identitários, estará a direcção de qualquer acção de gestão futura sobre as carreiras. Ao longo do tempo, a oportunidade de ter uma carreira numa organização tornou-se num termo importante do contrato psicológico; contudo, uma nova retórica deverá implementar-se na relação entre empregador e empregado (Collin e Young, 2000). A nova forma de Gestão de Carreiras não é uma actividade básica de Gestão de Recursos Humanos, estando antes integrada num conjunto de cinco práticas nucleares de gestão:
i) Desenvolvimento de Capacidades e de Empregabilidade; ii) Integração Estrutural e Estratégica; iii) Integração Cultural; iv) Gestão da Diversidade e v) Comunicação (Lips- Wiersma e Hall, 2007).
As Teorias da Aprendizagem Social e a Teoria da Carreira Social Cognitiva apresentam visões diferenciadas do mesmo fenómeno: as primeiras sublinhando que os comportamentos de carreira são aprendidos por várias formas (reforço, associação, imitação) e as segundas salientando a racionalização individual, com a análise de objectivos e resultados (auto-eficácia e expectativa de resultados) (Inkson, 2007: 83-87). Um dos problemas identificáveis com os comportamentos de auto-gestão da carreira prende-se precisamente com o horizonte temporal a planear e a efectividade de cada acção. Na verdade para uma carreira que dure quarenta ou mais anos é praticamente impossível a antecipação das alterações contextuais que possam impactar a direcção pretendida. A racionalidade das escolhas limita-se em grande medida pela informação disponível. O estabelecimento de uma estratégia de carreira individual é muitas vezes centrado na decisão concernente à próxima ocupação ou procura de emprego, assumindo-se como de curto prazo e redutora; o planeamento estratégico de carreira vai muito para além destas tácticas pontuais (Inkson, 2007). O planeamento de carreira
numa época de descontinuidades obriga a um processo que passa por períodos de experiência/aprendizagem desenhados pelo próprio indivíduo, períodos de auto- emprego, experiências cross-culturais entre outras que geram um capital de carreira que dinamiza a empregabilidade, hoje mais importante que o emprego (idem, ibidem). A exploração da racionalidade do indivíduo nas escolhas de carreira, através do uso da Teoria da Acção Planeada foi confirmada por vários autores (Xxxxxx, Xxxx-Xxxxxx et al., 2006; Xxxxx, Xxxxx et al., 2007), afirmando-se mesmo a possibilidade de induzir comportamentos auto-reguladores visando a gestão de carreira e que tal está positivamente relacionado com a satisfação com a carreira (Xxxxx, Frese et al., 2007). A pesquisa demonstrou que os indivíduos que tomam mais iniciativas para gerir a sua própria carreira esperam mais apoio da parte da sua entidade empregadora (Xx Xxx, Xxxxxxxxxx et al., 2008); a auto-gestão da carreira tem um impacto positivo no comprometimento afectivo e na percepção do sucesso de carreira, enquanto a gestão organizacional da carreira está positivamente relacionada com o comprometimento afectivo e progressão na carreira (idem, ibidem). A crença individual de auto-eficácia tem um impacto positivo no salário e estatuto alcançados no médio prazo (três anos) e nas mudanças salariais e na satisfação com a carreira no longo prazo (sete anos) ao passo que os objectivos de progressão na carreira à entrada impactam positivamente no salário e estatuto após três anos e na mudança de estatuto após sete anos, e negativamente na satisfação na carreira após sete anos (Abele e Spurk, 2009).
Podemos identificar sete tipos genéricos de estratégias que os indivíduos podem utilizar para aumentar as suas hipóteses de sucesso e realização na carreira: i) aquisição de competências na actual função, ii) envolvimento intensivo, iii) desenvolvimento de novas competências, iv) desenvolvimento de novas oportunidades no trabalho, v) aliança com um mentor, vi) gestão de imagem e reputação e vii) entrando na política organizacional (Greenhaus, Callanan et al., 2010: 131)2.
2 Para uma descrição mais pormenorizada das intervenções relacionadas com as carreiras, desenhadas para o benefício das organizações e oferecendo simultaneamente oportunidades para o indivíduo pode ler- se, por exemplo, o livro Understanding careers: the metaphors of working lives de Xxxx Xxxxxx (Xxxxxx, 2007)
2.2. Identidade e Contrato Psicológico
O conceito de identidade nas ciências sociais não surge de forma intuitiva para um leigo, sendo visto como um enquadramento geral, porventura individualizado, para a compreensão do indivíduo e é formado e sustido pela interacção social (Gioia, 1998: 19). A identidade funciona como uma forma de auto-classificação distintiva e simultaneamente permite ver-nos como semelhante a uma classe de indivíduos aos quais nos associamos ou gostaríamos de ser associados (Gioia, 1998, citando Xxxxxxxx). Similarmente, ainda que a um outro nível de análise, a Teoria da Identidade Social reconhece a importância do grupo na identidade do indivíduo, com a demarcação do in- group e out-group mesmo baseado em critérios mínimos, ou seja, características artificiais de demarcação grupal, não necessariamente associadas a uma lógica de interdependência, interacção futura, interesses materiais ou constrangimento de recursos (Xxxxxx e Turner, 1979; Xxxxxx e Xxxxxx, 1986; Xxxx, Xxxxxx et al., 2004). As razões apontadas para este efeito são: i) a busca de auto-estima positiva, ii) o facto de uma parte do auto-conceito derivar da pertença a determinado grupos (identidade social), iii) uma identidade social positiva poder ser mantida ou aumentada por comparações com out-groups relevantes e iv) existir diferenciação entre foci de identificação. A pertença a uma organização tem sido avançada por vários autores como sendo uma das mais importantes afiliações grupais que o indivíduo possui, sendo a identificação social uma determinante principal do seu resultado (idem, ibidem). Quando uma identidade social é insatisfatória o indivíduo procurará sair do grupo e juntar-se a um outro mais positivamente distintivo ou, em concomitância ou alternativa fazer com que o seu grupo actual de pertença se torne mais positivamente distinto (Xxxxxx e Xxxxxx, 1986).
As identidades definem, caracterizam e diferenciam o eu do outro, respondendo a mudanças sociais e negociando relacionamentos e redes de contacto, utilizando as ferramentas disponíveis em situações específicas (Xxxxxx, 2000). Nas teorias da identidade social diferenciam-se quatro níveis de identidade: i) pessoal (e.g. características de personalidade), ii) papel (comportamentos esperados para uma identidade e validados por comparação), iii) grupo (pertença a grupos ou categorias e com validação pelos pares) e iv) social (derivada dos significados culturais e atribuída por terceiros).
Xxxxxx (2000) apresenta duas abordagens para a identidade: i) a da cognição social (teoria da identidade) e a da interacção social (teoria da identidade social) que se podem ler com mais detalhe em Hogg et al. (1995). A identidade é influenciada por padrões e esquemas mentais, num sistema de categorização, com influências de grupos, expectativas acerca de grupos e até estereótipos (Howard, 2000).
Xxxxx (2004) explica a relação entre o indivíduo e as estruturas sociais com a teoria do controlo de identidade, referindo que assim que uma identidade é adoptada deve ser continuamente interpretada de uma forma credível para a validação social; por outro lado, a internalização dos métodos de expressão social aceitável e as suas assunções simbólicas denomina-se auto-verificação (idem, ibidem).
Na tabela seguinte é apresentado um resumo de diferentes níveis de estudo da identidade com integração do objecto analisado, meios e espaços de construção, período de ocorrência e finalidades:
Tipo de Identidade | Objecto de Estudo | Meios de Construção | Período de Ocorrência | Espaços de Construção | Finalidades |
Pessoal | A construção do auto-conceito ao longo da vida do indivíduo | Diversos relacionamento sociais, em diferentes esferas, bem como o desempenho de papéis | Permanente, ocorrendo em todas as fases da vida | Múltiplos relacionamentos e papéis | Conformação do eu, em direcção ao processo de individualização |
Social | A construção do auto-conceito pela vinculação a grupos sociais | Interacção com grupos sociais com finalidades diversas | Permanente na vida do indivíduo | Múltiplos grupos | Orientar e legitimar a acção por meio do reconhecimento e da vinculação social |
Identidade no Trabalho | A construção do eu pela actividade que realiza e pelas pessoas com as quais tem contacto no trabalho | Interacção com a actividade e com as pessoas no trabalho | Na juventude, na idade adulta, até à reforma | Múltiplas actividades e grupos profissionais | Contribuir para a formação da identidade pessoal e actuar como factor motivacional |
Identidade Organizacional | A construção do conceito de si vinculado à organização na qual trabalha | Interacção com uma instituição (com os seus valores, objectivos, missão e práticas) | A partir da juventude, enquanto estiver vinculado a alguma instituição | Pode ocorrer em uma ou múltiplas organizações | Incorporar as instituições no imaginário, de forma a orientar a acção nessas organizações |
Tabela 6. Níveis de estudo da identidade (Xxxxxxx, 2003: 64)
2.2.1. Identidade Pessoal e Identidade Social
O estudo ora da identidade pessoal, ora da identidade social configura dois campos frequentes de trabalho na literatura (Xxxxxx e Xxxxxxxxxx, 1998; Gioia, 1998; Xxxxx- Xxxxxxxx, 0000; Xxxxxx, 2000). A identidade pessoal surge como uma construção individual do auto-conceito e a identidade social foca os aspectos relevantes da interacção com os grupos sociais. A identidade resulta de uma construção psicológica, sendo definida pela intermediação constante das identidades assumidas e das identidades visadas (Dubar, 1996). A distância existente entre estes dois tipos de identidades constitui o espaço de conformação do eu, ou seja, da construção da identidade, sendo nesse espaço que se irão processar as interacções sociais e ocorrerá a participação dos outros na construção da própria identidade (Xxxxxxx, 2003). A construção da identidade é um processo contínuo de procura de equilíbrio entre o que se é e o que se espera que sejamos ou percebemos que outros querem que sejamos. A identidade é resultante de múltiplas identificações. O passado, o presente e o futuro são decisivos na continuidade ou consistência subjectiva (Haviland, Xxxxxxxx et al., 1994, citado por Xxxxxxx, 2003). O conceito de si mesmo é uma construção mental complexa, fruto de uma relação dialéctica que considera o indivíduo igual aos seus pares, mas único na sua existência, na sua experiência e vivência pessoal, sendo que esta igualdade e diferença permeiam a todo o momento as tentativas de auto- representação por parte dos indivíduos (Xxxxxxx, 2003).
A identidade do grupo baseia-se nas representações sociais construídas, intra e extra grupo. Os saberes e histórias partilhados pelos elementos do grupo formulam crenças que constituem as suas características mentais e experiência colectiva, orientando escolhas e acções e definindo as fronteiras simbólicas dos grupos (idem, ibidem). As identidades interagem na determinação de uma resposta à estigmatização de um grupo (Tajfel e Xxxxxx, 1979). Relevam-se quatro aspectos na estigmatização: i) identificação do grupo, ii) legitimação social da identidade, iii) permeabilidade do grupo e iv) estabilidade da estigmatização; se um grupo possui algum poder social, pode tornar-se mais fácil para os seus membros resistir à estigmatização (idem, ibidem). Xxxxxxxxx distingue grupos de vinculação, os de pertença efectiva, e grupos de referência, os que fornecem valores e normativos de comportamento e opinião (1990). A identidade social encontra-se no processo de categorização e vinculação social e assume-se como a estrutura de ligação entre o indivíduo e o grupo (Baugnet, 1998). ―Dessa maneira, o
indivíduo identifica-se com o grupo ou grupos aos quais pertence, com o trabalho que realiza e com a organização à qual pertence. (…) O grupo ou grupos podem ser conhecidos pelo retrato do trabalho que realizam; o trabalho, por sua vez, também engloba o imaginário do grupo.‖ (Xxxxxxx, 2003: 64-65). As identidades são referenciais reflexivos internos de designação posicional que surgem a partir de diferentes situações sociais, contextos e relacionamentos (Xxxxx e Xxxxxxx, 1998), reconhecendo-se a sua importância no estudo da relação de emprego.
2.2.2. Identidade no Trabalho, Profissional e Organizacional
A aplicação dos trabalhos da identidade aos contextos organizacionais produziu conceitos específicos como a identidade no trabalho (Sainsalieu, 1977) e a identidade organizacional (e.g. Xxxxxxx e Xxxxxxx, 1998; Xxxxx, Xxxxxxx et al., 2000; Xxxxx e Xxxxxxx, 2000). O exercício profissional, com os papéis atribuídos, favorece a construção identitária (Baugnet, 1998). A construção da identidade profissional inicia-se na escola (Dubar, 1997); não obstante, a socialização e formação posteriores nos contextos de trabalho apresentam um papel fundamental, concretamente nas organizações de saúde (Miguel, 2009). A identidade profissional tem por base um sentimento de pertença a um grupo profissional reconhecível pela sociedade (Pereira, 2007, citado por Xxxxxx, 2009). A socialização no trabalho resulta das relações de poder e normas colectivas de comportamento, com uma representação identitária como pano de fundo. Sainsalieu (1995) referiu que a identificação dos indivíduos nas organizações se encontra ligada i) ao trabalho realizado, ii) à empresa e iii) a uma trajectória, consentânea, ou não, com o idealizado; por outro lado, classifica seis modelos identitários conotados com a profundidade da coerência identitária: i) regulamentar, ii) comunitário, iii) profissional, iv) profissional no serviço público, v) temporário e vi) empreendedor (Sainsalieu, 1995).
A identidade profissional encontra-se associada à adopção de normas e valores de uma determinada profissão. A força da identidade poderá associar-se ao compromisso para com a profissão e, no entendimento de que a organização representa um campo de aplicação da identidade profissional preconizada, do comprometimento com a própria organização. Como Xxxxxx e Xxxxxxx (1973) salientam, o desenvolvimento de uma identidade profissional assume-se como uma dimensão da socialização secundária, aplicado no campo específico da actividade com os seus simbolismos específicos. A
identidade é construída a partir de papéis (Baugnet, 1998), sendo a identificação com a organização intensificada pela compaginação entre os objectivos pessoais e organizacionais e identidade pessoal e profissional desejadas e percepcionadas.
