Doutrina
Doutrina
RECRIAR A VIDA CONTRATUAL E SERVIR AO SER HUMANO:
COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO NOS
CONTRATOS DE ADESÃO
Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx Doutorando da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Investigador Associado do CEDC – Centro de Estudos de Direito do
Consumo de Coimbra
EXCERTOS
“Assim, o contrato é, antes de mais nada, um negócio jurídico bilateral ou plurilateral, formado pela integração de duas ou mais vontades, visando à produção de todo e qualquer efeito reconhecido pelo direito”
“De fato, através dos contratos de adesão, passou-se a poupar o tempo de negociação e elaboração do contrato, especialmente através da repetição massificada das cláusulas, o que se ajusta às referidas estruturas de produção económica e distribuição de bens e serviços, colocando em prática as necessidades de racionalização, planeamento, celeridade e eficácia”
“Cumpre observar que o termo “cláusulas gerais” (inclusive no que diz respeito à teoria contratual) é muitas vezes utilizado, especialmente no caso do Brasil, com o significado de cláusulas abertas, abstratas e materializáveis pelo intérprete, especialmente no caso dos magistrados, consoante o caso concreto”
“(...) a verdade é que, por si só, a economia de mercado mostrou-se incapaz de fazer vingar uma justa contratação e permitir a livre formação da vontade de contratar, quando menos no que respeita à aceitação ou rejeição de um determinado contrato de adesão”
“Tanto no Brasil quanto em Portugal, encontramos a dignidade da pessoa humana no centro das atenções, informando o projeto constitucional e resultando na criação de princípios que passaram a integrar, com crescente importância, o direito contratual”
“Desenvolve-se hoje, com maior desenvoltura, uma doutrina que procura proteger – inclusivamente através de uma ponderação dos interesses em jogo
– os direitos fundamentais sociais, mesmo em atenção aos indesejados efeitos da autonomia privada, preservando-se o ‘mínimo existencial’ que permita à pessoa humana viver. Esta preservação dá-se através de uma vinculação direta dos particulares aos direitos sociais”
“Deve permitir-se o acesso generalizado dos contratantes a um registro público e de fácil acesso sobre as cláusulas contratuais gerais que forem consideradas proibidas pela decisão judicial inibitória, por mais que nunca tenha sido celebrado o contrato que as contenha”
“A ação coletiva, ao permitir a efetiva reparação de todas as pessoas lesadas na contratação através de cláusulas contratuais gerais, promoverá uma maior confiança do aderente no mercado e na melhoria do seu funcionamento”
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S
1. Noções iniciais: teoria geral do direito civil
endo o fato jurídico aquele ao qual o direito confere reconhecimento, não lhe sendo indiferente [contrariamente ao que ocorreria quanto (i) ao cair de uma pluma ou (ii) à utilização de uma gravata de certa cor, respectivamente fatos não jurídicos de natureza natural e social], os atos
jurídicos possuem a particularidade de derivarem de uma “ação humana cujo efeito jurídico se prende à vontade do agente” (diferentemente dos acontecimentos fortuitos ou de ordem natural juridicamente relevantes, mas involuntários, como o nascimento, o decurso do tempo ou a morte)1.
Dentro da categoria dos atos jurídicos lato sensu situam-se os simples atos jurídicos (ou atos jurídicos stricto sensu) e os negócios jurídicos (Rechtsgeschäfte). Estes são atos jurídicos integrados por uma ou mais declarações de vontade (unilaterais no primeiro caso, bilaterais ou plurilaterais no segundo), com vista à produção de determinados efeitos prático-jurídicos (normalmente de caráter patrimonial), com ânimo de que o direito os tutele – e que o direito efetivamente tutela porque e na medida em que foram queridos2.
Enquanto no ato jurídico simples o efeito é produzido pela vontade do agente por mais que esta não estivesse direcionada para esta produção (sendo somente ex lege e não ex voluntate, como ocorre na gestão de negócios alheios ou na descoberta de tesouro), no negócio jurídico “os efeitos são produzidos justamente porque foram queridos e na medida em que o foram”3, como se verifica em relação ao testamento e ao contrato.
Assim, o contrato é, antes de mais nada, um negócio jurídico bilateral ou plurilateral, formado pela integração de duas ou mais vontades, visando à produção de todo e qualquer efeito reconhecido pelo direito4.
Ao conceito de contrato explicitado, costuma-se acrescentar um princípio tido como basilar para a definição do seu regime: a autonomia. Esta significa, em direito, autodisciplina: é uma atividade e um poder de regulamentação de interesses – sendo o interesse a relação entre aquele que sente necessidades e aquilo que é idóneo para as satisfazer – pelos próprios interessados (opondo-se à ideia de heteronomia, na qual este poder e esta atividade são provenientes de um terceiro ente, como as leis ou as decisões provenientes do Estado).
Da referida autonomia emana a liberdade contratual, isto é, a possibilidade que as partes têm de celebrar contratos. Contudo, a partir daqui – conforme salientou, nos ensinamentos do curso de doutoramento em direito civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, o professor doutor Xxxxx Xxxxxxx – podem surgir problemas: se é certo que a liberdade contratual vem
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ligada à liberdade em geral, também não se pode negar que possui algumas especificidades que podem fazer estremecer esta ligação.
De fato, o exercício da liberdade contratual conforma a conduta futura do contraente, acabando por implicar a perda de alguma liberdade ao vincular os interessados. Dito por outras palavras, é preciso saber, de verdade, que nos contratos busca-se a liberdade, mas o efeito várias vezes é o inverso5.
Assim, é conveniente ressaltar que a autonomia, enquanto nota integradora da ideia de contrato, não deve ser tida como (i) um poder absoluto e ilimitado de autorregulamentação de interesses pelas partes, nem como (ii) uma manifestação – não obstante a importância dada ao caráter volitivo dos atos e negócios jurídicos, consoante o que foi anteriormente exposto – de exaltação das vontades integradas, de tal modo que o contrato crie – como já se disse outrora – “lei entre as partes”.
No que respeita ao primeiro ponto deste debate, superando-se o plano meramente teorético e ingressando na “pujança da vida real”, a verdade é que nem sempre as partes poderão prever e querer o efeito jurídico que caracteriza o negócio: “os negócios jurídicos não são monopólio dos jurisconsultos”, advertia, elegante e humanamente, Xxxxxx Xxxxxx. De fato, face à complexidade das operações contratuais, queremos acreditar que nem mesmo o mais arguto e experimentado jurista poderia pensar, no momento da prática do ato, em todos os seus efeitos6.
Como solução para esse problema, fala-se em finalidades da autonomia da vontade7, de tal modo que a sua manifestação deve ter como destino a realização de valores (segundo pensamos, valores protegidos pelo direito8). A não realização destes valores, estejam eles representados na causa contratual ou até mesmo nos motivos individuais que levaram uma pessoa a contratar, será fonte de inúmeros problemas, os quais serão melhor analisados adiante.
Para já, o importante é sublinhar que a vontade das partes não paira acima da lei: a autonomia da vontade como poder supralegal é um dogma em que a ciência do direito já não crê há longo tempo... De fato, a verdade é que a própria lei impõe limites à autorregulamentação de interesses pelas partes, mas tais limitações não conflitam com a ideia de autonomia: basta os interessados disciplinarem por si as suas relações em inteira harmonia com os valores protegidos pelo direito.
Estes valores, como é natural, têm mudado com o decorrer do tempo, acompanhando o desenvolvimento da sociedade. Como veremos a seguir, vivemos numa mudança de épocas em que os tradicionais princípios – entre os quais a autonomia da vontade – apresentam-se como ultrapassados – quando
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menos parcialmente – e superados por outros mais novos e condizentes não só com a realidade que pulsa no seio social como naquilo que respeita à preocupação em relação às gerações futuras.
No plano destas mudanças, os contratos de adesão – em que aparece eliminada a fase de negociação do conteúdo contratual, restringindo-se a manifestação da vontade e dos interesses do aderente – estão como que “encravados” exatamente no meio das transições que marcaram o início dos períodos industrial e pós-industrial, respectivamente9. Assim, são o maior exemplo de como a exaltação da vontade (em nome da desigualdade) imperou
– e de fato frequentemente ainda impera – e de como são necessárias as mudanças quanto a este tipo de pensamento. Lançando as suas bases sobre um princípio cuja elevação absoluta está fadada ao insucesso – conquanto à altura poucos se tenham apercebido disto – os contratos de adesão representaram, a um só tempo, a vitória e a ruína da teoria contratual. A nosso ver, parecendo- nos impossível – ou mesmo indesejável – eliminá-los do universo jurídico, a presente tarefa consiste em repensar esta forma de contratação face aos novos valores vigentes e em constante transformação.
2. A sociedade industrial moderna e o surgimento dos contratos de adesão
A noção de contrato acima exposta, associada dogmaticamente a uma ideia de autonomia ampla (enquanto princípio de direito contratual) dominou especialmente no século XIX, com a chamada sociedade industrial ou moderna, perdurando até meados do século XX. A nosso ver, embora tal “modelo social” se encontre, atualmente, ultrapassado, é conveniente relembrar o avanço destas ideias (a seu tempo), pois estão na origem da expansão dos contratos de adesão.
Naqueles tempos, enfim “livre” (designadamente do clero e da monarquia absolutista), a burguesia assume o comando da sociedade. No campo jurídico, exemplo primordial das mudanças que se delineavam é dado pelo Code Civil francês, conhecido como o “Código Burguês” por excelência, o qual reflete uma concepção de vida extremamente liberal e individualista, permitindo, durante o referido período, o crescimento e a difusão de ideias de autonomia privada – de onde emana a liberdade contratual – claramente exaltadas.
Sob tal óptica, fundada numa ideia de igualdade formal (o “eu” metafísico e sem vínculos históricos, abstratamente reduzido ao “ser”, numa irredutibilidade
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essencial que torna todos como “iguais”, simplesmente), é indiferente ao direito civil – e ao direito contratual – a posição que o destinatário de suas normas ocupa na sociedade.
Assim, no plano contratual, coloca-se uma excessiva importância na formação e manifestação da vontade de contratar, esquecendo-se – ou procurando omitir – que o poder de autodisciplina não é absoluto e difundindo uma ideia de que a celebração do contrato seria sempre justa, na medida em que atendesse à liberdade individual dos contratantes. Com efeito, se a vontade fosse formada e declarada por livre e espontânea vontade, tinha-se a ideia de um contrato justo, independentemente do seu conteúdo, generalizando-se a ideia consubstanciada no mote “quem diz contratual, diz justo”10.
Em relação à análise econômica deste período, como é sabido, a burguesia – ávida pelo lucro – passa a produzir em massa, potenciada pelos avanços tecnológicos da Revolução Industrial (como a descoberta da energia elétrica, da locomotiva e até mesmo do pára-raios, fornecendo a impressão de que o homem podia domar, mesmo nas suas manifestações mais terríveis, a natureza) e pelas Revoluções Americana e Francesa (as quais permitiram o acesso dos burgueses à “sala de controlo” do poder). Assim, através das revoluções, milhares de novos cérebros assumem a liderança em diversas nações, algumas delas já hegemónicas no cenário internacional, sobretudo em atenção à acumulação primária de ouro e matéria-prima, resultados do colonialismo.
Se bem vistas as coisas, é a mesma burguesia a origem e o destino deste “impulso”: é ela própria a maior consumidora dos bens que passam a ser produzidos. Assim, não é espantoso que se definam linhas de produção a pregarem objetivamente o menor esforço possível para atender a este número crescente de consumidores, recém-chegados ao comando, com riqueza acumulada, liberdade e individualismo exaltados por invenções, descobertas e revoluções (que desafiam até mesmo a natureza) e amparados por uma ideologia de igualdade que atende, pelo menos, a uma lógica formalista11.
Criam-se bens de valor preferencialmente modesto, práticos, facilmente montáveis e – o que representa uma marcante inovação – alienáveis através de catálogos de venda. Este modelo reproduz-se de maneira generalizada: a sociedade industrial possui uma visão unitária do que sejam mercado, produto e produção. Visando uma dominação ampla, preza-se o trabalho físico e repetitivo, remunerado para os gastos na – própria – sociedade de consumo, se possível associando esse “consumismo” a ideais de “qualidade de vida”, independentemente do refinamento cultural que representem12.
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Com o desenvolvimento da sociedade industrial, tudo passa a ocorrer na escala “de massa”: produção, distribuição, consumo... A pretendida dominação ampla é favorecida, de maneira incontornável, pelos meios de comunicação (também estes classificados como “de massa”): primeiro o rádio, depois a televisão e daí em diante. Passa-se, assim, dos milhares de ouvintes (presenciais, que acompanhavam os pregadores) aos milhões – ou aos milhares de milhões, como nas Olimpíadas ou no desembarque à lua – de ouvintes e telespectadores. Tornava-se manifesto o “poder condicionante” destes meios de comunicação – palavra de precípua importância para o presente estudo, tanto mais que integra o título que lhe dá sustento13.
É no seio desta economia massificada, segundo pensamos, que surge a ideia do contrato de adesão: uma contratação em que a celebração é dada por mera adesão de um dos contraentes às cláusulas previamente redigidas pela contraparte (ou até por um terceiro), sem que o aderente possa alterá- las, suprimindo-se, de tal maneira, a negociação do contrato durante a sua formação e desenvolvendo-se, desta forma, o modelo contratual “típico da sociedade industrial moderna”14.
De fato, através dos contratos de adesão, passou-se a poupar o tempo de negociação e elaboração do contrato, especialmente através da repetição massificada das cláusulas, o que se ajusta às referidas estruturas de produção económica e distribuição de bens e serviços, colocando em prática as necessidades de racionalização, planeamento, celeridade e eficácia.
3. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: esclarecimentos pertinentes
Portanto, temos que o contrato de adesão é aquele em que uma das partes estabelece, prévia e unilateralmente, as cláusulas que a outra, de fato, não pode discutir, apenas podendo recusar ou aceitar o conteúdo global da proposta.
Por oportuno, convém esclarecer que as chamadas cláusulas contratuais gerais (doravante CCG) ou condições gerais dos contratos (CGC) são consideradas, pelos estudiosos do direito, como uma categoria mais restrita do que os contratos de adesão, já que a sua caracterização é dada por uma “indeterminação” quanto aos destinatários: as cláusulas são previamente redigidas para um número incerto de pessoas, com uma intenção manifestamente uniformizadora, levando a que os contratos sejam concluídos conforme um mesmo padrão, modelo ou standard. Por sua vez, um contrato de adesão pode ser elaborado para ser concluído
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por apenas um destinatário. Fala-se aqui em cláusulas individualizadas (mas sempre “de adesão”, eis que a formação dá-se por mera aceitação do conteúdo contratual pré-formulado por pessoa diversa do aderente).
Nestes termos, é possível observar, desde logo, uma diferença entre os ordenamentos jurídicos brasileiro e português, quanto à diferenciação entre cláusulas contratuais gerais e os contratos de adesão. O legislador brasileiro optou por focalizar as suas atenções nestes últimos, visto que representam uma categoria mais ampla, na qual estão inseridas as CCGs. Ao seu turno, o legislador português teve atenção também às cláusulas inseridas sem negociação, classificadas como – atente-se ao disposto no art. 1°, n. 2 do DL 446/85 – individualizadas. A nosso ver com razão, verifica-se a maior precisão da legislação portuguesa, eis que a classificação de um contrato como “de adesão” respeita ao seu modo formação, através da aceitação de um conteúdo sobre o qual o destinatário não pode influenciar, por mais que este conteúdo tenha sido especialmente predisposto para uma única situação específica (“irrepetível”, como sabiamente esclareceu Xxxxx Xxxxxxx, ou seja, ao contrário do que sucede com as cláusulas contratuais “gerais”, que se destinam a um número indeterminado de pessoas e casos, de resto inseridas na maioria dos contratos de adesão).
Como o aludido regime português não exige que este aderente individual seja um consumidor, temos que a legislação brasileira, neste ponto, poderia ter sido mais exata e pontual quanto à proteção do aderente não consumidor (a qual, sem embargo de ser mais rara, não deve – repita-se – ser desprezada, diante das suas fragilidades). Estes prejuízos são contornados por noções equiparadas de consumidores e pela doutrina brasileira, especialmente em atenção ao diálogo das fontes, como se verá mais à frente.
Na Europa, costuma-se efetivar uma minuciosa análise dos contratos de adesão, cláusula por cláusula, o que não nos parece de modo algum prejudicial à proteção do aderente – muito pelo contrário. Entretanto, noutros países europeus, como a Alemanha, a França e a Itália, prefere-se a expressão “condições gerais dos contratos” a “cláusulas contratuais gerais” (terminologia consagrada no ordenamento jurídico português). Trata-se de um purismo dos juristas lusitanos, os quais temiam a utilização do termo “condição” com um sentido diverso do tradicional civilista (enquanto elemento acidental do contrato).
Saliente-se, ainda no que toca aos esclarecimentos preliminares sobre a disciplina contratual de adesão, que a doutrina especializada diferencia “cláusula predisposta” de “cláusula proposta”. De fato, se é mais comum que
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o predisponente seja também o proponente, sustenta-se a possibilidade de a proposta partir do aderente, o qual apenas se limita a subscrever o contrato (que, por sua vez, reflete um plano de elaboração de operação económica de cláusulas contratuais gerais), como ocorre com os contratos de seguro de vida em que o proponente adere às condições do segurado15. Outros exemplos seriam
o dos contratos celebrados pelos shopping centers com os vendedores, quando
o centro comercial dá as condições para a venda e os vendedores fazem as suas propostas. Porém, nem sempre a situação será clara, reclamando cuidados na contratação16.
Cumpre observar que o termo “cláusulas gerais” (inclusive no que diz respeito à teoria contratual) é muitas vezes utilizado, especialmente no caso do Brasil, com o significado de cláusulas abertas, abstratas e materializáveis pelo intérprete, especialmente no caso dos magistrados, consoante o caso concreto (v.g. a boa-fé, a função social dos contratos etc.)17.
Esclarecida a conceituação (que será utilizada de maneira variada conforme o momento da exposição), o importante é notar que os contratos de adesão se expandem rapidamente por grandes setores da economia e, de exceção, chegam a tornar-se a regra em matéria de contratação (inclusivamente no que respeita a serviços essenciais, frise-se) na sociedade em que se vive hoje. Daí decorrem problemas que serão abordados logo em seguida.
4. O problema dos contratos de adesão face ao princípio da liberdade contratual
Conforme tivemos a oportunidade de lembrar, uma posição mais clássica da doutrina defende que o contrato encontra na autonomia da vontade, de onde emana a liberdade contratual, o seu princípio basilar, a sua nota integradora. Porém, segundo o que acabamos de ver, a referida autonomia, materializada através da autorregulamentação dos interesses pelos próprios contraentes, aparece, nos contratos de adesão, desde logo desequilibrada: se o conteúdo é determinado por apenas um dos contraentes (ou por um terceiro), sem influência do destinatário (que a elas apenas adere), qual será a liberdade contratual do aderente?
Tal pergunta, que provavelmente ecoou na consciência de contratualistas do mais alto gabarito, consubstancia o que já foi classificado como a “crise” ou o “problema do contrato” em estudos jurídicos que abrilhantaram de sobremaneira o cenário jurídico internacional18.
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Em suma, dir-se-ia que a primeira solução encontrada para resolver o problema foi a de atender às ordens da chamada “economia de mercado”. Assim, se o aderente não podia discutir o conteúdo do contrato previamente, ao menos teria a liberdade (restrita, no confronto com o que seria uma contratação plenamente livre para negociações) de aceitar ou recusar o contrato de adesão. A partir daí, o próprio mercado, através da concorrência entre os diversos utilizadores de CCG (v.g. os fornecedores), encarregar-se-ia de premiar os contratos mais favoráveis ao aderente, afastando aqueles que lhe fossem desfavoráveis, funcionando como um controlo que manteria “acesa” a justa
contratação e afastaria até mesmo as cláusulas contratuais injustas 19.
Duas críticas principais podem ser apontadas a tal “solução” para o “problema” dos contratos: (i) diante de um monopólio, especialmente no que toca a serviços essenciais (água, luz, gás e outros bens, os quais muitas das vezes são fornecidos por entes ligados ao Estado), o aderente não tem como escapar de uma contratação abusiva e desfavorável através da “pesquisa” (sobretudo de preços, mas também no que respeita a outras características dos bens) entre a concorrência; e (ii) tal modelo de controlo pressupõe uma adequada formação e informação do aderente, para que, havendo opções de contratação, tenha a plena capacidade para eleger aquele contrato que, entre os propostos pelos concorrentes, atenda às suas legítimas expectativas, permitindo assim a formação da vontade com um mínimo de liberdade contratual e a posterior “premiação” dos predisponentes e utilizadores que oferecem as melhores condições.
Quanto à primeira crítica, embora de suma importância e sem prejuízo de mantermos sempre aceso o espírito de indignação contra as injustiças (lembrando de alguns problemas verificados na distribuição de água em Portugal), quer-nos parecer que a sua verificação prática é hoje bastante restrita
– controlada sobretudo pelo Estado, que confere direitos aos cidadãos através de leis específicas e não só – nos ordenamentos jurídicos sobre os quais nos debruçámos.
Porém, em relação à segunda, é com pesar – vergonhoso para os nossos propósitos – que se constata, ainda hoje, uma completa falta de informação dos aderentes, permitindo que a prévia e unilateral estipulação das cláusulas gerais seja levada a cabo em seu prejuízo. Segundo a nossa ordem de ideias, é hoje muito comum ver contratos de adesão que contêm cláusulas aberrantemente desfavoráveis ao aderente. O dito Informationsmodell, embora possa ser profícuo no plano das ideias, parece falido quando posto em prática20. Esta “falência” desloca as atenções, que deveriam concentrar-se na formação do contrato, para
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um momento posterior à sua celebração (ou ao menos à sua “colocação no mercado”, de modo a propiciar as adesões), implicando a necessidade de um “controlo de conteúdo” dos contratos de adesão21.
De todo o modo, a verdade é que, por si só, a economia de mercado mostrou-se incapaz de fazer vingar uma justa contratação e permitir a livre formação da vontade de contratar, quando menos no que respeita à aceitação ou rejeição de um determinado contrato de adesão.
De uma maneira geral, a solução encontrada pelo direito para a solução destes problemas é baseada na criação de regimes legais especificamente voltados para a proteção do aderente, devido à sua manifesta debilidade frente ao predisponente, no que toca à formação do contrato. O Decreto-Lei 446/85, lei pioneira que deu tratamento ao assunto em Portugal, assim como o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (comummente lembrado como
o “primeiro do mundo”), são bons exemplos desta proteção conferida pelo legislador.
Porém, se pensarmos bem no que já foi dito (e sem desprezar as tradicionais soluções acima apontadas), parece-nos possível – e até imperativo – avançar, atentos à realidade social que nos rodeia, com outras soluções, algumas delas já aventadas pelas doutrinas brasileira e portuguesa.
5. A solução constitucional e os novos princípios do direito privado e contratual
A convicção lógica e coerentemente individualista da sociedade industrial de que, com toda a referida “sede de lucros” (mesmo potenciada pela utilização de cláusulas contratuais gerais), seria possível construir uma sociedade de “iguais”, não resistiu ao confronto com a realidade, tendo repercutido negativamente no seio social, avaliado como um todo. Tornava-se imperioso contrapor outros valores à livre iniciativa.
De fato, percebeu-se, na incipiência desta “viragem decisiva” de valores, que nem sempre as partes contratantes dispunham de idênticas “armas” para contrapor os seus interesses e chegar a um justo consenso. Esta desigualdade (subjetiva) repercutiu negativamente na justiça contratual e implicou disparidades sociais gravíssimas, obrigando o direito a intervir. No caso especificamente analisado pelo presente estudo, fincaremos mais os pés na análise da posição fragilizada dos aderentes, os quais, como se sabe, são muitas das vezes consumidores22.
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As ideias de mudança começaram, dentro do que interessa para o presente estudo, por contrapor à liberdade contratual outros princípios com maior importância para o atendimento das delicadas necessidades sociais daquele momento, sobretudo através da consagração de direitos – maxime fundamentais, de maior valor e significado para a situação crítica em que se encontrava a sociedade, inclusivamente em atenção às gerações futuras – nas constituições de vários países no mundo (quando antes o código civil imperava como a lei mais importante de várias nações).
Tanto no Brasil quanto em Portugal, encontramos a dignidade da pessoa humana no centro das atenções, informando o projeto constitucional e resultando na criação de princípios que passaram a integrar, com crescente importância, o direito contratual23. Entre eles, sem dúvidas, merecem destaque, segundo pensamos, os que se referem (i) à socialização do direito, sobretudo à solidariedade social (valorizando mais a pessoa integrante de uma coletividade do que o indivíduo considerado em si próprio) e (ii) à busca por uma igualdade material, isto é, passando-se do plano de uma igualdade meramente abstrata (formal) para aquela efetivamente necessária para a sociedade, através do “tratamento desigual dos desiguais, na medida das suas desigualdades” (Xxx Xxxxxxx).
Dá-se, a partir daí, uma substituição dos princípios fundamentais da teoria geral do contrato. Estas mudanças vêm bem expostas, por exemplo, através da análise de legislações mais recentes – como o Código Civil brasileiro de 2002 – que refletem bem o projeto constitucional. Assim, desvalorizam-se os princípios clássicos (i) da autonomia privada, (ii) da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda) e (iii) da relatividade (segundo qual os efeitos cingem-se aos contratantes, sem prejudicar ou favorecer terceiros). Por sua vez, assumem relevância os chamados “novos princípios” da teoria contratual: (iv) a boa-fé, na sua vertente objetiva; (v) o equilíbrio económico entre as prestações e (vi) a função social do contrato24.
Sendo esse o panorama mais atual de soluções para o problema no que toca à referida disciplina, cumpre-nos aplicá-lo às situações de falhas concretas de comunicação e informação nos contratos de adesão. Antes, porém, parece- nos ser o caso de justificar esta aplicabilidade para depois passar à análise dos regimes que mais especificamente regulam tais questões e, finalmente, avançar com as sugestões de mudanças e melhorias, após termos procedido a uma análise ampla do problema/crise.
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5.1. Direito constitucional e relações privadas: aplicabilidade
Aqui chegados, convém salientar que a aplicação destes “novos princípios” e dos direitos consagrados constitucionalmente – que lhe servem de fundamento maior – tem recebido algumas críticas por parte de operadores do direito, a nosso sentir sem fundamento que mereça prevalecer.
Geralmente, começa-se por criticar a sua falta de determinação (inquirindo, v.g., qual será o limite da conduta de boa-fé, elocubrando sobre a impossibilidade de alcançar um perfeito equilíbrio entre as prestações e indagando “o que seria a tal função social dos contratos”), em especial no que toca ao confronto com dispositivos estabelecidos em normas mais precisas e menos abstratas. Este argumento não merece ser acolhido porque, segundo acreditamos, a tarefa de materialização destes conceitos é uma oportunidade maravilhosa dada aos operadores do direito para adaptarem esta ciência à sociedade em constante transformação.
Entretanto, a crítica mais contundente à doutrina referida, a nosso ver, é aquela referente à inaplicabilidade dos preceitos constitucionais, de maneira direta e imediata, às relações privadas.
O Tribunal Federal do Trabalho alemão adotou algumas vezes a teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais na esfera privada. Primeiramente, em 1957, reconhecendo – com base em preceitos constitucionais e sem nenhuma invocação expressa de norma ordinária da legislação trabalhista
– a invalidade de uma cláusula contratual que previa a extinção do contrato de trabalho de enfermeiras de um hospital privado caso estas viessem a contrair xxxxxxxxxx. Depois, em 1989, ao apreciar o pedido de demissão de um químico que, invocando a liberdade de consciência, recusava-se a participar de uma pesquisa, conduzida pela instituição privada que o empregava, ligada ao desenvolvimento de um medicamento que, em caso de guerra nuclear, ajudaria os militares envolvidos no conflito a curar as náuseas. Mais uma vez, o referido Tribunal deu ganho de causa ao empregado, valendo-se diretamente de um direito fundamental na resolução do conflito trabalhista.
Contudo, a aceitação da teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais às relações privadas, por parte da doutrina alemã, não nos parece, atualmente, pacífica25. A impressão que nos fica é a de que, naquele país, é preferível pensar que a proteção constitucional deve emanar do Estado, considerando que este, através dos Poderes Legislativo e Judiciário, deve abster- se de violar os diretos fundamentais, tendo o dever de protegê-los (através do chamado imperativo de tutela ou imperativo de proteção)26.
