TRIBUNAL ARBITRAL
Ação
De Fiscalização Concomitante
RELATÓRIO N.º 3/2024 - AUDIT 1.ª SECÇÃO
PROCESSO N.º 1/2022 – AUDIT. 1.ª Secção
Acompanhamento da Execução do Contrato de Empreitada de “Construção do novo Hospital Central do Alentejo – Centro Hospitalar do Baixo Alentejo” outorgado pela Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P.
TRIBUNAL ARBITRAL
LISBOA 2024
Índice
3. Caracterização da administração regional de saúde do Alentejo, IP 8
III. ENQUADRAMENTO LEGAL - RECURSO À ARBITRAGEM ad hoc NO ÂMBITO DO CCP 27
2. Tribunais arbitrais e Tribunais estaduais 27
3. A ARBITRAGEM COMERCIAL E A ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA 30
4. A ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA EM ESPECIAL 32
5. A ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA E O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA 33
6. Características da arbitragem administrativa e sua constitucionalidade 35
7. ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA, TRIBUNAIS SUPERIORES DO ESTADO E JURISDIÇÃO FINANCEIRA 38
8. A COMPETÊNCIA E OS LIMITES PARA A ACEITAÇÃO DE UM COMPROMISSO ARBITRAL 40
9. A ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA NA CONTRATAÇÃO PÚBLICA 43
10. A ARBITRAGEM INSTITUCIONALIZADA NA CONTRATAÇÃO PÚBLICA 44
11. A ARBITRAGEM ad hoc NA CONTRATAÇÃO PÚBLICA 45
12. A AVALIAÇÃO A REALIZAR PELO ENTE PÚBLICO, NOS TERMOS DO ARTIGO 476.º, N.º 4, CCP 49
13. A ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DA DECISÃO ARBITRAL 50
14. A CONTRATAÇÃO DE ASSESSORIA JURÍDICA 51
IV. JUSTIFICAÇÕES APRESENTADAS 56
V. ALEGAÇÕES APRESENTADAS NO EXERCICIO DO CONTRADITÓRIO 74
VI. OBSERVAÇÕES DE AUDITORIA 81
1. O direito da Acciona à constituição de um Tribunal Arbitral 81
2. A ALTERAÇÃO DA CLÁUSULA DE FORO 82
3. Da (i)legalidade da constituição do tribunal arbitral ad hoc 83
4. DA (FALTA) AVALIAÇÃO NOS TERMOS DO ARTIGO 476.º, N.º 4, DO CCP 87
6. Os pagamentos dos honorários 90
7. O RECURSO DO ACÓRDÃO ARBITRAL 93
8. O PRINCÍPIO DE TRANSPARÊNCIA 94
9. A CONTRATAÇÃO DA ASSESSORIA JURÍDICA 94
VII. RESPONSABILIDADE FINANCEIRA SANCIONATÓRIA INDICIADA 96
VIII. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO 102
IX. CONCLUSÕES 102
X. DECISÃO 105
Ficha técnica 107
ANEXO I – Mapa de infrações geradoras de eventual responsabilidade financeira 108
ANEXO II - Resposta apresentada no exercício do contraditório 109
Siglas | Denominação |
ACCIONA | Acciona Construcción, S.A. |
ARSA | Administração Regional de Saúde do Alentejo I.P. |
CCP | Código dos Contratos Públicos1 |
CD | Conselho Diretivo |
CPA | Código do Procedimento Administrativo2 |
CPTA | Código de Processo nos Tribunais Administrativos3 |
CRP | Constituição da República Portuguesa4 |
DFCARF | Departamento de Fiscalização Concomitante e de Apoio ao Apuramento de Responsabilidades Financeiras |
DGTC | Direção Geral do Tribunal de Contas |
DR | Diário da República |
JOUE | Jornal Oficial da União Europeia |
LAV | Lei da Arbitragem Voluntária5 |
LCPA | Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso6 |
XXX | Xxx de Enquadramento Orçamental7 |
LOPTC | Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas8 |
MS | Ministério da Saúde |
OMS | Organização Mundial de Saúde |
RBMS | Sociedade de Advogados F… & Associados |
SES | Secretário de Estado da Saúde |
TA ad hoc | Tribunal Arbitral ad hoc |
TdC | Tribunal de Contas |
1 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, republicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31.08, retificado pelas Declarações de Retificação n.ºs 36-A/2017, de 30.10, e 42/2017, de 30.11 (publicadas no DR 1.ª Série, n.ºs 209, de 30.10, e n.º 231/2017, de 30.11, respetivamente), alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 33/2018, de 15.05, e 170/2019, de 04.12, pela Resolução da Assembleia da República n.º 16/2020, de 19.03, retificado pela Declaração de Retificação n.º 25/2021, de 21.07 (publicada no DR, 1.ª Série, n.º 140, de 21.07) e alterado pela Lei n.º 30/2021, de 21.05, retificada pela Declaração de Retificação n.º 25/2021 (publicada no DR, 1.ª Série, n.º 140, de 21.07), e posteriormente pelo Decreto-Lei n.º 78/2022, de 07.11.
2 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07.01, e alterado pela Lei n.º 72/2020, de 16.11 e pelo Decreto-Lei n.º 11/2023, de 10.02.
3 Aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22.02, retificada pela Declaração de retificação n.º 17/2002, de 06.04, e sucessivamente alterada pelas Leis n.ºs 4-A/2003, de 19.02., 59/2008, de 11.09, 63/2011, de 14.12, pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10, e, de novo, pelas Leis n.ºs 118/2019, de 17.09, 30/2021, de 21.05 e 56/2021, de 16.08.
4 Aprovada pelo Decreto de 10 de abril de 1976, sucessivamente alterada pelas Leis n.ºs 1/82, de 30.09, 1/89, de 08.07, 1/92, de 25.11, 1/97, de 20.09, 1/2001, de 12.12, 1/2004, de 24.07, e 1/2005, de 12.08.
5 Lei n.º 63/2011, de 14.12.
6 Lei n.º 8/2012, de 21.02, alterada pelas Leis n.ºs 20/2012, de 14.05, 64/2012, 66-B/2012, de 31.12, e 22/2015, de 17.03.
7 Lei n.º 155/2015, de 11.09, alterada pelas Leis n.ºs 2/2018, de 29.01, 37/2018, de 07.08, 41/2020, de 18.08, e 10-B/2022, de 28.04.
8 Lei n.º 98/97, de 26.08, republicada em anexo à Lei 20/2015, de 09.03, por sua vez alterada pelas Leis n.ºs
42/2016, de 28.12, 2/2020, de 31.03, 27-A/2020, de 24.07, 12/2022, de 27.06, e 56/2023, de 06.10.
1. ÂMBITO
1. Em 22.02.2021, a Administração Regional de Saúde do Alentejo, I.P. (ARSA) remeteu, para efeitos de fiscalização prévia do Tribunal de Contas (TdC), nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC), o contrato de empreitada de “Construção do novo Hospital Central do Alentejo – Centro Hospitalar do Baixo Alentejo”9, celebrado em 28.12.2020, na sequência de concurso público com publicidade no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE)10.
2. O referido contrato foi outorgado com a empresa ACCIONA Construcción, S.A., (ACCIONA) no valor de 148.917.509,73 €, e prazo de execução de 910 dias, a obra foi consignada em 30.07.2021, com reservas do cocontratante e os respetivos trabalhos só se iniciaram em 30.08.2021.
3. Em sessão diária de visto, de 01.03.2021, foi decidido devolver o contrato por se encontrar isento de fiscalização prévia, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, segunda parte, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, por se tratar de um contraente público previsto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13.03.
4. Por despacho judicial de 09.02.2022, foi determinada a abertura de auditoria11 com o objetivo de acompanhar a execução deste contrato de empreitada de obras públicas celebrado entre a ARSA e a empresa ACCIONA, para a construção do novo Hospital Central do Alentejo.
5. Na sequência deste despacho a ARSA foi notificada para enviar ao TdC diversa documentação e esclarecimentos complementares, com a indicação de proceder à remessa de atualização da informação com periodicidade trimestral12.
6. No decurso dos trabalhos da auditoria foi detetada uma notícia publicada na edição do Jornal de Negócios de 03.10.2022, de acordo com a qual o Ministério da Saúde (MS) teria dado conhecimento da constituição de um tribunal arbitral ad hoc (TA) para apreciar um pedido de compensação de 50 milhões de euros apresentado pela ACCIONA, no âmbito da execução deste contrato de empreitada.
9 Processo n.º 383/2021.
10 Anúncio publicitado no Diário da República (DR) n.º 155, 2.ª série, de 14.08.2019 e no suplemento ao Jornal Oficial da União Europeia de 29.08.2019.
11 Processo n.º 1/2022 – Audit. 1.ª Secção.
12 Ofício n.º 4265/2022 – DFCARF, de 14.02.
2. METODOLOGIA
7. A presente auditoria, com a natureza de auditoria de conformidade, é realizada de acordo com os princípios e normas constantes do Manual de Auditoria – Princípios Fundamentais e do Manual de Auditoria de Conformidade, ambos deste Tribunal.
Não obstante o objeto da presente auditoria ser mais amplo, neste relatório aprecia-se, apenas, a conformidade legal da constituição e funcionamento do citado TA ad hoc, designadamente:
a) Face ao disposto, quer no contrato, quer no caderno de encargos, no que respeita ao foro legal competente para dirimir eventuais litígios emergentes da execução do contrato de empreitada;
b) Atentas as normas legais que regulam a constituição e o funcionamento dos TA ad hoc, como seja:
i) Código dos Contratos Públicos (CCP), o artigo 476.º;
ii) Lei da Arbitragem Voluntária (LAV);
iii) Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), em particular os artigos 180.º a 187.º.
8. Neste documento procede-se, também, à apreciação da contratação da assessoria jurídica relacionada com o TA ad hoc, bem como dos pagamentos já efetuados pela ARSA, relacionados com o processo arbitral.
9. Para prossecução dos trabalhos da auditoria e, em especial quanto ao TA ad hoc, procedeu-se à recolha e análise da documentação relativa ao processo de fiscalização prévia n.º 383/2021 e à obtenção dos esclarecimentos considerados necessários13, junto da entidade auditada e do MS, os quais responderam atempadamente14.
10. Elaborado o relato intercalar, foi o mesmo, em cumprimento de despacho judicial de 27.11.2023, e em observância do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 13.º da LOPTC, remetido à Presidente e à Vogal do Conselho Diretivo (CD) da ARSA, respetivamente, A… e B…, bem como ao Ministro da Saúde, C…, à anterior titular da referida pasta ministerial, D…, e ao Secretário de Estado da Saúde
13 Solicitados ao MS e à ARSA, através dos ofícios da DGTC com a referência, respetivamente, DFC-36514/2022, de 12.10, DFC-1692/2023, de 17.01, DFC-36478/2022, de 12.10. e DFC-1587/2023, de 17.01.
14 Aos ofícios supra identificados o MS respondeu através do ofício ref.ª MS / S 5382/2022 / 02.11.2022, registado na DGTC com a referência E12605/2022, de 03.11, e de ofício datado de 27.02.2023. Já a ARSA prestou os esclarecimentos solicitados através dos ofícios com a referência SAI-ARSA/2022/1533, de 27.10,
SAI-ARSA/2023/211, de 27.02, e SAI-ARSA/2023/635, de 12.05. Remeteu, ainda, um documento
esclarecimentos através de e-mail registado na DGTC com o n.º 4803/2023, de 17.05.
(SES) em funções à data dos factos, E…, para que se pronunciassem, querendo, sobre o conteúdo do mesmo15.
11. No exercício do direito do contraditório, apenas a Presidente e a Vogal do CD da ARSA apresentaram (na qualidade de indiciadas responsáveis pelas infrações descritas no capítulo V, deste relatório), alegações conjuntas16/17, as quais foram tomadas em consideração na elaboração do presente relatório, encontrando-se nele sumariadas ou transcritas18, sempre que tal se haja revelado pertinente.
3. CARACTERIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO ALENTEJO, IP
12. Nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 22/2012, de 30.1219, as Administrações Regionais de Saúde, são institutos públicos integrados na administração indireta do Estado, dotados de autonomia administrativa e financeira e património próprio, regendo-se pelas normas constantes daquele diploma legal, pelo disposto na Lei-Quadro dos institutos públicos e no Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, bem como pelas demais normas que lhes sejam aplicáveis.
13. Ainda de acordo com o n.º 2 da norma citada, estas entidades funcionam sob superintendência e tutela do membro do Governo responsável pela área da saúde.
14. À data da autorização e constituição do TA ad hoc, estava em vigor o Despacho de delegação de competências n. º 11199/2020, de 06.11, publicado no DR n.º 222, 2.ª série, de 13.11, da, então, Ministra da Saúde, nos, à data, Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, O…, e SES, E…, sendo que neste último estavam delegadas todas as competências atribuídas por lei à Ministra, relativas a “Serviços e estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde no âmbito do SNS, independentemente da sua natureza jurídica, em matérias de (…) iii) Alterações orçamentais e pedidos de reforço orçamental; (…)20”, bem como, relativamente aos mesmos serviços, “Praticar todos os atos decisórios relacionados com a realização e autorização de despesas com empreitadas de obras públicas, locação ou aquisição de bens móveis e aquisição de serviços (…), nos termos conjugados das disposições aplicáveis do Código dos Contratos Públicos e do Decreto-lei n.º 197/99, de 8 de junho, até aos montantes referidos na alínea c) do n.º 1 e na alínea
15 Ofícios registados nesta Direção-Geral com os n.ºs. 52340 a 52344/2023, todos de 29.11.2023.
16 Através do ofício com a referência SAI-ARSA/2024/101, de 22.01, (registado na DGTC com o n.º 771/2024, de 25.01).
17 O ex-SES, E…, enviou, em 11.12.2023, um email no qual comunicou que “por força das conclusões do próprio
Relatório, prescinde de aditar qualquer elemento ou consideração”.
18 As referidas alegações constam em anexo II ao relatório.
19 Posteriormente alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 127/2014, de 22.08, 173/2014, de 19.11, 74/2016, de 08.11, 61/2022, de 23.09 e 89/2023, de 11.10.
20 Alínea f) do n.º 2, do referido Despacho.
c) do n.º 3 do artigo 17.º, incluindo a competência a que se refere o n.º 1 do artigo 22.º, todos do referido Decreto-Lei n.º 197/99, bem como a competência para a decisão de contratar e as demais competências atribuídas, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 109.º do Código dos Contratos Públicos”.
15. A ARSA tem a sua sede em Évora e é dirigida por um CD, o qual, nos termos legais, deve ser constituído por um presidente e dois vogais (artigos 2.º, n. º 2, alínea d), e 5.º, n.º 1, do Decreto- Lei n.º 22/2012, de 30.12).
16. O CD da ARSA é, atualmente, e desde 17.11.2021, composto por A…, como Presidente, e pela Vogal, B…, ambas nomeadas em regime de substituição pelo Despacho da ex-Ministra da Saúde, D…, n.º 11611/2021, de 16.11, publicado no DR n.º 228, 2.ª Série, de 24.11.
17. Através da Deliberação n.º 181/2022, publicada no DR n.º 30, 2.ª Série, de 11.02, o CD da ARSA delegou e subdelegou, em cada um dos seus membros um conjunto de competências próprias e delegadas, com efeitos a 17.11.2021.
18. Como anteriormente se mencionou, apesar de o objeto da auditoria consistir no acompanhamento da execução da empreitada de construção do novo Hospital Central do Alentejo, o presente relatório reporta-se exclusivamente à constituição e funcionamento do TA, bem como à assessoria jurídica e pagamentos relacionados com o mesmo.
19. Para efeitos de contextualização, recorda-se que a adjudicação deste contrato de empreitada foi precedida de concurso público com publicação no JOUE, autorizado por deliberação do CD da ARSA, de 12.08.2019, que na mesma data aprovou as peças do procedimento concursal.
20. No caderno de encargos, aprovado pela citada deliberação, constava uma cláusula (artigo 37.º -
“Foro competente”) com o seguinte teor:
“1. Na eventualidade de qualquer conflito, as Partes devem sempre procurar chegar a um acordo sobre a situação em litígio, dentro dos princípios da boa-fé contratual, antes de recorrer a meios contenciosos.
2. Para todas as questões emergentes da interpretação, validade e execução do CONTRATO
será competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja.”
21. No contrato de empreitada que veio a ser outorgado, em 28.12.2020, constava uma cláusula com conteúdo semelhante (cláusula 16.ª – “Regime jurídico e Foro”):
“1. Ao presente contrato aplica-se a lei portuguesa, com renúncia expressa a qualquer outra.
2. Para dirimir todos os conflitos emergentes do presente contrato e que não possam ser
solucionados pela via amigável é competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja.”
22. Na sequência da notícia do Jornal de Negócios, de 03.10.2022, a que se fez referência no ponto 6, do capítulo I deste relatório, notificou-se o MS e a ARSA21 no sentido de confirmarem (ou infirmarem) a constituição de um TA para dirimir litígios surgidos na execução da empreitada auditada.
23. Em resposta, a ARSA, em 07.11.2022, confirmou a constituição de um TA ad hoc e reportou a seguinte sucessão de factos, remetendo os respetivos documentos comprovativos22.
24. Em 10.12.2021, a ACCIONA, através de carta dirigida à ARSA, na qual referenciou, desde logo, a sua carta anterior de 29.07.2021, pela qual lhe tinha comunicado as suas reservas ao auto de consignação da empreitada (reservas essas que ficaram a constar do referido auto lavrado em 30.07.2021), apresentou um "pedido de compensação por alteração de circunstâncias resultante da subida anormal e imprevisível dos custos de produção", o qual deveria ser dirimido com recurso à arbitragem ah hoc, com a constituição de um TA.
25. Nesta carta de 10.12.2021, a ACCIONA mencionava também que:
i. Este pedido de compensação “não inclui (…) os custos resultantes de outras vicissitudes que têm igualmente afetado a Empreitada, nomeadamente, mas sem limitar, os custos resultantes das vicissitudes identificadas nas nossas cartas REF.ª 2021 08 26_Carta Acc- ARSA, de 26 de agosto de 2021 e 2021 09 14_Carta Acc-ARSA, de 14 de setembro, assim como os impactos associados a uma maior permanência em obra, reservando a Acciona todos os seus direitos nesses domínios, a serem suscitados autonomamente”.
ii. “É (…) do interesse público que a obra possa prosseguir rapidamente, atenta a sua
importância fundamental para a saúde pública nesta especial zona do País (…)”.
Apesar do contrato não o prever expressamente, o artigo 180.º do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e o artigo 476.º do CCP, ambos permitem que qualquer questão derivada da execução de contratos aos quais se aplique o CCP, como é o caso, possa ser resolvida por recurso à arbitragem. Mais, o artigo 182.º CPTA atribui mesmo ao cocontratante o direito a exigir à entidade pública contratante a outorga de compromisso
21 Respetivamente, ofícios n.ºs 36478/2022 e 36514/2022, ambos de 12.10.
22 Ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533, registado com o n.º 12717/2022, e documentos anexos.
arbitral e a constituição de um tribunal arbitral para o efeito, sendo V. Exa. competente para outorgar em nome da ARSA, IP, nos termos do n.º 2 do artigo 184.º do CPTA.
Consideramos ainda que, entre outros motivos, face ao elevado valor económico das questões a resolver e ao teor eminentemente técnico das mesmas, é aconselhável a submissão do litígio à jurisdição de tribunal arbitral não integrado em centro de arbitragem institucionalizado (…)”.
26. A esta carta de 10.12.2021, a ACCIONA anexou uma “Proposta de Compromisso Arbitral” com o
conteúdo que se sintetiza:
✓ Objeto: “(…) dirimir a questão do valor da compensação a atribuir à ACCIONA no âmbito do Contrato, pela alteração das circunstâncias verificada, bem como fixar um critério para a compensação futura da variação, para mais ou para menos, dos custos da produção (…)”;
✓ A sede do TA ad hoc seria em Évora;
✓ A fase de instrução seria constituída exclusivamente por perícia a realizar por dois peritos técnicos;
✓ A sentença seria proferida no prazo máximo de um mês após a conclusão da fase da instrução ou da entrega das alegações, se as houvesse;
✓ Os encargos da arbitragem compreenderiam os honorários dos árbitros e do secretário, os encargos administrativos do processo e as despesas com a perícia, os quais seriam pagos pela Demandante e pela Demandada, em partes iguais;
✓ A remuneração do árbitro Presidente seria fixada em 50.000,00 €, a dos árbitros Vogais em 35.000,00 €, cada um deles, e a do Secretário seria o correspondente a 20% dos honorários do árbitro presidente. O pagamento das provisões por conta dos mesmos seria efetuado no calendário aí estabelecido;
✓ O TA ad hoc julgaria segundo a equidade e as partes renunciariam à faculdade de recorrer da decisão arbitral, “exceto quando a lei não o permitir e nos seus estritos termos, designadamente nos termos do artigo 46.º da LAV”.
27. Em 21.12.2021, a ACCIONA comunicou à ARSA, com a ressalva do carácter provisório dos cálculos, a estimativa de que os sobrecustos da empreitada correspondiam, àquela data, a um valor que se cifrava “entre 60 a 65 milhões de euros”, onde se incluía o valor resultante da revisão de preços (cerca de 15 milhões de euros), “representando uma diferença de entre 45 a 50 milhões
de euros entre os valores reais de mercado e o valor obtido pelo mecanismo contratual
previsto”23.
28. Em 22.12.2021, por deliberação do CD da ARSA, deu-se início ao processo de constituição da arbitragem, ao procedimento de contratação urgente de assessoria jurídica especializada e ao pedido de autorização superior “ao nível das dotações necessárias”24, por se considerar que houve uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, tendo contribuído para tal a pandemia (COVID 19) declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no início de 2020, com impacto acentuado na atividade económica e no sector da construção, “em especial, através da paragem de laboração, paralisação do transporte e escassez de produtos, a que se seguiu uma retoma da atividade económica com uma pressão acrescida e um escalar de preços da energia e matérias-primas”. Situação que “no limite” poderia levar à suspensão da obra e ao próprio abandono do projeto, por parte do empreiteiro. Mais referindo que “(…) a situação relatada tem contribuído, até ao momento, para uma insuficiente execução do projeto, nos termos inicialmente programados. A este respeito, tem-se por crítica a chamada de atenção da ACCIONA para os deslizes no prazo de execução, já verificados e, bem assim, para a possibilidade de «paragem definitiva [da obra], o que poderia ocorrer se a Acciona não for devidamente compensada, por não poder suportar os extracustos previstos”.
29. Pelo que, e de acordo com o esclarecido pela ARSA, existia a necessidade de constituir um TA ad hoc, tal como sugerido pela ACCIONA, atenta a complexidade da matéria, os valores em causa e a necessidade de uma decisão rápida, “que com saber técnico e segurança jurídica resolva a situação, com vista à prossecução do interesse público subjacente à celebração do contrato"25.
30. Em 23.12.2021, a ARSA enviou um e-mail ao SES, dando conhecimento do pedido de reequilíbrio financeiro formulado pela ACCIONA e das diligências tomadas para resolução do litígio, solicitando, ainda, autorização para a outorga do compromisso arbitral e a constituição do TA ad hoc, e para a contratação de equipa de assessoria jurídica especializada, a Sociedade de Advogados F…, nos termos do artigo 27.º, n.º1, alínea b), do CCP, incluindo também a representação da ARSA na ação a decorrer no TA ad hoc, e o reforço da dotação orçamental para suportar estes encargos estimados, 450.000,00 € e 119.925,00 € (com IVA incluído), respetivamente 26.
23 Doc. n.º 2, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533. 24 Doc. n.º 3, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533. 25 Doc. n.º 3, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533. 26 Doc. n.º 10, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533.
31. A fundamentação invocada pela ARSA para a contratação, por ajuste direto, da supra identificada Sociedade de Advogados, prendeu-se com o facto de já se encontrar a prestar assessoria jurídica no âmbito do processo relativo à empreitada, tendo-se estabelecido uma relação de confiança entre as partes que a ARSA qualificou como essencial ao mandato forense, referindo, a esse respeito, o seguinte:
“(…) os serviços jurídicos a contratar respeitam assim, ao patrocínio judiciário – constituição de advogado em ação denominado (mandato forense).
O mandato forense tem uma característica única e distintiva: baseia-se numa relação de confiança, pelo que, nesta contratação não está, assim, em causa, a escolha do advogado mais qualificado – critério qualitativo (com melhor curriculum ou mais experiência), ou do advogado mais barato - critério quantitativo. Trata-se de uma escolha de plena confiança que o mandato pressupõe e exige. Num processo como este e com este nível de complexidade,
o que está em causa é o prestador, ou seja, estamos no domínio da aquisição de prestações insuscetíveis de avaliação no âmbito de procedimentos concorrenciais máxime prestações de serviços intelectuais – alínea b) do n.º 1 do artigo 27.º do CCP”.
32. Em 30.12.2021, por despacho do SES, foi autorizada a realização das diligências preparatórias necessárias para a constituição do TA ad hoc 27.
33. Em 12.01.2022, a ARSA comunicou à ACCIONA a sua concordância com a decisão de submeter o litígio a um TA ad hoc, reconhecendo a “(…) pertinência da arbitragem, sendo evidentes as vantagens da submissão do litígio a um tribunal arbitral não integrado em centro de arbitragem institucionalizado, atenta a complexidade da matéria e a necessidade de uma decisão rápida, geradora de segurança jurídica essencial à concretização do interesse público” e solicitando “(…) uma mais completa e atual quantificação dos custos reclamados” 28.
34. Em 14.01.2022, por despacho do SES, foi autorizada a aquisição de serviços de assessoria jurídica para acompanhamento do processo arbitral e respetivo apoio judiciário, à Sociedade F…29. Este despacho foi proferido na sequência do e-mail da ARSA referido no ponto 30 deste capítulo e após pedido de parecer à Administração Central do Sistema de Saúde, IP (que, apenas, se pronunciou sobre a admissibilidade da contratação, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 71.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31.12)30.
27 Doc. n.º 13, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533. 28 Doc. n.º 4, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533. 29 Doc. 11, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533.
30 Ofício com ref.ª MS / S 5382/2022 / 02.11.2022 e docs n.ºs 3 e 4, em anexo.
35. Este contrato de aquisição de serviços foi outorgado pela ARSA, em 28.01.2022, pelo valor de 97.500,00,00 €, acrescido de IVA (total de 119.925,00 €), na sequência de:
✓ Informação n.º INT-ARSA/2022/46, de 10.01, relativa à escolha e início do procedimento, aprovação das peças processuais (convite e caderno de encargos) e nomeação dos gestores do contrato. Sobre esta Informação recaiu o despacho autorizador de 18.01.2022, da Presidente e da Vogal do CD da ARSA;
✓ A adjudicação foi efetuada por despacho de 20.01.2022, também da Presidente e da Vogal do CD da ARSA, aposto na Informação n.º INT-ARSA/2022/124, da mesma data.
36. A ARSA indicou custos para o processo arbitral (honorários dos árbitros e encargos) e para a contratação de assessoria jurídica, num valor estimado de 450.000,00 € e 119.925,00 € (IVA incluído), respetivamente, de que foi dado conhecimento à tutela (SES), em 18.01.202231.
37. Em 18.01.2022, a ACCIONA comunicou à ARSA que os custos reclamados ascendiam a
66.405.488,40 € (onde se incluía a revisão de preços, no montante de 15.116.020,74 €)32/33.
38. Esta carta da ACCIONA, de 18.01.2022, incluía 2 anexos: o anexo 1 era constituído por um mapa resumo relativo ao período de novembro/2019 (elaboração da proposta apresentada no procedimento) e junho de 2021, com os valores e percentagens relativos à compensação solicitada, e o anexo 2, denominado “Enquadramento dos Sobrecustos”, continha um “Resumo Executivo” respeitante ao “enquadramento relativo a cada índice objeto de cálculo”. Este anexo 2 com 12 páginas, não estava datado nem assinado e integrava muitas descrições, citações de artigos, de intervenções públicas na comunicação social e de relatórios e dados publicitados sobre aumento de custos na área da construção e que, no entender da ACCIONA, suportariam os valores indicados no anexo 1.
39. Na mesma data, 18.01.2022, por carta dirigida ao Chefe de Gabinete do SES, a ARSA solicitou autorização para a outorga do compromisso arbitral e a constituição e desenvolvimento do processo arbitral e respetivo reforço orçamental e financeiro daquela entidade no encargo estimado de 450.000,00 € (honorários dos árbitros e encargos do processo arbitral)34.
31 Doc. n.º 10 em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533.
32 A ACCIONA atualizou os valores estimados para a compensação e respetivo enquadramento técnico- financeiro.
33 Doc. n.º 5, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533.
34 Doc. n.º 11, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533.
40.Em 19.01.2022, por despacho do então SES, E…, exarado no ofício SAI-ARSA/2022/92, de 18.01.12022, foi autorizada a “constituição do Tribunal Arbitral e outorga do compromisso arbitral nos termos propostos”35.
41. Em 26.01.2022, o CD da ARSA aprovou a minuta de compromisso arbitral, proposta pela sua assessoria jurídica especializada, a qual teve em consideração os valores e mapas apresentados pela ACCIONA, a deliberação anterior de 22.12.2021 e o despacho do SES de 19.01.202236.
42. Em 28.01.2022, a ARSA enviou uma carta à ACCIONA com a minuta de compromisso arbitral para análise e aceitação e mencionando que na sua elaboração tinha tido em conta a proposta apresentada pela ACCIONA, “a par de uma igual preocupação com a inclusão das dinâmicas padronizadas neste tipo de processos e com a necessidade de assegurar, de forma clara, a ausência de limitações aos poderes de cognição e pronúncia do tribunal"37.
43. Em 03.02.2022, a ACCIONA respondeu38 à ARSA, confirmando a aceitação do compromisso arbitral e sugerindo:
i. O aditamento de um n.º 5 à cláusula 4.ª da minuta de compromisso enviada, estabelecendo um prazo de 6 meses, a contar da data da constituição do TA, para este decidir (sugestão acolhida no Regulamento de Funcionamento e Processo Arbitral).
ii. Que se estabelecesse, desde logo, o valor dos honorários dos árbitros, considerando adequados os montantes que tinham indicado na sua proposta de minuta de compromisso arbitral. Acrescentava que, face aos valores em litígio, com o modo de cálculo proposto pela ARSA ascenderiam a importâncias consideravelmente superiores (não aceite pela ARSA).
44. Em 11.02.2022, o CD da ARSA deliberou manter o conteúdo da minuta aprovada em 26.01.2022, rejeitando as sugestões apresentadas pela ACCIONA.
45. Em 16.02.2022, foi outorgado o compromisso arbitral (assinado pela Presidente do CD da ARSA e pela Procuradora da ACCIONA), com definição do objeto do litígio, termos da constituição e funcionamento do TA e definição de honorários39, como se verifica da transcrição das seguintes cláusulas:
35 Doc. n.º 11, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533. 36 Doc. n.º 6, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533. 37 Doc. n.º 7, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533. 38 Doc. n.º 8, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533. 39 Doc. 14, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533.
“Primeira Objeto
1. O presente Compromisso Arbitral tem por objeto dirimir a pretensão (compensatória, indemnizatória ou de reequilíbrio económico-financeiro) da ACCIONA no âmbito do Contrato, por força das alterações das circunstâncias por esta invocada.