Uma questão central da psicologia social lida com o referencial identitário particular numa determinada situação. Postula-se que o indivíduo se comporte em conformidade com o sentido da sua identidade (o princípio da congruência semântica de Xxxxx e Xxxxxxx (1981)); neste sentido, e tal como comprovado nas experiências de Xxxxx e Xxxxxxx (1998), os significados particulares das identidades dos indivíduos em cada situação são conformes ao significado da situação em que a identidade se detém, comprovando que o indivíduo se vê a partir da forma como vê a situação em que se encontra, sendo o seu comportamento dependente da visão de si mesmo. As identidades são portadoras de sentido e expectativas de comportamento associadas a papéis; são a internalização dos significados partilhados do papel e não o papel em si mesmo, sendo relativamente estáveis, experienciadas de forma indirecta e uma fonte de motivação para o comportamento consistente com a ideia de identidade (Xxxxx e Xxxxxxx, 1998: 560). A identidade profissional é confirmada no processo de auto-verificação com recurso à análise das reacções dos restantes actores sociais, incluindo os pares, com que o indivíduo interage regularmente (Down e Reveley, 2009).
2.2.2.1. Identidade Organizacional e Identidade Corporativa
A imagem e a identidade são duas faces da mesma moeda, influenciando os comportamentos e atitudes, embora a identidade se encontre associada à visão interna [reflexo da cultura (Xxxxx e Xxxxxxx, 1997)], e a imagem simultaneamente também à visão externa. A imagem forma a identidade corporativa, com a mescla das percepções interna e externa da organização (Xxxxxx, Xxxxxxxx et al., 1994; Gioia, 1998; Xxxxx, Xxxxxxx et al., 2000; Xxxxxxxxxx e Xxxxxxxx, 2000; Xxxxxxx, 2003). A mudança identitária passará necessariamente pela desinstitucionalização da identidade existente, tendo por base um evento catalisador e o posterior estabelecimento de uma nova identidade:
Figura 3. Identidade e mudança identitária (adaptado de Whetten e Xxxxxxx, 1998: 217)
Xxxx Xxxxxx apresenta a Teoria da Categorização do Self, adicionando novas assunções sobre o comportamento intra-grupo à Teoria da Identidade Social (Xxxxxx, Xxxx et al., 1987). Os indivíduos categorizam-se em vários níveis: i) nível pessoal (indivíduo), ii) nível intermédio ou de grupo (membro do grupo distinto de outros grupos) e iii) nível superordinal (o ser humano em comparação com outras espécies) (idem, ibidem). Estes níveis são salientados pelo contexto, nomeadamente por comparações relevantes; no contexto organizacional cada nível pode ser traduzido para componentes de análise concretas (idem, ibidem): i) o nível pessoal representando a carreira pessoal, ii) o nível grupal representando as diferentes subunidades da organização e iii) o nível superordinal, considerando a organização como um todo (idem, ibidem).
O afecto positivo pela organização pode motivar os indivíduos a investir mais na identidade organizacional, aumentando a identificação (Xxxxxx, Xxxxxxxx et al., 1998: 226). Os diferentes investimentos num papel definem níveis diferentes de identificação, desde a i) pré-identificação, o nível mais básico e que se caracteriza por agir como um membro da organização sem identificação cognitiva ou afectiva com a mesma, ii) um nível de identificação cognitiva, em que o indivíduo se considera um membro e iii) um nível superior de envolvimento em que o indivíduo inclui emoções, sendo a forte identificação organizacional caracterizada por investimentos em comportamentos, cognições e emoções (idem, ibidem: 228).
A identidade pode tornar-se mais saliente quando as estratégias da organização ou acções individuais dos seus membros a põem em causa, frequentemente levando os
indivíduos a questionarem a finalidade e natureza das suas actividades e a reverem os laços de ligação (Alvesson, 1994).
A identificação pode ter vários focus diferenciados (Knippenberg e Xxxxx, 2000; Xxxx, Xxxxxx et al., 2004; Xxxxxx e Xxxxxxx, 2005). Estes podem centrar-se na própria carreira (nível individual), na equipa, na organização ou na ocupação (nível social) (Dick et al, 2004). É-nos sugerida uma taxinomia de diversas dimensões da identificação: i) cognitiva (conhecimento da pertença a determinando grupo), ii) afectiva (ligação emocional a esse grupo), iii) avaliativa (conotações valorativas internas e externas) e iv) comportamental (idem, ibidem: 174)3.
Figura 4. Preditores de identificação social (adaptado de Xxxx, Xxxxxx et al., 2004)
A noção holística de identificação é substituída por uma focalização de níveis diversos, variando do mais individual para o mais colectivo, sendo cada um destes focos compaginável com as diferentes dimensões enunciadas. Por outro lado, a necessária distinção entre identificação e comprometimento é também defendida por estes autores sendo a primeira definida como o reflexo da extensão da incorporação da pertença ao grupo no auto-conceito, e o último encontra-se fundamentalmente ligado às atitudes individuais face à organização nos processos transaccionais (idem, ibidem: 185). Salienta-se o foco diferenciado das identificações, podendo esta estar centrada, por
3 Nos resultados da investigação desenvolvida pelos autores confirma-se empiricamente a discriminação entre os diferentes focus de identificação. Comprova-se a multidimensionalidade do constructo identificação organizacional. As variáveis chave da análise foram: identificação organizacional, intenções de saída, clima da equipa e satisfação no trabalho.)
exemplo, na equipa de trabalho mas não na organização como um todo. A relativa estabilidade das identificações opõe-se à variabilidade da dimensão comportamental (idem, ibidem). A identificação e o comprometimento têm géneses diferenciadas: a identificação é vista como contingente na base de um destino partilhado e similaridades percepcionadas com a organização, ao passo que o comprometimento se desenvolve na base de factores transaccionais, ou seja, na relação material entre o indivíduo e a organização (idem, ibidem: 186). A relação entre identificação e comportamentos está ainda por estudar e validar, sendo referida pelo autor a necessidade de mais estudos nesta área (idem, ibidem). A separação entre os constructos identificação organizacional e comprometimento organizacional é relevante no entendimento de ambos os conceitos, sendo mesmo empiricamente comprovável a sua diferenciação (Xxxxxxxx e Mael, 1989,
p. 23). O comprometimento organizacional é referido como a crença e aceitação dos valores organizacionais, bem como o desejo da manutenção da pertença à organização. A identificação organizacional é específica de uma organização. Nesta perspectiva, um indivíduo poderá ter um elevado nível de compromisso com a organização numa lógica meramente instrumental, não se processando nenhuma perda psicológica no caso de uma saída, desde que esta se verifique para uma outra organização que partilhe os mesmos valores (idem, ibidem). A identificação é um processo de ligação psicológica mais profunda, com raízes na própria auto-definição do indivíduo, numa concepção de identidade partilhada.
As teorias da identidade social e auto-categorização são relevantes na aproximação ao tema da identificação social (Xxxxxxxx e Xxxx, 1989). Os indivíduos tendem a classificar-se a si e aos outros dentro de várias categorias sociais, como a pertença a uma organização, género, organização religiosa, entre outras; estas categorias são definidas por características prototípicas abstraídas dos seus membros (idem, ibidem). A classificação social assume duas funções: a segmentação cognitiva dos indivíduos e o ordenamento do ambiente social, fornecendo uma forma sistemática de caracterização dos outros e, não menos importante, a localização ou definição do self no ambiente social; o processo de identificação com uma organização é apenas uma das formas de identificação social (idem, ibidem). Há motivos existenciais na base do processo de identificação como a procura de significado, imortalidade e empowerment, não esquecendo o importante processo de reforço ou diminuição da auto-estima individual pela via das imagens sociais das organizações de pertença (idem, ibidem). Esta visão da
identificação é recuperada mais tarde por Xxxx Xxxxxx et al. ainda que com uma categorização diversa (Xxxxxx, Xxxxxxxx et al., 1994). Numa interessante recensão de vários contributos teóricos, Xxxxxxx e Mael elencam 4 factores com relevância directa na identificação com os grupos: i) a distintividade dos valores e práticas do grupo com outros comparáveis, ii) o prestígio do grupo, numa relação próxima com a auto-estima do indivíduo, iii) a saliência dos grupos externos (out-groups), num reconhecimento da importância da comparação inter-grupos na definição de fronteiras sociais, iv) factores tradicionalmente associados à formação de grupos (interacções interpessoais, similaridades, proximidade, partilha de objectivos ou ameaças, histórias comuns, entre outros) que, não sendo obrigatórios para que a identificação surja, afectam normalmente esse processo (idem, ibidem: 24-25). Numa importante conclusão adicional, Xxxxxxxx refere que quanto maior a identificação com a organização, maior será o compromisso com a mesma, apontando um nexo causal de variação positivamente correlacionada (idem, ibidem: 25). Ainda segundo estes autores, citando Xxxxxx, a maior contribuição da Teoria da Identidade Social é o reconhecimento de que um grupo psicológico é muito mais do que uma extensão das relações interpessoais: a identificação com um colectivo pode surgir mesmo na ausência de coesão interpessoal, similaridade ou interacção e mesmo assim ter um impacto poderoso na modelação dos comportamentos (idem, ibidem: 26).
Na sua interpretação teórica Xxxx Xxxxxx desenvolveu um modelo explicativo para o modo como as imagens de uma organização moldam a força da identificação individual (Xxxxxx, Xxxxxxxx et al., 1994). São identificadas duas imagens chave: uma baseada naquilo que o indivíduo considera ser distintivo, central e duradouro na organização e outra baseada nas suas crenças acerca do que terceiros pensam da mesma organização; Os membros avaliam a atractividade destas imagens pela forma como preservam a continuidade dos seus auto-conceitos, produzem características distintivas e incrementam a auto-estima (idem, ibidem). Neste pressuposto, conclui-se que aquilo que um indivíduo pensa acerca da organização e aquilo que suspeita ser o que terceiros pensam afecta o seu próprio auto-conceito em várias dimensões (idem, ibidem). Existe identificação organizacional quando o auto-conceito de alguém contém os mesmos atributos percebidos na identidade organizacional, operando-se uma ligação cognitiva; esta identificação será tanto maior quanto mais correspondência de atributos se verificar: a identificação organizacional é um processo activo de auto-categorização
(idem, ibidem). A ligação da identificação ao comprometimento é feita na noção de que a identificação organizacional é uma forma de laço psicológico. O modelo de identificação de Xxxxxx focaliza-se em duas imagens chave que os membros têm da sua organização: a identidade organizacional percepcionada e a imagem externa construída (idem, ibidem: 242-243). A identidade colectiva de uma organização encontra-se também ela fundada no conjunto de crenças que os seus membros partilham e consideram como distintivas, centrais e duradouras. Os líderes das organizações articulam, declaram e mantêm uma imagem, independentemente da sua validação empírica (idem, ibidem: 243). A identidade organizacional percepcionada identifica-se como o conjunto de crenças que um determinado indivíduo possui de uma organização da qual é membro. Esta identidade pode derivar da identidade colectiva da organização e poderá assumir-se como uma imagem poderosa influenciando o grau de identificação do indivíduo com a organização, consoante a atractividade dessa mesma imagem (idem, ibidem: 244). Xxxx Xxxxxx aponta três princípios de auto-definição individuais (do self) que estão na base do processo de identificação: i) continuidade do self, caracterizada pela vontade de manutenção dos auto-conceitos no tempo e em vários contextos, no pressuposto de que quanto maior a proximidade entre o conceito organizacional percepcionado e o auto-conceito, maior será a identificação via processamento da informação relevante para o indivíduo e via oportunidade de auto-expressão, ii) distintividade do self, baseado nas teorias de identidade social que suportam que os indivíduos procuram acentuar a sua individualidade nos contextos interpessoais, e iii) enriquecimento do self, relacionado com a atractividade da imagem percepcionada da organização enquanto catalisador da auto-estima e gerador de uma avaliação mais positiva do self (idem, ibidem). Em todo este processo não é desprezível o efeito do nível de contacto, caracterizado pelo estatuto e profundidade da exposição do indivíduo na organização, sendo de reconhecer a variação na razão positiva desta variável com o crescimento da identificação organizacional (idem, ibidem: 244-248). No plano da imagem externa construída da organização, correspondente às crenças dos membros no que se refere às percepções de terceiros, a tónica é posta na avaliação social do laço entre indivíduo e organização. A maior atractividade da imagem externa construída leva a uma maior identificação pela positividade social e possibilidade de aumento do prestígio social (idem, ibidem).
Figura 5. Identidade, imagem organizacional e identificação (adaptado de Xxxxxx, 1994, p. 253)
A identificação organizacional reflecte a sensação de unicidade com a organização ou o sentimento de pertença de tal forma que as qualidades da organização se tornam auto- referenciadoras e auto-definidoras (Ashforth e Mael, 1989; Xxxxx, 1998). Os resultados de várias investigações sublinham que os indivíduos acentuam as suas características distintivas e, por essa mesma razão, identificam-se fortemente com as organizações que possuem características únicas na comparação relativa com outros grupos (Xxxxxx, Xxxxxxxx et al., 1994; Xxxxxx, 2001). Os indivíduos procuram a identificação com organizações de elevado estatuto social ou com características sociais desejáveis para a elevação da auto-estima (Hall, 1972; Xxxxxx, Xxxxxxxx et al., 1994; Xxxxx, 1998; Xxxxxx, 2001). Podemos entender que quando os contextos ou grupos de comparação sofrem alguma alteração a identificação pode recalibrar-se (Xxxx e Xxxxx, 2000; Xxxxxx, 2001).
Figura 6. Identificação organizacional num contexto de alargamento de fronteiras (Bartel, 2001: 387)
A identificação do indivíduo traz benefícios à organização, no sentido em que os comportamentos de lealdade e participação se encontram a ela associados (Xxxxxx, Xxxxxxxx et al., 1994). Contudo, poderemos distinguir a identificação organizacional
como a definição do self nos termos da organização e a identificação profissional como a definição do self nos termos do trabalho realizado (Mael e Xxxxxxxx, 0000: 106).
