FINANCIAMENTO SOCIETÁRIO POR MEIO DE CONTRATO DE MÚTUO CONVERSÍVEL EM QUOTAS SOCIAIS
FINANCIAMENTO SOCIETÁRIO POR MEIO DE CONTRATO DE MÚTUO CONVERSÍVEL EM QUOTAS SOCIAIS
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx
FINANCIAMENTO SOCIETÁRIO POR MEIO DE CONTRATO DE MÚTUO CONVERSÍVEL EM QUOTAS SOCIAIS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado, como parte dos requisitos, para a obtenção do título Pós-Graduação lato sensu LLM em Direito Societário pelo Insper.
Orientadora: Xxx Xxxxxxxx Xxx Xxxxxxx Kleindienst Buzatto.
São Paulo 2018
XXXX, Xxxxxx Xxxxxxx.
Financiamento Societário por meio de Contrato de Mútuo Conversível em Quotas Sociais. Sociais / Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx. São Paulo, 2018.
LLM em Direito Societário – Insper, 2018.
Orientadora: Xxx Xxxxxxxx Xxx Xxxxxxx Kleindienst Buzatto.
1. Financiamento Societário. 2. Investimento de Terceiros. 3. Contrato de Mútuo Conversível I. Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx. II. Financiamento Societário por meio de Contrato de Mútuo Conversível em Quotas Sociais.
FINANCIAMENTO SOCIETÁRIO POR MEIO DE CONTRATO DE MÚTUO CONVERSÍVEL EM QUOTAS SOCIAIS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado, como parte dos requisitos, para a obtenção do título Pós-Graduação lato sensu LLM em Direito Societário pelo Insper.
Data de Aprovação: / /
Xxx Xxxxxxxx Xxx Xxxxxxx Kleindienst Buzatto
Mestre em Direito Comercial INSPER
O presente artigo visa analisar o contrato de mútuo conversível em quotas sociais com o objetivo de apresentá-lo como uma alternativa de investimento de terceiros em uma sociedade limitada. Por meio do uso desse instrumento jurídico busca-se restringir o risco do investidor-mutuante ao valor por ele efetivamente emprestado e mitigar o risco de sua responsabilização pessoal ou patrimonial. Ao mesmo tempo, no caso de sucesso do negócio da sociedade limitada, garantir ao investidor- mutuante o direito de conversão de seu empréstimo em participação societária dessa sociedade, de modo que venha participar dos resultados dessa sociedade. Para tanto, utiliza-se da análise legal, teórica e doutrinária (i) dos deveres e dos direitos dos quotistas, (ii) das possíveis origens dos recursos empregados no financiamento societário, (iii) do contrato de mútuo no direito brasileiro, (iv) da origem do contrato de mútuo conversível em quotas sociais no direito norte- americano e de sua compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro, bem como seus elementos e características. O artigo também confronta a internalização de alguns aspectos relativos ao contrato de mútuo conversível norte-americano com as normas jurídicas brasileiras. Verifica-se, ao longo do trabalho, que o contrato de mútuo conversível em quotas sociais é uma alternativa de investimento de terceiros em uma sociedade limitada, com a limitação do risco do investimento ao valor do empréstimo e a possibilidade da conversão desse empréstimo em participação societária, compatível com o ordenamento jurídico pátrio. Destaca-se que esse instrumento jurídico deve ser internalizado à luz do Direito brasileiro, razão pela qual, algumas possibilidades decorrentes desse tipo de contrato previstas na legislação estrangeira não seriam aplicáveis no Brasil ou teriam de ser adaptas.
Palavras-chave: Financiamento Societário. Investimento de Terceiros. Contrato de Mútuo Conversível em Quotas Sociais.
This article aims to analyze the loan agreement convertible into social quotas with the objective of presenting it as an alternative investment of third parties in a limited liability company. The use of this legal instrument seeks to restrict the risk of the investor-lender to the value effectively lent by him and mitigate the risk of his personal or property liability. At the same time, in the case of the limited liability company’s business success, guarantee to the investor-lender the right to convert his loan into equity interest in that company, so that he will be able to participate in its results. For this purpose, it uses legal, theoretical and doctrinal analysis (i) of the quotaholders’ duties and rights, (ii) of the possible origins of the resources used in corporate financing, (iii) of the loan agreement in Brazilian Law, (iv) of the origin of the loan agreement convertible into social quotas in American Law and its compatibility with the Brazilian legal system, as well as its elements and characteristics. The article also confronts the internalization of some aspects related to the American loan agreement convertible with Brazilian legal norms. Throughout the work, it is verified that the loan agreement convertible into social quotas is an alternative investment of third parties in a limited liability company, with the limitation of the investment risk to the value of the loan and the possibility of converting that loan into equity interest, compatible with the national legal system. It should be noted that this legal instrument must be internalized in accordance with the Brazilian Law, which is why some of the possibilities arising from this type of contract under foreign Law would not be applicable in Brazil or would have to be adapted.
Keyword: Corporate Financing. Third Party Investment. Loan Agreement Convertible into Social Quotas.
SUMÁRIO
1 Introdução 6
2 Direitos e Obrigações do Quotista 8
2.1 Das Obrigações do Quotista 8
2.1.1 Dever de Integralizar o Capital Social 8
2.1.2 Dever de Lealdade 9
2.2 Dos Direitos do Quotista 10
2.2.1 Direito de Participar nos Resultados 10
2.2.2 Direito de Participar/Contribuir para as Deliberações Sociais 10
2.2.3 Direito de Gerir 12
2.2.4 Direito de Fiscalizar 13
2.2.5 Direito de Preferência 13
2.2.6 Direito de Participar dos Ativos em Caso de Liquidação 14
2.2.7 Direito de Cessão das Quotas 14
2.2.8 Direito de Retirar-se da Sociedade 16
3 Recursos para o Financiamento Societário 16
4 Contrato de Mútuo 19
4.1 Previsão Legal 19
4.2 Definição 19
4.3 Classificação 19
4.4 Características 20
4.5 Requisitos do Contrato de Mútuo 20
4.5.1 Efeitos jurídicos 20
5 Contrato de Mútuo Conversível em Quotas Sociais 21
5.1 Contrato de Mútuo Conversível em Quotas Sociais e o Ordenamento Jurídico
Brasileiro 21
5.2 Contrato de Mútuo Conversível em Quotas Sociais: Previsões Contratuais 25
5.2.1 Da Regulamentação Contratual da Conversibilidade 25
5.2.2 Clausula Contratual de Renúncia dos Respectivos Direitos de Preferência pelos Quotistas 25
5.2.3 Da Regulamentação Contratual do Pagamento do Principal 26
5.2.4 Outras Cláusulas Contratuais 27
5.2.5 Enforcement do Contrato de Mútuo Conversível no Caso de Recusa do Quotista Formalizar o Instrumento Jurídico necessário à Conversão 28
6 Tradeoff do Contrato de Mútuo Conversível em Quotas Sociais 31
7 Conclusão 36
FINANCIAMENTO SOCIETÁRIO POR MEIO DE CONTRATO DE MÚTUO CONVERSÍVEL EM QUOTAS SOCIAIS
1 Introdução
As diversas atividades empresárias tem por fim oferecer produtos ou serviços para a melhoria da vida das pessoas em contrapartida de um retorno financeiro, assim, promovendo o desenvolvimento econômico. Nesse sentido, Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx esclarece:
Xxxxx tem se discutido a respeito do empreendedorismo e o quão benéfico ele pode ser para o país. Neste aspecto, a inovação tem um papel extremamente relevante, pois cada vez mais se aposta em projetos inovadores, que de fato solucionam demandas e necessidades do mercado consumidor. Aliás, a inovação tem papel chave no desenvolvimento sustentado. Isto é, a diferença entre uma nação rica e uma pobre é o crescimento econômico, o qual tem como fator principal a inovação. (XXXXXX, 2018, p. 18)
Para que seja realizada, a atividade empresária demanda recursos, os quais são disponibilizados mediante algum incentivo futuro compatível com o risco assumido pelo investidor.
A dinâmica do mercado faz com que, assim como novas formas de exploração da atividade econômica surjam, também sejam criadas novas modalidades de seu financiamento.
O direito, dentre diversos assuntos, debruça-se sobre a regulamentação das diversas formas de estruturação e de financiamento da atividade empresária. Dentre os quais podemos destacar os tipos societários existentes no Brasil (como a sociedade limitada, a sociedade por ações, a sociedade em conta de participação) e outros instrumentos como debêntures conversíveis, crowdfunding de investimento, seed capital, contratos de mútuo, empréstimos bancários, títulos de dívida, entre outros.
Importante salientar que ao decidir pela disponibilização de recurso próprio, o investidor calcula entre o risco de perdê-lo o retorno futuro que poderá receber, portanto, o investidor está familiarizado com a ideia de perder a totalidade do
recurso aportado. Entretanto, o investidor repudia a ideia de assumir riscos que não sejam conhecidos e possíveis de serem calculados, como a possibilidade de serem responsabilizados por dívidas tributárias, trabalhistas ou mesmo consumeristas de uma sociedade.
Dessa forma é “papel do Direito, portanto, fornecer os instrumentos adequados para a composição destes interesses”1.
Nesse contexto, buscaremos apresentar o contrato de mútuo conversível em quotas sociais como uma alternativa de investimento em uma sociedade limitada, que tenha por objetivo o desenvolvimento de seu negócio de modo que a possibilite distribuir lucros no futuro, com a limitação do risco do investidor-mutuante ao valor por ele investido e a mitigação do risco de sua responsabilização pessoal ou patrimonial, e, também, garantir-lhe a possibilidade de participação nos lucros se e quando a empresa se tornar rentável.
Para atingir seu propósito, o presente artigo dividi-se em seis seções, além desta introdução. A segunda seção, na qual se analisa os direitos e as obrigações dos quotistas, é seguida pela apresentação dos recursos para o financiamento societário. A quarta seção tem por objetivo introduzir o contrato de mútuo típico no ordenamento jurídico brasileiro, seguida da quinta que aborda o contrato de mútuo conversível em quotas em si, analisando sua origem jurídica, sua compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro bem, como, os aspectos e elementos inerentes a esse contrato para garantir sua validade e eficácia. Como o tradeoff é inerente às escolhas, na sexta seção problematizamos o uso de alguns aspectos do contrato de mútuo conversível, comuns no direito estrangeiro, mas possíveis de serem questionados à luz do direito brasileiro, entre eles, a expansão dos direitos exclusivamente de quotistas ao investidor-mutuante. Por fim, sem a pretensão de exaurir o tema, o artigo apresenta sua conclusão.