2. No objeto do litígio podem, ainda, ser incluídos, pela ACCIONA, outros pedidos indemnizatórios ou compensatórios não relacionados com a alteração das circunstâncias fundamentada nas cartas identificadas nos Considerandos II e III40.
3. O objeto do litígio pode, também, incluir a análise da viabilidade legal e forma de consagração de um critério para a compensação futura da variação, para mais ou para menos, dos custos de produção (mão-de-obra, materiais e equipamentos, entre outros) da Empreitada.
Segunda Tribunal
1. O Tribunal Arbitral é constituído por três árbitros, cabendo a cada Parte a nomeação de um árbitro e, aos árbitros assim nomeados, a designação do terceiro, que preside.
2. A nomeação dos árbitros, pelas Partes, é feita no prazo de 30 dias contados da data da assinatura do presente acordo.
Terceira
Sede do Tribunal Arbitral
1. O Tribunal Arbitral tem a sua sede em Lisboa, Portugal.
2. (…).
Quarta Processo Arbitral
1. O Tribunal Arbitral julga o litígio segundo o direito constituído aplicável, sendo aplicáveis as regras substantivas do Direito Português.
2. A presente arbitragem rege-se pelas presentes regras, e pelo disposto na Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro. Naquilo que não estiver previsto nas presentes regras ou na Lei da Arbitragem Voluntária, aplicar-se-á a regra que vier a ser definida pelos Árbitros, ouvidas as partes.
3. A ACCIONA assume a posição de demandante e a ARSA de demandada.
4. (…)
Quinta
40 Cartas de 10 e 21.12.2021 e de 18.01.2022.
Encargos
1. O valor dos honorários dos Árbitros é o que resultar da aplicação ao valor da causa da Tabela n.º 1 anexa ao Regulamento em vigor do Centro de Arbitragem Comercial, considerando uma arbitragem com três árbitros.
2. Se a arbitragem terminar antes da sentença final, o tribunal Arbitral, ouvidas as partes, e tomando em consideração as circunstâncias de cada caso concreto e, em particular, a complexidade do processo e o tempo despendido pelos árbitros, bem como a fase em que o processo arbitral terminou ou qualquer outra circunstância que considere relevante, poderá decidir reduzir os honorários até 30% do valor resultante da tabela mencionada no n.º 1, caso a arbitragem termine antes da audiência preliminar, e até 50%, caso a arbitragem termine antes do início da audiência de julgamento.
3. Os encargos com a remuneração do Secretário do Tribunal correspondem a 50% do valor da Tabela n.º 2 anexa ao Regulamento em vigor do Centro de Arbitragem Comercial.
4. Os encargos com os honorários dos Árbitros e com a remuneração do Secretário do Tribunal serão adiantados pelas Partes e serão fixados e suportados a final, segundo a decisão do Tribunal.
5. O Tribunal poderá também, se o entender justo e adequado, determinar que uma das partes compense a outra pela totalidade ou parte dos custos e despesas razoáveis que demonstrem ter suportado por causa da sua intervenção na arbitragem (…).
6. As despesas do processo, nomeadamente com aluguer de salas, gravação da prova oral, transcrições, etc, serão adiantadas pelas Partes.
7. a 10. (…)”.
46. Em 16.03.2022, o CD da ARSA nomeou o Doutor em Direito e Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, M…, para o cargo de árbitro no TA ad hoc.
47. Em 06.04.2022, foi aprovada a instalação deste TA ad hoc e o “Regulamento de Funcionamento e Processo Arbitral”41, tendo o mesmo sido considerado constituído em 21.04.202242 e as funções de secretária foram atribuídas a G…, Advogada.
48. Da análise do 1.º parágrafo da ata desta instalação, de 06.04.2022, resulta que na reunião, apenas, estiveram presentes os 3 árbitros [H…, Advogado e designado árbitro pela ACCIONA, M…,
41 Cfr. Ata de Instalação. Doc. n.º 15, em anexo ao ofício.
42 Cfr. Despacho do árbitro presidente do TA ad hoc, P…. Docs. n.ºs 15 e 16, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533.
Professor universitário e Advogado, designado pela ARSA, e P…, Professor universitário e Advogado, designado pelos 2 outros árbitros como árbitro presidente].
49. Contudo, na parte final deste documento constam as assinaturas dos 3 árbitros e também 2 assinaturas (não identificadas) “Pela Acciona Construcción” e duas outras assinaturas “Pela Administração Regional de Saúde do Alentejo, IP”, uma da Presidente do CD da ARSA e outra do respetivo advogado. Do conteúdo deste “Regulamento de Funcionamento e Processo Arbitral”, salienta-se:
“Artigo 3.º
(Sede da Arbitragem)
A arbitragem tem a sua sede no escritório da I…, sito (…) Lisboa (…).”
Artigo 4.º (Objeto do litígio)
O objeto do litígio é o que resultar dos articulados das partes, nos limites do Compromisso Arbitral celebrado entre as Partes, em 16 de fevereiro de 2022.
Artigo 5.º (Regime aplicável)
1. O processo arbitral é regulado pelas regras fixadas no Compromisso Arbitral celebrado entre as Partes, em 16 de fevereiro de 2022 e pelas regras agora estabelecidas e, subsidiariamente, pelo disposto na Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, e no Regulamento do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa.
2. Nos casos omissos, o Tribunal Arbitral pode sempre fixar as regras processuais a observar, no respeito pelas normas inderrogáveis da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro.”
Artigo 10.º (Instrução)
1 a 4. (…)
5. No caso de as partes não acordarem num perito-único, a prova pericial funcionará em moldes colegiais, devendo o terceiro perito ser designado por acordo das partes ou, na falta deste, pelo Tribunal Arbitral.”
“Artigo 12.º
(Prazo de arbitragem)
1. O prazo da arbitragem é de 180 dias, a contar da data de constituição do Tribunal Arbitral, devendo o acórdão mencionar apenas os factos relevantes que considerou provados.
2. Os prazos para a prática de quaisquer atos pelo Tribunal ou pelas partes, suspendem-se durante as férias judiciais.
3. (…)”
“Artigo 14.º
(Julgamento)
O Tribunal julgará segundo o direito constituído e da sua decisão não cabe recurso.” 43
Artigo 15.º
(Honorários dos árbitros e encargos administrativos do processo)
Os honorários dos árbitros e os encargos administrativos são os fixados no Compromisso
Arbitral celebrado entre as partes, em 16 de fevereiro de 2022.”
“Artigo 17.º
(Encargos da arbitragem e honorários dos Árbitros)
1. O preparo inicial, a efetuar pela Demandante e pela Demandada, no momento da entrega da petição inicial e da contestação, respetivamente, será de 30% do montante total dos honorários dos árbitros e dos outros encargos do processo.
2. O Tribunal Arbitral determina os valores para o reforço das provisões e os prazos de pagamento, de modo que o montante global dos honorários dos árbitros e dos encargos administrativos do processo, assim como dos demais encargos com a produção de prova, se os tiver havido, estejam integralmente provisionados antes do proferimento da decisão final.
3. Os encargos da arbitragem são assumidos, a final, pelas Partes na proporção do respetivo
decaimento.”
50. Em 12.07.2022, por despacho do árbitro presidente do TA ad hoc, foi fixado44:
a) O valor definitivo da ação de arbitragem, em 71.119.022,76 € (atenta a divergência existente entre as partes, o TA ad hoc atendeu ao montante do benefício económico que a demandante pretendia obter com a eventual procedência dos seus pedidos);
43 Na sequência da solicitação de esclarecimentos, por parte deste Tribunal, acerca da compatibilidade legal entre esta cláusula e o disposto no artigo 476.º, n.º 4, do CCP, a Presidente do CD da ARSA, através de mensagem de correio eletrónico, datada de 15.05.2023, enviou diversa documentação (Ofício SAI- ARSA/2023/635, de 12.05, três requerimentos da ARSA dirigidos ao TA ad hoc, datados, respetivamente, de 15.02, 13.03 e 23.03.2023, ata do TA ad hoc, de 29.03.2023, que deliberou alterar o citado artigo, e nova versão do Regulamento de Funcionamento e Processo Arbitral, já com a alteração proposta) comprovativa da iniciativa da ARSA em propor a alteração, quanto à então prevista impossibilidade de recurso da decisão arbitral, donde resultou a alteração, por decisão do TA ad hoc, de 29.03.2023, do artigo 14.º, do Regulamento de Funcionamento e Processo Arbitral. Esta cláusula passou, após esta alteração, a dispor “O Tribunal julgará segundo o direito constituído”.
44 Cfr. Doc. n.º 17, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533.
b) O valor total do preparo inicial de 30% que era devido, 106.110,159 €45, a acrescer IVA (23%) e, nalguns casos com retenção de IRS, calculado de acordo com:
✓ Total de honorários devidos aos árbitros - 111.084,02 x 3 = 333.252,08 €;
✓ Totalidade dos encargos administrativos (ou Secretário do TA?) – 20.448,45 €.
51. Ou seja, o valor total dos honorários com o processo de arbitragem, fixado no mencionado despacho, ascendia, assim, a 353.700,53 €, sendo que nos termos do n.º 4 da cláusula 5.ª do compromisso arbitral e sem prejuízo do disposto no n.º 3 da cláusula 17.ª do Regulamento de Funcionamento do Tribunal e do Processo Arbitral46, cada uma das partes deveria adiantar 30% do montante pelo qual era responsável (50% do total), nos prazos determinados pelo TA.
52. Os encargos totais com os honorários dos árbitros e secretário do TA foram, assim, os seguintes:
Encargos Tribunal Arbitral (Total) | ARSA (50%) | |
Honorários | 333 252,08 | 166 626,04 |
Árbitro - Presidente | 133 300,83 | 66 650,42 |
Árbitro – M… | 99 975,62 | 49 987,81 |
Árbitro – H… | 99 975,62 | 49 987,81 |
Encargos administrativos/ Secretário do TA? | 20 448,45 | 10 224,23 |
Total | 353 700,53 | 176 850,27 |
53. O valor do preparo (30%) a pagar pela ARSA era o seguinte:
45 Nesta data já estava calculada, a título de preparo inicial (mas incindindo sobre um valor provisório da arbitragem), a quantia de 94.659,75 € - Despacho do Árbitro-Presidente do TA, de 13.05.2022 (remetido por e-mail registado na DGTC com o n.º 4803, de 17.05.2023).
46 “Os encargos da arbitragem são assumidos, a final, pelas partes na proporção do respetivo decaimento”.
Preparo inicial (30%) | ARSA (50%) | |
Honorários | 99 975,62 | 49 987,81 |
Árbitro- Presidente | 39 990,25 | 19 995,12 |
Árbitro – M… | 29 992,69 | 14 996,34 |
Árbitro – H… | 29 992,69 | 14 996,34 |
Encargos administrativos /Secretário do TA? | 6 134,54 | 3 067,27 |
Total | 106 110,16 | 53 055,08 |
54. Neste despacho do árbitro presidente do TA ad hoc, bem como no anterior, de 13.05.2022, estabeleceu-se que o pagamento do preparo inicial seria pago aos árbitros M… e H… e “Em favor de I… – Sociedade de Advogados SP, RL (…)”.
55. Como se referiu no ponto 50 deste capítulo, o valor definitivo da ação de arbitragem foi determinado na sequência da apresentação dos articulados pelas partes - petição inicial da ACCIONA, contestação da ARSA e resposta da ACCIONA, documentos estes que não se encontram datados.
a) Da análise da petição inicial da ACCIONA (assinada pela Sociedade K… Advogados Associados, SP, RL) verifica-se, em síntese, que foi peticionado neste TA:
✓ Ser reconhecido o direito da demandante a ser devidamente compensada financeiramente pelos sobrecustos da presente empreitada, supra demonstrados, derivados da verificação de uma situação de alteração anormal e imprevisível das circunstâncias; e
✓ Ser fixada a nova equação económica do contrato em 215.322.998,13 €, revendo-se os preços constantes da proposta com os índices reais a 30.06.2021 (1.445921), passando esse valor e essa data a ser considerados para aplicação futura da fórmula polinomial de revisão de preços contratual ao longo da execução da empreitada;
✓ Proceder-se à prorrogação do prazo da empreitada de 26.02.2024 para 29.08.2024, nos termos constantes do proposto Plano de Trabalhos Modificado, expressamente se reconhecendo que a prorrogação de 31 dias já concedida pela demandada no auto de consignação se inclui nas prorrogações legais; e
✓ Ser reconhecido o direito da demandante a ver-se ressarcida dos sobrecustos derivados da referida prorrogação legal dos prazos da empreitada;
✓ Ser compensada pelo reequilíbrio económico e financeiro do contrato derivado dos sobrecustos com os trabalhos de movimentação de terras, no valor de 4.713.534,27 €.
b) Analisando a contestação apresentada pela ARSA, observa-se que a mesma concluiu:
✓ Que o TA ad hoc deve considerar-se incompetente para apreciar o “Plano de Trabalhos Modificado” e a respetiva prorrogação de prazo;
✓ Aceitar a existência de uma situação excecional determinada pela pandemia da doença Covid-19, da qual resultou um aumento nos preços do setor da construção, reconhecendo a pertinência e necessidade de uma revisão extraordinária de preços que fosse aplicável, no imediato e ao longo da duração de todo o contrato segundo a fórmula contratualmente estabelecida com os coeficientes de atualização (Ct) resultantes dos respetivos cálculos multiplicados por um fator de compensação de 1,1, de acordo com o regime excecional e temporário no âmbito do aumento dos preços com impacto em contratos públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20.05. De acordo com esta forma de cálculo, o valor possível da revisão de preços, na data da contestação e com os dados disponíveis do último trimestre de 2021, seria de 37.627.165,88 €.
✓ Xxxxxx improcedentes os demais pedidos da ACCIONA.
56. Em 12.10.2022, foi proferido novo despacho pelo árbitro presidente determinando o valor remanescente dos encargos da arbitragem e honorários dos árbitros (70%, do valor total, 247.590,371,00 €, a acrescer IVA e, nalguns casos com retenção de IRS), e o respetivo pagamento de acordo com os prazos que aí se fixavam e que o TA ad hoc apresentaria, no prazo de 20 dias, um projeto de Guião de Prova47.
57. O mencionado “Projeto de Guião de Prova”, foi aprovado por despacho do TA ad hoc, em 09.11.2022, dele constando em anexo48.
58. No mesmo despacho, foi ainda decidido prorrogar o prazo para a prolação do acórdão, por um período adicional de cento e vinte (120) dias, salvo oposição expressa das Partes, uma vez que o termo do prazo fixado inicialmente (na cláusula 12.ª, n.º 1, do Regulamento de Funcionamento e Processo Arbitral) ocorreria em 30.11.2022, o que se afigurava insuficiente para a regular tramitação dos autos.
47 Cfr. Doc. n.º 18, em anexo ao ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533.
48 Ambos os documentos enviados em anexo ao ofício da ARSA, SAI-ARSA/2023/211, de 27.02. (Docs. 3 e 5).
59. Por despacho do TA ad hoc, de 23.02.2023, foi decidido proceder a nova prorrogação do prazo de arbitragem por mais 90 dias tendo ficado estipulada uma calendarização dos trabalhos, nos seguintes termos:
✓ Depoimentos escritos das testemunhas e das partes até 28.03.2023;
✓ Entrega do relatório pericial até 28.03.2023, sem prejuízo de alguma prorrogação que se justificasse;
✓ Audiência de julgamento até final de abril de 2023.
00.Xx que respeita a pagamentos efetuados, a ARSA informou49 que, em 14.06.2022, foram autorizados e efetivados pagamentos aos árbitros, M…, H… e à I… – Sociedade de Advogados, no montante total de 58.215,73 €, discriminados da seguinte forma50:
✓ A cada um dos árbitros a quantia de 16.462,58
(13.384,21 €, sem IVA);
€51, que incluiu 3.078,37 € de IVA
✓ À mencionada Sociedade de Advogados a quantia de 25.290,57 €, que incluiu 4.729,13 € de IVA (20.561,44 €, sem IVA).
61. Em 23.11.2022, foram autorizados novos pagamentos, correspondentes aos montantes remanescentes do preparo inicial, no valor de 3.076,17 € (incluiu 575,22 € de IVA) para a Sociedade de Advogados supra identificada e 1.982,92 € (incluiu 370,79 € de IVA) a cada um dos árbitros acima referidos.
62. Todos estes pagamentos foram autorizados pela Vogal do CD, B…. Quanto aos pagamentos à Sociedade de Advogados I…, resultaram de autorizações exaradas, em 14.06.2022 e 23.11.2022, nas “Autorizações de Pagamento” n.ºs 3809 e 841652, de 14.06.2022 e 21.11.2022, respetivamente e foram efetivados por transferência bancária de 16.06.2022 e 29.11.2022. Saliente-se que, quanto ao pagamento da 1.ª fatura à Sociedade de Advogados I…, num e-mail remetido pelo escritório F… quanto à mesma, consta um “despacho” manuscrito, não assinado nem datado, referindo “Solicito à Professora A… por e-mail autorização para proceder ao pagamento”.
63. Na documentação enviada não constava nenhum pagamento ao árbitro presidente do TA ad hoc, sendo que, só do preparo inicial, fixado no montante de 106.110,16 € (sem IVA), cabia-lhe a quantia de 39.990,25 €, a título de honorários, de acordo com a fórmula constante dos despachos
49 Ofício da ARSA, SAI-ARSA/2023/211, de 27.02.
50 Doc. n.º 10 em anexo ao Ofício da ARSA, SAI-ARSA/2023/211, de 27.02.
51 Montante sobre o qual recaiu uma retenção para efeitos de IRS, no valor de 3.346,05 €, a cada um.
52 Nesta autorização de pagamento constava o valor de 6.152,34 € (com IVA incluído) o qual estava errado e foi objeto de regularização pela “Reposição de Pagamento” n.º 8679, de 29.11.2022.
do TA, de 13.05.2022 e de 12.07.2022, a pagar pelas duas partes (19.995,12 €, por cada uma delas,
a acrescer IVA).
64. De igual forma, também não se encontrava documentado nenhum pagamento à secretária do TA ad hoc, tendo a ARSA esclarecido que não tinha informação sobre esta questão nem sobre a composição do que se entendia por encargos administrativos (expressão que surge na cláusula 17.ª, n.º 2, do Regulamento de Funcionamento e Processo Arbitral e nos despachos do árbitro presidente, enquanto no Compromisso Arbitral se refere secretário do TA)53.
65. As autorizações dos pagamentos efetuados pela ARSA à Sociedade de Advogados não identificavam a que título eram feitos esses pagamentos, sendo que as respetivas faturas referiam, apenas, no descritivo que se tratava de “Honorários referentes ao processo arbitral” entre a ARSA e a ACCIONA.
66. Por e-mail datado de 17.05.2023, a ARSA veio esclarecer que os pagamentos efetuados à Sociedade de Advogados I… (mencionados nos pontos 54, 60 e 61, supra) incluíam os honorários devidos pela ARSA ao árbitro presidente (19.995,12 €) e à secretária do TA ad hoc (verba incluída no montante de 3.067,27 €, correspondente aos encargos administrativos), relativos ao preparo inicial.
67. Nos pagamentos efetuados pela ARSA, a título de preparo inicial, no valor de 30% do total dos encargos com o processo arbitral, verificava-se, assim, uma divergência relativamente aos titulares do direito ao referido pagamento e à quitação que foi prestada, que se traduz na seguinte situação:
Pagamentos documentados pela ARSA | |||
Honorários | jul/22 | nov/22 | Total |
Árbitro - Presidente | 0,00 | 0,00 | 0,00 |
Árbitro – M… | 13 384,21 | 1 612,13 | 14 996,34 |
Árbitro – H… | 13 384,21 | 1 612,13 | 14 996,34 |
I…- Sociedade de Advogados | 20 561,44 | 2 500,95 | 23 062,39 |
Encargos administrativos/Secretário do TA? | 0,00 | 0,00 | 0,00 |
Total | 53 055,07 |
68. Quanto aos pagamentos à F…, observou-se que em finais de 2022, se encontrava paga a quantia
de 52.275,31 € (cerca de 43,59% do preço total), relativa às faturas n.ºs 103 (9.222,23 €), 298
(12.304,31 €) e 475/2022 (30.748,77 €)54 respetivamente de 21.02, 22.04. e 01.06, a que
53 Ofício SAI-ARSA/2023/211 de 27.02.
54 Valores com IVA.
correspondem as autorizações de pagamento, concedidas pela Vogal do CD, B, também todas de 2022, n.ºs 1192, de 02.03, 3042, de 13.05, e 3856, de 15.0655.
69. Já após a elaboração e notificação do Relato Intercalar, a ARSA, no âmbito da atualização trimestral de informação a que se faz referência no ponto 5, do capítulo I deste relatório, informou o seguinte56:
⮚ Através de despacho de 28.04.2023, o TA ad hoc, informou as partes que, em 25.04.2023, o perito presidente do colégio pericial, tinha apresentado àquele Tribunal uma estimativa de prazo de entrega de relatório pericial de cerca de 75 dias, cujo termo coincidiria com meados do mês de julho57, juntamente com uma proposta de honorários de 93.000,00 €, a distribuir em partes iguais por cada um dos três peritos58;
⮚ Em 13.11.2023, na sequência de solicitação do perito presidente do colégio pericial, datada de 06.11.2023, o TA ad hoc despachou favoravelmente o pedido de prorrogação de prazo para entrega de relatório pericial até final do referido mês de novembro;
⮚ O relatório pericial foi entregue em 30.11.2023.
⮚ Por despacho de 20.12.2023, o TA ad hoc, notificou as partes para:
i. A apresentação, em simultâneo, no prazo de 30 dias, de alegações escritas;
ii. Indicação no prazo de 10 dias, sobre se prescindiam, ou não, de alegações orais59;
iii. Pagarem o remanescente do valor ainda em dívida, a título de honorários e encargos, no prazo de dez dias a contar da notificação das respetivas notas de honorários, da seguinte forma:
55 Apesar de a ARSA, ter cabimentado e comprometido para 2023, o restante valor de 67.649,69 €, do preço ainda não pago, não existe informação acerca de qualquer outro pagamento a este título, àquela Sociedade de Advogados.
56 Ofício SAI-ARSA/2024/76, de 17.01.2024, e respetivos anexos.
57 Recorde-se, que de acordo com a calendarização prevista no despacho do TA ad hoc de 23.02.2023 (ponto 59 supra) a entrega do relatório pericial estava prevista para 28.03.2023.
58 Nos termos da proposta de honorários constante da carta do presidente do colégio pericial de 25.04.2023, o pagamento dos referidos honorários, sujeitos a IVA (23%) e a retenção de IRS (25%), deverá ser efetuado em três prestações, sendo a primeira de 30% - 10.000 €, a liquidar com o início dos trabalhos; a segunda de 50% - 15.000 €, a liquidar com a entrega do Relatório; a terceira, dos remanescentes 20% - 6.000 € quando o Tribunal considerar que já não necessita de quaisquer esclarecimentos dos peritos e considere concluída a sua diligência. A data deste último pagamento, no entanto, não deve ultrapassar três meses sobre a entrega do Relatório.
59 Por requerimento datado de 28 de dezembro de 2023, a ARSA indicou não prescindir da produção de alegações orais.
“- Em favor de I… & Associados – Sociedade de Advogados, SP, RL.: no valor total de 46.124,77€ (dos quais 39.990,25 € são devidos a título de honorários e 6.134,53 € a título de encargos administrativos), acrescido de IVA à taxa em vigor.
- Em favor de H…: no valor total de 29.992,68 €, acrescido de IVA à taxa em vigor (além do IVA a 23% aplica-se uma retenção na fonte de 25% sobre 100% do valor. Com um valor base de 29.992,68€, o IRS a reter será 7.498,17€ e o valor líquido a transferir 22.494,51 €);
- Em favor de M…: no valor total de 29.992,68 €, acrescido de IVA à taxa em vigor (além do IVA a 23% aplica-se uma retenção na fonte de 25% sobre 100% do valor. Com um valor base de 29.992,68 €, o IRS a reter será 7.498,17€ e o valor líquido a transferir 22.494,51 €)”.
iv. Pagarem o remanescente do valor ainda em dívida a título de honorários aos peritos (20% do valor total, ou seja, 18.600,00 €), no prazo de 10 dias a contar da notificação das respetivas notas de honorários.
⮚ Na sequência do despacho do TA ad hoc de 20.12.2023, foi determinado à ARSA o pagamento das seguintes quantias, nas datas que se indicam60:
• I… & Associados: uma fatura61 no valor de 28.366,74 € (sendo 23.062,39 € relativos a honorários do árbitro presidente e encargos administrativos e 5.304,35 € relativos a IVA).
• H…, árbitro indicado pela ACCIONA: 14.696,41 € (inclui 3.449,16 € de IVA), em
02.01.2024 (data do recibo).
• M…, árbitro indicado pela ARSA: 14.696,41 € (inclui 3.449,16 € de IVA), em 04.01.2024
(data do recibo).
• L… (perito): 15.190,00 €, em 28.12.2023 (data do recibo), corresponde ao pagamento da segunda prestação de honorários conforme faseamento acordado nos termos da carta do presidente do colégio pericial de 25.04.2023; 5.390,00 €, em 02.01.2024 (data do recibo), corresponde ao pagamento da terceira prestação de honorários.
⮚ Através do despacho de 02.01.2024, o TA ad hoc agendou a apresentação das alegações orais para 15.02.2024.
60 Relativamente a estes pagamentos, a ARSA não enviou ordens/autorizações de pagamentos ou comprovativos de transferências bancárias, pelo que, nos casos em que não existe a emissão de recibo por parte da entidade que emitiu a nota de honorários, não se encontra evidenciado o respetivo pagamento.
61 A fatura estava datada de 27.12.2023 e vencia 15 dias após a respetiva emissão.
⮚ Conforme informação e documentação remetida pela ARSA ao TdC em 03.04.202462, em fevereiro de 202463, a ARSA apresentou alegações escritas no âmbito do processo arbitral;
⮚ Em 21.02.2024, a F… emitiu a fatura n.º 131, no valor de 18.456,46 €64, correspondente a 15,39% do preço total da assessoria jurídica, não tendo, no entanto, sido enviado pela ARSA documento comprovativo do respetivo pagamento.
III. ENQUADRAMENTO LEGAL - RECURSO À ARBITRAGEM ad hoc NO ÂMBITO DO CCP
1. ENQUADRAMENTO
70. A arbitragem consiste numa forma de resolução de litígios alternativa aos tribunais estaduais, com previsão constitucional (artigo 209.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa - CRP
- inclui no elenco de possíveis categorias de tribunais, os tribunais arbitrais65), que pode revestir diversas modalidades, sendo as mais relevantes a arbitragem comercial, a arbitragem administrativa e a arbitragem tributária66.
71. A correta análise impõe que sejam feitas algumas distinções entre tribunais arbitrais e tribunais estaduais e entre a arbitragem comercial e a arbitragem administrativa.
2. TRIBUNAIS ARBITRAIS E TRIBUNAIS ESTADUAIS
72. Os tribunais do Estado são organizados por ele nos termos da lei e são compostos por juízes. Estes estão sujeitos ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, que, de entre outros aspetos, desenvolve princípios como a independência judicial em torno de regras muito estritas, tudo
62 Através do email da mesma data, registado nesta Direção-Geral com o n.º 3190/2024.
63 O documento não se encontra datado, tendo a RBMS dado conhecimento à ARSA das alegações em 02.02.2024.
64 Valor com IVA.
65 A jurisprudência do Tribunal Constitucional sublinha este aspeto (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 230/86, Plenário, Processo nº 178/84, in:
xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx/xx/xxxxxxxx/00000000.xxxx) “embora os tribunais arbitrais não se enquadrem na definição de tribunais enquanto órgãos de soberania (artigo 205º), nem por isso podem deixar de ser qualificados como tribunais para outros efeitos constitucionais, visto serem constitucionalmente definidos como tais e estarem constitucionalmente previstos como categoria autónoma de tribunais (haverá, portanto, outros tribunais, para além dos que podem ser qualificados como órgãos de soberania)”.
66 Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01). Sobre ela, ver Xxxxx Xxxxx xx Xxxxx, Algumas notas sobre o regime da arbitragem tributária, in: A arbitragem administrativa e tributária (coord. Xxxxxx Xxxxxxx X. Fonseca),
Coimbra: Almedina, 2012, pp. 115, ss.
visando assegurar a imparcialidade e isenção67 daqueles, onde se destacam a exclusividade total e a pré-determinação legal do juiz (juiz natural). Existem órgãos superiores de controlo (p. ex., o conselho superior da magistratura, conselho superior dos tribunais administrativos e fiscais, etc.), com poderes, não só, mas também, de caráter disciplinar68.
73. Os tribunais arbitrais têm caráter “contratual na sua origem, privada na sua natureza e jurisdicional na sua função”69. Isto significa que no âmbito lato da LAV o conteúdo da convenção de arbitragem é definido pelas partes, sendo elas a escolher os árbitros. É um exercício de uma função judicial por privados70 e não por juízes71/72. Faltam-lhe, por conseguinte, as garantias orgânicas e estatutárias de imparcialidade e independência dos tribunais do Estado73.
74. Outro aspeto distintivo de grande relevância prende-se com o aludido princípio do juiz natural, que assegura não ser possível que as partes saibam de antemão o juiz ou juízes que irão proceder ao julgamento, nem que o juiz, ou coletivo de juízes, tenham dele conhecimento, uma vez que funcionam as regras do sorteio.
75. Na arbitragem não vigora este princípio. Do coletivo de três árbitros, dois deles são designados por cada uma das partes por escolha sua. Só o terceiro, o árbitro presidente, não é designado pelas partes, mas escolhido pelos árbitros que as partes elegeram. A situação altera-se relativamente ao árbitro presidente, quando seja nomeado pelo presidente do Tribunal da Relação [artigo 10.º, n.º 4, e artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da LAV]. Todavia, tal só sucede em casos excecionais, nomeadamente quando os árbitros de parte não consigam chegar a um consenso quanto ao árbitro presidente.
67 Sobre o ponto, ver X. X. Xxxxx Xxxxxxxxx/Xxxxx Xxxxxxx, Constituição da república portuguesa anotada, 4.ª ed., Coimbra Editora/Wolters Kluwer, Coimbra, 2010 pp. 513, ss.
68 Ver, desenvolvidamente, X. X. Xxxxx Xxxxxxxxx, Direito constitucional e teoria da constituição, 7.ª ed., (22.ª reimpressão) Coimbra: Almedina, 2021, pp. 661, ss..
69 Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Curso de resolução alternativa de litígios, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2023, p. 120. 70 Consiste, verdadeiramente, numa “privatização da ministração da justiça”, como refere X. Xxxxxxx Xxxxxxx, A arbitragem dos litígios entre particulares e a administração pública sobre situações regidas pelo direito administrativo, in: Estudos em memória do Conselheiro Xxxxx Xxxxxxxx, Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 703 - o autor segue na linha de na linha de Voskuhle a que pertence originariamente a expressão, como decorre da ob. cit., p. 703, nota 309). Ou, na expressão Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (Arbitragem administrativa e contratos públicos: dissidentes da boa administração do interesse público, Revista de Direito Administrativo,
xxx-xxxxx, 2018, p. 70), de “um exercício privado de uma função soberana”.
