VOTO
VOTO
PROCESSO: 48500.006150/2018-50
INTERESSADO: Ampla Energia e Serviços S.A. (Enel RJ). RELATORA: Diretor Xxxxxxxx Xxxx Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. RESPONSÁVEL: Diretoria - DIR.
ASSUNTO: Pedido de Medida Cautelar protocolado pela Ampla Energia e Serviços S.A. (Enel RJ) com vistas à autorização para celebração de refinanciamento de contrato mútuo entre a Requerente e suas partes relacionadas
I. RELATÓRIO
1. A Resolução Normativa (REN) nº 699, publicada em janeiro de 2016, regulamentou o inciso XIII do art. 3º da Lei nº 9.427/1996, abordando os controles prévio e a posteriori sobre atos e negócios jurídicos entre as concessionárias, permissionárias e autorizadas e suas partes relacionadas.
2. Em 5 de novembro de 2018, a Enel Brasil S.A. – Enel Brasil solicitou1 anuência para celebração de contratos de mútuo entre empresas do Grupo e suas partes relacionadas, nos termos da REN 699/2016, vigente à época.
3. O Despacho n° 2.9792, emitido em 11 de dezembro de 2018 pela então Superintendência de Fiscalização Econômico-Financeira – SFF, concedeu3 anuência prévia para a celebração do Instrumento Particular de Mútuo entre as mutuantes Enel Brasil S.A. – ENEL BRASIL e/ou Enel Finance International
N.V. – EFI e as mutuárias Ampla Energia e Serviços S.A. – Enel RJ, a Companhia Energética do Ceara - Enel CE e Celg Distribuição S.A. – Celg, no valor de até R$ 1,7 bilhões, até R$ 800 milhões e até R$ 300 milhões, respectivamente, pelo prazo de até 4 anos.
1 Carta Enel Brasil 032-RB-2018 - Documento SIC nº 48513.037463/2018-00
2 Documento SIC nº 48536.005052/2018-00
3 Nota Técnica n° 226/2018- SFF/ANEEL - Documento SIC nº 48536.005051/2018-00
4. Em 19 de junho de 2020, a Enel Brasil solicitou4 anuência para ampliação do valor do mútuo com a Enel RJ em até R$ 1 bilhão. A anuência para essa ampliação foi concedida em 1º de julho de 2020 pelo Despacho5 SFF nº 1.923, elevando o valor total do mútuo para R$ 2,7 bilhões.
5. Em 04 de março de 2021, a Enel RJ solicitou6 um acréscimo de R$ 600 milhões ao valor total mútuo já aprovado, mantendo inalteradas todas as condições dos contratos já anuídos por essa Agência. Essa solicitação foi aprovada7 em 30 de março de 2021, por meio do Despacho SFF nº 902, resultando em um valor total de mútuo aprovado de até R$ 3,3 bilhões.
6. Por fim, em 27 de outubro de 2021, a Enel RJ, na qualidade de mutuária, solicitou8 à ANEEL a anuência prévia para nova ampliação do mútuo em R$ 2,5 bilhões. Considerando essa solicitação e os valores aprovados pelos Despachos mencionados anteriormente, 2.979/2018, o valor total do mútuo para a Enel RJ passaria a ser de até R$ 5,8 bilhões.
7. Em 16 de novembro de 2021, após a realização da Audiência Pública nº 27/2021, foi publicada a REN 948/2021, com a consolidação dos atos normativos relativos à pertinência temática “Regulação Econômica- Financeira – Regulamentação das operações”, integrando diversos normativos, incluindo a REN nº 699/2016.
