Sávio Henrique Damasceno Moreira
Aquisição de Informação na Execução dos Contratos Administrativos
Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx
Aquisição de Informação na Execução dos Contratos Administrativos
Mestrado em Direito Ciências Jurídico-Econômicas
Orientador
Xxxxxxxx Xxxxxx
Lisboa 2020
Agradecimentos
Gostaria de agradecer, antes de mais, a Deus, pela oportunidade. Xxxxxxxx também aos mestres, em especial o Prof. Catedrático Xxxxxxxx Xxxxxx, orientador e inspirador, quem abriu espaço para que eu pudesse trilhar a seara da Análise Econômica do Direito. Também na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, devo agradecimentos à Prof.ª Doutora Xxxxx Xxxxx xxx Xxxx Xxx Xxxxxx, pela contribuição nas aulas de ciências jurídico-econômicas. Agradeço igualmente ao Prof. Catedrático Xxxxx Xxxxx, e ao Prof. Doutor Xxxxxx Xxxxx e Xxxxx, pelas aulas e ensinamentos durante o mestrado. Muitas pessoas foram responsáveis pela manutenção dos incentivos necessários a sustentar a motivação e a perseverança durante a concretização deste trabalho, não sendo possível olvidar os agradecimentos aos meus pais, Xxxxx e Xxxxx. Devo o último agradecimento à minha noiva Xxxxx, quem sempre esteve ao meu lado, do início ao fim deste percurso.
Dedico esta dissertação às minhas sobrinhas, Xxxxxxx e Xxxxx, aquelas que representam o futuro.
O Autor
“In God we trust, all others must bring data.”
Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Resumo
O presente trabalho pretende investigar se a existência de poderes de conformação é suficiente, por si só, para que a Administração Pública supere o problema da escassez informacional na execução dos contratos administrativos. O problema é abordado à luz da análise econômica do direito e da teoria da informação, a fim de que se dê destaque aos mecanismos de aquisição de informação, às meta-decisões e à estrutura de incentivos subjacente ao cenário das compras públicas.
Abstract
The present work aims at investigating whether the existence of conformation powers is sufficient, in itself, for the Public Administration to overcome the problem of information scarcity in the execution of administrative contracts. The problem is addressed in the light of the economic analysis of law and information theory, in order to highlight information acquisition mechanisms, meta-decisions and the incentive structure underlying the public procurement scenario.
Sumário
2 Administração por Contratos 13
2.1 Fuga para o Direito Privado 17
2.1.1 Administração Pública e o Estado Prestador 17
2.1.2 Inchaço do Estado e Busca por Novas Soluções 20
2.1.3 O Contrato Administrativo como Instrumento de Eficiência 24
2.2.1 Novas Alternativas, Novos Riscos 28
2.2.2 Transferência do Domínio da Informação 31
2.3 Remediação da Posição de Refém 38
2.3.2 Poderes de Conformação 43
3.1 Informação e Tomadas de Decisão 48
3.3.1 Assimetria Informacional nos Mercados 58
3.3.2 Assimetria Informacional nas Relações de Agência 61
3.3.3 Informação Como Recurso Valioso 64
3.3.4 Informação e Comportamento Estratégico 67
3.3.5 Observabilidade e Verificabilidade 72
3.4 Utilidade da Informação na Execução dos Contratos Administrativos 77
4 Aquisição de Informação Como um Processo Limitado 82
4.1 Limites à Observabilidade 84
4.2 Complexidade nos Contratos Administrativos 98
4.2.1 Perspectiva Material 101
4.2.2 Perspectiva Formal 113
5 Decisão e Meta-Decisão 129
5.1 Efeito do Enquadramento 133
5.1.1 Enquadramento nos Contratos Administrativos 137
5.1.2 Efeitos do Enquadramento e Processo Meta-Decisório 141
5.1.3 Superação do Problema Mediante Gestão dos Contratos Públicos 146
5.2 Administração Baseada em Evidência 149
5.2.1 Tomada de Decisão Baseada em Evidência 150
5.2.2 Mais Informação, Maiores Responsabilidades 154
5.2.3 O Problema da Implementação 158
5.3 Tomada de Decisão Simples e Tomada de Decisão Complexa 161
6 Arquitetura dos Mecanismos de Aquisição de Informação 165
6.1 Definição de Mecanismo de Aquisição de Informação 167
6.2 Componentes dos Mecanismos de Aquisição de Informação 170
6.3 Custos de Oportunidade 174
6.4 Aquisição de Informação Como um Trade-Off 178
6.4.1 Pessoas 180
6.4.2 Tecnologia 187
6.4.3 Processos 191
6.4.4 Estrutura 194
6.5 Medida Ótima de Aquisição de Informação 199
7 Conclusão 203
Bibliografia 208
Aquisição de Informação na Execução dos Contratos Administrativos
Em razão da incapacidade da Administração Pública de satisfazer todas as necessidades que lhe são incumbidas, notadamente nos Estados de cunho social, parte destas obrigações são transferidas aos particulares por meio dos contratos administrativos. Ocorre que a fuga para o direito privado, ou seja, o fenômeno do contrato como solução para os problemas da Administração Pública, impõe alguns reveses. A transferência do domínio da atividade de interesse público para o particular faz surgir alguns efeitos deletérios, dentre eles, a transferência do domínio da informação.
A fim de garantir o interesse público, a relação existente nos contratos administrativos difere daquela presenciada nos demais contratos, uma vez que não existe necessariamente um equilíbrio: não raro os ordenamentos jurídicos preveem a possibilidade de que a Administração Pública, em prol do interesse coletivo, faça uso de poderes de conformação. Os poderes de conformação traduzem a possibilidade de a Administração Pública, de forma unilateral, impor a sua vontade na relação contratual.
Neste ínterim, o presente trabalho tem como objeto enfrentar o seguinte questionamento: a existência de poderes de conformação é suficiente, por si só, para que a Administração Pública supere o problema da escassez informacional na execução dos contratos administrativos? A possibilidade de impor obrigações ao contraente privado de forma unilateral é suficiente para que a Administração Pública adquira informações em grau satisfatório durante a execução dos contratos administrativos?
Quanto ao tema posto, dois pontos de observação se fazem importantes: primeiro, um dos maiores problemas envolvendo as relações contratuais refere-se à assimetria informacional entre as partes do contrato, ou seja, a existência de uma parte mais informada, normalmente o contratado, enquanto a outra carece de informação, em regra o contraente público; em segundo lugar, a utilização eficiente dos poderes de conformação, tal como qualquer outra tomada de decisão, deve ser uma tomada de
decisão informada. Desta forma, pode-se avançar quanto ao objeto deste trabalho: a partir do questionamento apresentado, é possível dizer que o enquadramento do problema é adequado? Ou seja, a pergunta do parágrafo anterior é válida no que tange ao enfrentamento do problema informacional?
A abordagem mostra-se interessante uma vez que a informação é, ao mesmo tempo, (a) problema que se revela durante a execução dos contratos, quando escassa ou má distribuída entre as parte, bem como (b) pressuposto para a boa condução da execução contratual, em especial quanto à aplicação dos poderes de conformação da Administração Pública, a qual carece de informação em qualidade e quantidade suficientes.
Responder aos questionamentos acima impõe o enfrentamento do tema referente à aquisição de informação na execução dos contratos administrativos. Dentre todos os problemas que se manifestam no desenvolvimento da execução contratual, a escassez de informação merece especial atenção pelo fato de que a informação é recurso que apresenta as suas idiossincrasias. Intuitivamente, é possível destacar alguns entraves que surgem em razão da própria natureza da informação: (a) considerando que somente conhece o conteúdo da informação aquele que a detém, como pode a Administração Pública reputar importante uma informação e exigir a sua revelação ou produção se ainda a desconhece? (b) como pode ser superado o oportunismo daquele agente que detém uma informação, todavia, não revela que a detém, impedindo que possa ser imposta a obrigação de sua transmissão?
A inquietude que deu origem ao presente trabalho é o fato de que a escassez de informação, não raro, possui o mesmo tratamento de todos os outros problemas decorrente da contratação, tais como a imprevisão. É de se questionar se o problema informacional pode ser desconsiderado, ou lançado em uma vala comum: (a) pode o ordenamento jurídico, no que tange à execução dos contratos administrativos, pressupor que as informações necessárias ao contraente público estão facilmente dispostas, acessíveis a custo zero?; ou ainda, (b) é possível somar o problema informacional aos outros problemas oriundos da execução contratual (ex. imprevisão) a fim de que seja apresentado a todos eles a mesma solução? Busca-se questionar, portanto, se a superação do problema informacional deve ser enfrentada tão somente à luz dos poderes de conformação, ou se merece outra abordagem.
Muitos ordenamentos jurídicos, a exemplo de Brasil e Portugal, conferem à Administração Pública uma série de poderes durante a execução dos contratos
administrativos, todavia, pouco se preocupam com o tema da informação. De um lado, é autorizado o uso de poderes de conformação, unilaterais, que viabilizam a imposição de força legítima. De outro lado, não é significativa a preocupação relativa à eventual assimetria informacional existente entre as partes do contrato. Ainda no tocante à informação, alguns ordenamentos jurídicos a entendem como um dado posto, pronto e acabado, estático. Pouco se considera a necessidade de um especial esforço pelo contraente no sentido de adquirir mais informação. Eventuais efeitos deletérios de uma distorção informacional desmesurada são desconsiderados.
A análise do presente trabalho é essencialmente uma análise econômica, sem caráter exaustivo, e sem a pretensão, portanto, de se aprofundar o estudo sobre determinado ordenamento jurídico específico. De outro lado, a análise que aqui se pretende realizar será feita a partir de um modelo, com o estabelecimento de alguns pressupostos. Assim, nada impede que o modelo aqui utilizado encontre paralelo no ordenamento jurídico de mais de um país, como ocorre, pois, com Portugal e Brasil.
O modelo sobre o qual se baseia o presente trabalho tem como pressupostos:
(a) existência de um Estado Social de Direito, ou seja, ocasião em que o Estado traz para si a obrigação de satisfazer uma grande quantidade de necessidades públicas, inclusive na esfera social; (b) ente público com capacidade de satisfazer suas obrigações tanto de forma direta como indireta, isto é, possibilidade de contratar a satisfação de suas necessidades; (c) manutenção da responsabilidade do ente público pela satisfação de suas obrigações mesmo após a contratação, em outras palavras, ainda que haja contrato com cessão de obrigações, não acontece, no entanto, uma plena transferência de responsabilidades, cabendo ao ente público acompanhar a atividade de execução e adotar providências, se assim exigir, para a preservação do interesse público; (d) ordenamento jurídico que concede ao ente público poderes especiais durante a execução dos contratos, com a finalidade de preservação do interesse público.
Os pressupostos do modelo a ser utilizado, conforme se verifica, coincide tanto com as características do ordenamento jurídico português quanto do ordenamento jurídico brasileiro, razão pela qual se pretende fazer aporte de ambos os arcabouços jurídico-legais. Ainda, a título de ilustração, recorrer-se-á a outros ordenamentos jurídicos estrangeiros. Faz-se a ressalva, mais uma vez, que se trata de uma análise econômica, sem pretensão de aprofundar os aspectos jurídicos e pormenores legais de um ou outro país.
A base teórica do presente trabalho encontra sustentação na análise econômica dos contratos, na teoria da informação, na análise econômica da informação, bem como na análise comportamental.
Para o enfrentamento do tema da aquisição de informação na execução dos contratos administrativos, o capítulo seguinte abordará o fenômeno da administração por contratos, isto é, a grande parcela de responsabilidades da Administração Pública que, por força de contrato, foi transferida a particulares. Busca-se esclarecer as razões dessa transferência, dentre elas a demanda por maior eficiência na prestação da atividade estatal. Ainda, é feita abordagem sobre os efeitos do fenômeno da contratação, incluindo a transferência do domínio da informação, os quais criam para a Administração Pública problemas de agência, e a coloca em posição de refém. Por fim, discute-se em que medida os poderes de conformação são forma de remediação da posição de refém em que é colocada a Administração Pública em razão da contratação.
Na sequência, no capítulo terceiro, é feita abordagem quanto à utilidade da informação na execução dos contratos administrativos. Para tanto, ressalta-se que o tema da informação nem sempre teve a importância que possui hoje. À medida que as sociedades se tornaram mais complexas, a ciência começou a se desenvolver rumo ao tema da informação. Assim, surgiu uma teoria própria da informação, a qual, posteriormente, enraizou-se para outras áreas, tais como a análise econômica, as relações contratuais, análise comportamental, e o campo da tecnologia. Houve, neste sentido, o reconhecimento da informação como recurso valioso, bem como o impacto de sua escassez ou distribuição assimétrica no comportamento dos agentes e dos mercados. Ao final, busca-se elencar, especificamente, qual a utilidade da informação para a Administração Pública durante a execução dos contratos administrativos.
Em seguida, no capítulo quarto, busca-se esclarecer que o processo de aquisição de informação é um processo limitado. É relevante elencar os fatores limitantes, ainda que sem a intenção de esgotá-los por completo, justamente para que possam ser analisados ante os poderes de conformação, no sentido de saber se estes têm condições de superar aqueles ou não. Os limites à observabilidade são divididos em três espécies, referentes ao (a) custo da informação, à (b) estrutura de incentivos, e aos (c) vieses do comportamento. Ainda, ressalta-se que estes fatores limitantes da observabilidade podem apresentar-se em maior ou menor grau, a depender da
complexidade do contrato. Esta complexidade, por sua vez, pode revelar-se numa perspectiva material, bem como numa perspectiva formal.
No capítulo quinto, tem-se que o problema informacional é, sobretudo, um problema envolvendo meta-decisões. Na ocasião, parte-se da análise do efeito do enquadramento a fim de esclarecer as premissas referentes ao tema da informação, por vezes, não são devidamente consideradas; logo em seguida, busca-se os meios de se superar o efeito do enquadramento, em especial no tocante aos contratos administrativos. Ao se avançar o tema das meta-decisões, parte-se para a relevância da administração baseada em evidências, e o devido reconhecimento da importância da informação. Ao final, tem-se o esclarecimento de que os contratos administrativos demandam tomadas de decisão, as quais são tão mais complexas quanto a complexidade da relação contratual.
Por fim, no sexto capítulo, aborda-se a arquitetura dos mecanismos de aquisição de informação, a qual deve ser objeto das meta-decisões da Administração Pública. Inicialmente, empreende-se esforços no sentido de conceituar mecanismos de aquisição de informação, bem como destacar os seus principais componentes. Em seguida, verifica-se que as meta-decisões quanto aos componentes dos mecanismos de aquisição de informação envolvem custos de oportunidade, o que leva a crer que o problema informacional é, sobretudo, um problema envolvendo tomadas de decisão e trocas (trade-off). Ao final, busca-se analisar, ainda que sem esgotar o tema, qual a medida ideal de aquisição de informação pela Administração Pública durante a execução dos contratos administrativos.
O objetivo do presente trabalho é lançar luz sobre o problema informacional presente nos contratos administrativos, em especial quanto aos poderes de conformação na tentativa de solucionar esse problema. Ou seja, busca-se elucidar se os poderes de conformação são uma solução suficiente e adequada para eliminar o problema da assimetria ou escassez informacional durante a execução dos contratos administrativos. Ainda, coloca-se em questão o enquadramento do problema, no sentido de se questionar se a pergunta acima é válida no que tange às premissas envolvendo os problemas informacionais.
Além disso, não se pode olvidar que o problema informacional se torna significativo à medida que os contratos são mais complexos, uma vez que a complexidade dos contratos administrativos impacta na observabilidade de sua execução; quanto maior a complexidade do contrato, mais difícil é a aquisição de informação por parte do contratante quanto ao adimplemento das prestações. Por isso mesmo, os contratos complexos não podem ser encarados da mesma forma que os contratos simples. Isso porque a aquisição de informação durante a execução do contrato deixa de ser óbvia e a custo zero, passando a ser onerosa e a demandar planejamento.
Para o enfrentamento do objeto proposto é importante explorar o papel dos contratos na seara da administração pública. O desenrolar dos anos e o desenvolvimento dos Estados sociais demonstrou que os contratos possuem um papel de grande relevância na consecução das finalidades de interesse público. Sua importância vai para além de ser um mero instrumento de concordância de propósitos entre particulares; mais do que isso, o contrato revela-se como o verdadeiro motor de propulsão da máquina pública, a engrenagem essencial que move os Estados que ousam chamar para si uma grande carga de responsabilidades, notadamente aqueles de cunho social. No que tange ao serviço público, a análise histórica demonstra que o contrato assume cada vez mais o papel de verdadeiro protagonista.
A expansão do Estado de bem-estar social nas últimas décadas, presente em diversos países do mundo, implicou um verdadeiro inchaço das atribuições da Administração Pública. Vendo-se inábil para o atingimento de todos estes objetivos, o movimento natural foi a delegação, cada vez maior, destas responsabilidades, transferindo-as para a seara privada, onde as normas jurídicas tendem a engessar menos o exercício das atividades. Tais delegações de responsabilidade se deram por meio do contrato. É ele o instrumento que permitiu ao Estado atender a todas as finalidades a que se propôs. Ao invés de satisfazer as necessidades da sociedade de forma direta, o Estado se viu contratando a consecução de tais satisfações. Desta forma, deixou de ser um Estado executor para tornar-se um Estado contratante.
À medida em que se disseminam as contratações, e o contrato assume um papel de protagonista, muda o próprio perfil da Administração Pública. Ao invés de prestadora, ela passa a ser gestora de contratos. O horizonte da Administração Pública deixa de ser a satisfação direta dos interesses sociais, transformando-se em um leque de contratos.
Para Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx, este fenômeno pode ser denominado como fuga para o Direito Privado: ocorre quando a Administração Pública se furta do regime de Direito Administrativo, que normalmente lhe amarra1. O motivo de o contrato ser tão aprazível aos olhos da Administração Pública é principalmente pela sua capacidade de afastar o regime de Direito Administrativo e substituí-lo pelo regime de Direito Privado. Este último permite uma maior liberdade de atuação, regras mais flexíveis, conferindo agilidade à concretização de resultados. O primeiro, por sua vez, possui regras de conformação mais rígidas, sendo caracterizado pela solenidade e respeitabilidade aos protocolos legais.
Assim, os contratos podem ser entendidos como uma ferramenta com o potencial de conferir maior agilidade à consecução dos resultados que visam a satisfação dos interesses sociais. Ocorre, contudo, que tal ferramenta não traz apenas conveniências. Os contratos implicam alguns reveses que não existiam quando da execução direta das atividades pela própria Administração Pública. Novas soluções podem vir a calhar, mas de forma concomitante também podem trazer novos problemas que demandam uma atenção diferenciada. No momento em que a Administração Pública deixa de executar diretamente suas atividades, valendo-se de um terceiro contratado, deixa de ter o domínio dos fatos que ali estão sendo executados.
Valer-se de um intermediário significa abrir mão do controle direto da atividade que está sendo realizada. Consequentemente, implica a transferência do domínio da informação. As informações relativas ao exercício da atividade saem da alçada da Administração Pública, que não mais executa diretamente a prestação capaz de satisfazer os interesses sociais, e ficam sob o encargo do contratado. Uma vez que tais informações não estão mais sob o domínio da Administração Pública, cabe a ela valer-se de mecanismos que sejam capazes de operar o fluxo reverso: fazer com que as informações de posse do contratado sejam transmitidas para ela, a Administração Pública contratante.