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Sem embargo da qualidade de tais argumentos, tal teoria, aceita simplesmente nos termos referidos quanto à doutrina alemã, parece, no contexto da realidade contemporânea, excluir que os particulares, sobretudo os detentores de posições de poder social, sejam destinatários diretos de direitos fundamentais, o que não nos parece justo. Mesmo do ponto de vista lógico, pensar que somente o Estado esteja imediatamente vinculado aos direitos fundamentais pode até mesmo ser contraditório: só faz sentido obrigar que o Estado impeça uma lesão a tais direitos, causada por particular, caso aceitemos que ao particular em questão não é lícito causar aquela lesão (valendo isto por dizer que ele também está vinculado ao respeito pelo direito fundamental).
Entretanto, apesar das diferentes teorias expostas pela doutrina alemã , a verdade é que a teoria da eficácia imediata e direta dos direitos fundamentais às relações privadas é hoje amplamente admitida pela doutrina de muitos países (embora não de maneira consensual e mesmo assim com variações), como o Brasil e a Espanha28.
É particularmente interessante a posição dos doutrinadores espanhóis ao considerarem a eficácia horizontal direta como um mecanismo essencial de correção de desigualdades sociais. Assim, permitir que os particulares abdiquem livremente, no plano contratual, dos direitos fundamentais (diferentemente do que ocorreria numa relação entre particular e Estado), significa confundir liberdade constitucional com autonomia privada contratual, já que, sob a óptica constitucional, não existe efetiva liberdade numa situação de flagrante desigualdade social entre as partes29.
Parece-nos admissível a linha de raciocínio que defende a aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais na esfera privada, independentemente de mediação do legislador ou da atividade de qualquer outro poder estatal, ainda que sem o completo afastamento de outras teorias. Note-se que neste sentido se tem manifestado a jurisprudência de diversos países30.
A admissão da aplicabilidade de que se trata é, com efeito, de inegável relevo prático, especialmente no que respeita a direitos sociais como a saúde (eis que ligada diretamente à vida e outros direitos fundamentais), a moradia e até a educação (além do trabalho, como visto), se pensarmos que as suas violações significam, também, agressões à dignidade da pessoa humana e ao princípio da solidariedade.
5.2. Direitos sociais: considerações adicionais
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– os direitos fundamentais sociais, mesmo em atenção aos indesejados efeitos da autonomia privada, preservando-se o “mínimo existencial” que permita à pessoa humana viver. Esta preservação dá-se através de uma vinculação direta dos particulares aos direitos sociais.
Entretanto, embora esta doutrina conte com o apoio de juristas de nomeada, como Xxxxxx Xxxxxxxxxxx, Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx, a verdade é que outros juristas, não menos ilustres, somente a admitem – em se tratando de direitos sociais – de maneira mediata. Portugal parece-nos um bom exemplo de “relutância” – mais uma vez, a doutrina, além de complexa, não é uníssona – quanto à aplicação direta e imediata de tais direitos à esfera privada (para gerar um verdadeiro direito subjetivo aos seus titulares).
Xxxxxx xx Xxxxxxx, a tratar do tema com a habitual percuciência, inicia a sua abordagem afirmando que as normas da Constituição da República Portuguesa que prevêem os direitos sociais a prestações representam diretivas para o legislador, indicando ou impondo ao Estado que tome medidas para uma maior satisfação ou realização concreta dos bens protegidos. Porém, o autor esclarece que, fornecendo o texto constitucional critérios para determinação do conteúdo mínimo dos interesses dos beneficiários e sendo estes interesses individualizáveis, podem constituir posições jurídicas subjetivas referíveis ao plano constitucional.
Acontece que não caberá ao magistrado, segundo a posição sob análise, a determinação deste conteúdo mínimo (tarefa que será deixada a cargo do legislador), nem poderão os preceitos constitucionais ser “exequíveis por si mesmos”. Além disso, há alguns direitos que, por serem previstos em normas “vagas e imprecisas”, sequer podem ter o conteúdo individualizado (e portanto o autor duvida que produzam posições jurídicas subjetivas). Como exemplo, citam-se os direitos à educação e cultura, à fruição cultural, à cultura física e ao desporto31.
Como não é difícil perceber, tal posição contraria (bastante) o que foi visto no item anterior destes estudos, sobretudo quanto à legislação e jurisprudência de países como o Brasil, a Espanha, a Alemanha (com algumas restrições) e a Argentina32. Não que Xxxxxx xx Xxxxxxx negue a possibilidade de consideração dos direitos sociais previstos na Constituição como direitos subjetivos, mas há negação da tese segundo a qual estes seriam direta e imediatamente aplicáveis às relações entre particulares.
Mesmo quanto à sua admissibilidade no plano da relação entre o particular e o Estado, a posição do jurista é restritiva, admitindo a caracterização dos direitos sociais como direitos subjetivos dos particulares apenas se for determinável o
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seu conteúdo mínimo (atente-se: pelo legislador) e ainda assim somente em situações extremas de necessidade ou injustiça. Quando tudo isto for evidente, então os Tribunais poderão verificar a inconstitucionalidade da atuação legislativa por insuficiência manifesta ou incompletude discriminatória33.
Será este o caminho a adotar para proteger os interesses dos contratantes fragilizados em Portugal?
Xxxxx Xxxxxxxxx, com a sabedoria habitual, fornece-nos “caminhos” para que seja realizada uma deslocação em relação ao contexto estabelecido, ligado a uma concepção antropológica complexa, cujo centro é o indivíduo (como pessoa, cidadão e trabalhador).
Depois de ler o texto em que o ilustre constitucionalista trata do núcleo essencial das prestações sociais, o qual fornece-nos alguns temas para meditação (com a finalidade de responder à questão acima proposta), fica-nos a impressão de que (i) a acentuação da dignidade da pessoa (tomada não só como indivíduo, mas membro de uma coletividade) como princípio fundante da sociedade deveria ser realizada de modo a não dessubstantizar a autonomia jurídico- constitucional dos direitos sociais34 e (ii) a criação de leis específicas para tratar de determinados grupos ou classes (leia-se, para o nosso estudo, a situação dos aderentes, utentes e consumidores35) é muito vasta, mas não chega a ser perfeita a ponto de dispensar o auxílio da aplicação dos direitos consagrados na Constituição36.
Vale a pena destacar que o nosso discurso não é orientado por uma crítica cega e feroz às privatizações, nem procura afastar, de maneira completa, os benefícios da globalização e das liberalizações, quanto à atuação dos particulares em setores que antes apareciam restritos à atuação estatal. É preciso ter em conta que nem sempre essa transformação será negativa, como pode acontecer em relação à saúde (se houver melhoria da qualidade dos serviços, tornando a sua prestação mais económica, monitorável e/ou controlável) ou à educação (se a concorrência, através do direito de escolha entre os entes privados e públicos, implicar melhorias generalizadas no ensino, nomeadamente quanto à sua flexibilização). Tudo isso, porém, deve ser acompanhado, no campo da contratação com o particular, de vasta informação e comunicação ao particular, o que não tem ocorrido, pelo menos no Brasil37.
Sem dúvidas, a informação e a comunicação estão ligadas à educação, direito social. Se, como previu Xxx Xxxxxx em 1889, “o Direito Privado será mais social, ou não será”, como aplicar o direito à educação aos contratos de adesão numa economia de mercado (para não falar de consumo massificado) como aquela em que hoje se vive? Pensamos que os pressupostos para um
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bom funcionamento do mercado, em termos de educação, seriam não só a erradicação do analfabetismo como ainda um estímulo à produção intelectual e criativa. Porém, não vemos como os contratos de adesão, da maneira como atualmente se proliferam (com agravantes que veremos a seguir), possam contribuir para que isto seja realizado em atenção ao coletivo38.
Note-se, quanto ao tema central deste trabalho, que dificilmente a lei criada para prosseguir uma “diretiva constitucional” referente aos direitos sociais poderá determinar, com precisão, um conteúdo mínimo e essencial do direito à informação e à comunicação nos
contratos de adesão – maxime quando celebrados com consumidores, mas também com vistas à proteção da generalidade dos aderentes, atendendo sobretudo à função social dos contratos e à necessidade de melhorias na educação dos contraentes – que possa ser aplicável para a erradicação das desigualdades sociais.
De fato, adiantando que uma análise mais específica será feita adiante, se pusermos “olhos de ver” aos preceitos (arts. 5° e 6°) contidos no Decreto-Lei 446/85 (com as alterações
Dentro da categoria dos atos jurídicos lato sensu situam- se os simples
atos jurídicos (ou atos jurídicos stricto sensu) e os negócios jurídicos (Rechtsgeschäfte)
subjacentes) que respeitam especificamente ao assunto, não será difícil perceber que podem ser taxados como verdadeiros exemplares de vagueza e imprecisão:
(i) a comunicação deve ser realizada de “modo adequado” e com a “antecedência necessária” para que se torne possível o conhecimento completo e efetivo das cláusulas (completo e efetivo, repita-se, mas atendendo à sua “complexidade”) por quem use de “comum diligência”; ou ainda (ii) quem recorra às cláusulas contratuais gerais “deve informar, de acordo com as circunstâncias”, a outra parte dos aspectos nelas contidos “cuja aclaração se justifique”…
Não estamos aqui para esbravejar contra uma lei que, em sua essência, representou um considerável avanço legislativo em Portugal, cujos efeitos benéficos à sociedade ainda hoje são sentidos – e esperamos que continuem a sê-lo. Embora as críticas quanto aos problemas que a tecnolinguagem possa causar aos destinatários de CCG (sobretudo o aderente de nível sócio- cultural menos elevado) assumam relevo no nosso discurso39, tomado em sua globalidade, para já o que interessa é saber se, frente à referida indeterminação, seria possível admitir que fossem aplicados alguns direitos sociais (ainda que sob a camuflagem de “ajuda interpretativa” a outros princípios e direitos) às relações entre contratantes, direta e imediatamente, quando a formação do contrato
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por adesão é verificada em violação a tais preceitos. Não vemos, repita-se, quais possam ser os prejuízos da admissão desta ideia, em atenção à busca por uma “liberdade igual”, para usarmos uma expressão de Xxxxx Xxxxxxxxx.
Ao menos uma coisa, em meio à controvérsia, parece-nos fora de questionamentos: por uma via negativa de atuação, no que toca à doutrina portuguesa da preservação do “mínimo dos mínimos”, parece haver consenso: por mais que, racionando sob hipótese, o Estado não seja obrigado a atuar positivamente para assegurar este mínimo de existência de cada cidadão, pelo menos não lhe deve retirar, sobretudo quanto à satisfação de necessidades públicas (aqui parece-nos que seria melhor falar em necessidades essenciais e existenciais), aquilo que ele adquiriu e é imprescindível à sua sobrevivência digna40. Em homenagem a tudo o que até aqui foi dito, sendo difícil estabelecer qual será esse mínimo no caso da comunicação e informação nos contratos de adesão (admitindo-se que esta seja uma necessidade social), a solução também deve passar por uma “reinvenção do Estado Social” 41.
5.3. Um caso exemplar na Europa
Antes de solucionar os problemas, é preciso ressaltar, diante do que foi visto, que as alterações à legislação civil e comercial, em matéria de cláusulas contratuais gerais, contratos de adesão e proteção dos consumidores, empreendidas com o intuito de assegurar a realização ou a defesa dos direitos económicos, sociais e culturais implica, não raramente, restrições a direitos, liberdades (de expressão, de iniciativa económica, contratual) e garantias, todos previstos constitucionalmente.
Não há que fugir, pois, da ponderação dos interesses em jogo, sendo este, a nosso ver, mais um motivo para chamar à tona a aplicabilidade direta dos direitos sociais às relações privadas, no intuito de somar valores coletivos e solidários que se contraponham a uma liberdade contratual (frequentemente) desumana e prejudicial ao desenvolvimento da sociedade42.
Se a Constituição da República Portuguesa é um quadro normativo aberto que implica e exprime uma unidade de sentido cultural, cuja evolução, manifestada nas sucessivas revoluções, tornou indiscutível a opção por um modelo democrático e especialmente plurarista, com respeito pela “vontade do povo português” (consoante já constava do Preâmbulo originário), então é difícil aceitar uma repetição irracional (da parte de diversos aderentes e nomeadamente no caso dos consumidores) da contratação por adesão como algo “conforme” à Constituição da República Portuguesa. Será essa a vontade do povo português?
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Em atenção ao direito à informação em geral (conglobando também a comunicação), especialmente consagrado no que respeita aos consumidores (mas não só, em atenção aos direitos culturais, com destaque para a educação, além do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, à qualidade de vida etc.), é preciso ter em mente que a aniquilação prática da comunicação e da informação, em tais casos, sendo uma realidade assente, implica a urgência de um “repensar” de toda a conformação constitucional em relação à situação (sobretudo à vista das disparidades entre os contratantes, as quais não permitem que os mais fragilizados atuem, por si próprios, na maioria dos casos), fornecendo novas ideias que possam mudar o saturado discurso sobre os direitos sociais.
Situação exemplar é a dos remédios jurídicos que podem ser lançados em caso de violação de um direito considerado como
fundamental. Tradicionalmente, em homenagem à Lei Maior portuguesa, surgem poucas alternativas ao lesado. Além disso, a sua aplicação prática parece-nos, num primeiro contato com a matéria, bastante complicada.
O recurso aos tribunais, segundo a posição mais conservadora, depende da existência de uma vinculação jurídica dos poderes públicos e, em especial, do legislador aos preceitos constitucionais relativos aos direitos sociais, repousando a proteção jurídico-constitucional, principalmente, no mecanismo da fiscalização abstrata da
De fato, o exercício
da liberdade contratual conforma a conduta futura
do contraente, acabando por implicar a perda de alguma liberdade ao vincular os interessados
inconstitucionalidade por omissão, cuja legitimidade pertence ao Presidente da República e ao Provedor de Justiça43.
Por outro lado, racionando sobre uma óptica mais acessível à maioria dos cidadãos, resta-lhes (i) o direito de petição individual (nos restritos termos antes referidos e com efeitos ínfimos para quem deseja uma ampla mudança na defesa dos interesses em questão44) ou (ii) coletiva, sendo que, no âmbito da tutela de interesses coletivos – como é o dos aderentes em serem bem informados, de modo a formar uma vontade de contratar digna dos seus interesses enquanto membros de uma sociedade pluralista – merecem destaque a ação popular, a inibitória e, abrangendo uma e outra, a ação coletiva.
No caso da ação popular (consoante previsto pelo art. 52 da Constituição da República Portuguesa e ainda conforme o disposto na Lei 83/95), prevê-se uma proteção de cariz manifestamente constitucional, mas pouco utilizada, segundo
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as nossas pesquisas, no âmbito da defesa dos aderentes, por incumprimentos referentes aos deveres de comunicação e informação nos contratos de adesão com cláusulas contratuais gerais45.
A pouca utilização prática impossibilita uma análise aprofundada dos efeitos positivos que poderiam decorrer de ações populares contra predisponentes que geram pequenos danos individuais, mas enormes danos coletivos. O sistema adotado pelo ordenamento jurídico português – segundo o qual os efeitos da sentença atingem a generalidade das pessoas, à exceção daquelas que voluntariamente se tiverem excluído da intervenção processual, após serem citadas como titulares dos interesses em causa – seria, à primeira vista, capaz de produzir grandes benefícios, mas encontra-se um pouco desajustado em relação às novas ideias referentes à tutela coletiva de interesses, conforme veremos a seguir.
A ação inibitória também assume relevância para os nossos estudos, mesmo em atenção ao disposto no DL 446/8546. Embora esteja mais ligada ao controlo do conteúdo do que aos deveres de comunicação e informação (que permitem um consentimento esclarecido do aderente), a verdade é que, diante do completo desrespeito relacionado com estes deveres (até mesmo nas situações em que a overdose de informações “complica mais do que explica”) e até de uma certa “inércia compreensível” do aderente em indagar sobre questões mais específicas relacionadas com o contrato47, a proteção prévia da formação da vontade é muitas das vezes ineficaz.
Note-se que a proteção preventiva faz sentido quando tratamos de cláusulas gerais. Sendo destinadas a um número indeterminado de pessoas, também desta maneira deve ser realizado o seu controlo e da mesma forma devem repercutir os efeitos deste controlo: do contrário não haverá liberdade igual. Deve permitir- se o acesso generalizado dos contratantes a um registro público e de fácil acesso sobre as cláusulas contratuais gerais que forem consideradas proibidas pela decisão judicial inibitória, por mais que nunca tenha sido celebrado o contrato que as contenha.
Portanto, parece-nos que este tipo de controlo não está afastado da ideia dos deveres de comunicação e informação, vistos amplamente, mas desta vez a sua efetivação, em termos de preservação dos direitos constitucionais antes referidos, em primeira linha, não depende do predisponente, mas de uma correta atuação estatal, com a criação e manutenção de um registro em condições amplas de consulta, o que parece não acontecer, embora exista previsão legal no art. 35 do DL 446/8548.
Além do mais, ainda quanto à ação inibitória, é preciso lembrar: (i) da questão da legitimidade ativa para a sua propositura, a qual, segundo o DL
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446/85, não é conferida a todo e qualquer interessado, quando poderia ser conferida a qualquer destinatário que considerasse a cláusula digna de proibição; e (ii) das críticas sobre a maneira como as decisões inibitórias são utilizadas, já que, depois de decidida a proibição, o aderente só se pode valer delas contra o mesmo predisponente (alvo da inibitória), quando a situação ideal deveria ser a de posssibilidade de utilização contra qualquer predisponente que viesse a incluir, na contratação, idênticas cláusulas49.
Dito isto, importa sublinhar que a tutela coletiva de interesses é abordada, no plano jurídico internacional, através na noção e das questões referentes à ação coletiva. Na acepção processual civil, esta é a ação
que tem por objeto a defesa dos interesses coletivos (que respeitam a conjuntos, categorias, classes ou grupos de indivíduos, com caráter concreto e determinado a que é possível fazer corresponder uma estrutura, uma entidade, conforme acontece com o grupo dos aderentes50) ou difusos51, seja agindo preventivamente (consoante ocorre com a referida ação inibitória), seja através da reparação (conforme permitido pelo aludido mecanismo da ação popular)52. Com tal ação judicial, permite- se que um grande número de pessoas obtenha o
A verdade é que
a própria lei impõe limites à autorregulamentação de interesses pelas partes, mas tais limitações não conflitam com a ideia
de autonomia
reconhecimento dos seus direitos e a efetiva reparação. Tecnicamente, constitui uma aplicação processual coletiva dos interesses individuais.
Uma análise mais aprofundada deste instituto assenta no pressuposto – facilmente comprovado na prática – de que, em numerosos casos, a resolução individual de litígios é insuficiente. O seu custo e a lentidão contribuem amplamente para a ineficácia dos direitos dos consumidores (e também dos aderentes em geral, como observou corajosamente o magistrado do Ministério Público português referido anteriormente), especialmente quando se trata de um grande número – muitos milhares ou mesmo milhões – de lesados por uma mesma prática e quando os montantes dos prejuízos individuais são relativamente pequenos.
Uma ação coletiva ideal deve permitir que a generalidade dos lesados aceda à justiça de qualquer parte, independentemente de características individuais, nomeadamente quanto à sua situação financeira e ao montante do seu prejuízo individual. Tal ação oferece vantagens aos profissionais devido à economia processual que permite realizar: os custos processuais se tornam inferiores aos que existiriam na hipótese de um grande número de ações individuais. Além
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disso, aponta-se como vantajoso o aumento da segurança jurídica, concentrando numa mesma decisão a resolução de numerosas demandas semelhantes e evitando contradições de jurisprudência (mesmo entre tribunais de diferentes países que tenham de dirimir litígios semelhantes).
Partindo das ideias anteriormente referidas, especialmente no que respeita ao alcance de uma igualdade material, não é difícil perceber que, no caso dos aderentes (unanimemente considerados, pelos especialistas estudados, como fragilizados, em regra, na relação contratual de adesão), este mecanismo de tutela assume posição fulcral para a efetivação das previsões constitucionais aludidas anteriormente, mesmo em relação a pequenas e médias empresas que sejam prejudicadas por violações de deveres de comunicação e informação nos contratos de adesão. Os efeitos tornam-se, se não suficientes, ao menos direcionados ao efetivo alcance da igualdade almejada.
A ação coletiva não deve ser uma ação representativa, isto é, somente aberta a algumas entidades especialmente habilitadas, inclusivamente quanto tem em vista a supressão de cláusulas ilícitas ou abusivas nos contratos de adesão. Em Portugal, a legitimidade ativa para a ação popular é conferida a todos os cidadãos no gozo de seus direitos civis e políticos, mas a ação inibitória prevista pelo DL 446/85 é uma ação representativa, conforme a crítica acima delineada53.
Devem ser estimulados, segundo pensamos, mecanismos de indenização dos aderentes lesados, compensando os seus prejuízos. A indenização deve poder ser paga individualmente, sem prejuízo de indenizações indiretas a serem utilizadas pelo Estado noutras medidas de caráter social, afins à manutenção da engrenagem da ação coletiva. Neste particular, é conveniente frisar que os juristas europeus afastam-se, em regra, da noção de class action americana, face às peculiaridades da família jurídica anglo-saxónica [júri popular com vasta competência, magistrados eleitos, admissões de ações consideradas pelos europeus como fantasistas ou conduzentes a resultados demasiado favoráveis aos demandantes, possivelmente movidas pelos interesses dos advogados, manifestados com base (i) nas contingency fees (espécie de pato quota litis pelo qual os advogados associam-se aos resultados do processo) e (ii) nos danos punitivos (ambos vedados na maioria dos Estados europeus), sem falar na escolha do tribunal consoante a possibilidade de vir a ser proferida uma decisão mais favorável aos demandantes (forum shopping) etc.]54.
Como a ação coletiva ideal não se trata, essencialmente, de uma ação representativa, abrem-se duas opções quanto ao mecanismo principal de desencadeamento da ação e de intervenção processual do interessado: ou ele manifesta a vontade de fazer parte do processo antes de ser proferida a decisão
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(sistema de adesão ou opted-in) ou incluem-se, por defeito, todas as vítimas de um determinado comportamento como beneficiárias da decisão, conferindo- se posteriormente a cada uma a possibilidade de manifestar expressamente a vontade de se excluir (sistema de exclusão ou opted-out). A Lei 83/95 parece adotar (cf. arts. 15 e 19) um sistema sui generis, no qual os interessados só podem manifestar a intenção de se excluírem até um determinado momento do processo, anterior à decisão, presumindo-se, à falta de manifestação, a sua inclusão como destinatários do efeito geral produzido pela sentença.
O sistema do opted-in apresenta vantagens em termos de cálculo prévio dos valores indenizatórios a serem pagos, permitindo a celebração de seguros que garantam o ressarcimento dos lesados, mas é um mecanismo difícil de gerir e oneroso, face à necessidade de manifestação
dos interessados, resultando em processos longos, pois os tribunais têm que analisar todos os pedidos individuais. Critica-se, também, a possível falta de medidas de informação eficazes sobre a existência do processo, resultando na impossibilidade de acesso dos interessados à justiça. O principal argumento contrário ao mecanismo da inclusão, entretanto, reside na importante diferença entre o número de pessoas que realmente atuam e as que potencialmente estariam facultadas a fazê-lo: daí resulta que a reparação dos danos não seja total e
Com o
desenvolvimento da sociedade industrial, tudo passa a ocorrer na escala “de
massa”: produção,
distribuição, consumo...
que o lucro ilícito do réu seja na prática conservado, incentivando – por que não dizer? – violações futuras.
Por sua vez, o mecanismo do opted-out é criticado na medida em que afeta alguns direitos fundamentais dos potenciais beneficiários de uma ação coletiva. No caso de não manifestarem a intenção de exclusão, são automaticamente beneficiados no processo, o que afeta, em tese, a sua liberdade de agir em juízo, além de impedir que exerçam a ampla defesa dos seus interesses (por exemplo, utilizando argumentos individualizados, os quais poderiam ser combatidos pelo réu, num adequado processo contraditório, em igualdade de condições processuais). Porém, a verdade é que este sistema garante um real acesso dos interessados à justiça, com a reparação justa e eficaz de todos os lesados pelas práticas, funcionando com um verdadeiro efeito dissuasivo sobre a parte responsável, a qual estará obrigada a indenizar todas as pessoas lesadas pela prática e a ressarcir o lucro ilícito que conseguiu obter.
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As críticas direcionadas ao sistema do opted-out, sem embargo da sua relevância, merecem ser afastadas, segundo pensamos. Se as pessoas cujos interesses estiverem em causa forem informadas de maneira personalizada, parece-nos lícito considerar que a sua falta de manifestação poderá ser enquadrada como um “consentimento tácito” em relação à ação, preservando-se a sua liberdade de agir em juízo. Quanto aos direitos de defesa processuais, é preciso compreender que há, no âmbito de uma ação coletiva, uma homogeneidade de situações individuais da qual o juiz é o garante. A maioria dos litígios, especialmente no que toca à situação dos aderentes lesados em larga escala (mas também tratando- se de consumo ou concorrência) são resultantes de contratos e, portanto, as situações dos interessados são quase idênticas, com a causa petendi única e igual para todos. É difícil pensar em casos nos quais o responsável possa invocar, contra um interessado específico, um fundamento de defesa particular.
Por estes motivos, parece-nos que o melhor sistema seja o do opted-out. Cumpre referir, no entanto, que há países (Noruega e Dinamarca) a adotarem um sistema simultâneo ou misto de adesão (opted-in, no caso de prejuízos individuais de maior vulto) e de exclusão (opted-out, quando os litígios versam sobre pequeno montante), cabendo ao juiz a escolha entre um ou outro consoante o caso em concreto. Este também é um sistema teoricamente admissível, mas que pode gerar problemas na prática quanto à definição da “fronteira” que dividiria os casos a serem tratados por cada um dos autónomos sistemas (o que pode acarretar perda de tempo e dinheiro).
Os demandantes da ação coletiva podem obter do magistrado vários meios de reparação, como a cessação de um comportamento ou a nulidade de um ato, além da reparação de danos (individualmente dirigida a cada um dos demandantes e ainda direcionada a fundos especialmente afetados à propositura de ações coletivas ou outras medidas sociais55). A publicidade da divulgação, da afixação etc., de todas as medidas é fundamental, no nosso entender. É conveniente notar, caso a reparação individual não possa ser calculada por ser impossível identificar todos os elementos do grupo a ser beneficiado (apenas nos casos referentes ao mecanismo do opted-out), que o juiz deve poder fixar uma grelha de avaliação de diferentes categorias de danos, delegando a distribuição das quantias a terceiros (como a Secretaria do Tribunal, o advogado representante do grupo etc.), liberando o juízo desta fase complexa de análise dos pedidos individuais.
Assim, a ação coletiva, ao permitir a efetiva reparação de todas as pessoas lesadas na contratação através de cláusulas contratuais gerais, promoverá uma maior confiança do aderente no mercado e na melhoria do seu funcionamento.
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Contudo, para que este objetivo seja alcançado, é necessário que os potenciais beneficiários saibam que, se tiverem um problema, poderão utilizar-se das ações coletivas para fazer valer os seus direitos e obter a reparação adequada56.
5.4. Conclusão parcial: necessidades de renovação
Enfim, parece-nos que deve haver uma grande renovação no discurso sobre a aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas. A admissão dos benefícios que esta aplicabilidade pode trazer ao direito parece-nos patente. O modo normativo-intervencionista, que confia ao Estado a regulação dos interesses em jogo, está a falhar num ponto crucial para os nossos estudos: não há informação, quer no momento do impulso regulativo, quer na fase do seu controlo. A “reserva do possível” não chega a ser concretizada, tornando-se conivente em relação à desigual dignidade social e à injustiça distributiva. O aderente de cláusulas contratuais encontra-se à deriva, aguardando por soluções mais eficazes, que direcionem o direito à sociedade – não apenas a um punhado de cidadãos.