1 Coelho, 2018, p. 2. Acrescenta Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx: “Na busca pela minimização deste risco, a prática brasileira passou a adotar a figura dos chamados mútuos conversíveis em participação societária para a instrumentalização jurídica das operações. Em síntese, o contrato prevê que inicialmente o investidor concede à startup um empréstimo, que poderá ser convertido em quotas/ações da sociedade na hipótese de ocorrência de algum evento futuro eleito pelas partes”. (COELHO, 2018)
2 Direitos e Obrigações do Quotista
Antes de entrarmos no propósito deste artigo em si, qual seja, a viabilidade do financiamento societário, com a mitigação do risco de responsabilidade pessoal ou patrimonial do investidor na sociedade limitada, por meio de contrato de mútuo conversível em quotas sociais, faz-se necessário analisar tanto as obrigações quanto os direitos do quotista, a fim de que possamos entender as alternativas e as limitações relativas a essa modalidade de investimento.
A celebração do contrato social de uma sociedade limitada por quotistas cria uma nova realidade jurídica, por meio da qual se estabelece relações jurídicas entre os quotistas em si e entre eles e a sociedade, as quais podem ser tanto passivas quanto ativas. Dentre as obrigações do quotista estão os deveres de (i) integralizar o capital social e (ii) o de lealdade. Já, os direitos decorrentes da propriedade de quotas sociais são (i) o de participar nos resultados, (ii) de participar/contribuir para as deliberações sociais, (iii) de administrar, (iv) de fiscalizar, (v) de preferência, (vi) de cessão das quotas, (vii) de participar dos ativos em caso de liquidação e (viii) de retirar-se da sociedade.
2.1 Das Obrigações do Quotista
Nesta subseção analisaremos os deveres dos quotistas.
2.1.1 Dever de Integralizar o Capital Social
O dever dos quotistas de integralizarem suas respectivas quotas-parte no capital social de uma sociedade limitada está previsto nos artigos 1.004 e 1.0522 do Código Civil Brasileiro e, conforme esclarece Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, trata-se da
2 Código Civil Brasileiro. Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora. Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031. / Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
transferência pelos quotistas de recursos financeiros próprios à sociedade por eles constituída para o fim de explorar uma ou mais atividade econômica.
A principal obrigação que o sócio contrai ao assinar o contrato social é a de investir, na sociedade, determinados recursos, geralmente referidos em moeda. Se duas pessoas contratam a formação de uma sociedade, o ponto central do acordo de vontades por elas expresso é a de organizarem juntas a empresa. Cada contratante assume, perante o outro, a obrigação de disponibilizar, de seu patrimônio, os recursos que considerar necessários ao negócio que vão explorar em parceria. Que dizer, ele tem de cumprir o compromisso, contraído ao assinar o contrato social, de entregar para a sociedade, então constituída, o dinheiro, bem ou credito, no montante contratado com os demais sócios. Na linguagem própria do direito societário, cada sócio tem o dever de integralizar a quota do capital social que subscreveu. (XXXXXX, 2012, p. 430)
A não integralização do capital social subscrito por um quotista acarreta tanto a responsabilidade solidária entre os sócios pela a integralização total do capital social da sociedade (artigo 1.052 do Código Civil Brasileiro3) quanto a exclusão por justa causa daquele quotista que deixou de cumprir sua obrigação de integralizar o capital social da sociedade limitada (artigos 1.004, parágrafo único, e 1.058 do Código Civil Brasileiro4).
2.1.2 Dever de Lealdade
O dever de lealde do quotista não está explicitamente previsto na legislação brasileira, no entanto, como explica Xxxxx Xxxxx Xxxxxx,
(...) é possível sustentar que o sócio tem, perante os demais e a própria sociedade, um deve de lealdade, traduzido na noção geral de colaboração para o sucesso do empreendimento comum. Colaborar, nesse contexto, não tem apenas o sentido de tomar parte na gestão do negocio (colaboração ativa), restrição que excluiria os sócios investidores do dever de lealdade; mas, também e principalmente, o de se abster o sócio de atos prejudicais aos interesses comuns (colaboração passiva). A rigor, este último aspecto é mais importante que o primeiro na mensuração do cumprimento do dever societário. (COELHO, 2012, pp. 444-445)
3 Ibidem. Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
4 Ibidem. Art. 1.004. (...) Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031. / Art. 1.058. Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo- lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas.
Diante o exposto, a conduta do quotista oposta ao previsto em lei ou no contrato social da sociedade limitada, caracterizada o descumprimento por esse quotista de seu dever de lealdade.
2.2 Dos Direitos do Quotista
Como na subseção anterior, foram analisados os deveres do quotista, na presente subseção entenderemos os direitos dos quotistas.
2.2.1 Direito de Participar nos Resultados
Sendo empresária, o fim da sociedade limitada é gerar lucros a partir da exploração da atividade econômica. O direito de participar nos resultados da sociedade é direito essencial do quotista, amplamente previsto na legislação brasileira e não pode ser afastado por previsão contratual (artigos 997 combinado com o 1.054, 1.007 e 1.008 do Código Civil Brasileiro)5. Nesse sentido, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx esclarece:
A participação nos resultados da empresa representa a principal motivação para qualquer pessoa se unir a outras, numa sociedade empresária. Tanto os sócio com perfil de empreendedor como os de investidor buscam, ao contratar a constituição da limitada, obter retorno do capital nela empregado, em níveis que superem (ou, ao menos, igualem) os oferecidos por outras alternativas de investimento existentes no mercado. A repartição dos lucros da sociedade entre os seus membros é o principal fator de atração do interesse dos sócios; e correspondente, no plano jurídico, a direito inerente à titularidade da quota social. (XXXXXX, 2012, p. 453).
2.2.2 Direito de Participar/Contribuir para as Deliberações Sociais
O Direito de Participar/Contribuir para as deliberações sócias está previsto nos artigos 1.010, 1.061, 1.063, parágrafo 1o, 1.066, parágrafo 2o, 1.068 e 1.071 do Código Civil Brasileiro. O primeiro refere-se às deliberações relativas aos negócios
5Ibidem. Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: (...)VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas (...) / Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas. / Art. 1.008. É nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas. / Art. 1.054. O contrato mencionará, no que couber, as indicações do art. 997, e, se for o caso, a firma social.
da sociedade, previstas em lei ou no contrato social, muitas vezes ligada ao dia-a- dia da sociedade e, por essa razão, não requererem forma ou quórum específicos, salvo se houver previsão diversa no contrato social da sociedade. Já os demais artigos prevêem matérias que podem afetar a continuidade da sociedade bem como terceiros, por essa razão, a legislação brasileira prevê formalidades a serem seguidas para as deliberações relacionadas a tais temas e para a maioria dos casos elencados, os quóruns são qualificados. Para ficar clarificar esse ponto, seguem os ensinamentos de Xxxxx Xxxxx Xxxxxx:
A extensão do direito de participar das deliberações sociais é proporcional à quota do sócio no capital social. Desse modo, embora os sócios devam ser consultados nas decisões mais importantes da sociedade, nem todos tem condições de influir, com sua vontade ou entendimento, no conteúdo destas.
(...)
As deliberações dos sócios atinentes à estratégia geral dos negócios da sociedade (...) não dependem de nenhuma forma especial. (...) São, muitas vezes, decisões importantíssimas para o desenvolvimento da empresa, mas não exige a lei nenhuma documentação ou registro específico. Revestem-se essas deliberações de forma oral.
Há, por outro lado, deliberações dos sócios cujas validade e eficácia devem atender a determinadas formalidades preceituadas em lei. Referem-se a assuntos de interesse da sociedade dotados de maior envergadura, que podem implicar substanciais alterações nos direitos dos sócios ou de terceiros e, em virtude disso, merecem ser tratados com maiores cautelas. De fato, com são deliberações que podem produzir significativos efeitos internos e externos à sociedade, entendeu o legislado de submetê-las a alguns controles. (COELHO, 2012, pp. 456-457)
Em complemento, Xxxxxxx Xxxx Xxxxx esclarece quais são essas matérias e destaca a importância de sua análise ser realizada conjuntamente com os quóruns qualificados estabelecidos pelo Código Civil Brasileiro:
(...) de acordo com o disposto no art. 1.071 do Código Civil, dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato: a) a aprovação das contas da administração; b) a designação dos administradores, quando feita em ato separado; c) a destituição dos administradores; d) o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato; e) a modificação do contrato social; f) a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação; g) a nomeação e a destituição dos liquidantes e o julgamento de suas contas; h) o pedido de recuperação judicial e extrajudicial (ainda na lei, disposto como pedido de concordata).
As Matérias objeto das deliberações dos sócios, sempre em reunião ou assembleia de quotistas, (...) disciplina o processo de deliberação dos sócios, nos ponte de maios relevância dos negócios sociais.
(...)
Outrossim, é ponto central a necessidade de não se analisar o art. 1.071 isoladamente, tendo em vista que, apesar do elenco das matérias relacionadas, estas dependem da conjugação com o art. 1.076 do mesmo diploma legal. (ROVAI, 2009, p. 149)
2.2.3 Direito de Gerir
A governança corporativa de uma sociedade limitada é, em regra, divida em dois níveis6: diretoria e assembleia/reunião de sócios.
Considerando o exposto, o quotista, em razão de sua qualidade, já exerce a gerência da sociedade em segundo nível, por meio das deliberações sociais, em relação aos assuntos estabelecidos em lei ou no próprio do contrato social. Este, pode ter um rol maior ou menor temas e incluir questões relacionados à condução dos negócios sociais, plano de investimento da sociedade, investimento em bens de capitais, entre outros.