71 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 230/2013, Plenário, Processo n.º 279/2013, in DR, 1.ª série - N.º 89 - 9 de maio de 2013.
72 Por isso, a designação juízes árbitros, ou a qualificação de árbitros como juízes, não é correta em termos normativos (sendo logo a LAV que faz essa distinção, p. ex., o artigo 9.º, n.º 4), constitucionais e dogmáticos. 73 Ver, sobre o ponto, de forma desenvolvida, Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, Notas breves sobre o presente e o futuro
da arbitragem administrativa em Portugal, Revista de direito administrativo, ja/ab., 2020, pp. 75, ss..
76. Desta forma, a escolha de, pelo menos, dois dos árbitros numa arbitragem coletiva cabe às partes; partes essas que atuarão, necessariamente, cada uma delas, no seu interesse próprio e será, naturalmente, a essa luz que cada uma delas irá escolher o “seu” árbitro74.
77. Naturalmente, os árbitros não exercem essa atividade de forma exclusiva - embora possam, e com frequência acontece, alguns árbitros participarem em inúmeras arbitragens - estão “sempre profissionalmente imbricados no tecido económico representativo de interesses, sejam interesses privados, seja o interesse público”75, ao contrário dos juízes que por força de uma exclusividade total estão deles afastados.
78. Este aspeto, a que se junta o facto de a comunidade arbitral em Portugal ser muito reduzida76, coloca à arbitragem - de uma forma que é conatural à sua natureza - problemas acrescidos, em termos, puramente, objetivos, de independência e imparcialidade dos julgadores77.
79. Não há nos tribunais arbitrais, ao contrário do que sucede com os tribunais estaduais, a participação do Ministério Público para defesa da legalidade e dos interesses que lhe estão confiados. O que é especialmente relevante na arbitragem administrativa, dada a natureza dos litígios e dos interesses - públicos - em jogo, o que é decisivo.
80. Decorre do exposto que, embora os tribunais arbitrais desempenhem funções jurisdicionais como os tribunais do Estado não constituem órgãos de soberania78, e, são, quanto à natureza, à organização, aos julgadores (magistrados judiciais/árbitros), à participação do Ministério Público e às garantias objetivas de independência e de imparcialidade, profundamente distintos daqueles, não sendo possível, por isso, dada a profundidade das diferenças em pontos centrais e caracterizadores do exercício da função jurisdicional, uma equiparação das jurisdições79.
74 De facto, como aponta Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxx (A designação dos árbitros. Em defesa do Juiz natural, Revista da ordem dos advogados, Jun/Jul, 2017, p. 794), há sempre um interesse próprio da parte na nomeação do árbitro que lhe compete, uma vez que o ela visará, como é natural, “ganhar o processo.”
75 Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, Notas breves sobre o presente e o futuro da arbitragem administrativa em Portugal, Revista de direito administrativo, jan-ab., 2020, p. 77, nota 4.
76 Cfr. P. Xxxxx Xxxxxxxxx, A designação dos árbitros. Em defesa do Juiz natural, cit., p. 795.
77 Como sublinha Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx (A independência e a imparcialidade dos árbitros como exigência constitucional, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, vol. III, Coimbra: Almedina, 2011, p. 261), na arbitragem o “risco de pressão” “refere-se no essencial às partes e às pessoas a elas ligadas. Para lá disso, o tema da relação dos árbitros com as partes é, também, e antes de mais, um tema de imparcialidade, isto é, de alheamento relativamente aos interesses das partes”.
78 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 230/86, Plenário, processo nº 178/84, cit.
79 A jurisdições são distintas. Um tribunal arbitral com competências administrativas não se transforma num tribunal administrativo, nem um tribunal arbitral com competência em sede contratação comercial se transforma num tribunal cível, porque esse é só o tribunal do Estado. A qualificação de um tribunal arbitral como tribunal administrativo ou tribunal do comércio foca-se nos poderes jurisdicionais. Todavia, deixa de tomar em conta a natureza e as características dos tribunais, o que não se deve fazer, dadas as diferenças fundamentais entre eles, conforme resulta do texto.
81. O Tribunal Constitucional enfatiza este aspeto80: “ainda que os tribunais arbitrais constituam uma categoria de tribunais e exerçam a função jurisdicional, não pode perder-se de vista que essa é uma forma de jurisdição privada (…). O direito fundamental de acesso aos tribunais constitui tendencialmente uma garantia de acesso a tribunais estaduais em resultado da necessária conexão entre esse direito e a reserva de jurisdição”.
82. A reserva da jurisdição, muitas vezes enfatizada pela doutrina e pela jurisprudência, é um sinal inequívoco do lugar diferenciado que ocupam a justiça do Estado e a justiça arbitral na administração da justiça e nos diversos meios composição dos litígios que concorrem na afirmação jurisdicional do direito aplicável.
3. A ARBITRAGEM COMERCIAL E A ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA
83. A arbitragem comercial é profundamente diversa da arbitragem administrativa. Esta forma de resolução de litígios desenvolveu-se no âmbito da atividade mercantil, sendo mesmo considerada parte integrante da lei mercatória no comércio internacional81. O que explica a atual LAV se ter inspirado na lei modelo da UNCITRAL (United Nations Commission On International Trade Law) para a arbitragem comercial (UNCITRAL Model Law on International Commercial Arbitration (1985), with amendments as adopted in 200682)83/84.
84. Daí se segue que a LAV tem subjacente esta modalidade de resolução de litígios e as suas diversas disposições foram determinadas pelas suas especificidades e pelos interesses do comércio (nomeadamente, no amplo poder dos privados na gestão dos seus interesses e o caráter confidencial, ligado ao próprio sigilo dos negócios, a renúncia ao recurso para assegurar a estabilidade do acórdão).
80 Acórdão n.º 230/2013, Plenário, cit.
81 Cfr. Xxxx xx Xxxx Xxxxxxxx, Direito comercial internacional, Coimbra: Almedina, 2005, p. 344. Fala-se mesmo da arbitragem comercial internacional como um dos elementos constitutivos da chamada lex mercatória, integrada pelos “usos e costumes do comércio internacional, de usos práticas negociais (…) que é aplicado por tribunais arbitrais constituídos pelos sujeitos do comércio internacional (…). Um direito feito por comerciantes e por eles aplicado”, X. Xxxxxxxx xx Xxxxx, Curso de direito comercial, vol. I, 10.ª ed., Coimbra: Almedina, 2016, p. 40.
82 UNCITRAL Model Law on International Commercial Arbitration (1985), with amendments as adopted in 2006 | United Nations Commission on International Trade Law.
83 Ver: Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Comentário ao artigo 1.º da Lei n.º 63/2011, de 14/12 (que aprova a LAV) in AAVV, Lei da arbitragem voluntária anotada (coord. Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx), 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2019,
p. 20; Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, O princípio da igualdade e a pluralidade de partes na arbitragem, Coimbra: Almedina, 2017, p. 203.
84 J. Xxxxxxx Xxxxxxx, A arbitragem dos litígios entre particulares e a administração pública sobre situações regidas pelo direito administrativo, cit., p. 705.
85. Ela é, como se começou por referir, totalmente distinta da arbitragem administrativa85. Naquela estamos perante direitos privados disponíveis e os interesses em jogo são essencialmente os das partes. Tal como as pessoas, singulares ou coletivas, no âmbito da liberdade contratual, manifestação do princípio da autonomia privada, podem celebrar contratos, determinar o seu conteúdo, alterá-los ou fazê-los cessar por acordo, podem elas igualmente decidir, inicial ou subsequentemente, submeter litígios, atuais ou eventuais, à arbitragem em condições que elas próprias, com os limites decorrentes da LAV, definam. O que explica a sua admissão e difusão em termos quase universais.
86. Os litígios arbitráveis em sede administrativa têm um caráter muito diferente. Estamos no âmbito do direito público, vigorando os seus princípios constitucionais e infraconstitucionais, maxime da legalidade, imparcialidade e transparência. Os interesses afetados são públicos e refletem-se nela, em particular no âmbito financeiro.
87. A sua admissão é escolha de cada ordenamento jurídico, não sendo aceite em termos gerais em diversos Estados da União Europeia com sistemas jurídicos próximos dos nossos (v.g. Espanha, França)86. O que significa, como sublinha Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, que entre nós se optou “de modo original e vanguardista, numa perspetiva de direito comparado, por trilhar um caminho diferente”.
88. A natureza dos litígios, dos interesses subjacentes e das regras e princípios que se lhes aplicam (direito comercial/direito administrativo) explicam a diversidade de regimes. Explicam igualmente que nem todas as regras da LAV se possam aplicar à arbitragem administrativa. Com efeito, como se referiu, elas estão moldadas sobre os interesses da arbitragem comercial, por sua vez assentes nos interesses da vida mercantil, nomeadamente a necessidade de confidencialidade, para o conhecimento do litígio e sua decisão ficarem confinada às partes, sem o conhecimento dos outros intervenientes no mercado e a sua estabilização, sem possibilidade, como regra, do recurso do acórdão arbitral.
85 Sublinhado a “profunda diferença” entre as modalidades de arbitragem, devido à “posição em que as entidades administrativas estão colocadas perante o direito, no âmbito dos poderes que este lhe confere, daquela em que as entidades privadas estão colocadas nas suas relações de direito privado”, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx, Arbitragem de direito administrativo: reflexão geral, in: A arbitragem administrativa em debate: problemas gerais e arbitragem no âmbito do código dos contratos públicos (coord. Xxxxx Xxxxx Xxxxx/Xxxxxxx Xxxxx), 2.ª ed., AAFDUL, Lisboa, 2023, p. 16.
86 Cfr. M. Xxxxx xx Xxxxxxx, Arbitragem de direito administrativo: reflexão geral, cit., p. 18). Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx (Notas breves sobre o presente e o futuro da arbitragem administrativa em Portugal, cit., p. 75) numa comparação entre o regime português e aqueles de outros ordenamentos concluiu que “um olhar breve sobre os sistemas comparados nos transmite a tranquilidade de que é entre nós que o "mundo está ao contrário".
4. A ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA EM ESPECIAL
89. O regime geral87 da arbitragem administrativa88 resulta dos artigos 180.º e segs do CPTA89 (Título VIII - Tribunais arbitrais e centros de arbitragem), que remete no seu artigo 181.º, n.º 1 (significativamente alterado nesta matéria pela Lei n.º 118/2019, de 17.09), a constituição e funcionamento do Tribunal para a LAV, “com as devidas adaptações.” Por sua vez, o artigo 1.º, n.º 5, da LAV de 2011, dispõe que o “O Estado e outras pessoas coletivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, na medida em que para tanto estejam autorizados por lei ou se tais convenções tiverem por objeto litígios de direito privado.”
90. A lei consagra, fruto da revisão do CCP de 2017, um regime próprio para os litígios emergente de procedimentos ou contratos a que se aplique aquele diploma, decorrente do artigo 476.º do CCP (norma aditada pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31.08, e mantida inalterado nas revisões de 2021 e 2022).
91. A disciplina aí fixada tem uma enorme importância, porque regula com detalhe a arbitragem na contratação pública, prevalecendo, sempre que for o caso, como lei especial, sobre outras disposições dos regimes gerais.
92. Assim, o regime geral da arbitragem administrativa decorre dos artigos 180.º e segs do CPTA (Título VIII Tribunais arbitrais e centros de arbitragem), dos princípios constitucionais e infraconstitucionais que enformam o direito público, nomeadamente, a legalidade, imparcialidade e transparência e, por fim, da LAV, salvo, sempre, se existir uma lei especial que regule no âmbito mais restrito esta matéria, como sucede, conforme se acabou de apontar, no âmbito da contratação pública.
93. As normas da LAV aplicam-se somente no âmbito da remissão do artigo 181.º, n.º 1, da CPTA (que só abrange a constituição e o funcionamento do tribunal arbitral, não se estendendo a outros aspetos de regime, salvo o disposto no artigo 185.º-A CPTA90) e cedem sempre perante os regimes
87 Há um conjunto de diplomas que regulam modalidades de arbitragem administrativa em certos setores do ordenamento. Não são aqui analisados.
88 Sobre a sua evolução, ver Xxxxxxx Xxxxx, Arbitragem administrativa urgente: contencioso pré-contratual arbitral, Revista de Direito Administrativo, n.º 23, 2020, pp. 59, ss.
89 CPTA. Recentemente, profundamente alterado pela Lei n.º 118/2019, de 17.09. Sobre estas alterações, ver Xxxxxxx Xxxxx, Arbitragem administrativa urgente: contencioso Pré- contratual arbitral, cit., pp. 62, ss. Especificamente sobre os meios de impugnação das decisões arbitrais em matéria administrativa, ver Xxxxx Xxxxx Xxxxx, Os meios de reação contra decisões arbitrais em matéria administrativa daí decorrentes - breves comentários ao regime jurídico vigente, in: A arbitragem administrativa em debate: problemas gerais e arbitragem no âmbito do código dos contratos públicos (coord. Xxxxx Xxxxx Xxxxx/Xxxxxxx Xxxxx), 2.ª ed., AAFDUL, Lisboa, 2023, pp. 229, ss.
90 Diz a lei: “O tribunal arbitral é constituído e funciona nos termos da lei sobre arbitragem voluntária, “com
as devidas adaptações”. Ou seja, a remissão deste artigo não é para a totalidade do regime da LAV, mas só
normativos especiais, assim como princípios impostergáveis de direito público. Como a lei bem ressalva, a aplicação da LAV (artigo 181.º, n.º 1, do CPTA), no âmbito da remissão legal, faz-se com as devidas adaptações91, donde decorre necessariamente o afastamento daquelas normas que estejam em contradição com normas ou princípios desse ramo do Direito.
5. A ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA E O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA
94. Na arbitragem administrativa, estando em jogo interesses de toda a comunidade, aplicam-se, necessariamente, como se tem vindo a referir, os princípios de direito público, com destaque para o princípio da transparência, assegurando o seu escrutínio pelos cidadãos em geral e a comunidade jurídica em particular. Como enfatiza Xxxxxxx Xxxxxxx, no “Direito Público, impera um princípio básico de transparência, avesso ao segredo na condução das coisas públicas.” 92
95. Daqui decorrem, como suas concretizações, os deveres de publicitação do início do procedimento, do caráter público das audiências, em termos idênticos aos que vigoram para os tribunais administrativos, e da publicidade das suas decisões.
96. A publicidade obrigatória das decisões arbitrais foi consagrada em 2015, e sua regulação decorre, desde a reforma de 2019, do artigo 185.º-B do CPTA93/94. Elas, logo que transitadas em julgado, devem ser publicitadas e obrigatoriamente publicadas por via informática, em base de dados organizada pelo Ministério da Justiça (xxxxxx000.º-B, n.º 1, do CPTA).
para as normas relativas à constituição e funcionamento do tribunal arbitral, normas essas que se devem aplicar “com as devidas adaptações”, o que significa que, conforme se destaca em texto, que haverá sempre necessidade de se verificar a compatibilidade de cada uma dessas normas com os princípios, regimes e interesses específicos de direito público.
91 Enfatizando este ponto, Xxxxx Xxxxx Xxxxx, Algumas considerações sobre a arbitrabilidade de litígios respeitante à validade de actos administrativos (à luz do regime resultante do CPTA), cit., pp. 281, ss..
92 J. Xxxxxxx Xxxxxxx, A arbitragem dos litígios entre particulares e a administração pública sobre situações regidas pelo direito administrativo, cit., p. 718.
93 Na redação decorrente da Lei n.º 118/2019, de 17/7.
94 A Portaria n.º 165/2020, de 07.07, regulamentou o regime de depósito das decisões arbitrais em matéria administrativa e tributária.
97. Antes do seu depósito junto do Ministério da Justiça para publicação informática (expurgadas de quaisquer elementos suscetíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem respeito)95, não podem ser executadas (artigo 185.º-B, n.º 1, do CPTA)96.
98. Como se disse, a norma regula a publicidade das decisões arbitrais. Contudo, conforme se destacou igualmente, esse dever retirava-se já do princípio da transparência. O artigo 30.º, n.º 6, da LAV não é aplicável ao processo arbitral administrativo, justamente por contender com princípios jurídicos travejantes do ordenamento público com fonte constitucional97.
99. A sua ratio está, como se disse, ligada ao sigilo (com a limitação do conhecimento do litígio às partes), caraterizante das relações comerciais, mas que está no polo oposto ao princípio da transparência do direito público. Aplicando-se o regime da LAV com as devidas adaptações, essa norma seria sempre inaplicável ao processo arbitral administrativo.
Por isso, se aplica às decisões arbitrais transitadas em julgado antes do início da vigência do artigo 185.º-B do CPTA: também elas estão sujeitas ao princípio da transparência e devem estar acessíveis, bem como os processos, nos mesmo termos em que o estão os dos tribunais do Estado. O que significa que os entes públicos partes desses processos devem disponibilizá-los.
100. Não existe norma que regule a publicidade do início do processo, assim como o caráter público das audiências (princípio com expressa previsão constitucional - artigo 206.º da CRP). Todavia, esses deveres são concretizações do princípio da transparência e devem ser cumpridos. Como referem Xxxxx Xxxxxxxxx e Vital Moreira98, “a publicidade das audiências dos tribunais (de todos
95 A questão é saber se a anonimização se refere só às pessoas singulares, ou igualmente às pessoas coletivas. Sublinhando que a “exigência de anonimização de decisões arbitrais administrativas e tributárias, se compreendida como requerendo a anonimização de dados de pessoas coletivas (quando estas sejam partes do processo), constitui uma restrição desproporcional ao direito ao arquivo aberto, porquanto vai além do que é necessário para salvaguardar os direitos e interesses de autodeterminação informativa das pessoas singulares, obstando a um verdadeiro controlo público das decisões arbitrais”, a Agenda da Reforma da Justiça (coord. geral Xxxx Xxxxxx, coord. temática, Xxxx Xxxxxx Xxxxx, Xxx xx Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxx) Coimbra: Almedina, 2022, pp. 96-97.
96 Medida que, como corretamente aponta Xxxxx Xxxxx Xxxxx (Algumas considerações sobre a arbitrabilidade de litígios respeitante à validade de actos administrativos (à luz do regime resultante do CPTA) cit., p. 245, nota 23), é ainda “claramente insuficiente para permitir um adequado escrutínio da atividade arbitral.”
97 Sublinhado que a necessária publicidade das decisões judiciais, X. X. Xxxxx Xxxxxxxxx/Xxxxx Xxxxxxx, Constituição da república portuguesa anotada, cit., p. 533: “pela mesma razão, carecem de publicidade não apenas as audiências dos tribunais, mas também as decisões judiciais; não estando a publicidade destas explicitamente garantida na constituição ela decorre, porém, diretamente do mencionado princípio do Estado de direito democrático (cfr. DUDH, artigo 10.º; CDEH artigo 6.º, n.º 1)”.
98 X. X. Xxxxx Xxxxxxxxx/Xxxxx Xxxxxxx, Constituição da república portuguesa anotada, cit., p. 533. Sublinhando,
corretamente, a necessidade de publicidade de não só das decisões, mas também do processo e da audiência, M. Xxxxx xx Xxxxxxx, Manual de processo administrativo, cit., p. 559. A verdade, porém, é que elas decorrem já diretamente de preceitos constitucionais apontados em texto.
eles independentemente da sua natureza) é seguramente uma exigência do próprio conceito de Estado de direito democrático (artigo 2.º)”.
101. Reitera-se que no âmbito do direito público o regime de publicidade tem necessariamente que ser o mesmo entre os tribunais do Estado e os tribunais arbitrais. Os interesses da comunidade não podem ser judicialmente decididos - para mais por privados - sem que essa mesma comunidade possa escrutinar essas decisões que terão reflexos diretos sobre ela.
102. Semelhante princípio, se não existissem outros, retirar-se-ia mesmo do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP).
103. Podendo os árbitros ser advogados, deve afastar-se qualquer ligação ente uma atividade e outra, devendo a entidade pública assegurar a separação clara das atividades em termos externos, por força do princípio da transparência e da necessidade se assegurar que do ponto de vista da perceção pública uma atividade não se confunda com a outra quando os interesses envolvidos são também públicos (em especial, porque a justiça arbitral, ao contrário da justiça estadual, não é feita aos “olhos de todos”).
104. Por esse motivo, não deverá a entidade pública aceitar a domiciliação de uma arbitragem administrativa nas instalações de um escritório de advogados nem a realização de audiências de julgamento também num escritório de advogados. A separação ente uma atividade e outra, e a perceção pública dessa separação, deve ser completa.
6. CARACTERÍSTICAS DA ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA E SUA CONSTITUCIONALIDADE
105. Como se começou por apontar logo na distinção formulada em termos gerais entre tribunais do Estado e tribunais arbitrais, estes têm um conjunto de características que os afastam profundamente daqueles. Também se expuseram já os princípios, as regras e os interesses que separam a arbitragem administrativa da arbitragem comercial; nesta, volte a ressaltar-se, os interesses são meramente privados, enquanto, pelo contrário, na arbitragem administrativa estão envolvidos interesses públicos99.
106. Passa-se, de seguida, a caracterizar os tribunais arbitrais com competência administrativa, que, obviamente, são os únicos que interessam à jurisdição financeira. Para o efeito, é preciso expor
99 A própria possibilidade de recurso à arbitragem nesta sede não é pacífica. Refere o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 230/2013, Plenário, Processo n.º 279/2013, Plenário, in DR, 1.ª série - N.º 89 - 9 de maio de 2013): “A especificidade do direito público e a vinculação da atuação administrativa ao princípio da juridicidade e à realização do interesse público torna, no entanto, desde logo, discutível que a resolução de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas fique sujeita a mecanismos de jurisdição arbitral por não estar aí em causa uma autonomia de vontade e um poder de disposição sobre o objeto do pleito”.
e ligar todos os aspetos de regime que permitam na sua articulação e determinar a sua disciplina global, e as consequências daí resultantes.
107. Nos tribunais arbitrais a escolha de um dos árbitros cabe a cada uma das partes, que agem sempre no seu interesse, e só um terceiro é escolhido por eles. O regime dos impedimentos dos árbitros no âmbito administrativo (artigo 181.º, n.º 4, do CPTA) decorre do artigo 8.º do Decreto- Lei n.º 10/2011, de 20.01 (que regula o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária), com as necessárias adaptações. Da mesma forma, os árbitros estão sujeitos aos deveres que decorrem do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01, em matéria tributária, nos termos do qual os árbitros estão “sujeitos aos princípios da imparcialidade e da independência, bem como ao dever de sigilo fiscal nos mesmos termos em que este é imposto aos dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária.”
108. Contudo, enquanto no regime da arbitragem tributária institucionalizada cabe a um órgão do centro verificar o cumprimento das regras relativas aos impedimentos (artigo 8.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01) e na arbitragem administrativa institucionalizada haverá, ou deveria haver, um órgão semelhante, na arbitragem ad hoc não há qualquer controlo externo. E não existe também a possibilidade de um controlo externo100 da independência e da imparcialidade dos árbitros101/102.
109. O Ministério Público não tem as amplas competências que lhe cabem na jurisdição administrativa, nomeadamente, “pronunciar-se sobre o mérito da causa, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º” (artigo 85.º, n.º 2, do CPTA) e de recurso se “a decisão tiver sido proferida com violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais” (artigo 141.º, n.º 1, do CPTA)103.
100 Sem ser só pelas partes nos termos dos artigos 13 e 14.º da LAV, no âmbito de um processo de recusa de árbitro.
101 Dados os potenciais conflitos de interesses. Refere Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, A independência e a imparcialidade dos árbitros como exigência constitucional, cit., p. 278): “O problema com os árbitros é que “andam no mundo” e podem ter interesses muito diversificados, para além da prática como árbitros. Terão clientes, colegas da sociedade de advogados e isso gera uma teia de interesses relacionados…”.
102 Sustenta M. Xxxxx xx Xxxxxxx (Manual de processo administrativo, cit., p. 559), a necessidade no âmbito de centros de arbitragem na área administrativa, a serem certificados pelo Estado, se estabelecer exigência
rigorosa da regulação do “estatuto dos árbitros”. E que a garantia de preenchimento deste, assim como de outros tipos de exigências aos centros, “pressupor, entretanto, a instituição de mecanismos de acompanhamento e controlo permanente desta dimensão do funcionamento dos centros, a cargo de uma estrutura reguladora independente do governo”.
103 Este aspeto constitui elemento de grande relevo na distinção entre os tribunais administrativos estaduais e os tribunais arbitrais de âmbito administrativos; nestes últimos, não há participação do Ministério Público, quando ele assume um papel muito relevante nos primeiros (cfr. artigo 9.º, n.º 2, artigo 62.º, artigo 85.º e
110. Só nos casos limitados previstos no artigo 181.º, n.º 2, do CPTA, isto é, se o tribunal arbitral recusar a “aplicação de uma norma, por inconstitucionalidade ou ilegalidade, constante de convenção internacional, ato legislativo ou decreto regulamentar” deve o tribunal notificar “o representante do Ministério Público no tribunal administrativo de círculo da sede da entidade pública, para efeitos do recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro”. Mas isto, só, em sede de recurso e em casos de particular gravidade.
111. As audiências não são públicas, o processo não é público (o que viola, como já se referiu no número anterior, o artigo 206.º da CRP) e só recentemente se impôs a exigência de publicidade do acórdão. Ora não é possível escrutinar a arbitragem com o mero acesso ao acórdão sem se conhecer todo o processo. E o Estado pode – e tem sido – condenado a indemnizações pecuniárias muito elevadas104.
112. Deste regime decorrem necessariamente duas consequências legais:
i) Primeiro, sendo a jurisdição arbitral uma verdadeira jurisdição, o processo arbitral, como bem sublinha Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, “tem, por imperativo constitucional que ser equitativo [artigo 20.º, n.º 4, da CRP] o que por si implica que os árbitros tenham de considerar sujeitos às imposições independência e de imparcialidade”105. Ora, a ausência de regras externas, com possibilidade de um efetivo controlo externo106, que assegurem, em termos objetivos, a independência a e imparcialidade dos árbitros, associado à inexistência do princípio do juiz natural, que tem um papel central neste quadro107, poderá colocar em causa o princípio do
artigo 141.º CPTA). Ver, de forma crítica, Xxxxx Xxxxx Xxxxx (Algumas considerações sobre a arbitrabilidade de litígios respeitante à validade de actos administrativos (à luz do regime resultante do CPTA), cit., pp. 270, ss.
104 Ver, p. ex., o caso relatado no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15.03.2018, processo 82/17.6BCLSB (in: xxxx://xxx.xxxx.xx/xxxx.xxx/-/00X0000XX00X000X0000000000000000), em que o Estado foi condenado a pagar “uma compensação monetária faseada, por conta da não construção e não entrada em serviço do Lanço IC2, sendo 42 milhões de Euros relativamente a 31.12.2011 e a data da decisão arbitral e um total de cerca de 94 milhões de euros até maio de 2026.” Ver, ainda, a condenação do Estado a pagar 147 milhões de euros no âmbito do contrato de concessão do troço Poceirão-Caia relativo ao comboio de alta velocidade (TGV). Ver infra sobre ele.
105 Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, A independência e a imparcialidade dos árbitros como exigência constitucional, cit., p. 269.
106 Ver, mais uma vez, as considerações de M. Xxxxx xx Xxxxxxx, Manual de processo administrativo, cit., pp. 588, ss, p. 559 (onde se refere, como já se assinalou, a “uma estrutura reguladora independente do governo”). 107 P. Xxxxx Xxxxxxxxx (A designação dos árbitros. Em defesa do Juiz natural, cit., p. 794) sustenta a aplicação do princípio do juiz natural, por força do art. 20.º, n.º 4 CRP, mesmo à arbitragem comercial, com argumentos aplicáveis por maioria de razão à arbitragem administrativa, em que estão em jogo relevantes
interesses financeiros públicos. Escreve o Autor: “por imposição constitucional (…), o processo arbitral tem de ser equitativo. Ora, tal desiderato, assim o julgo, apenas se alcançará plenamente com a consagração do árbitro natural, i. e, de um árbitro cuja designação seja cega ou aleatória (como sucede, p. ex., com os magistrados judiciais)”. Acrescenta: “com efeito, a possibilidade de escolha dos árbitros cria ou, pelo menos, potencia, relações de proximidade ou até de alguma cumplicidade, sobretudo entre aqueles que mais se dedicam à arbitragem” (ob. cit., pp. 794-795).
processo equitativo constitucionalmente garantido (artigo 20.º, n.º 4, da CRP108) nestes tribunais109.
ii) Em segundo lugar, no caso dos tribunais ad hoc a ausência de qualquer tipo de publicidade das audiências, das condições em que foram realizadas e do processo em si, configura, o que se poderia designar um tribunal secreto para a decisão de relevantes interesses financeiros públicos, em violação do artigo 206.º da CRP e, mesmo, do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP)110. A situação é agravada se forem constituídos justamente para se dirimirem os litígios de natureza administrativa de maior valor e, portanto, de maior impacto nas finanças públicas, o que vale dizer, na comunidade.
113. Dito de outra forma, sendo os tribunais arbitrais verdadeiros tribunais por força da sua consagração constitucional (artigo 209.º, n.º 3, da CRP), eles têm que respeitar todos os princípios constitucionais (artigo 20.º, n.º 4, da CRP, artigo 206.º da CRP e, mais em geral, o artigo 2.º da CRP) exigidos para uma jurisdição - seja ela qual for.
7. ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA, TRIBUNAIS SUPERIORES DO ESTADO E JURISDIÇÃO FINANCEIRA
114. Uma decisão arbitral não pode afastar uma decisão de um tribunal superior do Estado (Supremo Tribunal Administrativo ou TdC), sob pena de inconstitucionalidade e de ilegalidade. A arbitragem está sempre subordinada aos tribunais superiores do Estado, sendo o tribunal arbitral, que é sempre de constituição eventual, uma primeira instância.
115. Não consiste numa jurisdição paralela independente que se possa sobrepor à do Estado. Um tribunal arbitral não pode, por isso, sob pena de clara ilegalidade e inconstitucionalidade, reapreciar uma questão objeto de decisão transitada em julgado de um tribunal superior do Estado.
108 Sobre ele, desenvolvidamente, ver (o já citado artigo de) Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, A independência e a imparcialidade dos árbitros como exigência constitucional, cit., pp. 251, ss. Esta norma, como informa o autor, foi introduzido na revisão constitucional de 1997 e a sua inspiração foi o artigo 6.º da Convenção europeia dos direitos do homem (ob. cit., p. 258).
109 Sublinhado que o legislador deverá “garantir que as principais características associadas ao exercício da função judicial pelos tribunais estaduais se verificam também nas arbitragens administrativas”, onde se inclui a existência de “mecanismos que assegurem a independência e imparcialidade dos tribunais arbitrais, dado que aqueles dois valores são inerentes ao exercício da função jurisdicional ”, Xxxxx Xxxxx Xxxxx, Algumas considerações sobre a arbitrabilidade de litígios respeitante à validade de actos administrativos (à luz do regime resultante do CPTA), cit., p. 255.
110 Sobre ele, ver, desenvolvidamente, X. X. Xxxxx Xxxxxxxxx, Direito constitucional e teoria da constituição, cit., pp. 255, ss..