5.5. O diálogo das fontes: observação
A discussão acerca da aplicação dos direitos constitucionais às relações entre particulares não exclui, no entanto (e como é óbvio), a aplicação de outras normas à disciplina referente à contratação por adesão e, mais especialmente, por cláusulas contratuais gerais. Vem crescendo em importância a teoria segundo a qual a solução adequada para os problemas, em tempos pós-modernos, deve ser proveniente de um diálogo entre as fontes possivelmente aplicáveis à situação. Com efeito, importa notar que, como refere Xxxx Xxxxxxx, filiando-se aos ensinamentos de Xxxx Xxxxx, face ao atual “pluralismo pós-moderno” de um direito com fontes legislativas plúrimas, ressurge a necessidade de coordenação entre as leis no mesmo ordenamento, como exigência para um sistema jurídico
eficiente e justo57.
A referida coordenação entre as leis, porém, não consiste em solucionar conflitos de leis no tempo ou no espaço (como quis uma doutrina conservadora), mas, segundo a doutrina atualizada, dar harmonia ao sistema jurídico, afastando as ideias de exclusão para tratar do “direito intertemporal”, sem fronteiras, através do diálogo das normas e da coerência derivada ou restaurada, que procura a eficiência funcional – e não só hierárquica, como seria colocar a Constituição acima de tudo e de todos, ignorando as outras leis – do sistema plural e complexo do direito contemporâneo, de modo a evitar antinomias, incompatibilidades e incoerências.
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Verdadeiramente, conforme nos alerta Jayme, a clareza de uma única norma, superior a todas as outras, também conhecida como “monossolução”, não é permitida nos tempos pós-modernos, onde há pluralidade, complexidade, distinção impositiva dos direitos humanos e do “direito de ser diferente”58, demandando uma solução mais fluida, flexível, a permitir mobilidade e fineza nas distinções, substituindo-se a superação pela convivência dos paradigmas e das leis.
O doutor de Coimbra propõe então uma segunda solução ao lado da tradicional: a coordenação das fontes, que deve ser flexível e útil (effet utile) com referência às normas em conflito no sistema, a fim de restabelecer sua coerência. Desse modo, a simples retirada de uma das normas conflituantes é substituída pela convivência entre elas, através de um “diálogo” que tem como objetivo alcançar a ratio, a finalidade narrada ou comunicada em ambas59.
“Diálogo” este que é baseado nas influências recíprocas, na aplicação conjunta de duas ou mais normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente60, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção voluntária de uma das partes sobre a fonte prevalente (especialmente em matéria de convenções internacionais e leis modelos) ou mesmo permitindo uma opção por uma das leis em conflito abstrato. Enfim, “uma solução flexível e aberta, de interpenetração ou mesmo a solução mais favorável aos mais fracos da relação (tratamento diferente de diferentes)”.
Queremos acreditar, sem sombra de dúvidas, que a finalidade da grande maioria das normas aplicáveis à contratação por adesão, a fim de alcançar a justiça nos contratos, é a de proteção – cada vez mais ampla e com vistas a alcançar maior efetividade – do aderente (designadamente quando for um consumidor), parte plus faible na relação jurídica.
A ideia do diálogo das fontes é bem aceita pela doutrina de diversos países, entre os quais incluímos Brasil e Portugal61, pelo que nos furtamos a tecer maiores comentários sobre o tema, aplicando estas noções sempre que for necessário e passando a efetuar uma análise infraconstitucional dos direitos dos aderentes, procurando centralizar as nossas atenções nas realidades brasileira e portuguesa.
5.6. Direito privado e teoria geral dos contratos: mudanças
Em 1993, Xxxxxxx alertava-nos para ter em consideração que a sociedade contemporânea pós-industrial não era só uma sociedade automatizada, mas desmaterializava-se de tal forma o produto (em serviços, fazeres, know-how,
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licenças de propriedade intelectual, ideias patenteadas), o contrato, os vícios, as garantias e a própria moeda – em crédito – que se poderia chamá-la società della finanza, uma sociedade em que a tecnologia industrial tinha sido substituída pela técnica contratual: os contratos passavam a significar riqueza62.
Como já delineado anteriormente, a nova concepção de contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para a qual não só o momento da manifestação da vontade (consenso) importa, mas também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade e a condição social e económica das pessoas nele envolvidas. Esta concepção coaduna-se com uma mudança de paradigma mais ampla, que atinge todo o direito privado atual, o qual concentra-se não mais no ato (de comércio ou de consumo/destruição) e sim na atividade63; não mais naquele que declara (liberdade contratual), mas no que recebe a declaração (confiança despertada64); não mais nas relações bilaterais, mas nas redes, sistemas e grupos de contratos. Enfim, há uma nova concepção finalística e total (holística) da relação contratual complexa atual65.
Diante dos problemas que pudemos visualizar até aqui, no que toca à contratação por cláusulas contratuais gerais (standard), constata-se uma insuficiência dos mecanismos de interação pessoal ou institucional que deveriam servir para assegurar os direitos de conhecimento, comunicação e informação sobre as cláusulas contratuais gerais. Deste modo, segundo o nosso ponto de vista, pode surgir – e de fato não raramente tem surgido – uma “crise de confiança” generalizada em relação à efetividade do próprio direito, impedindo-nos de falar, conforme gostaríamos, numa adequada legitimação jurídica para proteger as legítimas expectativas e a confiança dos indivíduos nos contratos de que se trata.
Além da aplicação do direito constitucional, a fim de construirmos uma solução para esse delicado impasse, podemos referir alguns dos princípios gerais da nova teoria contratual, consoante os ensinamentos de ALPA: (i) a importância do status das partes; (ii) a importância das técnicas de controlo interior da operação económica, por meio do estudo da causa, objeto e da formação do contrato; (iii) a aplicação de critérios de justiça contratual, referindo-se a valores da pessoa e à equidade da troca; e (iv) a aplicação de normas gerais (abertas à conformação do intérprete) para controlo do comportamento das partes durante as fases de negociação, conclusão e execução do contrato. Ao lado da liberdade contratual, o direito privado de hoje impõe boa-fé, probidade, bom senso e visa à proteção dos vulneráveis66.
Direcionado este discurso para os contratos de adesão, torna-se fundamental averiguar as diferenças no poder de barganha das partes, na especialização dos
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leigos perante os experts e aumentar o uso construtivo das normas abertas que integram os novos princípios contratuais, a fim de alcançar o equilíbrio no contrato e permitir a construção de uma nova dogmática que facilite o trabalho dos magistrados, nomeadamente quanto ao exame de práticas abusivas que prejudicam o aderente.
Se a força dos contratos, ao menos num momento inicial da contratação, vem da declaração de vontade e da confiança despertada, então serão estes os pontos da disciplina dos contratos de adesão para os quais devemos voltar as nossas atenções com maior intensidade. Tanto um conceito quanto o outro dependem das ideias de comunicação e informação: daí podemos notar, com toda a crueza, o valor imprescindível, para o direito contemporâneo, do tema a que abraçámos no presente estudo.
Se, consoante as orientações de Xxxx Xxxxx e Xxxx Xxxxxxx, a comunicação e a informação “são os sinais mais importantes dos nossos tempos pós-modernos”, então o paradigma atual do direito, quando visa à proteção equitativa do mais fraco, deve ser o que valoriza: (i) a informação declarada; (ii) o défice informativo dos leigos e dos consumidores (sejam eles de qualquer nacionalidade ou território); e (iii) não somente “o outro”, mas toda a coletividade que recebe a informação. Forma-se uma ideia de confiança, maior aliada da boa-fé nas relações contratuais contemporâneas.
Assim, a boa-fé, singelamente, significa “pensar no outro”, enquanto a confiança, por sua vez, é o “pensar legitimamente nos interesses do outro”. Os conceitos estão intrinsecamente ligados. Nas relações de desigualdade manifesta, como acontece em relação aos predisponentes/utilizadores de CCG e aderentes, cada uma das partes deve ter em conta os direitos, o património e os interesses da outra parte, o que aproxima o contrato do delito em caso de violação dos deveres de conduta, definindo uma fonte de responsabilidade civil que não merece ser desprezada (mesmo em atenção aos chamados deveres laterais67).
Desperta-se a importância do discurso em torno do dever de transparência, quanto às informações. Este é um princípio de direito contratual segundo o qual a conduta do oferente não deve fraudar as legítimas expectativas e a confiança gerada na contraparte, que visa à concretização da oferta (e para a qual possivelmente efetuou despesas). É importante notar que o oferente se deve abster de levar a cabo comportamentos que possam falsear o escopo negocial, por mais que tal comportamento seja uma omissão. Ou seja: se o oferente possui o domínio dos conhecimentos técnicos e de informação que devem ser transmitidos de maneira clara e precisa ao alter, para que possa decidir com
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um conhecimento completo sobre o assunto, então a sua não manifestação intencional a respeito de fato ou qualidade que foi ignorada pela contraparte pode constituir uma omissão dolosa, se provado que sem ela o negócio não teria sido celebrado.
Abra-se um parêntese para dizer que, muitas vezes, discute-se para saber se a informação oferecida a um potencial aderente foi adequada para que ele tivesse o conhecimento completo e efetivo do contrato, permitindo a manifestação da vontade esclarecida no sentido de contratar. Essa adequação pode ser aferida utilizando-se um padrão médio e abstrato de aderente ou então um
padrão concreto, avaliando a situação conforme o caso retirado da vida real. Sem embargo das doutas opiniões em contrário, parece-nos que seria interessante que o legislador manifestasse a sua opção em direção à proteção concreta dos aderentes, atentos à finalidade das normas que lhe protegem, fundando-se na ideia de que é preciso defender os mais vulneráveis. Dentro do padrão médio, o excepcional, o analfabeto, o estrangeiro etc., acabam sendo prejudicados, quando deveriam, em verdade, ser os maiores beneficiários do aludido intuito protetivo.
A economia de mercado mostrou- se incapaz de fazer vingar uma justa contratação
e permitir a livre formação da vontade de
contratar
Numa perspectiva “revisitada”, a confiança torna-se num padrão mais visual, menos valorativo ou ético das condutas (do que a boa-fé). É um paradigma mais voltado para as percepções coletivas – a consideração dos interesses do alter como membro do conjunto social que é juridicamente tutelado68 – e para o resultado fático da conduta de um agente. A nosso ver, deve ser utilizado para um controle forte e veloz da contratação, corrigindo o profundo défice informacional dos aderentes, de modo a vencer, no futuro, o desafio consistente em reequilibrar as relações contratuais.
Observe-se que, tradicionalmente, a informação – em sentido estrito ou próprio – é a exposição de uma dada situação de fato, verse ela sobre pessoas, coisas ou qualquer outra relação. Diferentemente do conselho ou da recomendação, a pura informação esgota-se na comunicação de fatos objetivos, estando ausente a expressa ou tácita “proposta de conduta”. Todavia, admite-se, na linguagem jurídica, a utilização do termo informação para abranger também os conselhos e recomendações, falando-se em informação “em sentido amplo”69. Alguns normativos – destacando-se o DL 446/85 em Portugal – preveem a diferenciação entre o dever de simples comunicação dos
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fatos – como a existência e o teor das cláusulas contratuais gerais – daquele referente à informação – v.g. de situações particularmente solicitadas por um aderente ou cujo esclarecimento se justifique independentemente de solicitação.
É importante sublinhar que a boa-fé e a confiança, nos termos descritos, devem atuar tanto num como noutro caso, isto é, a informação em sentido amplo deve ser protegida pelos deveres inerentes à boa-fé e à confiança, os quais devem imperar entre as partes contratantes. A comunicação deve ser efetivada, não simplesmente ofertada, permitindo a formação da vontade esclarecida e ponderada e, num momento posterior, a boa execução do contrato, sem surpresas que contrariem a confiança depositada70.
Em geral, já ninguém duvida que a informação se tenha tornado hoje num poder e, por isso, almeja-se uma equidade informacional (Informationsgerechtigkeit). Valoriza-se a informação, a declaração e a aparência. Informar é comunicar o que se sabe de boa-fé, é cooperar com o outro, é aproximar com lealdade e transparência. A informação passa a ter uma ligação direta com a divisão de riscos: o comunicado e o informado acabam por ser uma fonte de responsabilidade. Por outras palavras, a informação leva à imputação do agente social, o qual deve assegurar e proteger as legítimas expectativas por ele despertadas no grupo coletivo de seus expectadores (no nosso caso, os aderentes), preservando um mínimo de liberdade alheia e permitindo-se uma definição (heterorregulamentação, para usar um termo mais clássico) própria de como e com que conteúdo ocorrerá a sua contratação71.
De fato, no mundo pós-moderno, a sociedade apresenta como característica comum a comunicação e a ausência de fronteiras. Não são apenas os meios tecnológicos que permitem a troca rápida de informações e imagens, mas também – saliente-se – a vontade e o desejo de se comunicar das pessoas, o que emerge como um “valor comum”. Por outro lado, é interessante constatar, na efetivação do nosso complicado labor, que a “avalancha de informação” e o “desconhecimento do novo”, sobretudo em atenção à abundância e à rapidez com que vêm sendo oferecidos hoje, tornam o homem em sociedade ainda mais vulnerável.
Entretanto, se o desejo de comunicação é um valor comum, como explicar que as potencialidades provenientes do avanço tecnológico e da globalização não sejam utilizadas de modo a efetivar uma contratação em que a comunicação e a informação sejam trocadas em atenção à confiança? Claro está, salvo melhor juízo, que alguém está mal-intencionado quanto à resolução das disparidades informativas… E que a inversão desse estado – impenitente – do direito
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contratual depende da correção desta evidente injustiça – o que, de resto, representa um dos maiores desafios da ciência jurídica atualmente.
Este impasse aparece muito acentuado quando se trata de contratos de adesão, pois as informações que diriam respeito às legítimas expectativas do aderente têm muito pouco valor na negociação, já que as condições encontram- se preestabelecidas com antecedência. Sem embago de considerarmos essa situação negativa (mecânica, repetitiva e contrária à educação porque perde a oportunidade de enriquecer de significados a contratação), a verdade é que ela se torna ainda mais grave quando passamos a analisar
a atual relação entre o tempo e os contratos.
A noção clássica do contrato se desgasta cada vez mais. A universalização das relações de troca, com a participação de todas as classes e grupos sociais no mercado; a desmaterialização da riqueza (lembremos das advertências de Galgano); a crescente complexidade dos bens e serviços, bem como dos processos referentes à sua comercialização; as alterações da natureza, estrutura
Através dos contratos de adesão, passou-se a poupar o tempo de negociação
e elaboração do
contrato
e dimensões dos operadores mercantis e a própria mudança das coordenadas político-constitucionais levaram a que a racionalidade do direito privado, em geral, e dos direito dos contratos, em particular, deixasse de responder às exigências sociais de normação. A própria praxis negocial foi evidenciando, em muitas áreas da contratação (entre as quais incluímos aquela que é formada por adesão e/ou nas situações “relacionais”), que a autonomia privada, atuando ao seu belo prazer, não era capaz de mediar, em moldes satisfatórios, determinados conflitos de interesses entre os agentes do tráfego jurídico-económico72.
Assim, uma primeira particularidade a ser considerada reside na mudança dos bens oferecidos ao mercado: não somente os produtos industriais, mas serviços, em geral ligados a setores de valor social fundamental, como a moradia, a saúde e a educação. Outra é a de que as operações negociais tornam-se cada vez mais complexas, conglobando vários tipos contratuais numa mesma estrutura, criando modelos até então inexistentes (mesmo com o intuito de contornar os regimes legais existentes) e, com efeito, dificultando o trabalho dos operadores do direito (veja-se o crescente número de estudos sobre a coligação contratual73 ou lembre-se da atuação “a reboque dos acontecimentos” do legislador nacional, no que toca aos “novos produtos de férias74) e, com muito maiores razões, a defesa do homem comum na sociedade. Finalmente, merece destaque o incentivo às “relações duradouras”, baseadas numa ideia de catividade, prezando-se uma
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fidelização estendida no tempo (se possível, tendendo à perpetuidade), como objetivo do processo de comercialização de muitos produtos.
É importante perceber que mesmo o comércio de bens industriais mudou. Pensemos na situação exemplar de compra de um automóvel. Esta é feita, na maioria dos casos, com recurso a financiamentos, através de negócios que recebem variada nomenclatura no Brasil e em Portugal (venda com reserva de propriedade, alienação fiduciária em garantia, locação financeira, arrendamento mercantil, leasing, arrendamento de longa duração ou ALD etc.), geralmente consubstanciando negociações complexas, levadas a cabo através de contratos de adesão impregnados de termos técnicos e que sempre apresentam, em comum, a característica do prolongamento da relação no tempo – contrariamente ao que sucederia no caso de simples pagamento para aquisição instantânea do veículo75.
Segundo pudemos perceber, esta nova mudança na relação entre o tempo e os contratos é resultado do impacte exercido pela temporalidade na teoria das empresas, obrigando à existência de uma reformulação permanente, o que, para alguns teóricos, significa a necessidade de abandonar a concepção “orgânica” ou “institucional”, por ser muito estática, para passar a conceber a empresa como “uma série de acordos contratuais de longa duração entre os proprietários dos fatores de produção”76. Assim, a empresa vai substituindo os preços por salários, o intercâmbio de mercados por relações hierárquicas, os acordos instantâneos, nos quais há que estabelecer preços fixos, por vínculos de longa duração, nos quais o recurso não se compra, antes se gere.
Teoricamente, os acordos de longa duração podem diminuir os custos de informação, porque seria muito caro ter de contratar com muitas empresas distintas para obter um determinado serviço complexo. Evita-se que um grande número de indivíduos tenha um grande conhecimento dos diferentes componentes do produto nas negociações, o que importaria um aumento do valor necessário para custear a produção. Assim, em tese, seria provável que o custo para que um adquirente determinasse o preço do produto a ser adquirido se tornasse bastante alto no caso de manutenção do tradicional sistema de preços. Alternativamente, a produção passa a ser organizada dentro de uma empresa onde existe um agente central que celebra contratos – bilaterais de longa duração – com cada um dos proprietários dos fatores de produção e que vende o produto final aos compradores.
Analisando a questão sob uma perspectiva mais protecionista em relação ao aderente, parece-nos que, na ânsia desmedida por lucros, os predisponentes não só desprezaram as necessidades de negociação individualizada (impondo aquilo que consideram melhor para atender aos seus interesses, sempre que o direito
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não atua para proteger os mais vulneráveis), como agora têm procurado ignorar um potencial interesse legítimo em adquirir a informação individualizada em diferentes proveniências (o que estaria na base da escolha mais adequada, segundo a lógica de que a concorrência controla o mercado, premiando os mais justos) e o direito de cada um “a ser diferente”, tudo sem esquecer que nem todos os serviços são hipercomplexos, nem sempre a informação do produto “gerido” será mais barata (pensemos que as ofertas, de tão padronizadas, nunca consigam satisfazer as necessidades de um potencial aderente, que acaba tendo de retornar ao mesmo ofertante várias vezes, em intervalos diversos de tempo para pesquisar) e ainda que o mais barato nem
sempre é o melhor77.
Ou seja, como se não bastasse, agora impõe-se a tendência dos contratos de execução duradoura78 (e mesmo continuada, referentes ao fornecimento de bens essenciais, mesmo para quem quem deseja manter-se informado – ver-se-á a ironia – como seria a prestação de serviços de acesso à internet), valendo-se de cláusulas contratuais gerais para fazer prevalecer os seus interesses (estritamente
A ação inibitória também assume relevância para os nossos estudos, mesmo em atenção ao disposto no
DL 446/85
lucrativos, repita-se à exaustão) por um período de tempo mais prolongado, em detrimento dos interesses das contrapartes, inclusivamente dificultando – mesmo que de maneira “camuflada” – a “libertação” do aderente em relação ao contrato de adesão.
Vale isto por dizer que não só falta ao aderente a liberdade de negociar o conteúdo das cláusulas contratuais, como a própria liberdade de escolha (ou de mudança, no caso de insatisfação em relação a um serviço contratado por adesão que venha a ser mal prestado) também se torna cada vez mais restrita: substitui-se a “vontade livre” (em sentido estrito, desde que estamos diante da contratação por adesão) pela “vontade cativa”79. O problema é que a falta de informação continua a imperar, independentemente de se tratar de uma contratação simples ou uma operação negocial complexa, quer os custos de informação se tornem mais baratos ou não80.
Certamente, isto implicará – repita-se – uma análise das obrigações contratuais como um processo onde a boa-fé e a confiança devem ser sustentadas constantemente. Para o objeto do presente estudo, porém, o importante é perceber que, a fim de não deixar o espaço de liberdade do aderente reduzido a pouco ou quase nada, será preciso que os seus direitos à “libertação” do vínculo contratual sejam claramente informados. Sendo certo que, ao celebrar
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um contrato muitos aderentes desinformados não pensam na sua dissolução, nem nas maneiras como ela pode vir a ter lugar, a verdade é que este tipo de informação se vem tornando essencial, assim como quaisquer outras previsões que digam respeito ao reajuste do contrato em casos de alterações supervenientes dos fatos, as quais venham a interferir no cumprimento contratual.
Entretanto, é curioso notar que, quanto mais a sociedade avança no pós-modernismo (o qual associa-se a ideias que permitem criticar a determinabilidade prévia dos acontecimentos, estimulando-nos a trabalhar para nos acostumarmos às contantes evoluções do dia a dia), mais os contratos desejam caminhar num sentido de repetição e – com agravamento nos últimos tempos – de imutabilidade. Parece-nos que a liberdade contratual precisa ser ampliada com urgência, no que toca ao aderente.
Se é verdade que, consoante as advertências de Xxxxx, todo contrato esconde uma operação económica e que, muitas vezes, o direito é utilizado para legitimar interesses da elite que controla as nações, de modo a fazer crer aos menos favorecidos que são os maiores beneficiários das mudanças (quando isso na verdade é falacioso), então podemos dizer que toda a contratação contemporânea não passa de uma grande desculpa para a manutenção do poder, contra os benefícios que poderiam ser aproveitados pela pós-modernidade (consciente, se adequadamente comunicada e informada), favorecendo toda a gama de desigualdades que os contratos têm despertado81.
Com efeito, não se torna espantoso que muitas dívidas contratuais tenham caminhado no sentido do sobre-endividamento das famílias. Este dado merece relevo para a nossa análise. No mesmo ano em que Xxxxxxx fazia as advertências expostas no início do presente capítulo, Xxxx Xxxxxxx começava a analisar uma prática que à altura tornava-se comum no Brasil: os credores, em sua maioria bancos, ofereciam ao cliente comum a renegociação ou a novação da dívida que havia sido estabelecida anteriormente – note-se – com base em cláusulas comprovadamente abusivas. Valendo-se de termos de confissão, consolidava-se a dívida (que, em rigor, não existiria devido à abusividade das cláusulas, ou existiria em valores reduzidos), para então reenquadrar o contrato nos parâmetros legais. Xxxxxxx-se, desta maneira, a revisão real do contrato que, de início, passava a ser examinado pelos tribunais a partir da renegociação ou novação estabelecida através do termo de assunção da dívida anterior. No entanto, hoje a jurisprudência brasileira firmou-se no sentido de determinar, em tais casos, a revisão de todo o contrato82.
Dizíamos que este dado merece relevo porque, se bem vistas as coisas, já que os contratos caminham para uma duração mais prolongada, os
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fornecedores e produtores de bens em geral (os quais, como vimos, efetuam as suas contratações com os proprietários dos fatores de produção, também elas de longa duração, a fim de melhor controlarem a sua empresa), não poderiam ignorar que possivelmente os destinatários finais dos produtos também teriam de renegociar os contratos de que faziam parte. Porém, torna-se claro que, mesmo quando muitas famílias já se encontravam sobre-endividadas (leia-se, se houver interesse, o farto material sobre a prática do anatocismo no Brasil), o comportamento dos “poderosos” caminhou noutro sentido: tentar prolongar as relações contratuais, ainda que abusivas,
utilizando-se de todos os meios possíveis.
Por outras palavras, aquilo que poderia ser uma oportunidade legítima de demonstração da confiança descambou para um ardil em que se mantinha a completa desinformação dos mais vulneráveis. Diante disto, pergunta-se: por quê? Se Ihering dizia que “o direito é a arte do bom e do justo”, torna-se difícil explicar… Contudo, diante da reiteração das práticas, decerto não poderemos classificar tal circunstancialismo como uma reles coincidência. É absolutamente
Uma ação coletiva ideal deve permitir que a generalidade
dos lesados aceda à justiça de qualquer parte, independentemente de características
individuais
inadmissível que o direito cruze os braços e feche os olhos para este triste fado, que não pode nem deve ser carregado – sobrecarregado? – durante toda a vida pelos mais fragilizados numa relação contratual.
Os contratos a que nos referimos agora são chamados, no Brasil, “contratos cativos de longa duração”, na Argentina são conhecidos como “contratos de longa duração” e no realismo americano recebem a denominação de “contratos relacionais” (relational contracts83). São exemplos destes os contratos bancários, de seguro-saúde, de assistência médico-hospitalar, de previdência privada, de cartão de crédito, de transmissão de informações e lazer por cabo, telefone, televisão e computadores, assim como os conhecidos serviços públicos básicos, de fornecimento de água, luz e telefone, entre outros84.
Não é complicado perceber que o objeto destes contratos é, em regra, caracterizado como um serviço de fundamental importância no mundo atual, relacionado com várias necessidades fundamentais para que se viva com qualidade, no que respeita a áreas como a saúde, a educação, o crédito e – atente-se – a informação. Se levarmos em conta que a catividade representa a promessa de algo que, no futuro, servirá como um elemento que conduza a relação contratual para a perpetuidade, então perceberemos como se torna
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determinante para o desenvolvimento da sociedade que estes contratos sejam estudados para que se desenvolvam de uma maneira boa e justa.
O seu fundamento último, como vimos, afasta-se da tradicional vontade livre e estabelecida por consentimento, reclamando soluções que enfatizem as ideias de socialização do contrato, anteriormente referidas. De fato, o estudo destas formas de contratação deve ter por base não mais o acordo de vontade entre sujeitos ficcionais, dotados idealmente de uma igualdade formal e livre para contratar, mas de sujeitos situados no contexto da comunidade, cujas ações assumem relevância dentro do contexto da sociedade que se quer produzir. Esta, hipercomplexa, clama pela proteção das legítimas expectativas nos contratos, tendo como pressupostos a informação e o agir com boa-fé durante todo o período contratual (mesmo antes e depois do contrato, para sermos mais precisos).
Isto valerá para todos esses contratos, considerando que estamos diante de serviços vistos como essenciais ou, pelo menos, úteis à sociedade. Em qualquer caso – mas em especial quanto ao fornecimento de acesso à informação (através dos meios de comunicação) – parece-nos imprescindível que não se perca a oportunidade de manter um constante diálogo informativo entre as partes85.
De fato, especialistas referem que nestes contratos as cláusulas substanciais devem ser substituídas por cláusulas constitucionais que permitam uma “renegociação contínua”, a qual tenha por substrato, por exemplo, o status do contratante, a sua confiança e a sua dependência económica86. E, para o presente estudo, o que mais importa: tudo isto deve ser comunicado e informado ao aderente quando o contrato de adesão for também um relational contract. Levando-se em conta a incapacidade dos indivíduos para receber, armazenar e processar uma grande quantidade de informações, prevendo todas as possíveis circunstâncias futuras e preparando-se para todas as vicissitudes (face à “racionalidade limitada” que nos assola), torna-se necessário assegurar que a informação esteja disponível quando o problema ocorrer, a fim de ajudar as partes a ajustar e resolver a situação87.
Isto significa que o dever de comunicação e informação não deve mais ser visto como um privilégio pré-contratual, mas como uma obrigação fundada na confiança e comprometida com a socialização do contrato, visto como um todo (resguardando não só a relação obrigacional interna, como também aquela que se refere à coletividade), protegendo-se as partes com base na boa-fé e nos deveres de colaboração solidária desde antes até depois da vigência contratual e ressaltando-se a valorização do dever de informar “pós-celebração contratual”, o qual permitirá o desempenho da renegociação relacional.
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Exige-se que a mudança normal da relação interna e externa do vínculo contratual mantenha uma paridade equitativa entre as partes, em prol do equilíbrio dinâmico do contrato. Numa situação de desigualdade material como a que vivemos (especialmente no Brasil), torna-se possível defender que os riscos de mudança presentes na sociedade devam ser suportados pelo parceiro contratual mais forte, com maior poder de arcar com o desnivelamento contratual decorrente da própria alteração dinâmica da sociedade, levando em consideração que dividir os riscos numa sociedade de consumo, movida por agressivas campanhas de marketing, não traz a esperada justiça distributiva (necessária à própria manutenção equilibrada do contrato e, por conseguinte, à justa circulação de riquezas)88.