Outra possibilidade é o quotista exercer o primeiro nível da governança corporativa, ao ser nomeado como administrador da sociedade limitada, nos termos dos artigos 1.060, parágrafo único, 1.063, parágrafo primeiro, e 1.071, incisos I ou V, do Código Civil Brasileiro. Nesse caso, em alguns momentos o quotista agirá na qualidade própria de quotista com os direitos e deveres inerentes a ele e, em outros, terá a competência de representar a sociedade, nos termos da lei e de seu contrato social, na qualidade de administrador. Nesse sentido:
Diretoria (ou, como era comumente chamada antes do Código Civil de 2002, “gerência”) é órgão da sociedade limitada, integrado por uma ou mais pessoas físicas, cuja atribuição é, no plano interno, administrar a empresa, e, externamente, manifestar a vontade da pessoa jurídica. São os administradores (também chamados diretores) da sociedade, identificados no contrato social ou em ato apartado. (XXXXXX, 2012, p. 474)
6 Conforme estabelecido pelo Código Civil Brasileiro, a governança corporativa de uma sociedade limitada é dividida dois níveis. Muitos autores entendem que se uma sociedade limitada previsse em seu contrato social sua regência supletiva pela Lei 6.404/76, nos termos do artigo 1.053, parágrafo único, do Código Civil Brasileiro, essa sociedade poderia adotar uma governança corporativa de três níveis com a instituição do conselho de administração. No entanto, o registro de contratos sociais com a formalização dessa estrutura vinha sendo indeferido pelas juntas comercias do país sob orientação do Departamento de Registro Empresarial e Integração - DREI. No entanto, com a Instrução Normativa emitida em março/2017 (IN DREI no 38), por meio de seu Anexo 2 - Manual de Registro de Sociedade Limitada, o DREI expressamente reconheceu a possibilidade de conselho de administração na sociedade limitada e abriu, na prática, a possibilidade de que uma sociedade limitada passe a adotas uma governança corporativa de três níveis: administrador, conselho de administração e deliberação dos sócios. IN DREI no 38, disponível em
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxx/XXXXXXXXXXX/XXXXX/XXXX/XXx_XX_XXXXX/XX-XXXX-00-0000- retificao.pdf> e Anexo 2 - Manual de Registro de Sociedade Limitada disponível em
<xxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxx/XXXXXXXXXXX/XXXXX/XXXX/XXx_XX_XXXXX/XXXXXXX_XX_00/Xx exo-II-IN-38-2017-Manual-de-Registro-LTDA---alterado-pela-IN-40-2017--16abr18.pdf>, ambos acessados em 24 jun. 2018.
2.2.4 Direito de Fiscalizar
Trata-se do direito do quotista de ter acesso a informações econômicas e financeiras que lhe possibilitem ter o conhecimento do rumo das atividades da empresa, se estão sendo realizadas de acordo com a legislação, o contrato social e as orientações negociais dos quotistas, se estão dando lucro ou acarretando algum prejuízo ou ônus, entre outros, para que possa avaliar a condução do negócio pelo(s) administrador(es) e, se for o casos, estabelecer novas diretrizes a serem cumpridas ou correções, como eventual alteração desse(s) administrador(es).
O Código Civil Brasileiro, em seus artigos 1.020 e 1.021 7 , estabelece mecanismos para que o quotista exerça seu direito de fiscalizar, no entanto, como explica Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, na prática, tais mecanismos podem não ser eficientes.
O exercício do direito de fiscalização da administração (ou “gerência”) pelo sócio que dela não participa depende da superação de dois obstáculos acesso às informações e o custo das diligências fiscais.
(...) a lei, é certo, assegura ao sócio da limitada, informações mínimas, ao dispor sobre o direito de consulta aos livros, caixa e carteira da sociedade (CC, art. 1.021; LSA, art. 105), e mencionar a prestação de contas da administração (CC, art. 1.020; LSA, art. 132, I). Entretanto, as informações que se podem extrair desses instrumentos não são, no mais das vezes, suficientes à identificação de irregularidades ou antieconomicidades. (...)
Para que o sócio possa superar melhor o primeiro obstáculo ao exercício do direito de fiscalização, ele deve negociar, no contrato social ou num instrumento apartado, um fluxo contínuo de informações. (XXXXXX, 2012, p. 466)
2.2.5 Direito de Preferência
Previsto no artigo 1.0818 do Código Civil Brasileiro, pode ser definido como o direito de um quotista subscrever, proporcionalmente a sua respectiva participação
7 Código Civil Brasileiro. Art. 1.020. Os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico. / Art. 1.021. Salvo estipulação que determine época própria, o sócio pode, a qualquer tempo, examinar os livros e documentos, e o estado da caixa e da carteira da sociedade.
8 Código Civil Brasileiro. Art. 1.081. Ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as quotas, pode ser o capital aumentado, com a correspondente modificação do contrato. § 1o Até trinta dias após a deliberação, terão os sócios preferência para participar do aumento, na proporção das quotas de que sejam titulares. § 2o À cessão do direito de preferência, aplica-se o disposto no caput do art.
1.057. § 3o Decorrido o prazo da preferência, e assumida pelos sócios, ou por terceiros, a totalidade do aumento, haverá reunião ou assembleia dos sócios, para que seja aprovada a modificação do contrato.
no capital social de uma sociedade limitada, novas quotas criadas em razão de uma aumento de capital social9.
Assim, no caso de uma sociedade limitada buscar recursos para seu financiamento que impliquem no aumento de seu capital social mediante a criação de novas quotas, todos os quotistas poderão participar desse aumento na proporção de suas respectivas participações societárias. Caso o quotista não deseje exercer seu direito de preferência, sua renúncia deverá constar do instrumento jurídico que viabilizar o aumento de capital social da sociedade limitada.
2.2.6 Direito de Participar dos Ativos em Caso de Liquidação
Como a quota representa um crédito financeiro do sócio com a sociedade, os quotistas também são considerados credores em relação ao patrimônio da sociedade, contudo, são os últimos da linha de preferência, atrás inclusive dos credores quirografários. A depender da situação financeira da sociedade em uma liquidação, seus ativos podem ser totalmente usados para honrar compromissos da sociedade com terceiros, ou pode ser saldo residual desses ativos. Na primeira hipótese, não há de se falar de participação do quotista nos ativos da sociedade em caso de liquidação. Já na segunda hipótese, como houve saldo residual, esse será divido entre os então quotistas na proporção de suas respectivas participações no capital social da sociedade.
2.2.7 Direito de Cessão das Quotas
Previsto no artigo 1.05710 do Código Civil Brasileiro, o quotista pode ceder suas quotas, no todo e ou em parte, se não houver disposição contratual a respeito, a outro(s) quotista(s) da sociedade, sem necessidade da aprovação dos demais quotistas, ou a terceiros, desde que não haja a oposição de quotistas detentores de mais de um quarto do capital social da sociedade.
9 Cf. XXXXXX, 2012, p. 473. “No aumento do capital social mediante a criação de novas quotas, os sócios titularizam direito de preferência para as subscrever proporcionalmente às respectivas participações. O prazo para o exercício desse direito é o de 30 dias seguintes à deliberação”.
10 Código Civil Brasileiro: Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.
No caso da cessão da totalidade das quotas, o quotista manifesta sua vontade de não mais querer se associar aos demais quotistas da sociedade e, portanto, retira-se da sociedade. Lembramos que o direito de livre associação é garantido pela Constituição Federal 11 . Dentre as definições do direito de livre associação, podemos citar a de e Camargo:
O direito de associação resume-se ao reconhecimento de que os particulares poderão explorar atividades econômicas, que são garantidas e limitadas tanto na CF/88 quanto em normas infraconstitucionais e autorregulatórias. Há, assim, uma perspectiva constitucional que deve ser considerada para regular os interesses dos agentes econômicos. (CAMARGO, 2014)
Nesse sentido, caso o quotista não deseje mais permanecer associado, esse direito também lhe é garantido. Assim, o quotista que desejar sair da sociedade poderá ceder suas quotas, por meio de negociação, inclusive da precificação de sua participação social. Para essa alternativa, Xxxxx Xxxxx Xxxxxx esclarece:
Seguindo por essa via, ele deve procurar, entre os sócios ou junto a terceiros, alguém interessado em adquirir-lhe a participação societária. Chegando a acordo relativamente ao preço, e inexistindo oposição de sócio com mais de ¼ do capital social, formaliza-se, em alteração contratual, a substituição no quadro de sócios. Sai o cedente das quotas, entra o cessionário. Aqui, o desligamento se faz por ato bilateral, do qual não é parte a sociedade limitada. O cedente recebe, pela sua participação, o valor negociado; quem paga é o cessionário. A pessoa jurídica, nessa hipótese, não embolsa nem desembolsa nada. (XXXXXX, 2012, p. 469)
Caso o quotista não consiga ceder suas quotas pela via da negociação, resta a ele utilizar-se de seu direito de retirada, o qual será abordado na próxima subseção.
11 Constituição Federal: Artigo 5º (...) XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado (...)
2.2.8 Direito de Retirar-se da Sociedade.
As hipóteses as quais permitem o quotista retirar-se da sociedade, por sua vontade própria e exclusiva, independentemente do consentimento dos demais quotistas, são estabelecidas nos artigos 1.029 e 1.077 do Código Civil Brasileiro:
Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa.
Parágrafo único. Nos trinta dias subsequentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade.
(...)
Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.
Xxxxx Xxxxx Xxxxxx, define o direito de retirada como o
(...) direito inerente à titularidade de quotas sociais, denominado também recesso ou dissidência. (...) Define-se a retirada como o direito de o sócio se desligar dos vínculos que o unem aos demais sócios e à sociedade, por ato unilateral de vontade. Nessa hipótese não há negociação. O sócio impor à pessoa jurídica, por sua exclusiva vontade, a obrigação de lhe reembolsar o valor da participação societária. (XXXXXX, 2012, p. 469)
3 Recursos para o Financiamento Societário
Uma vez constituída, a sociedade limitada empresária buscará seu fim, a aferição de lucro por meio da realização de seu objeto social. Para que isso seja possível, a sociedade limitada deverá receber recursos econômicos para financiar sua atividade. Esses recursos podem tanto ser próprios quanto de terceiros.