8. Em 24 de novembro de 2021, o Despacho SFF n° 3.754/20219 concedeu anuência prévia à última solicitação de ampliação do mútuo solicitada pela Enel RJ, totalizando o valor aprovado em R$ 5,8 bilhões
9. Em 11 de dezembro de 2023, por meio da Carta Enel RJ 150-2023-RB, a Enel RJ protocolou10 pedido de anuência prévia da ANEEL para o refinanciamento de mútuos celebrados e aprovados pelo Despacho nº 3.754/2021, bem como para incluir novos mutuantes, adicionando a Enel CIEN S.A. – CIEN,
4 Carta Enel Brasil 014-RB-2020 – Documento Sic nº 48513.016735/2020-00
5 Com base na Nota Técnica n° 108/2020- SFF/ANEEL -Documento SIC nº 48536.002205/2020-00
6 Carta ENEL RJ 025-2021-RB – Documento SI nº 48513.005774/2021-00
7 Nota Técnica n° 63/2021 - SFF/ANEEL - Documento SIC nº 48536.001226/2021-00
8 Carta Enel Brasil 018-2021-RB - Documento SIC nº 48513.029627/2021-00
9 Documento SIC nº 48536.004198/2021-00
10 Documento SIC nº 48513.028819/2023-00
a Enel Trading Brasil S.A. – Enel Trading, e as empresas subsidiárias do grupo Enel Green Power Brasil –
EGP Brasil, às integrantes de seu grupo controlador.
10. Em 04 de abril de 2024, a Interessada encaminhou11 informações complementares ao seu pleito inicial, destacando a necessidade de nova anuência diante das condições adversas de financiamento e da necessidade de recursos da distribuidora.
11. Em 16 de maio de 2024, por meio do Ofício nº 211/2024 – SFF/ANEEL12, a SFF solicitou esclarecimentos adicionais à Distribuidora, uma vez que, segundo sua avaliação, a Enel RJ não teria atendido aos requisitos normativos para a comprovação da comutatividade da operação e não apresentaria, preliminarmente, condições de deter endividamento adicional sem recorrer a novas captações, o que foi respondido13 pela concessionária em 27 de maio de 2024.
12. Em 18 de junho de 2024, mediante a Carta Enel RJ 089-2024-RB14, a interessada apresentou Pedido de Medida Cautelar no sentido de autorizar a celebração de refinanciamento de contrato de mútuo entre a Enel RJ e partes relacionadas, tendo em vista a proximidade do vencimento dos mútuos contratados.
13. Em 20 de junho de 2024, a SFF emitiu a Nota Técnica nº 106/2024-SFF/ANEEL15, por meio da qual conclui que o pedido de refinanciamento dos mútuos, conforme solicitado, não deve ser aceito, a partir do diagnóstico de que o volume de endividamento da companhia é incompatível com sua geração de caixa.
14. Em 21 de junho de 2024, foi publicado o Despacho SFF nº 1.860/202416, contendo a negativa da celebração dos contratos de refinanciamento de mútuos entre a Enel RJ e suas mutuantes.
15. Em 24 de junho de 2024, na 24ª Sessão Pública Ordinária de Distribuição de Processos, fui definido relator do pedido de medida cautelar.
11 Carta Enel RJ 052-2024-RB - Documento SIC nº 48513.008194/2024-00
12 Documento SIC nº 48536.002985/2024-00
13 Carta Enel RJ 080-2024-RB - Documento SIC nº 48513.014435/2024-00
14 Documento SIC nº 48513.017039/2024-00
15 Documento SIC nº 48536.003707/2024-00
16 Documento SIC nº 48536.003707/2024-00
16. Relatado no que interessa, passo a decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
17. Trata-se da avaliação de pedido de medida cautelar incidental interposto pela ENEL RJ, com o objetivo de obter a autorização para a celebração da operação de refinanciamento de contrato de mútuo entre a Enel RJ e partes relacionadas, de acordo com os termos da Carta Enel RJ 150-2023-RB ou, subsidiariamente, que seja permitida a prorrogação dos contratos, até a decisão final de última instância da ANEEL quanto ao pedido de anuência prévia.
II.1 Contextualização
18. O módulo V da REN 948/2021 disciplina os atos e negócios jurídicos entre concessionárias, permissionárias, autorizadas de energia elétrica e suas partes relacionadas. Seu conteúdo corresponde ao texto da REN 699/2016, norma vigente antes da consolidação dos atos normativos relacionados à “Regulação Econômica- Financeira – Regulamentação das operações.