Num interessante estudo de caso versando as lógicas de comunicação de vários alvos e fontes identitárias num processo de transição de uma empresa (estruturas valorativas em mudança), Xxxxxx e Xxxxxx reconhecem três estratégias discursivas distintas: i) comparação (ou a justaposição retórica de opções identitárias), ii) lógica (ou o uso de premissas de valores amplamente aceites para justificar as identificações) e iii) suporte (ou a comunicação que referencia os apoios reais ou percebidos de outros como justificação da identificação) usadas no sentido de gerir tensões identitárias (Xxxxxx e Xxxxxx, 2003). No mesmo trabalho são identificadas oito tácticas comunicativas que sustentam estas estratégias (idem, ibidem: 540-550). Segundo estes autores, as identidades são expressas através da linguagem, e o discurso é o meio disponível para os membros negociarem as várias estruturas identitárias, corporizando nas estratégias discursivas os meios centrais para o processo de formação identitária (idem, ibidem). A importância desta visão teórica assenta nas práticas retóricas usadas pelos membros de organizações na tentativa de gerar um foco e balancear a sua ligação e nos esforços da gestão na formatação do pensamento e comportamento dos colaboradores, bem como nas respostas dos mesmos colaboradores a estes esforços (idem, ibidem: 529). A identificação é equiparada a um processo comunicativo de alinhamento ou distanciamento com um alvo ou fonte identitária (idem, ibidem: 530). Numa citação de Xxxxxx e Xxxxxxxx, Xxxxxx e Xxxxxx referem que a essência retórica da identificação é significativa, no sentido em que as organizações usam o discurso para influenciar as identidades dos colaboradores e os próprios colaboradores usam o discurso para se ligarem ou desligarem de uma estrutura identitária particular, usando o processo de identificação; as identidades estão constantemente a ser produzidas e reproduzidas através do processo identitário discursivo, sendo as opções de identidade simultaneamente fontes e alvos para identificações (idem, ibidem: 531-532). Os membros de uma organização possuem múltiplas identidades optativas, sendo a identificação um processo de negociação entre as compatibilidades e as incompatibilidades das fontes/alvo identitárias oferecidas pela organização, bem como das alternativas que não estão no controlo da organização (idem, ibidem: 533).
Uma investigação qualitativa das relações cognitivas presentes no processo de desidentificação concluiu que a sua génese se encontra nas auto-percepções baseadas em dois aspectos distintos: uma separação cognitiva entre a identidade do indivíduo e identidade percepcionada da organização e uma categorização relacional negativa entre o sujeito e a organização (Xxxxxxx e Xxxxxxxxxxxx, 2001: 393). A desidentificação surge motivada pelos desejos dos indivíduos afirmarem a sua distintividade positiva e, simultaneamente, evitarem uma distintividade negativa, distanciando-se de valores incongruentes ou estereótipos negativos atribuídos à organização. Em alguns casos, a exclusão de uma categoria pode ser o primeiro traço identitário que define um grupo (ex. não fumadores), sendo que os indivíduos podem desidentificar-se mais prontamente do que identificar-se com uma organização em relação a um conceito específico: a exclusão ou distância de um grupo pode delinear a identidade do sujeito, mesmo que não o identifique directamente com outro grupo ou organização (idem, ibidem: 394). A desidentificação de um indivíduo manifesta-se, enquanto constructo cognitivo, numa auto-definição que não partilha os mesmos atributos reconhecidos à organização, assumindo a proporcionalidade dessa distância; concomitantemente a desidentificação é uma forma de categorização relacional, situando a identidade do indivíduo numa ligação/comparação cognitiva com a organização e os seus membros, claramente distanciada da apatia cognitiva- ou processo de não-identificação ou separação passiva (idem, ibidem: 397). A desidentificação é um processo de auto-percepção baseado na identidade percepcionada da organização, distanciando-se de uma mera percepção acerca da organização, bem como de atitudes desleais ou não comprometimento e mesmo de conceitos como satisfação ou felicidade (idem, ibidem). A desidentificação não é o oposto da identificação, tendo a extensa investigação empírica demonstrado que os indivíduos conseguem distinguir vários níveis de identificação num mais amplo processo perceptivo, ao passo que na desidentificação a visão é mais holística ainda que baseada numa visão estereotipada; neste aspecto particular reside a diferença basilar entre o que se poderia denominar de identificações débeis e uma desidentificação (idem, ibidem: 399).
Xxxx Xx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx propõem um modelo de dinâmica da identidade organizacional com base em quatro processos que ligam essa mesma identidade à cultura e à imagem: i) espelhamento (processo em que a identidade é espelhada nas imagens de terceiros), ii) reflexão (o processo de internalização da identidade na
cultura), iii) expressão (o processo em que as culturas se dão a conhecer através de alegações identitárias) e (iv) impressão (o processo em que as expressões identitárias deixam marcas nos outros) (Hatch e Shultz, 2002). A exposição mediática das realidades organizacionais é desafiadora da construção identitária, no sentido em que releva aspectos como a necessária atracção dos stakeholders, sendo a identidade um conceito alargado a públicos mais vastos do que os internos e sendo o escrutínio organizacional realizado em torno de tópicos como a estratégia organizacional, estilo de gestão, processos organizativos e responsabilidade social (idem, ibidem). A vida organizacional está mais aberta e disponível para julgamento a qualquer interessado (idem, ibidem: 990). A diferenciação conceptual entre cultura e identidade organizacional é evidenciada pelo recurso a três dimensões comparativas: i) textual/contextual, ii) explícita/tácita e iii) instrumental/emergente; apesar da proximidade dos conceitos, a cultura pode posicionar-se de forma relativamente mais facilitada nos domínios contextual, tácito e emergente, sendo a identidade mais facilmente posicionável no domínio textual, explícito e instrumental (idem, ibidem: 997). Esta posição teórica radica na noção de que a identidade organizacional não é puramente cultural (referencial interno), nem puramente imagética (referencial externo), sendo outrossim fruto de um processo dinâmico que inter-relaciona ambos os referenciais (idem, ibidem). Podem ocorrer disfunções na dinâmica apresentada quer pela concentração excessiva em referenciais externos, retirando força à componente cultural e traduzindo-se numa hiper-adaptação identitária ou, no pólo oposto uma focalização auto-referencial excessiva, traduzindo-se numa auto-sedução narcisista (idem, ibidem: 1996). É crucial o entendimento concomitante da cultura e da imagem organizacionais, no esforço de criação de uma identidade balanceada capaz de se desenvolver e crescer a par das mudanças da envolvente (idem, ibidem).
A gestão da diversidade nas conceptualizações da identidade organizacional por parte dos decisores levou Xxxxx e Xxxxxxx a desenvolverem um modelo funcionalista (Xxxxx e Xxxxxxx, 2000)4. São definidos dois eixos de caracterização da multiplicidade: por um lado a pluralidade de identidades e por outro o grau de convergência ou de sinergia dessas entidades (idem, ibidem). Identificam-se quatro grandes tipos de alternativas de acção para a gestão da diversidade referida: i) compartimentalização ou segregação das
4 A sistematização e análise da referência encontra-se consubstanciada em Tavares (2001: 311).
identidades, ii) anulação de uma das identidades em detrimento das restantes, iii) integração das diferentes identidades, constituindo-se da sua síntese, uma identidade nova e iv) agregação das múltiplas identidades, tentando-se estabelecer ligações (por exemplo simbólicas) entre elas, nomeadamente através do recurso a uma meta- identidade (Xxxxxxx, 2001).
A identificação do indivíduo com a organização não estará alheia à nova realidade económica e social, encarando-se os vínculos como provisórios, ainda que possam ser renovados e prolongáveis no tempo (Xxxxxx, Xxxxxx et al., 1995). Relevam-se aqui possíveis impactos na contratação psicológica. Os trabalhadores sem fronteiras desenvolvem as suas capacidades de acordo com a sua própria vontade, aceitando compartilhar os valores da organização onde se encontram uma vez que tal se revela importante para os seus objectivos; não obstante, identificam-se com a profissão exercida (idem, ibidem). Uma carreira sem fronteiras é uma história laboral com uma componente forte das três dimensões de carreira: identidade, cumulação de conhecimentos e múltiplos empregadores (Xxxxx e Xxxxxxx, 1996).
Numa carreira sem fronteiras a identificação do indivíduo faz-se com o trabalho e a profissão, pressupondo uma escolha concreta e representativa do próprio (Xxxxxx, 1994; Xxxxxx, Xxxxxx et al., 1995). A identificação com a organização pode assumir dois tipos: (i) a situacional ou elementar e (ii) a estrutural profunda (Xxxxxxxx, 1998). A identificação situacional ocorre quando os interesses comuns entre indivíduos e organizações se conseguem sobrepor às suas divergências; evidencia-se uma partilha de interesses na génese da identificação, prolongando a ligação enquanto perdurar a consecução dos interesses (idem, ibidem). Esta forma de identificação surge com sucesso em relações temporárias e em que o indivíduo procura trabalhar com diferentes empregadores no seu percurso profissional (idem, ibidem). Ao contrário, a identificação estrutural profunda surge quando as interpretações individuais em relação à organização são sistematizadas e devidamente ordenadas, contribuindo para uma percepção ou modelo mental estável; as fronteiras entre os interesses individuais e organizacionais confundem-se e contribuem para uma atitude positiva (idem, ibidem). Segundo Xxxxxx Xxxxxxxx a identificação profunda é cada vez menos provável no momento actual, devido às frequentes mudanças nas organizações, nomeadamente processos de fusão e aquisição e reestruturações (idem, ibidem). Uma organização pode diferenciar os seus
colaboradores assumindo o impacto das carreiras sem fronteiras, catalogando-os como trabalhadores nucleares, contratados e temporários, assumindo diferenças nas políticas de desenvolvimento e nível de serviço proporcionado a cada um destes públicos (Templer e Xxxxxx, 0000). Aos trabalhadores do núcleo proporcionar-se-á um serviço total, aos trabalhadores contratados proporciona-se um serviço focalizado nas condições do contrato e aos temporários apenas um suporte básico (idem, ibidem). Nesta lógica, a organização não se mantém responsável pelo desenvolvimento de todos os seus colaboradores, concentrando-se na gestão das competências nucleares e gerindo as demais contribuições (idem, ibidem). Contudo, deve salientar-se que as fronteiras entre o núcleo e a periferia são instáveis e muitas vezes difíceis de operacionalizar, impossibilitando uma gestão nesta lógica (Xxxxxx e Xxxxxxx, 1996).
A diferenciação dos públicos internos na distribuição de recompensas pode indiciar a criação de um laço pessoal, particular, podendo afectar a percepção da relação estabelecida com a organização e gerando diferentes graus de identificação (Xxxxxxxx, 1998). A constituição de vínculos duradouros, favoráveis às identificações estruturais profundas, a par com a obtenção de mais recursos da organização, sejam económicos ou simbólicos, está intimamente ligada à sensação que o indivíduo tem de que é especial, iniciando um ciclo iterativo mais aprofundado de trocas com a organização. Xxxxxx Xxxxxx (2009) identificou uma correlação significativa moderada entre a identificação organizacional e o desempenho profissional e significativa mas fraca entre desempenho profissional e identificação profissional, referindo que a identificação organizacional e a identificação profissional explicam 36,8% do desempenho profissional; as consequências positivas da identificação profissional originam um melhor desempenho profissional (idem, ibidem).
2.2.4. Comprometimento Organizacional
O reconhecimento do indivíduo por parte da organização tem sido apontado como sendo um aspecto chave da identidade dos trabalhadores, atribuindo significado à sua acção e contribuindo para a sua saúde e bem-estar; esta questão é transversal a estatutos e profissões diversos, devendo ser incorporada nas práticas de Gestão de Recursos Humanos (Brun e Dugas, 2008). A intenção de saída de um colaborador de uma organização será tendencialmente menor se este desenvolver uma identificação forte (Xxxxxxxx e Xxxx, 1989; Xxxxxx, Xxxxxxxx et al., 1994; Xxxxxxxx, 1998). A intensidade
dessa identificação dependerá de acções organizacionais, sinalizando relações duradouras e distribuindo recompensas em conformidade (Xxxxxxxx, 1998). Este aspecto parece contrariar a génese das carreiras sem fronteiras, mas alerta-nos para outra questão: qual a concreta consciência dos decisores face a esta problemática? Os gestores manipulam símbolos, tradições, mitos, rituais, heróis para reforço do sentimento de pertença do indivíduo (Xxxxxxxx e Mael, 1989). Apesar das culturas organizacionais reclamarem um sentido único, a verdade é que tal acontece porque a identidade é específica dos grupos; é tacitamente compreendido pelos gestores que uma identidade organizacional positiva e distintiva atrai o reconhecimento, apoio e lealdade não somente dos membros da organização mas também de accionistas, clientes e, genericamente, dos que procuram emprego (idem, ibidem). Verifica-se a apropriação do simbólico como veículo para a identificação (idem, ibidem).
Uma investigação de Xxxxxxx e Xxxxx sugere que os empregados alvos de lay-off, na eventualidade de encontrarem novos empregos, experienciam mais satisfação do que no trabalho anterior, sendo contudo o seu comprometimento e confiança na organização reduzido pela experiência vivida (Xxxxxxx e Xxxxx, 2000). Desta forma, percebemos que os efeitos de uma mobilidade negativa afectam as futuras relações de emprego, complexificando o processo de troca de forma persistente. Adiciona-se a esta questão o facto de os trabalhadores, ainda que não vítimas directas das reestruturações havidas nas suas organizações, perderem os laços de lealdade e perceberem expectativas de promoção substancialmente reduzidas (Goffee e Scase, 1992).
O comprometimento foi estudado sob diferentes perspectivas: a afectivo-atitudinal (Xxxxxx, Xxxxxx et al., 1979), a instrumental (Xxxxxx, 1960) e a normativa (Weiner, 1982; Xxxxxx e Vardi, 1990). Uma das perspectivas mais utilizadas na literatura de comprometimento é o enfoque tridimensional de Xxxxx e Xxxxx (Xxxxx, Xxxxx et al., 1990; Xxxxx e Xxxxx, 1991; Xxxxx, Xxxxxxx et al., 2002): i) afectivo (definido como uma ligação emocional positiva à organização, levando à identificação com os objectivos organizacionais; o indivíduo permanece porque quer), ii) continuidade (o indivíduo compromete-se com a organização por perceber custos elevados na saída, incluindo custos económicos e sociais; o indivíduo permanece porque tem que ser) e iii) normativo (noção de obrigatoriedade na continuidade que pode derivar de várias fontes
como a obrigação moral, processos de socialização em que a lealdade surja como norma obrigatória; o indivíduo permanece por dever).
Os primeiros trabalhos versando o contrato psicológico definiam-no como um conjunto de visões partilhadas entre empregados e empregadores versando o que é que cada parte devia à outra na relação de emprego (Argyris, 1960). Mais recentemente o contrato psicológico é definido como a percepção que o indivíduo tem acerca do que deve ao empregador e do que o empregador lhe deve como resultado de uma situação de troca recíproca (Xxxxxxxx, 1989; Xxxxxxxx, 1995; Xxxxxxxx, 1998; Xxxxxxx e Xxxxxxx, 1999). Dois conjuntos de factores intervêm na formação do contrato psicológico: i) os organizacionais como as mensagens institucionais e pistas sociais de colegas e grupos de trabalho e ii) os individuais como interpretações, predisposições, construções fruto de tratamento cognitivo, motivações para carreira e quadros referenciais (Xxxxxxxx, 1989; Xxxxxxxx, 1995). Os contratos psicológicos originam-se quando os indivíduos inferem promessas que geram crenças na existência de obrigações recíprocas (Xxxxxxxx, 1989).