Esclarecem sobre esse assunto Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxx:
Conforme a economia nos ensina, uma empresa em fase de expansão e crescimento, vai necessitar constantemente de instrumentos de financiamento de seus projetos. Grosso modo, uma empresa pode buscar financiamento de duas formas diferentes: interna e externamente. (XXXXXX, XXXXXXX e RIGÃO, 2017)
Os recursos próprios são aqueles aportados pelos próprios quotistas ou pela própria sociedade limitada. Os aportes de recursos pelos quotistas se dão, em um primeiro momento, por meio da integralização de suas quotas sociais, a fim de possibilitar a sociedade tornar-se operativa, e em oportunidades futuras, quando a sociedade precisar de recursos para expandir a operação ou fazer frente a suas obrigações. Os aportes realizados pela própria sociedade limitada, necessariamente serão realizados após já estar operativa, pois são realizados mediante a reaplicação de alguma receita da sociedade, como, por exemplo, de fluxo de caixa positivo. A principal vantagem da utilização de recursos próprios é que por serem privados, não estão sujeitos a qualquer controle ou custos do xxxxxxx00.
No entanto, conforme explica Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, na maioria dos casos os recursos dos quotistas e da própria sociedade limitada são insuficientes para o desenvolvimento do negócio 13 . Nessas situações, os quotistas e a sociedade precisam buscar recursos de terceiros para o financiamento da atividade empresarial.
Os recursos de terceiros são conceituados por Xxxxx como:
Como capital de terceiros ou capital de crédito podem ser compreendidos os valores provenientes de financiamento externo da atividade ou obtidos de terceiros para aplicação no empreendimento. Trata-se de montante transferido para a sociedade com tempo determinado, contra remuneração fixa e independente de perdas da atividade empresária. (DINIZ, 2012)
Dentre os recursos externos de terceiros, podem ser citados os empréstimos bancários, debêntures em geral, títulos de dívida, crowdfunding financeiro de capital
12 Cf. explicam Xxxxxxx Xxxx Xxxxx e Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx: “Os recursos financeiros para a realização do objeto social podem ser próprios, sem controle ou custos de mercado, fazendo com que o financiamento da atividade seja feito através da reaplicação do fluxo de caixa da empresa e dos recursos aportados pelos sócios. No capital próprio podem ser compreendidos a entrada dos sócios (incluindo aquisições de ações no mercado de capitais), as reservas e os resultados que permitem reinvestimento, representando o patrimônio líquido da sociedade”. (DINIZ, 2012). O financiamento interno se dá através de aproveitamento de lucros não distribuídos, economias fiscais, desmobilização de ativos etc. (COELHO, 2018)
13 Cf. esclarece Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx: “Ocorre que, na esmagadora maioria das vezes, os recursos que dispõem estes empreendedores (não raro são empreendedores jovens que estão se aventurando pela primeira vez no empreendedorismo) não são suficientes para financiar o crescimento do negócio em escalas maiores, o que não lhes deixa outra saída a não ser buscar o financiamento externo de suas atividades”. (COELHO, 2018)
(ou equity crowdfunding), mútuos, commercial papers, Convertible Notes, entre outros14.
A atividade empresária, portanto, pode tanto ser financiada por capital próprio ou de terceiro, desde que respeitas as regras do financiamento societário as quais ambos os capitais estão sujeitos15.
E é, justamente, no âmbito do financiamento externo, que se encontra um dos instrumentos jurídicos disponíveis para capitalização da sociedade limitada. Estamos falando do contrato de mútuo conversível em quotas sociais, também defendido por Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx:
Apesar de diversas formas possíveis para a instrumentalização da operação de investimento, uma das mais comuns utilizadas pela prática é a utilização de títulos de dívida conversíveis ou mútuos conversíveis em detrimento de outras formas consideradas societárias, como a aquisição direta de participação societária ou a constituição de sociedade em conta de participação16. (COELHO, 2018)
Diferentemente da aquisição direta de participação societária ou a constituição de sociedade em conta de participação, no contrato de mútuo conversível em quotas sociais o investidor-mutuante não tem participação no quadro societário da sociedade limitada desde a assinatura de tal contrato de mútuo. Por essa razão, como buscaremos demonstrar nas próximas seções, o contrato de mútuo conversível em quotas sociais é uma alternativa ao financiamento societário por meio de recursos de terceiros, com a mitigação de risco patrimonial do terceiro ao valor por ele investido.
14 Cf. exemplifica Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx: “Já o financiamento externo pode ser obtido com recursos próprios (aumento do capital social, por exemplo) ou com recursos de terceiros, tais como empréstimos bancários, fornecedores, debêntures, commercial papers, entre outros”. (COELHO, 2018)
15 Nesse sentido, Xxxxxxx Xxxx Xxxxx: Com isso, capital próprio e capital de terceiros são determinados por regras de financiamento societário. Não há qualquer problema em ter a atividade financiada por capital de terceiros, desde que se demonstre a capacidade financeira suficiente para fazer frente ao valor mutuado. (DINIZ, 2012)
4 Contrato de Mútuo
4.1 Previsão Legal
O Contrato de Mútuo é regulamentado pelo Código Civil Brasileiro, em seu Título VI Das Várias Espécies de Contrato, Capítulo VI Do Empréstimo, Seção II Do Mútuo, artigos 586 a 59216.
4.2 Definição
O contrato de mútuo é um contrato de empréstimo de coisa fungível17.
4.3 Classificação
Contrato típico, pois, como destacado acima, há regulamentação específica em lei, e real, “pois só se perfaz com a traição, isto é, com a entrega do objeto emprestado”18.
16 Código Civil Brasileiro: Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição.
Art. 588. O mútuo feito a pessoa menor, sem prévia autorização daquele sob cuja guarda estiver, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores.
Art. 589. Cessa a disposição do artigo antecedente:
I - se a pessoa, de cuja autorização necessitava o mutuário para contrair o empréstimo, o ratificar posteriormente;
II - se o menor, estando ausente essa pessoa, se viu obrigado a contrair o empréstimo para os seus alimentos habituais;
III - se o menor tiver bens ganhos com o seu trabalho. Mas, em tal caso, a execução do credor não lhes poderá ultrapassar as forças;
IV - se o empréstimo reverteu em benefício do menor; V - se o menor obteve o empréstimo maliciosamente.
Art. 590. O mutuante pode exigir garantia da restituição, se antes do vencimento o mutuário sofrer notória mudança em sua situação econômica.
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.
Art. 592. Não se tendo convencionado expressamente, o prazo do mútuo será:
I - até a próxima colheita, se o mútuo for de produtos agrícolas, assim para o consumo, como para semeadura;
II - de trinta dias, pelo menos, se for de dinheiro;
III - do espaço de tempo que declarar o mutuante, se for de qualquer outra coisa fungível.
17 Cf. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx: “Embora ambos sejam modalidades de empréstimo, distingue-se o mútuo do comodato pelo seu objeto, isto é, este se trata de coisa não fungível (que não pode ser substituída por outra de mesmo gênero, qualidade e quantidade) e aquele, de coisa fungível.” (XXXXXXXXX, 2015)
Pode ser oneroso ou gratuito, a depender da estipulação de juros remuneratórios ou compensatórios19.
O mútuo, que é o empréstimo de coisas fungíveis, é um contrato unilateral (somente o mutuário se obriga), real (depende da entrega da coisa, ordinariamente moeda), e oneroso (o mutuário deve pagar juros), pode ser com ou sem prazo convencionado. Nessa última hipótese, atendido o tempo mínimo mencionado nos incisos I e II do art. 592, o mutuante pode pedir a restituição da coisa e dar por findo o contrato. (AGUIAR JUNIOR, 2007, pp. 435-436).
4.4 Características
Como explica Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, são característica do contrato de mútuo (i) a temporariedade20, (ii) a fungibilidade da coisa emprestada, (iii) a translatividade do domínio do bem emprestado e (iv) a obrigatoriedade da restituição de outra coisa da mesma espécie, qualidade e quantidade2122.
4.5 Requisitos do Contrato de Mútuo
Os requisitos do contrato de mútuo, segundo Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, são (i) as capacidades comum e especial dos contraentes, (ii) a fungibilidade do objeto emprestado, podendo ser dinheiro e (iii) a forma livre, exceto se for oneroso23.
4.5.1 Efeitos jurídicos
O contrato de mútuo gera obrigações ao mutuário e confere direitos ao mutuante. São deveres do primeiro, (i) restituir o que recebeu em coisa da mesma espécie, qualidade e quantidade e (ii) pagar juros, no caso de mútuo oneroso ou feneratício. Ao mutuante, é garantido o direito de (i) exigir garantia de restituição, na hipótese prevista pelo artigo 590 do Código Civil Brasileiro, (ii) reclamar a restituição da coisa equivalente, uma vez vencido o prazo ou em quaisquer das previsões do
18 Diniz, 2013, p. 299.
19 Cf. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx: “Podem ser previstos contratos de mútuo sem a determinação de juros, especialmente nos casos em que esse contrato não se estabelece com fins econômicos. Na verdade, a doutrina brasileira ensina que o mútuo oneroso é permitido em nosso direito, portanto, não obrigatório”. (XXXXXXXXX, 2015)
20 Cf. artigo 592 do Código Civil Brasileiro citado acima. 21 Cf. artigo 590 do Código Civil Brasileiro citado acima. 22 Diniz, 2013, p. 308.
23 Ibidem, p. 309.
artigo 592 do Código Civil Brasileiro e (iii) demandar a resolução do contrato, se o mutuário deixar de pagar juros24.
5 Contrato de Mútuo Conversível em Quotas Sociais
5.1 Contrato de Mútuo Conversível em Quotas Sociais e o Ordenamento Jurídico
Brasileiro
O contrato de mútuo conversível em quotas sociais pode ser definido como “basicamente um contrato de empréstimo que possibilita ao investidor tornar-se sócio da empresa em um futuro negócio de sucesso”25.
Embora o contrato de mútuo seja um contrato típico no ordenamento jurídico brasileiro, o contrato de mútuo conversível em quotas sociais é uma adaptação do instituto norte-americano Convertible Notes e, portanto, um contrato atípico, ainda não regulamentado pelo legislador brasileiro26.
Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx explica que Convertible Notes
representam a constituição de uma dívida da empresa investida para com o investidor a qual poderá ser convertida em participação societária previamente estabelecida mediante um evento de liquidez – normalmente o ingresso de um novo investidor ou transformação de espécie societária. (...) ao vencimento da dívida o credor terá o direito de converter tal valor na quantidade de ações ou cotas conforme valluation realizado na data da contratação. (XXXXXXX, 2018, pp. 30-31)
Uma forma de entender o contrato de mútuo conversível em quotas sociais é analisá-lo como uma combinação do contrato de mútuo típico, no tocante à regulação do direito de crédito, e das debêntures conversíveis, em relação à cláusula de conversibilidade27.
Debêntures conversíveis podem ser definidas como
24 Cf. Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, 2013, p. 309.
25 Takada, 2016, p. 1.
26 Cf. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxx, 2017, p. 32.
27 Cf. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxx, 2017, p. 32. e Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, 2017, p. 30.
uma espécie de valor mobiliário utilizado pelas sociedades anônimas para se capitalizarem. Diferentemente da compra de ações, na qual a remuneração do acionista é apenas uma expectativa, as debentures geram direito de crédito perante a sociedade. Ao subscrever esse valor mobiliário, o investidor está emprestando dinheiro à sociedade. No vencimento da debênture, geralmente estabelecido em prazos longos (oito a dez anos), a sociedade paga ao debenturista o reembolso do valor investido, assim como acréscimos remuneratórios – juros, correção monetária, participação nos lucros etc. Ademais, as debêntures podem conter cláusula de conversibilidade em ações. Isso significa que, depois de decorrido determinado período, o debenturista terá a faculdade de passar à condição de acionista. (ARAÚJO, 2017, p. 31)
Assim, quanto à relação de crédito, temos o mútuo oneroso ou feneratício, o qual obriga o quotista, no caso, a sociedade limitada, a restituir o principal acrescido de juros remuneratórios. No entanto, como destaca Xxxxxx,
apesar da grande maioria dos contratos onerosos de mútuos possuir sua contraprestação na forma de juros, a lei civil não proibiu o estabelecimento de condições ou outra forma de contraprestação, quando permitido por lei, por evidente. Isso quer dizer, tratando-se de negócio jurídico, o qual requer os requisitos como partes legítimas, objeto lícito, possível e determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei, podem as partes estabelecer condições outras na avença contratual. (TAKADA, 2016, p. 4)
Nesse sentido, o contrato de mútuo conversível em quotas sociais, assim como qualquer contrato está sujeito ao princípio da autonomia da vontade das partes, como explicado por Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx:
O contrato, como negócio jurídico, é, portanto, ato de autonomia privada apto a criar regras de conduta (dever-ser) que, recepcionadas pelo ordenamento jurídico, geram efeitos para seus participantes. O contrato é o instrumento de autonomia privada. (...) o princípio da autonomia privada ou autonomia da vontade é a liberdade de contratar. E a liberdade de emitir regras (o contrato faz lei entre as partes) que deverão ser obedecidas pelas partes, sendo essas regras normas jurídicas por essência.
Os princípios da autonomia da vontade ou da liberdade de contratar pode ser visto sob três aspetos principais:
1) a liberdade de contratar ou não, de participar da celebração de um contrato;
2) liberdade de escolha da outra parte (com quem contratar)
3) liberdade de ficar o conteúdo dos contratos (liberdade contratual) (XXXXX, 2007, p. 10)
A partir princípio da autonomia da vontade, as partes estabelecem as regras que orientarão e nortearão a relação entre elas. Essas regras, ainda que livremente convencionadas, após contratadas, deverão ser cumpridas, não podendo qualquer uma das partes alegar que tal regra não é mais lhe aplicada ou que não é mais de
seu interesse segui-la, pois o contrato tem força para obrigar as partes. Trata-se do princípio do pacta sunt servanda, explicado por Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx abaixo.
Esse princípio é consequência imediata do principio da autonomia da vontade. Desde que as partes, no uso de sua liberdade, queiram se submeter a regras por elas próprias estabelecidas e, tendo sido observados todos os pressupostos e requisitos impostos pelo ordenamento, o contrato obriga os contratantes como se fosse lei imperativa (lex privata). Como consequência, nenhuma das partes poderá alterar unilateralmente seu conteúdo, a não ser que seja de comum acordo. (XXXXX, 2007, p.16)
Os princípios da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda são essenciais à livre iniciativa, como destacado por Xxxxx Xxxxxxxx:
(...) Muito pelo contrário: a autonomia privada e o respeito aos vínculos contratuais, em um sistema capitalista, possibilitam o fluxo de relações econômicas e a própria existência do mercado, uma vez que também tutelam existência de diferenciais competitivos. (FORGIONI, 2007, pp. 95-96)
Embora princípio básico do direito contratual, a autonomia privada, como esclarece Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, é uma liberdade sujeita a limitações da ordem publica, dos bons costumes e dos princípios do direito privado, interpretados sob os valores éticos e sociais, como a boa-fé objetiva e a função social28.
Mesmo assim, chega a ser desnecessário frisar que, por conta desses valores, mitigou-se o dogma identificado com o brocardo pacta sunt servanda. Mas “a autonomia privada não desapareceu e continua sendo uma viga mestra do sistema de mercado”29.
Considerando o exposto, ainda que a legislação brasileira não regulamente a conversão do mútuo em quotas sociais, tampouco a proibi, razão pela qual poderá ser objeto de negociação e acordo entre as partes. Assim, defende Takada:
Garantindo maior segurança jurídica, os contratos de mútuo, em que investidores fornecem o suporte monetário para viabilizar os projetos, podem possuir cláusula de condição suspensiva, com a possibilidade de conversão do empréstimo em quotas sociais da empresa que figura como mutuária. Condição suspensiva, pois enquanto essa não for verificada, não terá adquirido o direito a que ela visa (art. 125 do CC/2002). (TAKADA, 2016, p. 4)
28 Xxxxx, 2007, p. 11.
29 Forgioni, 2007, p. 96.
Nesse sentido, a livre negociação contratual entre quotistas e investidor- mutuante, além de lícita, também deve ser incentivada, conforme os ensinamentos de Xxxxx X. Forgioni:
O estabelecimento de vinculo jurídico entre empresários parte de dois pressupostos básicos, compartilhados pelo participes da avença. O primeiro deles é a certeza de que a contratação colocá-los-á em uma situação mais vantajosa daquela em que se encontram. (...) O segundo é que a contratação é feita na esperança de que atinha determinados objetivos, ou seja, desempenhe determinada função. (FORGIONI, 2007, p. 82)
Tendo em vista a análise os pressupostos jurídicos apresentados, o contrato de mútuo conversível em quotas sociais se apresenta com um instituto jurídico compatível ao ordenamento jurídico brasileiro.
Como já falado, o contrato de mútuo conversível em quotas sociais é uma forma de instrumentalização do financiamento externo da sociedade limitada, no entanto, sua principal função é permitir aos quotistas a captação de recursos por um custo não tão elevado no mercado 30 e garantir ao investidor-mutuante a possibilidade, se assim vier a desejar, de participar do quadro societário da sociedade limitada investida. Mas, até que tome tal decisão, o risco de ser responsabilizado pessoal e patrimonialmente como quotista dessa sociedade, estaria mitigado, pois se não é quotista, não tem os mesmos direitos, deveres nem responsabilidades deles. Portanto, não estaria sujeito ao regime de responsabilidade limitada e tampouco às incidências de suas exceções, como a desconsideração da personalidade jurídica31.
30 Limitação aos juros do mútuo encontrada na combinação do artigo 591 com o artigo 406, ambos do Código Civil Brasileiro:
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Cf. Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxx: “Não obstante, o direito brasileiro estabelece um limite muito reduzido às taxas de juros do mútuo feneratício, com a exceção de quando o mutuante for instituição financeira, estas estão livres inclusive de limitação à taxa de juros”. (ARAÚJO, 2017, pp. 30-31).
31 Nesse sentido, Xxxxx Xxxxxxxxxx: “A principal vantagem desse instrumento no Direito Comparado é que o investidor posterga suas responsabilidades enquanto sócio da empresa (...). Assim, no caso de insucesso da startup, o risco para o investidor fica limitado ao valor do investimento realizado”. (XXXXXXXXXX, 2017, p. 27)
Não sendo o contrato de mútuo conversível em quotas sociais um contrato típico, faz-se necessário apresentar e analisar os elementos que possibilitam sua instrumentalização, garantindo-lhe validade e eficácia. Isso será feito na próxima subseção.
5.2 Contrato de Mútuo Conversível em Quotas Sociais: Previsões Contratuais
5.2.1 Da Regulamentação Contratual da Conversibilidade
O contrato, sendo negócio jurídico, para ser válido, deve ter objeto lícito, possível, determinado ou determinável (artigo 104 do Código Civil Brasileiro), portanto, dentre as cláusulas contratuais, imprescindível que estejam presentes tanto a previsão de que a quitação do mútuo pode ser realizada mediante “a entrega da participação societária da empresa investida ao mutuante32, quanto a clausula decorrente desta, que preveja os requisitos mínimos da conversibilidade, quais sejam, o prazo de vencimento do empréstimo e o valor das quotas sociais, determinando assim sua participação societária”33. Tais previsões contratuais são indispensáveis para a instrumentalização da conversão do mútuo em quotas sociais por meio de aumento do capital social da sociedade limitada mediante a criação de novas quotas34.
5.2.2 Clausula Contratual de Renúncia dos Respectivos Direitos de Preferência pelos Quotistas
Adicionalmente, considerando que para ser efetivado o aumento de capital social na sociedade limitada mediante a criação de novas quotas depende de alguns requisitos, quais sejam (i) total integralização do capital anteriormente subscrito
32 Coelho, 2018.
33 Takada, 2016, p. 5
34 Nesse sentido, Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxx: “De um forma geral, na prática brasileira é comum que as notas conversíveis prevejam que o investidor concede à startup um mútuo, por um prazo determinado e que poderá ser quitado com entrega de participação societária. Outra disposição muito comum é a convenção de que o valor mutuado será convertido quando a startup receber um novo investimento acima de um determinado valor”. (XXXXXX, XXXXXXX e RIGÃO, 2017)
pelos quotistas35, (ii) deliberação dos quotistas favorável a tal aumento, (iii) no caso de ingresso de terceiros, a aceitação do ingresso desse terceiro na sociedade limitada e a renúncia dos respectivos direitos de preferência e (vi) elaboração da respectiva alteração do contrato social da sociedade limitada (para mais detalhes, ver as subseções 2.1.1, 2.2.2 e 2.2.5), sugere-se que, no contrato de mútuo conversível em quotas sociais, conste clausula contratual, por meio da qual, os quotistas expressamente (i) concordam com os requisitos da conversibilidade, (ii) manifestam sua concordância com o ingresso do investidor-mutuante no quadro de quotistas, (iii) renunciam a qualquer direito de preferência que possa interferir, ou mesmo impedir, a aquisição da participação societário pelo investidor-mutuante e
(iv) comprometem-se a assinar o respectivo instrumento jurídico, no caso da sociedade limitada, a alteração de seu contrato social.