As informações quanto à execução do contrato são relevantes não só para a garantia de adimplemento das prestações, mas também para a tomada de decisões importantes relativas à relação contratual, tais como prorrogação, modificação, rescisão, dentre outras.
1 Xxxxxxxxxx, Xxxxx Xxxx. A Fuga para o Direito Privado, p. 17.
Ainda, outro revés merece destaque. Trata-se dos problemas de agência inerentes à relação entre contratante e contratado. Mais uma vicissitude que surge quando a Administração Pública, ao invés de executar diretamente a satisfação dos seus interesses, transfere tal responsabilidade a terceiros. Pode-se definir relação de agência como sendo aquela onde, por meio de um contrato, uma ou mais pessoas (o principal) engajam outras pessoas (o agente) na performance de determinado serviço, por sua conta, o que envolve a delegação para o agente de autoridade para a tomada de decisões. O problema da agência refere-se, pois, ao fato de que, considerando que ambas as partes são potenciais maximizadoras de sua utilidade, nem sempre o agente agirá em prol do melhor interesse do principal2.
Fato é que o contratante, em determinada medida, encontra-se refém do contratado, uma vez que não mais detêm o domínio de todas as informações inerentes à execução da relação contratual. Ainda, os problemas de agência afiguram-se extremamente graves quando o que está em jogo é o interesse público, a exemplo, serviços essenciais. A par de todos estes reveses, e sem querer abrir mão da eficiência inerente à fuga para o Direito Privado, a legislação garante mecanismos de remediação da posição de refém em que a Administração Pública se encontra. Em que pese a relação contratual pressupor um equilíbrio de direitos e deveres entre as partes envolvidas, quando se refere a interesse público o Direito Administrativo tratou de desequilibrar esta relação. Vários países garantiram em sua legislação a possibilidade de a Administração Pública, de forma unilateral, conformar a relação processual.
Trata-se de poderes conferidos à Administração Pública que, visando uma proposital desigualdade, não existem – ao menos na mesma proporção – para o particular. Tais poderes são relevantes para que o ente público consiga obter o sucesso esperado nas contratações que realiza. Afinal, se o Estado firma um contrato, pressupõe-se que o seu objeto seja de interesse público, e consequentemente, a não consecução desse objeto lesa os interesses de toda a sociedade. Neste sentido, os poderes de conformação existem para que se garanta a continuidade e a atualidade dos contratos administrativos.
Ocorre que é preciso questionar se a existência dos poderes unilaterais de conformação é suficiente, por si só, para a solução de todos os problemas relativos à execução contratual. O presente trabalho lança luz sobre os problemas
2 Xxxxxx, Xxxxxxx X.; Xxxxxxxx, Xxxxxxx X. Meckling, Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure, p. 5.
informacionais, e pretende analisar se estes, em específico, podem ser superados mediante o uso dos poderes de conformação pela Administração Pública.
A seguir, passa-se à análise do fenômeno da fuga para o Direito Privado, bem como dos seus reveses e métodos de remediação.
2.1 Fuga para o Direito Privado
Dissertar sobre contratos na seara da Administração Pública é referir-se ao fenômeno de transferência do Direito Administrativo para o Direito Privado. Em outras palavras, refere-se à escolha do Estado em fazer com que algumas de suas atividades que antes eram regidas à luz do Direito Público passem a ser orientadas pelo Direito Privado. Importante ressalvar que esta transferência não significa um afastamento absoluto do Direito Administrativo. Mas sim, trata-se de um desembaraço, uma busca por maior eficiência e menos solenidade.
O título do presente item refere-se à obra de Xxxxx Xxxx Xxxxxxxxxx, intitulada “A Fuga para o Direito Privado: Contributo para o estudo da actividade de Direito Privado da Administração Pública”, onde a autora analisa o fenômeno da privatização
– em sentido amplo – das atividades da Administração Pública.
Será explorado, a seguir, o caráter prestador da Administração Pública, bem como a busca por meios de consecução efetiva dos seus objetivos, com foco especial no contrato.
2.1.1 Administração Pública e o Estado Prestador
O fundamento da existência da Administração Pública é a incapacidade do indivíduo, isoladamente considerado, de conseguir satisfazer sozinho todas as suas necessidades. De forma bastante suscinta, pode-se dizer que a organização das pessoas para a criação do Estado é uma estratégia de sobrevivência. Incapazes de realizarem tudo por si só, as pessoas se agrupam para criar o Estado e transferem a ele a consecução de algumas de suas necessidades. Assim, o Estado é uma organização de pessoas a quem foi transferida a satisfação de determinadas necessidades da sociedade.
Conforme lição de Xxxxx Xxxxx 3 , a atividade da Administração Pública consiste, portanto, em uma (a) tarefa humana inserida numa organização, a qual envolve (b) gestão de recursos (planejamento, organização, conformação, controle e
3 Xxxxx Xxxxx, Manual de Direito Administrativo, Volume I, p. 20 a 21.
informação), (c) visando a satisfação de interesses que pertencem a pessoa diferente daquele que os administra. Por isso mesmo, tem-se que administrar é uma atividade delegada (habilitada pela sociedade, titular primária dos interesses perquiridos), subordinada (pelo real interesse dos titulares primários), e que envolve a responsabilidade daquele que gere perante o titular ou dono dos interesses (a sociedade)4.
Examinar as funções do Estado é se debruçar sobre a seguinte pergunta: quais necessidades da sociedade cabe à Administração Pública satisfazer? De outro lado, quais são aquelas necessidades que serão regidas pelos postulados individuais, sem auxílio do aparato estatal? Partindo-se deste ponto de vista é possível perceber que as funções do Estado refletem uma concepção mais ou menos invasiva sobre até onde deve a esfera privada do indivíduo e o livre jogo do mercado sofrer interferência.
Ensina Gabino Fraga que, em sendo as funções do Estado meios para se atingir fins da coletividade, aquelas são alteradas todas as vezes que se variam estes. Desta forma, os critérios para a fixação do seu número e extensão não constituem questões meramente jurídicas, mas sim correspondem ao campo das ciências políticas5. As aspirações de um povo quanto à atuação estatal se alteram a depender do tempo em que vivem e suas circunstâncias.
Assumida a dinâmica da extensão e número das atividades do Estado, é possível notar movimentos migratórios das necessidades coletivas, as quais variam a depender do contexto histórico. Estes movimentos podem ocorrer das seguintes formas: (a) privatização ou reprivatização, quando a Administração Pública transfere a satisfação de necessidades para entidades privadas; (b) coletivização ou publicização, quando a Administração Pública assume a satisfação de necessidades que antes ficavam a cargo de particulares; (c) zonas mistas, quando algumas necessidades públicas ficam a cargo da Administração Pública e particulares simultaneamente6.
Sob o prisma da evolução dos direitos fundamentais, com o incremento do estatuto jurídico fundamental do cidadão, percebe-se a migração de diversas atribuições ao Estado, as quais não eram de sua alçada. As configurações do Estado social são mais complexas e amplas do que as configurações do Estado liberal. Nos
4 Idem, p. 21.
5 Xxxxxx Xxxxx, Derecho Administrativo, p. 14.
6 Xxxxx Xxxxx, Manual de Direito Administrativo Volume I, p. 26.
séculos XVIII e XIX prevalecia nas Constituições e declarações o liberalismo, o qual refletia basicamente direitos de liberdade. A situação muda no século XX, quando o Estado passa a se empenhar na promoção e realização da pessoa humana7.
A transição do Estado liberal para o Estado social reposicionou o indivíduo e redefiniu as suas relações com a Administração Pública, promovendo um “alargamento do estatuto de cidadania dos particulares”8. As obrigações do Estado estenderam-se para instâncias antes sem qualquer ingerência estatal. O que era entregue à discricionariedade das vontades particulares passou a sofrer interferência da Administração Pública. O foco do Estado deixou de ser a mera instituição de garantias para a tutela da liberdade do indivíduo.
O cunho social pressupõe que o Estado deve impulsionar e promover o desenvolvimento da pessoa humana, garantindo condições mínimas para uma vida digna. O papel estatal deixa de ser apenas o de uma trincheira de defesa, coibidor de abusos do mais forte sobre o mais fraco. Para além disso, tem-se a noção de um verdadeiro motor, ativo, que impõe velocidade sob o desenvolvimento humano. A partir daí, pode-se dizer que o espectro de atividades da Administração Pública sofre um grande impacto. O seu leque de responsabilidades foi bastante ampliado, uma vez que deixou de simplesmente constituir vedação de excessos e garantir liberdades. Nasce, para a Administração Pública, uma verdadeira obrigação de entrega. Passa a ser dela a obrigação de fornecer meios para que a pessoa se desenvolva de forma adequada.
Com o alargamento das funções da Administração Pública, pode-se dizer que ela passa a ser um aparelho prestador9. Sua ingerência em questões econômicas, sociais, culturais, de segurança e bem-estar exige a prestação de serviços à sociedade, isto é, a entrega de benefícios sociais. Atividades antes entregues à aleatoriedade da iniciativa particular são substituídas pela ação estatal. Surgem para o indivíduo direitos a prestações do Estado10. Em nome do bom funcionamento das atividades privadas impõe-se o seu balizamento por normas de caráter coletivo. O Estado passa a intervir na vida econômica, moral e intelectual das pessoas, por vezes substituindo
7 Xxxxxxx, Xxxxx. O regime dos direitos sociais, p. 24 e 25.
8 Xxxxxx Xxxxxxxx. O Direito à Informação Administrativa Procedimental, p. 88.
9 Xxxxxxxxxx, Xxxxx Xxxx. A Fuga para o Direito Privado, p. 36 a 37.
10 Xxxxx, Xxxxx. Manual de Direito Administrativo p. 280.
caprichos e desejos típicos de uns por determinações de ordem pública que buscam refletir o anseio de todos.
Sob a ótica dos movimentos migratórios outrora citados, pode-se dizer que a transformação do Estado liberal em Estado social promoveu um movimento migratório de publicização das necessidades coletivas. Isto é, necessidades que antes eram relegadas à iniciativa privada e às leis do livre mercado foram avocadas pelo Estado. Ocorre que a publicização de novas atividades exigiu por parte da Administração Pública uma grande dose de adaptação e evolução. A um, por passarem a ingerir em áreas onde jamais tinham se aventurado, enfrentando novas dificuldades, até então desconhecidas. A dois, pelo fato de que as novas responsabilidades demandaram novos recursos, tanto humano quanto materiais.
Pode-se dizer, com segurança, que o Estado social aumentou sobremaneira o grau de complexidade e enredamento das atividades da Administração Pública. Promover o social é mais complexo e profundo do que garantir liberdades do cidadão. A atividade administrativa passou a ser heterogênea, múltipla e variada. Passou a ser premente a necessidade de captação de novos recursos, bem como a contratação maior de pessoal.
Aos olhos do gestor público, sua responsabilidade engrandeceu assustadoramente. O Estado prestador demanda entregas à sociedade, e a entrega de serviços, mais do que um mero detalhe, é uma verdadeira ciência, muito distante do convencional. A captação de recursos mediante tributação e retorno à sociedade em forma de benefício social demanda várias tomadas de decisão, tais como: (a) em quais áreas deve haver intervenção? (b) qual a prestação estatal a ser realizada? (c) qual a medida desta prestação? (d) como medir os impactos positivos e negativos desta prestação?
Diante das novas dificuldades, e ante o agigantamento das responsabilidades que foram impingidas à Administração Pública, é que se iniciou um novo movimento migratório, o qual será explorado no tópico seguinte.
2.1.2 Inchaço do Estado e Busca por Novas Soluções
A evolução do Estado liberal em Estado social é, sem dúvidas, um grande avanço no que tange ao engrandecimento dos direitos fundamentais, uma vez que chamou o Estado à responsabilidade para aspectos voltados à dignidade da pessoa humana. Entretanto, não se pode entender a questão como um desafio superado.
Para a concretização dos direitos fundamentais não basta a realocação de responsabilidades; também, é preciso que haja concreta satisfação das necessidades sociais. Deparando-se com tamanhas responsabilidades e um imenso leque de atribuições, verdade é que o Estado se viu embaraçado nas amarras do Direito Administrativo. Em prol de princípios de ordem pública tais como publicidade, moralidade e impessoalidade, há para o Estado solenidades que são imperativas, as quais não existem para as empresas privadas.
Mais do que garantir liberdades, existe para o Estado prestador uma gama de obrigações envolvendo entrega de bens e serviços à sociedade. Ocorre que a produção destes bens e serviços pelo setor privado tende a ser mais eficiente, isto é, a prática demonstra as vantagens de a atividade ser controlada pelas regras de mercado e administrada privadamente 11 . A Administração Pública, ao receber tais encargos sociais, não se viu possuidora de meios capazes de atender todas as novas incumbências.
Se de um lado a recrudescência normativa que rege o agir administrativo se presta à tutela de valores que são ignorados no âmbito exclusivamente privado, este mesmo rigor também impede que a Administração Pública obtenha performance semelhante à do particular no livre mercado. Fato é que o Estado sentiu as dificuldades de, ao mesmo tempo, executar as funções de providência e de proteção12. Pode-se dizer que o inchaço do Estado mostrou-se terreno fértil para agruras das mais diversas, tais como excesso de burocracia no desenvolver das rotinas administrativas, ineficiência na execução das atividades demandadas, além de proliferação de corrupção entre os agentes públicos e terceiros13.
A assunção de novas responsabilidades inflou o Estado de forma desmesurada, o qual terminou por se ver incapaz de executar diretamente todas as tarefas que lhe foram incumbidas. É justamente em razão desta dificuldade que surge um novo movimento migratório, desta vez, de privatização. Ou seja, a Administração Pública volta a transferir a satisfação de necessidades sociais para as entidades privadas.
Importante ressaltar que, em sentido amplo, existem várias formas de privatização. Inicialmente, estas formas podem ser divididas em dois níveis: (a) privatização integral, quando a Administração Pública transfere a satisfação de
11 Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Da Administração Pública Burocrática à Gerencial, p. 20.
12 Xxxxxxxxxx, Xxxxx Xxxx. A Fuga para o Direito Privado, p. 58.
13 Idem, p. 47.
necessidades coletivas para entidades privadas e, ao mesmo tempo, abandona a titularidades destas responsabilidades; e (b) privatização por delegação, quando a Administração Pública transfere apenas a execução da satisfação destas necessidades, todavia, sem abandonar a titularidade destes interesses14.
Ainda, importante ressaltar que existem múltiplas alternativas de se operar essa transferência da satisfação das necessidades coletivas, a exemplo: (a) mediante a venda de companhias governamentais aos particulares; (b) pela execução das atividades governamentais por particulares contratados (outsourcing); (c) por meio da construção de infraestrutura pública por investidores privados; (d) por licenciamento e outorga de permissões para atuação em determinadas atividades; (e) ante o limite do alcance governamental e consequente atuação concorrente dos particulares (ex. saúde e educação); (f) através da execução de serviços públicos mediante taxa; (g) pela comercialização de espaços públicos; (h) pela cooperação com entidades do terceiro setor15.
A privatização a que se refere o presente trabalho, isto é, aquela decorrente da ressaca do Estado após assumir grande quantidade de atribuições com a passagem para o Estado social, é a privatização por delegação. O reconhecimento da ausência de meios capazes de concretizar todas as obrigações assumidas não faz com que o Estado, necessariamente, volte atrás e renuncie à função de provedor. Ao contrário, o movimento migratório de privatização ocorrido nas últimas décadas do século XX reflete a busca por novas soluções16. Trata-se de uma crise do hiperintervencionismo do Estado, a qual culminou na reconfiguração do aparelho administrativo com a finalidade de redução da execução direta de tarefas e serviços públicos17.
O movimento de privatização se fez presente em diversos países do mundo18, atravessando fronteiras e culturas, norteado por um complexo arranjo de fatores, tanto ideológicos quanto econômicos19. Não se pode negar que o episódio implicou uma profunda modificação na forma tradicional de governar, o que despertou atenção especial do Direito Público então vigente.
14 Xxxxx, Xxxxx. Manual de Direito Administrativo, p. 26.
15 Xxxxx-Xxxx, Xxxxxx. Three questions of privatization, p. 494 a 496.
16 Xxxxxxx, Xxxx. The Contracting State, p. 160.
17 Xxxxx, Xxxxx. Manual de Direito Administrativo, p. 287 a 289.
18 Xxxxxxx, Xxxx. The Contracting State, p. 155.
19 Xxxxx-Xxxx, Xxxxxx. Three questions of privatization, p. 493.
Em apertada síntese, duas preocupações vieram à tona com o fenômeno da privatização. A um, os limites de até onde poderia ela operar 20 . O retorno da Administração Pública ao Direito Privado, reduzindo a aplicação do Direito Administrativo em assuntos como formas de organização administrativa e regulação material de sua atividade, fez com que viesse à tona a chamada reserva constitucional de Direito Administrativo 21 . Isto é, buscou-se delimitar, à luz da constituição, matérias que não poderiam ser entregues, mediante privatização, ao regime do Direito Privado.
A dois, restringir-se ao argumento de que a privatização se mostra uma solução adequada ao inchaço do Estado é uma análise rasa do problema. Mais importante é perquirir de que forma se opera a privatização. Seja ela executada de forma desregrada, irresponsável, sem planejamento e sem atenção a pontos nevrálgicos, a privatização pode trazer malefícios de várias ordens. Por essas razões, passou o Direito Público a preocupar-se com a forma como a privatização é operada.22
Após o devido acautelamento das duas ressalvas acima apontadas (limites da privatização e forma de sua operação), fato é que a privatização tem o potencial de oferecer várias conveniências à execução das finalidades do Estado. Os defensores da provisão de serviços públicos por meio de corporações privadas fundamentam o seu argumento, basicamente, nos pilares da eficiência e da concorrência. A busca por lucros perpetrada por empresas privadas, as quais terão, em regra, de competir entre si a fim de angariar contratações, pode resultar em ganho de eficiência e redução de custos se comparado com a execução do mesmo serviço por entidades públicas.24
Várias são as vantagens de se perseguir as satisfações da sociedade sob as “formas de organização administrativa jurídico-privadas” 25 , a exemplo: (a) maior facilidade na criação e extinção das instituições; (b) maior autonomia dos entes privados; (c) mais flexibilidade na estrutura e organização das instituições; (d) sujeição à concorrência, rentabilidade e economicidade; (e) maior dinamismo nos processos de decisão e atuação; (f) simplificação na contratação de pessoal; (g) diversificação dos bens e serviços a oferecer no mercado; (h) melhores meios de
20 Idem, p. 493.
21 Xxxxx, Xxxxx. Legalidade e Administração Pública, p. 812.
22 Xxxxx-Xxxx, Xxxxx, Three questions of privatization, p. 493.
24 Xxxxxx, Xxxxxxx X.; Xxxxx, Xxxxxxx X. Privatized Government Functions and Freedom of Information: Public Accountability in an Age of Private Governance, p. 465.