Figura 7. Criação do contrato psicológico (Xxxxxxxx, 1995)
A noção de contrato psicológico enquanto acordo entre gestão e colaborador, no qual este será colocado em situações em que as suas necessidades de afecto, agressão, dependência e conquista de ideais do ego possam ser adequadamente satisfeitas é central: enquanto os objectivos do indivíduo forem sustentáveis este estará naturalmente motivado para o trabalho, pondo um esforço na concretização das tarefas como moeda
de troca pela satisfação das suas necessidades (Xxxxxxx, Xxxxx et al., 2003)5. Os gestores raramente possuem um entendimento suficientemente completo dos contratos psicológicos e da motivação que permitam modificar os papéis no trabalho e gerir as pessoas de forma efectiva (idem, ibidem: 218). Para compreender o impacto psicológico de uma mudança nas relações de trabalho é necessário: i) especificar o modo de lidar com as necessidades psicológicas e os ideais do ego preferidos pelo indivíduo, ii) especificar o modo como estes comportamentos de satisfação de necessidades encaixam nos papéis laborais anteriores e iii) justapor os ajustamentos anteriores aos comportamentos agora requeridos no novo papel (idem, ibidem). Xxxxxxx e colaboradores separam a vertente puramente psicológica das vertentes social e económica do contrato psicológico, salientando que os aspectos sociais descrevem os comportamentos aceitáveis e não aceitáveis que podem ser usados para a satisfação das necessidades atrás descritas, os aspectos económicos proporcionam uma compensação numa forma que pode satisfazer desejos do colaborador, mas o fundamental das necessidades psicológicas e de satisfação do ego está presente apenas na análise da vertente psicológica (idem, ibidem). O contrato psicológico tem sido tratado nas mais recentes referências científicas como uma percepção, mas esta noção não deve sobrepor-se à ideia de que a sua génese é de formulação implícita e/ou inconscientemente formulada e mantida, sendo que o todo do contrato ou pelo menos parte dele será não percebido pelo sujeito (idem, ibidem: 220). O contrato psicológico surge como um quadro referencial de alto valor explicativo na compreensão de relação entre colaborador e empresa, nomeadamente na sua componente emocional (Xxxxxx e Xxxxxx, 2002).
5 Os autores visam, com o texto referenciado, resgatar o contrato psicológico de volta para a psicologia, recentrando-o na perspectiva clínica.
Tabela 7. Tipos de contrato psicológico por requisitos de desempenho e duração da relação (Xxxxxxxx, 1995: 98)
A principal mudança recente na relação entre empregadores e empregados corporiza-se na mudança dos contratos psicológicos que teve lugar nas últimas décadas do século XX (Baruch, 2006). O conceito de promoção, enquanto ascensão vertical preencheria as descrições da maioria das mobilidades intencionadas, conferindo-lhes uma noção praticamente unidimensional e linear, ao passo que actualmente as carreiras são multidireccionais (Sullivan, Xxxxxx et al., 1998; Xxxxxx, 2006). Do ponto de vista organizacional, o novo contrato psicológico significa uma mudança nas carreiras caracterizadas por empregos seguros para todos, para oportunidades de desenvolvimento destinadas somente aos aptos e necessários (Baruch, 2006). Esta mudança resulta num mais reduzido comprometimento (Goffee e Scase, 1992; Xxxxxxxx, Xxxxxx et al., 1998). Os indivíduos descobrem uma variedade de objectivos de carreira e âncoras de carreira, para além de novas perspectivas sobre o significado de sucesso de carreira (Baruch, 2006).
Xxxxxx Xxxxxxxx definiu uma tipologia tripartida para o contrato psicológico, distinguindo diferentes origens: i) standard, ii) baseados na posição e iii) idiossincráticos (Xxxxxxxx, 2001). O contrato psicológico standard aponta para a interferência institucional de princípios coercivos (de índole legal e negocial). Os contratos psicológicos baseados na posição, ainda que característicos de uma organização, poderão ser informados pelo normativo social para a profissão. Como exemplo, podemos dizer que ao nível mais transaccional será consensual que um gestor de topo possua regalias como viatura e telemóvel para uso total. Esta percepção irá ser considerada na análise de uma relação de emprego em concreto, podendo ser uma forma
de legitimação do estatuto. Como afirma Xxxxx Xxxxx o recrudescimento de contratos com dimensões idiossincráticos em detrimento das dimensões standard cria um espaço alargado para violações e quebras pela complexificação das expectativas (Guest, 2004).
2.2.6. Quebra e Violação do Contrato Psicológico
Xxxxxx e Xxxxxx analisam dimensões atávicas do contrato psicológico, nomeadamente as quebras contratuais relacionadas com a não concretização de promessas, analisando os factores-chave relacionados com a intensidade das reacções afectivas (Conway e Xxxxxx, 2002). Segundo estes autores a noção de contrato psicológico e especialmente a quebra do contrato psicológico não têm recebido a atenção merecida, traduzindo-se numa insuficiente pesquisa empírica (idem, ibidem).
Discrepâncias entre a ideologia dos empregados e empregadores acerca da forma como a relação de emprego deveria ser estruturada podem conduzir à percepção de uma brecha no contrato psicológico (Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 1997). Os trabalhadores podem perceber compromissos não cumpridos como violações do contrato psicológico, podendo responder inclusivamente de forma agressiva a essas violações (Turnley e Xxxxxxx, 1999). Por um lado as percepções de violação do contrato psicológico estão associadas aos elementos específicos em que ocorrem as discrepâncias e à magnitude e timing dos incumprimentos, sendo as diferenças individuais, práticas organizacionais e factores do mercado laboral reconhecidos como moderadores importantes do tipo de resposta de cada pessoa (Turnley e Xxxxxxx, 1999; Xxxxx-Xxxxxxx e Neuman, 2004; Bal, Xx Xxxxx et al., 2008). Os indivíduos que assumem que a relação entre empregador e empregado é de troca recíproca tenderão a analisar as violações do contrato psicológico de forma diversa daqueles que entendem que a relação será sempre desfavorável para o trabalhador (Xxxxx-Xxxxxxx e Xxxxxx, 2004), pelo que nem sempre se considerarão todas as situações em que se recebe menos do que o antecipado como quebras efectivas (Xxxxxxx e Xxxxxxx, 1999). Xxxxxxxx e Xxxxxxxx separam a componente cognitiva e afectiva na análise da violação do contrato psicológico, definindo que uma quebra representa a efectiva cognição de que a organização não cumpriu uma ou mais obrigações que lhe estavam acometidas e a violação refere-se ao estado afectivo e emotivo, caracterizado como desilusão ou raiva manifesta para com a organização (Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 1997). Empregadores e empregados tendem a discordar nas obrigações dos empregados e nas suas violações do contrato psicológico,
mas não nas obrigações e violações de contrato por parte da entidade empregadora (Tekleab e Xxxxxx, 2003).
A pesquisa tem evidenciado que quebras ou violações do contrato psicológico se relacionam com a intenção de saída e negligência nas atribuições funcionais e que o cumprimento do contrato psicológico se relaciona com o comprometimento organizacional e comportamentos de cidadania organizacional (vide Coyle-Shapiro e Neuman, 2004). Cada um de nós tem tendência para considerar que tem mais ética do que o próximo, traduzindo esta ideia para o julgamento moral, tendo como consequência a percepção de que quando uma organização não cumpre uma obrigação estamos perante uma quebra de justiça, uma falha moral, e não somente uma má interpretação das obrigações implícitas; este cunho de autoridade moral na percepção das obrigações mútuas na relação com a organização resulta da junção do contrato psicológico e do contrato social (Xxxxxxxx e Xxxx, 2006). Os gestores que tratam as percepções de violações do contrato psicológico lidam com crises morais, e se não as identificarem como tal criam alienação, sendo importante ter uma perspectiva do impacto da violação na noção do contrato social (idem, ibidem).
2.2.7. Contrato Social e Contrato Psicológico
O conceito de contrato psicológico pode ser considerado como uma extensão dos conceitos filosóficos da teoria do contrato social, relacionados com as origens do Estado e que supõe que os indivíduos consentem voluntariamente na pertença a uma sociedade organizada com direitos e obrigações (Xxxxxxxx e Xxxxx, 2004). Assumindo-se que o contrato psicológico poderá ter variações relacionadas com a cultura nacional, assume- se a relevância de variáveis contextuais que estão, no mínimo, implícitas e que porventura se salientam por comparação de diferenças ou violação de pressupostos6. Xxxxxx Xxxxxxxx define o contrato social como um conjunto de crenças penetrantes referentes a obrigações dentro de uma sociedade e que são tomadas como garantidas (Xxxxxxxx, 1995; Xxxxxxxx e Xxxxxxx, 1997). Numa outra leitura Xxxxxxxx e Xxxxxxxx definem-no como as assunções, normas e crenças acerca dos comportamentos apropriados de uma unidade social (Xxxxxxxx e Xxxxxxxx, 1997). Desta forma
6 Vários exemplos são descritos na literatura e que podem dar corpo a esta conclusão, como os avançados na monografia Psychological Contracts in Employment: cross-national perspectives, editada por Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxx Xxxxxx (Xxxxxxxx e Xxxxxx, 2000).
percebemos a importância do contrato social na definição de papéis e relações de papéis em diversos contextos, inclusivamente o da relação de emprego. O contrato psicológico forma-se a partir de promessas explícitas, implícitas ou deduzidas, mas também de expectativas desenvolvidas na continuidade da relação de emprego. Na realidade circunscreve-se a uma situação de emprego específica com um empregador. O contrato social define-se como um conjunto de assunções e normas relativas a um conjunto variado de situações de emprego. Desta forma, percebemos que uma acção que pode violar um contrato psicológico idiossincrático pode estar na conformidade de um contrato social. Mas não terão as quebras ou violações do contrato social um impacto na relação empregador-empregado?
Quando alguns autores referem a existência de um novo contrato psicológico no entendimento de que as relações de emprego se estão a alterar e que a sua prevalência temporal é diversa de outros momentos da história económica, estará implícita a referência a um novo modelo de contrato social para as relações de emprego. Na realidade, tomado o contrato psicológico como uma leitura das obrigações e expectativas de uma relação de emprego em concreto, e considerando ainda que uma interpretação não abusiva das palavras desses mesmos autores indicia uma mudança na visão das situações de emprego de forma genérica, poderemos estar sim na presença de um novo contrato social que informa os contratos psicológicos. As relações de emprego concretas incorporam estas noções socialmente aceites. Como refere Xxxxxx Xxxxxxxx, ainda que não seja baseado em promessas, o contrato social influencia a forma como as promessas são interpretadas, as suas normas afectam a natureza e a interpretação de promessas (Xxxxxxxx, 1995: 14). Os contratos sociais são um fundo interpretativo das promessas e representam em larga medida as diferenças de contratação em diversos países (idem, ibidem).
Figura 8. Tipos de contrato (Rousseau, 1995: 9)
Um contrato normativo é, nas palavras de Xxxxxxxx, ―um contrato psicológico ao quadrado‖, sendo que a partilha torna-o mais forte; para os termos contratuais se sobreporem de alguma forma é necessário que os indivíduos interajam, partilhem informação e possuam um ambiente social comum (Xxxxxxxx, 1995: 47). Quando forças culturais sustentam o contrato normativo, aspectos centrais do contrato são provavelmente não-conscientes, tomados como garantidos e sujeitos a grandes convulsões quando violados (idem: 49-50).
Figura 9. Criação de um contrato normativo (Xxxxxxxx, 1995: 47)
As relações de emprego são desenvolvidas a partir de níveis macro-sociais, sendo que as percepções do contrato social definem crenças acerca do contrato social preferido ou ideal (Xxxxxxxx, 1995; Xxxxxxx e Xxxxx, 2007). Ainda que os discursos sobre carreiras na sociedade Ocidental tendam a vê-la como um projecto individualizado (carreira como agência ou acção), a influência contextual nas opções individuais está sobejamente explícita ou implícita nos relatos (Inkson, 2007: 234). Quando o indivíduo se encontra perante uma relação de emprego em concreto, são desenvolvidas percepções acerca das obrigações mútuas de empregador e empregado podendo existir, ou não, alinhamento entre o contrato social e o contrato psicológico, seja por excesso de um, seja por defeito do outro (Xxxxxxx e Xxxxx, 2007). As relações de emprego futuras são, na perspectiva do empregado, impactadas pelas experiências anteriores ou por dinâmicas sociais e económicas, aumentando ou diminuindo as suas expectativas (Kanter, 1989; Xxxxxxx e Karau, 2007).
Assumindo-se que o contrato social e o contrato psicológico são duas entidades conceptuais distintas tem falhado na literatura a capacidade de propor medidas para a sua efectiva medição diferenciada. O trabalho póstumo de Xxxx X. Xxxxxxx com Xxxxxx
Xxxxx (Xxxxxxx e Xxxxx, 2007) pretendeu desenvolver uma escala de contratos distinguindo o contrato social e psicológico e terá conseguido a distinção entre os dois tipos contratuais. Neste sentido, as percepções gerais de uma relação de emprego apropriada (contrato social) e uma percepção separada e distinta de promessas e obrigações do empregador (contrato psicológico) permitem a existência de sobreposições ou afastamentos. Evidenciam-se dois focos distintos mas que coexistem no indivíduo, sendo que quando se particulariza a análise da relação de emprego podem existir reajustamentos, justificados e justificáveis para o indivíduo e que, na prática, não oferecem contradições que originem dissonâncias cognitivas.
Dado que os empregados não podem seleccionar muitas das características do seu trabalho, as percepções do contrato psicológico podem ser ocasionadas mais por constrangimentos situacionais do que por percepções individuais de controlo (Xxxxxxx e Xxxxx, 2007). Nos profissionais, a percepção de quebra ou violação de contrato psicológico encontra-se associada também à percepção das obrigações de papel quer de nível administrativo quer profissional (Bunderson, 2001). Empregados que sintam algum nível de incongruência entre o seu contrato social e as percepções do contrato psicológico poderão reagir pior a mudanças organizacionais, quer devido a políticas organizacionais concretas, quer às suas próprias reacções (Xxxxxxx e Karau, 2007: 75).