5.2.3 Da Regulamentação Contratual do Pagamento do Principal
Complementarmente, ainda que o fim primário do investidor-mutuante seja adquirir participação na sociedade limitada no momento em que esta for rentável e venha a distribuir lucros e, assim, tenha o retorno de seu investimento maximizado por essa distribuição, não é possível deixar de prever a regulamentação contratual do prazo de vencimento e da forma e de quitação do mútuo mediante pagamento do principal acrescido dos juros remuneratórios, sob pena de na omissão contratual dos juros, aplicar-se o previsto no Código Civil Brasileiro, como esclarece Takada:
A previsão contratual também deve abarcar em caso de não conversão em quotas sociais, a forma de restituição da coisa, ou seja, a condições de pagamento do empréstimo, a possibilidade de desconto, bem como a incidência dos juros. Em caso de omissão destes, entende-se que pela incidência da regra geral contida no art. 591 do CC/2002, cujo teor determina que quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, incidirá a taxa que estiver em vigor para mora do pagamento dos impostos devidos à Fazenda Nacional. (TAKADA, 2016, p. 5)
No caso de fracasso do investimento, assegura-se ao investidor-mutuante o direito de crédito, dessa maneira, ainda que sua pretensão de um maior retorno tenha sido frustrada por um insucesso da sociedade limitada, poderá almejar a
35 Código Civil Brasileiro: Art. 1.081. Ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as quotas, pode ser o capital aumentado, com a correspondente modificação do contrato.
restituição do valor originalmente investido acrescido de juros 36 , afinal não há garantia de sucesso na atividade empreendedora, como descreve Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx:
A vida empreendedora é extremamente dinâmica. Os negócios, de maneira geral, estão atrelados a diversos fatores que nem sempre são de controle de seus gestores, como crises econômicas, evoluções tecnológicas, catástrofes naturais etc. (COELHO, 2018)
5.2.4 Outras Cláusulas Contratuais
Tendo o contrato de mútuo conversível em quotas sócias fins econômicos e regulando relações de risco e imprevisibilidade relacionadas ao sucesso ou não da atividade empresária, outras cláusulas também devem ser estabelecidas, a fim de garantir a validade e a eficácia do contrato a ser celebrado. Dentre as quais, podemos identificar:
I. Cláusula que afaste a incidência do artigo 47337 do Código Civil Brasileiro e, portanto, da resilição unilateral do contrato de mútuo conversível em quotas sociais38;
II. Cláusula por meio da qual as partes declarem que não estabelecem qualquer tipo de associação, sociedade, consórcio ou vínculo societário e excluam quaisquer presunções de solidariedade entre ambas no cumprimento de suas obrigações;
III. Cláusulas que prevejam outras obrigações consideradas importantes pelas partes, que permitam, por exemplo, a fiscalização do investidor da saúde financeira e sua regularidade fiscal, com as respectivas
36 Nesse sentido, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxx: “o insucesso do mutuário não exclui o direito do mutuante ao seu pagamento”(XXXXXX, 2017, p. 31).
37 Código Civil Brasileiro: Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.
38 Como explica Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx: “Essa iniciativa somente tem eficácia quando expressamente regulada na lei, como acontece nas situações abaixo enumeradas, ou quando implicitamente admitida. A implícita permissão ocorre, em geral, nos contratos por tempo indeterminado, e de execução continuada, quando qualquer dos contratantes pode unilateralmente desvincular-se, dissolvendo-os” (AGUIAR JUNIOR, 2007, p.431).
multas contratuais por descumprimento dessas obrigações pactuadas;
IV. Cláusula de vencimento antecipado do mútuo, incluindo a possibilidade de sua conversão em quotas sociais, para hipóteses de venda total ou parcial da sociedade limitada, de outros investimentos realizados nessa sociedade, em especial que acarretem alteração do capital social ou do quadro de quotistas, entre outros39;
V. Cláusula que estabelece que qualquer alteração contratual deverá ser realizada por escrito;
VI. Cláusula que autorize ou não a cessão do contrato conversível em quotas sociais pelo investidor-mutuante; e
VII. Cláusulas gerais de um contrato, como as de interpretação contrato, de lei aplicável e de foro competente, entre outras.
5.2.5 Enforcement do Contrato de Mútuo Conversível no Caso de Recusa do Quotista Formalizar o Instrumento Jurídico necessário à Conversão
Para a efetivação da conversão do mútuo em participação societária, como anteriormente abordado, será necessário proceder com a formalização do ingresso do investidor-mutuante na sociedade limitada por meio da elaboração e registro perante a junta comercial competente da alteração do contrato social dessa sociedade.
Os contratos nascem para regular o cumprimento da relação jurídica entre as partes e se extinguir após seu cumprimento. Nesse sentido, Xxx Xxxxxx Xxxxxx Junior ensina:
Como se sabe, o contrato tem a característica de transitoriedade, nasce para se extinguir, depois de realizar o interesse visado pelas partes contratantes. Assim, o cumprimento da prestação, o pagamento ou adimplemento em todas as suas modalidades, bastantes para atender ao contratado, realizam o fim para o qual o contrato foi criado e produzem a sua extinção. (AGUIAR JUaNIOR, 2007, pp. 417- 418).
39 Nesse sentido, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx esclarece: Não diferente das demais modalidades mas, em especial nesta modalidade, devem ser estabelecidas, dentre outras cláusulas, as regras de vencimento antecipado da dívida (venda da startup, rodada de investimentos, etc.) (...)”. (XXXXXXX, 2018, p. 31)
Além das consequências do contrato serem juridicamente previstas, a expectativa de seu cumprimento norteia a relação entre as partes contratantes, conforme destacado por Xxxxx Xxxxxxxx:
Ao contratar, uma parte tem a legitima expectativa de que a outra comportá-se-á de determinada forma (...) Daí que ambos os empresários planejem sua jogada e efetivamente se comportem de acordo com esse padrão “de mercado”. (FORGIONI, 2007, p. 88)
Entretanto, ainda que livremente negociados, acordados e desejados pelas partes, os contratos podem deixar de ser cumpridos por uma delas. Nessa hipótese de inadimplemento do contrato por uma das partes, essa será responsabilizada pela conduta, garantindo a parte lesada por tal inadimplemento o direito de resolver o contratou ou exigir seu cumprimento, bem como respectiva indenização por perdas e danos, conforme previsto no artigo 475 do Código Civil Brasileiro40.
No âmbito do contrato de mútuo conversível em quotas sociais, o inadimplemento poderá afetar justamente a conversibilidade da quitação do mútuo em participação societária, visto que um ou todos os quotistas da sociedade limitada poderão se recusar a firmar a alteração do contrato social para o ingresso do investidor-mutuante nessa sociedade. Como o investidor-mutuante não tem capacidade jurídica para alterar o contrato social, pois não detém qualquer capital social dessa sociedade, seria necessário recorrer ao judiciário para ter sua pretensão, estabelecida em contrato, atendida.
Como a obrigação da alteração do contrato social da sociedade limitada para o ingresso do investidor-mutuante pode ser classifica como uma obrigação de fazer, visto que o(s) quotista(s) já teriam acordado com tal conversibilidade, com o ingresso de terceiro no quadro social, inclusive, renunciando a qualquer direito de preferência como abordado na 5.2.2. acima, caberia, ao investidor-mutuante solicitar ao judiciário a garantia do cumprimento da obrigação contratada, obrigando os quotistas a firmarem o instrumento jurídico aplicável.
40 Código Civil Brasileiro: Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
Dessa forma, o investidor buscaria o respaldo do judiciário para ter sua pretensão pretendia. A apreciação de sua pretensão, como de qualquer outra pessoa, seria analisada observando-se o princípio do devido processo e naturalmente levaria algum tempo para o curso natural do processo.
Ainda que esse tempo seja inerente ao sistema jurisdicional (aqui não estamos fazendo juízo de valor quanto à duração do processo, curta ou longa), visto que há fases processuais a serem respeitas e demandam o decurso natural do tempo, gostaríamos de propor uma solução alternativa, a qual possibilite o investidor-mutuante exercer seus direitos decorrentes do contrato de mútuo conversível em quotas sociais celebrado, inclusive que sirva como incentivo aos quotistas para participarem da elaboração do instrumento de alteração de contrato social da sociedade limitada deliberando sobre o ingresso desse investidor-mutuante na sociedade limitada.
Trata-se da outorga de mandato específico dos quotistas ao investidor- mutuante, para que esse investidor possa agir em nome dos quotistas. Esse instrumento de mandato específico deve conter poderes de representação dos quotistas pelo investidor-mutuante para deliberação do aumento do capital social mediante criação de novas quotas e ingresso de novo quotista, nos mesmos moldes e limites estabelecidos nas cláusulas contratuais do mútuo conversível em quotas sociais relativas a essa conversibilidade. Também deverão estar previstos os poderes para a representação de tais quotistas para (i) a firma da ata da reunião de sócios e alteração do contrato social necessárias (ii) a aceitação do ingresso de terceiro no quadro de sócios e (iIi) a renúncia de seus respectivos direitos de preferência.
Importante destacar também que o instrumento de mandato deverá conter as clausulas de irrevogabilidade e em “causa própria”, nos termos dos artigos 684, 685 e 68641 do Código Civil Brasileiro, para que, posteriormente, no caso dos quotistas se arrependerem e decidirem revogá-lo, não o consigam.