19. O art. 21 do módulo V da REN 948/2021 estabelece o conjunto mínimo de dados e documentos necessários à abertura de processo administrativo visando a anuência prévia de celebração de negócios jurídicos com Partes Relacionadas:
“Art. 21. O processo administrativo será iniciado a pedido do interessado, por escrito, contendo, ao menos, de forma clara e ordenada, os seguintes dados e documentos:
I - informações básicas sobre as contratantes, nos termos do art. 22;
II - informações básicas sobre o contrato pretendido, nos termos do art. 23;
III - informações e documentos essenciais à comprovação da comutatividade das cláusulas econômicas e financeiras, nos termos dos arts. 24 e 25;
IV - informações e documentos essenciais à comprovação das regras específicas, se aplicáveis, nos termos dos arts. 26 e 29;
V - a versão final do instrumento jurídico a ser assinado ou aquele firmado de acordo com o disposto no parágrafo único do art. 18;
VI - instrumento de mandato, caso o representante signatário do pedido não possua cadastro vigente como procurador na Superintendência de Gestão Técnica da Informação (SGI) da ANEEL;
e VII – nome, assinatura do(s) representante(s) e data do requerimento”
20. Por sua vez, nos artigos subsequentes, do 22 a 29, consta o detalhamento das informações necessárias por tema, das quais merecem destaque: (i) a justificativa quanto à necessidade da operação para o Agente do Setor Elétrico, se este figurar na condição de contratante (art. 23); e (ii) critérios mínimos necessários para a comprovação da comutatividade das cláusulas econômicas e financeiras da operação (arts.24 e 25).
21. Entre novembro de 2018 e outubro de 2021, a Enel Brasil realizou múltiplas solicitações à ANEEL, buscando anuência para celebrar e, posteriormente, ampliar os valores dos contratos de mútuo entre a Enel RJ e suas partes relacionadas. Todas essas solicitações foram aprovadas pela ANEEL, baseando-se no cumprimento dos critérios objetivos estabelecidos pela normativa.
22. Considerando que os montantes relacionados aos contratos de mútuo aprovados estão alcançando o limite de 4 anos aprovados pela Agência, a Enel RJ solicitou anuência da ANEEL para refinanciamento dos instrumentos anteriores. A operação solicitada prevê o encerramento dos mútuos existentes nos respectivos vencimentos e a subsequente celebração de novos contratos no mesmo montante anteriormente aprovado pela ANEEL.
23. A tabela abaixo apresenta a relação de contratos com vencimentos em 2024, com destaque para o vencimento do mútuo Enel Brasil 55, de aproximadamente R$1,1 bilhões, que ocorrerá em 07/07/2024. Importa mencionar também o vencimento de R$ 1,77 bilhões em 2025, R$ 985 milhões em 2026 e R$ 200 milhões em 2027, totalizando os R$ 5,8 bilhões originalmente contratados.
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24. Em sua solicitação, a requerente destaca que a utilização dos mútuos originalmente aprovados permitiu a diminuição da dívida com terceiros, a redução de despesas financeiras em relação aos custos potenciais de operações no mercado financeiro (incluindo custo da dívida e garantias exigidas), e condições de financiamento menos restritivas para a companhia. E que o mercado percebe tais operações como um compromisso do acionista com o financiamento da companhia, com transações que causam uma menor pressão do serviço da dívida sobre o fluxo de caixa, mais flexível do que operações a mercado, sem a incorrência de cláusulas restritivas ou garantias, além da possibilidade de subordinação em relação às demais dívidas da companhia ou mesmo de capitalização futura.
25. Segundo a concessionária, os mútuos vêm sendo renovados continuamente, e constituem a forma menos onerosa de financiamento para Capex e para capital de giro da companhia, preservando uma estrutura de capital com 55% de alavancagem (em Dez/23), compatível com o modelo tarifário que presume a sustentabilidade do negócio.