Analisando apenas um dos subsectores da farmácia, considerando a existência de aproximadamente 2 760 farmácias em actividade e que em Junho de 2008 (dados fornecidos pela Ordem dos Farmacêuticos) 6 108 profissionais se dedicavam a este sector, e ainda que contemplemos a co-propriedade, pode afirmar-se com alguma certeza que o número de profissionais em regime de auto-emprego é manifestamente inferior ao dos trabalhadores por conta de outrem. Somando os outros subsectores como as análises clínicas, com a possibilidade de propriedade por não farmacêuticos permitida há já algum tempo e pensando nas características do xxxxxx xxxxxxxxxx, entre outros, poderemos expandir esta noção aos mais de 11 000 farmacêuticos em actividade. De facto a profissão é hoje constituída maioritariamente por profissionais assalariados e não profissionais independentes. A gestão dos (trabalhadores) profissionais é há muito entendida como um desafio particular, porquanto entrecruza ideologias e percepções de trabalho quer do grupo profissional, quer da organização.
Xxxxxxxxx refere os conceitos de ideologia profissional e administrativa como sendo a especificação de comportamentos e papéis diferenciados para os indivíduos e organizações numa relação de emprego, bem como os seus direitos e obrigações (Bunderson, Xxxxxxxx et al., 2000; Xxxxxxxxx, 2001). Xxxxx e Xxxxxxx afirmam que estas ideologias surgem alicerçadas em instituições societais mais abrangentes (Xxxxx e Xxxxxxx, 1990). No quadro seguinte encontram-se resumidas as características distintivas entre as duas ideologias supra-citadas:
Ideologia Administrativa | Ideologia Profissional | |
Papel Organizacional | Organização como negócio (sistema burocrático e empresa de mercado) | Organização como ambiente de trabalho (grupo profissional e servidor da comunidade) |
Obrigações do Organização | Providenciar dinheiro, clientes, suporte administrativo, presença no mercado | Providenciar um ambiente de trabalho colegial, defender a autonomia e standards profissionais, chegar à comunidade |
Papel Individual | Indivíduo como empregado (recurso produtivo empregue no trabalho organizacional) | Indivíduo como profissional (altamente treinado com conhecimentos e competências valiosos) |
Obrigações do Indivíduo | Providenciar emprego continuado, cumprimento das obrigações específicas do papel (e.g. presenças ao trabalho) | Providenciar identificação, lealdade, cumprimento genérico das obrigações do papel (e.g. excelente serviço ao cliente, produtividade) |
Natureza do Contrato de Emprego | Predominantemente Transaccional | Predominantemente Relacional |
Tabela 8. Ideologia de trabalho profissional e administrativa e o contrato de emprego (a partir de Bunderson, 2001: 719)
A relação entre um profissional e a organização que o emprega representa uma dinâmica entre duas instituições, uma vez que os empregados profissionais interagem com a organização tanto nessa qualidade como enquanto indivíduos (Xxxxxxxxxx, 1962; Xxxxxxxxx, 2001; Xxxx e Xxxxx, 2003: 719). Esta questão é fundamental na leitura do contrato psicológico. A dimensão do indivíduo como empregado ou como profissional pode ter leituras contraditórias ou semelhantes na percepção do contrato psicológico. Como profissionais assumimos determinados papéis e atribuímos outros à organização que são consistentes com a instituição e ideologia de trabalho profissional; como empregados, assumimos determinados papéis e atribuímos outros à organização consistentes com a instituição e ideologia de trabalho administrativo, fazendo com que aspectos da estrutura macro-social formatem a relação micro-social com um set de expectativas, direitos e obrigações (Bunderson, 2001; Xxxxxxxx e Xxxxxxxxx, 2003).
Os papéis e obrigações são simultaneamente intra e extra referenciados: por um lado a ideologia administrativa possui um papel de regulação burocrática, interno, associado a um papel de empresa de mercado, externo, por outro lado a ideologia profissional inclui o papel do grupo profissional, interno, e de serviço à comunidade, externo (Bunderson, Lofstrom et al., 2000). Na verdade, na nossa opinião, poderemos estender a referenciação do profissional ao ambiente externo se considerarmos, por exemplo, situações em que a noção do grupo de pertença não é de contexto organizacional, como
―os farmacêuticos deste hospital‖ e sim ―os farmacêuticos deste sector‖. O papel da organização no grupo profissional é assumir-se como garante do serviço à comunidade num espaço de aplicação de competências profissionais que servem essa mesma comunidade ou a sociedade; cumprindo esta função a organização defende a autonomia profissional, ajudando ao cumprimento das obrigações éticas, recebendo dos empregados lealdade, identificação e comportamentos de cidadania organizacional culminando na excelência do serviço e produtividade (Bunderson, 2001: 720). As ideologias profissionais e administrativas formatam os contratos psicológicos dos profissionais sugerindo um conjunto de papéis e comportamentos, direitos e obrigações, podendo mesmo identificar-se diferenças nas percepções das quebras de contrato psicológico administrativo e profissional; quebras na dimensão contratual da ideologia administrativa estão positivamente associadas com a vontade de sair da organização, ao passo que uma quebra no contrato da ideologia profissional não se encontra associada com a intenção de saída mas sim com um menor comprometimento e produtividade, sendo que ambos os tipos de quebra se relacionam negativamente com a satisfação (Bunderson, 2001). Na verdade, esta realidade apoia-se na noção de que as obrigações associadas ao papel profissional possuem uma base relacional, baseada nos interesses próprios e de outros actores e em princípios de reciprocidade mais generalizados e com influência na identidade, e que a dimensão administrativa é eminentemente transaccional, baseada na racionalidade do auto-interesse dos actores que adoptam normas de balanceamento de reciprocidade perfeitamente definidas, concretas e tangíveis (Xxxxxxxx e Xxxxx, 1992; Xxxxx e Xxxxx, 1998; Xxxxxxxxx, Xxxxxxxx et al., 2000; Xxxxxxxxx, 2001; Xxxxxxxx e Xxxx, 2006).
Xxxxxxxxx afirma que os termos do contrato psicológico, que são entendidos como únicos na essência e vinculando uma organização e um empregado, podem na realidade ser influenciados por contextos ideológicos e institucionais mais vastos, nos quais
assenta a relação de emprego (Xxxxxxxxx, 2001). Donaldson e Xxxxxx aplicam a noção de contrato social, na componente ética, ao nível institucional ou organizacional na sua Teoria do Contrato Social Integrado, que inclui hipernormas (princípios universais derivados do contrato macro-social) no contexto da contratação micro-social (Donaldson e Dunfee, 1994; Fort, 2000). A aplicação destas ideias ao nível individual de análise, com implicações no contrato psicológico, é não só possível como criará um quadro de análise mais completo (Xxxxxxxx e Xxxx, 2006). Esta articulação beneficia a teoria descritiva, uma vez que a abordagem do contrato psicológico aumenta a perspectiva do contrato social, articulando as idiossincrasias e dando-lhes significado (idem, ibidem: 231).
Nível do Contrato | Locus de Decisão | Fonte de Autenticidade | Papel do Contexto na Determinação do Comportamento Adequado | Resultado Derivado do Contrato |
Macro | Princípios derivados de uma ―posição original‖, etc. | Hipernormas | Irrelevante | Princípios universais |
Micro | Organizações interagindo com o seu ambiente | Adaptação nos espaços em branco | Moderado | Valores culturais |
Nano | Indivíduos dentro de organizações | Construção e sentido social | Forte | Normas comportamentais |
Tabela 9. Comparação dos níveis de contrato (adaptado de Xxxxxxxx e Hart, 2006: 231)
As formas contratuais mais transaccionais ou relacionais são, ainda que contextualizadas numa organização específica, baseadas em princípios universais consistentes com a perspectiva do contrato social, sendo as obrigações relacionais alinhadas com princípios de lealdade e respeito pela dignidade humana e, porventura por essa razão, quando e verifica uma violação do contrato psicológico se evoca o ultraje moral (Xxxxxxxx e Xxxxxxxxx, 2003; Xxxxxxxx e Xxxx, 2006). Nesta lógica a construção do contrato psicológico não é determinada, antes influenciada, pelo contrato social, porquanto consubstancia uma construção cognitiva idiossincrática que se pode alicerçar em oportunismos ou crenças egotistas.
Numa perspectiva diversa, em que os contratos macro-sociais resultam de uma acumulação de numerosos contratos psicológicos e que os indivíduos constroem ao longo do tempo, Xxxxxxxx e Xxxx dirimem algum criticismo à Teoria do Contrato Social, nomeadamente à autoridade normativa (Xxxxxxxx e Xxxx, 2006). Os
empregados possuem o seu próprio mapa mental do contrato social, baseado nas obrigações de e para com a organização, sendo reconhecido que as organizações que participam na construção dessa visão e reconhecem a sua importância e relevância podem mais facilmente gerar uma relação positiva e de confiança (Xxxxxxxx e Xxxx, 2006: 239).
2.2.8. Ideologia e Contrato Psicológico
Xxxxxxxxx et al. (2000) modelaram quatro esquemas ideológicos: i) o burocrático e ii) de mercado empresarial reflectindo valores e crenças de gestão genéricos, e iii) de grupo profissional e iv) serviço comunitário reflectindo valores e crenças profissionais. Como referem O‘Donohue e Xxxxxx (2007: 550) os dois esquemas de gestão são baseados no princípio administrativo, enfatizando a autoridade baseada na incumbência de uma gestão legalista, comprometida com a organização, com um processo de tomada de decisões hierárquico e baseado na eficiência, ao passo que os dois esquemas profissionais se baseiam na autoridade por competência profissional, comprometimento com o trabalho, tomada de decisões colegial e no princípio de serviço. Da mesma forma, os esquemas de gestão conceptualizam a organização como um sistema organizado e com vista ao cumprimento dos objectivos comuns de forma eficiente, integrada e coordenada, ao passo que os esquemas profissionais vêem a organização como um sistema focalizado nos objectivos profissionais, tais como a competência e excelência profissionais, um compromisso para com o serviço e uma contribuição para o benefício da comunidade e do bem público (idem, ibidem). O‘Donohue e Xxxxxx (2007) verificaram o impacto da ―moeda de troca‖ ideológica no contrato psicológico em enfermeiros do sector público, concluindo que estes possuem uma forte afiliação profissional e que o seu discurso se encontra pleno de referências à ―moeda‖ ideológica, sendo que as falhas percebidas na capacidade da organização proporcionar o delivery desta dimensão são vistas como violações do contrato psicológico. Xxxxxxxx e Xxxxxxxxx (2003) referem que nos contratos psicológicos de enfermeiros impregnados de ideologia, uma mudança do fulcro enfático dos ideais para os meios de atingir objectivos ideológicos é percebida como uma falha nas obrigações; por outro lado, é reconhecida a possibilidade de falhas na implementação da ideologia devidas a razões políticas, sociais e económicas derivadas do contexto de actuação da organização, não se atribuindo nessas circunstâncias a conotação de violação de contrato psicológico.
Moeda Económica | Moeda Sócio-Emocional | Moeda Ideológica | |
Obrigações Organizacionais | Proporcionar emprego continuado, ambiente de trabalho seguro e compensação justa | Proporcionar formação, desenvolvimento de carreira, oportunidades de promoção, segurança de longo prazo | Demonstrar comprometimento credível com uma causa social valorizada |
Obrigações Individuais | Cumprir requisitos de papel específicos | Cumprir obrigações de papel genéricas; comprometimento organizacional e envolvimento; comportamentos de cidadania organizacional; o self e a comunidade organizacional | Participar nas missões/causas da organização; comportamentos de cidadania organizacional e societal; |
Beneficiário Saliente | Self | Self e a comunidade organizacional | Sociedade, ou alguns segmentos, ou um princípio intangível |
Lógica de Afiliação | ―A organização proporciona- me um dia de salário justo por um dia de trabalho justo‖ | ―A organização fomenta o meu desenvolvimento profissional e sentido comunitário‖ | ―A organização partilha a minha paixão, causa e/ou missão‖ |
Modelo de Natureza Humana | Egoísta, instrumental | Colectivista, socializado | Com princípios, envolvido |
Tabela 10. Diferentes moedas (currencies) do contrato psicológico (O’Donohue e Xxxxxx, 2007: 549)
2.2.9. Identidades como Normativos e a Gestão de Carreiras
A reconhecida especificidade da identidade organizacional enquanto cenário de cruzamento de referências individuais, grupais, internas e externas, continua a merecer uma dedicação académica profunda, correspondida empiricamente por uma riqueza de elementos para análise. O gestor assume-se como um elemento preponderante na construção da morfologia organizacional com base nas suas visões, valores, espartilhos legais, condicionantes ambientais ou contingências de várias outras ordens. Mas como decide o gestor qual o modelo organizacional a implementar? A procura de uma identidade distintiva é uma preocupação permanente. Não obstante, as necessidades de legitimação quer da própria organização, quer dos seus gestores, proporcionam as bases para uma morfologia partilhada. Neste enquadramento, os teóricos neoinstitucionalistas questionam-se acerca da similaridade das organizações, e da complexificação progressiva das suas estruturas. A eficiência e eficácia não são definitivamente as únicas orientações para a formatação das organizações; de forma concomitante com as preocupações gestionárias correntes surge a ideia da construção de legitimidade institucional e do reconhecimento nos diferentes campos de actuação.
Partindo do conceito de Isomorfismo Institucional avançado por XxXxxxxx e Xxxxxx (XxXxxxxx e Xxxxxx, 1983), profusamente estudado desde então, tem procurado avaliar- se em diversos contextos a validade de aplicação da lógica isomórfica à formatação das organizações. Os actores racionais incorrem num comportamento paradoxal, tendendo para criar organizações similares na sua tentativa de as transformar (idem, ibidem). Os resultados centram-se no contexto da totalidade dos actores relevantes, ignorando fronteiras sectoriais ou de relacionamento inter-organizacional próximo. As mudanças estruturais nas organizações assumem-se como menos dirigidas pela competição ou pela necessidade de eficiência (idem, ibidem: 147). Em campos organizacionais muito estruturados, a burocratização e outras formas de homogeneização emergem, num processo largamente afectado pelo Estado ou pelas Profissões, que se assumem como grandes elementos de racionalização (idem, ibidem). O conceito de Isomorfismo Institucional propõe uma leitura dos princípios que originam frequentemente, de forma agregada, a homogeneidade nas estruturas e culturas organizacionais. Segundo XxXxxxxx e Xxxxxx (XxXxxxxx e Xxxxxx, 1983) há três grandes mecanismos de mudança presentes no Isomorfismo Institucional:
Isomorfismo Coercivo: resulta da influência política e da necessidade de legitimação social; ocorre como consequência de pressões formais e impostas por parcerias de enquadramento institucional fortes ou por pressões indirectas ou subtis da sociedade;
Isomorfismo Mimético: constitui uma resposta à incerteza; quanto mais incerto é o ambiente mais provável é que uma organização copie estruturas e práticas de instituições similares reconhecidas como tendo sucesso;
Isomorfismo Normativo: deriva dos processos que formatam as expectativas culturais concernentes a alguns comportamentos profissionais, quer por tradição, por desenvolvimento académico ou por um elevado nível de corporativismo.