O diálogo das fontes, mesmo em relação a outras ciências, bem como a atenção ao “entorno social” que nos envolve – “esperando o inesperado” com um pensamento aberto às constantes exigências de adaptação e atualização
– podem surgir como um caminho para transmitir os aludidos “intuitos informativos” – de maneira assimilável, como é bom lembrar – ao corpo do contrato, segundo a nova teoria contratual. Certamente, movidos por valores (não por outro conhecido valor) e sem perder a capacidade de indignação.
6. Comunicação e informação nos regimes específicos de proteção ao aderente
Tendo avançado até aos tempos atuais, com atenção aos “novos ventos” que hoje sopram, é chegada a hora de tecermos alguns comentários sobre os regimes legais especificamente dedicados aos contratos de adesão e às cláusulas contratuais gerais, para enfim procedermos à aplicação da nova disciplina contratual ao tema fulcral do presente trabalho, em sede de considerações finais.
6.1. Breve análise comparativa
Em Portugal, o DL 446/85 estabelece, nos seus arts. 5° e 6°, respectivamente, os deveres de comunicação e informação ao aderente que se limite a subscrever ou aceitar as cláusulas contratuais gerais (CCGs). A inobservância destas obrigações, em relação à inclusão de CCG, implica a sua exclusão dos contratos singulares89.
Em suma, podemos dizer que as CCGs devem ser informadas integralmente aos aderentes, através de comunicação adequada e com a antecedência necessária para que, à vista da importância do contrato e da extensão e complexidade de
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suas cláusulas, seja possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência. Ou seja, em relação à extensão, a comunicação deve ser integral; quanto ao modo e ao tempo, deve ser adequada e permitir, através da antecedência, o conhecimento completo e efetivo por parte do aderente. Note-se que o ônus da prova da comunicação, nos moldes descritos, cabe a quem submeta a outrem as CCGs (cf. art. 5°, n. 3 do referido diploma).
No que respeita à informação, o contratante que recorra a CCG deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique. Parece-nos que esta determinação legal corresponde ao que já decorreria naturalmente do art. 227 do Código Civil português, mas evidencia uma preocupação em relação a quaisquer situações em que o contratante, recorrendo às CCG, tenha uma espécie de dever adicional de informação, para além dos que naturalmente decorrem da obrigação de comunicação acima referida, nomeadamente em relação aos esclarecimentos razoáveis que forem solicitados.
No Brasil, uma adequada abordagem da questão deve partir do Código de Defesa do Consumidor (CDC), segundo pensamos. É importante notar, desde logo, que esta codificação admite diversas noções de “consumidor equiparado” (pessoas que normalmente não seriam abrangidas pelos dispositivos legais do CDC, mas passam a sê-lo em virtude da lei), sendo uma delas – a que é fornecida pelo art. 29 – de fundamental importância para o presente estudo.
Segundo o citado dispositivo, para os fins do capítulo V do CDC (práticas comerciais), equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. Uma das previsões deste capítulo vem expressa pelo art. 46 e também assume destaque essencial para discussão de que tratamos. Segundo este dispositivo, “os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”. Face à aludida equiparação e à substituição do direito comercial pelo “direito empresarial” no Código Civil brasileiro (v. art. 966 e ss.), esta disposição deve ler-se, segundo pensamos, pedindo vénia pela repetição, da seguinte maneira: “os contratos que regulam as relações em que houve exposição ao exercício profissional de atividade economicamente organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços não obrigarão as pessoas a eles expostas, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”.
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Por outras palavras, no nosso entender, todos que forem expostos ao exercício das aludidas atividades (sejam eles ou não potenciais aderentes e/ou consumidores, na acepção mais restritiva europeia) deverão ser comunicados com antecedência do conteúdo contratual que, se for escrito, não poderá impedir a compreensão e o alcance de suas cláusulas. Embora fique de fora da previsão brasileira o exercício de atividades não económicas, havemos de convir que, como é notório, são precisamente nos casos de adesão a contratos com efeitos económicos que é sentida a maior necessidade de proteção dos aderentes, especialmente face à sua crescente complexidade e à disparidade de poderio – de informação, socioeconómico, técnico-jurídico, psicológico, processual etc. – das partes envolvidas.
Numa análise comparativa, parece-nos que os efeitos práticos das legislações brasileira e portuguesa – sendo certo que esta é uma análise bastante específica e que outros dispositivos legais poderiam ser chamados à baila neste momento, mas não é o caso de fazê-lo – se avizinham. Embora a legislação portuguesa pareça mais ampla, se levarmos em consideração
que admite o dever de informação mesmo para contratos que não consubstanciem relações de consumo ou “equiparadas”, a verdade – que agora nos basta – é a de que estes contratos representam a grande maioria dos que são celebrados com problemas de informação, sobretudo em atenção aos efeitos indesejáveis que a falta de comunicação contratual, nestes casos, acaba por gerar (por negarem a liberdade do aderente, estimularem o seu desinteresse informativo, causarem a desigual distribuição de riquezas, a indignidade social etc.). Dito isto, convém lembrar, seguindo de perto
A ação coletiva não
deve ser uma ação representativa, inclusivamente quanto tem em vista a supressão de cláusulas ilícitas ou abusivas nos contratos de
adesão
a doutrina especializada, que o modelo de informação nos contratos de adesão parte da ideia de uma “liberdade reduzida” (à possibilidade de uma decisão informada entre opções alternativas), isto é, simples liberdade de escolha e de celebração, longe do “irrealista ideal jurídico” da liberdade de conformação – como aconteceria com a prévia negociação das cláusulas entre os contraentes90. Através da escolha e celebração informadas, numa perspectiva institucional- económica, “premiar-se-iam” os contratantes que adequadamente se utilizassem de CCGs, “castigando” aqueles que tentassem impor cláusulas abusivas ou pelo menos desfavoráveis aos interesses dos aderentes. Neste caso, a concorrência funcionaria como um “controlo” das boas práticas no mercado.
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Contudo, os estudiosos que se debruçaram sobre este delicado tema acabaram por decretar a insuficiência tuteladora do “modelo de informação”, no que respeita aos contratos com CCG, devido a diversos fatores, como a variedade e complexidade técnica dos produtos, a difícil perceptibilidade de sua diferenciação qualitativa, a publicidade onipresente e sugestiva (quando não enganadora) e um incentivo ao consumo (como entretenimento, batizado “consumismo” no Brasil), induzido por mecanismos de ordem psicológica, sociológica etc. Dessa maneira, aparece pintado um quadro em que a capacidade de comparação e avaliação, por parte do consumidor e de muitos aderentes é manifestamente excedida, implicando a afetação da sua autonomia e, consequentemente, do funcionamento do aludido mecanismo de concorrência.
Diante do comprometimento da autonomia (aquela reduzida), o controlo que seria exercido pela concorrência deixa de existir nos moldes idealizados, obrigando a que o Estado intervenha para garantir que a informação seja efetivamente conferida aos aderentes, permitindo que ao menos possam escolher e celebrar contratos que atendam aos seus interesses. Dentro desta ordem de ideias teriam surgido os normativos de proteção ao aderente a que fizemos alusão acima. As referidas normas sobre CCGs decorrem, assim, dos princípios inspiradores do “modelo de informação”, traduzindo-se na imposição ao predisponente de ónus de comunicação e de esclarecimento do conteúdo destas estipulações, para proporcionar à contraparte a possibilidade de esclarecimento das consequências jurídicas da decisão de contratar (eliminando-se os problemas antes referidos)91.
Entretanto, note-se que a maior demonstração de que o Informationsmodell, por si só, não teria a capacidade de cumprir esta missão foi dada pelos próprios normativos que serviram à materialização da doutrina: além da imposição dos deveres de comunicação e informação, foi preciso – conforme adiantado
– um “controlo do conteúdo” dos contratos, isto é, tornou-se necessário que o legislador restringisse diretamente o princípio da liberdade contratual92. Ao controlo da autodisciplina de interesses, consubstanciada no contrato de xxxxxx, junta-se a heterorregulação do ato que o pôs em vigor, conjugando-se diversos instrumentos de tutela, em distintos planos interventivos.
Admitiu-se, com isso, que a cognoscibilidade dos termos contratuais, mesmo em relação ao seu caráter inequitativo, não fornece ao aderente, só por si, alternativas reais de defesa dos seus interesses e de exercício efetivo da autonomia privada, no sentido de aproveitamento ótimo das oportunidades oferecidas pelo mercado. Consoante os ensinamentos de Xxxxx Xxxxxxx, as razões de cálculo económico e até mesmo de índole psicológica tornam justificável
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o desinteresse do aderente pelo conteúdo das cláusulas contratuais gerais que integram os contratos de adesão. Esta “racionalidade” não é eliminável com a possibilidade do seu “conhecimento completo e efetivo”, na medida em que tal faculdade não representa um incitamento suficiente à refletida avaliação e seleção da melhor oferta disponível (com a consequente estimulação da concorrência), atento aos custos e dificuldades de comparação das CCGs e do seu relacionamento com as conveniências pessoais93.
A partir daí, confessada a irrealizabilidade do modelo de informação, não é de surpreender que se tenha indagado sobre a sua real importância. Pelo que pudemos perceber, a fórmula tem ao menos o mérito de fixar um padrão de
comportamento exigível ao utilizador de CCG. Além disso, se sabe que terá de comunicar e informar o aderente sobre as CCGs, nos termos descritos, então sentir-se-á compelido a não incluí-las nos contratos, quando tal inclusão puder ser violadora dos direitos do aderente. De todo o modo, pelo bem da proteção da parte mais fragilizada na relação contratual de adesão, o certo é que os deveres de informação/comunicação e o controlo do conteúdo tornam-se complementares. Assim, por exemplo, ainda que uma cláusula
Devem ser estimulados, segundo pensamos, mecanismos de indenização dos aderentes lesados, compensando os seus prejuízos
manifestamente proibida, com base nos arts. 15 e seguintes do DL 446/85, seja efetivamente comunicada e informada ao aderente, por mais que ele venha a aceitá-la, mediante adesão, a cláusula será nula.
Por outro lado, analisando as normas até aqui expostas, o aderente deve apenas agir com a diligência que lhe é comum, nada mais lhe sendo exigido. Como tal diligência é baixa, diante dos fatores antes mencionados, muitos autores tendem a desvalorizar, quanto aos seus efeitos úteis, o simples dever de propiciar ao aderente à cognoscibilidade das CCGs, sobrevalorizando o controlo do conteúdo. Embora não estejamos completamente em desacordo com esta posição, o tema merece algumas considerações adicionais.
Em primeiro lugar, o direito não se manteve inerte quanto à insuficiência da informação nos contratos, nomeadamente quanto à parte sem experiência e no que toca àqueles que são submetidos a práticas agressivas e desleais, que impedem a formação esclarecida e ponderada do consentimento. Em Portugal, sendo notória a existência de profusa legislação especial sobre o tema, é importante sublinhar que a regulamentação da informação, nestes termos, vem sendo acentuada, de maneira vertiginosa, nos últimos tempos, como dão prova,
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no ano de 2008, os Decretos-Lei 57, 82 e 84, tratando das práticas comerciais desleais, da venda a distância, ao domicílio ou equiparadas e ainda da venda de bens de consumo e garantias a ela relativas. No ano de 2009, o Novo Regime do Crédito ao Consumo é uma situação exemplar.
Uma análise global desta convulsão criativa do legislador (sem embargo das críticas já efetuadas em relação à dificuldade de estudo que geram), permite- nos alcançar alguns princípios ou ideias comuns extraídas da legislação, especialmente aplicável ao consumo de bens, o qual, como ninguém ignora, é na maioria das vezes levado a cabo através de contratos de adesão. São eles: transparência e lealdade94; informação nas cláusulas contratuais gerais (como procuraremos deixar claro através do presente estudo); informação em particular95; informação e exigência de forma escrita (com algumas restrições, pois há vezes em que isto pode representar verdadeiro entrave à celeridade na contratação e ampliar consideravelmente os custos dos negócios); dever de informar em língua portuguesa96; integração da publicidade e das informações pré-contratuais no conteúdo do contrato97; proteção à saúde e segurança [consagrada no art. 60, n. 1 da Constituição da República Portuguesa, bem como nos arts. 3°, b) e 5° da LDC98]; direito de consumir apenas o que pediu (controvertido quando às ofertas indesejadas e não solicitadas, geralmente confrontando-se direitos constitucionais à liberdade de expressão e iniciativa económica com os de inviolabilidade do domicílio e da correspondência, à vida privada, os direitos dos consumidores em geral e as garantias sobre os dados pessoais99); proteção dos interesses económicos, bem como direito à formação e à educação (por exemplo, com base nas ideias constitucionais anteriormente aventadas); responsabilidade civil100 (com a finalidade de alcançar a justa reparação do dano, aberta às inovações jurídicas, em atenção ao diálogo das fontes, sendo particularmente interessante, no que respeita ao regime das CCG, a situação de falta de comunicação e informação das cláusulas de exclusão e de limitação de responsabilidade101); direito de revogação unilateral (mesmo aquele que é estendido aos contratos em coligação numa operação negocial complexa, potenciando-se tal direito pela vedação ao pagamento antecipado, que impediria o arrependimento com base na previsibilidade de problemas para reaver os valores adiantados, tudo com o intuito de afastar uma contratação em que o espaço de formação do consentimento apareça debilitado frente a técnicas de comercialização agressivas ou desleais)102; imperatividade dos direitos do consumidor103; criação de órgãos de proteção e solução de conflitos (os quais podem e devem ajudar a resolver problemas de comunicação e informação, mesmo sob um espectro mais amplo de atuação) …
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Como dizíamos, o direito não se manteve inerte em relação à falta de informação nos contratos, procurando proteger a parte mais vulnerável de diversas maneiras, com o objetivo de potenciar uma decisão racional do contraente protegido, ajustada em função dos meios de que dispõe e evitando que, por falta de informação, ele venha a celebrar um contrato desvantajoso. No que toca ao DL 446/85, o deslocamento da tutela essencial do contratante, passando do confessadamente insuficiente Informationsmodell para o controlo do conteúdo, não nos impede de avançar com outras sugestões, nomeadamente no sentido de motivar o contraente a empenhar-se na leitura,
compreensão e confronto dos conteúdos das CCGs, combatendo a “desmotivação justificada” para empreender estes esforços. Evidentemente, as mudanças passam por uma reestruturação da contratação e não podem contar só com o apoio dos mais fragilizados104.
Neste sentido, em anotação ao DL 446/85 (que haviam criado), Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx consideravam que o dever de informar o aderente do significado e das implicações das CCGs só pode ser levado a cabo de duas
Ao lado da liberdade contratual, o direito
privado de hoje impõe
boa-fé, probidade, bom senso e visa à proteção dos vulneráveis
maneiras: ou através de um texto explicativo, entregue, juntamente com a comunicação das CCGs, com a antecedência necessária para permitir o seu estudo, ou verbalmente, num contato pessoal entre as xxxxxx000. Acontece que ambas as soluções, importando custos para o predisponente, põem também em causa as vantagens organizacionais, do ponto de vista da estrutura interna da empresa, que as CCGs propiciam.
Mesmo assim, a via parece estar aberta, incentivando atividades futuras para a melhoria das condições de celebração do contrato de adesão. A solução do texto explicativo, prevista pelos juristas referidos, acabou por ser, de alguma forma, acatada, como põem a nu os regimes do DL 133/09 (Crédito ao Consumo) e da Diretiva 2008/122/CE (Direitos de Utilização de Bens a Tempo Parcial, e Novos Produtos de Férias), nos quais a informação pré-contratual é fornecida ao consumidor – aderente, segundo pudemos visualizar – através de “formulários normalizados” que constam dos seus Anexos106. De um modo geral, esta maneira de informar pode apresentar vantagens de praticidade e harmonização (pensemos nos planos comunitários), não merecendo, de modo algum, ser desprezada – talvez apenas aperfeiçoada107.
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Sem dúvidas, um dos primeiros passos a serem dados consiste em exigir que a compreensibilidade das CCGs resulte do seu próprio texto, de modo a que um aderente não preparado, do ponto de vista jurídico da experiência negocial, as possa compreender, sem a necessidade de um esclarecimento especial (ohne besondere Erläuterung). Em rigor, convém ressaltar que é hoje possível
– após serem verificadas a celebração e até a execução de contratos formados com manifesto desrespeito pelos deveres de comunicação e informação – estabelecermos princípios (formais-exteriores e materiais) a serem respeitados, com base nos aludidos deveres, partindo da ideia central de cognoscibilidade, a fim de obter, como quis o legislador, o “conhecimento completo e efetivo” do conteúdo das CCGs.
Além da mencionada (i) compreensibilidade (ou inteligibilidade, abrangendo, por exemplo, a necessidade de que não sejam utilizados termos específicos para juristas, de difícil compreensão, nem meras referências, sem explicações, a artigos de disposições legais, siglas, abreviaturas ou fórmulas que pressuponham conhecimentos técnico-jurídicos, tampouco aceitando-se o uso de línguas não conhecidas por determinado círculo de aderentes), merecem referência
(ii) a legibilidade (relacionada com a efetiva possibilidade de leitura, através de caracteres visíveis, da não utilização de símbolos desconhecidos etc.); (iii) a contextualidade (pois o texto, mesmo compreensível e legível, não pode ser equívoco sob uma perspectiva do contrato “como um todo”, isto é, não pode oferecer contradições internas108, devendo antes representar um agrupamento e uma articulação das cláusulas segundo critérios claros e racionais, com a sua colocação em local apropriado e sob uma epígrafe condizente com o seu conteúdo109) e (iv) a vinculatividade (só há vínculo em relação àquilo a que se tomou conhecimento, pelo que uma assinatura na parte da frente de um contrato em que as condições constem do verso não deverá, em regra, ser vinculativa110). Conforme exposto antes, a obrigação de comunicação e informação protrai-se durante todo o tempo do contrato – e mesmo antes e depois disto
– em homenagem à boa-fé e à confiança. Entretanto, é importante frisar que há uma função, decorrente desta obrigação, a qual não deve ser desprezada: dar publicidade aos direitos que cabem ao aderente, permitindo-lhe que guie as suas condutas para a boa execução do contrato (o que restaria impedido, por exemplo, pela falta de entrega do contrato no momento da sua celebração) e, por outro lado, vedando que os predisponentes manifestem comportamentos contraditórios (mesmo quanto a modificações à primeira vista ínfimas ou a acréscimos pouco perceptíveis que transformem todo o sentido da contratação111).
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A transparência, mencionada antes, também aparece como um princípio importantíssimo e com alcance manifesto para a prevenção de falhas na contratação, especialmente nos casos de “fronteira” entre a violação do dever de informação e comunicação (controlo de inclusão) e o controlo do conteúdo de CCG.
É o que acontece em relação às chamadas “cláusulas de salvação” (salvatorische Klauseln), pelas quais o predisponente, através de aditamentos do tipo “na medida em que a lei o permita” ou “na medida em que a lei não disponha imperativamente outra coisa”, procura dar maior amplitude às vantagens que se atribui, sem correr o risco de ineficácia destas cláusulas.
É ainda o caso de estipulações cujo conteúdo de regulação é insuficientemente determinado, conferindo ao utilizador uma liberdade tão extrema que chega a pôr em causa o princípio da liberdade contratual. Integram-se neste grupo as cláusulas pelas quais o predisponente se reserva o poder de alterar ou conformar unilateralmente, na fase de execução do contrato, sem indicação precisa dos pressupostos ou do âmbito desta faculdade, quer a sua prestação, quer a prestação
Forma-se uma ideia de confiança, maior aliada da boa-fé nas relações contratuais contemporâneas
– não apenas a um punhado de
cidadãos
do aderente112, quer direitos e deveres resultantes do negócio113, ou ainda a sorte da relação, decidindo-a livremente.
Nas mencionadas hipóteses, se há falta de transparência, o utilizador da CCG poderá até argumentar no sentido de ter informado o aderente, mas o seu comportamento será inadequado diante da repartição inequitativa de direitos e deveres das partes. Assim, mesmo que se consiga ultrapassar o controlo de inclusão, a cláusula cairá diante do controlo de conteúdo: com base na intransparência, deverá ser considerada nula – porque indefinida, incerta e permissiva em relação a um desequilíbrio injustificado, o qual pode lesar gravemente os interesses do aderente.
A intransparência pode ainda ferir diretamente o dever de boa-fé, quando houver um esclarecimento aparentemente adequado, mas com efeitos desfavoráveis e que passam despercebidos no que toca ao aderente médio. O princípio da boa-fé obriga a tornar patentes, da maneira mais clara possível, os direitos e deveres da contraparte. De fato, o resultado da intransparência, nestes casos, pode ser a necessidade de exclusão (por defeitos de informação) e de nulidade (diante da proibição de cláusulas contrárias à boa-fé) da CCG, com base numa única causa.
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A maior importância em diferenciar estas situações, segundo pensamos, ocorrerá nos casos em que o conteúdo não for especificamente proibido (na dúvida, peça-se a ineficácia), parecendo-nos que uma boa alternativa será alegar que houve intransparência comunicativa e informativa, sempre que esta se referir ao conteúdo essencial do contrato (v.g. no caso do preço ou do correspectivo da prestação). Como esta compreensão é de fundamental importância para a formação da decisão de contratar (isto é, havendo justamente um qualificado interesse na informação), deverá haver uma correta localização sistemática da cláusula, com destaque e clareza nas formulações, propiciando a fácil compreensão pelo aderente. A dispersão, por várias cláusulas, dos fatores relevantes para o preço, a sua ocultação em contextos inapropriados ou a sua indicação através de fórmulas e parâmetros de cálculo demasiado complexos não satisfazem a essa exigência (aliás, consoante os princípios de cognoscibilidade antes referidos)114.
Especificamente no que toca à realidade brasileira, quanto ao dever de comunicação e informação nos contratos de adesão, convém lembrar que a situação acaba por ser bastante similar à portuguesa. Contudo, uma crítica de plano pode ser feita: a definição positivada dos contratos de adesão consta do Código de Defesa do Consumidor, quando a nosso ver ficaria mais bem localizada no Código Civil115.
Isto acaba por significar, a nosso ver de maneira lastimável, algum menosprezo pela situação do “aderente não consumidor”, a qual, sem embargo de ser verificada em menor escala, segundo as nossas pesquisas, não deve ser deixada de lado pelo estudioso do direito: a rigorosa proteção do aderente parte da sua fragilidade em termos de liberdade quanto à formação da vontade de contratar, já que não pode incluir no contrato as cláusulas que gostaria, pois não há negociação prévia e, sendo justificável o seu desânimo em empreender esforços para conhecer do conteúdo predisposto unilateralmente pela contraparte ou por terceiro (diante de motivos variados e facilmente verificáveis na prática), não há conhecimento completo e efetivo que permita um consentimento esclarecido e de acordo com as legítimas expectativas daquele que apenas se submete às CCGs. O desequilíbrio torna-se evidente.
É verdade que esta situação frequentemente confunde-se com a do consumidor, o que implica a soma da referida fragilidade àquelas inerentes ao grupo consumerista. Porém, em bom rigor, o aderente pode ser um profissional – a celebrar o contrato diante de outro profissional – e ainda assim merecer uma especial tutela jurídica, tratando-se de um contrato formado por cláusulas contratuais gerais. Esta necessidade de ampla proteção
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aparece acentuada por vários motivos, já apontados anteriormente [como a complexidade dos negócios (coligados)], de maneira que a atuação do codificador civilista brasileiro de 2002, não obstante o conforto conferido pelo potencial efeito prático das noções de consumidor equiparado, poderia ter sido mais elogiável116.
Realmente, a doutrina brasileira não deixou de sentir essa deficiência do Código Civil, quanto à tutela do aderente em condições de inferioridade, passando a defender que a pormenorizada e sistemática disciplina do Código de Defesa do Consumidor – a qual, lembre-se, admite diversas noções de “consumidor equiparado”, estendendo o rol de beneficiários de suas normas e abarcando assim muitos aderentes que, sob a
óptica da legislação portuguesa e europeia, não seriam de jeito algum considerados consumidores
– poderá ser invocada para suprir as falhas da codificação civil117. A utilização conjugada dos arts. 29 e 46 do CDC acaba por resultar na imposição de deveres de comunicação dos utilizadores de CCG em relação a todos os expostos ao exercício da atividade empresarial. Esta teoria é plenamente aceitável, ainda, em atenção às tendências de constitucionalização do direito
Assim, a boa-fé,
singelamente, significa ‘pensar no outro’, enquanto
a confiança, por sua vez, é o ‘pensar legitimamente nos interesses do outro’
civil (com a mudança dos princípios que informam as relações contratuais, hoje positivados no Código Civil brasileiro) e de diálogo das fontes, antes mencionadas, especialmente partindo da ideia de necessidade de proteção dos mais debilitados na contratação, com o intuito de alcançar uma sociedade mais justa, solidária e igualitária.
Apesar de tudo, confiando que haverá maior precisão e rigor em trabalhos futuros, com atenção aos avanços da doutrina e à renovação do direito brasileiro, é possível defender os deveres de comunicação e informação ao aderente, por parte do utilizador, em moldes muito parecidos com os de Portugal. Embora a lei brasileira disponha apenas que o conhecimento do conteúdo deva ser
(i) “prévio” (assemelhando-se à “antecedência necessária, de acordo com a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas”, constante da lei portuguesa) e (ii) “completo” (idêntica à situação portuguesa), a doutrina retira desta qualidade a necessidade de que seja ainda “efetivo”, avizinhando as legislações de ambos os países118.
Muitos outros dispositivos poderiam ser aqui trazidos à baila, especialmente com fundamento na análise do direito do consumidor, primorosamente
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desenvolvido no Brasil, beneficiando não só as pessoas como tal caracterizadas como ainda uma imensa parcela de contraentes deste enorme país. Entretanto, sendo um trabalho essencialmente de direito civil, parece-nos ser o caso de deixar uma abordagem mais pormenorizada da perspectiva consumerista brasileira para outros estudos, sem prejuízo das observações comparativas – feitas e a fazer – que tanto enriquecem de significado a nossa pesquisa e a nossa educação.
6.2. Aspectos práticos e jurisprudência adicional
Parece-nos conveniente trazer de volta à tona, neste momento, a questão das cláusulas segundo as quais “o aderente afirma que tomou conhecimento prévio e efetivo sobre todo o conteúdo contratual”, geralmente apostas em local vizinho ao da assinatura, mas no verso de onde constam as cláusulas contratuais gerais referentes aos direitos e deveres dos contratantes. A questão – controvertida entre a doutrina, visualizando-se posições minimalistas e maximalistas – dá- nos ainda a oportunidade de tratar de outra cláusula de extremo relevo prático, referente ao extravio de cartões de crédito.
De fato, nos “contratos de cartão de crédito” (relational contract geralmente redigido em letras miúdas, como é sabido), era comum a aposição de uma cláusula que procurava isentar o banco de responsabilidades decorrentes do furto dos cartões. Ao final, vizinha à assinatura, constava ainda a outra cláusula através da qual o aderente declarava: “Aceito as cláusulas contratuais gerais… que constam do verso deste impresso”. Como não é difícil imaginar, ambas as cláusulas passavam despercebidas à maioria dos aderentes, que, sendo posteriormente vítimas de furto, sem terem agido negligentemente, não consideravam justo que os bancos – os quais dominam, controlam e lucram com a atividade argentária – deixassem de indenizá-los pelos prejuízos sofridos.
Primeiramente, em relação à cláusula de “declaração de conhecimento completo e efetivo” do conteúdo constante do verso, trata-se, basicamente (e utilizando os princípios antes delineados quanto à cognoscibilidade), de uma questão de legibilidade e de vinculatividade. De fato, para a doutrina não é preciso que a letra seja ilegível para que a cláusula seja excluída, bastando que seja de difícil legibilidade119. Quanto à referência ao verso, a legislação portuguesa determina a exclusão de cláusulas “inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes”120.