26. De acordo com a Enel RJ, o pedido de refinanciamento de contratos de mútuo entre partes relacionadas não é inédito, havendo alguns precedentes anuídos pela Agência que, em seu entendimento, apresentam semelhanças com o pedido de anuência feito pela Enel RJ (Despachos nº 917/2024, nº 1.716/2018, nº 559/2017-SFF e nº 154/2015-SFF).
27. A concessionária alega que apresentou seu pedido em estrita consonância com as regras do Módulo V da REN nº 948/2021, aplicáveis ao caso, e que sua aprovação estaria condicionada apenas ao atendimento dos requisitos previstos na norma vigente, conforme trecho da Nota Técnica nº 83/2018- SRM/SFF/ANEEL, reproduzido abaixo:
“8. Com base na REN nº 699/2016, identificada a necessidade de submissão da anuência prévia a pactuação, os agentes demandantes cumprem a instrução processual e a SFF (Coordenação de Anuências Prévias) analisa o pleito se atende aos requisitos formais e materiais, por fim, emitindo-se uma Nota Técnica (motivação) e seu o Despacho decisório correspondente (publicidade).
(...)
10. O determinante para a concessão da anuência prévia ou não, centra-se no atendimento dos requisitos previstos na norma vigente. Os dois requisitos
materiais centrais apontados pela resolução são a necessidade e a comutatividade. (grifos meus)
28. Na visão da requerente, apesar de ter seguido as regras previstas no Módulo V da REN nº 948/2021, e que são usualmente consideradas na análise de contratos entre partes relacionadas, a SFF, por meio do Ofício nº 211/2024, concluiu pela necessidade de análise aprofundada do pedido devido à situação econômico-financeira da Enel RJ, em especial quanto ao seu limite de endividamento, que, na visão da área técnica, não permitiria comprometimento além deste limite.
29. Por meio da Nota Técnica nº 106/2024-SFF/ANEEL, a Superintendência esclarece que a necessidade de avaliação aprofundada, conforme sinalizada no Ofício nº 211/2024, deriva da competência atribuída à área técnica, para “monitorar e fiscalizar a sustentabilidade econômico- financeira das concessionárias e das permissionárias dos serviços públicos de energia elétrica”, nos termos da Portaria n° 6.811, de 24 de abril de 2023.
30. Na referida Nota Técnica, é enfatizado que, na análise de operações de mútuo entre partes relacionadas, não apenas os aspectos formais são essenciais, mas também os princípios de serviço adequado, modicidade tarifária, atualidade, eficiência e continuidade. Assim, “a avaliação da condição de sustentabilidade de uma concessionária deve ser aqui considerada, tendo em vista que o incremento da dívida poderia afastá-la dos referenciais admitidos em norma”.
31. A partir desse entendimento, a SFF levou em conta também “os dispositivos afetos à gestão econômico-financeira das concessões de serviço público de distribuição de energia elétrica, cujos parâmetros estão dispostos no Módulo VIII da REN n° 948/2021” e avaliou o nível de endividamento frente à geração estimada17 de Caixa da Distribuidora e suas necessidades de investimento, sob a perspectiva de sustentabilidade de uma concessionária de distribuição de energia elétrica.
32. Em sua análise, a SFF apresentou uma estimativa do nível de alavancagem da concessionária considerando um cenário de EBTIDA Recorrente médio e uma QRR média. Concluiu-se que a relação Dívida Líquida / EBITDA Recorrente – QRR é tal que torna a operação proposta insustentável,
17 Avaliou-se um período maior que um ano civil e, para tanto, considerou-se EBITDA13 Médio do ano civil de 2022 e os dados mais atuais dos 12 meses anteriores ao 1º trimestre de 2024, nos termos da REN n° 948/2021
pois a atual geração de caixa da Enel RJ é insuficiente para suportar a dívida existente, e a anuência solicitada poderia comprometer ainda mais sua sustentabilidade financeira.