116. No que diz especificamente respeito à jurisdição financeira111, um tribunal arbitral não pode interferir na área de competências constitucionais do TdC, neutralizando os seus atos jurisdicionais de recusa de visto por esta via. Ora, como refere a doutrina112, um tribunal arbitral ad hoc113 “desconsiderou em absoluto a decisão do TdC relativa à ilegalidade (por violação da legalidade financeira) da cláusula contatual que estabelecia o âmbito dos danos indemnizáveis ao Concessionário, acabando por, contra o decidido pelo TdC em matéria financeira, aplicar essa disposição na fixação da sobredita indemnização”.
Daí resultou a condenação do Estado ao pagamento de 147 milhões de euros.
117. Como é evidente, nenhum tribunal pode reapreciar uma questão já decidida em termos definitivos pelo TdC, no âmbito das suas competências legais e constitucionais. Nesse caso, simplesmente - para dizer o óbvio -, mantém-se a decisão do tribunal superior.
118. Como decorre de forma clara do artigo 8.º, n.º 1, da LOPTC, as “decisões jurisdicionais do TdC são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas.” O seu incumprimento, por qualquer “entidade pública ou privada”, gera, nomeadamente, responsabilidade financeira de quem execute.
119. O TdC, como jurisdição suprema, decide de forma final e definitiva nas matérias que lhe estão atribuídas pela Constituição e pela lei. O contrário seria uma intromissão na sua esfera de competências constitucionais.
120. No caso desta condenação arbitral, trata-se, como referem L. Xxxxx Xxxxxxx/P. Xxxxxxx Xxxxxxx, de uma “uma verdadeira infração às normas constitucionais - e legais da repartição do poder judicial”114/115. E no limite por esta via a neutralização - ilegal e inconstitucional - da jurisdição financeira.
111 Note-se que as cláusulas arbitrais estão sujeitas a fiscalização prévia, sempre que os contratos onde que se incluam também os estejam. Por outro lado, o recurso à constituição de um tribunal arbitral por via de cláusula compromissória, que gere um agravamento dos encargos para o ente público com o contrato (artigo 46.º, n.º 1, alínea d)111 e alínea e)111 da Lei Orgânica e Processo do Tribunal de Contas - LOPTC) decorrente da alteração do foro no valor relativo aos custos da arbitragem, está sujeito a controlo em sede de fiscalização prévia pelo TdC. Para além disso, sempre que seja o caso, estão igualmente sujeitos à fiscalização concomitante e sucessiva do Tribunal.
112 Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx/Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Reflexões sobre a jurisdição do Tribunal de Contas, in: A
importância do Tribunal de Contas na defesa do Estado de Direito (coord. Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx/Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx), Coimbra: Almedina, 2021, p. 127.
113 Trata-se da recusa de visto prévio ao contrato de concessão do troço Poceirão-Caia relativo ao comboio de alta velocidade (TGV).
114 L. Xxxxx Xxxxxxx/P. Xxxxxx Xxxxxxx, Reflexões sobre a jurisdição do tribunal de contas, cit., p. 127, p. 140.
115 L. Xxxxx Xxxxxxx/P. Xxxxxx Xxxxxxx, A jurisdição financeira. A fiscalização da legalidade das despesas públicas pelo Tribunal de Contas, Boletim de Ciências Económicas, vol. LXXX, 2020, pp. 145-146. Referem os Autores (pp. 145-146): “Por isso, o caso é (além de distinto) mais grave que o da repetição de julgados; é um
121. A solução, como se diz, é clara (óbvia, mesmo). Contudo, é um facto muito perturbador que uma jurisdição arbitral administrativa (sem que o processo e o acórdão tenham tido sequer publicidade, e sem a possibilidade de recurso do acórdão para um tribunal do Estado) tenha invadido as competências constitucionais de um tribunal superior do Estado, condenando o Estado, contra o decidido pelo TdC, em 147 milhões de euros.
8. A COMPETÊNCIA E OS LIMITES PARA A ACEITAÇÃO DE UM COMPROMISSO ARBITRAL
122. A competência para a outorga do compromisso arbitral é do membro do Governo responsável em razão da matéria, que, no prazo de 30 dias, contado desde a apresentação do requerimento do interessado, o poderá fazer, ou não. Nas demais pessoas coletivas de direito público, a competência prevista no número anterior pertence ao presidente do respetivo órgão dirigente e nas Regiões Autónomas e nas autarquias locais é, respetivamente, do governo regional e do órgão autárquico que desempenha funções executivas (artigo 184.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPTA).
123. Dizemos que o ente público não tem de aceitar a proposta de compromisso arbitral por parte de um interessado, e muito menos há um direito potestativo a esse compromisso116. O contrário não decorre do artigo 182.º do CPTA, onde se lê: “O interessado que pretenda recorrer à arbitragem no âmbito dos litígios previstos no artigo 180.º pode exigir da Administração a celebração de compromisso arbitral, nos casos e termos previstos na lei.”117
124. Contudo, a lei não veio - até ao momento - definir os casos e os termos em que o interessado pode exercer o seu direito, não sendo, desta forma, enquanto tal não vier a suceder, aplicável. Como referem, corretamente, M. Xxxxx xx Xxxxxxx/Xxxxxxxxx Xxxxxxx “a eficácia do preceito está condicionada à aprovação de lei específica sobre a matéria.”118/119
problema de verdadeira infração às normas constitucionais - e legais - de repartição do poder jurisdicional: ao invadir matéria reservada à jurisdição financeira, o Tribunal que julgue a mesma questão decidida pelo Tribunal de Contas dentro da sua jurisdição decidiria sobre matéria na qual lhe falta competência jurisdicional originária.” (itálico no original).
116 Cfr. Xxxx Xxxxxxx, A arbitragem na nova justiça administrativa, Cadernos de justiça administrativa, n.º 34, 2002, p. 66; Xxxxxx Xxxxxxx, Arbitragem “necessária”, “obrigatória”, “forçada”: breve nótula sobre a interpretação do art. 182.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, in: Estudos em homenagem a Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, vol. II, Coimbra: Almedina, 2012, p. 260.
117 O inciso foi introduzido na redação resultante da revisão de 2015, tornado claro este ponto. Cfr. M. Xxxxx xx Xxxxxxx/Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx, Comentário ao Código de processo nos tribunais administrativos, 7.ª ed., Coimbra: Almedina, 2017, p. 1326.
118 M. Xxxxx xx Xxxxxxx/Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx, Comentário ao Código de processo nos tribunais administrativos, cit., p. 1326; Xxxx Xxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxx, A justiça administrativa, 19.ª ed., Coimbra: Almedina, 2021, p. 82. Nesse sentido já, comentando o anteprojeto de 2015, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, A arbitragem no projeto de revisão do CPTA, Julgar, 26, maio-agosto, 2015, pp. 118-119.
119 Também M. Xxxxx xx Xxxxxxx, Manual de processo administrativo, 6.ª ed., Coimbra: Almedina, 2022, pp. 553-554.
125. Note-se que, mesmo que o direito existisse e fosse exercido, daí não resultaria uma situação jurídica determinada quanto ao conteúdo do compromisso arbitral. Nem determinável, por ausência de critérios para esse efeito. Xxxxxxx, quando muito, um dever de negociação, mas não de se definir o conteúdo do acordo. Nomeadamente, saber se a arbitragem seria singular, ou plural, modo de indicação dos árbitros, critério de escolha do árbitro presidente, regras processuais, prazos, honorários, custas, etc.
126. O ente público não teria, seguramente, que concordar com a proposta da outra parte quanto ao conteúdo do acordo. Tanto mais que a sua atuação deve fazer-se nos termos dos princípios gerais que conformam a atuação administrativa e o direito financeiro público.
127. Não poderia, assim, um tribunal vir substituir-se às partes e determinar o conteúdo do acordo. Só o poderia fazer se se admitisse a execução específica, mas para o efeito seria necessário que conteúdo do compromisso estivesse completamente determinado, decorrendo essa determinação de um negócio ou ato prévio que o concretizasse. Não pode o tribunal determinar os termos do compromisso arbitral, nem ultrapassar as regras de direito financeiro público (que pertencem a uma jurisdição diferente).
128. Haveria ainda que ter em conta que há um dispêndio de recursos públicos que obedece às regras de realização da despesa decorrentes do direito financeiro público (orçamentação, cabimentação, existência de fundos disponíveis - artigo 52.º, n.º 3, da LEO, e artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 8/2012, de 21.01120/121/122, uma vez que a arbitragem terá, com grande frequência, custos mais, ou mesmo muito mais, elevados do que o recurso aos tribunais do Estado. Sem elas estarem preenchidas, o ente público não poderia aceitar o recurso à arbitragem, mesmo que esse direito existisse, o que não é, como se referiu, o caso.
129. O contrário seria a atribuição a um particular do direito potestativo de criar despesa no seu interesse e à revelia das regras da sua utilização decorrentes do direito financeiro público.
120 Que estabelece as regras aplicáveis à assunção de compromissos e aos pagamentos em atraso das entidades públicas - LCPA.
121 Fazendo referência a estes aspetos, Xxxx Xxxxxxx, A arbitragem nos litígios entre a administração pública e os particulares, Cadernos de justiça administrativa, n.º 18, 1999, p. 6.
122 São as seguintes: a despesa deve ter sua inscrição orçamental no programa e no serviço ou na entidade. Existindo, importa depois ter cabimento (artigo 52.º, n.º 3, alínea b), da LEO), o que significa que essa verba deverá ter cobertura numa específica dotação orçamental e no limite previsto nessa dotação. Havendo cabimento, é anda necessário que haja fundos disponíveis, para satisfazer a obrigação cujo objeto é a despesa pública. Na verdade, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, da LCPA, qualquer compromisso só pode ser assumido se houver fundos disponíveis, fundos esses definidos na alínea f) do artigo 3.º da LCPA (artigo 5.º, n.º 1, da LCPA) e deve conter e um número de compromisso válido e sequencial (artigo 9.º, n.º 2, da LCPA). Ver o Acórdão do TdC n.º 18/2019 - 1.ª S/SS, de 18.06.2019 e, na doutrina, Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, Direito da despesa pública, Coimbra: Almedina, 2019, pp. 193, ss.
130. Refira-se, adicionalmente, que um direito nesses termos suscitaria sérias dúvidas de constitucionalidade. Isto, porque a arbitragem deixaria de ser voluntária e passaria a forçada, agora para o Estado. Que deixaria (o próprio Estado) de poder recorrer à jurisdição estadual em litígios de direito administrativo.
131. O que significa que um particular poderia impor ao Estado o recurso a uma solução de litígios, por privados, em tribunais que quanto à natureza, organização, julgadores (magistrados judiciais/árbitros), ausência do Ministério Público na defesa de interesses que lhe estão confiados e garantias objetivas de independência e imparcialidade de quem julga, bem como ausência de publicidade (em violação de diversas normas constitucionais, no caso dos tribunais ad hoc), são muito diferentes dos tribunais do Estado.
132. No limite, poderiam os tribunais do Estado passar a ter um relevo residual, privatizando-se (e, mesmo, mantendo-se em segredo) uma das funções essenciais do Estado em sede administrativa, onde o litígio afeta sempre os interesses públicos123/124.
133. Importa não perder de vista nesta análise que a Justiça, tal como a defesa e a segurança, são funções nucleares, essenciais, da soberania do próprio Estado, que deverá ser ele, por isso, a exercer125.
134. Por fim, no âmbito da contração pública terá ainda de se ter em conta o regime estabelecido no artigo 476.º do CCP, relativo ao recurso à arbitragem. Como se verá, só é possível recorrer a esta forma alternativa de resolução de litígios quando ela seja inicialmente prevista pela entidade pública, tendo o cocontratante que aceitar essa jurisdição nos termos previstos no modelo XII a incluir no caderno de encargos (artigo 476.º, n.º 2, do CCP).
123 Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx (Direito da contratação pública, 5.ª ed., Coimbra: Almedina, 2021, p. 569) que o poder da entidade adjudicante de nos termos do artigo 476.º do CCP, impor o recurso à arbitragem aos operadores económicos, tornando-a necessária, afeta o “direito fundamental de recurso aos tribunais do Estado para defesa dos seus direitos subjetivos públicos”.
O que está aqui em jogo é exatamente a outra face da moeda, mas em que o contraente forçado é o próprio Estado. Ora, o que se poria em causa com uma arbitragem forçada imposta ao Estado pelo particular, sujeito esse que será parte no litígio (e só aquele que tivesse meios financeiros suficientes para, da sua parte, pagar os custos da arbitragem), seria exatamente retirar ao próprio Estado o direito fundamental de, no interesse de toda a coletividade, recorrer aos tribunais do Estado para a defesa dos interesses públicos.
124 Apontando, pertinentemente, a possibilidade de, por essa via, a “reserva de jurisdição do Estado, imposta nos conjugados artigos 202.º, n.ºs 1 e 2 e 212.º, n.º 3, da Constituição pode ser defraudada ou esvaziada”, P. Xxxxxxx Xxxxxxx, Arbitragem administrativa e contratos públicos: dissidentes da boa administração do interesse público, cit. p. 71 (tálico no original). Seguindo Xxxxx Xxxxx, Legalidade e administração pública, Coimbra: Almedina, 2003, p. 1051 (“… reconhecer a possibilidade de os tribunais arbitrais poderem vir a ser chamados a desempenhar um papel ao nível da justiça administrativa sem que isto possa servir, todavia, de instrumento de fraude ou de esvaziamento da reserva material de competência definida pelo artigo 212.º, n.º 3, a favor dos tribunais administrativos”).
125 A justiça arbitral será complementar, mas nunca substitutiva da justiça estadual.
135. A arbitragem ad hoc só é admitida, em regra, se estiver prevista numa cláusula compromissória, não num compromisso arbitral. Por conseguinte, mesmo que a solução em termos de regime geral fosse diversa daquela vigente - que acabámos de expor - no âmbito da contratação pública para litígios emergentes de procedimentos ou de contratos regidos pelo CCP, não existira esse direito.
9. A ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA NA CONTRATAÇÃO PÚBLICA
136. O artigo 476.º do CCP, aditado pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31.08, admite o recurso à arbitragem ou a outros meios de resolução alternativa de litígios que decorram de procedimentos ou de contratos a que se aplique o CCP (artigo 476.º, n.º 1). Admite-os, como já se assinalou, nos “termos da lei”, que, no que diz respeito à arbitragem, é o regime que decorre dos artigos 180.º e seguintes do CPTA e do próprio artigo 476.º do CCP. Esta disposição é uma regra especial face ao regime geral da arbitragem em direito administrativo. Cumpre então analisá-la.
137. A primeira distinção a fazer é entre a arbitragem institucionalizada e a arbitragem ad hoc. No primeiro caso, cabe ao Estado autorizar a instalação de centros de arbitragem institucionalizada destinados à composição de litígios passíveis de arbitragem nos termos do artigo 180.º (artigo 187.º do CPTA); a eles compete depois definir os respetivos regulamentos126. A arbitragem ad hoc realiza-se fora desse enquadramento.
138. Em termos sintéticos, da lei decorrem as seguintes opções para o ente público. Ele pode optar pelo recurso à arbitragem ou aos tribunais comuns. Estamos face a um ato da administração que tem, nos termos gerais, de ser fundamentado. Nessa fundamentação, a entidade pública deverá demonstrar a vantagem para o interesse público do recurso naquele caso à resolução dos litígios pelo recurso à arbitragem.
139. Só dessa forma a sua decisão será objetivamente controlável, em particular à luz dos princípios gerais da atividade administrativa decorrentes do Código do Procedimento Administrativo (CPA), onde avulta o do artigo 5.º.
126 Há diversos centros de arbitragem autorizados a funcionar em Portugal. Para além de múltiplos centros relativos ao direito do consumo, temos no âmbito público o Arbitrare relativo à propriedade industrial e o CAAD, cujo objeto é a arbitragem administrativa e tributária (o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01, alargou a competência do centro à arbitragem tributária) e no âmbito comercial o Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e o Instituto da Arbitragem Comercial da Associação Comercial do Porto. Cfr. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Curso de resolução alternativa de litígios, cit., p.124.
140. Escolhida a arbitragem, deverá recorrer à arbitragem institucionalizada, só se podendo valer da arbitragem ad hoc se se verificarem os pressupostos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 476.º do CCP.
141. Na verdade, a lei estabelece uma clara preferência pela primeira modalidade, que constitui a regra, tendo a arbitragem ad hoc um caráter excecional, como facilmente se comprova pela disciplina resultante do artigo 476.º, n.º 3, do CCP127, o que estará ligado a razões de transparência e publicidade128 da arbitragem institucionalizada129.
142. Com efeito, aí se dispõe que a resolução de litígios em tribunais não integrados em centro de arbitragem institucionalizada só se pode fazer nos casos previstos nas suas diferentes alíneas [a), b), c) e d)].
143. Analisada cada uma delas, facilmente se conclui que apenas nos casos em que por diferentes motivos - adiante a serem explanados - não for possível ou adequado o recurso à arbitragem institucionalizada se pode recorrer à arbitragem ad hoc.
144. Vejamos, de seguida, o regime da arbitragem institucionalizada (infra n.º 10) e da arbitragem ad hoc (infra n.º 11) na contratação pública.
10. A ARBITRAGEM INSTITUCIONALIZADA NA CONTRATAÇÃO PÚBLICA
145. Optando-se pela arbitragem institucionalizada, haverá necessariamente que escolher um centro de arbitragem da área administrativa competente para dirimir as questões emergentes do procedimento de formação do contrato e do próprio contrato, logo que celebrado.
146. Essa decisão não é livre por parte da administração, tendo de ser fundamentada, formal e materialmente, em termos escrutináveis. Deverá atender-se necessariamente aos custos de cada centro (como o impõe o princípio da boa administração - artigo 5.º do CPA - e o artigo 52.º, n.º 3, alínea c), da LEO130), aos regulamentos, ao cumprimento pelo centro dos princípios da atividade
127 Cfr. Xxxxx Xxxxxxxx, A arbitragem no Códigos do Contratos Públicos, in: A arbitragem administrativa em debate: problemas gerais e arbitragem no âmbito do código dos contratos públicos (coord. Xxxxx Xxxxx Xxxxx/Xxxxxxx Xxxxx), 2.ª ed., AAFDUL, Lisboa, 2023, p. 330; Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, A arbitragem na contratação pública: algumas questões, Revista de Direito Administrativo, 1, 2018, p. 52.
128 Quanto a ela, e ligando-a a exigências de transparência e publicidade, ver M. Xxxxx xx Xxxxxxx, Arbitragem de direito administrativo: reflexão geral, cit., p. 26.
129 Cfr. Xxxx Xxxxxxx, Arbitragem e contração pública. Algumas notas, Revista de Direito Administrativo, 2018, p. 58.
130 Sobre ele, sublinhando o papel que a sua consagração teria (e que agora tem) na passagem da sua relevância na “zona do mérito para a zona da juridicidade, com as consequentes reduções da primeira e ampliação da segunda”, Xxxx Xxxxxxx de Amorim, Os princípios gerais da atividade administrativa no projeto de revisão do Código do Procedimento Administrativo, Justiça administrativa, n.º 100, 2013, p. 5.
administrativa, como a publicidade e a transparência, das garantias que institui para assegurar de isenção e a imparcialidade.
147. Quando, reunidos os requisitos acabados de expor, se decida o recurso à arbitragem institucionalizada, é exigida a aceitação por todos os interessados, candidatos e recorrentes da jurisdição de um centro de arbitragem institucionalizado131 competente para o julgamento das questões relativas ao procedimento de formação do contrato, de acordo com o modelo previsto no anexo XII ao CCP, do qual faz parte integrante e que deverá ser incluído no programa do procedimento [artigo 476.º, n.º 2, alínea a), do CCP].
148. É igualmente necessário o consentimento, agora por parte do cocontratante, da jurisdição do centro de arbitragem institucionalizado para a resolução de quaisquer litígios relativos ao contrato, de acordo com o modelo XII, que deverá ser incluído no caderno de encargos e no contrato [artigo 476.º, n.º 2, alínea b), do CCP].
149. Em qualquer dos casos, deve ser ainda obrigatoriamente previsto o modo de constituição do tribunal, e o regime processual a aplicar, por remissão para as normas do regulamento do centro de arbitragem competente, ou seja, aquele escolhido pela entidade pública, de acordo com o modelo previsto no anexo XII.
150. Como decorre do exposto, sempre que a entidade adjudicante opte pelo recurso à arbitragem institucionalizada, em vez do tribunal do Estado, os candidatos e concorrentes são obrigados a aceitar a jurisdição desse centro de arbitragem institucionalizado, sob pena de não poderem participar no procedimento. O mesmo sucede por banda do cocontratante. A escolha da entidade adjudicante é assim vinculativa para os concorrentes e cocontratantes.
151. Em qualquer destes casos, definida a jurisdição competente, não se poderá recorrer, nem à jurisdição comum, nem à arbitragem ad hoc.
11. A ARBITRAGEM ad hoc NA CONTRATAÇÃO PÚBLICA
152. A arbitragem ad hoc está prevista e regulada em sede de contratação pública nos n.ºs 3 e 4 do artigo 476.º do CCP.
153. O primeiro ponto a analisar consiste em saber se ela tem por objeto uma cláusula compromissória, um compromisso arbitral ou ambos: o primeiro é relativo a eventuais litígios
131 Sobre eles, e a natureza dos seus regulamentos, ver Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx/Xxxxxxx X. Soares, Algumas considerações em torno dos centros de arbitragem voluntária institucionalizada e os respetivos regulamentos arbitrais, in: A arbitragem administrativa e tributária (coord. Xxxxxx Xxxxxxx X. Xxxxxxx), Coimbra: Almedina, 2012, pp. 91, ss.
futuros decorrentes de um determinado contrato; este último, a um litígio atual (artigo 1.º, n.º 3, da LAV).
154. Dito de outra forma: importa determinar se a lei apenas permite o recurso à arbitragem ad hoc quando exista já um litígio entre as partes; ou apenas para acautelar eventuais litígios futuros; ou tanto num caso como no outro. A distinção entre as figuras é clara e decorre do artigo 1.º, n.º 3, da LAV132.
155. Ao prever no artigo 476.º, n.º 3, alínea a), do CCP “eventuais litígios”, a lei refere-se somente à cláusula compromissória e deixa de lado o compromisso arbitral. Só a primeira é admitida, e é relativamente a ela que se devem verificar os requisitos impostos pela lei. No âmbito da arbitragem de contratos públicos, o recurso a uma arbitragem ad hoc na ausência de cláusula contratual nesse sentido é, pois, ilegal.
156. Em termos gerais, o regime é o que se passa a expor.
157. A entidade pública pode optar entre o recurso aos tribunais do Estado e o recurso à arbitragem aquando da decisão de contratar, fundamentando neste caso a opção pela jurisdição arbitral.
158. Decidindo-se pela arbitragem, terá que recorrer aos centros de arbitragem institucionalizada nos termos do artigo 476.º, n.º 2, do CCP.
159. Só poderá, em alternativa, prever a arbitragem ad hoc, por via de uma cláusula compromissória, com a verificação de dois grupos de circunstâncias.
i) Primeiro, inexistência de um centro de arbitragem institucionalizado competente nessa matéria [artigo 476.º, n.º 3, alínea a), do CCP]; ou quando o processo arbitral previsto nos regulamentos do respetivo centro de arbitragem institucionalizado não se conforme com o regime de urgência previsto no CPTA para os contratos por ele abrangidos [artigo 476.º, n.º 3, alínea b), do CCP]; ou quando se demonstre que a utilização de um centro de arbitragem institucionalizado teria como consequência a resolução mais morosa do litígio [artigo 476.º, n.º 3, alínea c), do CCP]; ou, por último, quando se demonstre que a utilização de um centro de arbitragem institucionalizado teria como consequência um custo mais elevado para as entidades adjudicantes ou os contraentes públicos [artigo 476.º, n.º 3, alínea d), do CCP]. Estes requisitos devem assim ser verificados ab initio aquando da decisão de contratar, recorrendo à via arbitral.
132 Cfr. Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx/Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx/Xxxxxxx Xxxxxxx, Manual de Arbitragem, cit., p.
128.
ii) Segundo, deve verificar-se um dos dois conceitos indeterminados do artigo 467.º, n.º 3, do CCP “a elevada complexidade das questões jurídicas ou técnicas envolvidas” ou “o valor económico das questões a resolver”.
160. Em qualquer destes casos, recorre-se, ainda, a um outro ao conceito indeterminado adicional de grande relevo: “aconselhável”. Iremos analisá-los de seguida.
161. Antes disso, destaque-se o seguinte: a proposta ou aceitação por parte do contraente público do recurso a um tribunal ad hoc consiste num ato que, como já se assinalou, tem obrigatoriamente de ser devidamente fundamentado.
162. Ora, essa fundamentação, como parece óbvio, não pode limitar-se a dizer que naquele caso está preenchido o requisito da complexidade das questões jurídicas ou técnicas, ou que as questões a resolver têm um elevado valor económico. Nem que, em função deles, o recurso à arbitragem ad hoc é “aconselhável”. Pelo contrário, devem ser indicadas as razões pelas quais esse fundamento se encontra preenchido em termos tais que possam ser exteriormente controlados e avaliados de forma objetiva para determinar se efetivamente - avaliando os fundamentos invocados - estão conformes àquela.
a) A “elevada complexidade das questões jurídicas ou técnicas envolvidas”
163. É preciso que a questão tenha tal complexidade jurídica que não possa ser decidida de forma adequada, nem pelos magistrados judiciais dos tribunais administrativos, nem pelos árbitros dos centros administrativos institucionalizados. Deve assim tratar-se de uma matéria que, pela sua especialidade, só esteja ao alcance de um muito reduzido número de peritos nessa área específica.
164. De facto, os primeiros estão habilitados com competências jurídicas necessárias para decidirem com competência e rigor a generalidade dos casos de direito administrativo, independentemente da sua complexidade. São especialistas nessa área ou então mesmo numa das áreas em que ele se ramifica, como, p. ex., a contratação pública. E poderão mesmo, no caso dos tribunais administrativos estaduais, voltar a apreciar o litígio em sede de recurso.
165. Embora a lei se refira igualmente à complexidade técnica, ela na generalidade dos casos não será decisiva, porque em qualquer circunstância os tribunais, do Estado ou dos centros institucionalizados, sempre podem recorrer a perícias133.
133 Xxxxxxxx X. Xxxxx xx Xxxxxxx (Arbitragem de direito administrativo: reflexão geral, cit., p. 21) não é “que a propósito desses contratos, se coloquem, de modo geral, questões jurídicas de uma grande complexidade, embora o seu valor seja elevado”.
b) O “elevado valor económico das questões a resolver”
166. Um outro fundamento diz respeito “ao elevado valor económico das questões a resolver”. Mas não basta que o valor da causa seja elevado. Este requisito em si não obsta a que a questão seja resolvida ou num centro de arbitragem institucionalizado ou por um tribunal administrativo. São inúmeras as ações com valores económicos muito elevados que correm nos tribunais do Estado e supostamente também nos centros de arbitragem institucionalizada.
167. O critério do montante, per se, só em casos muito excecionais, difíceis de antever, poderá aconselhar o recurso a um tribunal arbitral ad hoc, dadas as características que ele reveste. Com efeito, quanto mais relevantes sejam os interesses públicos em jogo, mais exigente se deve ser em termos de garantias externas de imparcialidade e independência, e maior deve ser a possibilidade de escrutínio da comunidade, o que a arbitragem ad hoc não assegura.
168. Sendo os requisitos muito apertados134, eles são de verificação difícil, mesmo num momento em que o litígio se verifica, sendo possível, e só nessa altura, definir os seus contornos de complexidade técnica e o valor.
169. Antes disso, aquando da celebração do contrato com a correspondente cláusula compromissória, será extremamente difícil verificar o seu preenchimento135. Pode, por isso, concluir-se - como sublinha a doutrina136 - que houve uma intenção clara (drástica mesmo) por parte do legislador de 2017 de criar um regime de tal forma limitativo que deixa muitíssimo pouco espaço à arbitragem ad hoc137. O que será explicável pela intenção legislativa, uma vez que se pretendeu a
134 Ver, sobre o ponto, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, A arbitragem no projeto de revisão do CPTA, cit., p. 108, nota 4.
135 Refere Xxxxx Xxxxxxxx (A arbitragem no Códigos do Contratos Públicos, cit., p. 347), relativamente a esses requisitos, que o seu “preenchimento, de todo o modo, é quase sempre impossível de atestar num juízo à priori”. Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx (Direito da contratação pública, vol. II, AAFDL, Lisboa, 2021, pp. 895-896): “Não existe um único elemento nas quatro alíneas desse n.º 3 [do artigo 476.º] que seja sequer operativo e exequível, porque a avaliação da complexidade do litígio a resolver, da morosidade que esse litígio traria ou dos respectivos custos não pode ser concretizada sem que a entidade adjudicante precisamente conheça que litígio estará a ser suscitado...”.
136 Aponta de forma muito incisiva Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx (Direito da contratação pública, vol. II cit., p. 896): “Tudo se conjuga, pois, para a conclusão de que o legislador de 2017, armadilhando todo o percurso de quem pretendesse recorrer à arbitragem ad hoc, apenas evitou confessar, com censurável “fingimento”, de modo transparente a intenção que verdadeiramente tinha: a de impossibilitar essa solução alternativa e encaminhar as entidades adjudicantes para centros institucionalizados”.
Em sentido idêntico, já, Xxxxx Xxxxx Xxxxx, A arbitragem de direito público, cit., p. 84. O Autor refere mesmo que o legislador criou requisitos tão apertados que simplesmente simulou que seria possível o recurso à arbitragem ad hoc.
137 Referindo que na reforma de 2017, “paradoxalmente, sob a capa da promoção da arbitragem, o legislador revela afinal uma profunda desconfiança nos tribunais arbitrais”, Xxx Xxxxxxxx, Regime de recurso das decisões arbitrais no CCP revisto - uma reflexão constitucional, in: A Constituição e a administração pública: problemas da constitucionalidade das lei fundamentais no direito administrativo português (coord. Xxxxx
“adesão geral das entidades da Administração Estadual à jurisdição dos centros de arbitragem administrativa já existentes”138/139 .
170. Em grande parte, dá-se aqui corpo, consagrando-se, uma posição doutrinal que defende a necessidade de se sujeitar toda a arbitragem administrativa a centros de arbitragem especializados em matéria administrativa devidamente regulados e certificados pelo Estado. É o que sustenta M. Xxxxx xx Xxxxxxx: “deve, pois, ser consagrada a regra de que a arbitragem de direito administrativo só pode ter lugar no âmbito de centros de arbitragem institucionalizada e deve ser consagrado um regime de certificação”140 desses centros.
12. A AVALIAÇÃO A REALIZAR PELO ENTE PÚBLICO, NOS TERMOS DO ARTIGO 476.º, N.º 4, CCP
171. Em qualquer um destes casos, assim como naqueles outros a que respeitem as restantes alíneas do artigo 476.º, n.º 3, do CCP, o ente público é obrigado a elaborar uma avaliação de impacto dos custos que tal opção importa “designadamente quanto aos honorários dos árbitros e advogados, taxas, custas e outras despesas”.
172. Importa determinar o sentido e alcance da norma. Poder-se-ia dizer, dada a colocação deste número na norma, que a avaliação seria subsequente à opção e não prévia. A sua finalidade consistiria em apurar a despesa para permitir a sua cabimentação e, depois, obter os fundos necessários para respeitar as normas financeiras. Contudo, a cabimentação e a existência de disponibilidades são sempre necessárias.