41 Código Civil Brasileiro: Art. 684. Quando a cláusula de irrevogabilidade for condição de um negócio bilateral, ou tiver sido estipulada no exclusivo interesse do mandatário, a revogação do mandato será ineficaz. / Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula "em causa própria", a sua revogação não
Nesse sentido, esclarece Xxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx:
O mandato pode conter clausula de irrevogabilidade, caso em que a revogação gerará a obrigação de pagar perdas e danos (art. 683) ou será ineficaz (arts. 684, 685 e 687). A revogação do mandato pode ser expressa ou tácita. (AGUIAR JUNIOR, 2007, pp. 435-436).
Dessa forma, no caso da recusa de qualquer dos quotistas de não aprovar o aumento de capital, de não aceitar o ingresso de terceiro na sociedade limitada, de não renunciar os respectivos direitos de preferência, ou ainda, de não assinar o instrumento de alteração do contrato social, o investidor-mutuante poderá representá-lo e firmar a alteração do contrato social para seu ingresso na sociedade limitada em nome dos quotistas inadimplentes e garantido a quitação do contrato de mútuo conversível em quotas sociais, por meio da efetiva conversão do mútuo em participação societária. Uma vez firmada mencionada alteração do contrato social, o investidor-mutuante, agora novo quotista da sociedade limitada, poderá tomar as providências para o registro do mencionado documento jurídico perante a junta comercial competente.
6 Tradeoff do Contrato de Mútuo Conversível em Quotas Sociais
Ao longo desse texto, demonstramos que o contrato de mútuo conversível em quotas sociais é uma alternativa factível de investimento de terceiros em uma sociedade limitada que possibilita a mitigação do risco desse investimento. Nessa seção, abordaremos a outra face da moeda, as desvantagens, por assim dizer desse instrumento contratual.
Autores como Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxx defendem que o contrato de mútuo conversível em quotas sociais,
terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais. Art. 686. A revogação do mandato, notificada somente ao mandatário, não se pode opor aos terceiros que, ignorando-a, de boa-fé com ele trataram; mas ficam salvas ao constituinte as ações que no caso lhe possam caber contra o procurador. Parágrafo único. É irrevogável o mandato que contenha poderes de cumprimento ou confirmação de negócios encetados, aos quais se ache vinculado.
permite ao investidor aplicar valores variáveis no início, acompanhar a evolução da Startup e participar desde logo das principais decisões importantes da nova empresa, ainda que não detenha o controle. Ademais, findado o prazo estipulado em contrato, o mútuo poderá ser quitado com entrega de participação societária. Essas são vantagens desse tipo de investimento que precisam ser bem delineadas em contrato, sob pena de suportar prejuízos futuros advindos da não cooperação das partes. (XXXXXX, XXXXXXX e RIGÃO, 2017)
Para os autores, o acompanhamento da evolução do negócio e a participação na sociedade investida se daria por meio da extensão de direitos normalmente só conferidos aos quotistas ao investidor-mutuante, quais sejam:
a) direito de preferência na subscrição de notas quotas ou na alienação das quotas dos sócios; b) direito de veto em determinadas matérias; c) direito de venda conjunta (tag along); d) direito de obrigar a venda conjunta (drag along); e) nomeação de membros do conselho de administração e/ou diretoria.12 (XXXXXX, XXXXXXX e RIGÃO, 2017)
Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxx também identificam um problema de agência decorrente da relação entre os quotistas e investidor-mutuante, visto que, este não sendo quotista da sociedade, atribui o sucesso de seu investimento aos próprios quotistas da sociedade limitada42, de modo que os objetivos distintos entre os quotistas e o investidor-mutuante acarretariam “conflitos a serem saneados”43.
Para enfrentar o problema de agência, referidos autores defendem a previsão e a negociação de clausulas contratuais do contrato de mútuo conversível em quotas sociais que disciplinem a relação entre os quotistas e o investidor-mutuante enquanto o mútuo não for convertido em participação societária, garantindo ao investidor-mutuante “determinados direitos no que diz respeito à condução dos negócios”44 e o monitoramento sobre a administração da sociedade limitada, dentre as quais destacam cláusulas que (i) minimizam o risco moral, que visam restringir o emprego do mútuo única e exclusivamente na consecução do objeto social da sociedade limitada e em sua infraestrutura, ou estabelecer o direito de veto do
42 Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxx: “De modo geral, é fácil perceber que ainda que não venha a ser um sócio direto no negócio, o investidor ao aplicar valores financeiros na startup estará colocando o sucesso de seu investimento nas mãos dos fundadores da empresa, os quais poderão nem sempre levar em consideração os interesses daquele em detrimento dos seus. Tal situação constitui-se como verdadeiro problema de agência, tema da próxima parte deste artigo”. (XXXXXX, XXXXXXX e RIGÃO, 2017)
43 Xxxxxx, Xxxxxxx e Rigão, 2017.
44 Ibidem, 2017.
investidor-mutuante operações que importem ônus excessivo à sociedade limitada, ainda, alterações na estrutura da sociedade, (ii) que mitigam os efeitos da seleção adversa, (iii) que estabeleçam regra de confidencialidade e (iv) as chamadas clausulas penais que estabelecem multas pelos descumprimentos contratuais de uma das partes45.
Sendo um contrato jurídico relativamente novo e importado do sistema jurídico norte-americano, como já antecipado, ainda que compatível com o ordenamento jurídico brasileiro, não há regulamentação legal específica, o que não impede o uso de outros institutos jurídicos, notadamente reconhecidos pelo Direito brasileiro, para regular as relações jurídicas estabelecidas sob a forma desse contrato atípico. Ademais, como falamos, as partes também são livres para negociar os termos do contrato de mútuo conversível em quotas sociais, de forma a melhor regulamentar seus interesses e objetivos.
Tampouco, temos jurisprudência sobre o tema. Desconhecemos como os juízes e os tribunais interpretarão o contrato de mútuo conversível em quotas sociais. Esse é um ponto importante, visto que a insegurança do investidor quanto ao risco decorre justamente das várias decisões judiciais de se desconsiderar a pessoa jurídica das sociedades limitadas e responsabilizar seus quotistas, por meio de seus patrimônio pessoais, pelo cumprimento de obrigações tributárias e trabalhistas, de modo que o risco relativo a perda ultrapasse o valor inicialmente investido por meio da subscrição e integralização das quotas sociais46.
Importante frisar que, para garantir sua razão de ser, as obrigações e os direitos estabelecidos pelo contrato de mútuo conversível em quotas sociais devem manter coerência com o ordenamento jurídico que o regulamenta.
Dessa forma, se a proteção do investidor-mutuante contra a responsabilização de seu patrimônio pessoal decorre justamente do fato de não ser
45 Cf. Xxxxxx, Xxxxxxx e Rigão, 2017, passim.
46 Nesse sentido, Xxxxx Xxxxxxxxxx “(...) o grande receio dos investidores, e dos profissionais de Direito que auxiliam nessa questão, dá-se com relação a esta modalidade ser alheia ao ordenamento jurídico brasileiro, não tendo recebido tratamento típico, o que, sobremaneira, pode eivar as decisões judiciais de vícios tais que impliquem na responsabilidade solidária do investidor para a sociedade, assumindo, assim, a faceta de sócio, sem ainda o ser”. (XXXXXXXXXX, 2017, p. 28)
sócio da sociedade, a contrapartida dessa situação seria, justamente, não ter os mesmos direitos dos quotistas. Isso significa dizer, que até virem a ser quotistas da sociedade, o investidor-mutuante não é titular de quaisquer dos direitos elencados na seção 2 acima, em especial, o de participar das deliberações sociais e de administrar a sociedade. Assim, o investidor-mutuante na sociedade limitada, não teria poder de gerência sobre a sociedade, razão pela qual, não poderia opinar nas decisões relativas à condução dos negócios da sociedade limitada.
Nesse sentido, podemos mencionar outros instrumentos jurídicos de investimento em sociedades empresárias, tais como os relativos ao investidor-anjo em starups e ao sócio participante na sociedade em conta de participação47, os quais limitaram o direito de gestão desses agentes nas sociedades investidas48.
Ora, se outros institutos já regulamentados, limitam a atuação dos investidores na sociedade investida, é de se questionar, no mínimo, se esse direito de gestão seria garantido ao investidor-mutuante, que nem quotista da sociedade limitada é. Podemos estar ampliando demasiadamente as normas jurídicas brasileiras para alcançar uma proteção e uma atuação do investidor-mutuante que não venha a se sustentar na análise do judiciário.
Por outro lado, o investidor-mutuante teria direito de fiscalizar a sociedade para garantir o cumprimento de seu contrato. No entanto, esse direito de fiscalização não é o mesmo do quotista, que, inclusive conta com ferramentas previstas em lei. Trata-se de um direito de origem contratual que deverá ser previsto e regulamento pelo contrato de mútuo conversível em quotas sociais com o intuito de garantir seu adimplemento.
47 Código Civil Brasileiro: Art. 993. Parágrafo único. Sem prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier.
48 Nesse sentido, Xxxxx Xxxxxxxxxx “(...) de maneira também atrativa, tem-se que no contrato de mútuo conversível o investidos poderá usufruir de poderes de veto ou voto afirmativo para compromisso assumidos pelos empreendedores que excedam o valor do patrimônio líquido da sociedade, sendo, pois, importante ferramenta para minimizar passivos que comprometam o patrimônio da empresa. É, assim uma forma de o investidor resguardar o seu próprio investimento. Nesse sentido, a vedação instituída pela Lei Complementar no 155/2016 de voto na administração da empresa representa uma grande perda para a categoria. (XXXXXXXXXX, 2017, p. 29).
Dentre as obrigações a serem previstas no contrato de mútuo conversível em quotas sociais para permitir a fiscalização contratual do investidor-mutuante, deveriam constar o cumprimento da legislação brasileira, inclusive com a realização da assembleia anual de aprovação de contas da sociedade limitada, nos termos do artigo 1.078 do Código Civil Brasileiro 49 , e a apresentação de balanços, demonstrações de resultado, relatórios de auditoria, certidões negativas de débito e outros documentos contábeis e fiscais que atestar que a sociedade limitada está financeiramente saudável e poderá honrar os compromissos assumidos com o investidor-mutuante.