De um modo geral, portanto, poderíamos dizer que tais cláusulas devem ser excluídas, não só por ofenderem a normas imperativas, mas também porque
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elas próprias também são consideradas, só por si, como cláusulas contratuais gerais
– e, por isso mesmo, estão igualmente sujeitas à comunicação e à informação. Sendo esta a posição maximalista121, é também possível defender uma posição minimalista, segundo a qual estas cláusulas podem ser válidas se o predisponente avisar nitidamente, antes da assinatura, que as cláusulas se encontram no verso122. Parece-nos que, antes de proteger os predisponentes, é preciso cuidar dos aderentes, sendo digno incentivar – até mesmo face aos preceitos legais antes referidos – que as cláusulas venham dispostas anteriormente à assinatura, o que não traz problemas a nenhuma das partes, a nosso ver. Aliás, parece-nos que as decisões mais recentes nos dão suporte. De todo o modo, é preciso lembrar que, como este é um problema estrito de comunicação, não há que se falar em nulidade da cláusula em debate, mas de exclusão e inexistência.
Em segundo lugar, quanto à isenção da responsabilidade bancária pelo furto dos cartões de crédito, parece-nos que o principal problema ocorre nas situações em que não há culpa do titular nem do banco, sendo uma questão referente ao risco. Depois da comunicação do furto, a responsabilidade certamente será do banco123. Porém, antes disso, levanta-se o problema consistente em saber se o titular foi negligente: se houve, da sua parte, dolo ou negligência grosseira (v.g. se a pessoa foi à praia e nadou no mar, deixando o cartão na areia), então deverá ser responsabilizado (conquanto seja possível argumentar que a pessoa não utilizava o cartão com frequência); nos demais casos, o banco responderá. Há ainda um limite até ao qual o banco sempre responde (o qual gira em torno dos cento e cinquenta euros)124.
Sem fugir do tema, podemos referir uma outra característica, peculiar ao ordenamento jurídico brasileiro (na análise comparativa em relação à legislação portuguesa), a qual reside no dever, que impende sobre o predisponente, de destacar as cláusulas restritivas de direitos do consumidor (inclusivamente o equiparado), medida que nos parece interessante e que pode ser aproveitada para soluções futuras125.
Cumpre-nos fazer breve referência à situação da ambiguidade das cláusulas, por tratar-se, numa perspectiva ampla – como a que procuramos defender – de um problema de (falta de precisão de) comunicação e informação. Porém, uma vez verificada, obriga-nos a avançar pelo atraente campo da interpretação, tarefa que não pode ser empreendida, face à sua complexidade, no presente estudo. De todo o modo, vale a pena relembrar que, tanto no Brasil quanto em Portugal, existem dispositivos legais que protegem o aderente em casos de dúvida quanto aos sentidos de alguma cláusula contratual geral, determinando que em tais circunstâncias prevalecerá aquele que mais favorável ao aderente126.
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Sobre o tema, é possível sentir uma tendência sutil de alguns tribunais em optar por esta apreciação (privilégio com base em ambiguidade) com o intuito de favorecer os aderentes, sem ter de manifestar uma direta concordância com as suas demandas127. Talvez este caminho possa representar uma saída para algumas demandas, ao menos em termos de pedido subsidiário (em relação ao principal, como seria a exclusão por falta de comunicação e informação).
7. Considerações finais
Reunindo tudo o que até aqui foi dito, tendo percorrido caminhos que passaram desde o direito constitucional até aos regimes legais mais específicos que dão tratamento ao assunto, sempre acompanhados de balizada jurisprudência e de esclarecedora doutrina, o assunto que, de maneira mais recorrente, firmou-se em nossos pensamentos – e que portanto poderia ser erigido como ideia-chave caso estivéssemos a concluir e não a considerar – foi a tentativa de alcançar um “mínimo de dignidade social” em termos informativos e comunicativos, no que respeita à contratação por adesão.
Este mínimo, segundo as nossas pesquisas, ainda não foi alcançado – inventado? – pelos operadores do direito. Entretanto, muitos pontos podem ser apresentados como determinantes para que ele seja concretizado.
1. Inicialmente, a avaliação da “comum diligência” daquele que deve receber a comunicação e a informação, segundo as nossas ideias, deve ser feita em atenção à situação concreta (como aliás restou consignado no Acórdão do STJ de 08.04.2010, relator conselheiro Xxxxx do Rego), não de maneira abstrata (como parecem sugerir algumas leis). Para sermos mais claros, não basta falar em comunicação para o homem médio numa sociedade hipercomplexa em que a diligência não é comum a todos128.
Um ponto crucial da informação diz respeito ao preço, característica fundamental do produto. A informação referente ao preço deve ser reunida numa única cláusula, indicando o seu valor total (global, máximo), o qual deve incluir todos os outros fatores que permitam a sua alteração (mesmo em termos de reajuste e ainda que estejamos diante de uma operação negocial complexa ou coligada), permitindo que o aderente tenha a exata medida e compreensão da equivalência entre as prestações do contrato. Esta medida deve produzir uma cognoscibilidade do preço que atenda a duas necessidades básicas do aderente: (i) avaliar o equilíbrio económico entre as prestações (novo princípio de direito contratual) e (ii) dar publicidade à sua vontade, isto é, garantir que,
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no caso de consentir, o conteúdo contratual não será alterado (ou seja, prezar pela inalterabilidade, tarefa dificultada no âmbito do comércio eletrónico).
Dada a inegável importância desta cláusula, alguns especialistas defendem que ela seja “posta em destaque” no confronto com as outras que compõem o contrato. Isto é, defendem que haja um plus de cognoscibilidade quanto ao preço. Estamos completamente de acordo. Entretanto, a aceitação dessa necessidade faz surgir outra dúvida de manifesto relevo: como concretizar o destaque? Parece-nos que, sem embargo da utilização de itálicos, bolds, sublinhados e outros meios de conferir proeminência ao texto (muito bem colocados como exigência por grande parte da doutrina), o mais importante é exigir uma assinatura especialmente voltada para comprovar o efetivo conhecimento do preço. Assim, de duas, uma: ou exige-se que se assine especialmente depois da cláusula, sem prejuízo da assinatura final e usual do documento, ou então esta cláusula passa a integrar o espaço imediatamente anterior à assinatura.
Oportunamente, já que falamos em destaque, outro problema que se põe é o que diz respeito à determinação da legibilidade dos contratos de adesão. O problema das letras miúdas, incompreensíveis ou até invisíveis (diante da sobreposição de duas cores muito similares), que causam a ilegibilidade ou a difícil legibilidade do contrato (de todo o modo vedando a sua cognoscibilidade e implicando a exclusão das cláusulas desconhecidas), merece ser superado. Nem os utilizadores de CCG – mesmo aqueles que negoceiam diretamente com o destinatário final – são génios a ponto de relembrarem o completo conteúdo dos contratos, nem os aderentes são estenógrafos certificados, nem, afinal, a natureza – inclusivamente em homenagem às gerações futuras – merece ser desgastada para produzir contratos escritos que de contrato nada têm.
Assim, poderíamos aproveitar os tipos de letras existentes nos programas de computador e, utilizando pesquisas (mesmo médicas), chegar a um consenso quanto ao tamanho da letra (por exemplo, o mínimo permitido é o modelo X com o tamanho Y, publicando-se e arquivando-se a medida para que todos possam utilizá-la e sujeitando-a a alterações futuras, conforme a recepção por parte das pessoas). Quanto à cor, não nos parece difícil: o normal “preto no branco” satisfaz. O conhecimento dos excepcionais também deve ser sempre garantido (v.g. através de contratos em braille).
Outro tema alvo de nossas reflexões diz respeito ao “tempo mínimo” para que se alcance o conhecimento completo e efetivo e se produza a informação adequada do aderente, tudo de modo a permitir uma contratação conforme às suas legítimas expectativas, bem como a comparação entre as ofertas do
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mercado. Não basta que a lei determine o fornecimento da “informação prévia”, porque esta pode acontecer um segundo antes da contratação ou mesmo num dia especialmente ruim para o potencial aderente.
O modelo aqui parece vir do direito de revogação unilateral, conferido ao consumidor nas contratações em que é comum a utilização de técnicas agressivas e desleais, resultando num espaço de formação do consentimento reduzido. Neste sentido, parece-nos haver uniformização tendencial, na União Xxxxxxxx, xx xxxxx xx 00 xxxx, x xxxxxxxx xxxxx xxxxxxxx000. O desafio aqui será estender o direito a todos os contratos de adesão. Isto pode ser facilitado se pensarmos que tal direito vem sendo recorrentemente estabelecido em regimes legais que dispõem sobre vários tipos de contratos de consumo formados por adesão130, mas pode ser dificultado pelos que consideram a reflexão como um entrave injustificado à contratação, com o que nós discordamos.
Finalmente, parece-nos interessante formular um mínimo de informação quanto às características essenciais do produto. Esta deve abranger a qualidade, a quantidade, o conteúdo e os riscos do produto, bem como o modo de cessação e renegociação do contrato de adesão a ele referente. Integrada especialmente na qualidade e nos riscos está a legítima expectativa do aderente, a qual só pode ser formada através do conhecimento prévio dos maiores problemas verificados em relação à contratação, da possibilidade de cessação e renegociação e do foro competente para a resolução de litígios.
Quanto aos problemas anteriormente verificados na contratação, parece- nos, em geral, injusto que esta informação seja dada pelo predisponente ou utilizador faltoso (ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo). Porém, os predisponentes e utilizadores de CCG poderiam ser condenados, em virtude de suas violações, a contribuírem para um fundo social voltado para o registro e exposição das cláusulas abusivas, o qual, de todo o modo, deverá – como de fato deve – ser mantido pelo Estado para informar os potenciais aderentes. Os meios de comunicação mais atualizados (como a internet, que já chega aos telemóveis) permitirão uma ampla melhoria do mercado (imaginemos um cidadão a contratar e a constatar, via internet, no seu telemóvel, que determinada cláusula contratual geral é proibida), além da geração de empregos em vários países, facilitando, inclusive, a comunicação internacional para a criação de um registro neste âmbito. A nosso ver, os nomes das empresas fornecedoras, produtoras e até “idealizadoras” de produtos que expõem as pessoas a práticas proibidas ou abusivas deverão ser revelados, em tal registro, aos seus destinatários. Os contratos, em geral, deverão remeter para esse registro.
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No que toca às possibilidades de cessação, aqui não há que se falar em provas contra si mesmo: o utilizador deve informar o aderente sobre todos os meios de cessação do contrato, informação que não é comumente fornecida (provavelmente porque num momento inicial de celebração não se quer pensar na dissolução, mas é preciso ter atenção a esse aspecto, pois muitas das vezes um contrato celebrado para alcançar a liberdade implica a sua restrição). Especialmente nas contratações recentemente
desenvolvidas, sobretudo nos relational contracts, à possibilidade de cessação deve ser acrescentada a de renegociação, inclusivamente como estímulo para manutenção de uma confiança constante entre as partes, tudo sob pena de que seja posto o fim à relação, permitindo que seja celebrado um outro contrato, por exemplo com a empresa concorrente, ou mesmo que se opte por não contratar – quando tal for possível, pois já vimos que frequentemente estamos diante de contratos que têm por objeto bens essenciais.
Não só falta ao aderente a liberdade de negociar o conteúdo das cláusulas
contratuais, como a própria liberdade
de escolha
O foro competente para a solução de litígios também é informação imprescindível e, tratando-se de uma “característica” que se incorpora ao produto – visto de maneira dinâmica e não estática no mundo atual – através da predisposição unilateral do fornecedor, não pode causar graves inconvenientes ao aderente. Dificultar a solução de problemas é, em geral, uma medida a ser afastada de qualquer contrato, quanto mais dos que são formados por adesão.
Todas estas características, a nosso ver, devem ser resumidas, porque um dos grandes riscos da informação nos contratos de adesão, consoante sublinhado ao longo do texto, por mais de uma vez, é a utilização deliberada do seu excesso, de modo a confundir o aderente e/ou incentivar o seu desinteresse pela avaliação e comparação entre os diversos produtos postos no mercado, tendo como efeito a impossibilidade de que este logre o conhecimento completo e efetivo sobre as CCGs. Uma boa alternativa pode ser a reunião das características num mesmo grupo de cláusulas, referindo-se apenas o essencial. Quanto aos modos de cessação/renegociação do contrato, no entanto, parece-nos ser o tipo de cláusula a merecer destaque especial.
2. Atendendo aos anseios dos “pais” do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais em Portugal, hoje assiste-se a uma determinação deste mínimo de informação pré-contratual nos anexos que integram algumas leis mais recentes
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dos ordenamentos jurídicos português e da União Europeia. Os referidos anexos devem ser entregues aos contratantes na fase pré-contratual131.
Entretanto, pese embora a vantagem, em termos de praticidade e harmonização, que sempre pode ser apontada em decorrência destas medidas, é preciso notar que uma tal padronização informativa requer muitíssimos cuidados, sobretudo quando é proveniente do legislador. Num primeiro contato com os normativos apreciados, parece-nos que, por um lado, há excesso de informação e a complexidade informativa impede um conhecimento completo e efetivo das CCGs e, por outro lado, faltam informações essenciais para permitir a justa contratação, inclusivamente tendo sido por nós verificada uma hipótese de conflito entre o que é previsto no corpo da lei e o que se encontra em seu anexo (este representando o formulário normalizado).
Realmente, é difícil encontrar a justa medida, mas a falha proveniente do legislador é menos compreensível do que seria aquela imputável ao predisponente (sempre sujeito ao controlo do conteúdo, que, embora não seja tema central deste estudo, pareceu-nos muito acertado). Padronizar mal as informações significa legalizar a falta de informação e comunicação, com enormes consequências negativas. É preciso encontrar um meio-termo entre o excesso e a falta: simples, mas completo.
Sem dúvidas, este é um bom exemplo de que o Estado tem de assumir as suas responsabilidades. Não basta a heterorregulação através do conteúdo, o controlo de inclusão é dele um complemento e vice-versa.
Assim, parece-nos interessante “testar” a caracterização do que possa vir a ser um mínimo essencial de comunicação e informação sobre as cláusulas contratuais gerais, antes de usá-lo como formulário normalizado e integrante da lei. É sabido que o trabalho dos juízes é cansativo, assoberbado em meio à enxurrada de processos que diariamente desaguam às portas do Judiciário. Quando os magistrados encontram alguma norma especificamente aplicável ao caso concreto, muitas vezes agarram-se a ela e fogem dos conceitos abstratos (muitos deles correspondentes à nova teoria contratual). Se um predisponente diz que entregou o Formulário Padronizado de Informações Pré-Contratuais estabelecido por lei e o aderente assinou-o, como argumentar pela exclusão do conteúdo não devidamente comunicado e informado?
Os próprios operadores do direito deveriam compor comissões especialmente voltadas para o assunto, expondo-se à contratação por adesão, na prática, mesmo até ao momento da assinatura – ou depois disso, vista a tendência de crescimento do direito de revogação unilateral dos contratos. Posteriormente, os magistrados, advogados, membros do Ministério Público, professores universitários e outros
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juristas e estudiosos deveriam elaborar um relatório a ser submetido à apreciação geral, através de uma campanha pública de formação e informação quanto aos formulários normalizados, aberta à sugestão popular. Só depois de ouvidos todos estes grupos e pessoas, parece-nos que poderia ser aprovado, de maneira legítima, um modelo como os que foram referidos.
Quanto à atuação pública na comunicação e informação, voltamos a dizer que é preciso materializar e tornar de fácil acesso o registro das cláusulas proibidas por ações inibitórias, bem como permitir a justa reparação dos danos causados à sociedade através de uma atualização das ações coletivas, de acordo com os novos ventos que têm soprado na Europa, alguns deles provenientes do Brasil.
O registro poderia ser utilizado para prevenir contratações injustas (observe-se que o mesmo vale para a ampliação
dos efeitos da inibitória a todos os contraentes que se valham de cláusulas declaradamente proibidas, não só para o que foi condenado). Do contrário, sem registro e sem ampliação dos efeitos, a verdade é que a duração de cerca de seis anos de cada inibitória é tempo suficiente para o predisponente mudar a redação da cláusula, pagar a condenação e ainda lucrar ilicitamente com a sua conduta, temendo apenas a publicação do nome da empresa nos meios de comunicação,
O problema é que a falta de informação continua a imperar, independentemente de se tratar de uma contratação simples ou uma operação negocial complexa
como restou consignado por magistrado do Ministério Público de Lisboa. Além disso, o registro poderia ser local de discussões como a que foi levantada acima, isto é, sobre a justiça da determinação de formulários normalizados de informação.
A revisão da ação popular deve ter como base um mecanismo autossustentável que permita, pelo menos, o financiamento inicial dos litigantes e um efetivo acesso à Justiça, nomeadamente através da afetação dos remanescentes das indenizações pagas a cada particular lesado a um fundo social controlado publicamente. Mais uma vez, é preciso que exista um ponto de referência ao qual as pessoas afetadas pela decisão possam comunicar a sua vontade (inclusiva ou de exclusão) em relação ao litígio e receber os pagamentos (acelerando-se a fase de decisão sobre a questão de direito e deixando a distribuição dos ressarcimentos para terceiros).
A contratação complexa também deve, de algum modo, ser revista pelo legislador. Tomando-se o produto como qualquer bem, serviço ou
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direito, parece-nos que a responsabilidade entre todos os intervenientes na contratação complexa da qual resulte a oferta de um produto composto (mas unitariamente classificável, do ponto de vista económico e objetivo) deve ser solidária, atendendo sobretudo às características do próprio negócio (enquanto estrutura única e independente da classificação que
lhe venham a dar) e também às legítimas
É curioso notar que, quanto mais a sociedade avança no
pós-modernismo mais os contratos desejam caminhar num sentido de repetição e de imutabilidade
expectativas despertadas no contraente mais frágil, isto é, para o nosso caso, à aparência e à confiança despertada nos aderentes. Esta responsabilização é fundada no risco empresarial e atenta ao imperativo social de reparação, pois nada impede que na relação entre os empresários o direito de regresso – total ou parcial – seja exercido por aquele que efetivamente ressarciu o lesado.
De um modo geral, o objetivo da responsabilidade civil de justa reparação do dano, segundo pensamos, deve permitir que a
indenização seja medida pela extensão do dano causado ao aderente, sem limitações. Até a indenização punitiva, nos casos de ação coletiva, pode ser cogitada, ao menos no plano das ideias, enquanto meio de dissuadir a reincidência, em casos de violação às normas que regulam a contratação por adesão, sob pena de tais atitudes se tornarem compensadoras para os seus autores.
3. Os fatores de materialização do mínimo essencial de comunicação e informação ao aderente, mencionados acima, foram os que pudemos imaginar, sucintamente, ao revermos o nosso extenso trabalho. Porém, como é evidente, tal mínimo, numa sociedade em constante evolução, pode e deve ser alterado, acompanhando o desenvolvimento social e procurando combater as violações aos deveres de comunicação e informação que venham a ter lugar132. De uma maneira geral, quer-nos parecer que a base para o raciocínio em relação a essas mudanças deve partir da seguinte indagação: quais são os interesses legítimos socialmente reconhecíveis em relação aos aderentes?
Em resposta: muitos deles foram acima explicitados, muitos outros ainda o serão. Um deles, entretanto, pareceu-nos essencial e pouco explorado: a educação – ou formação – para contratar. Os meios de comunicação social devem ser utilizados nesse sentido, o governo deve
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atuar nesse sentido, as famílias devem atuar nesse sentido, a escola deve atuar nesse sentido, todos especialmente atentos às gerações futuras. Deve ser incutido no pensamento desta geração, segundo pensamos, a crítica construtiva da realidade, que se contraponha à aceitação conformada da vontade alheia (imposta em profundo desconhecimento do que seja amor, solidariedade, justiça e igualdade material) e que supere o incentivo ao desconhecimento e à irracionalidade. Deve ser incentivado o conhecimento, a atenção, a informação, a comunicação, a compreensão, a compaixão e o gosto e o acompanhamento em relação às mudanças, nomeadamente as que dizem respeito à valorização do que é gratuito e da cultura que difere do entretenimento associado ao consumo. Efetuadas estas medidas, estimulada uma maior atenção em relação ao coletivo, acreditamos que os contratos hoje estudados tornar-se-iam incompatíveis com os anseios do povo de amanhã.
Sem querer divagar muito, estas ideias trazem-nos à lembrança as de Xxxxxxxx Xxxxxx, dirigindo-se a Xxxxxx Xxxxx em sua fotobiografia. Xxxxxx confrontava então a “sensibilidade desintelectualizada” com a “intelectualidade dessensibilizada”, para dizer a Torga que a solução para esta disputa deve ser precedida de contraste, diálogo e reparo. Porém, para o escritor lisboeta, o seu par “coimbrão” escapava ao confronto, por ser um caso de “inteligência distraída”, o que, na sua opinião, significava “arte”.
A atuação, no plano contratual, de quem se prevalece da contratação por xxxxxx, em desrespeito à vontade e à confiança xxxxxxx, a nosso ver, funda-se cada vez mais na “intelectualidade dessensibilizada”. A atuação contratual do aderente, ao seu turno, baseia-se, na maioria dos casos, na “sensibilidade desintelectualizada”. Sendo nítido o contraste, falta, desde logo, atentos à sugestão do poeta, o diálogo.
Na nossa opinião, somente com o diálogo poderemos avançar, com efetividade, para a fase de reparos. Este diálogo consiste justamente na comunicação. Um bom contrato, portanto, deve pressupor uma boa comunicação, uma escrita prezada por todos, uma fala que permita a reflexão, uma informação que assevere a compreensão. Em última análise, educar para o contrato é enriquecê-lo de significados, recriando a sua vida e servindo ao ser humano. E isto, não podendo hoje ser considerado “arte”, pelo menos há-de significar, a nosso sentir, “justiça”.
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Notas
1 Xxxxxx Xxxxxxxxx, Teoria Geral do Direito Civil, (Editora Rio e Livraria Xxxxxxxxx Xxxxx/Rio de Janeiro, 1975), 212-214, referindo-se à doutrina de Savigny, Windscheid, Kohler e Sohm; bem como Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx Xxxxx, Teoria Geral do Direito Civil, (Coimbra Editora/Coimbra, 2005), 354-
357. Convém lembrar que a vontade individual, só por si, não tem força para criar, modificar ou extinguir direitos: é preciso que ela se manifeste, segundo a ordem jurídica. Por este motivo, as declarações de vontade surgem como “a força que mantém o mundo das relações jurídicas de ordem privada em movimento ininterrupto”. A importância dada pelos juristas à vontade declarada e àquela que permanece internamente guardada pelo agente é alvo de acesa controvérsia, sendo notórias as divergências verificadas entre juristas franceses (privilegiando o que se quer ou o que se era querido, por mais que a declaração não seja correspondente a tal vontade) e alemães (reconhecendo o valor daquilo que é efetivamente declarado, sobretudo em atenção à segurança jurídica). O ordenamento civil português, fundado – como é sabido – marcadamente sob as bases da escola germânica, mostra-lhe bastante fidelidade quanto ao assunto (cf. art. 236 do Código Civil). No Brasil, é hoje possível mesclar ambos os aspectos – interno e exteriorizado – da vontade, deixando a cargo do Juiz a tarefa de apreciação do que efetivamente deve prevalecer, consoante o caso concreto (v. arts. 110 e 112 do Código Civil).
2 Xxxxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, “Contrato” – Evolução do Conceito no Direito Português, em Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXIV, (Coimbra, 1990), 6, citando Xxxxxxx xx Xxxxxxxx; Xxxxxxxxx, cit., 213, valendo-se dos conceitos expostos por Xxxxxxxxx, Kipp e Xxxxx.
3 Xxxx Xxxxx, cit., 356: “A distinção entre negócios jurídicos e simples atos jurídicos assenta precisamente neste critério da relação que intercede a vontade ou volição das partes dirigida a um resultado e os efeitos jurídicos produzidos.” Por conseguinte, a fim de saber se estamos diante de um negócio jurídico, convém portanto indagar se o efeito jurídico produzido pelos atos de manifestação da vontade corresponde ao resultado querido pelo agente ou se antes os efeitos esperados eram outros. Somente no primeiro caso haverá negócio.
4 Xxxxxxx Xxxxxx, cit., 6 e 66. Não se pode ignorar que esta integração de duas ou mais vontades pode não existir no chamado “negócio consigo mesmo” (cf. arts. 261 do Código Civil português e 117 e 665 do brasileiro), celebrado pelo representante a agir por si e pelo representado (ou mesmo na situação de “dupla representação”, quando age por dois representados diversos). Este negócio é visto com restrições pela ciência jurídica, face aos perigos que encerra, por dedicar-se a uma só pessoa a integração de interesses diversos, o que pode vir a não suceder (v.g. porque o representante age só no seu interesse ou favorece o interesse de um dos representados, em prejuízo do outro, em vez de representar em igualdade o interesse de ambos). Ver Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República, vol. I, (Renovar/Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, 2007), 239-242; bem como Xxxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx, Manual Prático dos Contratos, (Forense/ Rio de Janeiro, 2006), 76-78.
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5 Lembremos aqui, mais uma vez, do “caso-limite” do anão, verificado em França, o qual queria ser jogado no circo e ridicularizado em troca de dinheiro, argumentando que esta era a única forma de sobreviver. O contrato foi declarado nulo. De fato, prezando-se a dignidade da pessoa humana, a exposição ao ridículo do anão poderia futuramente limitar a sua liberdade e a par disso não deveria ser a única fonte de rendimento viável. Outro exemplo famoso diz respeito à fiança de uma filha pobre prestada para garantir a dívida de um pai rico, a qual foi declarada ineficaz pelo Tribunal Constitucional alemão, com base no direito ao livre desenvolvimento da personalidade, tendo em conta que, além de ser difícil para uma filha recusar o pedido de garantia de um pai, o pagamento da dívida por parte desta implicaria na sua pobreza até ao final da vida. Vide Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, O Controlo do Conteúdo dos Contratos: Uma Nova Dimensão da Boa-Fé, em Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, vol. 42, n. 0, (Curitiba, 2005), 11.
6 Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Manual dos Contratos em Geral, (Coimbra Editora/Coimbra, 2002), 17, 18, 20 e 22.
7 Uma discussão mais aprofundada acerca da finalidade da autonomia da vontade vem à tona com o estudo da causa – e dos motivos – do negócio jurídico, tema que – forçoso é dizer – reveste-se de intensa complexidade (considerado por vezes como um “buraco sem fundo” jurídico), pelo que aduziremos apenas alguns comentários sobre o tema. Normalmente, fala-se em causa para referir, muito exatamente, a função económico-social ou prático-social do negócio jurídico (ou do “modelo negocial”, já que falamos em autonomia, incluindo-se aqui não só os negócios tipificados legalmente, como ainda aqueles que o são socialmente e até os que nem isso chegam a ser, mas reúnem características ou efeitos essenciais). Nesse sentido, toma-se a causa como um elemento objetivo do contrato, o qual passa a dar fundamento à proteção legal conferida à vontade dos contratantes. A regulamentação de interesses não é um “fim em si própria”: ela tem uma função e por isso é protegida pelo Direito. Quanto aos motivos individuais, diz-se que também podem assumir relevância para o negócio. Se tiverem uma expressão pelo menos hipotética no conteúdo negocial, relevam para a análise do erro quanto à sua formação; por outro lado, se tiverem sido conhecidos (ainda que de maneira incipiente) e aceites por acordo, podem ser integrados no conteúdo e até mesmo na causa de um contrato, admitindo-se uma interpretação fundada em critérios de boa-fé. Ver Xxxxxxx Xxxxxx, Causa Objetiva e Motivos Individuais no Negócio Jurídico, em comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. II – A Parte Geral do Código e a Teoria Geral do Direito Civil, (Coimbra Editora/Coimbra, 2006), 429, 455-457 e Xxxxxx Xxxxxx, cit., 289-294.
8 Ver Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx, Teoria da Decisão Judicial – Fundamentos de Direito, (Revista dos Tribunais/São Paulo, 2009), 129-131, esclarecendo que os valores servem para solucionar questões “sobre o Direito” (quanto aos seus fins, aos sistemas fundantes, à constatação de que as ações humanas não se guiam só por interesse) e “de Direito” (quando estão positivados, imprimem limites e servem para a análise comparativa, mesmo entre princípios).
9 A origem dos contratos de adesão remonta a Saleilles [apud Xxxxx Xxxxxxx, Direito dos Contratos –
Estudos, (Coimbra Editora/Coimbra, 2007), 187] e ao célebre passo, dado em 1901, em que deu nome
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à figura: “Há pretensos contratos, que de contratos não têm senão o nome, e cuja construção jurídica está por fazer (…); é o que se poderia chamar, há falta de melhor, contratos de adesão, nos quais há predominância exclusiva de uma só vontade que, agindo como vontade unilateral, dita a sua lei, já não a um indivíduo, mas a uma comunidade indeterminada.”