173. Não há nenhuma especialidade desta despesa relativamente às outras. A norma interpretada nesses termos seria simplesmente inútil. Resultado interpretativo insustentável pela presunção de racionalidade do legislador, que é imposta pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil (onde estão consagradas as regras gerais de interpretação normativa).
174. A avaliação prevista no artigo 476.º, n.º 4, do CCP não é subsequente à opção, sob pena de perder sentido útil, mas prévia141. Faz parte do procedimento decisório do ente público. Dada a
Xxxxxxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxx), AAFDL, Lisboa, 2018, p. 123 (com dúvidas do prisma constitucional, pp. 128, ss.).
138 Programa do XXI Governo Constitucional in ProgramaXXIGC_final.docx (xxxxxxxx.xxx.xx), p. 6
139 Concordando com a solução legal, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, A arbitragem na contratação pública: algumas questões, cit. p. 55.
140 M. Xxxxx xx Xxxxxxx, Manual de processo administrativo, cit., p. 558. O Autor entende, contudo, corretamente, que o artigo 476.º do CCP foi “infeliz, porque, assumindo embora o propósito de promover a arbitragem em centros institucionalizados, nada fez para adequar a realidade desses centros às exigências próprias da arbitragem em direito administrativo, designadamente em matéria pré-contratual.” (ob. cit., ibidem).
141 Cfr. Xxxx Xxxxx Xxxxxxxx, A arbitragem e o artigo 476.º na revisão do Código de contratos públicos, Revista de direito administrativo, jan-abril, 2018, p. 63.
prevalência da arbitragem institucionalizada, por sua vez, ela própria, excecional relativamente ao recurso aos tribunais do Estado, manda a boa gestão da coisa pública que os custos de cada uma delas sejam ponderados para a tomada da decisão.
175. No processo decisório do ente público haverá sempre que avaliar qual a melhor solução também do prisma económico para a finalidade que se pretende alcançar, e o cotejo com as alternativas. Há assim que comparar com avaliações idênticas realizadas para a arbitragem institucional e os tribunais comuns.
176. O que é na verdade igualmente exigido pelas regras financeiras públicas. Não se pode determinar a despesa e de seguida cabimentá-la. Pelo contrário, o inverso é que é verdadeiro: é sempre necessário fundamentar a decisão e verificar se está prevista no orçamento, se tem cabimento nesse mesmo orçamento e se há fundos disponíveis. Caso contrário, não pode ser assumida, nem a decisão tomada.
177. Tendo em conta a teleologia dos regimes, o elemento sistemático decorrente, aqui do contexto da norma que se enquadra no seio da determinação dos casos em que é legítimo recorrer à arbitragem ad hoc, e, sempre, como quadro geral, os princípios estruturantes da ação administrativa, a solução só pode ser esta.
178. Diga-se, por fim, que a norma há de ser sempre interpretada à luz dos princípios do direito financeiro público, artigo 52.º, n.º 3, alínea c), da LEO, o artigo 22.º, n.º 1, alínea c), do Decreto- Lei nº 155/92, de 28.07 (Regime da Administração Financeira do Estado - RAFE), assim como, numa outra vertente, o da boa administração (artigo 5.º do CPA), que são determinantes do seu sentido e alcance. E, mesmo na inexistência desta disposição, o resultado decorria diretamente desse princípio. Princípio esse, conclua-se, de especial relevo no âmbito da jurisdição financeira.
13. A ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DA DECISÃO ARBITRAL
179. Nos termos do artigo 476.º, n.º 5 do CCP é sempre admissível o recurso do acórdão arbitral com efeito devolutivo nos litígios de valor superior a 500 000,00 €. O recurso é para os tribunais administrativos142. A solução decorre das alterações introduzidas ao CCP em 2017, que, para além de terem limitado fortemente a admissibilidade da arbitragem ad hoc, afastaram uma das suas principais características da arbitragem em geral, que consiste na inadmissibilidade de recurso, consagrando a regra inversa.
142 Xxxxx Xxxxx Xxxxx, Os meios de reação contra decisões arbitrais em matéria administrativa - breves comentários ao regime jurídico vigente, cit., p. 244: Xxxxx Xxxxx Xxxxx, A arbitragem de direito público, cit., pp. 82, ss..
180. Por esse motivo, conclui X. Xxxxxx xx Xxxxxxx que “A jurisdição arbitral, tradicionalmente alternativa, torna-se em grande medida numa primeira instância da jurisdição estadual, deixando de fornecer decisões definitivas” 143.
181. A norma é imperativa. Se inserida numa convenção de arbitragem a renúncia ao recurso para os tribunais estaduais, essa disposição é nula. O ente público nunca a pode aceitar, sob pena de ilegalidade144.
182. E muito menos a podem os árbitros inserir no regulamento do tribunal arbitral, sob pena de, sem quaisquer poderes para o efeito, alterarem a convenção de arbitragem, ou o compromisso arbitral, praticando duas ilegalidades graves: atuam sem poderes, que cabem somente às partes no âmbito do compromisso ou cláusula arbitral, e recorrerem por essa via a uma cláusula nula em violação clara da lei.
183. Não podem igualmente fazer aprovar esse regulamento pelas partes no que consiste numa forma enviesada de suprirem a sua falta de poderes para o efeito. Sendo embora nula essa cláusula, ela poderá em termos práticos atingir a posição do ente público, se ele pretender, mais tarde, recorrer.
184. Na verdade, sendo a cláusula aprovada pela entidade adjudicante, sempre se poderia alegar, em sede recurso, como forma de paralisar o exercício desse direito por parte do ente público que foi criada uma situação de confiança justificada no seu não exercício. E, por isso, atuar em abuso do direito sob a forma de venire contra factum próprio145. O que o paralisaria.
185. Pese embora, nem o elemento histórico, nem ratio da norma admitam a renúncia do ente público do direito ao recurso, ainda assim teria, ou poderia ter, o efeito prático de o inibir de recorrer. Tanto mais quando a tenha, ilegalmente, aceite.
14. A CONTRATAÇÃO DE ASSESSORIA JURÍDICA
186. Como é do conhecimento geral, a prestação de serviços jurídicos sob a forma de avença ou para um processo específico, ou um conjunto de processos, é um mercado fortemente competitivo, com grande expressão económica. Dada a carência de recursos jurídicos por parte dos entes
143 J. Xxxxxx xx Xxxxxxx, A justiça administrativa, cit., p. 84, nota 148.
144 Ainda antes da consagração desta norma, era já sustentado que “a entidade pública não pode nunca renunciar em convenção arbitral ao recurso jurisdicional” - Xxxxxx Xxxxxxx X. Xxxxxxx, A arbitragem administrativa: uma realidade com futuro?, in: A arbitragem administrativa e tributária (coord. Xxxxxx Xxxxxxx
M. Xxxxxxx), Coimbra: Almedina, 2012, p. 79.
145 Sobre a figura, ver A. Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil português, I, Parte geral, IV, Coimbra: Almedina, 2005, pp. 280, ss.
públicos, a sua contratação externa configura uma parte muito relevante desse mercado. Sendo um contrato regido pelo CCP, aplicam-se-lhe, de forma imediata, os seus princípios, previstos no artigo 1.º-A, n.º 1, do CCP, bem como, num âmbito mais vasto, os da atividade administrativa, decorrentes do CPA (artigos 3.º e seguintes) e da legislação financeira (artigo 52.º, n.º 3, alínea c), da LEO - norma estruturante do direito financeiro público).
187. A lei não regula especificamente os serviços jurídicos, mas dada a sua natureza integram-se no regime mais geral das prestações de caráter intelectual, que se passa a analisar de seguida.
188. Tratando-se de uma prestação facere de caráter intelectual, a lei só permite o recurso ao ajuste direto se se verificarem os requisitos do artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do CCP; fundamento material de ajuste direto que, previsto embora no CCP, não encontra guarida nas diretivas.
189. A aplicação da norma impõe, por um lado, que estas prestações não permitam a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam definidos os atributos qualitativos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação nos termos previstos no artigo 74.º do CCP e, por outro, que a definição quantitativa dos atributos das propostas, no âmbito de outro tipo de procedimento, seja desadequada a essa fixação, tendo em conta os objetivos da aquisição pretendida. No que redundaria na impossibilidade de seleção das propostas146.
190. Todavia, se o preço base for igual ou superior aos valores resultantes da aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º, que por sua vez remete para os limiares previstos nas alíneas b) ou c) do n.º 3 do artigo 474.º do CCP, mesmo preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do CCP não se poderá recorrer ao ajuste direto. Esses limites são 140.000 €, para os contratos públicos de fornecimento de bens, prestação de serviços e de concursos de conceção, adjudicados pelo Estado e de 215.000 €, quando adjudicados por outras entidades adjudicantes [respetivamente, alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 474.º do CCP]. Isto é: acima destes valores, mesmo que a prestação revista as condições que previstas para o recurso ao ajuste direto, o valor do preço base não o permite.
191. A adoção do ajuste direto depende, dessa forma, da verificação cumulativa dos seguintes requisitos. Primeiro: os serviços de natureza intelectual em questão devem preencher o condicionalismo previsto artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do CCP. Segundo: caso tal se verifique, o preço base deverá ser inferior a 140 000 €, para os contratos públicos de fornecimento de bens, prestação de serviços e de concursos de conceção, adjudicados pelo Estado.
146 Cfr. P. Xxxxx Xxxxxxxxx, Direito dos contratos públicos, cit., p. 542.
192. O ponto decisivo, assim, é determinar se as prestações de serviços jurídicos consistem em prestações que, por revestirem as caraterísticas previstas no artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do CCP legitimam o recurso ao ajuste direto.
193. A questão já tinha sido analisada pelo Acórdão do TdC n.º 15/2013, 1.ª S/SS, de 15.05, que fixou jurisprudência nesta matéria. Jurisprudência essa que mantém face ao atual regime jurídico a sua validade. Desde logo, porque o seu ponto de partida assenta na interpretação e aplicação do artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do CCP aos serviços jurídicos, norma que não sofreu alterações significativas. Por outro lado, ela sai reforçada com a evolução do próprio direito comunitário da contratação pública. Com efeito, na sequência do acórdão Ambisig c. Nersant/Nucleo Inicial, C- 601/13, a diretiva veio admitir que as qualificações técnicas dos concorrentes fossem factores de avaliação e não só, meramente de qualificação147. Disciplina que veio a ser consagrada no artigo 75.º, n.º 2, alínea b), do CCP. É essa jurisprudência que se passa a expor e desenvolver, agora à luz do novo regime.
194. Primeiro ponto de enquadramento de toda a análise: a igualdade e a concorrência são imperativos constitucionais, comunitários e com consagração direta na contratação pública (artigo 1.º-A, n.º 1, do CCP). São eles igualmente que permitem a melhor defesa dos interesses financeiros públicos, de obtenção das melhores propostas ao melhor preço. Nessa medida, encontram tutela, igualmente, nos princípios estruturantes da atividade administrativa (artigo 5.º do CPA) e do direito financeiro público [artigo 52.º, n.º 3, alínea c), da LEO].
195. Este conjunto de princípios, quando não diretamente aplicáveis, têm necessariamente que contribuir para a interpretação das diferentes regras do CCP. Nenhuma norma é uma ilha e a sua interpretação realiza-se sempre no quadro dos princípios que travejam o sistema (com particular ênfase naqueles consagrados na Constituição)148.
196. No que diz respeito especificamente aos serviços jurídicos, eles não estão excluídos do CCP e não há nenhuma norma que “declare a aquisição de serviços jurídicos insuscetível de se subordinar a uma escolha concorrencial149.”
197. Dada a prevalência que os procedimentos abertos, aqueles que melhor salvaguardam os referidos princípios têm sobre os procedimentos fechados, maxime o ajuste direto, a exceção decorrente
147 Veja-se o seu considerando 94.
148 Como resulta de forma muito clara do acórdão do TdC n.º 15/2013, 1.ª S/SS, de 15/5 (n.º 10), p. 12: “o respeito pelo princípio da concorrência e seus corolários subjaz a qualquer atividade de contratação pública, por força de imperativos comunitários, por direta decorrência de normas constitucionais, por previsão da lei aplicável à contratação e por imposição da legislação financeira e dos deveres de prossecução do interesse público e de boa gestão.”
149 Acórdão do TdC n.º 15/2013, 1.ª S/SS, de 15.05 (n.º 21), cit., p. 17.
(e só dentro de certos valores conforme se referiu) do artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do CCP “tem de estar inequivocamente justificada, fundamentada e demonstrada, em termos de afastar, em concreto e não em abstrato, a viabilidade de qualquer outra solução concorrencial”150.
198. Cabe assim verificar se as prestações jurídicas impedem sempre a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam definidos os atributos qualitativos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação, nos termos do disposto no artigo 74.º, (i) e desde que a definição quantitativa dos atributos das propostas, no âmbito de outros tipos de procedimento, seja desadequada a essa fixação, tendo em conta os objetivos da aquisição pretendida (ii). É necessária a verificação de ambos os requisitos para que se possa recorrer ao ajuste direto.
199. Ora, o recurso a especificações contratuais suficientemente precisas que permitam uma comparação e seleção de propostas é possível no âmbito dos serviços jurídicos, como o é para outras prestações de caráter intelectual. Assim, começando a entidade adjudicante por definir as características do serviço (p. ex., consultadoria, exercício do patrocínio jurídico numa ação ou em diversas ações de que que a entidade adjudicante seja parte, elaboração e análise de contratos), será possível estabelecer critérios de adjudicação, recorrendo a fatores e, eventualmente, a subfactores, como seja a especialização na área científica pretendida (assim, p. ex., direito administrativo, contratação pública).
200. Os elementos centrais referir-se-ão aos prestadores em si na relação com o objeto do contrato, dado terem um caráter decisivo na realização dessa prestação. Isto é, as qualidades a nível técnico-científico e de experiência do prestador ou dos membros que pretende afetar ao seu cumprimento têm um caráter essencial, fundamental neste caso, para a prestação em si. Por esse motivo, a importância do curriculum técnico-científico do prestador em si, ou tratando-se de uma sociedade de advogados, dos curricula técnico-científicos dos advogados ou da equipa a afetar a essa tarefa e experiência nessa atividade.
201. Na verdade, a “organização, qualificações e experiência do pessoal”, quando a sua qualidade tenha “um impacto significativo no nível de execução do contrato”, como sucede com os “serviços de natureza intelectual”, é suscetível de constituir factor ou subfactor de densificação do critério de adjudicação (artigo 75.º, n.º 2, alínea b), do CCP).
202. Há ainda, necessariamente, o critério do preço; não é o único (como é evidente, não se trata de escolher o serviço mais barato, até por que é essencial que o Estado seja bem defendido) a ter
150 Acórdão do TdC n.º 15/2013, 1.ª S/SS, de 15.05 (n.º 22), cit., p. 17.
em conta, mas na contratação pública tem sempre um relevo acentuado. Até porque os recursos financeiros dos entes públicos são limitados e tal decorre, como se tem enfatizado do princípio da boa administração e do artigo 52.º, n.º 3, alínea c), da LEO. É assim possível como se vê, ligação de critérios ligados à qualificação técnico-científica do prestador “com critérios quantitativos de avaliação da proposta” 151.
203. A existência de uma relação de confiança, decorrente de uma relação prévia ou em curso, não é critério suficiente. É que, como bem se sublinha no acórdão em tela, são as “capacidades técnicas e pessoais do proponente, únicas que poderiam gerar confiança à entidade adjudicante”152.
204. Na verdade, a relação de confiança em que se estrutura o serviço jurídico, que pode ter vertentes diversas, assumindo a forma de prestação de serviços, no âmbito da consultadoria, ou de mandato para representação do ente público153, reveste uma vertente marcadamente objetiva na relação entre pessoas coletivas.
205. Se entre pessoas singulares a existência dessa relação subjetiva, pessoal, de caráter fiduciário é marcante154, o mesmo não se verifica, ou assume uma intensidade muito menor, nas relações entre pessoas coletivas. O aspeto essencial nesse caso é a capacidade técnico-jurídica na área específica em que se pretende o serviço do advogado ou da sociedade de advogados com quem se contrata. Capacidade essa dependente, como é claro, da própria capacidade, experiência e apuro técnico-jurídico dos advogados que a integram. Com efeito, na generalidade dos casos, será a sociedade que irá designar o advogado, ou a equipa de advogados, para prestar em concreto os serviços jurídicos. A confiança entre as partes tem aqui um caráter objetivo, marcado por esses elementos155.
206. Em suma: o recurso a critérios que permitam a comparação de propostas prestação é compatível com a prestação de serviços jurídicos, como o é relativamente a outros serviços de natureza intelectual.
207. Atentos os princípios da concorrência e da igualdade, deverá definir-se o serviço que se pretende (consultadoria, representação judicial num processo ou conjunto de processos) e suas caraterísticas, em termos de objeto, especialização na área científica pretendida (assim, p. ex.,
151 Acórdão do TdC n.º 15/2013, 1.ª S/SS, de 15.05 (n.º 27), cit., p. 21.
152 Acórdão do TdC n.º 15/2013, 1.ª S/SS, de 15.05 (n.º 28), cit., p. 21.
153 Que é também uma modalidade de contrato de prestação de serviços.
154 Ver, para a caracterização deste vínculo, J. Xxxxxxxx Xxxxxxx, Pressupostos da resolução por incumprimento, in: Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, Obra dispersa, vol. I, Braga: Scientia Juridica, 1991, p. 140.
155 Como se refere no Acórdão do TdC n.º 15/2013, 1.ª S/SS, de 15/5 (n.º 28), cit., p. 22, “a confiança não pode basear-se numa exclusiva perceção subjetiva: ela deve surgir no contexto de procedimentos que salvaguardem outros valores e interesses.”
direito administrativo, contratação pública), período temporal, valores máximos de remuneração global, por hora, ou critérios mistos. Há também que recorrer a critério quantitativos, necessariamente. O que implica que seja definido previamente o conjunto de prestações.
208. Haverá depois que estabelecer a relação entre esse conjunto de atos e os valores pecuniários. Por fim, aplica-se necessariamente aqui o princípio da proporcionalidade entre os serviços qualitativamente e quantitativamente prestados e as somas a pagar.
IV. JUSTIFICAÇÕES APRESENTADAS
209. Em cumprimento dos despachos judiciais de 12.10.2022 e de 16.01.2023, o MS e a ARSA foram notificados156 para prestar esclarecimentos e remeter documentação diversa, relativa à constituição e funcionamento do TA ad hoc em análise.
210. Desde logo, foi questionada a razão de a ARSA não ter comunicado atempadamente a este Tribunal a constituição do TA ad hoc, tendo sido respondido157 que tal se ficou a dever a um “(…) lapso de comunicação interna, pelo qual [se] penitencia (…)”, solicitando a relevação do mesmo.
211. A maior parte dos esclarecimentos e documentos solicitados reportavam-se às circunstâncias que fundamentavam a constituição do TA e que permitiam efetuar o seu enquadramento nos requisitos previstos no n.º 3 do artigo 476.º do CCP, bem como relativamente ao cumprimento do disposto nos n.ºs 4 e 5 do mesmo.
212. As referidas entidades, apresentaram158, em síntese, as justificações que parcialmente se transcrevem de seguida:
A. Relativamente à constituição de um tribunal arbitral ad hoc, em derrogação do estipulado no caderno de encargos patenteado no procedimento concursal, bem como no contrato de empreitada, que previam o recurso ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja para dirimir litígios na execução da empreitada:
“(…) A constituição da arbitragem foi requerida pela Acciona Construcción S.A.(ACCIONA)
através de carta datada de 10 de dezembro de 2021 (…). Ao nível do enquadramento, a
156 Ofícios da DGTC com a referência, respetivamente, DFC-36514/2022, de 12.10, DFC-1692/2023, de 17.01, DFC-36478/2022, de 12.10, e DFC-1587/2023, de 17.01.
157 Ofício n.º SAI/ARSA/2022/1533, de 27.10.
158 Ofício ref.ª MS / S 5382/2022 / 02.11.2022, e ofício sem número datado de 27.02.2023. Ofícios da ARSA, com a referência SAI-ARSA/2022/1533, de 27.10, SAI-ARSA/2023/211, de 27.02, e SAI-ARSA/2023/635, de 12.05.
ACCIONA indicou o seguinte: “Apesar de o contrato não o prever expressamente, o artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e o artigo 476.º do CCP, ambos, permitem que qualquer questão derivada da execução de contratos aos quais se aplique o CCP, como é o caso, possa ser resolvida por recurso a arbitragem. Mais, o artigo 182.º CPTA atribui mesmo ao cocontrante o direito a exigir à entidade pública contratante a outorga do compromisso arbitral e a constituição de um tribunal arbitral para o efeito, sendo V.Exa. competente para outorgar em nome da ARSA, IP, nos termos do n.º 2 do artigo 184º CPTA.
Consideramos ainda que, entre outros motivos, face ao elevado valor económico das questões a resolver e ao teor eminentemente técnico das mesmas, é aconselhável a submissão do litígio à jurisdição de tribunal arbitral não integrado em centro de arbitragem institucionalizado, devendo o mesmo procurar uma solução justa e equitativa no mais curto prazo de tempo”. (…).
O pedido de constituição de um tribunal arbitral ad hoc (“não integrado em centro de arbitragem institucionalizado”) foi apresentado pela ACCIONA, pois, no próprio pedido de compensação por alteração das circunstâncias. Os pedidos são indissociáveis.
(…)
Desde a versão originária do CCP que nele estão expressas duas situações em que pode operar a modificação contratual (alíneas b) e c) do artigo 312º do CCP):
(…)
A situação que esteve na base do pedido de constituição da arbitragem ad hoc diz respeito a uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, conforme foi expressamente invocado pela ACCIONA (“pedido de compensação por alteração de circunstâncias resultante da subida anormal e imprevisível dos custos de produção” -Doc. n.º 1 junto com a resposta antecedente da ARSA). Os pedidos de reposição do equilíbrio contratual por força da alteração das circunstâncias e de constituição da arbitragem foram pela ACCIONA apresentados, simultaneamente, havendo uma relação de interdependência entre eles: a arbitragem destina- se a apreciar e julgar o pedido de reequilíbrio por força da alteração das circunstâncias (“e que, em consequência, que outorgue um compromisso arbitral para dirimir a questão do valor da compensação que nos deve ser atribuída pela alteração das circunstâncias verificada” - Doc. n.º 1 junto com a resposta antecedente da ARSA).
(…)
O caso não suscita dúvidas. Logo na deliberação de 22.11.2021 concordou a ARSA “que se está perante uma alteração de circunstâncias”. (Doc. 3 junto com a resposta antecedente da ARSA).
As circunstâncias em que foi indicado o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, ao tempo do lançamento do concurso público para a empreitada de construção do Novo Hospital Central do Alentejo (2019), nada têm que ver com a situação com a qual as partes se viram confrontadas, em 2021. Em 2019 nada fazia prever que ocorresse uma pandemia no Mundo com os resultados de todos conhecidos, entre outros, ao nível do aumento dos custos de construção. E que, em resultado disso, se impusesse o reequilíbrio económico-financeiro do contrato, nos termos que a troca de correspondência entre a ACCIONA e a ARSA já indiciava e que se vieram a confirmar na ação posteriormente intentada, já do pleno conhecimento do Tribunal de Contas.
A situação é exponenciada pelo i) elevadíssimo valor da empreitada (€ 148.917.509,73) que determina um valor de sobrecustos muito elevado (o valor da ação arbitral acabou por ser fixado em 71.119.022,67 €) ii) e pela complexidade da mesma.
(…)
A ARSA entendeu que o pedido de reequilíbrio do contrato tinha justificação e respaldo legal, pelo que lhe devia ser dado seguimento, em espírito de boa-fé e a bem da própria preservação do contrato. E entendeu também estar justificado o recurso à arbitragem, nos exatos termos formulados pelo Empreiteiro (com exceção do apelo à equidade, como adiante melhor se precisará): “face ao elevado valor económico das questões a resolver e ao teor eminentemente técnico das mesmas, é aconselhável a submissão do litígio à jurisdição de tribunal arbitral não integrado em centro de arbitragem institucionalizado, devendo o mesmo procurar uma solução justa e equitativa no mais curto prazo de tempo” (carta da ACCIONA de 10.12.2021 - Doc. n.º 1 junto com a resposta antecedente). Foram tidas em consideração, como não podia deixar de ser, as particularíssimas circunstâncias do caso (possível paragem temporária ou mesmo definitiva da obra — carta da ACCIONA de 10.12.2021). Tendo-se considerado não haver a menor condição de submeter o litígio ao Tribunal Administrativo. Tem isso que ver com as pendências e o tempo de demora da jurisdição administrativa.
Dizendo-o da forma mais transparente possível, foi entendimento comum que não era possível, a bem da preservação do contrato, aguardar por uma decisão que levaria certamente, numa primeira apreciação, (muitos) anos a proferir. Isso, pura e simplesmente, inviabilizaria a execução da obra e deitaria por terra todo o projeto.
(…)
A convocação de um tribunal que se pudesse substituir, pelas razões indicadas, ao Tribunal Administrativo teve assim também que ver com a constatação de que o assunto jamais poderia ser solucionado de forma capaz, em tempo útil e em definitivo, pela própria ARSA.
(…)
No caso em questão foi afastada, por acordo das partes, relativamente à resolução específica de um determinado litígio (e não para todo o sempre, note-se), decorrente de uma verificada e inquestionável alteração anormal e imprevisível das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, a cláusula contratual que determinava que “para todas as questões emergentes da interpretação, validade e execução do contrato será competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja”.
No concurso público que antecedeu a celebração do contrato de empreitada foi apenas apresentada uma proposta; a da ACCIONA. É um elemento relevante a ter em consideração no caso, à luz das considerações antecedentes. A que acresce, ainda, a circunstância de a modificação em questão rigorosamente nada ter que ver com os atributos da proposta (artigo 57º, n.º 1, b), do CCP).
Como é sabido, e decorre da jurisprudência do Tribunal de Contas, a renegociação dos “termos essenciais do contrato” convoca, tipicamente, aspetos como o preço (podem ser tarifas a cobrar aos utentes) e o prazo.
Nada disso está aqui em causa. Assim como não está em causa a alteração da equação financeira do contrato (redução da prestação das garantias, por exemplo), ou o alargamento do âmbito do contrato. Mais: a cláusula em questão pouco ou nada acrescentava ao que já resultava da lei. As partes não remeteram para um tribunal diferente. Um tribunal diverso daquele que resultaria da mera aplicação da lei, quer-se dizer. O que mais ressalta da solução consagrada no concurso quanto à resolução dos litígios, como mais adiante se desenvolverá, é a não consagração/imposição de uma arbitragem institucionalizada (e necessária), como poderia ter sucedido, ao abrigo do artigo 476º do CCP. E não propriamente a remissão para o tribunal, que sempre seria o competente, nos termos da lei, em resultado dessa primeira opção.
Não estamos, pois, perante uma alteração do contrato que possa colocar em causa a concorrência, na aceção do n.º 2 do artigo 313º do CCP, com as concretizações ali expressas. Ainda e sempre na perspetiva das modificações objetivas do contrato, é entendimento da ARSA que o afastamento descrito da cláusula do foro (rectius, o recurso à arbitragem), i) tem plena guarida nos artigos 312º, b) e 314º, n.º 2, do CCP; ii) não integra as proibições legais expressas (artigo 313º do CCP) e iii) não contende, igualmente, com princípios que possam ou devam ser salvaguardados. Pelo contrário, ter-se-ia por desproporcionada e atentatória da boa-fé e colaboração exigível aos contraentes (artigos 1º-A e 312º, b) do CCP), assim como do próprio interesse público, uma solução que impusesse, a todo o custo, o recurso ao Tribunal
Administrativo, no contexto indicado. O mesmo se dizendo, quanto à manifesta desproporção, caso se viesse a entender, seja por que razão fosse, que a alteração acarretaria a adoção de um novo procedimento (artigo 313º, n.º 6, do CCP).
O que se deixa dito tem diretamente que ver com os exatos termos em que a questão foi formulada pelo Tribunal de Contas (derrogação da cláusula/alteração do contrato). Mas a questão não pode deixar de ser colocada, se nos é permitido, numa outra perspetiva: desde logo, a do “direito à outorga do compromisso arbitral”, por parte do contraente privado, conforme epígrafe do artigo 182º do CPTA. Tendo sido exatamente nestes termos, recorda-se, que a questão foi colocada no caso em apreciação: “o artigo 182º CPTA atribui mesmo ao cocontrante o direito a exigir à entidade pública contratante a outorga do compromisso arbitral e a constituição de um tribunal arbitral para o efeito, sendo V. Exa. competente para outorgar em nome da ARSA, IP, nos termos do n.º 2 do artigo 184º CPTA (carta da ACCIONA de 10.12.2021 - Doc. n.º 1 junto com a resposta antecedente da ARSA, sombreado no original). O artigo 182º do CPTA preceitua que “o interessado que pretenda recorrer à arbitragem no âmbito dos litígios previstos no artigo 180º, pode exigir da Administração a celebração de compromisso arbitral, nos casos e termos previstos na lei”.
Quanto à última parte do preceito (remissão para a lei), a referência é dúbia, não se percebendo exatamente o seu alcance. Segundo alguns, do que se trata é de remeter para legislação própria, a aprovar, que possa vir a conter a própria regulamentação da arbitragem. Segundo outros, não sendo a referência acompanhada por qualquer expressão que indique a necessidade de uma regulamentação ulterior, do que se trata é de observar as regras da lei que devem ser cumpridas por qualquer compromisso arbitral, aplicando-se o disposto na Lei da Arbitragem Voluntária.
Já quanto à primeira parte do preceito, para muitos, o que aqui está vertido é um verdadeiro “direito potestativo do administrado” a desencadear a arbitragem, mesmo na falta de uma Cláusula Compromissória, o que nem sequer sucede no domínio da Lei da Arbitragem Voluntária.
(…)
É que, o artigo 182º do CPTA foi para além do seu anteprojeto. O artigo 166º do Anteprojeto dispunha que a Administração podia, dentro do prazo de sessenta dias, recusar ou aceitar a arbitragem e que a falta de despacho dentro desse prazo era entendida como recusa. Diferentemente, o artigo 182º não permite a recusa. O que decorre do título VIII do CPTA e do artigo 184º, n.º 1, em particular, é que a Administração dispõe do prazo de 30 dias, “contado desde a apresentação do requerimento do interessado” para a outorga do compromisso arbitral.
Na ausência de resposta atempada, pode o interessado solicitar ao Presidente do Tribunal Central Administrativo territorialmente competente, a designação do árbitro que caberia à Administração designar (artigo 184º do CPTA e os artigos 10º, n.º 4 e 59º, n.º 3, da LAV). A outorga, por parte do Estado, deve ser objeto de despacho do membro do Governo responsável na matéria (artigo 184º, n.º 1, do CPTA). Nas demais pessoas coletivas de direito público, a competência pertence ao presidente do respetivo órgão dirigente (artigo 184º, n.º 1, do CPTA). O requerimento do interessado produz efeitos equivalentes aos que produziria se houvesse uma cláusula compromissória celebrada entre a Administração e o particular. Está vedada à Administração uma recusa pura e simples da arbitragem. Quando muito, poderá haver desacordo quanto aos termos do compromisso proposto, acertando-se os termos do mesmo. Tal e qual sucedeu no presente caso, e como adiante melhor se concretizará.