33. Na visão da SFF, a trajetória para a sustentabilidade financeira da empresa deveria incluir a redução da dívida pelo acionista controlador. No entanto, “não foram apresentadas informações ou cronograma que indicassem eventual integralização de Capital Social ou conversão de empréstimos passivos em Capital Social nessa magnitude”
34. Assim, a Nota Técnica nº 106/2024-SFF/ANEEL conclui que: “a condição de sustentabilidade da ENEL RJ deve ser considerada no âmbito da avaliação de operações de mútuos pecuniários e o incremento da dívida, como proposto pela Concessionária, poderia afastá-la dos referenciais admitidos em Norma e, por essa razão, não é possível aprovar refinanciamento dos mútuos anuídos pelo Despacho n° 3.754, de 24 de novembro de 2021, conforme solicitado”
35. É importante destacar que a Enel RJ passa por um Plano de Resultados, aprovado pela SFF por meio da Nota Técnica nº 205/2023. A concessionária adverte que a não aprovação do refinanciamento do mútuo pela ANEEL poderia trazer consequências negativas, prejudicando a distribuidora e o cumprimento do Plano de Resultados, especialmente em face das atuais limitações de financiamento de mercado enfrentadas pela empresa.
36. Em relação a análise aprofundada feita pela SFF à luz do módulo VIII da REN nº 948/2021, a Enel RJ destaca a necessidade de evolução, por parte da ANEEL, quanto ao entendimento sobre o critério de eficiência na gestão econômico-financeira. Essa demanda estaria evidenciada tanto pela existência de pedido de reconsideração da ABRADEE e medidas cautelares relacionadas ao tema, bem como pela inclusão da revisão da REN nº 948/2021 na Agenda Regulatória 2024-2025.
37. Assim, a distribuidora considera não ser razoável condicionar o pedido de anuência para o mútuo da Enel RJ ao atendimento do critério de eficiência econômico ou à realização de aportes para sua melhoria. A Enel XX fundamenta sua posição na ausência dessa exigência no regulamento vigente e no fato de que os parâmetros de apuração, que são monitorados no Plano de Resultados, ainda estão sob discussão.
II.2 Do Pedido de Medida Cautelar
38. Diante dessas circunstâncias, a distribuidora apresenta pedido de medida cautelar para com o objetivo de obter a autorização para a celebração da operação de refinanciamento de contrato de mútuo entre a Enel RJ e partes relacionadas, de acordo com os termos da Carta Enel RJ 150-2023-RB ou, subsidiariamente, que seja permitida a prorrogação dos contratos, até a decisão final de última instância da ANEEL quanto ao pedido de anuência prévia.
39. Cabe destacar que o prazo para apresentação de recurso administrativo em face do Despacho SFF nº 1.860/2024, publicado em 21 de junho de 2024, encerra-se no dia 03 de julho de 2024. Após a eventual interposição de recurso, o caso será reavaliado pela área técnica e, posteriormente, encaminhado para a Diretoria da ANEEL, que decidirá em última instância administrativa sobre o mérito do pedido de anuência prévia para o refinanciamento dos mútuos.
II.3 Do Encaminhamento
40. Inicialmente, cumpre destacar que a disciplina normativa das medidas cautelares encontra seu fundamento de validade no texto da própria Constituição Federal de 1988, que em seu art. 5º, incisos XXXV e LV, dispõe, respectivamente, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” e “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Como se observa, as expressões “ameaça a direito” e “com os meios e recursos a ela inerentes” denotam a intenção do constituinte de garantir um processo útil e eficaz, com a disponibilização de todos os meios e instrumentos inerentes à ampla defesa e, em sentido mais amplo, ao devido processo legal, dando-se lugar, assim, às medidas cautelares.
41. No âmbito da Administração Pública, a possibilidade de concessão de medidas acautelatórias resta expressamente prevista no artigo 45 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (Lei de Processos Administrativos), podendo ser concedida de ofício ou mesmo sem prévia manifestação do interessado, desde que devidamente motivada:
“Art. 45: Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado.”
42. Nesse sentido, vale frisar o entendimento da Procuradoria Federal junto à ANEEL18, segundo o qual, no exercício do poder geral de cautela, as disposições do Código de Processo Civil são subsidiariamente aplicáveis aos processos administrativos em trâmite perante a Administração Pública, respeitadas, por evidente, as peculiaridades destes.