10 Xxxxxx Xxxxx de Abreu Trigo de Negreiros, Teoria do Contrato – Novos Paradigmas, (Renovar/ Rio de Janeiro, 2006). O bordão aparece inicialmente referido no prefácio da obra – redigido com brilhantismo pela pena de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxx – ressurgindo posteriormente no corpo do texto principal. Esta noção de garantia de justiça pelo consentimento da contraparte partia de uma ideia segundo a qual “ninguém assume um compromisso sem bloquear os excessos da contraparte”, o que a realidade veio posteriormente a desmentir (acentuando as fragilidades do frisado raciocínio, mas abrindo as portas para os pensamentos futuros), nomeadamente quanto à necessidade de efetiva comunicação no plano formativo do contrato.
11 Até se poderia acreditar que, sendo a origem e o destino de todas estas mudanças, seria cabível um papel essencial à fraternidade (enquanto solidariedade), não tivesse a avidez desenfreada pelo lucro gerado imensas desigualdades e desastrosos efeitos sociais…
12 Xxxxxxxx xx Xxxx, O Xxxx Xxxxxxxx, (Sextante/Rio de Janeiro, 2000), 44 e 45, professor da Faculdade de Sociologia da Universidade de Roma (La Sapienza), aponta esta globalidade do sistema como definidora da mudança de épocas que ocorreu com o advento da sociedade industrial e que depois se viria a verificar também em relação à sociedade pós-industrial, com a valorização do trabalho intelectual e criativo.
13 A TV nasce como instrumento de consenso e dominação. A primeira transmissão televisiva dá-se em Berlim, na noite de 22 de março de 1935, com uma senhora alemã de nome Xxxxxx Xxxxxxxx, a qual apareceu num vídeo a anunciar para dez receptores que existiam na cidade que tudo estava pronto para “fazer penetrar no coração dos camaradas do povo a imagem do Führer”. Note-se, porém, que à altura o rádio atendia melhor às aludidas finalidades, como ressaltado pelos Filósofos da Escola de Frankfurt, já que requeriam menores investimentos e não necessitavam de antenas visíveis. De Masi, cit., 71, nos lembra que a primeira estação radiofónica criada no mundo foi a do Vaticano. Os comícios com multidões, o cinema de ficção e o documentário eram outros instrumentos prediletos de consenso e dominação, características que hoje podemos encontrar, marcadamente e sem dúvidas, nos contratos de adesão: o domínio do mercado pelo fornecedor dá-se através duma dominação em que as necessidades particulares dos dominados não são – nem podem ser, no caso da adesão – negociadas a fim de integrarem o consenso. Além disso, quanto menos se puder chamar a atenção para isso, melhor será para os dominadores: o que se dava com a ausência de antenas e com a “camuflagem” de dominação em diversão cinematográfica, ocorre hoje com as letras miúdas das predisposições unilaterais, com os passeios e jantares realizados com o intuito de disturbar, antes de contratar, a formação e manifestação da vontade livre e esclarecida do consumidor etc.
14 Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, O Novo Regime Jurídico dos Contratos de Adesão/Cláusulas Contratuais Gerais, em Revista da Ordem dos Advogados, ano 62, vol. I, (Lisboa/2002), itens 2 e 3.
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15 Esta é a posição de Xxxxx Xxxxxxx, referida durante o curso de Doutoramento já mencionado.
16 Sobre o tema dos contratos em centros comerciais, pode ver-se Xxxxxx Xxxx Xxxx e Xxxx, Contrato de Cedência de Espaço em Centro Comercial – Natureza Jurídica, em Xxxxxx Xxxxxxxx 00, (Xxxxxxx Xxxxxxx/ Xxxxxxx). A diferenciação entre proposta e mero convite a contratar (sendo este, consoante explicita Xxxxxx Xxxxxx no seu famoso manual, o caso dos leilões, no qual o pregoeiro apenas incita a que as pessoas ofereçam suas propostas,) assume importância no tráfego jurídico, especialmente se os predisponentes intitulam um documento como “Inscrição” e oferecem-no aos potenciais aderentes com as condições gerais do contrato, a fim de se reservarem ao direito de rejeitar a celebração contratual (a qual, bem vistas as coisas, deveria estar perfeita quando a sua oferta de “inscrições” representa uma verdadeira “proposta” e o documento, sem embargo do título inadmissível, serve para firmar a aceitação por parte do cliente). Exemplo de prejuízos causados ao aderente pela utilização destas artimanhas foi dado por Xxxxxx Xxxxxxx, O Contrato de Viagem Organizada, (Almedina/Coimbra, 2000), 132-135.
17 Dizemos isso porque em Portugal não é habitual a utilização desta conotação, mas sim a de que as cláusulas gerais (especialmente no que respeita aos contratos) são aquelas previamente definidas por um dos contratantes e dirigidas a um número indeterminado de pessoas, as quais limitam-se a aceitá-las ou rejeitá-las, como visto.
18 Desde já, em Portugal, refiram-se as obras valiosíssimas de Xxxxx Xxxxxxx: (i) O Problema do Contrato – As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, (Almedina/Coimbra, 2003) e (ii) Direito dos Contratos – Estudos, cit.. No Brasil, além das obras já referidas e de outras que lhe são conexas, podemos referir alguns estudos do Mestrado em Direito dos Contratos levado a cabo pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob a coordenação de Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, na interessante coletânea A Nova Crise do Contrato – Estudos sobre a Nova Teoria Contratual, (Revista dos Tribunais/São Paulo, 2007).
19 Xxx Xxxxx Xxxxxxx, Direito dos Contratos, cit., 57-74. Esta é uma ideia importante que se não abalou com as críticas que lhe foram oferecidas, como se verá ao longo do trabalho.
20 Contundente exemplo foi dado pelo Jornal do Brasil de 17 de março de 2010. Embora a notícia inicialmente revele que os “Bancos ignoram 45% das regras que protegem o consumidor”, a verdade é que muitas práticas [abertura de contas; aquisição de crédito; informação do valor total da operação (taxas, tarifas e juros); liquidação antecipada de empréstimo; encerramentos de contas etc.] são verificadas em contratos celebrados através de adesão. No texto, fundamentado em pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), proveniente do trabalho de juristas que testaram, na prática, o respeito ao Direito pela atividade bancária (mantendo contas em entidades conhecidas), restou provado:
(i) que, no processo de adesão, “todos os bancos foram reprovados por não entregarem o termo de adesão do pacote de serviços solicitados”, oferecendo no máximo fôlderes explicativos e dispensando-se a assinatura do cliente, embora aceitando a sua “escolha”; (ii) que os juros cobrados por várias instituições financeiras eram abusivos; (iii) a operação de “vendas casadas”, como seria o empréstimo garantido por um seguro que é cobrado ao aderente sem que este sequer tenha conhecimento da sua existência; e
(iv) a própria legislação brasileira foi ignorada pelos bancos, quando o Idec tentou abrir uma “conta de
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serviços essenciais” (pacote básico definido pelo Banco Central em abril de 2008, isento de tarifas), sob o argumento de que o serviço seria inexistente ou tentando confundi-lo com a “conta-salário”, desprezando- se a modalidade que já vigorava por 6 meses.
21 Como fomos incumbidos de tratar somente da comunicação e informação nos contratos de adesão, procuraremos circunscrever as nossas atenções ao momento de formação do contrato. Algumas vezes, entretanto, será difícil estabelecer se o utilizador de CCG falhou quanto (i) ao seu dever de comunicar e informar o aderente sobre a existência de uma determinada cláusula ou (ii) à necessidade de abster-se de incluir na contratação cláusulas proibidas por Lei (diante do controlo do conteúdo). Especialmente em casos de violação ao princípio da transparência, poderá surgir uma “zona cinzenta”, sobre a qual teceremos alguns comentários à frente.
22 De fato, costuma-se apontar o Direito do Consumidor (ou Direito do Consumo, consoante se queira ressaltar, respectivamente, a proteção da figura “consumidor” ou a necessidade de informá-lo e educá-lo, incumbência que impende especialmente sobre os profissionais e fornecedores) como um exemplo de ramo jurídico criado especialmente para a proteção e defesa dos vulneráveis. No entanto, procuraremos, em atenção à realidade portuguesa e de alguns países europeus, diferenciar as situações quando sentirmos necessidade.
23 Por exemplo, no Brasil, veja-se os arts. 113, 421 e 422 do Código Civil.
24 Tepedino, Barboza e Xxxxx xx Xxxxxx, Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República, vol. II, (Renovar/Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, 2006), 6-8, inclusive com referência ao voto vencido do ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxx no Recurso Especial 45.666 do Superior Tribunal de Justiça do Brasil (4a. Xxxxx), relator ministro Xxxxxx Xxxxxxxx, julgado em 17.05.1994, do qual se pode extrair um trecho que bem reflete a mencionada fase de transição por que passou – e de fato vem passando – o Direito dos Contratos: “O primado não é da vontade, é da justiça, mesmo porque o poder de vontade de uns é maior do que o de outros (…).”
25 Xxxxxx Xxxxxxxx, Direitos Fundamentais e Relações Privadas2, (Lumen Juris/Rio de Janeiro, 2008), 205 e ss., após fazer menção às decisões citadas, defende que tal teoria não logrou grande aceitação entre os germânicos. No entanto, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 19764, (Almedina/Coimbra, 2009), 37651, refere a doutrina de Xxxxxx, que fala dos direitos a prestações para garantia de um mínimo existencial, retirado do princípio da dignidade da pessoa humana, do direito à vida, à integridade física e à liberdade em geral, combinado com o princípio do Estado Social. O professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra aduz que esta ideia acabou por ser aceita pelo Tribunal Constitucional alemão, citando algumas decisões.
26 Ver, por exemplo, a obra de Xxxxx-Xxxxxxx Xxxxxxx, Direitos Fundamentais e Direito Privado, (Almedina/Coimbra, 2003), 75-78, com o ilustre catedrático da Universidade de Munique a admitir a aplicação imediata dos direitos fundamentais (na sua função clássica de direitos contra o Estado) para caracterizar a inconstitucionalidade de uma obrigação de indemnizar que tenha como consequência levar o lesante à ruína. No texto, o autor defende ainda que os efeitos da aplicação imediata dos direitos fundamentais ao caso podem ser desde logo concretizados pelo juiz Xxxxxx Xxxxxxxx refere a decisão do
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BverfGE 81, 242 (1990), na qual o Tribunal Constitucional alemão utilizou-se explicitamente da teoria dos deveres de proteção para tutelar direitos fundamentais no contexto de uma relação interprivada. No caso, uma empresa vinícola havia feito cessar um contrato celebrado com um seu representante comercial, sem o pagamento de qualquer indenização, em razão de suposta falta grave cometida por ele. No Código Comercial alemão, estava prevista a possibilidade de as partes, no contrato de representação comercial, aventarem a proibição de o ex-representante exercer atividade no mesmo ramo, por até dois anos, sem qualquer indenização, caso seu afastamento decorresse de motivo relevante. Esta cláusula havia sido patuada, mas o antigo representante comercial insurgiu-se contra ela, alegando violação ao seu direito fundamental ao livre exercício da profissão ou ofício. Em seu julgamento, o referido Tribunal reconheceu que, de acordo com a autonomia privada, podem as partes engajar-se em negócios jurídicos envolvendo restrição ou renúncia ao exercício de direitos fundamentais. Todavia, a validade destes acordos pressupõe a liberdade de consentimento da parte prejudicada, o que exige que seja verificado se esta encontrava-se numa situação de “desequilíbrio de forças”, em relação à sua contraparte, ao celebrar o contrato. Afirmou o Tribunal germânico que “o art. 12, Parágrafo 1° da Lei Fundamental, ordena ao legislador privado o estabelecimento de medidas de proteção do livre exercício de uma profissão ou ofício frente a restrições contratuais, especialmente quando não exista um equilíbrio aproximado de força entre as partes”. Assim, para a Corte Constitucional alemã o legislador não havia tomado em consideração este elemento ao estabelecer a norma do Código Comercial (mencionada acima) e por isso violara o seu dever de proteção à liberdade de profissão. Com base neste argumento, a Corte, afastando o dispositivo da codificação comercial em questão, acolheu o pedido do antigo representante comercial.
27 Xxxxxx Xxxxxxxx, cit., 222 e 223: é digna de referência também a doutrina de Xxxxxx Xxxxx na sua teoria sobre os direitos fundamentais, para quem a questão deve ser solucionada com uma conjugação entre diversas teorias, através de um modelo de três níveis de efeitos. Primeiramente, o dos deveres do Estado (em que seria aplicável a teoria do efeito mediato); depois, o dos deveres frente ao Estado (em que seria aplicável a dos deveres de proteção); finalmente, o da relação entre os particulares (aplicando-se então a teoria da eficácia imediata).
28 Em Portugal a sua admissão ampla não é geralmente admitida, segundo pudemos investigar.
29 Segundo Xxxxx xx Xxxx Xxxxxx, professor catedrático de Direito Constitucional da Universidad Complutense de Madrid, referido por Xxxxxx Xxxxxxxx, cit., 206-208. Este último autor refere ainda a posição de Xxxxxx Xxxxxxx Xx Xx Xxxx, segundo o qual os direitos fundamentais, na sua dupla vertente subjetiva e objetiva, constituem o fundamento do inteiro ordenamento jurídico e são aplicáveis em todos os âmbitos da atuação humana, imediatamente e sem intermediação do legislador. Por isso, as normas de direitos fundamentais contidas na Constituição geram, conforme a sua natureza e teor literal, direitos subjetivos dos cidadãos oponíveis tanto aos poderes públicos como aos particulares. Note-se que, para levar as demandas envolvendo a eficácia horizontal dos direitos fundamentais na esfera privada ao Tribunal Constitucional de Espanha, os operadores valeram-se de uma curiosa construção jurídica, a qual acabou por prevalecer naquele país. Segundo o ordenamento jurídico espanhol, o recurso de amparo é um instrumento processual de defesa de direitos fundamentais, que foi previsto apenas para os casos
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de violação ou ameaça dos direitos constitucionais por parte dos Poderes Públicos. Para justificar a sua admissibilidade em casos de violação de direitos fundamentais nas relações entre particulares, argumenta- se que a ofensa tutelada não é proveniente da conduta do particular, mas antes do Poder Judiciário, quando este não tiver protegido adequadamente tais direitos na prestação jurisdicional. Este argumento, quiçá com um teor fictício bastante acentuado, parece pedir uma análise concreta do conteúdo das decisões violadoras de direitos fundamentais. De fato, isto veio a ocorrer, por exemplo, no julgamento STC 18/1984, citado no texto em referência.
30 No Brasil, verifica-se o curioso fenómeno da aplicação direta e imediata dos direitos fundamentais às relações privadas, por parte dos Tribunais, sem uma expressa sustentação teorética e doutrinal, situação que parece ter recebido incipientes mudanças nos últimos anos. Algumas decisões merecem citação. Em 1996, a 2a. Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) apreciou um caso de incidência dos direitos fundamentais às relações privadas no Recurso Extraordinário n. 161.243-6/DF, relator ministro Xxxxxx Xxxxxxx. Tratava-se de hipótese em que um trabalhador brasileiro, empregado da Air France, pretendia o reconhecimento de direitos laborais assegurados no Estatuto do Pessoal da Empresa, que a princípio beneficiavam apenas os empregados de nacionalidade francesa. O Tribunal acolheu a pretensão do trabalhador, por entender que havia ofensa ao princípio da igualdade, pois a discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo – como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc. – é inconstitucional. Mais recentemente, o mesmo Tribunal (através da sua 2a Turma, no Recurso Extraordinário n. 20819), decidiu não aceitar as razões da União Brasileira de Compositores (UBC), que havia excluído do seu quadro de sócios determinado compositor, sem que a este fossem asseguradas as garantias constitucionais de ampla defesa e do devido processo legal, entendendo que antes de concluir pela punição, a comissão especial tinha de dar oportunidade ao sócio de se defender e realizar possíveis provas em seu favor. Ao anular a punição e determinar a reintegração do compositor ao quadro da sociedade, o STF concluiu pela aplicação dos direitos fundamentais a uma relação privada (contrato de sociedade). O Superior Tribunal de Justiça (STJ do Brasil) também manifestou-se sobre o tema no Habeas Corpus n. 12.547 (Distrito Federal). Na decisão, proferida pela 4a Turma em Julho de 2000, discutia-se a prisão civil (permitida em alguns casos no Brasil, mas não em Portugal, segundo nos consta) por dívida de uma motorista de táxi (condutora profissional), cujo débito, decorrente de um contrato de alienação fiduciária em garantia do veículo (negócio não utilizado em Portugal, ao que parece), fora quase multiplicado por 5, no período de 24 meses, em razão da incidência de juros. A quitação destes juros consumiria todos os recursos que a impetrante tinha expectativa de receber até ao final de sua vida. Fundando-se na ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, aos direitos de liberdade de locomoção e de igualdade contratual, além dos dispositivos da Lei de Introdução ao Código Civil referentes ao fim social da Lei e aos bons costumes, o STJ concedeu a ordem de liberação da paciente. Finalmente, em Itália, pode referir-se como exemplo a Sentença 122/1970, em que se discutia a liberdade de pensamento, a Corte Constitucional italiana frisou que “ninguém pode atentar contra ela sem violar um bem protegido por uma rigorosa ordem constitucional”. O mesmo Tribunal ressaltou a eficácia direta e horizontal do direito à saúde na sentença 202/1991, afirmando que “o reconhecimento do
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direito à saúde como direito fundamental da pessoa e bem constitucionalmente garantido é plenamente operativo também nas relações de direito privado”. V. Sarmento, cit., 214 e 250-255.
31 Xxxxxx xx Xxxxxxx, cit., 361 e 365.
32 Xxxxxxxxxx, cit., 299. Veja-se, apenas quanto à cultura e educação, como foi admitido pelo Ministro da Corte Suprema da Nação (CSN) da República Argentina o acerto da decisão que determinou a transmissão, em rede televisiva aberta, dos jogos da seleção nacional argentina no Campeonato Mundial de Futebol, sem embargo da existência de acordo para transmissão somente através de pagamento, concebendo a seleção nacional como um elemento cultural coletivo integrador, pelo que o direito a assistir os jogos deveria ser considerado como um direito à informação, a ser fornecido “sem discriminações”.
33 Xxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, Estudos sobre Direitos Fundamentais1 – Brasil e 2 – Portugal, (Coimbra Editora e Revista dos Tribunais/Coimbra e São Paulo, 2008), 244, 247, 262, sustenta que a posição tradicional em Portugal (seguida pelo seu Tribunal Constitucional até, pelo menos, 2002, como dá conta o Acórdão 509/02), caminha no mesmo sentido referido, ou seja: (i) as prestações existenciais partem do mínimo necessário para uma existência condigna; (ii) são consideradas mais como dimensões dos direitos, liberdades e garantias (direito à vida, ao desenvolvimento da personalidade etc.) do que como elementos de direitos sociais; e (iii) a posição jurídico-prestacional assenta primariamente em deveres objetivos, prima facie do Estado – e não em direitos subjetivos prestacionais derivados diretamente da Constituição.
34 Não vemos prejuízos para o Direito…
35 Os quais, diante da política liberalizadora e privatizadora (conduzindo a que “bens sociais” com a saúde, a segurança e o trabalho passem a ser prosseguidos não mais por entes públicos, mas pelos privados), representam uma imensa parcela da sociedade. Mesmo nos casos dos serviços públicos de interesse económico geral, como a energia, a água e as telecomunicações, considerados como bens essenciais, os “cidadãos sociais” são agora tratados como utentes ou consumidores.
36 Sem falar que, em países como Portugal, onde há um “tsunami legislativo” na regulação de determinadas matérias, torna-se extremamente difícil, para qualquer estudioso que sobre elas se queira debruçar, fazer um bom e completo uso dos direitos conferidos. De fato, na ausência de uma reunião, a aplicação da legislação – o exemplo maior seriam os direitos dos consumidores – torna-se confusa e a harmonização – especialmente desejada no plano comunitário europeu – distante. A Constituição e os seus direitos possuem aqui a vantagem, sublinhada por diversos especialistas, de apresentarem o “liame comum” que une toda a vasta produção do legislador, facilitando a aplicação da Lei.
37 Xxxxxx Xxxxxxxxx, cit., 475, 484, 496 e 503, defendendo a primazia das situações existenciais sobre as patrimoniais, justifica a sua posição a citar decisões inovadoras que buscaram solucionar tais problemas. Assim, contratos que envolvem direitos de saúde (sociais, mas com estreita ligação à guarida da vida humana) não podem ser tratados sob uma óptica puramente patrimonial: assim decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na Apelação Cível n. 596.116.392, 6a. Xxxxxx, relator desembargador Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, julgado em 27.08.96, determinando a manutenção da vigência de um contrato de prestação de serviços de plano de saúde, embora o prazo determinado contratualmente estivesse esgotado, tendo em vista que, em tal momento, o associado se encontrava “em pleno tratamento”. Note-se que
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esta decisão é anterior à Lei n. 9.656/98 (com as posteriores alterações) que passaria a dispor sobre a matéria, estabelecendo (i) um prazo de vigência mínimo, em tais contratos, de um ano; (ii) proibindo a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência; e
(iii) vedando, em qualquer hipótese, a suspensão ou rescisão durante a ocorrência de internação do titular. No mesmo sentido, o Recurso Especial n. 251.024, do mesmo Tribunal (2a. Turma), uniformizando a posição da 3a. e 4a. Turmas. A situação dos cortes unilaterais de fornecimento de energia elétrica e água também é exemplar. Estes costumam ser realizados sem que o utente seja avisado, afetando muito mais do que o seu património, mas a sua própria pessoa (pensemos em como a energia serve para a conservação de alimentos e logo se vê que outros direitos, mesmo de índole social como segurança e a qualidade de vida, são afetados, para além do direito à vida, como é óbvio), quando em rigor a via da cobrança judicial, face à imensa disparidade de poderio económico das empresas que prestam esse serviço, no confronto com os seus clientes, seria muito melhor alternativa para a coletividade (v., neste sentido, o voto vencido do então Ministro do Superior Tribunal de Justiça Xxxx Xxx no Recurso Especial n. 623322/Paraná, 1a. Turma, julgado em 14.09.2004). Note-se que a questão não é assim tão simples, porque algumas situações são muito mais graves de que a do particular (pensemos nas creches, hospitais etc.). A autora em referência defende a existência de diferentes graus de essencialidade do bem objeto do contrato, o que deverá ser apreciado quanto à fixação do seu regime. Em todo o caso, o mínimo para suprir as necessidades fundamentais deve ser garantido.
38 Sendo certo que a solução para as desigualdades sociais não será alcançada somente a partir dos instrumentos de Direito Contratual, a verdade é que nenhuma sociedade poderá abrir mão da disciplina contratual como fator de promoção da Justiça Social, conforme observou mais recentemente Xxxxxxx Xxxxxx.
39 V. Xxxxxxxxxx, cit., 58, indagando, com base no confronto entre as ideias de Xxxxxx e Xxxxxx,
sobre a justiça da atitude de destinar as normas, imediatamente, só àqueles que são encarregados de aplicá-las. Considerando problemática a tecnolinguagem inacessível ao cidadão comum, o autor dá como exemplo o Código de Trânsito, cujo conhecimento pelos guardas, juízes etc., não deve estar acima daquele que é imposto aos condutores.
40 Xxxxxx xx Xxxxxxx, cit., 377, inclui aqui, nestes restritos termos, um possível direito de resistência fiscal, admitindo até mesmo a criação de um direito subjetivo sem a necessidade de uma concretização legal. Isto, no entanto, “em algumas situações”… que devem ser similares, segundo imaginamos, à da aludida decisão alemã que influiu na contratação de uma fiança na qual a filha era garante de um genitor (situação delicada para ser negada) e, para pagar o débito face ao incumprimento contratual, teria de trabalhar mais do que lhe consentiria a vida. Pelo que nos consta, o Tribunal decidiu que a filha não era obrigada a pagar o débito, por razões referentes à dignidade humana. No mesmo sentido, ver a decisão mencionada sobre a condutora de táxis no Brasil.
41 Ver Xxxxx Xxxxxxxxx, cit., 255. Em relação ao tema de que se trata no presente trabalho, avançaremos soluções em sede conclusiva.
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42 As mudanças na legislação referente ao arrendamento enquadram-se nestas observações: são concretizações de um direito à moradia (ter lar) previsto constitucionalmente. Nesse caso, há a especificidade na Lei, mas e se não houvesse? Seria de excluir a aplicação de tal direito, por exemplo, no caso do contrato de crédito ao consumo, voltado para a aquisição de casa própria, ou de uma operação contratual complexa que, apesar de não gozar de um regime legalmente previsto por Lei ordinária, tivesse uma finalidade protegida constitucionalmente? Parece-nos, mais uma vez, que não. Embora a responsabilização civil do legislador por omissão ou por criação ou admissão de um regime legal que ofenda a tais direitos – v.g. a introdução da Convenção de Montreal no Direito Português, ofendendo o direito de inúmeros turistas, na nossa opinião – seja uma via alternativa, é infelizmente difícil crer que seja de maior eficácia na prática do que a admissão da aplicação direta dos direitos fundamentais à relação entre particulares, especialmente pelos magistrados.
43 Xxxxxx xx Xxxxxxx, cit., 385 e 386. Segundo o autor, o Tribunal Constitucional, por sua vez, não tem poderes senão para comunicar aos órgãos legislativos competentes a existência dessa situação de inconstitucionalidade.
44 Sem prejuízo destas considerações, faremos mais à frente a análise específica do tema em relação à doutrina e à jurisprudência portuguesas, nomeadamente em atenção ao disposto no DL 446/85.
45 Especificamente no que toca à inexistência contratual das cláusulas gerais não comunicadas aos aderentes-consumidores, tratando-se de um contrato de crédito ao consumo para financiamento de prestação de serviços de ensino de idiomas, ver o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no Proc. n. 08B3798, Relatora Xxxxxxxxxxx Xxxxx xxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, xx 00.00.0000, disponível em www. xxxx.xx. Note-se que, para quem pesquisa no referido endereço eletrónico, no que toca ao aludido Tribunal, este é o único resultado para a busca relacionada com os termos “ação”, “popular”, “comunicação” e “informação” que trate do tema central do presente estudo e, mesmo assim, sem embargo dos méritos da decisão, não há ênfase num discurso mais atento aos direitos sociais (levando-se em conta a necessidade de aprendizado de idiomas como uma realidade da sociedade pós-industrial), muito embora, na nossa opinião, este seja apenas um caso entre tantos outros de contratos que violam direitos fundamentais dos aderentes.
46 Cf. art. 25 e ss. Posteriormente, a ação inibitória também foi prevista na Lei de Defesa do Consumidor e, mais recentemente, no DL 57/08 (Práticas Comerciais Desleais).
47 Xxx Xxxxx Xxxxxxx, O Problema, cit., 367 e 368.
48 Em recente conferência realizada na Ordem dos Advogados de Portugal – Seccional de Coimbra, o magistrado do Ministério Público (Lisboa), Procurador Xxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, afirmou, com pesar, que (i) as cláusulas proibidas não mais possuem um registo, seja a nível europeu, seja no plano interno português (sob os argumentos de que “falta dinheiro” e organização para facultar o acesso às listas a todos os interessados, independentemente de menção aos nomes das empresas que se teriam valido da aposição de tais cláusulas em contratos de adesão) e (ii) que a delonga processual da ação inibitória visando à sua proibição é tamanha que permite, na prática, as mudanças de cláusulas antes mesmo que o processo chegue ao fim, sendo que o maior “medo” das empresas é que os seus nomes cheguem aos meios de
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comunicação, porque o produto da utilização de cláusulas abusivas, multiplicado pela falta de efetividade e celeridade processuais, é suficiente para cobrir as sanções que eventualmente lhe são aplicadas. Como o incumprimento das leis é pior do que a sua ausência, faremos considerações, em sede conclusiva, sobre as alternativas tendentes a solucionar este problema.
49 Xxxxx Xxxxxxxx, O Regime, cit., item 4.3.. As questões referentes à ação inibitória foram retomadas, de maneira enérgica, pelo professor Xxxxx Xxxxx, durante a realização das III Jornadas de Direito do Consumo de Trás-os-Montes, que teve lugar em Mirandela aos 17 de maio de 2011. As conclusões e propostas avançadas a partir dessa reunião de jusconsumeristas aberta ao público encontram- se disponíveis em xxx.xxxxxxxxxx.xxx.