(…)
Assim, e para não nos alongarmos em demasia, no entender da ARSA, a circunstância de o recurso à arbitragem não ter sido consagrado no contrato não proibia, em abstrato (independentemente das particularidades do caso) e em absoluto (com supressão do próprio direito de acesso aos tribunais por via da consagração constitucional dos tribunais arbitrais e do regime constante dos artigos 180º e seguintes do CPTA e do artigo 476º do CCP), o recurso à arbitragem. A lei e a própria Constituição estabelecem, muito claramente, a arbitragem como uma via alternativa e efetiva de tutela jurisdicional, que não pode ser afastada por via regulamentar (caderno de encargos) ou contratual (contrato de empreitada), sendo sabido que a lei prevalece sempre sobre quaisquer disposições das peças do procedimento com elas desconformes (artigo 51º do CCP).
A lei concede ao contraente privado um direito; potestativo, segundo alguns, atenta a fórmula da lei - “exigir da Administração” - à arbitragem. Uma vez exercido esse direito, está a Administração constituída no dever de outorgar o compromisso arbitral. Podendo, quando muito, discordar do compromisso apresentado pelo particular e apresentar uma versão alternativa.
No caso concreto, foi entendimento da ARSA e da Tutela que o pedido de constituição da arbitragem tinha perfeito respaldo legal e estava devidamente fundamentado. Mais, entendeu- se constituir a única saída para assegurar a própria manutenção e viabilidade do contrato, pelas razões que se deixaram indicadas e que se desenvolverão, ainda, de seguida”.
B. Quanto à identificação concreta e detalhada dos factos que permitiram o enquadramento na alínea a) do n.º 3 do artigo 476.º do CCP, designadamente “a elevada complexidade das
questões jurídicas ou técnicas envolvidas, (…) elevado valor económico das questões a resolver
(…)”:
A entidade começou por referir que “Para além da urgência (imperiosa necessidade de submissão do assunto a um tribunal, com vista à obtenção de uma decisão inatacável, em prazo útil), a opção pela arbitragem «ad hoc» foi, ainda determinada pela complexidade das questões envolvidas e o valor substancial do processo.”
Posteriormente, que:
“(…)
A alteração das circunstâncias e o consequente pedido de reposição do equilíbrio financeiro são questões que convocam, por um lado, imbricadas coordenadas jurídicas. É matéria especialmente complexa no domínio da execução dos contratos públicos tudo quanto respeita à modificação objetiva dos contratos, esteja ou não em conexão com a questão específica da alteração das circunstâncias. No caso em apreciação, a complexidade técnica resulta, desde logo, da necessidade de avaliar a evolução do preço real de todos e cada um dos materiais constantes da fórmula de revisão de preços contratual, estabelecendo a comparação com a evolução dos índices oficiais publicados. O que determina uma demorada produção de prova (documental, testemunhal pericial), com convocação de saberes específicos subtraídos, regra geral, ao conhecimento do julgador, aqui se incluindo a realização de peritagens morosas e complexas quanto à questão de saber se são ou não suficientes os índices aplicáveis por força da lei e do contrato. E, no caso de não o serem, qual a medida da correção devida.
Este último conjunto de questões, que se têm inquestionavelmente por complexas, a ACCIONA acabou por agregar na petição inicial da ação arbitral sob dois títulos: “Da comparação dos índices da fórmula de revisão de preços com a realidade”, que desenvolve ao longo dos artigos 210º a 400º da petição inicial;
“Dos cálculos da modificação/compensação”, que desenvolve ao longo dos artigos 708º a 989º da petição inicial. Como é claro, à data da constituição da arbitragem não era conhecida a petição inicial. Mas eram suficientemente conhecidas as questões suscitadas de molde a antever-se um processo complexo, ao nível das questões jurídicas e técnicas envolvidas, tal como se veio efetivamente a verificar. Para que se tenha uma ideia mais precisa da extensão e nível de complexidade associada às questões mencionadas permitimo-nos juntar em anexo a versão definitiva do “Guião de Prova” da ação arbitral (Doc. n.º 3, em anexo) convocando-se a atenção, sem preocupações exaustivas, para o teor das questões 1 a 99 e 164 a 173.
A alínea a) do n.º 3 do artigo 476º do CCP convoca três cenários: i) as questões jurídicas ou técnicas envolvidas no litígio denotarem “elevada complexidade”; ii) as questões a resolver apresentarem “elevado valor económico” e iii) não haver um “centro de arbitragem institucionalizado competente na matéria”. As situações elencadas pela lei não são cumulativas, mas sim alternativas, como resulta seguro da fórmula legal usada. As duas primeiras situações estão entre vírgulas e a terceira situação - “centro de arbitragem institucionalizado competente na matéria” — é precedido da conjunção alternativa “ou”.
Em cada uma das três indicadas situações é permitido 0 recurso à arbitragem não institucionalizada. Entende a lei, nas situações descritas, poder ser “aconselhável” a constituição de um tribunal arbitral ad hoc. Tendo sobretudo presente as duas primeiras situações em que pode, no dizer da lei, ser aconselhável a submissão do litígio à jurisdição de um tribunal arbitral não integrado em centro de arbitragem institucionalizado (“elevada complexidade” e “elevado valor económico”) fica claro que, na perspetiva do legislador, um tribunal arbitral ad hoc poderá estar mais habilitado do que um centro de arbitragem institucionalizado para lidar com os casos mais exigentes. A solução legal consagrada não terá sido certamente alheia à prática consolidada nos últimos anos, ao nível dos grandes contratos administrativos, nos quais se foi elegendo, sistematicamente, a via arbitral através da constituição de tribunais ad hoc. Do que se trata, pois, é de preservar essa solução para os contratos de maior complexidade e valor (ou, ao menos, continuar a possibilitar essa via), sem prejuízo do apelo feito à arbitragem institucionalizada relativamente aos demais contratos. De outro modo, dificilmente se compreenderia a eleição destes critérios para a escolha da arbitragem ad hoc quando é certo, como tem vindo a fazer notar alguma doutrina, que eles também poderiam ser operativos no domínio da arbitragem institucionalizada.
Em linha com o próprio pedido da ACCIONA, nas deliberações da ARSA a que já se fez referência e, muito em particular, na deliberação de 22.11.2021, foram invocadas as duas primeiras situações: i) “complexidade da matéria” e “os valores em causa”, às quais se aditou a urgência.
A respeito da complexidade invoca-se tudo quanto se deixou anteriormente dito, afigurando- se a matéria em apreciação de inegável complexidade técnica e jurídica. “O elevado valor económico” é um conceito indeterminado.
No caso, havia uma questão certa a resolver, à partida, que tinha um valor estimado (em razão das insistências levadas a cabo pela ARSA): 66.405.488,40€ (sessenta e seis milhões, quatrocentos e cinco mil, quatrocentos e oitenta e oito euros e quarenta cêntimos)
correspondente ao incremento do custo. Ou, no limite, 51.289.467,66€ (cinquenta e um milhões, duzentos e oitenta e nove mil, quatrocentos e sessenta e sete euros e sessenta e seis cêntimos) se considerarmos que15.116.020,74€ (quinze milhões cento e dezasseis mil e vinte euros e setenta e quatro cêntimos) eram resultantes já da aplicação obrigatória da fórmula legal e contratual de revisão de preços; em face disto, a ARSA considerou que estava em disputa um valor elevado. Muito elevado, mesmo”.
C. Sobre qual a especial complexidade do processo que justifica que o mesmo não possa ser julgado num tribunal do Estado ou num centro de arbitragem institucionalizado:
“Na decisão da ARSA, o afastamento do Tribunal Administrativo ficou-se a dever à premência do assunto, tal como anteriormente se deixou expresso. É este o sentido da invocação da urgência na deliberação de 22.12.2021: “necessidade de uma decisão rápida”. O que seguidamente se acrescentou — “que com saber técnico e segurança jurídica resolva a situação, com vista à prossecução do interesse público subjacente à celebração do contrato”
— tinha unicamente em mente o tribunal ad hoc a constituir. Não se destinava, de forma alguma, a diminuir o Tribunal do Estado, designadamente por se entender que estava impedido de avaliar a situação por força da complexidade. Penalizamo-nos no caso de poder ser esse o sentido dado à frase.
Como se indicou anteriormente, no entender da ARSA, por não serem cumulativas as situações elencadas no artigo 476º, n.º 3, a), do CCP não se impunha a avaliação da existência de um centro de arbitragem institucionalizada competente na matéria.
O pedido da ACCIONA, que se considerou fundamentado, pelas razões já explicitadas, consistia na constituição de um “tribunal arbitral não integrado em centro de arbitragem institucionalizado” (carta da ACCIONA de 10.12.2021).
Ainda assim, o assunto não deixou de ser ponderado.
Constituiu preocupação maior da ARSA a garantia da escolha livre dos árbitros (…).
A via de uma arbitragem institucionalizada, que até poderia ter recaído no Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, em que as partes nem sempre têm, à partida, a garantia de escolha livre dos árbitros, não dava plenas garantias. Não é certamente alheia a esta situação a circunstância de as disputas relativas a contratos desta envergadura e complexidade tenderem a ser, em regra, como já se deixou dito e adiante mais detalhadamente se apontará, dirimidas por tribunais arbitrais ad hoc. No fundo, a conclusão a que se chegou, nesta fase, não diverge, em substância, da avaliação que foi feita pela ARSA
ao tempo da elaboração das peças do procedimento e que acabou por ficar plasmada nas mesmas. De outro modo, a arbitragem institucionalizada teria sido consagrada no concurso. E não foi. Não foi por se ter entendido que ela poderia bem não ser a solução mais acertada, em face da envergadura e complexidade do contrato (seguramente, uma das maiores empreitadas lançadas pelo Estado nos últimos anos e a maior, em administração direta do Estado, desde há muito tempo, no sector da saúde) e da correspondente multiplicidade de questões e litígios que da respetiva execução poderiam advir. Sobretudo, quando é certo que a lei impõe, nos termos disciplinados no n.º 2 do artigo 476º do CCP, uma opção inteiramente fechada: escolha à partida de um determinado centro de arbitragem e das respetivas regras - modo de constituição do tribunal e do processo a aplicar.
Além disso, considerou-se que uma opção desse tipo poderia reduzir a concorrência, ao impor a todos os potenciais interessados, sob pena de exclusão das propostas, a adesão a um modelo pré-determinado de resolução de conflitos.
Afastada, aquando do lançamento do concurso, a arbitragem institucionalizada, pouco sentido faria, por maioria de razão, a consagração, ao tempo, de uma arbitragem não integrada em centro de arbitragem institucionalizado. Ao tempo do lançamento do concurso não estavam reunidas as condições para uma completa apreciação do assunto, tal como o n.º 3 do artigo 476º do CCP convoca.
Sobrava, por conseguinte, a remissão para o Tribunal do Estado. Remissão essa que pouco ou nada acrescenta à solução que sempre resultaria da lei, como já se deixou dito e que não pode nem deve ser lida, no entender da ARSA, como um impedimento à arbitragem, em face do regime legal descrito”.
D. No que respeita à avaliação dos custos estimados com o processo arbitral e às variáveis utilizadas para esse efeito (conforme exigido pelo n.º 4 do artigo 476.º do CCP), bem como com a assessoria jurídica, nos valores, respetivamente, de 450.000,00 € e 119.925,00 €:
“No entender da ARSA, o artigo 476º, n.º 4, do CCP não impõe uma avaliação de impacto dos custos prévia à opção pela submissão de litígio a tribunal arbitral não integrado em centro de arbitragem institucionalizado. Na leitura que faz a ARSA do preceito, a avaliação em questão surge no seguimento da escolha tomada e não como pressuposto necessário. O elemento literal não permite outra interpretação. A situação não é equivalente, pois, a outro tipo de situações (por exemplo, a que está consagrada no artigo 36º, n.º 3, do CCP) em que a avaliação constitui um elemento relevante da própria decisão a tomar e não uma obrigação ulterior.
Do que mais se trata, pois, no entender da ARSA, é de dispor de uma avaliação que permita, desde logo e entre outros aspetos, orçamentar e cabimentar a despesa. A estimativa foi feita em razão das duas componentes indicadas: processo arbitral e assessoria jurídica.
O valor de 450.000,00€ resultou da aplicação da tabela anexa ao regulamento do centro de arbitragem comercial ao valor estimado da arbitragem e teve em consideração todos os custos. É uma estimativa e não um valor fechado, que ao tempo não era possível determinar, como ainda hoje não é, na medida em que compete ao tribunal arbitral, a final (na sentença) decidir o modo de repartição dos encargos e os custos da arbitragem, tendo presente, entre outros aspetos, o decaimento.
O valor foi indicado, pois, por referência ao valor estimado total da arbitragem, incluindo todos os custos com o processo arbitral. Verifica-se ter sido o valor indicado em excesso, no que toca ao valor final a suportar pela ARSA. Da soma das duas parcelas indicadas nos despachos do tribunal arbitral de 12.07.2022 e de 12.10.2022 (€333.252.08 e €20.448,45) resulta o valor de
€ 353.700,53. A título de provisão, esse valor deverá ser repartido pela ACCIONA e pela ARSA, em partes iguais, conforme resulta igualmente dos indicados despachos. O que significa que, neste momento, os custos com a arbitragem para a ARSA já indicados pelo respetivo tribunal totalizam € 176.850,26. Mesmo tendo em conta a álea resultante do valor da peritagem (impossível de estimar, à partida), do próprio desenrolar do processo arbitral e do decaimento (tudo fatores a ponderar na atribuição final dos encargos) é de crer, em face dos dados mais concretos de que já se dispõe, neste momento, que o valor final a suportar pela ARSA possa ficar bem aquém do montante de 450.000€.
O valor de 119.925.00€ é o encargo total com a assessoria (IVA incluído)”.
E. O Gabinete do MS também foi questionado por que razão o então SES autorizou, em 19.01.2022, a constituição do referido TA ad hoc, nos termos propostos pela ARSA, quando não tinha sido apresentada fundamentação de facto que permitisse aferir que a situação tinha enquadramento na alínea a) do n.º 3 do artigo 476.º, nem avaliação de impacto dos custos da opção de submissão do litígio a tribunal arbitral ad hoc, como se exige no n.º 4 do artigo 476.º do CCP:
A este respeito, o Gabinete do MS veio esclarecer159 o seguinte:
159 Através de ofício enviado por e-mail registado na Direção-Geral do Tribunal de Contas com o n.º 1794/2023, em 28.02.
“O despacho do então Secretário de Estado da Saúde, E…, de 19.01.2022, aposto sobre uma proposta apresentada pela ARS Alentejo, adere à fundamentação de facto e de direito constante da mesma, ao referir que “Autoriza a constituição do Tribunal Arbitral e outorga do compromisso arbitral nos termos propostos” [sublinhado nosso]. Ou seja, o então Secretário de Estado da Saúde decidiu mediante declaração de concordância com os fundamentos da proposta apresentada, e que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato, nos termos do artigo 153.º do Código do Procedimento Administrativo. De resto, no corpo do citado ofício é referido (e anexado) um email de 23.12.2021, no qual havia sido solicitada a autorização para outorga de compromisso arbitral e constituição de Tribunal arbitral, traduzindo-se, assim, este ofício, no culminar de uma série de interações ocorridas entre a ARS Alentejo e o Gabinete do Sr. Secretário de Estado, onde foi sendo explanada a argumentação defendida e que justificava a opção tomada. Remete-se, para facilidade, o ofício com o despacho e a documentação de 23.12.2021 (já junta com a nossa anterior resposta), considerando-se que o despacho do então Secretário de Estado da Saúde engloba os fundamentos aduzidos na proposta e nos seus anexos, devendo a remissão ser entendida no sentido de que o ato administrativo absorveu e se apropriou da respetiva motivação ou fundamentação, aliás como é uniforme e pacificamente entendido pelos tribunais superiores (veja-se, por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo comos n.ºs de processo 034525, de 26.09.1995 e 0554/10, de 02.12.2010, ambos consultáveis xxxxx.xxxx.xx).
Remete-se, adicionalmente, para a informação que venha a ser prestada pela Administração Regional de Saúde do Alentejo, IP, quanto às questões referidas nas alíneas a) e b) do vosso ofício, e que foram igualmente colocadas àquela instituição”.
F. Como se compatibilizam os n.ºs 2 e 3 da cláusula 1.ª do compromisso arbitral160, com o n.º 6 do artigo 2.º da LAV, nos termos da qual, “O compromisso arbitral deve determinar o objeto do litígio; a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem”:
160 Que sob a epígrafe “Objeto”, dispõe o seguinte: «1. O presente Compromisso Arbitral tem por objeto dirimir a pretensão (compensatória, indemnizatória ou de reequilíbrio económico-financeiro) da ACCIONA no âmbito do Contrato, por força da alteração das circunstâncias por esta invocada; 2. No objeto do litigio podem, ainda, ser incluídos, pela ACCIONA, outros pedidos indemnizatórios ou compensatórios não relacionados com a alteração das circunstâncias fundamentada nas cartas identificadas nos considerandos II e III; 3 O objeto do litigio pode, também, incluir a análise da viabilidade legal e forma de consagração de um critério para a compensação futura da variação, para mais ou para menos, dos custos de produção (mão de obra, materiais e equipamentos, entre outros) da Empreitada
As cartas referidas nos considerandos II e III, são as cartas da ACCIONA datadas de 10.12.2021, 21.12.2021 e 18.01.2022.
“(…) O objeto do litígio foi definido na cláusula primeira do compromisso arbitral. Começa o mesmo por dizer respeito à indemnização/compensação propriamente dita que possa vir a resultar diretamente do reequilíbrio do contrato, em razão da alteração das circunstâncias (n.º 1 da cláusula primeira). É clara a relação jurídica a que o litígio respeita - contrato de empreitada.
Pelas razões que já ficaram enunciadas e que se prendem, nomeadamente, com as reiteradas reservas de direitos do Empreiteiro, não era de afastar a possibilidade de aquele vir a suscitar questões respeitantes à execução do contrato, não diretamente relacionadas com o tema dos sobrecustos resultantes da alteração das circunstâncias.
Essas questões haviam já sido identificadas na troca de correspondência que precedeu a outorga do compromisso arbitral, nos termos que ficaram expressos. As questões acabaram, na realidade, por integrar o argumentário da ação arbitral (petição inicial), ainda que não tenham dado origem a pedidos compensatórios diferenciados.
A avaliação que foi feita, como já ficou dito, em linha com as próprias razões que determinaram a aceitação da arbitragem, por parte da ARSA, foi a de que seria de toda a conveniência e utilidade a obtenção de uma decisão única, célere e capacitada para a generalidade das dúvidas e disputas respeitantes ao contrato. A bem da pacificação do mesmo, em ordem à integral e atempada execução do contrato. Numa abordagem mais técnica, está em causa o princípio da concentração: deve evitar-se a não decisão de questões envolventes, na medida em que tal é suscetível de remeter as partes para ulteriores processos, com tudo o que isso implica no plano dos custos, da incerteza e, bem assim, da própria litigiosidade entre elas. O litígio cometido aos árbitros deve envolver, pois, as questões materialmente conexas. São estas, em suma, as razões que determinaram a inclusão da passagem citada pelo Tribunal de Contas (n.º 2 da cláusula primeira).
A menção à “análise da viabilidade legal e forma de consagração de um critério para a compensação futura da variação, para mais ou para menos, dos custos de produção (mão-de- obra, materiais e equipamentos, entre outros) da Empreitada”. (n.º 3 da cláusula primeira) figura na proposta de compromisso arbitral da ACCIONA. Tem a menção que ver com a concretização da matéria referida na cláusula primeira do compromisso arbitral inscrevendo- se a cláusula (na apreciação que dela é feita, bem entendido, por parte da ARSA) no comando legal que determina que a reposição do reequilíbrio financeiro deve ser “única, completa e final para todo o período do contrato” (artigo 282º, n.º 4, do CCP).
Chama-se a atenção para a diferença entre a redação que veio a constar do compromisso e a proposta da ACCIONA, tal como figurava na cláusula primeira do compromisso arbitral por esta proposto (anexo à carta de 10.12.2021): “O presente Compromisso Arbitral tem por objeto dirimir a questão do valor da compensação a atribuir à ACCIONA no âmbito do Contrato, pela alteração das circunstâncias verificada, bem como fixar um critério para a compensação futura da variação, para mais ou para menos, dos custos de produção (mão-de-obra, materiais e equipamentos, entre outros) da Empreitada”.
Como também já ficou dito, os pedidos indicados comungam, no entender da ARSA, da complexidade técnica associada ao pedido de pagamento dos sobrecustos invocados por força da alteração das circunstâncias invocada.
O objeto do litígio vem, assim, tal como se indica no Regulamento de Funcionamento do Tribunal e do Processo Arbitral, a “resultar dos articulados das partes, nos limites do Compromisso Arbitral celebrado entre as Partes, em 16 de fevereiro de 2022.” (artigo 4º do indicado Regulamento)”.
G. Sobre o facto de a cláusula (14.ª) do Regulamento de Funcionamento do Tribunal e do Processo Arbitral, dispor no sentido da irrecorribilidade da decisão do TA ad hoc161, em desrespeito do disposto no n.º 5 do artigo 476.º do CCP:
Num primeiro momento162, a ARSA, alegou o seguinte:
“O “Regulamento de Funcionamento do Tribunal e do Processo Arbitral” foi elaborado, como é norma, pelo próprio Tribunal e enviado às partes (aos respetivos mandatários). Não foram levantadas objeções nem sugeridas alterações ao documento, tendo as partes aderido ao mesmo. A ARSA não procedeu, por ela própria, a análise e validação do documento, tendo considerado que tal melhor cabia ao Tribunal, em primeira linha, e aos advogados. Neste contexto, a resposta quanto à consagração da cláusula indicada não compete, com todo o respeito e salvo melhor opinião, diretamente à ARSA. Sempre se dirá, ainda assim, que se tem por certa a inaplicabilidade da cláusula, caso se confirme a sua incompatibilidade com o CCP”.
Posteriormente, através do ofício SAI-ARSA/2023/635, de 12.05, a ARSA informou que conforme decisão do TA, datada de 29.03.2023, em função do requerimento apresentado por pelo seu advogado, em 13.03.2023, a cláusula 14.ª do Regulamento de Funcionamento do
161 “O Tribunal julgará segundo o direito constituído e da sua decisão não cabe recurso”
162 SAI-ARSA/2023/211, de 27.02.
Tribunal e do Processo Arbitral, foi alterada, passando a dispor que “O Tribunal julgará segundo o direito constituído”.
Atenta a referida alteração ao clausulado, considera-se que foi reposta a legalidade no que respeita à exigência prevista no artigo 476.º, n.º 5, do CCP, nada mais havendo a observar quanto a esta matéria.
H. No que toca às razões que determinaram que a ARSA tenha apresentado um modo de cálculo de honorários e encargos com o processo arbitral que, comparativamente com a proposta apresentada pela ACCIONA, implicou que os montantes de 120.000,00 € e 10.000,00 € passassem para 333.252,08 € e 20.448,45 €, respetivamente, para os honorários dos árbitros e para os encargos com o Secretário/administrativos:
“Cedo se considerou o compromisso arbitral proposto pela ACCIONA desadequado e inaceitável.
Sem preocupações exaustivas, tenha-se presente o que nele figurava quanto ao objeto, nos termos que se deixaram já indicados e, bem assim, quanto às matérias seguintes: - todos os árbitros designados por acordo; - sede do tribunal: Évora; - dois articulados com os seguintes prazos:
-10 dias para a apresentação da petição inicial e igual prazo para contestar;
-5 dias para a reconvenção;
-Instrução constituída exclusivamente por perícia; - perícia realizada por dois peritos (cada parte indica o seu), podendo ser apresentado relatório comum ou separado;
-Alegações de facto e de direito em prazo simultâneo de dez dias.
Destaca-se, em especial, o teor do n.º 1 da cláusula nona: “Não estando em causa uma questão de estrita legalidade, mas a fixação do valor e do critério da compensação a atribuir pela alteração das circunstâncias, o Tribunal Arbitral fica autorizado a julgar segundo a equidade”. (…)
Atento o que fica dito, e tendo presente a questão concreta formulada pelo Tribunal de Contas, entendeu a ARSA que não era adequado à defesa dos interesses do Estado o compromisso arbitral proposto pela ACCIONA, incluindo o valor dos honorários e encargos, que se considerou insuficiente, atenta a magnitude e complexidade da arbitragem em perspetiva e a prática do foro.
O que a ARSA começou por fazer, desde o primeiro momento, foi impor uma arbitragem plena, capaz de assegurar um efetivo contraditório; isto é, uma defesa plena dos interesses do Estado. Para tanto, quis a ARSA aderir a uma padronização de critérios e soluções
experienciados e implementados pelo Estado português nos litígios respeitantes aos grandes contratos administrativos, digam ou não respeito à realização de obras públicas, nos mais variados sectores de atividade. Pede-se a atenção para o que a este respeito mais detalhadamente se indica a propósito da questão seguinte.
É esta a razão para a adesão à regulamentação do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa.
(…) A opção da ARSA foi pela adesão a um modelo padronizado, que inclui regulamentação e tabelas próprias, conhecidas e aplicadas pela generalidade dos contraentes, Estado incluído, que não limitasse, à partida, a defesa da ARSA e, bem assim, a escolha dos melhores e mais capacitados árbitros para decidir o litígio. Por essa razão, precisamente, entendeu a ARSA poder e dever reduzir os encargos (cláusula 5º, n.º 3 do compromisso arbitral), mas já não os honorários dos árbitros.
Os indicados valores de 333.252,08€ e de 20.448,45€ resultam, pois, da tabela aplicável (com a redução de 50% respeitante aos encargos, nos termos indicados) e não de um qualquer modelo de cálculo de honorários e encargos especificamente criado pela ARSA para o caso”.
I. Ainda no que respeita aos honorários dos árbitros, qual a razão para a ARSA ter proposto a aplicação da tabela n.º 1, anexa ao regulamento em vigor no Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa:
“A indicação do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e respetiva tabela inscreveu-se no objetivo, conforme anteriormente indicado, de adesão a um modelo padronizado utilizado pelo Estado em arbitragens de elevado valor e complexidade. Arbitragens essas, tanto quanto é público e é do conhecimento da ARSA, que dizem respeito a contratos públicos (concessões e empreitadas) nos setores, entre outros, da saúde, segurança, ferrovia e rodovia, consistindo em arbitragens administrativas, tal como a presente. Feita uma pesquisa no site da UTAP -— Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (xxx.xxxx.xxx.xx) é possível o acesso aos contratos, com informação agregada por áreas de atividade.
(…)
No site do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa - Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx) figuram decisões arbitrais sobre litígios de direito público envolvendo o Estado.
O Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa é o mais antigo Centro de Arbitragem em funcionamento no país. Nos termos dos respetivos Estatutos
(disponíveis em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx), cabe-lhe “Administrar arbitragens voluntárias institucionalizas e processos alternativos de resolução de litígios, em matérias não excluídas por lei, de carácter económico, público ou privado, internos ou internacionais (artigo 28, b)). O Centro dispõe de um “Regulamento de Arbitragem Administrativa Pré-Contratual Urgente” (disponível em xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxx.xx). De acordo com o disposto no artigo 1, n.º 1, do referido Regulamento, “(...) aos processo arbitrais que tenham por objeto a impugnação ou a condenação à prática de atos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos aplica- se o Regulamento de Arbitragem Comercial, incluindo, se for o caso, respetivos anexos, com as especificidades constantes do presente Regulamento e salvaguardada a natureza e especial urgência do processo”.
Não sofre dúvida, pois, que o Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa dispõe de competências em matéria de litígios de direito público, aos quais é aplicável o respetivo Regulamento, nos termos indicados”.
J. Tendo sido fixada pelos despachos do árbitro presidente do TA ad hoc, datados de 13.05.022, 12.07.2022 e 12.10.2022, a quantia de 20.448,45 €, a título de encargos administrativos devidos com a arbitragem, a que se reportam os citados encargos administrativos163 e por que motivo a liquidação dos mesmos não foi feita à secretária nomeada para o TA ad hoc, mas sim para o Escritório de Advogados onde funciona a respetiva sede. Esta mesma questão coloca-se quanto ao pagamento dos honorários ao árbitro presidente:
Também relativamente a este assunto a ARSA apresentou, inicialmente, a justificação constante do ofício com a referência SAI-ARSA/2023/211, de 27.02, no qual menciona:
“Os encargos administrativos com o processo arbitral consistem, no entender da ARSA, e de acordo com o que está estabelecido, no apoio administrativo e na gestão e organização de todo o processo (incluindo a receção e resposta a todo o expediente relacionado com a arbitragem, nisto se incluindo, entre outras, a notificação das decisões do tribunal, a receção e disponibilização ao tribunal dos articulados, documentos e requerimentos das partes, contagem de prazos, elaboração de atas e outra documentação necessária, o envio e controlo
163 Considerando que nada se refere a esse propósito na cláusula 5.ª do compromisso arbitral assinado entre as partes em 16.02.2022, cujos n.ºs 3 e 4, mencionam apenas a remuneração dos árbitros e do secretário do TA, aludindo o n.º 6, daquela cláusula, a outras despesas com o processo, designadamente “aluguer de salas, gravação de prova oral, transcrições, etc.” a suportar mediante adiantamento das partes.
dos pagamentos respeitantes à arbitragem). Acrescem ainda aos encargos a disponibilização e utilização de salas, com respetivo apoio técnico (n.º 6 da cláusula quinta do compromisso arbitral).
No n.º 3, c) do despacho do Tribunal Arbitral de 12.07.2022 e no n.º 2 b) do despacho do Tribunal Arbitral de 12.10.2022 foi calculado o valor total dos encargos devidos com a arbitragem, em razão do valor da mesma (€ 71.119.022,67), do disposto na tabela aplicável e, bem assim, da redução de 50% imposta pelo n.º 3 da cláusula quinta do compromisso arbitral. Para além do que figura, a este respeito, no compromisso arbitral e nos dois despachos indicados, nada mais foi transmitido à ARSA a respeito do assunto.
Não é do conhecimento da ARSA, por conseguinte, o motivo da não liquidação/pagamento a favor da secretária nomeada no n.º 3 da deliberação do Tribunal Arbitral de 06.04.2022».
Adicionalmente, em 17.05.2023, através de mensagem de correio eletrónico, a ARSA, veio esclarecer que;
“(…) todos os pagamentos, incluindo os que dizem respeito às faturas emitidas pelo escritório de advogados mencionado, (I… & Associados) dizem respeito aos preparos da presente arbitragem, conforme despachos do Tribunal Arbitral e respetivas faturas. As faturas, em concreto, emitidas pela indicada sociedade de advogados dizem respeito aos montantes devidos ao Senhor Xxxxxxx Presidente e à Senhora Secretária do Tribunal.
A ARSA, estando certa da despesa que está a pagar e da sua relação com a Arbitragem, não questionou a opção do Árbitro Presidente e do Secretariado ser pago à sociedade que estes integram e no seio da qual emergem os serviços de suporte ao Tribunal Arbitral”.