Na sua formulação teórica avançam também uma dúzia de preditores organizacionais e de campo (sectoriais), sugerindo uma análise não exaustiva mas fundamental para a antecipação da possibilidade de ocorrência de mudança isomórfica (DiMaggio e Xxxxxx, 1991):
Preditores Organizacionais | Tipo de Isomorfismo | Preditores de Campo |
A necessidade de similaridade com outras organizações em termos estruturais, clima e comportamentos cresce na medida da dependência face a essas mesmas organizações | Isomorfismo Coercivo | Quando um campo organizacional é dependente de um único (ou mesmo de vários similares) suportes o nível de isomorfismo tenderá a subir |
A centralização do fornecimento de recursos a uma organização tenderá a forçar mudanças isomórficas tornando-a similar às organizações das quais depende | Quando o nível de transacções entre organizações e agências estatais é alto o nível de isomorfismo é também mais elevado | |
Quanto mais a incerteza maior é a hipótese de uma organização se modelar de acordo com outras organizações consideradas de sucesso | Isomorfismo Mimético | Quando o número de alternativas para a modelagem organizacional é baixo num campo haverá um maior nível de isomorfismo |
Quanto maior a ambiguidade nos objectivos organizacionais, maior a hipótese de a organização se modelar de acordo com organizações reconhecidas como de sucesso | Quando as incertezas acerca de uma tecnologia ou objectivos num campo são elevados haverá maior mudança isomórfica | |
Quando o nível de confiança nas credenciais académicas determina a selecção de pessoas é mais plausível que uma organização se torne similar a outras no mesmo campo | Isomorfismo Normativo | Quando a profissionalização de um campo é alta tende a provocar um maior isomorfismo institucional |
Quanto maior a participação dos gestores no movimento associativo, maior é a probabilidade da organização se tornar semelhante a outras | Quanto o nível de estruturação de um campo organizacional é alto catalisa o isomorfismo |
Tabela 11. Preditores organizacionais e de campo (construída a partir de DiMaggio e Xxxxxx, 0000 e 1991)
Independentemente do tipo de pressão externa, as taxas de mudança numa organização são variáveis. As pressões coercivas são construídas em torno de relações de troca: isto significa que quanto mais forte e intimamente ligadas estão as organizações, mais forte é a posição de dependência que pode levar a mudanças isomórficas. Segundo XxXxxxxx e Xxxxxx o isomorfismo coercivo deriva essencialmente de influências políticas e da procura de legitimação (XxXxxxxx e Powell, 1983). A legitimidade organizacional pode ser vista como um estatuto conferido pelos actores sociais (Xxxxxxx e Xxxxxxxx, 1978; Xxxxxxxx e Xxxxx, 1990). Na perspectiva de um determinado actor social uma organização legítima é aquela em que os valores e acções são congruentes com os valores e expectativas de acção do próprio actor social (Deephouse, 1996, p. 1025). Esta necessidade de legitimidade pode ser sentida nas organizações e nos grupos (Xxxxxxxxx e Brown, 2002). As pressões miméticas aumentam quando a incerteza
entre meios e resultados é maior, e ainda quando há um elevado grau de ambiguidade de objectivos: uma organização modelar-se-á tendo por base outras organizações que considere exemplares. A pressão normativa crescerá na razão directa da confiança na formação académica, bem como no desenvolvimento de papéis activos pelos gestores nas associações profissionais. O estabelecimento de uma base cognitiva e de legitimação para as profissões fornece o espaço para o isomorfismo. Apesar de as diferentes profissões dentro de uma organização se diferenciarem entre si, possuem muitas semelhanças com profissões semelhantes noutras organizações (DiMaggio e Powell, 1983).
O melhor indicador de mudança isomórfica é a diminuição de modelos alternativos de organização, com diferenças diminutas entre si. Os factores de catalisação do Isomorfismo Institucional são elencáveis em 4 pontos fundamentais (idem, ibidem):
1. Tem crescido o volume de interacções organizacionais;
2. Assiste-se à emergência de padrões bem definidos de estruturas inter-organizacionais de dominação, bem como de padrões de coligação;
3. Verifica-se um aumento da carga de informação com que as organizações se debatem;
4. Desenvolve-se uma consciência mútua entre os actores organizacionais de que estão num palco comum.
A pressão para a normalização e homogeneização nos contextos organizacionais não é, contudo, uma descoberta dos autores do conceito de Isomorfismo Institucional, tendo sido reconhecida pelo menos desde a primeira metade do século XX (Weber, 1994). A noção de Gaiola de Ferro Weberiana (Iron Cage) como metáfora organizacional, sugerindo um manto de organização burocrática, é secundada por Habermas que sublinha que no interior das organizações a acção comunicativa, o único meio através do qual as orientações colectivas, a integração social e a identidade individual se podem reproduzir, é neutralizada (citado por Xxxxxxxx, 2002: 83)7. A gaiola de ferro torna-se,
7 Na clarificação do conceito de Gaiola de Ferro surge oportuna a citação de (Xxxxxxxx, 2002) [Since Xxx Xxxxx—or more precisely—since Xxxxxxx Xxxxxxx‘ translation of Xxx Xxxxx‘s (1930 [1904/05]) The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism—at least, the metaphor of the ―iron cage‖ is well known to organizational theorists and has structured thinking. Organizations have been understood as ―systems of continuous purposive actions‖ which are hierarchically structured, marked off by clear boundaries, rules defining the boundaries of the allowed and the forbidden, etc. The ―bureaucratic organization with
ao mesmo tempo, protectora do interior da organização, e por extensão, dos seus membros, mas é simultaneamente uma prisão (idem, ibidem). Contudo, mesmo numa gaiola de ferro em que os limites estão perfeitamente definidos, existe uma permeabilização de fronteiras, quanto mais não seja no espaço que medeia as barras metálicas: na realidade, os limites de uma organização não são uma linha estática, mas um espaço dinâmico em constante interacção, sendo as organizações mais um devir do que um ser (idem, ibidem: 84-87).
A tipologia isomórfica (coercivo, mimético e normativo) encontra um paralelismo no trabalho de Xxxxx, nomeadamente nos pilares fundadores das organizações: o regulador, o normativo ou cognitivo, usando diferentes bases de legitimação e conformidade (Xxxxx, 1995; Xxxxx, 2001):
its specialization of trained skilled labor, its demarcation of responsibility, regimentation and hierarchically organized relations of obedience.‖ (Xxxxx 1918, p. 332) ensures efficient production and the predictability of outcomes in the face of competitive market pressures. However, increasingly the dark side of this mode of organizing has been stressed. Bureaucratic organization came to be seen as a machine responsible for ―eroding the human spirit and capacity for spontaneous action‖ (Xxxxxx 1986, p. 25). Xxx Xxxxx originally spoke of a ―cloak‖ (Mantel) that subsequently turns into a ―steelhard housing‖
―Aber aus dem Mantel ließ das Verhangnis ein stahlhartes Geha¨use werden‖— In the English translation, however, the ―stahlharte Gehause‖ (―steel-hard housing‖) turns into an ―iron cage‖: ―. . .fate decreed that the cloak should become an iron cage‖ (Xxxxx 1930 [1904/05]: 181 quoted in Xxxxx 1997, p. 561). This is interesting to note, since the cloak is a means of protecting an inside form the dangers of a hostile outside—from the winds, the rain, etc. still, the ―housing‖ is a means of protecting: it protects for
example, the machine, which works within the housing and it also protects the operator from the machine; in contrast, the cage rather evokes the image of a prison and it also evokes the image of a heroic individual trapped within the narrow boundaries and struggling for freedom. It is further interesting to note, that the cloak has some elasticity and continuously folds according to the movements performed by the body—it is flexible rather than rigid and stiff. It enables a living organism to survive in turbulent times and can also be put off or put aside, when necessary. It is most comfortable when, like the ―light cloak‖ of the saint, to which Xxx Xxxxx refers ―it can be thrown aside at any moment.‖ (ibid.) Instead of a ―light cloak‖ in contemporary discourse (bureaucratic) organization has turned into a heavy burden. It appears as a means for ―molding human beings to fit the requirements of mechanical organization rather than building the organization around their strengths and potentialities.‖ (Xxxxxx 1986, p. 38).])
Regulador | Normativo | Cultural-Cognitivo | |
Base da Conformidade | Expediência (como tem que ser) | Obrigação Social (como devia ser) | Garantido (como é) |
Mecanismos | Coercivo | Normativo | Mimético |
Culturas | Regras, leis, sanções | Valores, expectativas | Categorias, tipificações, identidades |
Bases de Legitimação | Legalmente sancionada | Moralmente governada | Conceptualmente suportada |
Tabela 12. Os três pilares das instituições: adaptado de Xxxxx (1995: 35; 2001: 52)
Como se pode observar na tabela anterior, os mecanismos associados a cada um dos pilares fundadores das organizações são precisamente os tipos de Isomorfismo Institucional. O pilar regulador encontra-se ligado ao mecanismo coercivo, o pilar normativo ao mecanismo normativo e o pilar cognitivo está associado ao mecanismo mimético.
A operacionalização do conceito de isomorfismo e a exploração dos seus efeitos em diversas dimensões da Gestão está plasmada em múltiplos artigos publicados. Numa revisão de 39 artigos de aplicação do conceito de isomorfismo publicados em revistas internacionais de gestão, apenas três referem a não existência comprovada da sua influência (Fontes da Costa, 2008). Na verdade, o conceito de Isomorfismo Institucional está vivo na literatura, sendo a base teórica de inúmeros trabalhos de revisão teórica ou empíricos em variados contextos nacionais e sectoriais, sendo que a teoria neoinstitucional apresenta uma perspectiva fenomenológica acima dos modelos deterministas baseados na racionalidade do comportamento do actor social e a congruente adaptação das estruturas às contingências do ambiente externo (idem, ibidem).
A mudança normativa encontra-se profundamente ligada à profissionalização. Esta é entendível como um esforço colectivo dos membros de uma profissão na definição de condições e métodos de trabalho e no estabelecimento de uma base cognitiva legitimada para a sua autonomia ocupacional (DiMaggio e Powell, 1983). As profissões sofrem as mesmas pressões que as organizações, relevando-se ainda que os diferentes profissionais dentro de uma organização pretendem a diferenciação ainda que existam similaridades e acrescendo-se o facto de o Estado ter a capacidade de desempenhar um papel fundamental na determinação do poder profissional.
As carreiras ajudam à compreensão de como a mudança e estabilidade ocorre numa organização. As instituições são caracterizadas pela relativa perenidade, e incluem-se aqui os conjuntos de comportamentos ou normas formais de indivíduos em funções complementares (Jones e Dunn, 2007). As instituições são reproduzidas pelas carreiras, e as instituições podem também ser mudadas com as carreiras, quando os indivíduos alteram papéis ocupacionais e linhas de carreira na organização (idem, ibidem). As instituições identificam a forma de construção social do conhecimento e a sua concretização nos locais pelos indivíduos (Xxxxx e Dunn, 2007). As instituições e os indivíduos são interdependentes, como refere Xxxxx (2001). A teoria neoinstitucional na sociologia tem inputs das teorias cognitiva e cultural (Xxxxx, 2001). Os psicólogos cognitivos têm vacilado entre o encarar o indivíduo como um ser competente e racional e uma visão da limitação da racionalidade e dos seus enviesamentos (Xxxxx, 2001: 38). Actualmente, também os sociólogos afirmam a não-passividade do indivíduo face aos factores contextuais, sistemas sociais e papéis, muito por crédito da Teoria da Identidade (idem, ibidem).
As carreiras e instituições estão intimamente ligadas e reforçam-se mutuamente (Xxxxx e Xxxx, 2007). Um aspirante a farmacêutico8 tem que aceder à formação superior específica para a área, onde é treinado pelos professores, processado pelos administrativos e socializado nos comportamentos. Após a formação curricular superior entra num estágio obrigatório, em que é integrado numa equipa com outros profissionais da mesma e de outras áreas de especialização. Findo esse período deverá apresentar relatório e só então estará apto a inscrever-se na Ordem dos Farmacêuticos. Xxxxx e Xxxx preconizam a junção de duas perspectivas diversas, as carreiras entendidas como Propriedade, percebendo os papéis prevalecentes e as suas relações e entendimentos, e as carreiras como Processo, entendendo-se que a sequência de uma carreira pode reforçar ou alterar papéis prevalecentes, relacionamentos e entendimentos (Xxxxx e Xxxx, 2007), aumentando a percepção da mudança ou estabilidade institucional. Os sistemas de carreira podem replicar e reforçar práticas sociais existentes limitando ou proporcionando o acesso a posições de influência na organização (Xxxxx e Xxxx, 2007).
8 Xxxxx x Xxxx (2007) referem um estudante de arquitectura. Entendemos parafrasear o exemplo enquadrando os profissionais de farmácia, uma vez que é este o grupo estudado neste trabalho.
A estabilidade institucional resulta do controlo dos sistemas de carreiras, que reproduzem indivíduos semelhantes em papéis estabelecidos dentro das profissões e organizações; paradoxalmente a mudança institucional também se apoia nos sistemas de carreiras quando os líderes com compreensões, formações e relações diversas são seleccionados e trazem esses novos recursos para a organização e para os seus papéis profissionais (Xxxxx e Xxxx, 2007). As carreiras como propriedades capturam o conhecimento social de como as coisas funcionam ou deveriam funcionar, ligada aos papéis e relações de papéis, tal como lógicas institucionais, divisões de trabalho, compreendendo as identidades, mecanismos de governação e guiando comportamentos num contexto institucional particular (Xxxxx e Xxxx, 2007). As carreiras têm a particularidade de encenar os papéis e relações de papel nas organizações e ocupações (Xxxxx e Xxxx, 2007).
Os processos institucionais codificam ou dissociam o conhecimento social de papéis e relacionamento de papéis através de processos de habitualização, objectificação, sedimentação e desinstitucionalização (Xxxxx e Xxxx, 2007). A objectificação ocorre quando o conhecimento social se transforma em factos sociais por ser colectivamente partilhado, facilitando a sua perenidade através de gerações (Xxxxx e Xxxx, 2007, citando Zucker, 1977). A sedimentação proporciona que papéis e relações entre papéis sejam tomados como garantidos; contudo, sequências de eventos podem despoletar desinstitucionalização, proporcionando novas visões para as mesmas questões.