25 Xxxxxxxxxx, Xxxxx Xxxx. A Fuga para o Direito Privado, p. 59 a 67.
financiamento; (i) redução dos custos administrativos; (j) vantagens fiscais; (k) simplicidade na cooperação e conjugação de esforços com outros entes; (l) utilização da iniciativa privada; (m) maior facilidade de intercâmbios com o estrangeiro.
De todas as formas de privatização, talvez a mais usual, e que também é o objeto central do presente trabalho, seja a execução das atividades governamentais por particulares contratados (outsourcing). Assim, a seguir, terá foco o contrato administrativo como ferramenta capaz de impingir maior eficiência na execução das finalidades da Administração Pública.
2.1.3 O Contrato Administrativo como Instrumento de Eficiência
O movimento migratório de privatização, decorrente da ressaca do Estado após a assunção de diversas finalidades de cunho social, fez com que a Administração Pública recorresse à modalidade mais típica do Direito Privado: o contrato26.
Não se quer dizer que o contrato inexistia no seio da Administração Pública em períodos anteriores. Entretanto, foi nas décadas de 1970 e 1980, em consonância com as novas políticas de gestão pública, as quais se espalharam por todos os países industrializados na segunda metade do século passado, que o contrato floresceu como importante prática administrativa27.
O desempenho das funções públicas conheceu uma célere contratualização, a qual iniciou-se nos Estados Unidos da América, e se expandiu posteriormente a vários outros países28. Esse fenômeno alterou novamente a configuração do Estado: este, que havia evoluído seu papel de mero garantidor para tornar-se um prestador, viu-se mais uma vez com uma nova roupagem, de contratante. A privatização em forma de contratualização operou uma profunda transformação dos mecanismos de funcionamento e de competência da Administração Pública. De prestadora de serviços ela converte-se em contratante de prestadores, colocando-se na posição de gestora destes contratos29.
É importante ressaltar, ainda que à exaustão, qual o papel desenvolvido pelo contrato neste momento histórico de intensa contratualização: recorrer ao contrato foi o meio encontrado pela Administração Pública de conferir maior eficiência à
26 Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxx. Direito dos Contratos Públicos, p. 499; Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxx. A Fuga para o Direito Privado, p. 42.
27 Xxxx, Xxxx-Xxxxxxx. Contracting out and ‘public values’: a theoretical and comparative approach, p. 512.
28 Xxxxxx, Xxxxxxxx. Teoria Econômica do Contrato, p. 90.
29 Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxx. Direito dos Contratos Públicos, p. 517.
execução de suas atividades. Sob o ponto de vista das formas de arregimentação e organização dos fatores produtivos, o contrato mostrou-se como solução de eficiência quando comparado à produção direta dos bens e serviços pela Administração Pública.
A esta altura é válido recorrer à noção trazida por Xxxxxx X. Coase sobre custos de transação e a eficiência comparativa entre os modos de produção pelo livre jogo de mercado (sem qualquer estrutura centralizada), de um lado, e as firmas (com o seu modelo de direção centralizado), de outro lado. Ressalte-se que “firma”, na teoria econômica moderna, difere de seu conceito jurídico, sendo toda organização que converte insumos em produtos30.
A solução vertical refere-se à integralização pela firma de determinado fator de produção, isto é, ao invés de ir buscar um bem ou serviço no mercado, a firma integra na sua própria cadeia produtiva a geração daquele bem ou serviço. É o caso, por exemplo, de uma fusão entre duas firmas envolvidas em estágios diferentes da mesma cadeia de produção. Defender a solução vertical é dizer que existem benefícios quando o empreendedor-coordenador da firma A passa a ter autoridade sobre o empreendedor-coordenador da firma B (relação de trabalho)31.
De outro lado, a solução horizontal sustenta que as firmas devam continuar sendo entidades distintas, ainda que a firma A, sempre que queira um insumo da firma B, tenha de convencê-lo a celebrar um novo contrato. Diferente de relação de autoridade, trata-se de uma relação de cooperação. Quando um agente se envolve em uma relação contratual significa, em última instância, que prefere realizar determinada atividade em colaboração com outra parte, e não sozinho32.
Em sua obra The nature of the firm33, de 0000, Xxxxxx Xxxxx preconiza, de maneira inovadora, os chamados “custos de transação”. Inicialmente, o autor introduz a ideia de que a coordenação dos fatores de produção é uma tarefa que pode ficar a cargo ou do mecanismo de preços do mercado (solução horizontal), ou do empresário- coordenador da firma (solução vertical)34. A escolha da melhor solução dependeria dos custos de transação.
30 Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx; Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx. Xxxxxx Xxxxx: um economista voltado para o Direito, p. XLI.
31 Xxxx, Xxxxxx X. Incomplete Contracts and the Theory of the Firm, p. 120.
32 Xxxxx, Xxxxxxx X. Self-Interest and Cooperation in Long-Term Contracts, p. 584.
33 Xxxxx, Xxxxxx. The nature of the firm.
34 Xxxxx, Xxxxxx. A Natureza da Firma, p. 37 ss.
Pode-se dizer que o impedimento para a formação de mercados ideais e a solução espontânea, negociada, de muitos dos aspectos relativos à organização dos fatores de produção é a simples onerosidade dos procedimentos envolvidos num tal tipo de solução35. Essa onerosidade é o que se chama de custos de transação, ou seja, todos aqueles custos em que se incorre na troca de utilidades e na afetação comutativa de recursos36.
No sentido da obra de Xxxxx, a busca por eficiência torna imperativo que a definição da solução mais adequada para a coordenação de determinado fator de produção – se horizontal (pelo mecanismo de preços do livre mercado), ou se vertical (integralização por meio da firma) – seja guiada pelo esforço de reduzir os custos de transação37.
Segundo Xxxxxx X. Xxxx, em um mundo ideal, sem atritos, onde não existam custos de transação, a integralização de um fator de produção perderia a razão de ser38. A carência de um bem ou serviço poderia sempre ser suprida pelo mercado, sem maiores dificuldades ou inseguranças. Considerando que a apropriação de um fator de produção visa garantir um determinado arranjo contratual desejado na solução de mercado, se os custos de transação fossem zero a propriedade sobre esse fator produtivo seria desinteressante, pois seriam inexistentes os custos de negociação e de celebração de um novo contrato. Contudo, não é o que acontece no mundo real.
Havendo custos de transação, como é e sempre será, urge a necessidade de escolher a alternativa que os mantenha no menor patamar possível. Deve-se escolher, portanto, entre a solução horizontal (mercado) e a solução vertical (integralização), aquela que implique os menores custos de transação. A alternativa adequada é aquela resultado das circunstâncias existentes no cenário, as quais, inclusive, são dinâmicas. Essa mutabilidade das circunstâncias e a alteração da solução ideal em razão do tempo é bem exemplificado pela análise histórica da evolução do papel do Estado, seus movimentos migratórios – de privatização e publicização – e métodos de perseguição das finalidades que lhe são incumbidas.
Voltando ao Estado, pergunta-se: de que forma ele melhor poderia fazer frente aos custos de transação? Por meio da solução de firma ou por meio da solução do
35 Xxxxxx, Xxxxxxxx. Introdução à Economia, p. 553.
36 Xxxxx, Xxxxxx. A Natureza da Firma, p. 38; Xxxxxx, Xxxxxxxx. Introdução à Economia, p.
553.
37 Xxxxx, Xxxxxx. A Natureza da Firma, p. 43 ss.
38 Xxxx, Xxxxxx X. Incomplete Contracts and the Theory of the Firm, p. 122.
mecanismo de preços do livre mercado? Quando se fala em movimento de contratualização, trata-se da assunção pelo Estado de que recorrer às operações de troca do mercado é mais eficiente – ou seja, possui custos de transação mais baixos – do que conferir aos seus servidores públicos a tarefa de coordenar os fatores de produção dos bens e serviços desejados. Em outras palavras, o movimento de contratualização é o reconhecimento de que a solução horizontal (mercado) é, naquelas circunstâncias, a mais adequada ao objetivo do Estado de reduzir os custos de transação na busca pela satisfação das necessidades coletivas.
Desta forma, o Estado reconhece a existência de custos na utilização do mecanismo de preços da solução de mercado, contudo, os considera mais vantajosos quando comparados aos custos da solução de firma. A solução horizontal (mercado) também possui os seus custos, sendo fácil elencar exemplos, tais como o custo de se descobrir preços relevantes, os custos de negociar e celebrar um contrato individual para cada nova transação, dentre outros 39 . Apesar disso, o movimento de contratualização assume que todos estes custos são ultrapassados quando se confere aos próprios servidores públicos a função de coordenar os fatores de produção.
A decisão de trilhar a via do contrato é o Estado sinalizar que privilegia a concreta execução do bem ou serviço de interesse coletivo, abrindo mão de determinar ele mesmo, dentre as inúmeras possibilidades de ação, como os fatores de produção se organizarão para tanto. Por força do contrato, a coordenação dos fatores de produção fica a cargo do particular contratado, o qual tem a obrigação de entregar o bem ou serviço, independente de como irá se organizar para adimplir a prestação.
É de se notar que ambas as alternativas – tanto a solução horizontal quanto a solução vertical – possuem custos e benefícios, e a tomada de decisão sobre qual a melhor solução passa por uma análise de ponderação. Não se trata de uma escolha de tudo ou nada. Mesmo reconhecendo as vantagens da contratualização, não se pode esquecer que a via do contrato também implica custos de transação, os quais devem ser levados em conta. Tendo isto em mente, passa-se à análise dos custos inerentes à escolha da privatização pelo contrato, ou seja, os reveses da fuga para o Direito Privado.
39 Xxxxx, Xxxxxx. A Natureza da Firma , p. 38 e 39.
2.2 Os Reveses da Fuga
O movimento migratório de privatização por delegação, ou seja, a transferência da satisfação das necessidades coletivas para entidades privadas, sem que a Administração Pública renuncie à titularidade dessas responsabilidades, possui uma série de vantagens que impõe mais eficiência no realizar das funções administrativas. Contudo, está longe de ser uma opção imaculada, livre de quaisquer riscos.
Cabe, portanto, reservar espaço à análise dos riscos e custos inerentes à privatização por delegação pela via do contrato. Inicialmente, será dado destaque ao despontamento de novos riscos decorrentes da transferência realizada pela Administração Pública. Em seguida, o enfoque encerrará um risco em especial, talvez o principal, qual seja, a transferência do domínio da informação. Por fim, dar-se-á destaque a um efeito daí decorrente, o denominado problema de agência.
2.2.1 Novas Alternativas, Novos Riscos
A análise histórica da evolução do Estado demonstra que o contrato se afigura como solução para problemas de eficiência. Em determinado momento e sob certas circunstâncias, o contrato surge para a Administração Pública como tábua de salvação, revelando-se o caminho certo a ser trilhado. Contudo, o contrato não é uma solução em absoluto, pois também possui os seus limites e suas agruras.
Sobre o tema, é interessante a reflexão feita por Xxxxxx X. Hart40, o qual questiona: por que uma firma promoveria a aquisição, por qualquer motivo, de outra firma (integralização), ao invés de conduzir o seu negócio contratando com os agentes disponíveis no mercado? Por que as firmas existem? Quais os limites do contrato? A resposta a tais questionamentos passa necessariamente pelos custos de transação.
Sob o ponto de vista de eficiência na alocação de recursos, a existência de alternativas – solução de firma e solução de contrato – é justificada pela finalidade de tentar driblar estes custos, na maior medida possível. Se os custos da solução de firma são maiores do que os custos da solução de contrato, justifica a adoção desta última, e vice-versa. Para dar continuidade à finalidade do presente trabalho, é importante deixar de lado, no momento, a análise comparativa entre qual solução seria mais ou menos onerosa, para que se possa focar, com exclusividade, nos custos e riscos
inerentes à solução do contrato. Mais uma vez, ressalte-se, sem se apegar à discussão quanto à sua maior ou menor monta quando comparado à solução de firma.
Pois bem.
A diferença entre a solução vertical e a solução horizontal repousa na aquisição ou não do fator de produção. Se a firma é proprietária de um fator de produção, significa que integraliza aquela etapa da cadeia produtiva, e por isso mesmo detém a técnica de fabricação e sua execução. De outro lado, se não possui um determinado fator de produção, deve recorrer ao mercado, pela via do contrato, para adquirir o resultado advindo deste fator de produção, ficando alheio ao processo fabril.
Ocorre que a necessidade de ir ao mercado, a busca pelo produto desejado, a pesquisa de preços, a celebração do arranjo contratual, a regência do clausulado estabelecido, são exemplos de circunstâncias que não existiriam na hipótese de integralização. Assim, é possível elencar alguns riscos que existem apenas na hipótese de solução de mercado, os quais podem elevar os custos da operação, ou mesmo a inviabilizar.
Em primeiro lugar, aquele que recorre ao mercado precisa levantar informações sobre os preços praticados referente àquele determinado produto. Por vezes tais informações encontram-se dispostas a baixo custo; mas nem sempre. Os fornecedores que disponibilizam seu produto no mercado buscam, de várias formas, sinalizar41 aos compradores que o seu preço é o mais competitivo. Todavia, nem sempre o sinal emitido carrega informação suficiente42, a qual somente é acessada com certo custo. Para ilustrar, tenha-se o preço pela execução de um determinado serviço que, por ser heterogêneo, demanda a realização de uma cotação caso a caso (ex. orçamento para a construção de obra de engenharia civil).
Além do custo de pesquisa de mercado, aquele que depende continuamente de um determinado bem ou serviço deve preocupar-se com a sua permanente disponibilidade no mercado. Uma vez sujeito ao mecanismo de preços, não é garantido que determinado produto, sempre que se recorra ao mercado, esteja disponível pelo mesmo preço, ou mesmo que sequer esteja disponível. Afinal, para aquele que detém um fator de produção, caso seja mais interessante enveredar-se para outro ramo e abandonar o produto anterior, assim o fará, ainda que este produto seja
41 Xxxxxx , Xxxxxxx X. Job Market Signaling, p. 355 ss.
42 Idem. Signaling In Retrospect And The Informational Structure Of Markets, p. 431 ss.
imprescindível para a cadeia produtiva de terceiros. Excepcionadas as hipóteses de contrato de longo prazo, não existem garantias de fidelidade do vendedor a um determinado comprador, no sentido de que, havendo oferta de preço mais elevado, o fornecedor certamente deixará de vender ao comprador anterior se este não cobrir ou equiparar as demais propostas.
Uma vez adotada a solução de mercado, deve-se ter em mente, também, um importante efeito condicionador do mecanismo de preços: as diferenças de poder negocial ou de mercado43. A alocação dos direitos de propriedade, de forma geral, determina os poderes de xxxxxxxx, e por isso mesmo, reflete na estipulação dos termos do contrato44. Ao mesmo tempo, os poderes de barganha são limitados pela indispensabilidade da outra parte no processo de produção. Também interfere na eficiência das negociações a alocação dos poderes de decisão, a forma como estão dispostos, se de maneira concentrada ou difusa. Afinal, o comportamento do tomador de decisão é regido por uma estrutura de incentivos, dos mais variados, os quais podem modificar a cada negociação, conduzindo a termos contratuais distintos.
Definidas as etapas relativas a o que contratar e com quem contratar, aquele que recorre ao mercado também esbarra com os custos de redação do clausulado45. Afinal, nem sempre é fácil engendrar todas as vontades e contingências na elaboração das cláusulas de um contrato. Em sendo um contrato de prestação simples, única, e instantânea, é de se cogitar que o custo de elaboração do clausulado tende a zero. Contudo, quanto mais o objeto da prestação se mostra heterogêneo, quanto mais longo o prazo do contrato, e quanto mais complexas as circunstâncias que o envolve, maior será a dificuldade de idealizar cláusulas que comportem os anseios de ambas as partes. Some-se a esse esforço a questão relativa à incompletude do contrato e o respectivo direito residual de decidir os casos omissos, o qual impõe mais custos à medida em que o contrato é mais complexo46.
Ainda, deve-se ter em mente os chamados custos da disciplina contratual47. Posto que o contrato já esteja firmado, é impreterível que as partes se atenham ao quanto compactuado48. Afinal, se um contrato foi firmado, supõe-se que sua execução deve caminhar até a efetivação das prestações ali desejadas. Ainda, tratando de um
43 Xxxxxx, Xxxxxxxx. Teoria Econômica do Contrato, p. 199.
44 Tirole, Jean. Incomplete Contracts: Where Do We Stand?, p. 749 ss.
45 Xxxxxx, Xxxxxxxx. Teoria Econômica do Contrato, p. 198. 46 Xxxxxx Xxxx. Incomplete Contracts and Control, p. 1732. 47 Xxxxxx, Xxxxxxxx. Teoria Econômica do Contrato, p. 198.
48 Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Empreitada de Obras Públicas, p. 623.
contrato administrativo, pressupõe-se que essa satisfação seja de interesse público, e por mais forte razão deve ser tutelada. Contudo, a disposição original dos envolvidos em cumprir com suas obrigações pode sofrer ingerências de variadas ordens49. Ante o risco de eventuais transgressões, manifesta-se necessário um controle com o fim de garantir o escorreito adimplemento das obrigações previstas no contrato. Este controle, por sua vez, não é gratuito, pois demanda tempo e esforço.
Outro risco envolvendo a execução dos contratos refere-se às contingências imprevistas. Faz-se referência, aqui, às eventualidades, acasos, acidentes, que em razão de serem fatos por demais fortuitos e incertos, não foram previstos no clausulado. Caso venham a ocorrer, os seus desdobramentos podem ficar destampados de regime jurídico contratual, gerando dúvidas (e por vezes conflitos), entre as partes, sobre como proceder. O esforço para que o contrato seja mais completo implica, conforme dito acima, custos de redação do clausulado. Desta forma, por este e outros motivos, intentar que o contrato seja o mais completo possível pode não ser uma solução eficiente. Em outras palavras, pode-se dizer que existe para as partes a opção de alocar riscos ex ante (contrato mais completo) ou alocar prejuízos ex post (contrato menos completo)50. Na última hipótese, deve-se recorrer à via da negociação.
No melhor entendimento, tentar relacionar de forma taxativa todos os riscos decorrentes da solução de contrato é uma grande ingenuidade. As possibilidade são por demais variadas e complexas para que se permita enumerá-los exaustivamente. Por isso mesmo, os riscos elencados acima possuem caráter exemplificativo, sem a pretensão de esgotar o tema. Basta ficar claro, por ora, que a adoção de novas alternativas pelo Estado trouxe também um novo cenário, com novos riscos.
Para além de todos os riscos acima elencados, existe um em específico que merece especial atenção, não só por ser o objeto do presente trabalho, mas talvez por ser o mais relevante dentre eles. Trata-se da transferência do domínio da informação, cujos desdobramento serão analisados a seguir.
2.2.2 Transferência do Domínio da Informação
Além dos riscos descritos no item acima, o fenômeno da contratualização também implica um outro risco, qual seja, a transferência do domínio da informação.
49 Xxxxx, Xxxx; Xxxxx, Xxxxx. Working, Xxxxxxxx, and Sabotage: Bureaucratic Response to a Democratic Public, p. 26-27.
50 Xxxxxx, Xxxxxx; Xxxx, Xxxxxx. Direito e Economia, p. 223.
Ante a sua importância para o presente trabalho, este risco será analisado em separado, em item próprio.