K. A fundamentação para a contratação, por ajuste direto, do escritório de Advogados que presta assessoria jurídica e patrocínio judiciário à ARSA no processo de arbitragem:
O facto de já se encontrar a prestar assessoria jurídica no âmbito do processo relativo à empreitada, tendo-se estabelecido uma relação de confiança entre as partes que a ARSA qualifica como essencial ao mandato forense, referindo, a esse respeito, o seguinte:
“(…) os serviços jurídicos a contratar respeitam assim, ao patrocínio judiciário – constituição de advogado em ação denominado (mandato forense).
O mandato forense tem uma característica única e distintiva: baseia-se numa relação de confiança, pelo que, nesta contratação não está, assim, em causa, a escolha do advogado mais qualificado – critério qualitativo (com melhor curriculum ou mais experiência), ou do advogado mais barato - critério quantitativo. Trata-se de uma escolha de plena confiança que
o mandato pressupõe e exige. Num processo como este e com este nível de complexidade, o que está em causa é o prestador, ou seja, estamos no domínio da aquisição de prestações insuscetíveis de avaliação no âmbito de procedimentos concorrenciais máxime prestações de serviços intelectuais – alínea b) do n.º 1 do artigo 27.º do CCP”.
V. ALEGAÇÕES APRESENTADAS NO EXERCICIO DO CONTRADITÓRIO
213. Na sequência da notificação para se pronunciarem, querendo, sobre o conteúdo do relato intercalar desta auditoria, nos termos do artigo 13.º, n.ºs 1 e 2 da LOPTC, a Presidente e a Vogal do CD da ARSA, respetivamente A… e B…, na qualidade de representante da entidade auditada (a 1.ª) e de indiciadas responsáveis (ambas), apresentaram alegações conjuntas em 22.01.2024164.
214. As alegações produzidas pelas indiciadas responsáveis não impugnam a factualidade descrita e, não obstante, em termos de orientação metodológica, abordarem pela mesma ordem as questões apreciadas nos diversos pontos do relato (e reproduzidos neste relatório), não contradizem ponto por ponto as interpretações e imputações aí apresentadas (xxxxx, há questões sobre as quais não se pronunciam, como sejam as relativas aos pagamentos dos honorários do árbitro presidente e da secretária do TA ad hoc efetuados à Sociedade de Advogados I… ou sobre as custas do processo arbitral), reiterando muitas das justificações já anteriormente apresentadas e expostas no capítulo IV do presente relatório, a que acresce, agora, a invocação de circunstâncias com vista à contextualização da situação em que atuaram e para uma melhor compreensão relativamente às opções e decisões que então adotaram.
215. Nesse sentido, as indiciadas responsáveis do CD da ARSA alegam o seguinte:
A. Relativamente à constituição do TA ad hoc:
“(…)
4. A reposição do equilíbrio financeiro do contrato não requer necessariamente a intervenção de qualquer Tribunal, conquanto a decisão de o operar se encontre devidamente circunstanciada e fundamentada de facto e de direito.
5. Porém, como certamente se compreenderá, o valor total da empreitada e o valor do pedido de reequilíbrio financeiro, pelo seu volume e relevância, desaconselhava, evidentemente que
164 Ofício SAI-ARSA/2024/101, em anexo II a este relatório.
essa decisão fosse tomada pelo Conselho Diretivo da ARSA ou até pelos membros do Governo, sem intervenção de peritos na matéria e por quem não tivesse qualquer interesse na equação em análise.
(…)
9. O reequilíbrio financeiro num contrato do volume financeiro do que aqui está em causa, que implica um acréscimo de encargos na ordem dos 50 a 80 milhões de euros, não é, pois, uma decisão que deva ser tomada de forma solitária pelo órgão de gestão da Instituição e a determinação do acréscimo de encargos reclamados em sede de reposição do equilíbrio financeiro do contrato, carece de conhecimentos técnicos especializados, seja da área da engenharia e economia, seja da área jurídica, precisamente pela complexidade que lhe é inerente.
(…)
12. Note-se, ademais, que o Conselho Diretivo (CD) da ARSA nem sequer se encontrava completo, sendo ainda hoje, constituído apenas por dois elementos, com as limitações que tal circunstância aporta ao seu funcionamento.
(…)
21. Saliente-se que a decisão de constituição do Tribunal arbitral ad hoc não se tratou de uma decisão unilateral do Conselho Diretivo da ARSA.
22. Tratou-se de assunto debatido com a Tutela, que aprovou os documentos enformadores, por partilhar da preocupação da ARSA com o momento crítico em que se encontrava a execução do projeto de construção do novo Hospital Central do Alentejo, sob ameaça de paragem com os prejuízos inerentes.
(…)
25. Tendo autorizado também a contratação da assessoria jurídica e patrocínio judicial subsequente.
(…)
36. Foi neste preciso contexto fáctico e com base no acervo documental, integralmente junto ao presente processo nas comunicações remetidas pela ARSA a instâncias desse Venerando Tribunal de Contas, que o Conselho Diretivo, estribado na prévia autorização do membro do Governo para a constituição do Tribunal Arbitral ad hoc e aderindo à fundamentação aduzida que, por deliberações de 22.12.2021 e de 26.01.2022, respondeu favoravelmente ao pedido deduzido pela requerente Acciona.
(…)
39. Em resumo: as circunstâncias em que foi indicado o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, ao tempo do lançamento do concurso público para a empreitada de construção do Novo Hospital Central do Alentejo (2019), nada têm que ver com a situação com a qual as partes se viram confrontadas em 2021. Em 2019 nada fazia prever que ocorresse uma pandemia no Mundo com os resultados de todos conhecidos, entre outros, ao nível do aumento dos custos de construção. E que, em resultado disso, se impusesse o reequilíbrio económico-financeiro do contrato, nos termos que a troca de correspondência entre a Aciona e a ARSA já indiciava e que se vieram a confirmar na ação posteriormente intentada.
(…)
43. No percurso cognitivo que determinou a proposta da ARSA e decisão partilhada com a tutela, foram tidas em consideração, evidentemente, as particulares circunstâncias do caso, tais como, a possível paragem temporária ou mesmo definitiva da obra, tendo-se considerado que não existiam condições mínimas para a submissão do litígio em presença ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja. Na verdade, registam-se tempos médios nacionais de pendência (agravados no TAF de Beja) em ações como a que ao caso caberia, situados entre os 44 e os 182 meses, conforme dados disponibilizados pelo Ministério da Justiça, relativamente à jurisdição administrativa, tempos que não se compatibilizavam com a preservação do contrato, inviabilizando a execução da obra e de todo o Projeto e determinando a perda do financiamento comunitário.
(…)
46. A solução legal consagrada e autorizada pela Tutela – Dono da Obra – não terá sido certamente alheia à prática consolidada nos últimos anos, ao nível dos grandes contratos administrativos, nos quais se foi elegendo, sistematicamente, a via arbitral através da constituição de tribunais ad hoc. Entendeu-se que do que se tratava, era de preservar essa solução para os contratos de maior complexidade e valor (ou, ao menos, continuar a possibilitar essa via), sem prejuízo do apelo feito à arbitragem institucionalizada relativamente aos demais contratos.
(…)
48. O Conselho Diretivo da ARSA – as duas visadas acima identificadas – analisaram atentamente a argumentação expendida no Relato a que ora respondem, designadamente o enquadramento e análise jurídica da questão sub judice e, embora compreendam os fundamentos expostos, devem dizer que agiram convictas de que as decisões que tomaram se encontravam estribadas nos normativos legais aplicáveis e fizeram-no na convicção do rigoroso cumprimento da Lei e com assessoria jurídica especializada na matéria em causa.
(…)
54. Como sabemos, muitos litígios são dirimidos com recurso à arbitragem ad hoc sem que haja – acredita-se – consciência por parte dos decisores das vicissitudes com as quais podem vir a ser confrontados posteriormente como resulta do douto enquadramento efetuado por esse Venerando Tribunal de Contas.
55. Por outro lado, ainda, afigura-se-nos igualmente, que estamos perante um quadro legal difuso, com regras demasiadamente abertas, permitindo opiniões diversas, como se conclui da posição assumida por esse Venerando Tribunal de Contas – que muito se respeita e se desconhecia.
56. Em confronto com a opinião do Jurisconsulto, Prof. Doutor P… que foi chamado a pronunciar-se sobre a mesma temática pela Aciona e que emitiu o Parecer que se junta (68 páginas).
57. Tal ambiguidade do quadro legal (que agora constatamos) não confere segurança, gerando incertezas e dúvidas que não são compatíveis com a pretendida clareza e transparência que deve nortear – e no caso, norteou – a atuação dos órgãos administrativos.
58. Desconhece-se jurisprudência ou doutrina desse Venerando Tribunal de Contas que permitisse uma atuação em conformidade, em momento prévio à tomada de decisão, de forma consentânea com a posição defendida no Relato a que nos referimos, o que reforçou a convicção de legalidade na conduta encetada.”
216. As indiciadas responsáveis anexaram às alegações um parecer jurídico, emitido, em 17.03.2023, pelo Professor PP….
217. O parecer foi dado já depois da tomada de decisões de constituição do TA ad hoc pela ARSA, e não antes, na sequência da colocação de um conjunto de perguntas – a que o Autor alude – pelo TdC, uma vez que havia uma ação de fiscalização concomitante a correr sobre a empreitada de construção do Hospital Central do Alentejo.
218. Responde a duas questões:
a) Será lícita a constituição de um tribunal arbitral, ao abrigo do Código de Procedimento Administrativo e do Código dos Contratos Públicos numa empreitada de obras públicas, cujo contrato não previa o recurso à arbitragem?
b) Será válida a constituição de um tribunal arbitral ad hoc em alternativa ao recurso a uma arbitragem institucionalizada?
219. Em síntese, sustenta o Autor, relativamente à primeira questão (a)) que decorre do artigo 181.º, alínea a), do CPA um direito potestativo na titularidade dos particulares de exigirem o recurso à
arbitragem (“o direito à outorga de um compromisso arbitral, funciona como expressão de um verdadeiro direito potestativo”, p. 23 e ainda pp. 17, ss.; p. 23; pp. 27-28, p. 30 de p.62 e p. 64, já nas conclusões). Exercido o direito pela ACCIONA, a entidade pública veria a situação jurídica unilateralmente alterada, não sendo o seu consentimento necessário para a constituição do tribunal.
220. Quanto à segunda questão (b)), entende o Autor que: os pressupostos fixados na lei para o a opção pela administração preenchido concertos indeterminados, como “aconselhável”, em função da complexidade técnica ou valor do contrato escapam, salvo em casos limite, ao controlo judicial, cabendo exclusivamente à administração esse juízo (pp. 43-44). Defende ainda que, não obstante o contrato conter expressamente uma cláusula de foro, nada obsta a que o cocontratante exija o recurso a um tribunal arbitral ad hoc (p. 46 e p. 66, nas conclusões), cabendo-lhe ainda, neste caso, um direito potestativo (p. 49), se se verificarem os pressupostos do artigo 476.º, n.º 3, do CCP (p. 53, pp. 64-65, já nas conclusões).
Vejamos:
221. Relativamente à resposta e fundamentação da primeira questão, elas não são suscetíveis de infirmar o que se expõe, fundamenta e conclui nos parágrafos 122 a 135 do relatório, para onde se remete.
222. Quanto à resposta e conclusões apresentadas relativamente à segunda questão, elas não infirmam o exposto, fundamentado e concluído nos parágrafos 145 e seguintes, maxime 152 e seguintes, 155 e 156 e seguintes, do relatório, para onde se remete.
223. Por conseguinte: as conclusões do relatório mantêm-se, assim como a sua concretização nas observações de auditoria.
B. Relativamente à contratação da assessoria jurídica por ajuste direto à RBMS:
“(…)
61. Como é sabido, pelo menos, nas últimas duas décadas, o Estado desinvestiu no recrutamento de quadros técnicos superiores da área de Direito e na formação especializada dos poucos que mantinha ao seu serviço. (…).
62. Quando as instituições são chamadas, pelos órgãos do poder central, a concretizar e executar projetos com a envergadura daquele que ora nos ocupa, os órgãos de gestão das Instituições são confrontadas com dificuldades inerentes à necessidade de cumprimento de legislação de grande complexidade, como é o caso do Código dos Contratos Públicos, para
cujos meandros e especificidades, enquanto gestores não estão vocacionados, embora conscientes da estrita e imperativa necessidade de lhes dar cumprimento.
63. Assoma ainda a circunstância de que – como todos sabemos – não é qualquer jurista ou advogado que se encontra habilitado para trabalhar com o rigor que se pretende e a experiência requerida, em processos desta natureza, com a dedicação e disponibilidade de tempo para estudo, elaboração de documentos e acompanhamento de todo o processo, dedicando-lhe largas centenas de horas de trabalho. A qualidade adquire-se com a experiência que só o trabalho feito pode aportar.
64. Confrontados com o problema do qual emergiu o objeto do presente processo – pedido pela Acciona para reposição do equilíbrio financeiro do contrato de construção do novo Hospital Central do Alentejo, em face da alteração fundamental das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar – e a necessidade premente de encontrar uma solução rápida/urgente e justa para o problema, de complexidade não despicienda, e perante a ameaça de paralisação da empreitada, circunstância que lhe conferia a urgência, consequente risco de perda de financiamento comunitário e do investimento estatal já efetuado, com abandono do projeto de construção do Hospital indispensável à população a que se destina, a par da falta de técnicos juristas experientes que pudessem dar todo o apoio necessário, o CD determinou a abertura de procedimento com vista à adjudicação de serviços de contencioso, por meio de ajuste direto por critérios materiais, nos termos já melhor expostos nas anteriores comunicações.
65. A par da urgência já evidenciada, contribuiu para a decisão, a relação de confiança (no trabalho desenvolvido) estabelecida entre os profissionais do foro que vieram a ser contratados e a ARSA, por via do trabalho prestado em sede de apoio no âmbito do processo relativo à empreitada, como se justificou nos documentos remetidos a esse Tribunal.
66. Com efeito, como se decidiu na sentença n.º 1/2015 – 3.ª secção – PL, «(n)ão existe óbice legal à contratação pública de serviços jurídicos com convite apenas a um prestador em quem se deposite confiança técnica e profissional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 27.º do CCP, relativamente a processos ou procedimentos pendentes, bem como a processos ou a procedimentos a instaurar em que esteja em causa a tutela urgente do interesse público, e não seja possível, em prazo útil, proceder à avaliação técnica do seu prestador através de parâmetros objetivos (…)». Foi o caso presente.”
C. Por último e à quanto culpa:
“(…)
59. (…) Conselho diretivo da ARSA atuou de boa-fé, com a convicção de estar a agir dentro da legalidade estrita, na defesa do interesse público, desconhecendo que o entendimento do venerando tribunal de Contas é o que consta do relato (…).
60. (…) atuaram, pois, sem consciência (desculpável9 da ilicitude da conduta adotada, ou seja, incorreram em erro sobre a ilicitude do facto, que não lhes é censurável, convictas que estavam da completa legalidade de todos os atos praticados (…).
67. As visadas, Presidente e Vogal do Conselho Diretivo da ARSA, I.P., enquanto membros do órgão de gestão, ao munirem-se de consultadoria jurídica para enquadramento da solução a dar ao problema com que se confrontaram, preparação, acompanhamento e defesa da Instituição no processo subsequente, antes de tomarem qualquer decisão, agiram com o cuidado exigível, esclarecendo-se sobre a legalidade da atuação a empreender, solicitaram e tiveram todo o apoio e colaboração da Xxxxxx assumiram solidariamente as decisões enquanto donos da obra de construção do novo Hospital Central do Alentejo.
68. As dúvidas jurídicas que se suscitassem só poderiam ser esclarecidas por alguém com formação jurídica, experiência e conhecimentos consideráveis em contratação pública e arbitragem, visto que as visadas têm formação, a Presidente em Economia e a Vogal em Direito, mas integrando há mais de trinta anos, a carreira de Administração Hospitalar, sem prática jurídica ou de contencioso.
69.Por isso, a falta de consciência da ilicitude não pode ser considerada como reveladora de uma atitude ético-pessoal de indiferença perante o dever-ser jurídico-infracional, tendo tal falta ou erro [não censurável] o efeito de uma causa de exclusão da culpa, o que, desde já, se requer. (…) (vide, artigo 17.º do Código Penal, aplicável ex vi do n.º 4 do artigo 67.º da Lei de Organização e Processo no Tribunal de Contas [LOPTC])”.
224. As alegantes terminam, solicitando que, caso o Tribunal assim não o entenda, lhes seja relevada a responsabilidade financeira em que, eventualmente, tenham incorrido pela prática dos factos qualificados como infração financeira, nos termos do artigo 65.º, n.º 9, da LOPTC, por considerarem verificados os pressupostos legais constantes da norma.
225. A ARSA fundamentou a decisão de recurso ao TA ad hoc no pedido apresentado pelo cocontratante e no qual se invocou a alteração das circunstâncias resultantes da subida anormal e imprevisível dos custos de produção, no regime legal das modificações contratuais, no valor e complexidade do processo e na previsível morosidade dos Tribunais Administrativos.
226. Dos factos, justificações e alegações apresentadas resulta um conjunto de questões legais, que se abordarão de seguida.
1. O DIREITO DA ACCIONA À CONSTITUIÇÃO DE UM TRIBUNAL ARBITRAL
227. Referiu a ARSA que “o artigo 182.º CPTA atribui mesmo ao cocontrante o direito a exigir à entidade pública contratante a outorga do compromisso arbitral e a constituição de um tribunal arbitral para o efeito”.
228. Conforme se destacou supra nos pontos 6 e 8 do capítulo III deste relatório, um direito nesses termos não tem fundamento legal.
229. E, ainda que existisse em termos gerais, seria sempre inaplicável às arbitragens previstas para a contratação pública, reguladas pelo artigo 476.º do CCP. Norma donde resultam as condições em que os tribunais arbitrais podem ser constituídos, sendo ela lei especial face ao regime geral previsto no CPTA.
230. Acresce que, no caso concreto estava prevista uma cláusula de foro que só poderia ser alterada por acordo das partes. De outra forma, de nada serviriam as cláusulas de foro livremente aceites pela outra parte contratual.
231. Por conseguinte: a ARSA não estava obrigada a aceitar a proposta da ACCIONA de constituição de um tribunal arbitral; uma vez que foi esse o fundamento do ato de aceitação, ele está viciado e, logo, a aceitação foi ilegal.
232. Em sede de contraditório vem alegado que a decisão de constituição do TA ad hoc não foi uma decisão unilateral da ARSA tendo sido um assunto debatido com a tutela e que aprovou os documentos enformadores para a sua constituição e assessoria jurídica para a ARSA.
233. Na factualidade descrita já se identificaram os despachos de autorização nesta matéria, proferidos pelo então SES, ao abrigo de competência delegada pela então MS. Acresce que também se mencionou que estes despachos foram exarados na sequência de e-mails e ofícios
remetidos pela ARSA e concordantes com o então proposto, pelo que, legalmente não foi possível imputar eventuais responsabilidades financeiras a este membro do Governo.
2. A ALTERAÇÃO DA CLÁUSULA DE FORO
234. O contrato celebrado na sequência de um concurso público com publicidade no JOUE entre a ACCIONA e a ARSA contém uma cláusula de foro (cláusula 16.ª - “Regime jurídico e Foro”) que impõe o recurso ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja para dirimir litígios na execução da empreitada.
235. As partes, por acordo, modificaram esta cláusula de contrato, recorrendo à constituição de um tribunal arbitral. Importa saber, em primeiro lugar, se o ato está fundamentado, e, em segundo, se essa modificação contratual seria admissível.
236. Não sendo apresentadas as razões de facto e de direito que conduziram a essa alteração, o ato não está fundamentado. Ela, aliás, nunca foi expressa, mas tácita, decorrendo da aceitação da constituição do tribunal arbitral.
237. Em termos de substância, um contrato público só pode ser objetivamente modificado nos termos e condições previstas no CCP. Daí decorre que o contraente público pode unilateralmente alterar as cláusulas respeitantes ao conteúdo e ao modo de execução das prestações previstas no contrato por razões de interesse público com os limites previstos no CCP [artigo 302.º, alínea c)]. A forma, os fundamentos e os limites dessas modificações estão previstas nos artigos 311.º, 312.º e 313.º CCP. No caso vertente, temos uma alteração por acordo das partes.
238. O fundamento invocado pela ARSA, em resposta ao TdC, e reiterado nas alegações, foi a “alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, conforme foi expressamente invocado pela ACCIONA (“pedido de compensação por alteração de circunstâncias resultante da subida anormal e imprevisível dos custos de produção”. Aumento decorrente da subida dos custos de produção em virtude da pandemia”). Referiu que “Em 2019 nada fazia prever que ocorresse uma pandemia no Mundo com os resultados de todos conhecidos, entre outros, ao nível do aumento dos custos de construção”. Alegaram também que “(…) as circunstâncias em que foi indicado o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, ao tempo do lançamento do concurso público para a empreitada (…), nada têm a ver com a situação em que as partes se viram confrontadas, em 2021”.
239. Acrescentou-se ainda como segunda justificação a necessidade “de preservação do contrato” porque o recurso à jurisdição administrativa “implicaria aguardar por uma decisão que levaria
certamente, numa primeira apreciação, (muitos) anos a proferir. Isso, pura e simplesmente,
inviabilizaria a execução da obra e deitaria por terra todo o projeto.”
240. A cláusula de foro resulta de uma opção da entidade pública. É previsível que no âmbito de um contrato de empreitada com este valor possam surgir litígios de diferente natureza com o empreiteiro, que exijam, na falta de acordo, o recurso à via judicial.
241. Esse facto de caráter económico verificou-se de forma transversal em todos os contratos de empreitada em execução, tendo sido promulgada legislação, justamente para o resolver os seus efeitos sobre os contratos em curso. Não se pode por isso falar de uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias relativas ao conteúdo das prestações do contrato, nomeadamente, as compensações a serem pagas ao empreiteiro, para justificar a alteração de uma cláusula de foro do contrato. Diverso seria se se tratasse de aspeto ligados ao conteúdo do contrato, mas não a esta cláusula em si.
242. Dito isto, uma vez que a entidade pública pode determinar por razões de ordem pública os termos do contrato, seria aceitável que procedesse de outra forma, agora com a concordância da outra parte. Questão diversa é a de saber se no âmbito da contratação pública poderá essa modificação ter por conteúdo o recurso a uma instância arbitral. O que, como se verá, infra, não pode.
243. Por conseguinte, a alteração da cláusula nestes termos é ilegal.
3. DA (I)LEGALIDADE DA CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL ad hoc
244. Os membros do CD da ARSA em reunião de 22.12.2021, deliberaram no sentido da constituição do tribunal arbitral ad hoc, em reunião de 26.01.2022, aprovaram a minuta do compromisso arbitral e, em reunião de 11.02.2022, deliberaram manter o conteúdo do compromisso arbitral, após sugestões de alteração apresentadas pela ACCIONA.
245. A entidade limitou-se a referir os dois fundamentos previstos no artigo 476.º, n.º 3, CCP que permitem, se preenchidos, o recurso a esta modalidade de arbitragem. Não exteriorizou, porém, o percurso lógico decisório, externamente controlável, que a levou a considerar que se verificavam
o preenchimento de cada um destes conceitos indeterminados. Que exatamente por o serem, exigem sempre a concretização perante cada caso.
246. O ato carece assim de fundamentação (formal), que deveria ter sido contemporânea do ato, sendo assim ilegal.
247. Como se aponta, a entidade pública pode aquando da elaboração do caderno de encargos optar entre o regime geral de recurso aos tribunais administrativos e a arbitragem. Quando se decida
por esta última, a sua margem de decisão estreita-se, dada a prevalência da arbitragem institucionalizada. A arbitragem ad hoc só é admitida quando seja aconselhável por se verificar um ou mais dos fundamentos previstos no artigo 476.º, n.º 3, do CCP.
248. Deve ainda a arbitragem estar prevista no contrato. É o que resulta para a arbitragem institucionalizada do disposto no artigo 476.º, n.º 2, do CCP e para a arbitragem ad hoc da sua limitação a litígios eventuais (cláusula compromissória). Tendo a arbitragem por objeto um litígio atual, ela não é admitida (afastamento do compromisso arbitral).
249. A constituição do tribunal arbitral ad hoc para dirimir um litígio atual entre a ARSA e a ACCIONA é, pois, ilegal.
250. E ainda que assim não fosse, mesmo que o compromisso arbitral fosse admissível - e já vimos que não é -, seria necessário demonstrar que se verificariam os conceitos indeterminados do artigo 476.º, n.º 3, do CCP, não bastando referi-los. Ao não o fazer, o ato não está, também por esse motivo, fundamentado.
251. A entidade em resposta a pergunta do TdC veio justificar o recurso à arbitragem ad hoc, apontando as razões pelas quais esses conceitos se encontram, na sua perspetiva, preenchidos. Xxxxxxx então a argumentação apresentada.
252. Aponta, em termos gerais, a necessidade de sabedoria e conhecimento técnico para a resolução do litígio, a complexidade da matéria e a necessidade de uma decisão célere e inatacável.
253. O último aspeto não procede, uma vez que há sempre recurso, atendendo ao valor da causa.
254. A necessidade de saber jurídico seguramente também não, uma vez que não há qualquer motivo para entender que um juiz de um tribunal administrativo ou um árbitro de um centro de arbitragem institucionalizado não tenha competência técnica e saber necessário para a resolver. Até porque, havendo recurso, será mesmo o tribunal do Estado que a final a terá que dirimir. O argumento da entidade não, é assim, correto.
255. A complexidade da causa teria que ser demonstrada, ou seja, seria necessário demonstrar que em termos técnico-jurídicos ela teria uma especificidade tal em termos de complexidade, que não pudesse ser devidamente resolvida ou por um tribunal administrativo ou por um centro institucionalizado.
256. A entidade limita-se na sua resposta a alegar, sem demonstrar minimamente, a razão de ser da especial complexidade. Contudo, analisado o objeto do litígio, ele não reveste uma particular dificuldade em termos técnico-jurídicos. Trata-se de um litígio relativo a uma empreitada. Dita a
experiência comum de um conhecimento mesmo perfunctório da jurisprudência que os litígios nos contratos de empreitada são recorrentes nos tribunais.
257. O que releva neste caso, o centro da questão, é a alteração das circunstâncias. Contudo, todos os contratos, quer privados, quer, para o que aqui interessa, públicos foram afetados pela pandemia e guerra na Ucrânia, factos esses considerados uma alteração superveniente e imprevisível das circunstâncias não incluída no risco do negócio.
258. No âmbito específico da empreitada, o aumento significativo dos custos da energia e materiais, em parte decorrente também da guerra na Ucrânia, tem conduzido à alteração do preço a ser pago pelo dono da obra. De tal forma é assim, que foi publicada legislação justamente para determinar o cálculo desses valores165.
259. A entidade sustenta ainda que o valor do litígio permitira a sua inclusão no âmbito do artigo 476.º, n.º 3, do CCP. Que o litígio tem um valor elevado, não é sujeito a discussão. Todavia, o que é necessário é demonstrar que esse valor aconselha ao recurso à arbitragem ad hoc, porque não há uma ligação imediata entre o valor e a modalidade de resolução do litígio. São comuns processos de muito elevado valor nos centros de arbitragem institucionalizada e nos tribunais administrativos. Isto é, terá que haver uma particularidade do litígio que articulado com o seu valor leve a que a satisfação do interesse público implique a realização de uma arbitragem ad hoc, em particular tendo em contas as características que esta apresenta166. Nada existe neste litígio que o sustente, nem a ARSA o alega.
260.Por conseguinte: a constituição do tribunal arbitral ad hoc é ilegal, porque a lei, artigo 476.º, n.º 3, alínea a), do CCP só admite a cláusula compromissória e não o compromisso arbitral.
261. É ainda ilegal por não se verificarem nenhum dos pressupostos aí previstos e que seriam justificativos do recurso a esta modalidade de arbitragem, mesmo que o referido compromisso arbitral fosse admitido - e não é - pela lei.
262. As ilegalidades apontadas são suscetíveis de ocasionar a prática da infração financeira prevista na alínea l) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC, “Pela violação de normas legais (…) relativas à contratação pública”.
165 Quanto à elaboração de uma nova fórmula ajustada ao aumento de preços verificado nos diversos índices que a compõem, afigura-se que não revestirá a particular complexidade técnica alegada pela ARSA, uma vez que o Decreto-Lei n.º 36/2022, de 20.05, com as alterações introduzidas pelos Decreto-Lei n.º 67/2022, de 04.10, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 87/2022, de 04.10, e pelo Decreto-Lei n.º 49-A/2023, de 30.06, já estabelece os critérios que devem presidir à mesma, embora, o grande número e a diversidade de materiais a utilizar em obra possam dificultar essa concretização.
166 Ver supra ponto 11 do capítulo III deste relatório.
263. São responsáveis por esta infração, artigos 61.º, n.º 1, e 62.º, n.ºs 1 e 2, aplicáveis por força do n.º 3 do artigo 67.º, todos da LOPTC, os membros do CD da ARSA que, em reunião de 22.12.2021, deliberaram no sentido da constituição do tribunal arbitral ad hoc, em reunião de 26.01.2022, aprovaram a minuta do compromisso arbitral e, em reunião de 11.02.2022, deliberaram manter o conteúdo do compromisso arbitral, após sugestões de alteração apresentadas pela ACCIONA.
264. Participaram e votaram favoravelmente naquelas reuniões, A…, e B…, presidente e vogal do CD da ARSA.
265. A constituição do tribunal arbitral ad hoc foi autorizada pelo então SES, E…, ao abrigo de competência delegada, nos seguintes termos:
✓ Em 30.12.2021 autorizou a realização das diligências preparatórias necessárias para a constituição do referido tribunal. Este despacho foi proferido na sequência da solicitação, para esse efeito, apresentada pela ARSA, através de e-mail de 23.12.2021;
✓ Em 19.01.2022, por despacho exarado no ofício SAI-ARSA/2022/92, de 18.01.12022, autorizou a “constituição do Tribunal Arbitral e outorga do compromisso arbitral nos termos propostos”.
266. Em sede de contraditório, sobre a constituição do TA ad hoc, as indiciadas responsáveis reiteraram os argumentos atrás reproduzidos e salientaram que o mesmo resultou do pedido de reequilíbrio financeiro apresentado pela ACCIONA e que, atento o valor total da empreitada e o valor do pedido, era desaconselhável que a pretensão fosse decidida pelo CD da ARSA sem intervenção de “peritos na matéria e por quem não tivesse qualquer interesse na equação em análise”.
267. Adicionalmente, argumentaram que a suspensão da obra colocaria em risco o projeto que dependia do cofinanciamento europeu na sequência da candidatura apresentada, que foram respeitadas as normas constitucionais e legais sobre a constituição de TA ad hoc e que “estamos perante um quadro legal difuso, com regras demasiado abertas, permitindo opiniões diversas”, invocando um parecer jurídico que a ARSA tinha solicitado ao Professor PP….
268. Citam este parecer, transcrevendo que “(…) a existência de questões litigiosas referentes à execução de contratos administrativos muitas vezes convoca saberes extrajurídicos que, exigindo a presença de peritos, se mostram difíceis (ou até impossíveis) de ser avaliadas na sua complexidade por juristas – o exemplo dos mecanismos de cálculo para a reposição do equilíbrio financeiro mostra-se ilustrativo (…)”.