50 Não é a soma dos interesses individuais dos beneficiários; aproxima-se do interesse geral.
51 Sobre a defesa judicial dos interesses difusos, individuais homogéneos e coletivos dos consumidores (frequentemente aderentes, como é bom lembrar), ver Xxxxxx Xxxxxxx, Lei de Defesa do Consumidor – Anotada, (Instituto do Consumidor/Lisboa, 2001), 15-17, inclusivamente referindo decisão do Supremo Tribunal de Justiça português, no Proc. n. 503/97 (2a. Secção), valendo-se de conceituada doutrina brasileira.
52 Sobre a noção, ver Xxxxx Xxxxxx Xxx (relator), Parecer – Ações Coletivas no Domínio do Direito Comunitário do Consumo, (Comité Económico e Social Europeu/Bruxelas, 13 e 14 de fevereiro de 2008), 31. Apesar do título do parecer, o conteúdo não trata exclusivamente da matéria referente aos direitos dos consumidores.
53 Cf. art. 2°, n. 1 da Lei 83/95 e art. 26 do DL 446/85.
54 Apesar disso, não subscrevemos por completo a vedação às indenizações por dano punitivo, se pensarmos que nestes litígios há frequentemente um “abismo” na relação entre os contratantes, no que toca ao poderio de informação, técnico-jurídico, socioeconómico, psicológico etc., bem como se entendermos que a punição funciona como meio de dissuasão em relação à repetição de condutas danosas previamente proibidas (como seria a inserção de cláusulas proibidas num contrato de xxxxxx), face à ineficácia das soluções jurídicas até então encontradas. Ver Xxxxxx X. Carneiro da Frada, Direito Civil, Responsabilidade Civil – O Método do Caso, (Almedina/Coimbra, 2010), 66 e 67, lembrando que, se esta função é, à partida, estranha ao direito português (cf. arts. 483, n. 1 e 798 do Código Civil) e se a sua admissão, ainda que restrita, poderia ser o “abrir de uma caixa de Pandora”, a verdade é que a sua admissibilidade vem ganhando algum espaço e a justificativa disto encontra-se, não raramente, na função preventiva que a punição pode ter em relação a futuras violações.
55 É necessário que o juiz, na decisão, especifique a ação financiada com a verba remanescente do ressarcimento individual e decrete as modalidades de fiscalização da sua realização, a qual pode ser delegada a um terceiro. Em último caso, por mais que não exista uma reparação individualizada, por impossibilidade, as verbas remanescentes devem ser remetidas para um fundo de auxílio à ação coletiva, utilizado para o financiamento de novos processos. O ideal é que o sistema da ação coletiva seja autofinanciável a prazo, permitindo-se, pelo menos, o adiantamento das despesas processuais através do aludido fundo, a ser alimentado pelo ressarcimento do lucro ilícito dos condenados.
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56 Mais especificamente no âmbito consumerista, ver Xxxxx Xxxxxxx, Parecer – Tutela Coletiva dos Consumidores, (Comité Económico e Social Europeu/Bruxelas, 4 e 5 de novembro de 2009), 3, bem como Mme. Xxxxxx Xxxxxxx, Tableux Comparatifs des Recours Colletifs Nationaux dans les Litiges de Consommation, (Comité Économique et Social Européen – Section Spécialisée “Marché Unique, Production et Consommation”/Paris, 18 de setembro de 2007).
57 Xxxxxxx Xxxx Xxxxxxx, Três Tipos de Diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: a Superação das Antinomias pelo Diálogo das Fontes, em Biblioteca de Direito do Consumidor, vol. 26 – Código de Defesa do Consumidor e Código Civil de 2002: Convergências e Assimetrias, Xxxxxxx X. X. Xxxxxxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx (Coord.), (Editora Revista dos Tribunais/ São Paulo, 2005), 13. Ao longo da sua exposição, a Doutora de Heidelberg faz diversas remissões à obra do Doutor de Coimbra – ver Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxx, Elogio dos Doutorandos em BFD, vol. 83 [separata], (Coimbra Editora/Coimbra, 2007) 911-914 para maiores detalhes – e criador da belíssima expressão “diálogo das fontes” (dialogue de sources). Note-se que o discurso pós-modernista assume particular importância no presente estudo, se levarmos em consideração que os contratos de adesão e as cláusulas contratuais gerais surgem exatamente como “filhos” da modernidade que, segundo muitos estudiosos, encontra-se ultrapassada (ou deve sê-lo). Já estivemos a “dialogar” com as orientações sociológicas de Xx Xxxx, a quem nos filiámos, especialmente quanto à substituição do trabalho físico e repetitivo pelo intelectual e criativo, consideração esta que, só por si, faz-nos erguer o sobrolho contra a standardização dos contratos. Entretanto, constata-se que não só sociólogos, mas também juristas de categoria internacional, como Xxxx Xxxxxxx, vêm adotando, em seus estudos, a doutrina de outros autores que compreendem a situação pós-moderna em seus discursos [v., também desta última autora, A Chamada Nova Crise do Contrato e o Modelo de Direito Privado Brasileiro: Crise de Confiança ou de Crescimento do Contrato?, em A Nova Crise do Contrato – Estudos sobre a Nova Teoria Contratual, cit., 23, obra em que são referidas fontes sociológicas (Xxxxxxx, Xxxxxxxxx, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxxxxxxx, Xxxxxxxxxx, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, Xxxx, Xxxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxxxxxxxx) e jurídicas (Xxxxx, Xxxxxx, Xxxxxxxx, Xxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, Xxxxxxxxxx), sobre o tema].
58 Apud Lima Marques, Três Tipos de Diálogos, cit., 14. Sobre a consideração conjunta de normas imperativas – em especial as constitucionais – e a possibilidade de sua aplicação aos contratos entre particulares, ver ainda Xxxx Xxxxx, O Contrato, (Almedina/Coimbra, 1988), 180, em obra recentemente reeditada, diante da sua manifesta atualidade, conforme sublinha o próprio autor em nota prévia.
59 A demonstrar a importância da comunicação no plano internacional, vale a pena transcrever, pela beleza do raciocínio, o pensamento de Xxxxx, apud Lima Marques, cit., 15: “Dés lors que l’on évoque la commmunication en droit international privé, le phénomène le plus important est le fait que la solution de conflits de xxxx émerge comme résultat d’un dialogue entre les sources le plus hétérogenes. Le droit de l’homme, les constitutions, les conventions internationales, les systèmes nationaux: toutes ces sources ne s’excluent pas mutuellement; elles ‘parlent’ l’une à l’autre. Les juges sont tenus de coordoner ces sources en écoutant ce qu’elles dissent.”
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60 Aqui poderíamos enumerar farta jurisprudência, nacional e internacional, como se pode imaginar ao lembrarmos de todas as normas que contenham a ressalva “o disposto no presente diploma não afasta a aplicação” de uma outra lei, regime etc. Apenas para constar, referiremos duas decisões, uma portuguesa e uma brasileira, em que são aplicadas tanto normas de Direito Civil como normas de Direito do Consumidor. São elas: (i) Ac. do STJ de Portugal, Proc. 02A4341, Rel. Xxxxxx Xxxxxxx, julg. 11.03.2003 e (ii) Ac. do STJ do Brasil, RESP n. 436.815-DF, rel. min. Xxxxx Xxxxxxxx, julg. 17.12.2002.
61 Em Portugal, ver Xxxxx Xxxxxxxxx, cit., 259, sugerindo que a análise metodológica do núcleo essencial de prestações sociais deve levar em conta pluralidade das regulações jurídicas, bem como Leite de Campos em As Relações de Associação – O Direito sem Direitos, (Almedina/Coimbra, 2011). No Brasil, podemos referir a doutrina de Xxxxxx Xxxxxxxxx, cit., 298, para quem a principal crise dos contratos resulta do “querer impor uma única posição” ou paradigma para solucionar os seus problemas. Esta autora defende que a crise, em rigor, “é de todos os paradigmas que se pretendam únicos e exclusivos”. Fora do âmbito luso-brasileiro, podemos ver reflexos destas ideias em Xxxxxxx Xxxxxx, La Vida y Las Reglas – Entre el Derecho y el No Derecho, (Editorial Trotta/Madri, 2010).
62 Xxxx Xxxx Xxxxxxx, A Chamada Nova Crise, cit., 26 e 27.
63 Xxx Xxxxxxx XxXxxxxxx, Os Novos Deveres dos Contratantes na Perspectiva do Código Civil de 2002 e do Código de Defesa do Consumidor, em A Nova Crise do Contrato – Estudos sobre a Nova Teoria Contratual, Cláudia Lima Marques (Coordenação), (Revista dos Tribunais/São Paulo, 2007), 286. A concentração analítica na atividade é bem representada pela doutrina do Sul do Brasil. Capitaneados pelos ensinamentos de Xxxxx e Xxxxx, diversos juristas tratam a obrigação não como algo fixo e estático, mas como um processo dinâmico, o qual serve para “filmar” toda a relação jurídica (no plano da eficácia), desde a sua formação num momento pré-contratual até a efetiva execução da obrigação, em vez de apenas “fotografá-la” no momento da declaração da vontade (plano da existência). Convém frisar que o momento da formação da vontade e os que lhe antecederam são os mais importantes para a análise do presente estudo. Porém, isto não nos impede de reafirmar a necessidade de “filmar” toda a relação contratual, especialmente quando um modo de formação de contratos, como é a adesão, produz efeitos negativos na sociedade, conforme o panorama anteriormente salientado.
64 Xxxxxxx XxXxxxxxx, cit., 293 -295. A teoria da confiança protege as expectativas legítimas que nascem no outro contratante, o qual confiou na postura, nas obrigações assumidas e no vínculo criado por meio da declaração do parceiro. A quebra do dever contratual equivale à quebra da confiança.
65 Lima Marques, A Chamada Nova Crise, cit., 33 e 66.
66 Xxxxx Xxxx e Xxxx Xxxxxx (Raccolta), Diritto Contrattuale Europeo e Diritto del Consumatore, (Giuffrè/Milão, 2003), especialmente 10 e 11, bem como Lima Marques, A Chamada Nova Crise, cit., 34. 67 No Brasil, ver Xxxxx Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx, A Boa-Fé e a Violação Positiva do Contrato, (Xxxxxxx/
Rio de Janeiro, 2002).
68 Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx apud Xxxxxxx XxXxxxxxx, cit., 296 e 297.
69 Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, (Almedina/Coimbra, 1989), 15 e 18.
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70 Por exemplo, quanto à simples comunicação, não basta mencionar a existência de cláusulas contratuais sem que o aderente possa ter acesso a estas (por exemplo, o fornecedor do bem ou serviço prometeu enviar uma cópia do contrato somente em momento posterior à sua celebração). A jurisprudência portuguesa sobre o tema é abundante e está disponibilizada em xxx.xxxx.xx, sendo interessante notar que algumas decisões poderiam ser utilizadas, com as devidas adaptações, no Brasil, diante da semelhança dos problemas e das soluções verificadas em ambos os países (especialmente em atenção à mencionada reportagem sobre o desrespeito das instituições bancárias brasileiras em relação às normas que protegem seus clientes). Ver, entre outros: (i) Ac. do STJ de 28/04/2009, relator conselheiro Fonseca Ramos, decretando a nulidade de um contrato de adesão em que em que o exemplar contratual, assinado somente pelo aderente, só lhe havia sido enviado em momento posterior ao da assinatura (incumprindo a obrigação de informação e vedando o direito à reflexão); e (ii) Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 03.07.2003, relator doutor Xxxxxxx xx Xxxxx, determinando a que fosse excluída do contrato uma CCG de patos de aforamento (foro de eleição do Brasil), pois a assinatura do subscritor constava apenas de uma declaração de “tomada de conhecimento das condições do seguro”, fato insuficiente para provar o completo e efetivo conhecimento das condições gerais do contrato [observe-se: em sentido próximo, o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 08.07.2004, relator doutor Xxxxxx Xxxxxxx; em sentido tendencialmente contrário, o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.10.91, relator doutor Xxxxxx Xxxxx (criticado por Xxxxx Xxxxxxx, O Problema, cit., 379, a nosso ver com razões de sobra, pois a cláusula definidora dos fatos constava da fatura, o que pressupõe a celebração prévia do contrato sem o fornecimento da informação necessária, que só foi facultada ao aderente na fase de execução contratual, o que é inadmissível)]. Voltaremos ao tema quando tratarmos da análise dos diplomas que especificamente protegem o aderente.
71 Ver a decisão numa ação coletiva de proteção de consumidores quanto a produtos alimentares modificados no Brasil, cuja informação dada quanto aos perigos do consumo foi classificada como mera “referência genérica” e insuficiente para tutelar os interesses difusos: Apelação Cível 70004163192 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 20a. Câmara Cível, relator desembargador Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, julgado em 23.10.2002.
72 Xxxxx Xxxxxxx, Direito dos Contratos, cit., 40.
73 Xxx Xxxxxxx Xxxxxx, Coligação Negocial e Operações Negociais Complexas: Tendências Fundamentais da Doutrina e Necessidade de uma Reconstrução Unitária, em Separata do Boletim da Faculdade de Direito, volume comemorativo, 75 anos, (Universidade de Coimbra/Coimbra, 2002); bem como Xxxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxx Marino, Contratos Coligados no Direito Brasileiro, (Saraiva/ São Paulo, 2009).
74 Vide a análise da Associação Portuguesa de Direito do Consumo, Proposta do Parlamento Europeu e do Conselho, de 07 de Junho de 2007, em Revista Portuguesa de Direito do Consumo (RPDC)
n. 50, (Associação Portuguesa de Direito do Consumo/Coimbra, 2007), referindo-se ao normativo que depois viria a ser aprovado pela Diretiva 2008/122/CE, recentemente transposta para o ordenamento interno português pelo DL 37/2011. O tema também foi abordado na nossa tese de Mestrado em
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Ciências Jurídico-Civilísticas da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, bem como nos nossos Estudos sobre a Diretiva 2008/122/CE (Proteção do consumidor relativamente a determinados aspectos dos contratos de utilização periódica de bens, de aquisição de produtos de férias de longa duração, de revenda e de troca), em Revista Portuguesa de Direito do Consumo (RPDC) n. 60, (Associação Portuguesa de Direito do Consumo/Coimbra, 2009) e Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, # 1, (Bonijuris/ Curitiba/PR, 2011).
75 Leite de Campos, em suas saudosas aulas no Mestrado em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ensinava-nos que a pessoa, precisando de um carro, deve refletir sobre o tempo de vida útil do bem e sobre o período em que necessitará deste bem. Se este for curto, bastará a locação pura e simples. Se for médio, a locação financeira aparece como boa opção, com possibilidade de compra depois de um certo tempo. Se a intenção for a de ficar com o veículo por longo tempo, então a compra e venda aparece como prioridade. Porém, nós ficamos a imaginar se estas informações são transmitidas para a generalidade das pessoas que necessitam de um carro e a nossa impressão é a de que muitos sabem o que querem, mas as opções não lhes são apresentadas de maneira integral e as informações mais técnicas – como a que respeita ao período de vida útil do bem – passam completamente ao lado da generalidade dos potenciais adquirentes – sem cumprimentá-los.
76 Xxxxxxxxxx, cit., 202 e 203.
77 Poderíamos dizer, em termos mais amplos, “nem sempre o caminho mais fácil é o melhor”… Afasta-se cada vez mais o consumidor final da fase de ideação, que hoje encontra-se na base de todo o processo produtivo. A arma principal para a inversão deste processo de dominação, que torna os “ignorantes cada vez mais ignorantes”, seria, no caso dos países menos favorecidos economicamente, que fosse dado um “salto” até ao topo do processo, não através da oferta de mão de obra barata (concentrada em poucos países, como se pode ver pela etiqueta de roupas das marcas consideradas como “gigantes” do vestuário), nem da subserviência à produção ou à distribuição em massa, mas sim da criação e do estímulo às mudanças, ao pensamento divergente, ao refinamento dos bens culturais (dissociando-se a ideia de que entretenimento é só o consumo), à substituição do ter pelo ser como “centro de gravidade” do ser humano, à valorização de atividades que não custam nada…
78 Conforme os ensinamentos de Xxxxxxx Xxxxxx no curso de Doutoramento em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, os contratos de execução duradoura são aqueles em que as obrigações dos contraentes protraem-se no tempo e este atua como fator determinante para a execução do contrato (diferentemente do que aconteceria quanto às obrigações repartidas ou fracionadas em que, por exemplo, o montante total a ser prestado já se econtra previamente definido, mas aparece dividido, como na venda a prestações).
79 Xxxxxxx Xxxxxxx de Xxxxx Xxxx, O Tempo e a catividade nos contratos: Elementos para uma Abordagem Sistêmica da Teoria dos Contratos, em A Nova Crise dos Contratos – Estudos sobre a Nova Teoria Contratual, Cláudia Lima Marques (Coordenação), (Revista dos Tribunais/São Paulo, 2007), 472.
80 A pessoa geralmente é confrontada com complexas contratações em que não lhe é dada a oportunidade de saber, previamente e em meio à confusão que se estabelece em sua mente diante
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da falta de concretas informações, o que sucederá caso a relação contratual seja perturbada. A nosso ver, essa simples informação seria fundamental para a comparação entre os serviços padronizados que melhor atendam aos seus interesses e à sua liberdade. V. a “relação trilateral” mencionada no Ac. do STJ português de 17 de junho de 2010, relator conselheiro Xxxxx Xxxxx, no qual o beneficiário de um seguro de grupo (especialmente regulado em Portugal) tomado por um banco frente à seguradora (para garantir as inadimplências referentes aos empréstimos concedidos, entre os quais se incluía o do beneficiário, mesmo quanto a um empréstimo para aquisição de casa própria), não pôde ver excluída do contrato determinada cláusula “não comunicada”, porque dirigira as suas pretensões contra a companhia de seguros, quando a falha de informação – reconhecida pelo Tribunal com base no art. 4° do DL 176/95 – era da responsabilidade do banco. Embora, por um lado, a decisão tenha acertado, a nosso ver, ao reconhecer que deveria ser excluída, por não comunicada, a cláusula do contrato de seguro que determinava a exclusão de cobertura para os casos de doenças do foro psiquiátrico – como a do autor
– existentes em momento anterior à celebração do contrato, por outro parece-nos que poderia ser mais elogiável se condenasse a seguradora a pagar o débito, sabendo que depois poderia exercer o regresso contra o banco. Entretanto, a diferenciação entre o seguro normal (v. DL 102/94) e o seguro de grupo têm sido sublinhadas, admitindo-se que, em relações como a anteriormente descrita, o seguro de grupo, realizando-se inicialmente entre o banco e a seguradora, não é um contrato de adesão, dependendo antes da negociação entre as partes. Nestas, as condições são passadas aos segurados, que respondem a um questionário e, com base no risco calculado (v.g. de vida), é primeiramente celebrado o contrato entre ambas as instituições (no exemplo, para que não existissem cláusulas de exclusão, a seguradora teria de agravar o prémio a cobrar ao banco, pois o risco de ter de pagar o valor segurado aos beneficiários aumentaria), para depois ser “repassado o produto complexo” – aí sim, mediante contratos de adesão
– aos mutuários-beneficiários. Por este motivo, a seguradora teria desconhecimento sobre a maneira
– “informada” ou “desinformada” – de celebração do “mútuo com seguro” entre o “banco-tomador” e o “mutuário-beneficiário” e, em consequência, não poderia ter prejuízos pela inexistência da CCG de exclusão de cobertura (inexistência devida à não comunicação, frise-se). No mesmo sentido, Ac. do STJ (Portugal) de 20.01.2010, relator xxxxxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxxxxx. Diversamente, se o contrato de seguro celebrado entre uma empresa e uma seguradora é de adesão, a falta de comunicação “repassada” posteriormente ao destinatário final (beneficiário), permitirá que este cobre o valor segurado diretamente à companhia de seguros: v. Ac. do Tribunal referido, de 01.06.2010, relator conselheiro Xxxx Xxxxxx. Diante da complexidade do tema e ressaltando que tal diferenciação parece, a nosso ver, dificilmente visível aos olhos do aderente, reservamos maiores considerações para o encerramento destes estudos.
81 Xxxx refere que Xxxx Xxxxx considera o contrato de time-share como o exemplo do contrato pós-moderno. Os diversos serviços a serem prestados ao titular são vendidos sob a forma de um produto único, com sérios apelos aos sentimentos do adquirente em relação às necessidades de lazer e com duração bastante alongada (agora a tendência é de diminuição, mas antes os prazos eram muito alargados) e possivelmente perpétua. Note-se que este tipo de contrato foi utilizado para diversos abusos em Portugal, os quais chegaram a pôr em causa o bom nome do turismo português, como asseverou o Conselho
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Consultivo da Procuradoria-Geral da República Portuguesa, Parecer P000751996, homologado em 29.12.1997, disponível em xxx.xxxx.xx.
82 Xxxx, cit., 475.
83 Embora esta denominação, segundo breve pesquisa informática transmitida por Xxxxxxx Xxxxxx, possa também significar um negócio em que as partes estabelecem um “quadro” com os padrões obrigatórios para a negociação, sem assumir, de início, obrigações firmes. Posteriormente, os contratos podem ou não ser celebrados, mas a negociação permanece obrigatória. Esta prática, comum para o Direito Anglo-Saxónico, é de escassa utilização entre brasileiros e portugueses, ao menos no campo da vasta contratação por adesão. Todavia, nada impede que nos possamos valer da ideia de estabelecer um “quadro obrigatório” de negociação para determinados tipo de contrato, especialmente atentos ao mínimo de comunicação e informação necessário a uma contratação boa e justa (v.g. quanto à renegociação). Em geral, vide Leite de Campos, As Relações, cit., em especial 66 e ss.
84 Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx-Xxxxxxxx, Contratos Cativos de Longa Duração: Tempo e Equilíbrio nas Relações Contratuais, em A Nova Crise dos Contratos – Estudos sobre a Nova Teoria Contratual, Cláudia Lima Marques (Coordenação), (Revista dos Tribunais/São Paulo, 2007), 484.
85 Entretanto, logo após contratarmos um serviço de transmissão de informações por cabo e de termos verificado o primeiro problema (relacionado justamente com cobranças efetuadas sem que tivéssemos sido informados da sua causa), tentámos transmitir nossa insatisfação, por correio eletrónico, a uma conhecida empresa do ramo de telecomunicações. Embora o seu site parecesse estar em pleno funcionamento, no que tocava a outras aplicações, quando tentávamos aceder ao e-mail o resultado era a transmissão – repetida – duma informação similar a “Desculpem o transtorno, o serviço está temporariamente suspenso”. Após alguns dias de insistência, tivemos de comparecer pessoalmente a uma filial da empresa para efetuar a reclamação (por correio normal). Esta constatação é crucial para percebermos como a pretensa “economia dos custos de informação” não é uma realidade transmitida aos destinatários finais dos produtos relacionais. A análise individual do problema, como vimos, surte resultados ínfimos, clamando por soluções atentas à socialização já referida, as quais efetem o coletivo e dissuadam os violadores em relação à reincidência: “a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza”.
86 Xxxx, cit., 478 e 479, referindo a doutrina de Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx em obra especialmente dedicada ao tema.
87 Parece-nos, num primeiro contatos com a disciplina, que nas referidas hipóteses de prestação de serviços de acesso à informação (como é o acesso à internet), a falta de informação deverá ser classificada como uma “dupla violação” contratual: uma com base nas obrigações de fornecer informação mediante o pagamento do preço, outra de trocar informações em nome da boa relação. Nesse momento, ficamos com a impressão de que isto poderá implicar num acréscimo de deveres informativos para o fornecedor nestes contratos. Reservamos maiores considerações para o futuro.
88 Karam-Silveira, cit., 492, 495 e 497. O autor refere os ensinamentos de Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, segundo o qual o contrato deve ser uma forma teleológica de aceder aos bens e serviços na realidade económico-social desenvolvida num contexto histórico e não um mero objeto de estudo ou, dito em
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termos sociologicamente mais cruéis, um objeto da dogmática e por conseguinte uma heresia da realidade. Preceitos legais que determinam o favorecimento da parte mais fraca numa relação contratual parecem caminhar neste sentido (mesmo no que toca ao acesso à justiça).
89 Cf. xxxxxxx a) e b) do art. 8° do DL 446/85. Os autores compreendem, portanto, que a cláusula não comunicada/informada, nestes casos, será inexistente. Xxx Xxxxx Xxxxxxx, O Problema, cit., 378322 e 379, considerando que a exclusão das cláusulas não comunicadas parece corresponder mais à inexistência do que à nulidade. Xxxxx Xxxxx, Presidente da Associação Portuguesa de Direito do Consumo (APDC), consoante as lições proferidas no curso sobre os contratos de consumo que anualmente organiza, considera que tais cláusulas devem ser vistas como um “nada jurídico”. Afinal de contas, apesar de todos os problemas relacionados com a comunicação e informação de CCG (até mesmo quando elas são oferecidas e o aderente, de maneira inteiramente razoável, não aproveita a oportunidade), subsiste a necessidade de uma proposta e uma aceitação, sob pena de perderem-se as características estruturais que definem a figura do contrato.
90 Xxxxx Xxxxxxx, O Problema, cit., 362.
91 Xxxxx Xxxxxxx, O Problema, cit., 365-367.
92 Ver os arts. 15 e seguintes do DL 446/85, em Portugal. No Brasil, esta é a situação exemplar dos arts. 51 a 54 do CDC e art. 424 do Código Civil.
93 Xxxxx Xxxxxxx, O Problema, cit., 368.
94 Associados à boa-fé enquanto princípios éticos de direito cuja caracterização gira em torno de uma consideração razoável e equilibrada dos interesses alheios, implicando especialmente a exigência de compreensão do objeto, das condições e do conteúdo da oferta e do contrato pelos respectivos interessados. No âmbito do Direito do Consumidor, adquire importância realçada a regra que obriga o profissional a fornecer o bem ou prestar o serviço de acordo com as legítimas expectativas do consumidor. De fato, podemos considerar como uma grande vitória da tutela consumerista a consagração, no art. 7˚, n. 1, d) do DL 57/08, da enganosidade das práticas comerciais que possam conduzi-los a tomar decisões que não teriam tomado de outro modo, em relação a elementos essenciais do contrato, entre os quais incluem-se “os resultados que podem ser esperados” da utilização do bem ou serviço em causa. No que respeita à falta de transparência em relação ao preço do contrato, note-se que esta poderá constituir também uma omissão
– além de uma ação – enganosa, com base no art. 10o, c) do mesmo DL 57/08. Acreditamos que diversos motivos poderiam ser apontados para aproximar estas soluções, a princípio consagradas para a proteção do consumidor, também ao aderente, já que em ambos os casos a transparência deve ser máxima, tendo em vista: (i) a disparidade de poder negocial dos contraentes (na grande maioria dos casos, embora não seja uma realidade inafastável no que toca aos contratos de adesão); (ii) a não garantia de efetividade do consentimento dado pelo aderente, de acordo com a qualidade contratual que lhe é apresentada (ao menos nos contratos em que a qualidade do objeto contratual só seja conhecida e realmente verificada pelo aderente após a celebração do contrato, como de fato acontece com a generalidade dos contratos turísticos, essencialmente classificados como contratos de adesão); (iii) pela configuração técnico-jurídica do negócio (alguns tipos contratuais sequer possuem regime legal específico que os regule e mesmo
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aqueles que o possuem apresentam falhas, sem falar no caso das operações complexas, tudo potenciando a criação de diversos prejuízos ao consumidor e ao aderente); (iv) pela situação real em que o contrato se celebra (muitas das vezes “enfeitado” pelo poder de atração e aliciamento das técnicas de marketing, organizadas em função dos interesses dos operadores económicos ou “talhadas à medida” para atingir os consumidores e aderentes) e (v) pela especial fragilidade de ambos os tipos de contraentes (mercê da impossibilidade de negociação do conteúdo contratual, verificada fartamente nas relações de consumo, bem como da falta de informação, já referida). Por outro lado, parece-nos que a medida do art. 14 do DL 57/08 é muito branda para os casos de violação antes descritos, motivando-nos a sugerir, com base na mesma aproximação mencionada, que a solução dos arts. 0x x 0x xx XX 000/00 seja também aplicável aos casos em que a enganosidade decorra de uma falta de comunicação e informação. Finalmente, vale a pena referir que os call centers (ver o DL 134/09) podem funcionar como um meio de diálogo entre os contratantes, embora a sua duvidosa utilização como meio probatório, em caso de litígios, recomende outros cuidados.