44. Diante desta determinação, convém destacar que o art. 300, do atual CPC, estabelece a possibilidade de concessão de medidas cautelares sob a nomenclatura de tutela de urgência. Para tanto, devem ser demonstrados elementos que atentem para a plausibilidade do bom direito na tese defendida, o iminente risco de dano ao pleiteante ou ao resultado útil no processo e, ainda, a inexistência de perigo de irreversibilidade da medida. Confira-se:
“Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.” (Grifo nosso)
45. Como se verifica, para a concessão da tutela de urgência é necessária a demonstração da presença dos requisitos da (i) probabilidade do direito (fumus boni iuris) e (ii) do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora). Além destes, há que se demonstrar, de igual forma, a
(iii) reversibilidade dos efeitos da decisão. Este é, inclusive, o entendimento da e. Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça20, verbis:
18 Parecer nº 756, de 2 de dezembro de 2011.
19 Art. 15: Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. (Grifamos)
20 Agente na Rcl 34966/RS, DJe de 13/09/2018.
“VI - Para a concessão de tutela de urgência (art. 300 do CPC/2015), há se exigir a presença cumulada dos dois requisitos legais: a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Além disso, exige-se que não haja risco de irreversibilidade da medida.” (Grifo nosso)
46. Diante do exposto, os requisitos autorizadores de concessão da cautelar são o fumus boni iuris e o periculum in mora, e, de forma complementar, a reversibilidade dos efeitos da decisão. Isso posto, em cognição sumária, limito-me neste momento a analisar a presença dos referidos requisitos.
47. Pois bem. Em juízo perfunctório, próprio do atual momento processual, entendo estarem presentes os requisitos autorizadores da medida cautelar pretendida.
48. Explico.
49. No que tange à probabilidade do direito vindicado, observa-se a partir dos relatos da Requerente que a distribuidora cumpriu com os requisitos, no que diz respeito à presença das condições necessárias para aprovação do mútuo, à luz daquilo que é exigido objetivamente no Módulo V da REN nº 948/2021.
50. Ademais, é importante ressaltar que a operação de refinanciamento proposta pela concessionária não implica em incremento da dívida existente, e representa apenas uma repactuação dos prazos de pagamento para os instrumentos financeiros já aprovados pela ANEEL. Trata-se, portanto, de alongamento da dívida vigente com seu grupo controlador, em condições melhores que as ofertadas pelo mercado, sem aumento dos montantes envolvidos.
51. Além disso, a concessionária enfatizou a necessidade desse refinanciamento para cumprir suas obrigações correntes e continuar realizando os investimentos necessários para a adequada prestação dos serviços e afirmou que as soluções estruturais relacionadas à sustentabilidade financeira da concessão estão sendo acompanhadas de perto pela ANEEL por meio do Plano de Resultados.
52. Dessa maneira, considero que as questões levantadas pela SFF podem ser efetivamente tratadas dentro do escopo do Plano de Resultados. O diagnóstico levantado pela área técnica durante o processo de anuência prévia do refinanciamento do mútuo indica um distanciamento do nível de endividamento da concessão em relação aos padrões referenciais e revela a necessidade de a
concessionária adotar medidas para alinhar-se aos parâmetros de sustentabilidade regulatória estabelecidos, evitando assim as penalidades associadas ao não cumprimento dos critérios de eficiência econômico-financeira.
53. Entretanto, questiono se a negativa do pedido de refinanciamento do mútuo seria a medida mais eficaz para corrigir a situação atual. Preocupa-me que tal decisão, nesse momento, sem uma avaliação mais aprofundada de suas consequências, possa agravar os problemas da Enel RJ, deteriorando ainda mais a situação financeira da concessionária.
54. Portanto, levando-se em conta o cumprimento dos requisitos formais do Módulo V da REN nº 948/2021 na solicitação apresentada pela requerente e o fato de que o refinanciamento solicitado se refere a uma repactuação dos prazos de pagamento para os instrumentos financeiros já aprovados pela ANEEL, sem alteração de valores —, reputo presente, in casu, a fumaça do bom direito. O mesmo verifico em relação ao perigo na demora. Senão, vejamos.