269. E, ainda, que “(…) por via da reserva administrativo de um poder técnico de concretização do que sejam questões extrajudiciais de elevada complexidade, enquanto conceito indeterminado que apela ao uso de juízos avaliativos e/ou valorativos próprios das ciências não jurídicas, se deve admitir um poder de autocontenção dos tribunais, “ por carência dos conhecimento das técnicas extrajudiciais para tanto necessárias” (…)não substituindo o juízo da Administração por um outro diferente”.
270. Ora, estes argumentos não permitem afastar as observações e ilegalidade que se apuram neste ponto 3 do relatório, designadamente os argumentos para afastar a falta de fundamentação dos atos, bem como a jurisdição dos tribunais do Estado.
4. DA (FALTA) AVALIAÇÃO NOS TERMOS DO ARTIGO 476.º, N.º 4, DO CCP
271. Como se referiu supra no ponto 12 do capítulo III deste relatório, o artigo 476.º, n.º 4, do CCP exige uma avaliação e comparação de custos da arbitragem ad hoc em causa com a arbitragem institucionalizada, necessária, desde logo, para o cumprimento das regras financeiras. Ela tem por isso que integrar a fundamentação por parte do ente público do ato de opção pelo tribunal arbitral ad hoc.
272. O que não sucedeu, uma vez que, apenas, foi indicado um valor estimado de custos com a constituição e desenvolvimento do processo arbitral, 450.000,00 €, tendo, por isso, sido violada a norma. O pedido da ARSA no sentido da constituição do tribunal arbitral ad hoc, com aquele valor estimado e sem aquela avaliação que foi dirigido ao então SES, através de e-mail de 23.12.2021, é ilegal. Tendo aderido ao pedido da ARSA, naquelas circunstâncias, dada a ausência de fundamentação, o ato do SES com competências delegadas nesta matéria (despacho de 19.01.2022) é igualmente ilegal.
273. Em sede contraditório, foi alegado que foi dado cumprimento a este normativo, o artigo 476.º, n.º 4, do CCP, identificando-se, para este efeito, os pedidos e respetivos anexos apresentados pelo cocontratante, argumento que não se considera procedente.
5. AS CUSTAS DO PROCESSO
274. Na sua proposta de compromisso arbitral, a ACCIONA propôs honorários para os árbitros, de 50.000,00 €, para o árbitro presidente, e de 35.000,00 €, para cada um dos restantes. Por sua vez, os honorários a atribuir ao secretário seriam de 10.000,00 € (20% dos honorários do árbitro presidente) e os encargos da arbitragem compreenderiam os honorários dos árbitros e do
secretário, os encargos administrativos do processo e as despesas com a perícia, os quais seriam pagos pela demandante e pela demandada, em partes iguais. O valor global seria de 130.000,00 €.
275. A ARSA não aceitou estes valores, tendo contraproposto os montantes, que vieram depois a integrar o compromisso arbitral, de 133.300,00 €, para o árbitro presidente, de 99.975,62 €, para cada um dos outros árbitros, e de 20.448,45 €, os encargos administrativos, no valor global de 353.700,53 €167 .
276. A ACCIONA voltou a insistir na alteração da proposta de compromisso arbitral realizada pelo ente público, reduzindo-os para os valores que inicialmente tinha proposto, por considerar adequados os montantes que tinham indicado na sua proposta de minuta de compromisso arbitral, acrescentando ainda “que, face aos valores em litígio, com este modo de cálculo proposto pela ARSA ascenderão a importâncias consideravelmente superiores”. Porém, entidade pública voltou a rejeitar esta proposta.
277. Ou seja: por exigência do ente público, o custo do tribunal arbitral registou um aumento de 130.000,00 € para 353.700,53 €, o que significa percentualmente um acréscimo de 172%.
278. Começa-se por assinalar que a ARSA não fundamentou o seu ato de proposta de honorários de onde resultou o seu aumento em 172%.
279. Não é possível discernir os elementos de facto e de direito que estiveram na base da decisão. O ato (deliberações do CD da ARSA de 26.01.2022 e de 11.02.2022) é ilegal por ausência de fundamentação.
280. Resta a verificação dos requisitos materiais do ato.
i) Em primeiro lugar, não poderia a entidade sem qualquer fundamentação contrapor um aumento dos custos da arbitragem em 172% sem qualquer justificação válida. Não poderia ainda, de forma agravada, ter, face à insistência da outra parte em manter os valores inicialmente propostos, insistido - imposto mesmo -, em violação do artigo 476.º, n.º 3, alínea e), e n.º 4, do CCP, esses valores. Se não os poderia ter aceite, caso fosse a outra parte a propô-los, menos ainda poderia ter sido ela a contrapô-los e a insistir neles.
A atuação da parte consiste numa violação, flagrante, do princípio da boa administração a que estão vinculados os entes públicos nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do CPA e as regras da despesa pública (artigo 52.º, n.º 3, alínea c), da LEO, que, conforme se apontou, é uma norma
167 Estes valores decorrem da aplicação ao valor da causa da Tabela n.º 1 anexa ao Regulamento em vigor do Centro de Arbitragem Comercial, considerando uma arbitragem com três árbitros.
central do direito financeiro público). Princípio que impõe à administração a observância de economicidade na sua atuação, o que vale dizer um cuidadoso gasto dos dinheiros públicos e que se enquadra nas condições de legalidade da prática de atos administrativos. O que entidade não fez.
ii) Em segundo lugar, o regime da arbitragem na contratação pública está previsto, como se tem apontado, no artigo 476.º do CCP, norma que inovou fortemente face à disciplina anterior e estabeleceu um sistema complexo cuja linhas de força são a remissão das arbitragens para os centros institucionalizados e a necessidade de fazer sempre uma análise de custos da arbitragem, como decorre do artigo 476.º, n.º 4, do CCP, que a impõe para a arbitragem ad hoc, mas resultaria já, sempre, nos termos gerais, do princípios da boa administração (artigo 5.º, n.º 1, do CPA) e da despesa pública (artigo 52.º, n.º 3, alínea c), do LEO).
281. A entidade recorreu como ponto de referência para o cálculo dos valores das custas à tabela do regulamento em vigor no Centro de Arbitragem Comercial, como se só ela existisse. Ignorou, simplesmente, sem nunca referir, nem comparar, as tabelas de outros centros que poderiam ser também elementos de referência para as custas, como, p. ex., a Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), cuja lista de árbitros o próprio presidente do Tribunal arbitral integra168, e donde resultam valores diferentes169. O que consiste numa violação do artigo 476.º, n.º 4, do CCP do artigo 5.º, n.º 1, do CPA e do artigo 52.º, n.º 3, alínea c), do LEO.
282. Em resposta, a entidade refere que esses valores seriam necessários para se encontrarem os mais aptos e mais competentes, tendo também em conta a complexidade do litígio. Porém, o argumento não é convincente. Uma vez que os valores propostos pela ACCIONA eram próximos daqueles praticados por centros de arbitragem administrativa170, não é crível que administrativistas de elevada qualidade, num mercado competitivo, não tivessem aceitado o encargo.
168 Cfr. xxx.xxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxxx, consulta efetuada em 28.11.2023.
169 Numa breve comparação, o regulamento da arbitragem deste centro (onde se acedeu, 18.12.2022, ao regulamento da arbitragem - xxx.xxxx.xxx.xx) contemplada várias tabelas de encargos processuais, salientando-se a Tabela VII - Arbitragem Administrativa em geral/Tribunal Coletivo, na qual é indicado que os encargos processuais, que incluem honorários dos árbitros e encargos administrativos, bem como o valor do IVA, para cada uma das partes, em litígios de valor superior a 10.000.000.00 €, é um valor é fixo de 61.965,00 €, ou seja, no total de 123.930,00 €.
170 Ver nota anterior.
283. Por conseguinte: o ato não está fundamentado em termos formais - primeiro e excludente elemento de controlo -, e, ainda, o seu conteúdo não respeita a lei, violando o artigo 476.º, n.º 4, do CCP, e artigo 5.º, n.º 1, do CPA e o artigo 52.º, n.º 3, alínea c), do LEO.
284. As ilegalidades apontadas são suscetíveis de ocasionar a prática da infração financeira prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC, “violação das normas sobre (…) a autorização (…) de despesas públicas ou compromissos.”
285. São responsáveis por esta infração, artigos 61.º, n.º 1, e 62.º, n.ºs 1 e 2, aplicáveis por força do n.º 3 do artigo 67.º, todos da LOPTC, os membros do CD da ARSA que, em reunião de 26.01.2022, aprovaram a minuta do compromisso arbitral com estes valores finais e, em reunião de 11.02.2022, deliberaram manter o conteúdo do compromisso arbitral, com aqueles montantes, não obstante as sugestões de alteração apresentadas pela ACCIONA.
286. Participaram e votaram favoravelmente naquelas reuniões, A…, e B…, presidente e vogal do conselho diretivo da ARSA.
287. É responsável A…, presidente do CD da ARSA, que subscreveu o e-mail de 23.12.2021, através do qual solicitou autorização para a constituição do tribunal arbitral ad hoc, com aquele valor estimado e sem aquela avaliação, bem como reforço orçamental e financeiro da ARSA, e que foi dirigido ao então SES, E…. Tendo aderido ao pedido da ARSA, naquelas circunstâncias, dada a ausência de fundamentação, o ato do Secretário de Estado com competências delegadas nesta matéria (despacho de 19.01.2022) é igualmente ilegal.
6. OS PAGAMENTOS DOS HONORÁRIOS
288. O árbitro é sempre uma pessoa física ou singular, independente. Nunca pode ser uma pessoa coletiva. Os credores dos honorários, a serem pagos nos termos definidos no regulamento do tribunal arbitral, são sempre os árbitros, e é a eles que os pagamentos devem ser realizados171. Quando assim não o seja, nos termos gerais estamos perante um pagamento a terceiro, sem legitimidade para receber a prestação, o que significa que a obrigação de pagamento não se extingue.
289. O mesmo vale para o secretário do tribunal, que tem igualmente de ser uma pessoa singular172: só ele pode exigir a prestação e só face a ele o cumprimento é liberatório, extinguindo a obrigação do ente público, na parte que lhe caiba.
171 A situação é distinta quanto aos pagamentos aos árbitros numa arbitragem institucionalizada.
172 Diferente é o caso numa arbitragem institucionalizada.
000.Xx caso, os pagamentos foram realizados aos dois árbitros de parte que emitiram os correspondentes recibos. O cumprimento da obrigação pelo ente público realizou-se nos devidos termos legais, teve caráter liberatório, e, por isso, extinguiu as referidas obrigações (na parte que lhe diz respeito).
291. O mesmo não sucedeu quanto aos pagamentos ao árbitro-presidente e ao secretário (aqui, secretária). Os pagamentos dos honorários tanto de um como do outro foram realizados a uma sociedade de advogados, de que o primeiro é sócio e a segunda advogada. Todavia, sociedade não é credora e não podia por isso ter aceite a prestação, da qual emitiu recibo.
292. Em resposta ao TdC, o ente público afirma que esses pagamentos foram determinados por ato do árbitro presidente, que a ARSA teria cumprido. Vejamos então.
293. A obrigação é um vínculo que liga o credor ao devedor. Só o credor pode exigir a prestação e só a ele o cumprimento pode ser realizado com efeitos liberatórios. Com efeito, conforme resulta do artigo 769.º do Código Civil, a prestação deve ser realizada ao credor ou ao seu representante. O devedor só pode ser obrigado a cumprir a terceiro se houver convenção nesse sentido, nos termos do artigo 770.º, alínea a) do Código Civil173. É claro, por isso, que inexistindo convenção nesse sentido o árbitro presidente, na qualidade de credor, não podia exigir o pagamento a terceiro, in casu a sociedade de que é sócio. Por esse motivo, o seu ato não tem apoio na lei. O ato de pagamento da ARSA a terceiro, sem apoio na lei, foi também ilegal.
294. Adicionalmente, o pagamento realizado a um terceiro implica que ele tenha o mesmo regime do pagamento realizado ao credor e que o terceiro receba a prestação, embora em nome próprio (sempre que não existam poderes de representação, caso em que o pagamento seria realizado ao próprio credor), por conta do credor e não por conta própria, como sucedeu nesse caso. De facto, na fatura emitida não se distinguem os pagamentos, onde se incluem quer os dos árbitro- presidente, quer aqueles de que a sociedade poderia eventualmente ser credora; pelo contrário, são todos incluídos como rendimentos da sociedade.
295. A ARSA também não poderia fazer o pagamento à sociedade, terceira para efeitos do contrato donde decorre o vínculo, porque o credor e o terceiro estão sujeitos a regimes fiscais diferentes. De facto, o rendimento decorrente do contrato de árbitro é um rendimento de uma pessoa singular, aqui de trabalho independente, tributado em sede de IRS; pelo contrário, o rendimento da sociedade onde foi incluído esse pagamento é tributado em sede de IRC, com regras de apuramento do valor do imposto e taxas distintas daquelas que decorrem do Código de IRS. O
173 Cfr. J. Xxxxxxx Xxxxxx, Das Obrigações em geral, vol. II, 7.ª ed., Coimbra, Almedina, 1997, p. 30, p. 32.
pagamento a credor ou a terceiro não é fungível em termos fiscais. Logo, também por esta razão, o pagamento foi ilegal.
296. Tendo sido ilegal nos termos apontados, também, pelas razões acabadas de aduzir nos dois últimos parágrafos, o pagamento não teve caráter liberatório e não extinguiu a obrigação da ARSA face ao credor, o árbitro presidente [artigo 770.º, alínea a), do Código Civil].
297. Face a terceiro, a sociedade, verifica-se um enriquecimento sem causa, o que confere à ARSA nos termos do artigo 476.º, n.º 2, do Código Civil, um direito de repetição do indevido face a esse sujeito.
298. Por fim, o ato de pagamento a terceiro não está fundamentado. Não foram identificados os fundamentos legais do pagamento a terceiro que estão na base da realização dessa prestação. O que constitui igualmente uma ilegalidade.
299. Quanto à determinação por parte do árbitro presidente do pagamento dos honorários da secretária à sociedade de advogados onde ela é advogada, o ato é igualmente ilegal, porque o contrato foi celebrado com ela e não com a sociedade. Aqui há ainda a particularidade de o árbitro presidente ter determinado o pagamento a terceiro de uma quantia que pertence mesmo a um outro sujeito e não a ele.
300. A quantia, os honorários, são da secretária e a ela deveriam ter sido pagos - nunca se poderia ter determinado o pagamento a terceiro de valores que a ela tem direito. Pelas razões apontadas, o ato foi ilegal e o pagamento realizado a terceiro, em violação do artigo 769.º do Código Civil, foi igualmente ilegal não produziu efeitos liberatórios e, por conseguinte, não extinguiu a obrigação da ARSA face à secretária do tribunal [artigo 770.º, alínea a), do Código Civil]. Ou seja, a ARSA continua a dever essa quantia à secretária.
301. Tal como foi referido quanto ao anterior pagamento, também neste caso se verifica um enriquecimento sem causa, o que confere à ARSA nos termos do artigo 476.º, n.º 2, do Código Civil um direito de repetição do indevido face a esse sujeito, agora no valor dos honorários da secretária.
302. De forma idêntica ao que se disse relativamente ao pagamento anterior, o ato de pagamento a terceiro não está fundamentado. Desconhecem-se os fundamentos legais do pagamento a terceiro que estão na base da realização dessa prestação. O que constitui igualmente uma ilegalidade.
303. Questão distinta seria do pagamento à sociedade das despesas de caráter administrativo (onde não se podem incluir os honorários da secretária) decorrentes de a arbitragem estar aí sedeada. A sociedade seria credora desses valores e o pagamento seria liberatório.
304. O ente público, face a atos sem apoio na lei do árbitro presidente do tribunal arbitral ad hoc, nunca o poderia ter cumprido, porque esse ato de pagamento, agora seu, seria, e foi, ilegal: cumpre a terceiro e não extingue a sua obrigação.
305. Cumprindo mal, tem um direito de repetição do indevido face ao terceiro, aqui a sociedade, nos termos do artigo 476.º, n.º 2, do Código Civil.
306. Por conseguinte, os pagamentos foram ilegais, por desrespeito do artigo 52.º, nºs 3 e 4, da LEO.
307. Tendo em consideração que os pagamentos à sociedade de advogados não respeitaram a qualquer contraprestação efetiva, no montante global de 28.366,74 € (23.062,39 € acrescido de
IVA no valor de
5.304,35
€)174, os mesmos são suscetíveis de ocasionar responsabilidade
financeira reintegratória, nos termos do artigo 59.º, n.ºs 1 e 4, da LOPTC.
308. Igualmente são suscetíveis de consubstanciar a infração financeira prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC, “violação das normas sobre (…) pagamento de despesas públicas (…)”.
309. São responsáveis por estas infrações financeiras A… e B…, presidente e vogal do CD da ARSA que autorizaram os pagamentos.
7. O RECURSO DO ACÓRDÃO ARBITRAL
310. Nos termos do artigo 476.º, n.º 4, do CCP, é sempre admissível recurso do acórdão arbitral com efeito devolutivo nos litígios de valor superior a 500.000 €. A norma é imperativa. Se for inserida numa convenção de arbitragem a renúncia ao recurso para os tribunais estaduais, essa cláusula é nula.
311. A renúncia ao recurso não estava prevista no compromisso arbitral, tendo sido incluída pelos árbitros no regulamento do tribunal. A introdução de uma cláusula deste relevo pelos árbitros não é admissível e está fora dos seus poderes, que são balizados pela lei e pelo compromisso arbitral, para mais, em violação clara da lei. O ente público nunca a pode aceitar, sob pena de ilegalidade.
174 Este montante não inclui o valor de 23.062,39 € relativo a honorários ao árbitro presidente e alegados encargos administrativos (a que acresce 5.304,35 de IVA), mencionado no parágrafo 69 do capítulo II deste relatório, uma vez que só vieram ao conhecimento do TdC após a realização do contraditório e não foi comprovado que tivesse sido pago.
312. Por iniciativa da entidade adjudicante, na sequência das perguntas dirigidas pelo TdC, essa cláusula foi removida do regulamento do tribunal arbitral.
313. Contudo, deve salientar-se que se o contrato - e a arbitragem constituída no seu seio - não tivesse sido objeto de fiscalização concomitante do TdC, teria sido incluída num regulamento arbitral uma cláusula nula, pelo próprio tribunal arbitral, à margem do compromisso arbitral, sem que o ente público tivesse reagido, e tendo-o mesmo aprovado.
8. O PRINCÍPIO DE TRANSPARÊNCIA
314. A ACCIONA começou por propor que a sede de arbitragem fosse em Évora. A ARSA, tendo embora a sede nessa cidade e sendo aí que está a ser construído o hospital, contrapôs Lisboa.
315. A arbitragem foi depois sedeada num escritório de advogados em Lisboa, onde presumivelmente se realizaram, ou realizarão, as audiências.
316. Uma entidade pública não pode aceitar que uma arbitragem administrativa esteja sedeada num escritório de advogados, por razões de transparência e de uma separação a todos os níveis - e, portanto, também quanto ao local - entre o exercício da advocacia e o exercício do poder jurisdicional por um tribunal no âmbito administrativo.
317. A entidade pública deveria ter assegurado esta separação desde o início; ao não o ter feito, e nada ter objetado quando ela foi sedeada pelo tribunal, incumpriu os seus deveres.
9. A CONTRATAÇÃO DA ASSESSORIA JURÍDICA
318. A ARSA contratou por ajuste direto um serviço de assessoria jurídica no âmbito específico do processo arbitral com a F…, sociedade de advogados, que já lhe prestava em termos gerais serviços de assessoria desta natureza. Fê-lo por ajuste direto e sem uma justificação para os honorários acordados.
319. O fundamento a que recorreu foi o artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do CCP, alegando a natureza intelectual das prestações e a relação de confiança na qual estes serviços assentam, o que decorreria de essa sociedade prestar já serviços de assessoria.
320. Conforme foi já apontado, a norma não se aplicará aos serviços jurídicos, porque é possível fixar critérios que permitam a apresentação de propostas competitivas. No caso concreto, poderia recorrer-se para essa finalidade ao serviço jurídico em si - o patrocínio numa ação arbitral -, a especialidade da matéria - contratação pública -, a experiência e a capacidade técnico-científica na área.
321. A prestação de serviços anteriores nunca poderia per se ser um critério. Trata-se de um serviço diferente. Se assim fosse, seria criada efetivamente uma relação de exclusividade na prestação dos serviços jurídicos com aquele advogado ou sociedade de advogados que já os prestasse, no que consistira numa violação dos princípios da concorrência e da igualdade (artigo 1.º-A, n.º 1, do CCP)175. A adjudicação destes serviços de assessoria jurídica especializada, incluindo o
patrocínio judiciário, no montante de 97.500,00 € (a acrescer IVA) por ajuste direto foi,
atendendo ao objeto e ao valor do serviço, ilegal.
322. Foi ainda violado o dever de fundamentação. Não se avança qualquer critério para a determinação do valor dos honorários. Houve negociação? Limitou-se a aceitar os valores propostos? Quem iria prestar os serviços? Quais os advogados que seriam alocados ao processo? Quais o seus curricula e experiência nesta área específica? Nada é dito.
323. Em sede de contraditório foi alegado que a ARSA não dispunha de apoio jurídico interno, pelo que foi “deliberada a contratação de apoio jurídico e de contencioso especializado”, que é uma entidade que se encontra em vias de extinção como todos as ARS, contando com um “apoio jurídico ainda mais débil, em face da opção manifestada pelos profissionais, de integrarem a Unidade Local de Saúde do Alentejo Central, E.P.E.”.
324. Não obstante todos os fundamentos e argumentos apresentado - que somente podem ser ponderados em sede de culpa, mas não de ilicitude -, a adjudicação destes serviços de assessoria jurídica especializada foi ilegal.
325. Esta ilegalidade é suscetível de ocasionar responsabilidade financeira sancionatória, prevista na alínea l) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC – “violação de normas legais (…) relativas à contratação pública.”
326. São responsáveis pela infração financeira os membros do CD da ARSA, A…, presidente, e B…, vogal, que, em 18.01.2022, autorizaram a opção por este procedimento (despacho exarado na Informação n.º INT-ARSA/2022/46, de 10.01.2022, subscrita por N…, Técnica Superior do Serviço de Aprovisionamento da ARSA) e, em 20.01.2022, deliberaram a adjudicação (despacho exarado na Informação n.º INT-ARSA/2022/124, de 20.01.2022).
327. Acresce que a vogal do CD, B…, autorizou também os pagamentos contratuais, que foram, assim,
ilegais, no valor de 52.275,31 €.
328. O SES, ao abrigo de competência delegada, em 14.01.2022, autorizou a aquisição destes serviços de assessoria jurídica para acompanhamento do processo arbitral e respetivo apoio judiciário.
175 Sobre este ponto, ver o Acórdão do TdC n.º 13/2023, 1.ª S/SS, de 06.06.2023.
Este despacho foi proferido na sequência do e-mail da ARSA de 23.12.2021, e após pedido de parecer à Administração Central do Sistema de Saúde, IP (que, apenas, se pronunciou sobre a admissibilidade da contratação, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 71.º da Lei n.º 75- B/2020, de 31.12).
VII. RESPONSABILIDADE FINANCEIRA SANCIONATÓRIA INDICIADA
329. No capítulo VI deste relatório identificam-se diversas situações que se consideram ilegais.
330. Igualmente se identificam as infrações financeiras (ponto 3 e parágrafo 262; ponto 5 e parágrafo 284; ponto 6 e parágrafos 307 e 308; ponto 9 e parágrafo 325) suscetíveis de ocasionarem responsabilidade financeira sancionatória, nos termos das alíneas b) ou l) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC, e, num caso, também reintegratória, artigo 59.º, n.ºs 1 e 4, da mesma lei, bem como os responsáveis pela prática desses atos ilegais/infrações (conforme mapa em anexo I a este relatório).
331. Em matéria de imputação de responsabilidade financeira sancionatória, decorre da lei que a responsabilidade pela prática de infrações financeiras recai sobre o agente ou os agentes da ação
– artigos 61.º, n.ºs 1 a 4, e 62.º, n.ºs 1 e 2, aplicáveis por força do n.º 3 do artigo 67.º, todos da LOPTC.
332. Para efeitos de responsabilidade financeira, o agente da ação é aquele que praticou o ato ilícito, como tal qualificado nos termos do n.º 1 do artigo 59.º ou do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC.
333. No caso dos membros do Governo176 (e desde 01.01.2017 também dos titulares dos órgãos das autarquias locais) o regime aplicável, o n.º 2 do artigo 61.º da LOPTC, determina que esta responsabilidade financeira ocorrerá nos termos e nas condições fixadas no artigo 36.º do Decreto n.º 22.257, de 25.02.1933. Dispõe este art.º 36.º que:
“São civil e criminalmente responsáveis por todos os atos que praticarem, ordenarem, autorizarem ou sancionarem, referentes a liquidação de receitas, cobranças, pagamentos, concessões, contratos ou quaisquer outros assuntos sempre que deles resulte ou possa resultar dano para o Estado:
1.º Os Ministros quando não tenham ouvido as estações competentes ou quando esclarecidos por estas em conformidade com as leis, hajam adotado resolução diferente;
176 A este propósito vide o Relatório n.º 1/2019 – AUDIT, da 1.ª Secção, xxxxx://xxx.xxxxxxx.xx/xx- pt/ProdutosTC/Relatorios/RelatoriosAuditoria/Documents/2019/rel001-2019-1s.pdf.
2.º Todas as entidades subordinadas à fiscalização do Tribunal de Contas, quando não tenham sido cumpridos os preceitos legais;
3.º Os funcionários que nas suas informações para os Ministros não esclareçam os assuntos da sua competência em harmonia com a lei.”
334. Como se vê, à luz deste regime os membros dos governos só respondem financeiramente pelos atos que praticarem, ordenarem, autorizarem ou sancionarem, referentes a liquidação de receitas, cobranças, pagamentos, concessões, contratos ou quaisquer outros assuntos sempre que deles resulte ou possa resultar dano para o Estado se não tiverem ouvido as estações competentes ou quando esclarecidos por estas em conformidade com as leis, hajam adotado resolução diferente.
335. Contudo, há que atender a uma interpretação atualista do conceito “estações competentes”177 o que implica reconhecer como “estações”, eventualmente organismos ou serviços exteriores à entidade na qual se integra o decisor178 e estruturas (unidades orgânicas) existentes no seio daquela.
336. Tais instâncias (“estações”) deverão também ser dotadas de habilitação legal ou regulamentar para intervir na fase final do procedimento administrativo que precede a formação do ato decisório179 (em detrimento de fases anteriores, em que têm lugar atos instrumentais ou preparatórios180 à decisão final), independentemente de essa intervenção ser obrigatória ou facultativa (isto é, provocada pelo decisor).
177 As “estações competentes” correspondiam às repartições da então Direcção-Geral da Contabilidade Pública (DGCP) que funcionavam junto dos diversos ministérios e as “informações” configuravam documentos de suporte da despesa (ordens de pagamento e, mais tarde, folhas de liquidação) devidamente informados pelos funcionários das referidas repartições quanto à legalidade e regularidade orçamental da despesa em causa.
178 O “decisor” referido no texto é qualquer um dos sujeitos eventualmente objeto de imputação subjetiva da responsabilidade financeira, como previsto no art.º 61.º, n.º 2, da LOPTC (membros do governo e titulares dos órgãos executivos autárquicos).
179 A fim de garantir que haja um nexo de causalidade entre a intervenção da “estação” e o conteúdo do ato decisório, justificativo da não responsabilização financeira do decisor, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 36.º do Decreto 22257, de 27.02.1933 (aplicável ex vi art.º 61.º, n.º 2 da LOPTC).
180 Os atos preparatórios são os que “antecedem a resolução final de uma determinada questão e visam criar as condições para que aquela seja adotada”, como elucidam Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx/Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx, Direito Administrativo Geral, t. III, 2.ª ed., Lisboa: Dom Quixote, 2008, p. 96. Os atos instrumentais prévios ao ato definitivo (assim denominados segundo outra tipologia classificativa dos atos administrativos) traduzem-se em “pronúncias administrativas que não envolvem uma decisão de autoridade, antes são auxiliares relativamente a atos administrativos decisórios”, que abrangem os aludidos atos preparatórios, como o ensina Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2016, pp. 247-260.
337. Concomitantemente, as “estações” deverão ter competência especializada na matéria que interessa à decisão final181 ou, por outras palavras, para formular juízos de natureza técnica, jurídica ou científica de forma aprofundada em determinada área do conhecimento destinados a auxiliar o decisor (esclarecendo-o) sobre as condicionantes a atender na prolação do ato final.
338. Entretanto, a Lei n.º 51/2018, de 16.08, que procedeu à sétima alteração à Lei n.º 73/2013, de 03.09 (Lei das Finanças Locais), veio mencionar no n.º 1 do artigo 80.º- A que a responsabilidade financeira prevista no n.º 2 do artigo 61.º da LOPTC “(…) recai sobre os membros do órgão executivo quando estes não tenham ouvido os serviços competentes para informar ou, quando esclarecidos por estes em conformidade com as leis, hajam tomado decisão diferente” e, no n.º 2 do mesmo artigo, que essa responsabilidade deve recair nos trabalhadores ou agentes que nas suas informações não esclareçam os assuntos da sua competência de harmonia com a lei.
339. Assim, considera-se que, nos termos dos artigos 61.º, n.ºs 2 e 3 e 62.º, n.º 2, da LOPTC (no caso da sancionatória, aplicáveis por força do n.º 3 do artigo 67.º), a responsabilidade financeira sancionatória e reintegratória em apreço (ponto 3 e parágrafo 262; ponto 5 e parágrafo 284; ponto 6 e parágrafos 307 e 308; ponto 9 e parágrafo 325, todos do capítulo VI deste relatório) é imputável:
✓ À presidente do CD da ARSA, A…,
✓ À vogal do mesmo CD, B….
340. Quanto à responsabilidade imputável ao então SES, E…, importa aferir se nos casos concretos a mesma pode ser afastada, por força do artigo 36.º do Decreto n.º 22.257, de 25.02.1933.
341. Como ficou descrito, este membro do Governo, em 30.12.2021, autorizou a realização das diligências preparatórias para a constituição do tribunal arbitral ad hoc, em 14.01.2022 autorizou a contratação dos serviços de assessoria jurídica e apoio judiciário para a ARSA no referido tribunal e, em 19.01.2022, autorizou a constituição do tribunal arbitral ad hoc.
342. Os despachos foram exarados sob e-mails e ofícios remetidos pela ARSA e subscritos pela Presidente do CD, bem como com base num parecer da ACSS (quanto aos serviços jurídicos e, apenas, quanto à questão do artigo 71.º, n.º 2, da LOE de 2021) e foram concordantes com o que era solicitado ou proposto.
181 Como defendido por Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, A responsabilidade financeira de titulares de cargos políticos, Revista de finanças públicas e de direito fiscal, ano XI, n.º 3, 2019, p. 46: “Deve ainda ser esclarecido que, nas situações em que não haja «estação competente» ou no caso de ser ouvida uma entidade - «estação competente» - sem suficiente conhecimento técnico, os membros do Governo e os titulares dos órgãos executivos autárquicos não estarão abrangidos pelo disposto no artigo 61.º, n.º 2, da LOPTC podendo, consequentemente, ser responsabilizados”.