Instituições | ||
Propriedade | Processo | |
Propriedade | A Compreensão social e as relações são assimiladas pelos indivíduos | Eventos institucionais alteram a compreensão dos papéis, relações entre papéis e quem pode desempenhar esses papéis |
Carreiras | ||
Processo | Estandardização das sequências pelas quais os indivíduos experienciam os papéis criando reprodução dos mesmos papéis | Novos papéis são criados e novas sequências de papéis laborais evoluem com a criação de novos campos e instituições |
Tabela 13. Sumário de propriedades e processos de instituições e carreiras (adaptado de Xxxxx e Xxxx, 2007)
A criação institucional ocorre quando os empreendedores criam novas áreas, lançando novas carreiras e novas actividades como sementes de criação de um novo campo de actuação; a reprodução institucional ocorre quando os actores seleccionam e socializam os recém-chegados nos papéis estabelecidos e promovem aqueles que aderem a comportamentos esperados, assegurando a estabilidade dos papéis organizacionais,
ocupacionais e profissionais através das gerações; a transformação institucional ocorre quando um conjunto de objectivos, valores e princípios é suplantado por outro dentro de um sector ou campo organizacional (Xxxxx e Dunn, 2007).
Criação | Reprodução | Transformação | |
Carreiras propriedade das instituições (fluxo dos indivíduos através da ordem social) | Os indivíduos experienciam papéis e sequências de papéis evolutivos e ambíguos | Os indivíduos experienciam papéis chave e sequências de papéis que definem claramente uma carreira | Os indivíduos têm a oportunidade de combinar papéis e/ou sequências de papéis que iniciam ou reflectem a mudança na ordem social |
Propriedades institucionais das carreiras (desenho, reprodução e mudança da ordem social através de actores poderosos através de eventos chave) | Eventos institucionais criam novos papéis e relações entre papéis | Eventos institucionais promulgam novas relações e sequências | Eventos institucionais combinam papéis existentes e sequências de papéis |
Processos de carreira (como as carreiras individuais influenciam as instituições) | Os empreendedores migram entre campos ou sectores de actividade, importando estruturas de carreira e organizando modelos | Os operadores seleccionam, socializam e promovem os recém-chegados nos papéis e sequências de papéis existentes, reproduzindo a estrutura | As fronteiras expostas a práticas e modelos alternativos tornam-se híbridos pela combinação de papéis existentes e alterando sequências de papéis |
Processos institucionais (como as instituições modelam as carreiras individuais) | A habitualização de papéis em novos sectores ou ocupações | Objectificação e sedimentação de papéis estabelecidos, sequências de papéis e relações de papel | Desinstitucionalização de papéis sequências de papéis existentes e reinstitucionalização de novos papéis e sequências de papéis |
Tabela 14. Carreiras e instituições: criação, reprodução e transformação (adaptado de Xxxxx e Xxxx, 2007)
Mesmo o modelo de carreiras sem fronteiras peca pela excessiva ênfase no indivíduo com traços proactivos e centrado nas redes sociais criadas pela sua acção, sendo de considerar, para além disso, recursos institucionais como o aconselhamento de carreiras, apoio sócio-emocional, performance e competências empreendedoras, transferibilidade de competências e certificação, assistência no mercado de trabalho, recursos financeiros e materiais e voz colectiva; estes recursos são proporcionados por empregadores, associações, sindicatos, agências de emprego e recrutamento, internet e várias formas de presença governamental (Zeitz, Blau et al., 2009).
2.2.10. A Importância da Socialização
As práticas de socialização de novos membros numa estrutura organizativa são determinantes numa altura em que o indivíduo procura o sentido numa realidade nova e provavelmente ambígua (Xxxxxx, Agrawal et al., 1997). A estabilidade institucional
acontece quando as carreiras socializam indivíduos estandardizando uma sequência particular de papéis e experiências de gerações, reproduzindo o conhecimento social ligado à legitimação dos comportamentos (Xxxxx e Xxxx, 2007). A mesma tipologia de isomorfismo inter-organizacional atrás identificada (DiMaggio e Powell, 1983) é aplicável aos processos de socialização interna nas organizações: o isomorfismo coercivo, resultante de pressões formais ou informais exercidas sobre os indivíduos por outros de quem dependem e/ou por expectativas culturais; o isomorfismo mimético, muitas vezes ligado à redução de incertezas através de comportamentos imitativos, nomeadamente em situações ambíguas; e o isomorfismo normativo decorrente essencialmente da profissionalização enquanto luta colectiva dos membros de uma profissão para definir as condições e metodologias de actuação e estabelecer a legitimidade das práticas (Siegel, Agrawal et al., 1997). O isomorfismo intra- organizacional tem uma correlação positiva com o comprometimento do indivíduo com uma organização específica (idem, ibidem). O isomorfismo normativo inicia-se desde logo nas universidades, na formatação de uma identidade profissional, sendo a selecção de pessoas nas organizações um importante mecanismo para a sua implementação; se o desenvolvimento do comprometimento com uma profissão preceder o comprometimento com uma organização, a capacidade de uma organização para satisfazer as aspirações profissionais pode ficar comprometida (idem, ibidem: 62).
A socialização antecipatória engloba a criação de expectativas e crenças acerca de possíveis empregos e funções, ocorrendo logo desde a procura e aceitação de um indivíduo numa organização, sendo que este nunca se apresenta completamente em branco, transportando uma ―bagagem cultural‖ (Xxxxxx e Steers, 1975). A socialização antecipatória ajuda à formação de expectativas do indivíduo em relação aos seus contributos para a organização e na resposta da organização a esses contributos (Xxxxxxxx, 1990), integrando uma antecipação da relação de troca e informando o contrato psicológico. Esta forma de socialização advém de várias fontes, como família, pares, escola ou meios de comunicação, sendo que o seu papel é diferenciado, umas vezes criando informação genérica acerca das organizações e outras vezes providenciando informação específica sobre papéis funcionais nas organizações (Xxxxxx, Xxxxxxxx et al., 2001). Esta definição articula-se conceptualmente com a formação do contrato social.
3. MODELO DE ANÁLISE: A CARREIRA E A IDENTIDADE PROFISSIONAL DOS FARMACÊUTICOS
3.1. O Foco e a Unidade de Análise
Para a presente investigação é considerado o nível micro de análise, o nível individual, as suas percepções e atitudes, mas entendido no contexto social de integração (organização e estrutura social). O jogo das identidades e identificações é a unidade concreta em estudo, tomando como fio condutor a narrativa de carreira. É na verbalização de atitudes e comportamentos auto-relatados que nos detemos. Não se busca a prova do determinismo atitudinal; antes sim o mapeamento das atitudes nas suas diversas componentes, não validando, porquanto não é esse o objectivo, a sua possível capacidade explicativa sobre comportamentos. As conclusões serão avaliadas no pressuposto pré-comportamental declarado.
O referencial teórico neoinstitucional adoptado neste trabalho inclui o conceito de isomorfismo mimético, de base cognitiva, ligado à construção das identidades (Xxxxx, 1995). Neste pressuposto e adaptando o modelo de isomorfismo de Xxxxxxxx e Xxxxxx (XxXxxxxx e Xxxxxx, 1983) à identificação do indivíduo nas organizações, poderemos construir o seguinte quadro:
Tipologia Isomórfica | Resultados Identitários Possíveis |
Coerciva | Identificação; Identificação Instrumental; Desidentificação; Não-identificação |
Normativa | Identificação; Identificação Instrumental; Desidentificação; Não-identificação |
Mimética | Identidade Instrumental; identificação |
Tabela 15. Tipologias isomórficas e resultados identitários (construção própria)
Admitimos que os isomorfismos coercivo e normativo podem assumir qualquer um dos resultados identitários possíveis, dependendo fortemente das estratégias dos actores organizacionais. Contudo, o isomorfismo mimético, pelas suas características cognitivas específicas, assumindo-se que o indivíduo procura activamente identidades-alvo ou que subconscientemente as perfilha, não são admissíveis desidentificações ou não- identificações; a identificação explicar-se-á por si mesma se estivermos na presença de uma busca activa de uma identidade-alvo de formação externa, ao passo que a identidade instrumental se liga à busca de legitimação da organização que pode suplantar o enquadramento identitário mais purista. Podemos estabelecer, nesta linha de
raciocínio, um paralelo teórico com o modelo tripartido da Identificação Social Intragrupo avançada por Xxxxxx et al. (Xxxxxx, Xxxxxx et al., 1989): i) componente cognitiva, ii) afectiva e iii) correspondência entre objectivos grupais e individuais. A identidade baseada em fontes extra ou supra-organizacionais (como a identidade profissional) que induz o isomorfismo mimético terá uma componente cognitiva de domínio consciente, a par de uma componente afectiva de valoração positiva, resultando em identificação. Caso contrário, e se apenas se valorizar o resultado legitimante ou assegurador de uma cópia de modelos organizacionais (com papéis e relações de papel) devidamente experimentados, estaremos no domínio do isomorfismo mimético mas de base identitária instrumental, podendo assumir-se como mais consciente ou mais subconsciente. A noção intragrupo pode ser discutida nos termos da identificação: quando um gestor programa a sua visão e acções no sentido da aproximação a uma identidade-alvo estará em sentido lato a proceder a uma identificação por apropriação morfológica, operando ainda que de forma cumulativa e lenta uma metamorfose para a identidade-alvo; a mudança organizacional torna-se desta forma um desígnio de gestão. A componente cognitiva fornece as bases para a identidade social e a categorização social, influenciando a identificação grupal (Xxxxx, Xxxxx et al., 1999).
As implicações identitárias para a formação do contrato psicológico, nomeadamente a relevância da identidade para a análise da relação de emprego não se encontram suficientemente estudadas, sendo de notar a sua não incorporação, por exemplo, no modelo de Xxxxx Xxxxx (2004).
Figura 10. Contrato psicológico e relação de emprego (adaptado de Guest, 2004: 83-87)
3.2. Entrevista Pessoal, Narrativas e Identidades
A utilização de entrevistas assenta na consciência de que esta metodologia de recolha de dados permitirá uma compreensão mais profunda e rigorosa dos indivíduos inquiridos. A crítica do paradigma mais construtivista ou construcionista do que positivista, é fácil e não isenta de rigor o investigador. Os vários possíveis significados e interpretações
dos relatos obtidos obrigam a um exercício iterativo de verificação e controlo que oneram as horas de análise na tentativa de favorecer a qualidade do tratamento da informação. As entrevistas surgem num contexto de tensões entre diferentes lógicas (Xxxxxxxx, 2003); o contexto de interacção social, as motivações e os estilos de comunicação e a natureza da linguagem são aspectos fundamentais. Na tentativa de eliminar algumas tensões e enviesamentos prévios, os respondentes foram convidados a partilhar o seu percurso profissional, num formato de história de vida, sendo a entrevista direccionada para as temáticas da identidade, carreiras e da relação de emprego de forma progressiva e natural.
A carreira poderá ser planeada previamente ou construída a posteriori para sustentar uma identidade e história de vida coerente (Xxxxx e Xxxxxx, 1992; Xxxxx e Collin, 2004). Segundo Xxxxxx um problema das carreiras, comum à maioria dos fenómenos sociais, é que mesmo quando os indivíduos concordam no que efectivamente aconteceu, raramente concordam nas suas causas (Inkson, 2007: 224). Implicitamente comparamos a nossa história de carreira com outras grandes narrativas sociais (histórias paradigmáticas, arquétipos de carreira), sendo a história pessoal o elemento chave e a história societal o contexto chave (Xxxxxx, 2007). As histórias de carreira são criadas retrospectivamente como forma de determinar e explicar os eventos do nosso dia-a-dia (Xxxxxx, 2007: 231). Algumas concepções de carreira, nomeadamente a perspectiva da adequação entre indivíduo e a sua profissão assentam em pressupostos conceptuais relativamente estáticos, ao passo que uma abordagem narrativa permite o conhecimento de como os indivíduos chegaram até onde estão e como compreendem essa situação (idem, ibidem). Nesta perspectiva as carreiras são muito menos as profissões e posições e mais a formatação da identidade ao longo do tempo pela narrativa construída (idem, ibidem: 232).
A identidade pode ser um mito pessoal que está constantemente a ser alimentado pelas histórias que criamos e contamos acerca de nós próprios (Xxxxxx, 2007: 232). Quanto ao sentido das histórias, e por consequência das decisões dos protagonistas, sabemos que este é retrospectivo, sendo o futuro visto como fragmentário e o passado como um conjunto de padrões (Xxxxxx, 2007: 233). Sendo certo que a narrativa de carreiras é subjectiva, os significados subjectivos das escolhas efectuadas há 10 ou 15 anos poderão já não se encontrar disponíveis para relato. Contudo, é certo que a interpretação
do passado usada para a compreensão do presente ajuda à definição do caminho para o futuro (Xxxxxx, 2007; Xxxxxx, Xxxxx et al., 2009).
Os discursos sobre carreira, nas sociedades ocidentais, tendem a posicioná-la como um projecto individual (carreiras como acção ou agência), sem nunca negar, contudo, o impacto das influências externas, nomeadamente as envolventes (Inkson, 2007: 234). Podemos dizer, tal como Xxxxxx (2007) que todas as entrevistas contêm histórias autênticas, mesmo que algum facto ou palavra não seja verídico, uma vez que não há relatos absolutamente puros de percursos profissionais. Dando o exemplo dos académicos que possuem dois currículos, um de base académica salientando a actividade de investigação e ensino e outro, de índole profissional, com os sucessos de aplicação prática e consultoria, Xxxxxx salienta que ambos são leituras da carreira (Xxxxxx, 2007: 236). As histórias de carreira não são entendíveis como guiões, sequências institucionalmente determinadas de comportamentos associados a um papel, estabelecidas à partida, até porque existem indivíduos cujo plano é contrariar essas padronizações (Xxxxxx, 2007). Contudo, acrescentamos nós que o padrão da identidade profissional, que legitima o indivíduo na sua ocupação, poderá ter um papel menos renunciável. As retóricas de socialização ocupacional representam um conjunto de fronteiras modelares para, em primeiro lugar, os papéis sociais e ocupacionais e, em segundo lugar, os próprios percursos para uma carreira. Collin e Xxxxx (2000) referem que a nova retórica de carreira é sobre flexibilidade, autonomia e auto-determinação, não havendo já standards partilhados. A nossa posição é discordante, afirmando a existência de standards fundamentais na leitura do percurso das profissões, corporizadas no normativo identitário. A utilização do termo carreira para designar o que realmente, e de forma mais neutral, se deveria chamar histórias de trabalho, é para Xxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxx um erro; na verdade a carreira reifica a integridade de um percurso que pode não existir e tende a mostrar a viagem como atributo do viajante e não tanto das condições do terreno (Xxxxxxxxx e West, 1989).