95 O profissional deve informar o consumidor de forma clara, objetiva e adequada, nomeadamente em relação às características, composição e preço do bem, serviço ou direito, bem como sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência após o negócio jurídico. Ver o art. 8˚,
n. 1 da Lei de Defesa do Consumidor (LDC), bem como Xxxx xx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Das Obrigações,
vol. II, (Almedina/Coimbra, 1997), 10-14 e Xxxxx Xxxxxxx, Direito dos Contratos, cit., 208.
96 Cf. DL 000/00, xxx. 0x, xxxxxxx 1 e 2 do DL 42/88 e art. 7˚, n. 3 da LDC. Sobre a escolha das línguas a usar, ver, no caso do comércio eletrónico, art. 28, n. 1, c) do DL 7/2004. Há casos de contratos turísticos em que a escolha fica a cargo do turista (muito provavelmente aderente), conforme já tivemos oportunidades de sublinhar noutros trabalhos.
97 Cf. (i) art. 7˚, n. 5 da LDC; (ii) arts. 4˚ ao 6˚ e 8˚, n. 1, do DL 446/85 (embora aqui, como referido, a integração dependa do controlo do conteúdo, se a cláusula for proibida pelos arts. 15 e ss., por mais que tenha sido conhecida e aceite pelo aderente); (iii) art. 2˚, n. 2, d) do DL 84/08 e (iv) art. 7˚, n. 1, b) do DL 57/08. Por vezes, são admitidas excepções à regra, como no caso do art. 23 do DL 61/11, que trata da revisão do preço das viagens organizadas. Tais casos excepcionais devem ser vistos, segundo pensamos, com sérias reservas (v. o art. 373 do Anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, conferindo ao cliente o direito de fazer cessar o contrato sempre que o aumento seja superior a 10% do valor contratado, mesmo que seja possível justificá-lo com base em aumento dos custos de combustíveis etc.).
98 Ver também o art. 7°, n. 1, g) do DL 57/08.
99 O direito de consumir só o que pediu vem consagrado (i) no art. 23, n. 4 do DL 330/90; (ii) nos arts. 3˚; 4˚, n. 1 e 5˚, números 1 e 4, especialmente, da Lei 6/99; (iii) no art. 12, f) do DL 57/08;
(iv) no art. 22 do DL 7/2004; (v) nos arts. 5˚, n. 1, b) e 7˚, números 1 e 3 do DL 134/09 e (vi) no art. 159 do Anteprojeto do Código do Consumidor. Quantos aos direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa, ver, respectivamente, os seus art. 34, n. 1; 37 e 61; 26, n. 1 e 35 (posteriormente desenvolvido noutras leis).
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100 A nosso ver, o que se deve fazer é procurar alcançar, cada vez mais, a responsabilização objetiva (independente de culpa) do profissional, fundada no risco empresarial, levando-se em conta que é ele quem domina, controla e explora as atividades que podem causa danos (lucrando com esta atuação) e com base, ainda, na responsabilidade do produtor (a ser revista, ampliando-se o conceito de produto para abranger toda a sorte de bens, direitos e serviços). Além disso, deve ser admitida, segundo nossas ideias, a responsabilidade solidária entre todos os intervenientes na contratação, sem prejuízo do direito de regresso a ser exercido contra quem ressarcir os prejuízos causados à parte lesada. Sente-se a necessidade de uma rápida reparação. Uma solução alternativa – v. CDC do Brasil – também pode ser avançada: em caso de incumprimento contratual, com a desconformidade do contrato em relação àquilo que efetivamente foi informado ao consumidor ou ao aderente, confiar a reexecução dos serviços não levados a cabo a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco de quem cumpriu defeituosamente os contratos com defeito. Esta alternativa parte da ideia segundo a qual muitas vezes o consumidor – e o aderente – são atraídos por ofertas enganosas com finalidades que se desviam da normal contratação, como seria anunciar um produto em desconto para chamar a atenção das pessoas, mesmo sabendo que o stock deste bem é muito reduzido, partindo do pressuposto que, uma vez chegados ao local para comprar o produto, se este estiver esgotado, as pessoas poderão comprar outros que não estiverem (mas sem a promoção).
101 Consoante nossas convicções, estas cláusulas, embora possam ser aceites (com base em vários argumentos), devem tentar, o mais possível, ser afastadas da contratação, em especial de adesão, designadamente quando implicarem um óbice à justa reparação do dano, que deve ser medida pela sua extensão, nomeadamente em casos que versem sobre o direito à vida, à incolumidade física e psíquica, ao livre desenvolvimento da personalidade e à qualidade de vida. Uma análise mais profunda sobre o tema demandaria um novo estudo, mas podemos adiantar que, segundo as nossas perspectivas, a responsabilidade só deveria ser excluída em casos de culpa exclusiva da vítima ou fortuito externo, entendido como o evento imprevisível e inevitável, completamente alheio à atividade do profissional. Em todo o caso, havemos de convir que, no caso de danos causados pela falta de informação ou comunicação, seria então muito difícil provar a ocorrência das aludidas hipóteses de exclusão de responsabilidade. Note- se que o DL 446/85, só por si, não fornece solução adequada para as questões que giram à volta do tema, o que nos faz sugerir o afastamento da cláusula de limitação, por exemplo, através da aplicação dos arts. 8°, n. 1 da LDC, 9°, n. 1, a) e 10°, a) do DL 57/08, argumentando-se que a informação sobre a existência de limitações ressarcitórias é de fundamental importância para uma decisão esclarecida do contratante. Mais uma vez, porém, parece-nos criticável a fragilidade do art. 14 deste último diploma legal, que deveria ser mais severo quanto às práticas proibidas, determinando que fossem consideradas nulas (e não anuláveis). Vale a pena obervar a existência de teorias segundo as quais a própria finalidade de alguns tipos contratuais ou classes de contratos enseja a transferência de responsabilidades de um contratante em relação ao outro (como seria no caso da finalidade turística de alguns contratos, implicando na transferência das responsabilidades do turista ao operador, a fim de alcançar o escopo de prazer e diversão comum a toda a contratação turística, pressupondo que a boa execução do contrato depende justamente da despreocupação do cliente/viajante).
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102 Este direito vem previsto nos seguintes normativos: LDC (mas há prazos mais favoráveis e aplicáveis à defesa dos consumidores), XX 00/00, XX 000/00, XX 133/09 e, no plano comunitário, a Diretiva 2008/122/CE (a ser transporta para o plano interno português dentro de pouco tempo, segundo determinações do próprio normativo comunitário). De uma maneria geral o prazo para exercício deste direito – que, de resto, recebe vária nomenclatura, como “direito de revogação unilateral”, “livre resolução” ou “livre revogação”, “arrependimento” etc. – parece estar a uniformizar-se em 14 dias (entretanto, como qualquer prazo, convém saber se são dias úteis ou de calendário e ter atenção quanto ao marco inicial da contagem). Sobre os contratos coligados e os efeitos que a revogação unilateral de um pode ter no(s) outro(s), ver (i) art. 8˚, n. 4 e 19, n. 4 do DL 82/08 (no caso dos contratos de crédito concedido pelo fornecedor ou por um terceiro vinculado ao fornecedor e voltado para vendas a distância, ao domicílio ou equiparadas, em que o consumidor exerça o seu direito de revogação unilateral); (ii) art. 18 do DL 133/09; e, especificamente no caso dos contratos turísticos, (iii) art. 11 da Diretiva 2008/122/CE.
103 Ver art. 16 da LDC; art. 10° do DL 84/08; arts. 20 e 53 do DL 275/93. No entanto, mais importante do que a imperatividade em causa, parece-nos ser a admissão da aplicabilidade direta dos direitos constitucionalmente protegidos ao caso concreto.
104 Embora represente a minoria dos contratantes, o aderente “curioso”, com interesses legítimos na informação, ainda existe e merece ser preservado.
105 Xxxx Xxxxx Xxxxxxx, O Problema, cit., 375.
106 Quanto ao DL 133/09, diploma a que ainda não tivemos a oportunidade de estudar com maior profundidade (como se exige), parece-nos que o montante total do preço, mesmo atendendo às possibilidades de coligação contratual e aos reajustes, deve constar do formulário padronizado de informação. Em relação à Diretiva 2008/122/CE, objeto de estudos por ocasião do nosso Mestrado, é possível identificar nos formulários a falta de algumas informações essenciais para uma decisão esclarecida do consumidor-viajante, além de contradições entre o previsto no texto do normativo e nos Anexos de Informação Pré-Contratual [v. Anexo I (confrontando-o com a legislação vigente em Portugal, segundo o DL 275/93, especialmente quanto à participação do adquirente de direitos em relação à Administração do empreendimento turístico), bem como a Parte 1 do Anexo IV (determinando apenas uma informação “breve” quanto ao preço)].
107 Reservando maiores considerações para estudos posteriores, podemos dizer, para já, que um dos aspectos a serem corrigidos, a nosso ver, reside em “repassar” os aludidos custos de informação ao aderente
– o que parece inadequado, já que buscamos a igualdade material. Por exemplo, no crédito ao consumo, levando em conta a obrigação de avaliação, por parte do credor, da solvabilidade do consumidor, pensamos que tal informação lhe deva ser dada de forma gratuita. Outro problema poderá ser a excessiva complexidade dos Formulários Normalizados de Informações Pré-Contratuais, resultando na ignorância (no caso, incentivada mesmo pela Lei) ou na confusão do consumidor pelo excesso de informações, de todo o modo impedindo a cognoscibilidade das cláusulas contratuais e sendo, portanto, uma falsa ajuda a quem realmente necessita. Ou então assuma-se a criação de um novo emprego: “tradutor de formulário normalizado”, como diria o professor Xxxxx Xxxxx…
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108 Xxxxx Xxxxx, durante o aludido curso, forneceu o exemplo de uma cláusula que, sob a epígrafe de “Garantia”, imponha ao aderente uma renúncia às garantias, ou uma exclusão de garantias.
109 Xxxxx Xxxxxxx, O Problema, cit., 381.
110 Xxxxxx xx Xx, Cláusulas Contratuais Gerais e Diretiva sobre Cláusulas Abusivas, (Almedina/ Coimbra, 2005), 238, refere uma cláusula inserida num contrato celebrado entre duas empresas com o seguinte teor: “Serviços prestados de acordo com as condições gerais inscritas no verso.” Voltaremos à questão adiante (inclusive para referir alguma controvérsia na doutrina e na jurisprudência), mas convém notar que, sobretudo em casos de letras muito reduzidas e especialmente quando tal cláusula estiver escrita na última linha do documento, para lá da assinatura do aderente, a possibilidade efetiva de conhecimento dificilmente existirá (cabendo o ónus da prova de que isto ocorreu ao utilizador de CCG, como visto). Recorde-se, conforme acenado anteriormente, que a comunicação, por mais que seja adequada, não supre o controlo do conteúdo, o que permite-nos inferir que uma “cláusula de confirmação” referente à aceitação do aderente de todas as condições do contrato “por mais que elas violem o controlo de conteúdo” não terá vigência.
111 J. Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx, Introdução à Comunicação Jurídica, (Forense/Rio de Janeiro, 2002), 45, lembra-nos da importância da pontuação na comunicação jurídica. Assim, para o autor, a frase “Matar o Rei não é crime” tem um sentido completamente diverso de “Matar o Rei não, é crime” (transcrevemos, ipsis literis, mas utilizaríamos pontuação diversa). Observe-se que nos casos de contratos celebrados por via eletrónica esta questão – de publicidade – torna-se fundamental para a justa formação do contrato. Por exemplo, é difícil para o aderente verificar as mudanças que um fornecedor faz em relação às informações expostas em determinado site da internet. Assim, se hoje uma oferta contém a informação “Alojamento Gratuito para Estudantes Estrangeiros”, amanhã a mesma frase pode ser mantida, mas seguida do vocábulo “Esgotado”, sem que o aderente que manifestou – de um dia para o outro – a vontade de contratar tenha imprimido uma cópia que sirva para prevenir litígios.
112 Como acontece nas cláusulas de “reserva de preço” (Tagespreisklausel), em que o predisponente se reserva o poder de fixar o preço na data de entrega do produto, sem conferir ao aderente o direito de resolver o contrato, caso o aumento seja excessivamente elevado em relação ao valor considerado como justo nas negociações. O DL 446/85 possui mecanismos de controlo do conteúdo que consideram proibidas tais cláusulas, o mesmo valendo para, nos contratos de prestações sucessivas, cláusulas de aumento de preços em períodos manifestamente curtos ou elevações exageradas, sem permitir a denúncia imediata do contrato quando as elevações de preço a justifiquem. Há, porém excepções, como no caso dos contratos onde as flutuações dos preços, nos dois sentidos, são normais, isto é, no mercado financeiro e cambiário. Xxxxx Xxxxxxx, O Problema, cit. 386 e ss., considera legítimo o interesse do utilizador, em épocas de previsível aumento do custo de vida, em não ficar definitivamente vinculado a um preço fixado no momento da conclusão do negócio. Porém, o ilustre autor, ciente dos sérios riscos que tais cláusulas podem denotar para o aderente, estabelece um tríplice ponto de vista, a fim de concretizar reservas em relação a estas cláusulas: (i) a garantia de reciprocidade (se o preço pode aumentar, poderá também diminuir, o que constitui importante requisito de validade no caso dos mercados de finanças
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e câmbio, mas nos outros casos é de escassa relevância, pois os preços tendem sempre a aumentar);
(ii) a transparência, importando na materialização dos fatores de alteração (questão central, mesmo de comunicação e informação, pois é através dos pressupostos e limites de elevação do preço que o aderente poderá avaliar a justificativa, a medida e a proporcionalidade do aumento facultado); e (iii) a relação de equivalência entre as prestações (também por permitir controlar a amplitude do poder unilateral que é autoconcedido pelo utilizador de CCG). Em suma, exige-se uma determinabilidade que sirva de tutela da relação de equivalência entre as prestações e das legítimas expectativas do aderente. Embora esta exigência conste apenas do art. 22, n. 4, no que respeita a cláusulas de indexação, a doutrina entende, diante dos argumentos expostos, que o seu alcance deve ser geral, abarcando, especialmente em atenção ao princípio da boa-fé, “todas as cláusulas de alteração de preço”. Perfilhamos desta posição, sobretudo levando-se em conta que as elevações exageradas podem resultar não só de fórmulas e critérios que sirvam a esse resultado, como ainda da referência demasiado indeterminada. Situação exemplar seria a da assinatura de uma revista em que se permitia o direito de proceder a “adequadas elevações”. Nestes casos, poderíamos até dizer que a falha é de comunicação e informação; porém, se assim não o for, então certamente será de controlo do conteúdo. De todo o modo, a violação ao imperativo de transparência (manifestação do princípio da boa-fé em suas múltiplas vertentes de atuação) será evidente e tais cláusulas devem ser excluídas do contrato ou consideradas nulas. Neste sentido, entendeu o BGH em sentença de 26.05.1986, reafirmando o princípio já estabelecido na sentença pioneira de 11.06.1980, consoante refere Xxxxx Xxxxxxx no citado trecho de sua dissertação de Doutoramento. Embora esta posição nem sempre tenha sido mantida por este Tribunal, a verdade é que, às vezes, chegou-se a exigir um rigor extremo quanto à aludida determinabilidade, julgando-se ineficaz uma cláusula que, não obstante ter indicado as razões pelas quais se poderia proceder ao aumento (subida de preços de matérias-primas, dos salários e vencimentos etc.), não referiu a sua medida (ver, sempre atento à doutrina do ilustre autor e professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, a sentença de 06.12.1984). Note-se, mais uma vez, que o “reverso da medalha”, ou seja, a enumeração muito vasta de todos os elementos atendíveis ao reajuste, em suas múltiplas combinações, pode ter efeito inverso e contraproducente, impedindo a apreensão do conteúdo contratual pelo comum dos aderentes. Portanto, a justa solução deveria ser encontrada entre os dois polos, com a prévia enunciação no texto da cláusula dos critérios de fixação futura dos preços, com a concretização possível e, cumulativamente, com a referida concessão ao aderente do direito de resolver ou denunciar o contrato.
113 Xxxxx Xxxxxxx, O Problema, cit., 390, refere como exemplo uma cláusula julgada pelo BGH em sentença de 26.11.1984 através da qual um fabricante de automóvel poderia alterar a todo tempo a garantia dada à empresa vendedora, sempre que isso parecesse oportuno por razões económicas ou de concorrência. Essa indeterminabilidade que alude a vagas “razões de oportunidade” é também sentida, segundo pensamos, dos contratos em que o operador de viagem se autoconfere o direito de alterar unilateralmente o roteiro da viagem.
114 Mesmo numa análise “mercadológica”, o que está em causa, nesta manifestação do imperativo de transparência (repita-se, no que toca à prestação oferecida e ao preço a pagar por ela), é a garantia
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da oportunidade de formação consciente da vontade negocial, no quadro de opções disponíveis no mercado, permitindo a atuação da concorrência como corretivo mediato das contratações desfavoráveis. Os deveres de comunicação e informação tornam-se plenamente aplicáveis, pois a transparência do preço será a transparência do mercado, já que, geralmente, não haverá controlo heterónomo do conteúdo, no que respeita a tais elementos – essenciais – do contrato. Só assim se logra evitar que, através de uma preformulação em termos ou local pouco claros – ou mesmo enganadores – o utilizador consiga manter oculto o efeito desvantajoso de uma cláusula, subtraindo-a à penalização do mercado e aos mecanismos corretores da concorrência. Assim, em Portugal, a informação serve ao particular, quanto à formação da vontade esclarecida, servindo também ao mercado. No Brasil, a situação parece-nos um pouco diferente. Não que a importância da economia para o Direito seja afastada – o que, aliás, se nos afigura como tarefa atualmente irrealizável. Porém, a ênfase dos direitos sociais torna oportuno o avanço de soluções que sejam mais atentas à ética (protegendo o coletivo) do que à economia do particular.
115 Cf. art. 54 do CDC: “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente o seu conteúdo.”
116 De fato, é ainda sentida uma falta de aplicação, mesmo no caso de excelentes magistrados, dos preceitos de defesa do “consumidor equiparado” à pessoa exposta às práticas empresariais quando ela também for empresária. Conforme esclarece o atual Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Xxxxxx Xxxxxxxx, em Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto9, Xxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxx (Presidente da Comissão), Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxxxxxx e Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx, Xxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxx, (Forense Universitária/Rio de Janeiro, 2007), 264, a equiparação – permitindo a aplicação do dispositivo que, por sua vez, determina a exclusão das CCG não comunicadas, conforme explicitado acima – exige simplesmente a exposição da pessoa, significando a abrangência não só de pessoas jurídicas (ou coletivas, em Portugal), como de um conjunto de pessoas jurídicas e até mesmo de uma coletividade indeterminada composta de pessoas físicas e jurídicas. Note-se que esta disposição (art. 29 do CDC) foi alvo de intuitos eliminatórios por parte do lobby empresarial brasileiro, obrigando os autores ao seu “transporte” entre capítulos (a noção inicialmente constava do art. 2° do Capítulo I).
117 Xxxxxxxx, Xxxxx xx Xxxxxx e Xxxxxxx, Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República, vol. II, cit., 27. No mesmo sentido, Xxxxxx Xxxx Xxxxxx, em Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, cit., 551.
118 Contudo, temos criticado em nossos trabalhos as indeterminações do texto e, sem embargo de a Lei portuguesa não poder representar um primor em termos de determinação quanto ao tempo necessário para que o conhecimento se torne completo e efetivo, certamente o faz de maneira mais favorável ao aderente do que o normativo do Brasil. Este, falando apenas em “conhecimento prévio”, não oferece parâmetros adicionais – como seriam a complexidade das cláusulas e a importância do contrato – para a discussão sobre a existência de uma ponderada avaliação, por parte daquele que se submete à adesão, da oportunidade do negócio. É claro que, atentos à interpretação baseada no diálogo das fontes, poderemos
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chegar aos mesmos resultados em ambos os países; porém, se buscamos alcançar o “mínimo social de informação” para uma digna contratação, então qualquer medida que ajude nesta determinação acaba por ser xxxxxxxx, segundo os nossos pensamentos.
119 Na legislação, podemos referir o art. 8o, c) do DL 446/85, em Portugal, bem como o art. 46 do Código de Defesa do Consumidor.
120 Cf. art. 8°, d) do DL 446/85.
121 Sustentada em Portugal por Xxxxx Xxxxx, com o apoio das seguintes decisões: (i) Ac. do STJ de 13.01.2005, relator conselheiro Xxxxxxxx Xxxxx e (ii) Ac. do STJ de 06.02.2007, relator conselheiro Xxxxx Xxxxx. Note-se que estas decisões são aqui referidas somente em atenção à louvável determinação de exclusão de cláusulas não comunicadas.
122 Xxxxx Xxxxxxx manifestou esta posição ao lecionar durante o curso de Doutoramento da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. V. Xxxxxx xx Xx, cit., 239 e 240, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03.05.2001, relator doutor Xxxxxxxx Xxxx.
123 Observe-se que não vale o risco por conta do aderente durante as 48h após o extravio, pois trata de uma questão de risco empresarial e do controlo por parte de quem efetivamente tem condições de fazê-lo.
124 Embora as questões referentes às cláusulas de exclusão ou limitação de responsabilidade respeitem diretamente ao controlo do conteúdo, optamos por incluir o debate em torno delas nesta parte do estudo por entendermos que se trata – evidentemente, numa perspectiva mais ampla, mas nem por isso menos importante – de comunicação nos contratos de adesão. Neste caso, é curioso notar que a parte que domina inicialmente os meios de comunicação e informação, através da redação, tenta impingir ao aderente um contrato que lhe é desfavorável, inclusivamente por impor a ele deveres de comunicação (quanto ao furto do cartão). Este comportamento inaceitável de inversão dos papéis de comunicador/informador serve para demonstrar, segundo pensamos, quão importante é a comunicação adequada para a obtenção de vantagens. É preciso lutar para que estas sejam conferidas aos aderentes, em busca da justa contratação. Vale a pena consultar, para uma análise da evolução da discussão em torno do tema, as sentenças do STJ de 15.05.2008, relator conselheiro Xxxx Xxxxxxx, bem como a da Relação de Lisboa de 16.06.1994, relator conselheiro Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. V. ainda os Avisos do Banco de Portugal de números 4/95 e 11/2001.
125 Cf. art. 54, § 4° do Código de Defesa do Consumidor. Como vimos, tal medida já vem sendo sugerida por alguns especialistas como solução para determinados problemas.
126 Cf. art. 11, n. 2 do DL 446/85 e art. 423 do Código Civil brasileiro. A jurisprudência sobre o tema é farta, merecendo especial alerta as ambiguidades constantes dos contratos de seguro. Poderíamos aqui referir, em homenagem ao trabalho da colega de Doutoramento em Direito Civil (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra), Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.03.2001, no Processo 0150178, relatado pelo doutor Fonseca Ramos, segundo o qual a expressão “quando deslocadas em viagem de férias ou negócios, além de 50 km da sua residência” deve ser interpretada no sentido de que o importante é a extensão da deslocação (mais de 50 km) e não o local onde acontece o sinistro. Em suma, pergunta-se: cobriam-se acidentes depois de “rodados” 50 km de
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viagem ou num raio de distância de 50 km, contados a partir da casa do beneficiário até ao local do acidente? No caso, o sinistro (de viação) havia ocorrido a 3 km de distância da residência do beneficiário e, apesar de se poder argumentar que “é quando estamos mais perto de casa que nós relaxamos mais e, por isso, estamos mais propensos a acidentes” (o que poderia dar azo à compreensibilidade de uma exclusão de cobertura por parte da seguradora), a decisão consignou que o importante era avaliar a circunstância da “kilometragem” viajada, pois, após trafegar por longas distâncias, a pessoa deveria estar cansada e mais propensa a acidentes (mas não antes dos 50 km), sendo razoável beneficiar o sinistrado, que teria motivos para a proteção.
127 Por vezes, essa interpretação também atende à causa dos contratos. De fato, a aplicação do favorecimento com base na “ambiguidade” adquire especial aplicabilidade em casos que talvez fossem melhor descritos como de “contraditoriedade” (da cláusula em relação ao contrato, atendendo à finalidade deste). Durante o trabalho da aludida colega de curso, tomamos conhecimento de um caso (julgado pelo Tribunal da Relação de Coimbra) em que foi celebrado um seguro para cobertura de danos causados por desastres naturais, os quais estavam tão bem “definidos” na apólice que se poderia dizer que estavam mesmo “enumerados” no documento. Entretanto, em meio a tufões e outras catástrofes, não se encontrava prevista a hipótese de tempestades de neve, fenómeno comum durante os invernos na região da Guarda (Portugal), local onde estava localizado o imóvel segurado e no qual os outros tipos de ocorrências desastrosas não se verificam. Assim, considerando a cláusula como ambígua (quiçá numa análise do contrato “como um todo” e especialmente da sua causa, que parece ser, ao fim e ao cabo e em atenção ao próprio nome, a de oferecer segurança), o Tribunal posicionou-se contrariamente à seguradora
– que, de resto, na prática, nada assegurava, segundo pudemos perceber.
128 Não podemos esquecer, nem por um momento, dos analfabetos, cegos, surdos, mudos, excepcionais de toda a ordem e pessoas especialmente vulneráveis, os quais também estão sujeitos à contratação por adesão e certamente terão maiores dificuldades do que o cidadão comum para enfrentá-la. 129 Num contato inicial com a disciplina, parece-nos que a contagem deve iniciar juntamente com
o afastamento dos motivos que impedem a adequada formação do consentimento, os quais podem acontecer através do simples conhecimento, por parte do potencial aderente, mas podem expandir-se por um tempo mais prolongado.
130 Para que este direito tenha um valor efetivo, deve ser combinado, nalguns casos, com a vedação do pagamento antecipado (em outros, será realmente necessário pagar aos fornecedores, sem esquecer que a confiança deve partir de ambas as partes no contrato) e, nesta hipótese, não só em relação a sinais como a quaisquer contrapartidas pagas de maneira antecipada pela aquisição do produto, não só ao contratante directo como também a terceiros interpostos para contornar a vedação. Em suma, o que se quer evitar é que o direito de “dar o dito por não dito” seja prejudicado porque, com o intuito de reaver os valores antecipados, o aderente tenha de enfrentar um longo e custoso – para não falar “psicologicamente desgastante” – procedimento judicial.
131 Esta foi apenas uma das duas maneiras sugeridas por Xxxxxxx Xxxxx e Menezes Cordeiro para suprir a falência do modelo de informação, caracterizada por uma falta de vontade dos aderentes em serem
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informados. A outra, consistente nos contatos pessoal entre as partes, também é digna de apreciação. Acontece que o utilizador e o predisponente não informam, o mesmo valendo para a maioria dos seus funcionários, que vergonhosamente pouco sabem do contrato em si (ou talvez até prefiram esconder o que sabem). A intervenção de um terceiro como mediador ocorre-nos como hipótese. O problema é que, se o pagamento de profissionais especialmente habilitados para ajudar o potencial aderente – no momento do processo de formação da vontade esclarecida – partir do utilizador de CCG, sem dúvidas os custos serão repassados aos destinatários. Uma alternativa para informar, nesse sentido, seria a de permitir que os utilizadores de cláusulas abusivas e os violadores dos deveres de comunicação e informação ao aderente fossem condenados em ações coletivas e que o remanescente do lucro ilícito por eles obtido, após a indenização de cada um dos lesados, fosse afetado a um fundo social, controlado pelo Estado, utilizado para o financiamento do mecanismo da ação coletiva e de outras medidas sociais, como seria o acompanhamento dos aderentes por profissionais especializados na contratação.
132 O comediante napolitano Xxxx, considerado o príncipe da comédia devido às suas origens nobres, ao ver a quantidade de ladrões que existiam no mundo, perguntava-se a si próprio: “Com tantos tipos diferentes de trabalho, por que é que tanta gente escolhe roubar?” Embora muitos anos se tenham passado desde então, esta pergunta não pode sair da cabeça dos operadores do Direito, que muitas vezes devem mesmo “fazer as vezes de Totó”, não só para criticar o lucro ilícito existente, mas para sugerir alternativas de combate e reparos na sociedade.
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