Por meio do contrato, a Administração Pública deixa de executar diretamente os serviços de seu interesse, bem como abre mão de produzir ela mesma os bens que irão satisfazer as suas necessidades. Sendo assim, na posição de contratante, cede o domínio dessas atividades, que passam a ser essencialmente do agente contratado. A contratualização implica um novo arranjo de responsabilidades, onde a Administração Pública deixa de ter o domínio da direta execução de serviços e produção de bens. Aparta-se do papel da Administração Pública a obrigação, por exemplo, de apropriação de técnicas de produção, de manutenção de estoque de insumos e produtos acabados, bem como de seleção e capacitação de profissionais técnicos especializados.
Tratando-se de uma privatização por delegação, conforme classificado acima, a Administração Pública continua sendo a titular das suas funções. Ainda que a execução de determinada finalidade seja contratada e sua efetivação transferida a terceiros, continua responsável pela concreta consumação do interesse público. Contudo, o papel da Administração Pública passa a ser essencialmente outro: pagar o preço do contrato e garantir o adimplemento das prestações pactuadas. Em sendo contratante, coloca-se na posição de, tão somente, acompanhar a execução dos contratos firmados para que atinjam os fins desejados.
Acontece que a assunção destes novos papeis afeta a distribuição da informação entre os envolvidos. Em uma relação contratual, é possível que alguns agentes possuam mais informações do que outros. Para ilustrar, tenha-se o vendedor que possui mais informações do que o comprador sobre o real valor do produto que está sendo vendido. Ainda, pode-se imaginar que o trabalhador tenha mais informações sobre a sua expertise e motivação do que aquele que o emprega51. Não raro alguns agentes possuem com exclusividade informações sobre suas características e suas ações, conhecimento este que não é compartilhado com outros agentes menos informados52.
Retomando o cenário da Administração Pública, pergunta-se: quando a execução das tarefas de interesse público é incumbida a agentes privados por meio do
51 Xxxxxxx, Xxxxx; Xxxxxxxxxxx, Xxxxxx. Xxxxx, Xxxxxx. The Curse of Knowledge in Economic Settings: An Experimental Analysis, p. 1233.
52 Idem, p. 1244.
contrato (privatização), como é possível garantir que a performance do agente contratado será desenvolvida de forma adequada? Além disso, como garantir que o agente contratado para a execução de uma atividade de interesse público respeite os valores inerentes à seara pública (alguns dos quais, diga-se de passagem, não se fazem presente nos negócios privados)?53
Caso a execução das atividades de interesse público pelo agente contratado não esteja sendo realizada a contento, é preciso que a Administração Pública, contratante e titular do serviço, reaja e adote providências. Todavia, somente terá condições de assim proceder se antes possuir informações relativas à performance do contratado. Em outras palavras, mesmo que tenha entregado a execução do serviço – por meio do contrato – a um agente privado, cabe à Administração Pública conhecer dessa execução, sob pena de inviabilizar futuras tomadas de decisão, como exemplo, a rescisão, modificação ou prorrogação do contrato, ou mesmo a aplicação de uma sanção contratual.
A situação apresentada, na qual um dos agentes envolvidos em determinada troca possui informações que outros agentes não possuem, é também denominada assimetria informacional54. O conceito ganhou forte atenção dos economistas a partir da década de 197055, com a divulgação de trabalhos que iluminaram a importância da informação nas trocas, dentre outros, Market for "lemons" (1970), de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx00; Job market signaling (1973), de Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx00; Equilibrium in competitive insurance markets: An essay in the economics of imperfect information (1976), de Xxxxxxx Xxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx 58 ; e Moral Hazard and observability (1979), de Xxxxx Xxxxxxxxx00.
Em apertada síntese, pode-se entender o problema da assimetria informacional no contexto de uma relação contratual por meio da seguinte pergunta: o que um agente sabe que os outros não sabem? No tocante à técnica utilizada, ao tempo e
53 Xxxx, Xxxx-Xxxxxxx. Contracting out and ‘public values’: a theoretical and comparative approach, in Comparative Administrative Law, p. 511.
54 Do, Quy-Toan . Asymmetric Information, p. 1.
55 Xxxxx X. X. Main, Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx. Palgrave Dictionary of Economics, Vol. I, p.
109-110.
56 Xxxxxxx, Xxxxxx. The market for lemons: Quality uncertainty and the market mechanism., p.
488-500.
57 Xxxxxx, X.Xxxxxxx. Job market signaling., p. 355-74.
58 Xxxxxxxxxx, X.; Xxxxxxxx, Xxxxxx. Equilibrium in competitive insurance markets: An essay in the economics of imperfect information, p. 629-49.
59 Xxxxxxxxx, X. Moral Hazard and observability, p. 74-91.
esforço dispendidos por cada um dos agentes, às circunstâncias que permeavam a situação ao tempo da performance executada, aos fatos imprevistos e imprevisíveis, qual o grau de conhecimento relativo a cada um dos envolvidos?
Corroborando a importância da informação nas relações contratuais, Xxxxxxxx Xxxxxx defende que a principal fonte de ineficiência nas transações é a assimétrica distribuição de informações entre as partes envolvidas nas trocas60. Ou seja, entre todos os reveses do contrato descritos no item anterior, o de maior gravidade seria a assimetria informacional. No mesmo sentido, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx argumenta que, ao menos em determinados tipos de contratos, sua boa execução depende de uma contínua e recíproca estabilidade informada, “exigindo esta a posse e a partilha de saberes e conhecimentos científicos”61.
A relevância do tema advém do fato de que o mercado e outros sistemas envolvendo decisões humanas requerem uma certa quantidade de informação para o seu bom funcionamento, bem como requerem que esta informação esteja distribuída de forma simétrica entre os agentes envolvidos62. Quando a informação é escassa ou distribuída de forma assimétrica, espera-se que este sistema apresente falhas. Utilizando metáfora proposta por Xxx Xx00, a informação está para um sistema (que envolve decisões humanas) assim como um óleo lubrificante está para as engrenagens de um motor.
A ausência de informação pode tornar obscura a real participação dos envolvidos durante a execução do objeto do contrato, implicando prejuízos a ambas as partes. Afinal, é possível que agentes desidiosos levem crédito por situações em que cooperaram pouco, bem como podem desacreditar aqueles que, mesmo tendo se esforçado e despendido tempo considerável, por circunstâncias alheias à sua vontade não atingiram a meta desejada64.
2.2.3 Problema de Agência
O estudo da informação ganhou espaço na teoria econômica com o reconhecimento de que a sua má distribuição entre os agentes pode conduzir a um desequilíbrio na relação contratual. A assimetria informacional pode deixar o
60 Xxxxxx, Xxxxxxxx. Teoria Econômica do Contrato, p. 199; Xxxxxx, Xxxxxxxx. Introdução à Economia, p. 414 ss.
61 Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx. Empreitada de Obras Públicas, p. 557.
62 Xxx Xx, An Introduction to the Law and Economics of Information, p. 10.
63 Idem, p. 10.
64 Xxxxxxx, Xxxx. The Contracting State, p. 156.
contratante (ex.: Administração Pública) em situação de desvantagem, pois aquele que controla o negócio (ex.: contraente privado) possui mais informações sobre a atividade desenvolvida65.
A fim de amenizar este desequilíbrio, cabe ao contratante fiscalizar a atividade executada no seio da relação contratual. Contudo, esse desequilíbrio nem sempre será absolutamente compensado, por mais que se planeje e execute algum controle. Existem relações contratuais em que é sabido por ambas as partes que uma delas é mais bem informada do que a outra66, e que dificilmente essa desigualdade será superada.
Para ilustrar, tenha-se um contrato em que o seu objeto é a execução de determinada atividade cujos resultados são incertos, pois também dependem de fatores imprevisíveis alheios à ação do agente (ou seja, ainda que executado com esmero, a consequência pode ser indesejada). Na hipótese de o resultado não ser exitoso, o contratado estará em melhor posição para saber se a falha decorreu de circunstâncias alheias à vontade daquele que executou a atividade, ou se derivada de desídia, oportunismo ou sabotagem.
Pelo exemplo acima, percebe-se que o impasse é reflexo da dificuldade do contratante em observar e medir o grau de esforço despendido pelo contratado. Em um cenário ideal, onde o contratante tivesse informações plenas quanto ao grau de esforço a ser executado, pagaria por determinada medida deste esforço e, em sendo um pagamento justo, o contratado desempenharia a ação dentro da medida pactuada67, independente de eventuais intercorrências. Todavia, quando o contratante não tem informações suficientes sobre o esforço expendido pelo contratado, tem-se aí um problema capaz de desequilibrar a relação contratual. Em se tratando de serviços, ante a ausência de informação por parte do contratante, nem sempre é possível comprar esforço da mesma forma como se compra um produto pronto e acabado. A solução, neste caso, é que o contrato tenha como objeto o resultado, ainda que ele dependa de outros fatores externos além da diligência do contratado.
Importante ressaltar que as transações envolvendo produtos também revelam problemas informacionais. Afinal, a qualidade do produto, sua técnica de fabricação,
65 Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx. Empreitada de Obras Públicas, p. 555.
66 Bikhchandansi, Xxxxxx; Xxxxxxxxxxx, Xxxx. Xxxx X. Xxxxx, The Analytics of Uncertainty and Information, p. 308.
67 Xxxxxx, Xxxx X. Agency Models in Law and Economics, p. 4.
os insumos utilizados, nem sempre são facilmente observáveis pelo consumidor. Em outro exemplo, o joalheiro que vende uma pedra preciosa tem, em geral, mais condições de identificar a real qualidade do material vendido do que o comprador ordinário que não possui expertise no assunto68. Nem sempre será possível àquele que compra o produto aferir instantaneamente a real qualidade do material que está sendo comprado. No caso da Administração Pública, é de se imaginar a compra de uma ogiva nuclear para uso em míssil balístico intercontinental, em situação na qual o poder de destruição do armamento somente poderá ser medido quando da sua utilização. Na eventualidade de o equipamento jamais ser utilizado, fica a dúvida se a especificidade do produto comprado foi exatamente aquela entregue pelo comprador.
A esta altura, vale lembrar que nem todos os contratos possuem as mesmas características, sendo que uns podem ser mais simples do que outros e, consequentemente, fazendo com que o problema informacional se manifeste de forma mais intensa naquelas relações contratuais mais complexas69. De um lado, é possível que o contratante tenha informações (quase) plenas sobre a execução do contrato, isto é, que seja capaz de observar toda a ação do contratado. Para ilustrar, pode-se imaginar um contrato cujo objeto é a entrega de um produto homogêneo em quantidade certa, a exemplo, entrega de dez canetas de uma determinada marca. De outro lado, existem situações em que a ação do contratado não é observável em toda a sua extensão, sendo que falta a este último informações exatas sobre a execução do objeto do contrato. Essa assimetria informacional, a depender de sua medida, pode gerar problemas na relação contratual, seja no sentido de criar incentivos para que o contratado se comporte de maneira indesejada, seja conduzindo o contratante a escolhas distantes do ótimo ou mesmo do desejável.
Os problemas advindos da assimetria informacional, relacionados ao dever de prestação de contas pelo contratado, à capacidade do contratante de observar o cumprimento das prestações, e à indução de comportamentos desejados, fizeram com que estudiosos se debruçassem sobre a matéria70. Iniciou-se um esforço no sentido de desenvolver uma teoria que pudesse dar contornos mais claros ao problema, às suas causas e às suas consequências. Desses estudos derivou o que é conhecido
68 Bikhchandansi, Sushil; Xxxxxxxxxxx, Xxxx. Xxxx X. Xxxxx, The Analytics of Uncertainty and Information, p. 308.
69 Xxxxxxxxxx , Xxxxxxxx X. Agency Theory: An Assessment and Review, p. 61.
70 Xxxxxx, Xxxx X.; Xxxxxxxx, Xxxxxx X. Trust and Incentives in Principal-Agent Negotiations The ‘Insurance/Incentive Trade-Off’, p. 232.
atualmente, em especial no seio da análise econômica, como teoria do agente- principal, ou problema de agência.
Existe uma relação de agência entre duas ou mais partes sempre que uma delas, designada de agente, atua em prol ou em representação de outra, designada de principal, sendo que nesta atuação existe para o agente – de forma exclusiva – certo domínio sobre a tomada de decisões71.
Sob a lente da teoria do agente-principal, os contratos são analisados em dois momentos distintos. A um, quanto à escolha do principal (contratante) em pôr um bem valioso sob o controle do agente (contratado). A dois, quanto à escolha do agente entre cooperar com o principal ou se apropriar do bem que lhe foi confiado72. A teoria desenvolvida se afigura de grande importância a partir do momento em que, esclarecida a maneira como os envolvidos procedem à tomada de decisões, o principal seja capaz de induzir no agente o comportamento desejado.
É o caso, por exemplo, dos acionistas (principal) de uma grande empresa que precisam entregar a um gerente (agente) o poder de direção da empresa, sem que possam, ao mesmo tempo, monitorar diretamente a sua atividade73. É o que ocorre em algumas grandes corporações, em que o Conselho de Administração, composto por representantes dos acionistas da empresa, concede a uma única pessoa, o CEO (chief executive officer)74, poderes de conduzir toda a sociedade. Em que pese o fato de este CEO ter para com o Conselho de Administração deveres de prestação de contas, sua atividade não é diretamente controlada pelos proprietários da empresa. A teoria do agente-principal auxilia esclarecer qual a melhor forma de o Conselho de Administração induzir que o CEO adote um comportamento adequado, ainda que suas ações não sejam absolutamente observáveis.
A teoria do agente-principal propõe ainda uma abordagem do problema sob a lente neoinstitucionalista, no sentido de que as “instituições” não correspondem necessariamente a uma estrutura formal, mas sim a um conjunto de normas, regulamentos e rotinas. Desta forma, seria necessária a construção de mecanismos de
71 Xxxx, Xxxxxxx X. The Economic Theory of Agency: The Principal's Problem, p. 134.
72 Xxxxxx, Xxxxxx; e Xxxx, Xxxxxx. Direito e Economia, p. 419.
73 Xxxxxx, Xxxx X.; Xxxxxxxx, Xxxxxx X. Trust and Incentives in Principal-Agent Negotiations The ‘Insurance/Incentive Trade-Off’, p. 232.
74 Termo difundido nos Estados Unidos da América e utilizado em outros países, inclusive
Portugal. Informações extraídas do sítio eletrônico Wikipédia, em 12/06/2019, no link xxxxx://xx.xxxxxxxxx.xxx/xxxx/Xxxxxxx_xxxxxxxxx.
vigilância, controle, e sanção, a fim de induzir um padrão comportamental75. Daí destaca-se a importância do planejamento, implantação e acompanhamento de técnicas tais como benchmarking, balance scorecard e accountability76. Mas não é só. Quando coloca em foco os problemas envolvendo a relação entre ambos os contratantes, a teoria do agente-principal permite trabalhar com a ideia de custos de agência. Os custos de agência 77 podem ser compreendidos como a soma dos (a) custos relativos ao monitoramento do agente pelo principal, (b) custos de o agente cumprir com as regras impostas pelo principal, bem como (c) os custos ligados à perda residual (a perda residual é definida como atividades benéficas não realizadas porque os agentes tendem a escolher outras atividades que maximizam seus próprios benefícios em vez do benefício do principal, o qual pode nunca saber que experimentou perdas benéficas, o que reduz sua riqueza.)78. Importante ressaltar que a execução direta da atividade eliminaria os custos de agência em relação ao contratante
e contratado, pois a relação contratual deixaria de existir.
Desta forma, comparando os custos de agência (solução horizontal) com os custos de executar diretamente a atividade (solução vertical), é possível que o principal decida de forma mais clara sobre quando, como, quanto, e a quem transferir a execução da atividade. Apenas as circunstâncias concretas de uma determinada situação poderão dizer qual a maneira mais eficiente de se desempenhar a atividade, não existindo resposta única e plurivalente.
2.3 Remediação da Posição de Refém
A teoria do agente-principal deixa claro que a assimetria informacional coloca o agente em situação de vantagem sobre o principal. Uma vez existindo vantagem para o agente, é possível que ele se comporte de maneira oportunista e tente locupletar-se indevidamente, utilizando-se da posição privilegiada em que se encontra. O principal, por sua vez, deve se utilizar de mecanismos variados para contornar a desvantagem existente. Entretanto, não existem garantias absolutas tampouco certezas, sendo que o risco de inadimplemento e demais prejuízos continua existindo, em maior ou menor medida.
75 Xxxxxxx, Xxxxxx. Direito e economia da Infraestrutura, p. 74.
76 Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx. Empreitada de Obras Públicas, p. 559.
77 Xxxxxx, Xxxxxxx X.; Xxxxxxxx, Xxxxxxx X. Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure, p. 5-6.
78 Hermeindito, Agency Problem and Residual Loss: A New Approach in Assessing Firm Value Dilution, p. 7.
Esse risco mostra-se especialmente grave quando o objeto do contrato envolve interesse público. Notadamente nos contratos administrativos, quando a Administração Pública contrata um particular, pretende-se que o contratado desenvolva a atividade sem que se afaste dos valores públicos que em tese seriam tutelados caso a atividade fosse desenvolvida diretamente.
Por essa e outras razões, o Direito Administrativo caminhou no sentido de criar poderes especiais à Administração Pública. Em suma, se o problema de agência nos contratos administrativos coloca em risco bens e serviços de especial importância, os mecanismos da Administração Pública para contornar o problema também devem ser especiais, para além do ordinário previsto na legislação civil. Contudo, não se pode fazer pressuposições simplistas e considerar o obstáculo completamente superado.
A seguir, buscar-se-á elucidar se os poderes de conformação da Administração Pública são sempre suficientes para equilibrar a relação contratual e livrar o ente público dos problemas de agência.
2.3.1 Posição de Refém
A assimetria informacional pode desequilibrar a relação contratual, dando vantagem a uma das partes, a qual é mais bem informada do que a outra. Uma vez em posição privilegiada, aquele que detém a informação decidirá se irá cooperar com a outra parte, ou se irá aproveitar o apanágio para apropriar-se de renda extra. Existe, portanto, para o agente mais bem informado, uma tomada de decisão entre cooperar ou enveredar-se para o oportunismo.
Não se pode perder de vista que o problema central da situação examinada é a incapacidade de o principal monitorar as ações do agente e as informações que ele (o agente) detém 79 . Trata-se da inexistência de condições de o principal confiar plenamente nos atributos do agente – tais como inteligência, aptidão, valores, crenças, força de vontade –, pois não os enxerga por completo. Ainda, e por consequência, o principal não consegue perceber de plano se todas as ações do agente foram ou não realizadas no melhor interesse de cumprir com o contrato. Neste cenário, nasce a possibilidade de oportunismo.
Pode-se definir oportunismo como a tentativa do agente de perseguir um ganho individual desviando-se dos deveres de honestidade e lealdade durante uma transação.