Assim, ainda que desaconselhemos a expansão de direitos notadamente dos quotistas ao investidor-mutuante, entendemos que a fiscalização remota do investidor-mutuante das atividades empresarias seja compatível com o ordenamento jurídico brasileiro e teria por objetivo também funcionar como uma due diligence, no caso desse investidor decidir ingressar na sociedade limitada na qualidade de quotistas, pois se o fizer, participará da sociedade limitada com todos seu bônus e seu ônus. Nesse sentido, Xxxxxx Xxxxxxx esclarece:
O Código Civil, como já anunciava o seu Projeto, no art. 1.025 dispõe que o sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das dividas sociais anteriores à admissão. Pensamos que é, de fato, essa a melhor solução. O novo sócio, ao ingressar na sociedade já constituída, deve ponderar sobre todas as vantagens e riscos do ato que vai realizar. Há de perquirir sobre o ativo e o passivo da sociedade, pesar os riscos que irá assumir com o seu ingresso. Gozará dos benefícios e reflexos financeiros dos negócios realizados anteriormente; é justo, pois, que se sujeite também, aos respectivos riscos. (REQUIÃO, 2012, p. 522.)
Há de ser ter parcimônia ao utilizar o contrato de mútuo conversível em quotas sociais, por ser um instrumento estrangeiro adaptado e compatível com o ordenamento jurídico interno. Faz-se necessário analisar se todas as garantias e obrigações, dentre elas a extensão de direitos exclusivamente de quotistas ao investidor-mutuante, disciplinadas pelo sistema jurídico alienígena podem ser
49 Código Civil Brasileiro: Art. 1.078. A assembleia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes à ao término do exercício social, com o objetivo de:
I - tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico;
II - designar administradores, quando for o caso;
III - tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia.
internalizadas pelo direito pátrio e, se poderão ser mantidas no caso de análise judicial sem que um risco adicional seja acarretado ao investidor-mutuante.
7 Conclusão
Diversas são as possibilidade de financiamento societário e, como se demonstrou ao longo do presente trabalho, o contrato de mútuo conversível em quotas sociais apresenta-se como uma alternativa compatível com o ordenamento jurídico brasileiro.
Tal alternativa visa permitir o investimento de terceiros em uma sociedade limitada, restringindo o risco do investimento ao valor efetivamente aportado e mitigando o risco de responsabilização patrimonial do terceiro. Ainda, a cláusula de conversibilidade permite ao investidor-mutuante, no caso do negócio se mostrar próspero, decidir ingressar na sociedade limitada e torna-se seu quotista, nas condições previamente negociadas. Nesse sentido, Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx explica:
Sem que necessariamente um investidor torne-se sócio de uma empresa ou de um projeto ainda em elaboração, criou-se um instrumento no qual os empreendedores possam receber aportes monetários a título de investimento e que possibilita àquele que empresta tornar-se sócio em um provável sucesso desse investimento. (TAKADA, 2016, p. 5)
Como instrumento privado, livremente negociado entre as parte, o contrato de mútuo conversível em quotas sociais pode ser celebrado de forma ágil e não depende de autorização ou registro em algum órgão estatal. Também pode ser celebrado com mais de um investidor-mutuante. No entanto atenção, a possiblidade de se ter mais de um investidor-mutuante como parte nesse contrato não é sinônimo de ofertá-lo no mercado, sob pena de sofrer a fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários – CVM.
A interpretação dos institutos jurídicos frente a novas realidades permite sua modernização sem ser necessária a edição ou a alteração de lei. Para tanto, os instrumentos jurídicos estrangeiros devem ser internalizados à luz do direito brasileiro.
Ao optar pela modalidade de investimento por meio contrato de mútuo conversível em quotas sociais, deve-se ter em mente o tradeoff dessa escolha e decorrente do ordenamento jurídico brasileiro. Se se busca a limitação do risco do investidor-mutuante ao valor efetivamente emprestado por ele à sociedade limitada, uma vez que não se configura como quotista dessa sociedade, a extensão de direitos exclusivamente de quotistas ao investidor-mutuante fica prejudica, sob pena de responsabilização patrimonial e pessoal desse investidor.
REFERÊNCIAS
XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx. Extinção dos Contratos. In: XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Contratos Empresárias: Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 415-458.
XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Análise da Regulação do Investimento Anjo no Brasil. 2017. 55f. Monografia (Bacharel em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília.
BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/Xxxx/0000/x00000.xxx> Acesso em: 27 jun. 2018.
. Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/Xxxx/xxx/xxx000.xxx> Acesso em: 27 jun. 2018.
. Lei Complementar nº 155, de 27 de outubro de 2016. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx_00/Xxxx/xxx/Xxx000.xxx> Acesso em: 27 jun. 2018.
XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx de. Parâmetros e Finalidades. Aspectos gerais da liberdade de associação no Brasil. 2014. Revista Consultor Jurídico, 3 de julho de 2014, 7h59. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000-xxx-00/xxxxx- camargo-aspectos-gerais-liberdade-associacao-brasil> Acesso em: 25 jun. 2018.
XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Equity Crowdfunding: Regime Jurídico e sua Nova Regulamentação. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais v. 78/2017, p. 47 – 76, out-dez.2017. Disponível em
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxx/xxx/xxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxXxxx/xxxxxxxx?& src=rl&srguid=i0ad82d9b0000016438ca47dfc21a7107&docguid=Ifb6ba520cccc11e7 9c7d010000000000&hitguid=Ifb6ba520cccc11e79c7d010000000000&spos=21&epo s=21&td=38&context=471&crumb-action=append&crumb- label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=&startChunk=1&endChunk=1
> Acesso em: 25 jun. 2018. (Paginação da versão eletrônica difere da versão impressa).
XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de Direito Comercial, volume 2: Direito de Empresa. 16a edição, São Paulo: Saraiva, 2012. 550p.
XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx. A TRANSFORMAÇÃO DE SOCIEDADE APLICADA AO
INVESTIMENTO EM STARTUPS. Revista dos Tribunais, v. 989/2018, p. 249-264, mar. 2018. Disponível em
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxx/xxx/xxxxxxXxxx/xxxxxxxx?xxxxxxxxxx&xxx&xx omrend=&srguid=i0ad6adc60000016438325a90b696e80e&epos=3&spos=3&page= 0&td=38&savedSearch=&searchFrom=&context=14&crumb-action=append&crumb- label=Documento#noteDTR.2018.10312-n28> Acesso em: 25 jun. 2018. (Paginação da versão eletrônica difere da versão impressa).
., XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx e RIGÃO, Xxxxxx xx Xxxxxxxx. Contrato de Investimento em Startup Pela Ótica da Teoria da Agência: Análise de Cláusulas e a Relação com os Conflitos de Agência. Revista dos Tribunais, v. 976/2017, p. 221-239, fev. 2017. Disponível em
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxx/xxx/xxxxxxXxxx/xxxxxxxx?&xxxxxx&xxxxxxxx0xx 6adc60000016438325a90b696e80e&docguid=I30368400d16511e6bd94010000000
000&hitguid=I30368400d16511e6bd94010000000000&spos=2&epos=2&td=38&cont ext=14&crumb-action=append&crumb- label=Documento&isDocFG=true&isFromMultiSumm=true&startChunk=1&endChunk
=1#noteDTR.2017.2-n6> Acesso em: 25 jun. 2018. (Paginação da versão eletrônica difere da versão impressa).
XXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Instrumentos de Capitalização Societária. Revista de Direito Privado. v. 49/2012, jan-mar. 2012. Disponível em
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxx/xxx/xxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxXxxx/xxxxxxxx?& src=rl&srguid=i0ad82d9b0000016438ca47dfc21a7107&docguid=I6589b9406dad11e 1bee400008517971a&hitguid=I6589b9406dad11e1bee400008517971a&spos=9&ep os=9&td=38&context=26&crumb-action=append&crumb- label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=true&startChunk=1&endChun
k=1#noteDTR.2012.2049-n20> Acesso em: 25 jun. 2018. (Paginação da versão eletrônica difere da versão impressa).
XXXXX, Xxxxx Xxxxxx.
Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 3: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 18a edição, São Paulo: Saraiva, 2013. 786p.
XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Mútuo e Conta-Corrente: Aspectos Contratuais e Tributários. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. v. 68/2015 | p.
197 – 210, abr-jun.2015. Disponível em < xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxx/xxx/xxxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxXxxx/xxxxxxxx?&x rc=rl&srguid=i0ad82d9b0000016439063d529bc5c7b2&docguid=I88922fc034f211e5a a6c010000000000&hitguid=I88922fc034f211e5aa6c010000000000&spos=8&epos= 8&td=3268&context=530&crumb-action=append&crumb- label=Documento&isDocFG=false&isFromMultiSumm=true&startChunk=1&endChun k=1> Acesso em: 25 jun. 2018. (Paginação da versão eletrônica difere da versão impressa).
XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Interpretação dos Negócios Empresariais. In: XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Contratos Empresárias: Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 75-155.
XXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Princípios Contratuais. In: XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx. Contratos Empresárias: Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1-74.
XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. Startups: A Mitigação dos Riscos Nos Investimentos em Startups de Base Tecnológica. 2017. 62f. Monografia (Pós Graduação em Direito Societário) Insper, São Paulo.
XXXXXXX, Xxxxxx. Curso de Direito Comercial; 1o volume. 31a Edição revisada e atualizada por Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, São Paulo: Saraiva, 2012. 613p.
XXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Deliberação nas Sociedades Limitadas. In: Xxxxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx e PROENÇA, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. Direito Societário: Tipos Societários. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 147-174.
XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. Startups – Contrato de Mútuo Conversível em Quotas Sociais. Revista de Direito Empresarial, v. 19/2016, p. 151-159, out. 2016. Disponível em
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxx/xxx/xxxxxxXxxx/xxxxxxxx?xxxxxxxxxx&xxx&xx omrend=&srguid=i0ad6adc60000016438325a90b696e80e&epos=1&spos=1&page= 0&td=38&savedSearch=&searchFrom=&context=14&crumb-action=append&crumb- label=Documento> Acesso em: 15 jun. 2018. (Paginação da versão eletrônica difere da versão impressa).