As identidades surgem disponíveis para o indivíduo sobre a forma de auto-narrativas (Xxxxxxx, 1997), que são transformadas na interacção com os outros (Beech, 2008; Xxxxxx, Xxxxx et al., 2009). A gestão do self é um traço importante da subjectividade contemporânea, e as carreiras são uma das suas dimensões relevantes (Grey, 1994). Os indivíduos satisfazem as suas necessidades de auto-estima, auto-conhecimento e
continuidade criando narrativas que são relativamente coerentes, onde as identidades profissionais surgem como espaços para grupos e indivíduos (Xxxxxx, Xxxxx et al., 2009). Há um amplo debate contrapondo a identidade como escolha ou produto de estruturas sociais ou institucionais (idem, ibidem). Discute-se também a estabilidade ou instabilidade das construções identitárias, ainda que poucos estudiosos tenham focalizado as investigações nas incoerências identitárias nas organizações; ainda assim, com algumas possíveis contradições, mantêm-se as narrativas de identidade como relativamente estáveis e pessoais (idem, ibidem).
Dentro da organização os indivíduos e grupos possuem uma considerável liberdade na criação da sua realidade, ainda que frequentemente formatada pelos discursos sociais disponíveis (Xxxxxxxxx e Xxxxx, 2002). Este impacto de lógicas pré-formatadas plenas de significado como convenções sociais, escrutínio comunitário e normas legais faz-se sentir nas narrativas sobre identidade colectiva ou individual (idem, ibidem). A identidade é um processo de narração interactivo que passa por escrever a própria história, vê-la ser escrita pelos outros e inscrevermo-nos nas histórias dos outros (Xxxx, 2005a; Xxxx, 2005b). Por outro lado, é um processo de absorção e personalização de uma narrativa maior, ainda que constrangida pela estrutura de narrativas vivas (Beech, 2008). O significado das narrativas é relativizado pela posição do indivíduo na organização, assumindo-se a importância da perspectiva (Boje, 1995). Na definição de uma identidade social os indivíduos tendem a utilizar as imagens mais relevantes que associam às suas organizações de trabalho (Xxxxxx, Xxxxxxxx et al., 1994; Xxxxxxx e Xxxxxxxxxxxx, 2001; Xxxxxxxxx e Xxxxx, 2002). O resultado deste processo liga a auto- estima à identidade da organização de pertença (incluindo a sua imagem externa construída), levando a resultados diferenciados nos comportamentos caso o indivíduo se identifique ou desidentifique com essa mesma identidade (Xxxxxxxx e Xxxx, 1989; Xxxxxx, Xxxxxx et al., 1989; Xxxxxxxx e Xxxxx, 1990; Xxxxxx, Xxxxxxxx et al., 1994; Xxxxxxxxx e Xxxxx, 2002). A percepção da relação entre a percepção subjectiva (individual) da identidade da organização e a identidade promulgada pela gestão de topo pode causar problemas de identificação (Xxxxxxx e Xxxxxxxxxxxx, 2001; Xxxxxxxxx e Xxxxx, 2002)
.
3.3. A Identidade e Identificação Profissional dos Farmacêuticos
A proposta teórica de investigação aplicada manifesta intenções de definição conceptual e programação da confrontação empírica. O enfoque encontra-se na identidade profissional auto-percepcionada pelos farmacêuticos e no seu papel na construção dos percursos profissionais. A organização de pertença assume-se como categoria social de extrema importância na formação do auto-conceito individual, posicionando-se centralmente no processo de identificação. A identificação organizacional é uma das dimensões identitárias dos indivíduos, salientando-se na formação do seu auto-conceito sobre a identidade pessoal e outras dimensões sociais. Contudo, a multiplicidade possível de identificações parciais, com categorias sociais distintas, obriga à agregação do conceito em identificação organizacional global, sendo destacada pontualmente a identificação com uma função ou papel específicos no conceito de comprometimento instrumental. Por outro lado, o nível supra-organizacional que se pode conferir à identidade profissional está aqui em estudo, ponderando-se, nomeadamente, a sua relevância na análise do contrato psicológico.
A imagem profissional encontra-se associada às representações sociais dos farmacêuticos, postas em acção por conceitos e afirmações e é reproduzida pelas ideologias das práticas quotidianas. A imagem profissional é um eco da identidade profissional, não obstante a sua complexidade. As identidades emergem das interacções, negociações e processos de produção de sentido, mediados pelos contextos organizacionais, interacções com públicos internos e externos (Clegg, Rhodes et al., 2007). Este foco da identidade como conceito derivado da performance caracteriza-a como um processo de criação ao invés de uma segurança ontológica (idem, ibidem). O seu processo desafia a estase e sublinha o carácter imprevisível e emergente da identidade (Xxxxx, Xxxxxxxxxx et al., 2005; Xxxxx, Xxxxxx et al., 2007). O discurso de identidade dos Farmacêuticos é articulado de forma similar, e ainda que surja o sentimento de que por vezes outros não entendem essa identidade de forma adequada, tal não afecta a definição do que é ―ser Farmacêutico‖. Os relatos surgem semelhantes e apoiados em linhas mestras comuns, com maiores similitudes intra-sectoriais ainda que não ignorando o corpo geral da profissão.
O desenvolvimento da identificação com uma profissão ocorre no contexto da participação institucional e nas suas contingências específicas ao longo de uma carreira
(Xxxxxx e Xxxxxx, 1956). Os aspectos subjectivos do percurso profissional proporcionam ao indivíduo experiências com objectos e pessoas que podem provocar a estabilização das auto-percepções identitárias ou a sua transformação em novas identidades (idem, ibidem: 289-290). Entre os mecanismos de participação que afectam a experiência e, por consequência, a identidade encontramos: i) o desenvolvimento do interesse na problemática da profissão e orgulho nas novas competências, ii) a aquisição de uma ideologia profissional, iii) a internalização de motivos e iv) o investimento realizado (nível de esforço na aquisição de competências); a identificação com o trabalho realizado é afectada pelas seguintes condições: i) ligação ao título ocupacional,
ii) comprometimento com as tarefas e iii) comprometimento com as organizações ou posições ocupadas (Xxxxxx e Carper, 1956: 296). As organizações não possuem a capacidade de determinar identidades, sendo que os seus empregados nem sempre são seduzidos pelo local onde trabalham, podendo contestar e ridicularizar as identidades prescritas, criando espaços psicológicos e sociais próprios através da camaradagem e humor, contra-narrativas, ironia e cinismo (Xxxxxx, Xxxxx et al., 2009).
As teorias da identidade organizacional têm-se focalizado na identidade como um constructo temporal, numa lógica perene que identifica a organização, ou mesmo como conceito espacial, centrando-se na forma como as organizações se definem na relação com outras organizações, como no caso do isomorfismo institucional (Clegg, Xxxxxx et al., 2007). Ambas as perspectivas são validáveis e contribuem para a completude do conceito de identidade, e tal como nas palavras de Xxxxxxx, a identidade é simultaneamente o espaço tornando-se temporal e o tempo tornando-se espacial (Xxxxxxx, 1973; citado por Xxxxx, Xxxxxx et al., 2007), e é através do discurso identitário que as semelhanças e diferenças constituem as performances identitárias (Xxxxx, Xxxxxx et al., 2007: 509). A cristalização de múltiplas identidades numa projecção do self organizacional pode ser utilizada para dar sentido ao passado, ao futuro e ao outro (Xxxxx, Xxxxxx et al., 2007). A pluralidade de identidade e a estabilidade da identidade podem ser vistas não como perspectivas alternativas mas sim como condições mutuamente constitutivas do discurso identitário (Xxxxx, Xxxxxx et al., 2007). A identidade organizacional é assim uma performance estratégica, mais do que um absoluto ontológico, uma vez que se legitima com a intenção concreta de desenvolver normas discursivas e estruturas que criam um contexto de actuação (Xxxxx, Xxxxxx et al., 2007).
Xxxxxxxx e Xxxxx desenvolvem o conceito de compreensão identitária, incorporando o reconhecimento da identidade, à semelhança da verificação do self e perspectivando o impacto na performance do indivíduo e comportamentos como o absentismo (Xxxxxxxx e Xxxxx, 2008). Como na verificação do self, o conceito de compreensão identitária incorpora o reconhecimento identitário (Xxxxxxxx e Xxxxx, 2008: 6). Previamente à verificação alheia de uma identidade individual tem que reconhecer-se a importância das variadas identidades para o indivíduo em causa, sendo esta uma compreensão da importância relativa das diferentes identidades, como no caso de um trabalhador estudante, tornando a compreensão identitária possível sem a verificação sucessiva das identidades, que pode ter um resultado contraproducente (idem, ibidem: 7). Um indivíduo pode identificar-se com múltiplas identidades simultaneamente, conformando o modo de relacionamento com os outros (Xxxxxxxx e Xxxxx, 2008). O conceito de compreensão identitária acolhe o conceito de saliência identitária, pelo reconhecimento de níveis relativos de identificação com determinada característica (Xxxxxxxx e Xxxxx, 2008). Reconhecer as identidades com as quais a pessoa não se identifica é um aspecto central na compreensão das identidades com as quais a pessoa se identifica (Xxxxxxxx e Xxxxx, 2008). Um indivíduo não se identifica necessariamente com todos os grupos a que pertence ou todos os papéis que desempenha. A saliência de uma identidade depende em grande parte do contexto activo. A compreensão identitária surge da literatura da identidade social e da auto-verificação, incorporando simultaneamente os conceitos de reconhecimento identitário, múltiplas identidades e saliência identitária (Xxxxxxxx e Xxxxx, 2008).
Constructo | Nível | Incorpora características múltiplas? | Focalizado no que as pessoas são e não são? | Definição | Foco empírico |
Compreensão Identitária | Indivíduo e grupo | Sim | Sim | O grau em que a importância relativa de uma identidade é reconhecida por outros relevantes | Reconhecimento da importância da identidade (e.g. importância da identificação com a equipa, raça, género) |
Verificação do Self | Diádica | Sim | Não | Nível de congruência com que se apresentam a terceiros ao | Verificação comportamental da personalidade e atitudes (e.g. auto- |
Congruência Interpessoal | longo do tempo | estima, felicidade) | |||
Grupo | Sim | Não | Grau de similaridade entre a visão pessoal e as avaliações de outros | Verificação das competências e aptidões (e.g. criatividade, confiança) |
Tabela 16. Constructos de reconhecimento identitário relacionados (a partir de Xxxxxxxx e Xxxxx, 2008: 8)
A compreensão identitária tem um impacto nos resultados individuais, estando positivamente e significativamente relacionada com a criatividade e satisfação e negativamente com o absentismo (Xxxxxxxx e Xxxxx, 2008). O reconhecimento, sem verificação, pode ser importante para os resultados individuais, sendo que os indivíduos procuram situações onde a sua identidade possa ser verificada por outros ou, em alternativa, negoceiam as suas identidades para se sentiram confortáveis com o seu ambiente (Xxxxx, Xxxxxx et al., 2000; Xxxxxxxx e Xxxxx, 2008). Segundo Xxxxxxxx e Xxxxx pode ser suficiente para os indivíduos ter a importância das suas identidades reconhecidas ainda que sem a verificação comportamental em todos os ambientes; isto pode ser especialmente verdade em contextos laborais em que os indivíduos não escolhem com quem interagem no seu dia-a-dia (Xxxxxxxx e Xxxxx, 2008). O reconhecimento das identidades, ainda que não verificadas, pode providenciar um ambiente criativo, satisfatório e reduzir o absentismo. A compreensão identitária baseada nas identidades demográficas de base pessoal é significativamente relacionada com a performance, o que poderá acontecer devido a uma melhor coordenação de comportamentos baseados no reconhecimento das características do indivíduo; por exemplo, os indivíduos identificados com o papel de pais não deverão trabalhar depois do horário normal, enquanto indivíduos que não se identificam com esse papel poderão ter mais flexibilidade no horário (Xxxxxxxx e Xxxxx, 2008).
A construção da identidade tem classicamente sido estudada sob duas perspectivas, a Bakhtiana (focalizada nas expressões individuais na interacção com outros) e a Wittgensteiniana (com relevo para a importância contextual). Adoptaremos a perspectiva recentemente defendida por Xxxxx (2008), segundo o qual a focalização conjunta entre as duas perspectivas é mais profícua uma vez que considera as internalidades e externalidades na construção identitária. ―Dialogue is fundamental to meaning construction for Bakhtin (1981). He conceives the basic units of language,
‗utterances‘ (or instances of language in use bounded by a change in speaker), as being
always in a relationship with other utterances. For example, an utterance may invite or shape a response, or it may itself be a response to a previous utterance. For Xxxxxxx utterances in their relational construction cannot be separated from the speaker, although he argues that the relationship between the self and utterance is normally insufficiently taken into account (1986: 122). The utterances of others can become assimilated into the self and become part of one‘s self-meaning. (…) For Xxxxxxxxxxxx (1958), meaning is derived from the way a word is used in the context of a particular language game. So, for example, the use and meaning of the word ‗time‘ alters between the language game of metaphysics and the language game of sport in which a race is to be timed. Hence, there is a sense of dialogue between textual use and contextual language game. When we create and use meaning there is ‗something coupled … which would otherwise run idle‘ (1958: 139) and these coupling dialogues become personal
‗as if they, so to speak, connected with something in us‘ (1958: 139).‖ (Beech, 2008: 53-54).
Presume-se que os processos da gestão de pessoas associados ao recrutamento, selecção, manutenção, desenvolvimento e retenção de colaboradores promovem uma identidade consciente ou inconscientemente sustentada pelos decisores organizacionais, por vezes contraditória entre si, por vezes complementar à identidade de referência, seja por via de um referencial externo ou interno. A relação estabelecida entre o indivíduo e a empresa vertida na formação do contrato psicológico e nos processos de identidade e identificação é o enfoque desta investigação. Favorece-se a distinção entre a identidade social da organização e outras identidades sociais no sentido de discriminar a identificação. Os processos de socialização afectam a identificação que por sua vez afecta a internalização dos valores e crenças da organização por parte dos indivíduos. Contudo prevê-se também um efeito directo da socialização sobre a internalização, podendo-se internalizar a cultura de uma organização sem que se processe a identificação com ela. Ainda assim, haverá uma tendência para os indivíduos adoptarem normas, maneirismos, atitudes e rituais sociais como forma de inclusão e possibilitando o espaço para o desempenho de papéis sociais desejados (Xxxxxx, Xxxxx et al., 2009).
Espera-se que os membros de uma profissão desenvolvam uma identidade profissional, sendo esta uma das noções comummente aceite pelos académicos e que faz a separação entre uma profissão e outras ocupações (Costello, 2005: 17). Xxxxxxxx afirma que os