79 Xxxxx, Xxxx; Xxxxx, Xxxxx. Working, Xxxxxxxx, and Sabotage: Bureaucratic Response to a Democratic Public, p. 25.
Aproveitando-se da assimetria informacional, o oportunismo do agente se evidencia pela revelação estratégica da informação distribuída assimetricamente 80 . Xxxxxx, apesar de se claro para as partes de um contrato que uma delas é mais bem informada do que a outra, nem sempre são evidentes a medida e o conteúdo deste desequilíbrio. Além de não possuir acesso ao conteúdo da informação, o principal pode não ter certeza de sobre quando determinada informação passou a ser detida pelo agente, tampouco se ela sequer foi de fato adquirida.
A recusa oportunista de cumprimento das prestações contratuais é essencialmente uma expressão de poder monopolista, pois coloca a outra parte em situação de refém. Por isso mesmo, ao menos em princípio, é eficiente desencorajar tal comportamento81.
O oportunismo evidencia-se especialmente grave quando somado à existência de investimentos específicos. Muitas vezes investimentos são feitos como atos preparatórios voltados a uma relação contratual específica, caso em que apenas poderão dar o retorno esperado condicionados ao sucesso desta relação. Uma vez realizados são considerados custos afundados (sunk costs), pois não podem ser facilmente revertidos e reinvestidos de outra forma 82 . São custos realizados, não reversíveis, e específicos para uma determinada situação. Uma vez que o custo se encontra afundado, o investidor terá de dividir o retorno bruto deste investimento com o outro contratante, sem o qual este retorno não existirá.
Fato é que a especificidade dos investimentos gera uma quase-renda para a contraparte. O custo afundado implica uma relação de dependência, que na prática funciona como se fosse um monopólio83. Surge para a contraparte a possibilidade de, oportunisticamente, tirar proveito da situação.
Para ilustrar, tenha-se o capitão de um navio pesqueiro que, ao chegar ao Alaska, precisa renegociar o contrato com sua tripulação84. Encontrando-se em um local onde não existam outras pessoas dispostas ao trabalho, a tripulação do navio pode atuar como se fosse um monopolista. O capitão do navio, por sua vez, realizou investimentos comprando combustível para a embarcação e demais insumos voltados
80 Xxxxxxxxxx, Xxxxxx X. Markets and Hierarchies: Some Elementary Considerations, p. 317.
81 Xxxxxx, Xxxxxxxx. Teoria Econômica do Contrato, p. 747.
82 Xxxx-Xxx Xxx & Xxxxxx Xxxxxxxx, The New Palgrave Dictionary of Economics, p. 60-63,
83 Xxxxxx, Xxxxxxxx. Teoria Econômica do Contrato, p. 643.
84 Xxxxxx, Xxxxxx; e Xxxx, Xxxxxx. Direito e Economia, p. 344-345.
para a pesca. Xxxx não consiga renegociar o contrato, a embarcação terá de voltar para a sua cidade de origem, entretanto, com o barco vazio, sem nenhum peixe.
Importante ressaltar que problemas relacionados a investimentos específicos são cada vez mais frequentes à medida que a evolução tecnológica torna recorrente fenômenos como externalidades positivas de rede 85 e path dependence 86 . Uma tecnologia inicialmente inovadora, a qual consegue se afirmar como uma tecnologia padrão ou standard, tende a implicar uma dependência tecnológica (path dependence); ou seja, faz com que os usuários fiquem atrelados a esse padrão, o que pode conduzir a um monopólio por parte da empresa que entrou em primeiro lugar no mercado. Isso ocorre pelo fato de que todo novo usuário que adere à rede gera benefício a todos os demais usuários (externalidade positiva de rede), o que faz com que a descontinuidade do padrão gere um custo muito alto (ainda que a tecnologia usada não seja a mais eficiente atualmente existente), reforçando cada vez mais a dependência.
À medida que o credor de uma prestação contratual aumenta a sua dependência face àquela relação específica, notadamente por meio de investimentos de confiança, produz dois efeitos: (a) no tocante às fontes alternativas de satisfação de seus interesses, isto é, outros concorrentes existentes no mercado, gerando um efeito de lock out, pois os tranca do lado de fora; (b) já no que se refere ao próprio credor, fica embaraçado na relação em que se encontra, sem poder desvencilhar-se, gerando um efeito de lock in.
Na hipótese de a tutela jurídica do credor – em especial as sanções contratuais
– ficar aquém daquilo que é o valor do cumprimento da prestação87, fica aberto espaço para oportunismo do devedor, gerando o impasse do holdup contratual. Conforme ensina Xxxxxxxx Xxxxxx, “o holdup é a tomada de um refém, e esse refém é a contraparte no contrato”88; “é, na essência, uma situação temporária de monopólio de facto que uma parte pode explorar ditando à outra parte condições redistributivas, sob a ameaça de terminar a relação e provocar a esta danos específicos”89.
O devedor de uma prestação contratual, diante da situação de holdup, tem o credor como seu refém, pois sabe da dependência dele com aquela relação específica
85 Xxxxxx , Xxxxx Xxxxx Xxx. Eficiência Econômica e Restrições Verticais, p. 522.
86 Xxxxxx , Xxxxxxx. Antitrust Law, p. 249.
87 Xxxxxx, Xxxxxxxx. Teoria Econômica do Contrato, p. 645-646.
88 Idem, p. 632-633.
89 Ibidem., p. 645-646.
e da impossibilidade de se desvencilhar. Alternativas para o credor, ainda que existentes no mercado, encontram-se acessíveis a um custo muito alto, pois investimentos já foram feitos confiando na relação anterior.
Nessas condições, existem incentivos para que o devedor não cumpra com a prestação contratual devida. Ao invés de adimplir o quanto firmado anteriormente, pode recusar-se a fazê-lo, impondo uma renegociação do montante anteriormente pactuado. O risco de inadimplemento, quando tem o potencial de gerar alto custo para o credor, pode levá-lo a aceitar a negociação. O holdup permite ao devedor, durante essa renegociação, que tente elevar o preço do contrato até o limite do custo para o credor de levantar os seus investimentos e partir para uma nova relação contratual. Portanto, quanto maior forem os investimentos específicos (sunk costs), maior a margem para que o devedor, de forma oportunista, se recuse a cumprir com a prestação e tente renegociar o contrato.
Fato é que a colocação do credor na posição de refém, ainda que crie incentivos para que o devedor se recuse a cumprir com a prestação contratual de forma oportunista, pode coexistir com outros incentivos. Existem fatores, de diversas ordens, que podem apontar no sentido contrário. Para além da lealdade pura, sem entrar no mérito da subjetividade das pessoas, pode-se elencar outros elementos que atenuam, senão aplacam, o comportamento oportunista, a saber: (a) a previsão de sanções contratuais90, notadamente quando impõem ônus superior às vantagens do descumprimento; (b) mecanismos legais que evitem ou contornem o comportamento oportunista; (c) no caso de trocas repetitivas 91 , onde existe para a contraparte a expectativas de novos contratos; (d) na existência de sistema de reputação92, mais ou menos estruturado, que deva ser zelado pela contraparte.
Percebe-se que o contrato, apesar de ter nascido como expressão da liberdade individual, pode se tornar veículo de poder de uns e servidão de outros. A economia de mercado e a lógica da barganha tendem naturalmente a criar meios de opressão93. Por isso mesmo, demanda a necessidade de ser conduzida por uma ordem legal que possa evitar tais situações.
90 Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx. Gestão do contrato Administrativo: a Aplicação de Sanções, p. 87.
91 Che, Xxxx-xxx; Xxxxxxxx, Xxxxxx. The New Palgrave Dictionary of Economics, p. 60-63,.
92 Xxxxxx, Xxxx X. Xxxxxx; et al. Cooperation among strangers with limited information about reputation, p. 1457-1468; Xxxxxx, Xxxx X. Xxxxxx; et al. The Limits of Trust in Economic Transactions, pp. 1-22.
93 Xxxxx, Xxxxxxxx. Antitrust and the Bounds of Power, p. 99-100.
2.3.2 Poderes de Conformação
Os problemas oriundos do movimento migratório de privatização por meio do contrato não passaram desapercebidos aos olhos dos administrativistas. Afinal, o Poder Público não está imune de encontrar-se em uma relação contratual onde a contraparte, pelo fato de estar em uma posição privilegiada, tente tirar proveito disso. Nada impede que esta contraparte, valendo-se do domínio da atividade, tome a Administração Pública como refém para que possa angariar uma renda maior do que a estipulada no clausulado.
Ocorre que a Administração Pública, diferente de um particular, quando firma um contrato o faz (ao menos em tese) no interesse de toda a sociedade. Desta forma, a tomada da Administração Pública como refém atenta contra o interesse público e atinge toda a sociedade. Tendo em vista que o atentado a um interesse público é teoricamente mais grave do que a violação de um interesse particular, tem-se a necessidade de que haja também um tratamento diferenciado pelo ordenamento jurídico.
Considerando que os contratos administrativos têm como objeto provisões que visam atender a interesses públicos, caso a execução destas provisões esteja ameaçada é preciso que as autoridades públicas que firmaram o contrato possam reagir perante eventual violação94. Ainda que contrariando o equilíbrio de poderes dentro da relação contratual, é razoável que o ordenamento jurídico permita à Administração Pública, desde que havendo justa causa, capacidade de reação unilateral, tais como a imposição de sanções, a execução forçada, ou mesmo o encerramento ou modificação unilateral do contrato.
Em verdade, a necessidade de existirem poderes de conformação não só foi assimilada por vários ordenamentos jurídicos, como também constitui verdadeira matriz identitária do Direito Administrativo. Conforme ensina o professor Xxxxx Xxxxx, a supremacia da Administração Pública e a existência de poderes de autoridade a ela conferidos são traços essenciais do Direito Administrativo95.
Os poderes de conformação possuem natureza jurídica de garantia, isto é, são meios criados pela ordem jurídica com a finalidade imediata de prevenir ou
94 Xxxx, Xxxx-Xxxxxxx. Contracting out and ‘public values’: a theoretical and comparative approach, p. 520.
95 Xxxxx, Xxxxx. Manual de Direito Administrativo, volume I, p. 34-35.
remediar96 violações ao interesse público que se buscou satisfazer quando o contrato foi elaborado. Em nome da tutela do interesse público, a pilotagem do contrato é entregue à Administração Pública, a qual passa a possuir poderes de duas ordens: (1) poderes conformativos e de atualização, que evitam a defasagem do clausulado, e (2) poderes efetivos de reação, como resposta ao risco de incumprimento97.
Não se pode negar que nos contratos administrativos – como é natural em todo contrato – deve existir uma ideia de paridade, onde as partes, com interesses recíprocos, relacionam-se em condição de equilíbrio98. A existência de proporção é elementar para que qualquer transação seja frutífera. Do contrário, havendo um quadro de vulnerabilidade, o contrato seria desinteressante, e potenciais contraentes seriam de antemão dissuadidos de negociar com a Administração Pública.
De outro lado, em prol da tutela do interesse público, coexiste com a ideia de paridade uma lógica de cumprimento 99 . Em outras palavras, se os contratos administrativos buscam a satisfação de uma necessidade pública, é igualmente de interesse público que estes contratos sejam devidamente cumpridos. Por essa razão, há um esforço recrudescido por parte do ordenamento jurídico no sentido de suprimir os riscos de incumprimento; são garantidos poderes especiais à Administração Pública para que o contrato seja efetivamente executado.
Os poderes de conformação da Administração Pública podem ser encontrados
– em maior ou menor medida – em vários países, tais como Portugal, Brasil, Inglaterra, Alemanha, Itália, França e Espanha100. Apesar de diferenças quanto ao seu fundamento jurídico, limites e requisitos, verifica-se uma uníssona preocupação com a continuidade dos serviços públicos, a qual justifica a previsão de poderes especiais. O parceiro privado, por sua vez, ao aceitar colaborar com a realização do interesse público, coloca-se “num plano funcional, numa situação estatutária”101, legitimada pela essencialidade do objeto do contrato.
Em Portugal fala-se em regime substantivo da execução dos contratos administrativos, o que significa que as “características da relação contratual administrativa implicam um regime substantivo de execução dos contratos, em que se
96 Xxxxxxx, Xxxxxxx. Manual de Direito Administrativo, Tomo II, p. 1202.
97 Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxx. Direito dos Contratos Públicos, p. 506.
98 Idem, p. 507.
99 Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx. Gestão do Contrato Administrativo: a aplicação de Sanções, p. 73.
100 Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx. Empreitada de Obras Públicas, p. 407-531.
101 Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxx. Direito dos Contratos Públicos, p. 507.
procure assegurar, em termos adequados, o cumprimento da imposição constitucional da prossecução do interesse público”102. O Código dos Contratos Públicos103 prevê para a Administração Pública alguns poderes legais, os quais se distanciam do regime paritário próprio dos contratos de direito privado. São eles, a exemplo: (a) poderes de direção do modo de execução do contratante (artigo 304.º); (b) poderes de fiscalização técnica, financeira e jurídica (artigo 305.º); (c) poderes de modificação unilateral das cláusulas relativas ao conteúdo ou ao modo de execução das prestações (artigo 311.º, n.º 2, e 313.º); (d) poder de aplicação de sanções (artigo 329.º); (e) poder de resolução unilateral do contrato nos casos de (i) razões de interesse público (artigo 334.º), (ii) resolução sancionatória (artigo 333.º), e (iii) resolução por alteração anormal ou imprevisível das circunstâncias (artigo 335.º, n.ºs 1 e 2).
Já no Brasil fala-se em cláusulas exorbitantes, isto é, são cláusulas contratuais que seriam consideradas ilícitas em contrato celebrado entre particulares, pois coloca a Administração em posição de supremacia sobre o contrato104. A legislação brasileira permite que a Administração Pública faça uso dessas cláusulas exorbitantes, estando a maioria delas prevista na Lei de Licitações (Lei 8.666/93)105. A exemplo, é possível citar (a) a exigência de garantia (art. 56, § 1º); (b) alteração unilateral (art. 58, I, e art. 65, I), qualitativa ou quantitativa; (c) rescisão unilateral (art. 58, II, e arts. 79, I, 78, I, XII, XVII); (d) o poder de fiscalização (art. 58, III, e art. 67); (e) a aplicação de penalidade (art. 58, IV, e art. 87); (f) retomada do objeto (art. 80); (g) restrições ao uso da exceptio non adimpleti contractus.
Ainda, para ilustrar, pensemos no sistema administrativo dos Estados Unidos da América que tem a modificação dos contratos públicos como um traço estruturante do seu regime normativo106. A denominada changes clause, regulamentada na Parte
43 da Federal Acquisition Regulation 107 e presente na maioria dos contratos governamentais108, constitui genuíno poder de modificação unilateral do contrato, que
Pública.
102 Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxx Xxxxxx. Licoes de Direito Administrativo, p. 248.
103 Portugal. Decreto-Lei n.º 18, de 29 de janeiro de 2008. Código dos Contratos Públicos.
104 Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx. Direito Administrativo, p. 354.
105 Brasil. Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Lei de Licitações e Contratos da Administração
106 Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx. Empreitada de Obras Públicas, p. 408.
107 Estados Unidos da América. Federal Acquisition Regulation, Part 43.
108 Xxxxxx, Xxxx; et al. Administration of Government Contracts, p. 383.
envolve a possibilidade de a Administração Pública ordenar ou introduzir alterações mesmo no curso da performance contratual109.
É importante ressaltar que, para que a lógica de cumprimento coexista em harmonia com a ideia de paridade, há uma exigência elementar que deve ser observada, a qual impõe-se como limite aos poderes unilaterais de conformação: trata-se do respeito pela natureza global do acordo-quadro 110 , o que reflete a impossibilidade de modificação das regras cardinais do contrato 111 . Qualquer modificação que desconfigure substancialmente o clausulado, alterando-o a ponto de equivaler a um novo contrato, é desproposital à lógica administrativa de garantir competição no certame.
A União Europeia, no Artigo 72.º de sua Diretiva 2014/24/UE, que versa sobre a modificação de contratos públicos durante o seu período de vigência, exemplifica muito bem quais modificações podem ser consideradas substanciais e, portanto, devem ser coibidas. Na linha do que entende a Diretiva da União Europeia112, tornam materialmente diferente o acordo-quadro celebrado aquelas modificações que: (a) se fizessem parte do procedimento de contratação inicial, teriam permitido a admissão de outros candidatos; (b) alteram o equilíbrio econômico do acordo quadro a favor do adjudicatário de uma forma que não estava prevista inicialmente; (c) alargam consideravelmente o âmbito do contrato; (d) substituem o adjudicatário inicial por um novo, fora das hipóteses legais.
Ante todo o exposto, percebe-se que os poderes de conformação da Administração Pública são um mecanismo que busca driblar o incumprimento e eventual oportunismo do parceiro privado por meio da previsão de poderes especiais que permitam reação unilateral por parte do contraente público. Em suma, os poderes de conformação afiguram-se como a forma de remediar os reveses impostos pelo fenômeno da administração por contratos.
Resta elucidar, agora, se esta afirmação é válida para os problemas informacionais. A escassez informacional por parte do contraente público, oriunda do fenômeno da contratação, também é remediada pela existência dos poderes de conformação? É possível que os problemas informacionais sejam tratados no mesmo
109 Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx. Empreitada de Obras Públicas, p. 410.
110 Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxx. Direito dos Contratos Públicos, p. 570.
111 Xxxxxx, Xxxx; et al. Administration of Government Contracts, p. 385.
112 União Europeia. Diretiva 2014/24/UE, Artigo 72.º.
bojo dos demais problemas oriundos da contratação, e que seja dada a eles a mesma solução, qual seja, poderes especiais de conformação? Os poderes de conformação são suficientes para superar os problemas informacionais oriundos da relação contratual? São essas as perguntas que se pretende responder nos próximos capítulos.
A proposta do presente trabalho é elucidar se os poderes de conformação são suficientes para superar o problema informacional durante a execução dos contratos administrativos. É saber se à Administração Pública, no afã de adquirir mais informação no desenvolvimento do contrato, xxxxx impor os poderes legais que lhe foram conferidos em prol da tutela do interesse público. Ocorre que, ante a natureza singular da informação, são necessários alguns esclarecimentos quanto à sua utilidade.
No decorrer das últimas décadas foi possível perceber um interesse cada vez maior quanto ao tema da informação, o qual influenciou vários ramos da ciência. Isso porque foi reconhecida a sua utilidade e, consequentemente, os impactos da sua escassez. Nesse ínterim, é natural que se faça o seguinte questionamento: para que serve a aquisição de informação? Responder a esta pergunta é perquirir não só os benefícios advindos com a sua aquisição, mas também os efeitos deletérios da sua ausência. No cenário onde se tem pouca informação, quais efeitos podem ser verificados?
Tais questionamentos são interessantes, em especial tratando-se de informação, pois levam à reflexão quanto à possibilidade de o problema poder afetar a própria solução que é proposta a ele. No caso em que ao problema da falta de informação é proposta a solução dos poderes de conformação, questiona-se: não poderia aquela impedir o bom uso destes? A falta de informação obsta o bom uso dos poderes de conformação? Para responder a estas perguntas é que se faz necessário elucidar a utilidade da informação e, logo em seguida, esclarecer qual seria essa utilidade especificamente no desenvolvimento dos contratos administrativos.