55. A não concessão da medida cautelar em um momento em que a Enel RJ alega não ter capacidade financeira para liquidar tais mútuos ou buscar financiamentos adequados no mercado financeiro e de capitais para substituí-los, devido à adversidade do mercado, caracterizaria formalmente uma inadimplência financeira da distribuidora, que tem o potencial de afetar outros contratos de financiamento da empresa com bancos (com saldo devedor de R$ 340 milhões, os quais incluem cláusulas de vencimento antecipado no caso de inadimplência financeira em outros contratos), bem como contratos de fianças bancárias e apólices de seguro garantia (que somam R$ 2,3 bilhões).
56. Diante dessa situação, a concessionária poderia se ver forçada a buscar financiamentos de emergência no mercado, caracterizados por prazos desfavoravelmente curtos e custos elevados, além de restrições contratuais e exigências de garantias que poderiam agravar ainda mais a carga financeira sobre a empresa, o que caracteriza a presença do periculum in mora no caso em questão.
57. Por esses motivos, considero necessária a autorização para a prorrogação dos mútuos, ao menos provisoriamente, até que uma decisão final de mérito seja emitida pela ANEEL. No entanto, proponho o provimento parcial do pedido de medida cautelar, para conceder a prorrogação temporária apenas para o contrato de mútuo com vencimento previsto para o dia 07/07/2024. Essa abordagem
conservadora sinaliza para uma rápida tramitação processual pela ANEEL, ao mesmo tempo que incentiva a Enel a continuar buscando soluções que fortaleçam sua sustentabilidade financeira de acordo com os indicadores regulatórios estabelecidos.
58. Ademais, no que tange ao risco de irreversibilidade dos efeitos da decisão, cumpre consignar que o acatamento do pleito acautelatório no caso corrente tem como efeito permitir a prorrogação temporária do vencimento dos contratos atuais, com efeito limitado no tempo. Como se infere, trata-se de medida cautelar reversível, cujos efeitos podem eventualmente ser desconstituídos ao fim do curso do presente processo, após a devida instrução técnica do recurso administrativo em face do Despacho SFF nº 1.860/2024 e da subsequente deliberação em última instância pela Diretoria.
59. Por todo o exposto, estando presentes os requisitos autorizadores da fumaça do bom direito, do perigo da demora e da reversibilidade da medida, encaminho voto no sentido de conceder parcialmente a cautelar requerida pela Enel RJ, para permitir a prorrogação temporária do contrato “ MÚTUO ENEL BRASIL 55”, com vencimento previsto para 07/07/2024, até a decisão final de última instância da ANEEL quanto ao pedido de anuência prévia para refinanciamento do contrato de mútuo entre a Enel RJ e suas partes relacionadas, efetuado nos termos da Carta Enel RJ 150-2023-RB.
III. DIREITO
60. O presente voto está fundamentado nos seguintes dispositivos legais e normativos: (i) Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996; (ii) Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999; (iii) Lei nº 12.783, de 11 de janeiro de 2013; (iv) Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015; e (v) Resolução Normativa ANEEL nº 948, de 16 de novembro de 2021.
IV. DISPOSITIVO
61. Diante do exposto e do que consta do Processo nº 48500.006150/2018-50, voto por conceder provimento parcial do pedido de cautelar solicitado pela Ampla Energia e Serviços S.A. (Enel RJ), no sentido permitir a prorrogação temporária do contrato “MÚTUO ENEL BRASIL 55” da Enel RJ com suas partes relacionadas, com vencimento previsto para 07/07/2024, mantendo-se as mesmas condições
contratadas, até a decisão final de última instância da ANEEL quanto ao pedido de anuência prévia para refinanciamento do contrato de mútuo efetuado nos termos da Carta Enel RJ 150-2023-RB.
Brasília, 02 de julho de 2024.
(Assinado digitalmente)
XXXXXXXX XXXX XXXXX XXXXXXXX XX XXXXX
Diretor