Nas próximas linhas será abordada a utilidade da informação, a fim de que se esclareça o grau de sua importância. Em seguida, uma breve análise sobre a assimetria informacional, os seus efeitos no mercado e nas relações de agência, com o intuito de
ilustrar a relevância do tema. Por fim, vale fazer uma abordagem da utilidade da informação especificamente no campo da execução dos contratos administrativos.
3.1 Informação e Tomadas de Decisão
É de se perguntar, a esta altura do trabalho, qual a importância da informação. Em outras palavras: por que as informações importam? A resposta é relativamente simples. As informações são úteis, pois orientam as tomadas de decisão. Quanto mais informação se adquire, mais bem informada é a tomada de decisão, e consequentemente, tende a ser uma decisão a mais próxima do ótimo.
Toda escolha é uma eleição entre alternativas possíveis. Cada alternativa, por sua vez, leva a um ou mais resultados. O tomador de decisão racional busca, com sua escolha, maximizar a utilidade. A escolha ótima, portanto, é aquela que resulta em mais utilidade. Ocorre que, não raro, escolhas são feitas sob incerteza. A incerteza faz com que o tomador de decisão não consiga enxergar, dentre as alternativas possíveis, aquela que lhe será mais útil.
A incerteza faz com que o tomador de decisão escolha com base em probabilidade, uma vez que a exatidão não pode ser alcançada. Servindo-se de todas as informações disponíveis, o tomador de decisão calcula qual a melhor alternativa possível. Caso adquira mais informação, a incerteza reduz, e consequentemente, aumenta a probabilidade de uma escolha ótima. Informações são importantes, pois orientam o tomador de decisão e o conduzem a uma escolha desejável.
A análise sobre como proceder a uma escolha adequada é objeto da chamada teoria da decisão (decision theory). A teoria da decisão estrutura o problema da escolha ótima em quatro xxxxxx000, a saber: (a) a definição de uma função objetiva que traduza o desejo pelos resultados possíveis; (b) especificação das alternativas que estão disponíveis para o tomador de decisão; (c) especificação do modelo que relacione a função objetiva com as alternativas possíveis e demais variáveis; e (d) os métodos computacionais de escolha da melhor alternativa possível, cuja performance atinja o melhor desempenho à luz da função objetiva eleita.
Acontece que, como observado por Xxxxxxx Xxxxx000, a teoria da decisão restringe-se muito à análise do quarto elemento, isto é, se preocupa mais com os métodos computacionais de otimização da escolha. Os demais fatores – o grau de
113 Xxxxx, Xxxxxxx. Colected Papers - The Economics of Information, p. 55.
114 Idem, p. 55.
desejo por cada resultado, o leque de alternativas e o modelo do problema – são entendidos como constantes, assumidos pela teoria da decisão como elementos já postos. Assim, a necessidade de uma visão mais ampla fez despontar uma nova abordagem do problema.
Outros estudos começaram a surgir no sentido de que o método computacional de análise, dentre todos os fatores, não é necessariamente o mais relevante em uma tomada de decisão. Os demais elementos estão longe de serem estanques; além disso, são interdependentes. Toda decisão possui como referência um dado momento (referência temporal), bem como está associada à quantidade de informação acumulada. O acúmulo de conhecimento, verificável em relação a cada agente em um dado momento, altera as variáveis que compõem a tomada de decisão.
Por isso mesmo, Xxxxxx X. Xxxxx e Xxxxxx X. Xxxxxxx afirmam que “every business is an information business”115; na tradução livre, todo negócio é um negócio de informação. Defendem os autores que muitos negócios, ainda que não sejam considerados propriamente um negócio voltado às informações, possuem uma grande parte do custo de sua estrutura voltado às informações. Citam como exemplo a assistência médica no Estados Unidos; ainda que voltada prioritariamente a tratamentos na área da saúde, um terço de todo o seu orçamento – aproximadamente
$300 bilhões – é voltado para o custo de capturar, armazenar e processar informações relacionadas ao histórico dos pacientes, aos prontuários médicos, aos testes de resultados de exames, ao estoque de medicamentos e insumos, dentre outros.
Quando se pensa em uma empresa muitas vezes a imagem que vem à mente é a de um estoque de insumos, os quais passam por uma linha de produção, e aos poucos, por meio da mão-de-obra de homens ou robôs, vão se transformando em um produto final. Ocorre que, para além deste fluxo linear de acontecimentos físicos116, toda empresa é composta de um grande fluxo de informações. Toda instituição é construída sob o entendimento mútuo dos agentes que a compõem. Sem informação não seria possível uma tomada de decisão adequada sobre quanto ou como produzir. As informações permeiam a empresa e dão ânimo a ela.
Quando se fala em marca o que se quer dizer é a forma como a empresa, por meio de um símbolo, sinaliza aos seus consumidores informações sobre as suas características e a qualidade de seus produtos. Quando se pensa em fortalecer a marca,
115 Xxxxx, Xxxxxx; Xxxxxxx, Xxxxxx X. Strategy and the New Economics of Information, p. 72.
116 Idem, p. 72.
por meio do marketing, fala-se nas formas de atingir um determinado publico alvo, através de meios de comunicação mais diversos, reforçando as informações que circundam aquele símbolo. Quando se fala em reputação online tem-se o esforço de capturar dos clientes informações sobre a impressão que estes possuem da empresa, recorrendo às redes sociais e demais fontes na internet. Quando se fala no valor da relação com o consumidor entende-se o esforço em adquirir informações quanto ao que os consumidores pensam sobre o trato dispensado por essa empresa, e a maneira de trabalhar estas impressões. Quando se refere a preço competitivo diz-se daquele que, mesmo comparado a todos os demais preços que outros estabelecimentos semelhantes informam (ofertam) no mercado, ainda oferece atratividade.
Na seara pública as informações não assumem papel menos importante. Informações são necessárias para a elaboração de políticas públicas, para a celebração de contratos e para a regulação de atividades117. Ainda, vale ressaltar dois fatores que agravam a situação: (a) considerando que a Administração Pública existe em prol da sociedade, e não como um fim em si mesmo, informações no que tange à conveniência e grau de desejo dos resultados possíveis encontram-se espalhadas, de forma difusa, no coletivo, não podendo o administrador público nortear-se apenas pelas suas próprias convicções; (b) da mesma forma, tratando-se de atividade voltada ao coletivo, as informações relativas à sua execução geralmente encontram-se dispersas, em caráter difuso, aumentando a dificuldade de aquisição dessa mesma informação.
Para ilustrar, tomemos o caso dos cigarros eletrônicos, ou também denominados e-cigarettes. São dispositivos inseridos no mercado a partir do ano 2007, e que hoje possuem certa popularidade em alguns países. Da mesma forma que os cigarros convencionais possuem nicotina, substância altamente viciante, a qual alivia os fumantes tradicionais dos efeitos da abstinência. De outro lado, os cigarros eletrônicos possuem a especificidade de não funcionarem por meio de combustão, mas sim, entregam nicotina ao usuário através de um aerossol (vapor, o qual deu origem à expressão vaping, que indica o ato de consumir cigarros eletrônicos). Desta forma, possuem a vantagem de entregar ao usuário dependente a nicotina desejada,
117 Xxxxxx, Xxxxxx X.; Xxxxxxxxxx, X.; Xxxxxxxxxx, R.; et al. Seeking Truth for Power: Informational Strategy and Regulatory Policymaking. p. 278.
todavia, livre de inúmeras outras substâncias malignas contidas apenas no cigarro convencional, a exemplo, benzeno, amônia, arsênico e chumbo118.
Diante desse cenário, questiona-se qual a melhor postura a ser adotada pela Administração Pública. Deveriam os cigarros eletrônicos serem banidos? Ao contrário, deveria o seu uso ser estimulado? Ainda, o que não deixa de ser uma escolha possível, deveria a Administração Pública quedar-se inerte, nada fazer, e deixar o cigarro eletrônico à mercê do livre mercado? A tomada de decisão da Administração Pública neste caso é uma escolha sob incerteza. Não é claro a qual resultado cada alternativa pode conduzir. A tomada de decisão, portanto, dependerá de um complexo cálculo de probabilidades.
Certo é que a Administração Pública busca velar pela saúde coletiva; ainda, zela o máximo possível pela autodeterminação dos indivíduos. Ocorre que a alternativa cujo resultado mais se aproxima deste objetivo não está clara, ante a complexidade do problema. De um lado, existe a alegação de que o cigarro eletrônico tende a substituir o cigarro convencional, pois proporciona aos fumantes já dependentes uma alternativa capaz de aliviar os efeitos da abstinência da nicotina, contudo, sem infligir todos os malefícios do tabaco. Nesta linha de raciocínio, pode-se dizer que o cigarro eletrônico promove uma política de redução de danos, pois diminui o uso do cigarro tradicional e implementa melhorias na saúde pública. Xxxxxx, é o que consta da campanha publicitária da Juul – maior companhia de cigarros eletrônicos do mundo hoje –, onde diz “Juul was designed with adult smokers in mind”119120. De outro lado, existe a alegação de que o cigarro eletrônico não atingiu apenas fumantes já dependentes. Ao contrário, contesta-se no sentido de que a prática de vaping aumentou a quantidade de fumantes, tornando o cigarro ainda mais popular, principalmente entre os mais jovens. Neste sentido, o cigarro eletrônico aumentou o risco de lesão à saúde pública e, consequentemente, afastou-se do objetivo primário da Administração Pública.
Voltando à tomada de decisão no âmbito das políticas públicas, resta reconhecer que a escolha da Administração Pública é uma escolha sob incerteza. Optando por esta ou aquela alternativa, nada mais há que uma probabilidade de promoção da saúde pública; inexistem certezas. Entretanto, deve-se ressaltar que a
118 Xxxxxx, Xxxxxxx X. The Truth About the Vaping Crisis.
119 Na tradução livre do autor, “A Juul foi pensada para adultos fumantes”.
120 Jull. Chamada publicitária no sítio eletrônico da companhia Juul.
aquisição de informações sobre o caso pode reduzir a incerteza e aumentar a probabilidade de um resultado exitoso. Quanto mais evidências forem colhidas sobre o impacto dos cigarros eletrônicos no mercado de fumantes, maiores são as chances de uma escolha acertada. A decisão entre o banimento, a liberação ou a regulação do cigarro eletrônico perpassa por questões prévias tais como: (a) houve aumento no número total de fumantes após a entrada dos cigarros eletrônicos no mercado? (b) qual a faixa etária dos fumantes de cigarros eletrônicos? (c) os usuários de cigarro eletrônico já fizeram uso de tabaco anteriormente?
Dito isto, pode-se afirmar que a grande utilidade das informações para a tomada de decisão está na redução da incerteza, o que permite uma maior probabilidade de que seja eleita a alternativa que melhor conduza ao resultado desejado. O tema da informação nem sempre teve o seu reconhecimento merecido, o qual foi atingido a partir de estudos voltados à teoria da informação, à análise econômica da informação, bem como aos efeitos deletérios da assimetria informacional.
3.2 Teoria da Informação
No final da década de 1940, a fim de sistematizar o conhecimento necessário ao entendimento da eficiência em sistemas de informação, o matemático, engenheiro eletrônico e criptógrafo estadunidense 121 Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx propôs a denominada Teoria Matemática da Comunicação122, o que lhe oportuniza, hoje, ser conhecido como o “pai da teoria da informação”123. O grande mérito da teoria da informação foi o de revelar quais as leis gerais que regem o processo de transmissão de informação 124. A teoria desenvolvida por Xxxxxx Xxxxxxx tinha como foco a capacidade de se reproduzir de um ponto a outro, com exatidão ou o mais próximo disso, uma mensagem selecionada pelo emissor. A análise levou em consideração os ruídos que afetavam o canal de comunicação, a medida da informação, e a estrutura dos sistemas de informação.
Para Xxxxxx Xxxxxxx, um sistema de comunicação é composto de cinco elementos: uma fonte de informação (a qual produz a mensagem a ser comunicada),
2001.
121 Xxxxx, Xxxx. (1 de janeiro de 2009). Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx 30 April 1916 -- 24 February
122 Xxxxxxx, Xxxxxx. A Mathematical Theory of Communication, p. 1 ss.
123 Wikipedia. Xxxxxx Xxxxxxx.
124 Xxxxxx, X. X. On the General Theory of Control Systems, p. 481.
um transmissor (responsável por codificar a mensagem e emitir um sinal), um canal de comunicação (meio pelo qual o sinal é transmitido), um receptor (responsável por receber o sinal e decodificá-lo, reconstruindo a mensagem), e um destinatário (a quem a mensagem é endereçada)125. A partir desta ideia, tanto o autor citado como outros que o sucederam teorizaram alguns problemas gerais envolvendo os sistemas de comunicação.
O trabalho de Xxxxxx Xxxxxxx em 1948, intitulado A Mathematical Theory of Communication, revolucionou o estudo da comunicação e deu início a um novo campo científico, atualmente denominado teoria da informação (information theory). As ideias e perspectivas oriundas da Teoria da Informação inspiraram pesquisadores de diversas outras disciplinas, desde administração de empresas até biologia, os quais com o tempo foram moldando e aperfeiçoando o arcabouço teórico existente126.
Com o desenvolvimento do estudo da informação, o conhecimento sobre o assunto foi sendo sistematizado. Vários autores partiram em busca de conceituar informação, bem como elencar as suas características. Ocorre que “informação” é uma palavra que carrega vários significados, muitas vezes antagônicos, a exemplo: pode indicar conhecimento acumulado, de outro lado, também pode significar o aumento deste conhecimento já existente; pode ser entendida como evidências do mundo real, mas também como crenças pessoais; pode indicar uma mensagem trocada entre duas pessoas, ou mesmo uma notícia de caráter geral; pode traduzir uma mensagem intencional, ou um variado tipo de comunicações não intencionais; pode significar uma informação fundamental sobre um estado da natureza, ou pode ser uma meta-informação, isto é, uma informação sobre a informação127.
Conforme ensina a professora Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxx000, a palavra informação tem origem latina, “do verbo "informare", que significa dar forma, colocar em forma, criar, mas também representar, construir uma ideia ou uma noção”. Já no sentido coloquial informação é todo esclarecimento que pode ser dado a alguma pessoa sobre qualquer dúvida que ela indaga; isto é, o conhecimento em qualquer forma através da qual possa ser transferido.
125 Xxxxxxx, Xxxxxx. A Mathematical Theory of Communication, p. 2.
126 Xxxxx, O; Xxxxxx, A; Xxx, X. et al. Information Theory and The Digital Age, p.2.
127 Hirshleifer; Xxxxx. The Analytics of Uncertainty and Information, p. 169 ss.
128 Xxxxx,, Xxxxxx X. X. Ferin. Informação e informações, p. 47.
Há quem defina informação como parte do processo de transformação de dados em conhecimento129. Para estes autores, as palavras “dado”, “informação” e “conhecimento” possuem importante carga semântica. Dado é basicamente um símbolo, o qual designa um estado característico de uma entidade em determinado momento. Pode-se dizer que o dado primário é coletado, organizado e sintetizado, gerando a partir daí informações. Um dado se transforma em informação quando é possível estabelecer relações entre vários dados. Em síntese, informação é um amontoado de dados estruturados e relacionados, bem como as regras e condições utilizadas para estabelecer estas relações. As informações, por sua vez, são valoradas e utilizadas na tomada de decisões. A informação, aplicada num processo de tomada de decisão orientado, pode ser entendida como um conhecimento útil.
Para o estudo da informação também é importante destacar suas características. Ocorre que, diferente de outros bens, a informação possui características peculiares. Xxx Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx destacam algumas idiossincrasias da informação, que não se verificam em outros recursos em geral: (a) a informação pode ser vendida sem que se abra mão dela; (b) sua reprodução é barata;
(c) não pode ser ativamente eliminada; (d) não pode ser detectada em uma pessoa; (e) geralmente não é possível impedir a sua disseminação; (f) geralmente não pode ser valorada antes de ser conhecida; (g) pode ser sobre fatos, sobre pessoas, ou sobre informações que outros detêm130.
Outro destaque a ser feito quanto aos atributos da informação é o fato de que ela é essencialmente humana. A informação ocorre com o próprio homem, enquanto base de acontecimento131. Xxxxxx, revela-se em percepções, sensações e emoções. As informações traduzem as relações do homem com o mundo exterior, baseado na observação empírica, e com o desenvolvimento, apossamento e dominação dos fenômenos que o rodeiam. Assim, pode-se entender a informação como um fenômeno essencialmente humano.
Por fim, são oportunos alguns destaques sobre o valor da informação. Xxxxxx
S. Xxxxxx, em Value-Added Processes in the Information Life-Cycle132, leciona que:
(a) o valor da informação não é inerente a ela, e não é transmitido com a mensagem;
129 Xxxxxx, Xxxxxx X. Value-added process in the information life cycle, p. 341.
130 Xxxxxxxx, Xxx; Xxxxxx, Xxxxxx. Information Economics, p. 16.
131 Xxxxx, Xxxxxx X. X. Ferin. Informação e informações, p 47.
132 Xxxxxx, Xxxxxx X. Value-added process in the information life cycle. p. 343.
(b) uma mensagem possui valor apenas quando inserida em um contexto; (c) o valor de uma mensagem é conferido pelo seu usuário, o qual atribui utilidade a ela a depender do ambiente em que se encontra, ocasião em que pode relacionar a mensagem com a solução de problemas ou execução de tarefas; (d) as mensagens possuem em si um potencial de ter valor; (e) a utilidade de uma mensagem revela que o seu usuário decidiu por utilizá-la de imediato para algum fim ou que decidiu armazená-la para seu uso futuro; (f) considerando que as mensagens carregam um valor em potencial, este potencial pode ser sinalizado e relacionado com as necessidades de um determinado ambiente.
Pesquisas influenciadas pela teoria da informação alastraram-se para diversas áreas, desde psicologia, sociologia, linguística, comunicação, engenharia, ciência da computação, ciência cognitiva, inteligência artificial e cibernética133. Por fim, ante as mudanças provocadas mundo afora pelo desenvolvimento dos computadores e da tecnologia, em meados da década de 1960, não tardou até chegar nas ciências econômicas.
3.3 Economia da Informação
As ideias trazidas por Xxxxxx Xxxxxxx também influenciaram as ciências econômicas. Foram lançados novos olhares sobre problemas antigos, com a intenção de mapear os limites da transmissão de informação, os limites de informação que um ser humano pode absorver, os limites da reação de um indivíduo perante uma informação, e a forma como o comportamento do indivíduo é moldado pelo acesso à informação. Em síntese, este novo olhar admite que (a) o indivíduo reage de forma racional perante a informação que lhe é disponível, todavia, acrescenta que (b) sua capacidade de transmissão e processamento da informação é limitada. Desta forma, o comportamento humano, que é moldado pela informação disponível para o indivíduo, pode reagir com lentidão, aleatoriedade ou atraso.
Já na década de 1960, começou a ser cunhado na literatura econômica o termo “economia da informação” (Information Economics ou Economics of Information)134, sendo possível citar como seus primeiros expoentes Xxxxxxx Xxxxx (Prêmio Nobel em 1972) e Xxxxxx Xxxxxxx (Prêmio Nobel em 1982)135. Ainda segundo a observação
133 Xxxxxxx, Xxxx. Economics of Information: a Brief Introduction, p. 42 ss.
134 Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx. Economia da Informação, p. 165.
135 Xxxxxxxx, Xxx; Xxxxxx, Xxxxxx. Information Economics , p. 15.
de Xxx Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx, a economia da informação deve ser entendida como uma disciplina diferente da teoria da informação 136. A abordagem econômica da informação confere maior importância ao aspecto semântico, relativizando a perspectiva da engenharia. Quanto à engenharia da informação, há uma maior preocupação na sua transmissão, nos limites dos canais de comunicação, e nos ruídos que podem afetar a comunicação. De outro lado, o enfoque semântico preocupa-se com o significado da informação, ou seja, o conteúdo apropriado pelo emissor e que pode ser transmitido ao receptor.
Para os economistas importa o fato de que frequentemente alguns agentes possuem informações privadas sobre suas características e suas ações, as quais outros agentes menos informados não possuem. Este desequilíbrio informacional, por sua vez, possui efeitos importantes que merecem investigação, tais como seleção adversa (ausência de informação sobre as características do outro agente) e risco moral (ausência de informação sobre as ações do outro agente)137.
A ideia de assimetria informacional ganhou força na seara econômica, sendo conferida maior importância à diferença de informação que detêm os diversos agentes em um mesmo cenário. Informação assimétrica, conforme o próprio adjetivo indica, se refere às situações em que algum agente, em determinada troca, possui informações que outro agente envolvido na mesma troca não possui. Economistas debruçaram-se sobre os efeitos provocados pela assimetria informacional, bem como sobre as soluções capazes de reduzi-la. A premissa da assimetria informacional, em que pese o fato de ela parecer evidente por si só, apenas influenciou o pensamento econômico de maneira significativa a partir da década de 1970, ocasião em que revolucionou o pensamento econômico moderno138.
De forma pioneira, Xxxxxxx Xxxxx investigou os efeitos do desequilíbrio informacional nos mercados. Segundo ele, a parte mais informada teria incentivos para agir de forma desonesta em prejuízo da parte menos informada. Para eliminar o problema do oportunismo, alguns mecanismos foram criados, tais como o instituto da garantia e a figura do terceiro autenticador. É o caso, por exemplo, de uma pessoa que vai à feira comprar um quilo de laranjas; a acuidade da balança que pesa as laranjas
136 Idem, p. 15.
137 Xxxxxxx, Xxxxx; Xxxxxxxxxxx, Xxxxxx. Xxxxx, Xxxxxx. The Curse of Knowledge in Economic Settings: An Experimental Analysis p. 2.
138 Do, Quy-Toan . Asymmetric Information, p. 1.
não pode ser aferida pelo comprador. De outro lado, o vendedor – aquele que normalmente é o agente mais informado – conhece o seu equipamento e sabe se a balança está devidamente regulada. Ante o desequilíbrio informacional existem incentivos para que o vendedor, de forma oportunista, venda novecentos gramas de laranja pelo preço de um quilo, por exemplo. Para solucionar o problema existe um terceiro autenticador, normalmente uma agência estatal, que confere um selo à balança cuja acuidade foi devidamente aferida. Ainda que desconfie do vendedor, o comprador confia na agência certificadora, permitindo que o mercado volte a funcionar sem falhas.
O âmbito escolhido por Xxxxxxx Xxxxx (dentre outros) para analisar os efeitos do desequilíbrio informacional foi o da indústria de assistência médica. No artigo Uncertainty and the Welfare Economics of Medical Care 139 o autor explica as peculiaridades deste mercado que o levaram à escolha: (a) trata-se de uma demanda irregular e imprevisível; (b) o produto e a atividade de produção se identificam; (c) não é possível ao paciente testar o produto antes de ser consumido; (d) há um especial elemento de confiança na relação entre médico e paciente; (e) a qualidade do produto é incerta (a recuperação de uma doença é tão imprevisível quanto a sua incidência);
(f) os preços praticados variam a depender da capacidade financeira do paciente. Segundo o autor, tais características fazem com que o mercado de assistência médica se afaste do cenário de competição ideal. Para reduzir a incerteza do paciente e garantir que a qualidade do tratamento comprado seja a melhor possível, alguns mecanismos são apontados, tais como o seguro, o terceiro controlador, a obrigação social de boa prática médica (e o estigma da busca pelo lucro), e a restrição de entrada no mercado de trabalho.
Por sua vez, na obra Information in the Labor Market140, Xxxxxx X. Xxxxxxx dedicou sua análise ao mercado de trabalho. O autor se debruça no caso do trabalhador que busca por um emprego. De um lado, os potenciais empregadores são inúmeros, variando para mais ou para menos a depender do grau de qualificação do trabalhador e de sua idade. De outro lado, o trabalhador esbarra no problema da ausência de informação. Ante a vastidão do mercado de trabalho, ele não consegue obter informações plenas sobre o valor dos salários ofertados, a estabilidade do emprego, as condições do emprego, além de outras determinantes de relevo para a sua
139 Xxxxx, Xxxxxxx X., Uncertainty and the welfare economics of medical care. pp. 154-158.
140 Xxxxxxx, Xxxxxx. Information in the Labor Market, p. 94 ss.
escolha. Para adquirir tais informações deve o trabalhador buscar em cada um dos potenciais empregadores, ciente ainda de que tais informações podem cambiar com o passar do tempo. A aquisição plena e simultânea de informações para orientar uma escolha perfeita, portanto, é praticamente impossível.
A economia da informação tem como trunfo a derrocada da premissa de que as características de todos os bens são observáveis por todos os participantes do mercado. Ao contrário, o que ocorre é a existência de bens iguais com preços diferentes e qualidades diferentes com preços iguais. Não há duvidas, portanto, de que a disponibilidade e a dispersão da informação afetam os mercados e a alocação de recursos ne economia.
3.3.1 Assimetria Informacional nos Mercados
O que se verifica na economia da informação é o abandono do pressuposto de informação plena e igualmente acessível por todos os agentes, o qual permeava diversas análises econômicas. Geralmente, este pressuposto é falacioso. Uma vez afastado, e substituído por uma análise sóbria no que tange à aquisição e processamento de informações, novas inferências podem ser feitas.
A economia da informação preocupa-se com o seguinte questionamento: como a disponibilidade e a dispersão da informação poderia afetar o mercado e a alocação de recursos na economia? Partindo deste ponto, a teoria econômica assume que a modelagem da informação é fundamental. A um, há o reconhecimento de que a distribuição das informações produz impacto nas interações de mercado. A dois, reconhece a necessidade de iniciativas para a redução do problema, com distinção quanto a quem irá adotá-las, se a parte mais informada (ex. sinalização) ou menos informada (ex. monitoramento ou screening).
O desequilíbrio informacional é analisado na teoria econômica sob diferentes perspectivas. Em primeiro lugar, é possível citar a assimetria informacional na teoria de mercados. Xxxxxx Xxxxxxx, em The Market for "Lemons": Quality Uncertainty and the Market Mechanism141, defendeu que a má distribuição de informação pode causar falhas de mercado. Para ilustrar o seu ponto de vista, o autor utilizou como exemplo o mercado de revenda de veículos usados. Neste mercado podem existir bons veículos, bem conservados e com longa vida útil à frente, ou veículos ruins (estes conhecidos
141 Xxxxxxx, Xxxxxx. The Market for "Lemons": Quality Uncertainty and the Market Mechanism, p. 488 ss.
como “limões”), com defeitos ocultos, os quais somente se revelam após seu uso contínuo. Assim, veículos da mesma marca, modelo e ano podem apresentar caraterísticas heterogêneas. A qualidade dos veículos, contudo, é uma informação de conhecimento apenas do vendedor, o agente mais informado. O comprador, agente menos informado, desconhece a qualidade dos veículos, por se tratar de vício oculto, imperceptível a olho nu. Este desequilíbrio informacional permite que o preço dos veículos se equipare, ou que o veículo ruim (“limão”) tenha melhores chances de barganha. Por conseguinte, torna-se desinteressante que o proprietário de um veículo usado em boas condições coloque-o a venda. Em síntese, o desequilíbrio informacional entre vendedores e compradores faz com que os bons veículos sejam retirados do mercado, selecionando apenas os “limões”.
Xxxxxxx Xxxxxx, por sua vez, defendeu no trabalho intitulado Job Market Signaling142 que em alguns mercados o agente mais informado sobre suas próprias características deve sinalizar, de maneira eficiente, para aquele agente menos informado. É o caso, por exemplo, do mercado de trabalho, onde candidatos buscam uma vaga de emprego. A qualidade dos diversos candidatos não é observável pelo empregador; este pretende contratar um empregado que tenha boa produtividade, contudo, somente poderá aferi-la posteriormente, após a contratação. Assim, cabe ao candidato, vendedor de mão-de-obra, sinalizar no mercado de trabalho as suas qualidades. Pode-se constatar, portanto, que a contratação de um empregado é um investimento sob incerteza. Interessante destacar que, neste caso, a iniciativa para reduzir o problema da assimetria informacional parte do agente mais informado. O efeito da assimetria informacional no mercado de trabalho também será a seleção adversa; caso candidatos com qualidades heterogêneas recebam o mesmo tratamento, é possível que torne desinteressante àqueles com melhor produtividade.
Xxxxxx X. Xxxxxxxx, em The Theory Of “Screening,” Education, And The Distribution Of Income143, denominou de screening o processo de discriminação e distinção entre coisas (ou pessoas) que, na ausência do screening, teriam o mesmo tratamento (para fins econômicos), ainda que seja sabido que essas coisas são heterogêneas e apresentam características distintas entre si. É o caso, por exemplo, do mercado de seguros. Para ilustrar, tenha-se dois agentes, um tipo alto risco e outro
142 Xxxxxx, Xxxxxxx. Job Market Signaling, p. 355 ss.
143 Xxxxxxxx, Xxxxxx X. The Theory Of “Screening,” Education, And The Distribution Of Income, p. 283.
tipo baixo risco; ambos possuem a mesma renda, e querem segurar uma parte idêntica dela. Acontece que a probabilidade de ocorrência de sinistro com o tipo alto risco é maior do que a probabilidade com o tipo baixo risco. O contrato de seguro, por sua vez, especifica o prêmio e o valor a ser pago em caso de sinistro. Para que a seguradora possa cobrar valores diferentes de ambos, e equilibrar de forma adequada a situação, é preciso que recorra a alguma ferramenta de screening. Xxxxxx, apenas o segurado detém informações sobre suas próprias qualidades – se do tipo alto ou baixo risco; cabe à seguradora, portanto, utilizar-se de mecanismo que permita a ela apreender essa informação. Diferente do exemplo anterior, a iniciativa de reduzir a assimetria informacional parte do agente menos informado. Vale lembrar que a ausência do screening e a cobrança do mesmo valor para ambos os segurados pode implicar em seleção adversa, fazer com que o tipo baixo risco desista de contratar o seguro, e por via de consequência inviabilizar o mercado de seguros.
Também é possível destacar a relevância da assimetria informacional no seio da teoria dos incentivos. Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx, também agraciado com o Prêmio Nobel (em 1996), teve o seu trabalho reconhecido em razão do estudo sobre a teoria econômica dos incentivos sob informação assimétrica. Por este ângulo, o autor se debruçou sobre a taxação ótima do imposto sobre a renda144; segundo ele, o imposto sobre a renda não é necessariamente o melhor meio de se promover a redistribuição de renda, uma vez que os efeitos podem reverter-se, por exemplo, em evasão de investimentos. Assim, para que a alternativa não leve a resultados indesejados, é preciso que o poder público adquira informações sobre as características dos contribuintes sobre os quais incide o imposto. Ainda, sob a lente da assimetria informacional, Xxxxx Xxxxxxxx buscou a elaboração de modelos que pudessem descrever melhor o instituto do risco moral e seu impacto no comportamento do agente; a exemplo, que consiga prever o comportamento de segurados quando suas ações não são observáveis pelas seguradoras145.
Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, também laureado com o Prêmio Nobel – juntamente com Xxxxx Xxxxxxxx –, é outro expoente da análise da teoria dos incentivos sob informação assimétrica. Xxxxxxx foi pioneiro na utilização de ferramentas da teoria dos jogos a fim de explicar a dinâmica dos leilões 146. Entenda-se por leilão um
144 Xxxxxxxx, Xxxxx. An Exploration in the Theory of Optimum Income Taxation, p. 175 ss.
145 Idem,. The Theory of Moral Hazard and Unobservable Behaviour, p. 3 ss.
146 Xxxxxxx, Xxxxxxx. Counterspeculation, Auctions, and Competitive Sealed Tenders, p. 8 ss.
mecanismo de mercado para equilibrar oferta e demanda, onde as regras para formação do preço são explícitas e conhecidas. Normalmente, os leilões são utilizados para transacionar produtos para os quais não existe mercado estabelecido, ou quando o vendedor está incerto sob o preço de venda. Cada pessoa avalia o bem de forma diferente, e ninguém quer pagar pelo bem mais do que ele vale. Os leilões podem ser desenhados de diferentes formas, sendo este o objeto de estudo de Vickrey, que dedicou-se a estudar quais as regras mais adequadas a cada tipo de objetivo que se pretende atingir.
Por fim, os efeitos da assimetria informacional também podem ser averiguados na relação entre principal-agente. Considerando que os contratos administrativos são por excelência um exemplo de relação principal-agente com assimetria informacional, o tema será tratado em item próprio.
3.3.2 Assimetria Informacional nas Relações de Agência
Os problemas oriundos da relação entre principal-agente possuem importância fundamental na teoria dos contratos, principalmente no que toca à estrutura endógena da informação147. Caso exista assimetria informacional na relação principal-agente, é imperioso que este fator seja levado em consideração no que toca ao comportamento dos envolvidos, bem como à solução para o problema de agência. Em regra, nas relações de agência o agente é a parte mais informada, enquanto o principal é a parte menos informada. Existem soluções de monitoramento que buscam a redução da assimetria informacional, e quando estas não são possíveis, despontam outras alternativas, mais complexas.
O problema de agência é bastante comum, presente em todas as organizações e em todos os esforços de cooperação entre duas ou mais pessoas148. É de se ressaltar que o problema de agência existe tanto em níveis macro (a exemplo das regulações, onde o agente é a agência reguladora e o principal é a sociedade) como em níveis micro (como exemplo, um contrato de jardinagem).
Para iniciar o raciocínio, tenha-se a seguinte premissa. O trabalho a ser desenvolvido pelo indivíduo é uma função cujas variáveis envolvem tempo e esforço. Assim, pode-se dizer que o trabalho realizado pelo indivíduo é um recurso limitado, uma vez que tempo e esforço são finitos. Quanto ao tempo, não há dúvidas de que se
147 Xxxxx, Xxx X. Observability of information acquisition in agency models, p. 104 ss.
148 Xxxxxx, Xxxxxxx X.; Xxxxxxxx, Xxxxxxx X. Meckling, Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure, p. 6-7.
trata de recurso precioso, não havendo dinheiro neste mundo que permita alterar o seu curso natural. O esforço, por sua vez, em que pese seja um recurso ampliável, é oneroso, e por isso mesmo não deixa de ser limitado. Ante o custo de tempo e esforço para o desenvolvimento de uma atividade, pode o indivíduo decidir por transmitir essa execução a um terceiro, o qual realizará a atividade em nome do principal. A decisão quanto à alocação dessas atividades depende de uma ponderação de custos e riscos, e pode impingir mais ou menos eficiência no trabalho desenvolvido. A forma como uma organização aloca tempo e esforço é o que a define, é o modo como ela revela a sua capacidade produtiva149.
Uma relação de agência, na sua versão mais simples, é a relação em que uma das partes, o “principal”, se beneficia quando outra pessoa, o “agente”, desenvolve determinada tarefa com cuidado e esforço adequado. Ou seja, a relação ocorre quando o principal incumbe outro, o agente, de satisfazer uma necessidade sua (do principal), em seu nome (do principal). A teoria da agência se preocupa em resolver dois problemas que podem ocorrer nas relações de agência150. O primeiro problema surge quando, na relação de agência, os desejos e objetivos do principal entram em conflito com os desejos e objetivos do agente. Não raro, há uma discrepância de preferências entre o agente e o principal, bem como uma divergência em relação a quais riscos devem ser assumidos151. Como exemplo, tenha-se o advogado e o seu cliente, onde este prefere a realização de um acordo, enquanto o outro, para prolongar o processo judicial e alargar os seus honorários, prefere assumir os riscos do litígio.
O segundo problema surge quando é difícil ou oneroso para o principal que verifique qual comportamento está sendo adotado pelo agente. A fim de averiguar o cuidado e esforço desejado, resta ao principal duas opções. A um, cabe ao principal monitorar as ações do agente, ou seja, adquirir informações sobre a sua performance durante o desenvolvimento da atividade. Todavia, impõem-se uma pergunta: como se dará este monitoramento? Nem sempre o monitoramento de uma atividade se dá com baixo custo, ou sem interferir na atividade que se monitora. Ainda, algumas atividades sequer são possíveis de serem monitoradas. A dois, pode o principal aguardar que o agente cumpra com a atividade e, ao final, verificar se o resultado desejado foi
149 Xxxxx, Xxxx; Xxxxx, Xxxxx. Working, Xxxxxxxx, and Sabotage: Bureaucratic Response to a Democratic Public, p. 29.
150 Xxxxxxxxxx , Xxxxxxxx X. Agency Theory: An Assessment and Review, p. 58.
151 Xxxxxx, Xxxx X.; Xxxxxxxx, Xxxxxx X. Trust and Incentives in Principal-Agent Negotiations The ‘Insurance/Incentive Trade-Off’, p. 236.
efetivamente atingido. Nesta segunda hipótese persiste o problema de que a ação do agente não pode ser verificada; assim, torna-se difícil inferir se o resultado (positivo ou negativo) deriva do esforço e cuidado dispensados pelo agente ou não. Como fica, no caso do comportamento não monitorado do agente, a influência da sorte ou aleatoriedade?152
Para Xxxx X. Posner, a solução do problema passa pelo design do contrato e os incentivos que serão por ele criados. Deve o clausulado contratual ser desenhado de forma a criar os incentivos corretos que permitam conduzir a performance do agente ao resultado desejado153. Sob o ponto de vista de design do contrato, a relação de agência pode ser distinguida em duas hipóteses. Inicialmente, pode-se pensar nos casos em que o comportamento do agente for observável, o que seria, portanto, uma hipótese de informação completa – inexistência de assimetria informacional. O melhor contrato que se adequa ao caso seria aquele baseado no comportamento do agente, isto é, que tem como objeto a performance do contratado (contrato de meio). De outro lado, pode-se levantar a hipótese em que há informação incompleta – existência de assimetria informacional. Aqui, o agente tem consciência dos seus atos, mas o principal não possui essa informação. Um contrato de meio, portanto, seria praticamente inexequível. Considerando que o principal não consegue determinar se o agente impingiu o esforço e cuidado necessários, dá-se azo ao oportunismo do agente. A estrutura de incentivos do contrato, neste caso, demanda maior complexidade.154
Na hipótese de informação incompleta, deve o contrato criar uma estrutura de incentivos adequada que seja capaz de conduzir o comportamento do agente ao resultado desejado. Afinal, não se pode contar com a capacidade do principal em monitorar a ação do agente. Inicialmente, pode-se pensar no problema de agência que se revela por meio da distinção de preferências entre o principal e o agente. Nestes casos, caberia ao contrato criar um sistema de recompensas de tal forma que os indivíduos que buscassem satisfazer seu interesse próprio estariam, ao mesmo tempo, perseguindo interesses de todo o grupo. Em segundo lugar, pode-se pensar no problema de agência que se revela pela dificuldade de o principal monitorar o comportamento do agente, em especial quando o resultado depende de fatores externos aleatórios. A solução, nesta hipótese, passa pela redistribuição de riscos a ser
152 Xxxxxx, Xxxx X. Agency Models in Law and Economics, p. 1 ss.
153 Ideam, p. 1 ss.
154 Eisenhardt, Kathleen M. Control: Organizational and Economic Approaches, p. 136.
desenvolvida pelo contrato. É possível que o clausulado contratual discipline de forma tal que o agente tenha de suportar parte do risco de sua atividade. Quanto mais difícil o monitoramento de sua atividade, maior parcela do risco irá suportar. Assim, não se trata de uma mera motivação por recompensas, mas sim uma verdadeira redistribuição dos riscos do contrato155.
Para ilustrar, tenha-se como exemplo um contrato onde fique estabelecido que o principal pagará ao agente, mensalmente, um salário uniforme. O valor do salário, portanto, independe do resultado alcançado, bem como não se vincula ao grau de esforço e esmero impingido pelo agente. Neste caso, considerando que o interesse pessoal do agente é o salário, não existirão incentivos para que ele, todos os meses, dedique um grau elevado de esforço nas suas atividades. Desse modo, caso o esforço do agente não possa ser monitorado, é desinteressante o contrato que estipule um salário uniforme156.
Importante ressaltar que, no caso de contratos administrativos, tratando-se do poder público, a abordagem da solução pode ir além do design do contrato. Afinal, a relação contratual entre público e privado não se rege tão somente pelo clausulado contratual, mas também possui inferência de dispositivos legais, os quais desequilibram a relação em prol da supremacia do interesse público. Desta forma, a mesma lógica que se aplica ao design do contrato também pode ser usada na análise do design do ordenamento jurídico como um todo, o qual pode, da mesma forma, reestruturar incentivos e redistribuir riscos.
Em síntese, a assimetria informacional pode trazer problemas à relação de agência, cuja solução consiste na tentativa de, ainda que sua conduta não possa ser monitorada, induzir o agente a se comportar de forma que maximize o bem-estar do principal, por meio de uma estrutura de incentivos adequada e redistribuição de riscos. A solução é complexa, e nem sempre aferível facilmente.
3.3.3 Informação Como Recurso Valioso
A partir do momento em que estudiosos passaram a ter o tema da informação no seu foco de atenção, uma importante constatação foi internalizada na literatura econômica. Trata-se de reconhecer a informação como um recurso valioso. Em que pese pareça óbvia, a mudança de perspectiva promoveu alterações significativas na
155 Idem, p. 137.
156 Xxxxxx, Xxxx X.; Xxxxxxxx, Xxxxxx X. Trust and Incentives in Principal-Agent Negotiations The ‘Insurance/Incentive Trade-Off’, p. 234.
análise econômica. Tal como qualquer outro recurso necessário a uma cadeia produtiva, cuja escassez e custo são levados em consideração no processo de produção, também a informação passou a ser assim considerada. Em outras palavras, houve o reconhecimento de que a informação, no fenômeno econômico: (a) possui um valor; (b) é escassa; (c) sua ausência possui efeitos deletérios; (d) a aquisição de mais informação possui um custo.
Independente de como se pretenda defini-la, pode-se dizer que informação é um bem econômico, e por isso mesmo pode ser produzida, armazenada, consumida, investida (usada em produção), ou vendida. Assim, é possível dizer que ela possui valor de mercado157.
Os membros de uma economia – os consumidores, as firmas, os investidores, e os governantes – fazem escolhas. Dizer que fazem escolhas implica na existência de alternativas, no sentido de que a via escolhida não é inevitável, mas sim, uma opção dentre um leque de oportunidades. As alternativas disponíveis para cada um dos agentes dependem dos recursos que ele possui e de suas circunstâncias. Para o consumidor, as alternativas disponíveis dependem da quantidade de dinheiro que possua, bem como dos preços que deverá pagar para adquirir os produtos desejados. Para as firmas, as alternativas disponíveis dependem da envergadura tecnológica de lidar com os recursos existentes naquele dado momento. Para os investidores, as alternativas disponíveis dependem do retorno que se espera no futuro dos fundos apresentados no portfólio158.
A característica geral relativa a todas as hipóteses acima é o fato de que as escolhas se projetam no futuro, e o futuro não admite certezas. Necessariamente, o futuro não pode ser conhecido antes que aconteça, sendo possível tão somente que sejam realizadas previsões. As previsões envolvem, por exemplo, os preços futuros, a possibilidade de revenda, a utilidade do bem quando for usado ou consumido. Quanto mais o futuro se estende, mais difícil é a previsão. Assim, é intrínseco ao processo de tomada de decisão que as oportunidades disponíveis e as consequências das decisões não podem ser completamente conhecidas. Fazer escolhas envolve incertezas, em maior ou menor medida. Onde há incerteza, por sua vez, há a possibilidade de sua redução por meio da aquisição de informação159.
157 Xxxxxxxx, Xxx; Xxxxxx, Xxxxxx. Information Economics, p. 16.
158 Xxxxx, Xxxxxxx. Colected Papers, The Economics of Information, p. 136 ss.
159 Idem, p. 136 ss.
De forma simplista, a aquisição de informação tem como finalidade a redução da incerteza. Todas as tomadas de decisão, independente do contexto, são afetadas pela quantidade de informação disponível àquele que decide. A informação permite ao agente conhecer a realidade presente e, por via de consequência, refinar sua previsão quanto ao futuro. Por isso mesmo, não se pode descartar o importante papel das informações nos processos de produção, nem mesmo nos processos políticos160, uma vez que afetam diretamente as escolhas tomadas pelos agentes envolvidos.
Escolhas sob incerteza podem conduzir a resultados não esperados. A ignorância acerca das variáveis que circundam o cenário implica um juízo de probabilidade. Quanto mais informação, ou seja, quanto mais próximo de um ideal de certeza, maior é a probabilidade de que a escolha apontada conduza ao resultado esperado. Desta feita, é inconteste que informação possui utilidade (no sentido econômico). Seja na acepção subjetiva, relativa a ser desejada ou almejada, seja na objetiva, relativa a funcionalidade ou adequação161, existe utilidade na informação. Em sendo útil, logo a informação possui valor.
É justamente por força do valor agregado às informações que Xxxxxxx X. Xxxxx afirma que atualmente é vital às empresas no mercado competitivo a habilidade de manter uma vantagem informacional sobre os seus concorrentes162. A quantidade de informação disponível na era da internet é fenômeno sem precedentes; com ela é possível antecipar os movimentos dos concorrentes, bem como acessar conhecimento sobre todos os níveis do mercado. A informação atual e acurada tornou-se uma verdadeira commodity no mundo corporativo moderno.
No mesmo sentido, a fim de trazer à baila outro exemplo que reconhece valor à informação, tenha-se o § 2054.001 do Texas Government Code, o qual determina que: “information and information resources possessed by agencies of state government are strategic assets belonging to the residents of this state that must be managed as valuable state resources” 163 . As informações, no caso, são reconhecidas como recursos estratégicos, preciosas para o Estado e para a sociedade.
577 ss.
Policy.
160 Xxxxxxxx, Xxxxxx. Selected Works of Xxxxxx Xxxxxxxx, p. 54.
161 Xxxxx X. X. Main, Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx. Palgrave Dictionary of Economics, Utility, p.
162 Xxxxx, Xxxxxxx. The Economics of Information and the Internet, p. 48.
163 State of Texas Government Code, State of Texas, Sec. 2054.001. Legislative Findings and
Também reconhecendo o valor das informações, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx entende que a assimetria informacional entre as partes de um contrato – notadamente nos contratos administrativos, em que o contraente privado possui mais informações do que o contraente público – pode constituir uma das causas de reequilíbrio do contrato em favor daquele agente menos informado164.
Em síntese, é possível concluir que a informação que uma pessoa possui pode ser compreendida como capital. Sua produção nem sempre é graciosa, sendo muitas vezes necessário arcar com um custo de procura. Após adquirida, a informação permite impingir mais eficiência ao processo produtivo, viabilizando um retorno maior do que normalmente se conseguiria caso a informação não fosse utilizada165.
Da mesma forma ocorre na relação entre principal e agente onde exista informação assimétrica. No caso, a informação pode ser considerada um recurso valioso. Qualquer informação adicional sobre as ações do agente, ainda que imperfeita, pode ser usada para implementar o bem-estar de ambos, tanto do principal quanto do xxxxxx000.
Ante o exposto, é inconteste que informação pode ser considerada um recurso valioso, com utilidade no cenário econômico, e capaz de implementar eficiência. Em que pese existam dificuldades de se quantificar com exatidão o valor da informação, dadas as suas características peculiares, é plenamente possível perguntar: quantos dólares vale um bit de informação?167
3.3.4 Informação e Comportamento Estratégico
Ainda na esteira do reconhecimento da importância da informação pela ciência econômica, outra constatação pode ser feita. Após assegurar que existe valor na informação, podendo esta ser adquirida e utilizada nas tomadas de decisão, outra asseveração se faz necessária, por via de consequência. Trata-se do fato de que o agente se comporta de forma estratégica perante a informação.
É corolário da economia que o comportamento humano é racional. Põe-se de lado, por ora, as ressalvas relativas à irracionalidade, às heurísticas e outros desvios do comportamento; em que pese sejam relevantes para o presente trabalho, não convêm ao desdobramento do presente item. No momento, o importante é ter em
164 Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx. Empreitada de Obras Públicas, p. 556.
165 Xxxxxxx, Xxxxxx. Information in the Labor Market, p. 103. 166 Xxxxxxxxx, Xxxxx. Moral hazard and observability, p. 75. 167 Xxxxxxxx, Xxxx. The Economics of Information, p. 1.
mente que o comportamento humano é, em regra, racional potencial maximizador, ou seja, visa otimizar a sua utilidade.
Importante ressalvar, conforme leciona Xxxxxxxx Xxxxxx, que a racionalidade de que trata a ciência econômica é essencialmente procedimental, não se aventurando pelo plano dos fins 168 . Em outras palavras, não concerne à seara econômica a capacidade da razão para formar as finalidades da conduta; não se perquire a formação dos gostos e das preferências, nem mesmo busca-se explicar os caprichos da mente humana. De outro lado, importa à economia a forma como o agente aloca recursos escassos a fim de alcançar os seus objetivos.
Dado um determinado objetivo, independente de qual ele seja, o comportamento humano tende a ser racional no sentido de aumentar a sua utilidade; isto é, buscará utilizar dos recursos dispostos de forma que ascenda ao máximo rumo àquela finalidade. Logo, diligenciará com o escopo de otimizar os meios e maximizar os fins.
Considerando que informação é um recurso valioso, não se espera que o comportamento humano seja diferente da regra geral. Da mesma forma que se comporta perante outros recursos escassos, o agente também se comportará perante a informação; a escassez levará à realização de escolhas e à tomada de decisões otimizadoras e maximizadoras da satisfação de necessidades. Em outras palavras, sendo a informação um recurso valioso, as pessoas tendem a se comportar de forma estratégica em relação a ela.
Ocorre que a informação é recurso que possui suas peculiaridades; destacando- se dentre os demais, ela possui suas idiossincrasias. Conforme leciona Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx, a informação é uma abstração, a qual pode ser produzida, disseminada, acumulada e usada para diferentes objetivos e fins 169 . Dada a sua propriedade singular, somada ao comportamento estratégico do agente, alguns reflexos podem ser verificados, em especial no seio dos contratos.
A um, é possível que um dos agentes detenha uma informação, sem, contudo, revelar ao outro agente que a detém. Ante a característica abstrata da informação, é plenamente possível armazená-la, sem necessariamente ter de revelar aos demais agentes que possui tais informações. Muitas vezes não é possível que um agente, a olho nu, consiga aferir se o outro possui informação, muito menos qual informação
168 Xxxxxx, Xxxxxxxx. Introdução à Economia, p. 29.
169 Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx. Economia da Informação, p. 166.
possui. Desta forma, existindo uma assimetria informacional em determinada relação contratual, é possível que não fique claro a uma das partes a existência desse desequilíbrio. Por ser abstrata, muitas vezes a decisão de revelar ou não a existência de determinada informação (antes mesmo de revelar o seu conteúdo) é uma liberalidade do agente mais informado, isto é, depende unicamente da vontade de uma das partes. Caso decida por não revelar, dificilmente poderá a parte menos informada
– ao menos a custo zero – descobrir que aquela informação existe. Acontece que esta condição, muitas vezes, dá azo a oportunismos por parte do agente mais informado. Não raro existe a obrigação contratual de revelar determinada informação, todavia, o agente não o faz; principalmente se existem meios de burlar a obrigação contratual sem que futuramente seja descoberto e penalizado por isso. É o caso do vendedor que não revela ao consumidor as recomendações de bom uso do produto feitas pelo fabricante, tão somente para que em momento oportuno venda ao mesmo consumidor os serviços de manutenção e conserto.
A dois, a autenticidade da informação nem sempre é facilmente verificável. Aquele que possui obrigação de informar muitas vezes presta a informação, contudo, não adimple com sua obrigação de forma adequada, pois o faz com a prestação de uma informação falsa. Aferir a autenticidade da informação, por sua vez, possui um custo. Em regra, aquele que possui a obrigação de informar a tem pela imposição de sinalizar um evento ou transmitir um conhecimento. Caso seja muito oneroso à contraparte certificar-se de que o evento realmente ocorreu, ou que o conhecimento é verdadeiro, pode aquele obrigado a informar tentar locupletar-se com a prestação de uma informação dissimulada. É o caso, por exemplo, de um sinistro ocorrido com veículo segurado, onde o condutor informa falsamente à seguradora que estava na velocidade limite da via no momento da colisão; para garantir a autenticidade da informação prestada pelo condutor, resta à seguradora recorrer a outros meios, os quais nem sempre encontram-se disponíveis, tais como perícias ou câmeras de segurança. Também é o caso da concessionária de uma rodovia que reporta ao poder público um número de veículo a menor que passaram pelo pedágio, a fim de reduzir a contrapartida financeira que deve remeter ao ente público, na hipótese de esta ser fixada pelo volume de tráfego.
A três, apesar de a informação ser um recurso valioso, seu benefício também depende da habilidade do usuário em explorá-la170. O real valor da informação não está nela mesma, mas sim, naquilo que se pode fazer com ela. Entretanto, nem todo agente, de posse da mesma informação, será conduzido ao mesmo corolário. Inicialmente, vale lembrar que a principal utilidade da informação está em auxiliar na tomada de decisões; ocorre que uma informação, sozinha, pode não ser suficiente para conduzir o tomador até a escolha ótima, ainda que aponte para ela. Xxxxxx, a informação figura apenas como um incentivo, que se somará a outros, levando o agente a um determinado comportamento. A mesma informação, somada a duas estruturas diferentes de incentivos pré-existentes, pode conduzir a conclusões distintas. O emissor da informação, portanto, uma vez ciente das circunstâncias atinentes ao receptor da mensagem, pode revelar a informação quando e como lhe aprouver.
Ainda, conforme lição de Xxxxxx X. Shannon171, toda mensagem é codificada pelo emissor, transmitida por um canal de informações e posteriormente decodificada pelo receptor. Em síntese, cabe ao receptor da mensagem decodificá-la; o conhecimento fruto da informação respeita uma fase prévia de decodificação. Acontece que nem todo receptor possui a habilidade de decodificar qualquer tipo de mensagem. Dessa forma, a depender de como é transmitida a mensagem, é possível que seja entregue a informação ao receptor, sem, contudo, franquear-lhe o conhecimento respectivo. Esta ressalva é especialmente importante nas relações obrigacionais, pois aquele que é obrigado a revelar uma informação – mas que, numa visão egoísta e oportunista, preferiria não o fazer – pode conseguir, ao mesmo tempo, adimplir com a obrigação e obter a renda extra relativa ao comportamento oportunista. Tenha-se como exemplo o curador mal intencionado que, ao prestar contas da sua gestão, o faz por meio de relatórios contábeis extensos, complexos, e de forma pouco estruturada. Apesar de adimplir com sua obrigação, o faz de forma que sua gestão seja inquestionável por qualquer um incapaz de realizar análises contábeis mais profundas.
A quatro, é difícil estimar o valor da informação em função do que o outro está disposto a pagar por ela. Afinal, apenas poderá valorar a informação se tiver ciência da qualidade dela, e uma vez ciente, cessa o interesse em pagar, pois já a adquiriu.
170 Idem, p. 166.
171 Xxxxxxx, Xxxxxx. A Mathematical Theory of Communication, p. 2.
Negociações envolvendo informação são melindrosas, e muitas vezes carecem de contratos acessórios prévios capazes de manter o status quo na hipótese de a negociação não restar frutífera ou ser rescindida. Tenha-se em mente o contrato de franquia, onde o franqueador entrega ao franqueado o seu know how, isto é, todos os conhecimentos envolvendo suas técnicas de produção. Fato é que, para que o franqueado assuma a atividade, deve antes ter conhecimentos das técnicas que passará a praticar, até mesmo para fazer sua avaliação sob a viabilidade ou não do negócio; caso a negociação não seja frutífera, poderá haver a hipótese de não firmar o contrato de franquia, contudo, tendo adquirido informações sobre segredos industriais do franqueador.
A cinco, a informação pode ser disseminada. Apesar de ser um recurso escasso, a informação pode ser facilmente difundida, diferente de outros recursos em geral. Afinal, a informação: (a) é multiplicável, sendo que quanto mais for utilizada, mais útil ela se torna; (b) é transferível com alta velocidade e facilidade; (c) é difusiva, tendendo a ser tornar pública mesmo que as pessoas não queiram; (d) é compartilhável, de forma que na troca o vendedor continua possuindo aquilo que ele vendeu172.
Em face do exposto, algumas conclusões podem ser feitas no que tange às informações no seio da execução dos contratos. Em primeiro lugar, não se pode olvidar a alta probabilidade de o agente se comportar de forma estratégica perante a informação, a fim de que possa auferir o maior rendimento possível naquele cenário; ainda, não se pode desconsiderar o risco do oportunismo. Em segundo lugar, as propriedades da informação permitem que eventual posicionamento estratégico adote formas diferenciadas; dada a condição abstrata da informação, é possível, por exemplo, que o agente oculte o fato de possuir determinada informação, ou mesmo que dissemine uma informação sem que deixe rastros de ter sido ele o provocador da disseminação.
Por tais razões, a probabilidade de se vencer o problema informacional no seio dos contratos tão somente por meio dos poderes de conformação pode ser mais baixa do que o esperado, a depender das circunstâncias do cenário. A exemplo, ainda que seja imposta obrigação ao agente mais informado de revelar aquilo que possui, é possível que consiga manter as informações ocultas, desde que a outra parte ainda não
172 Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx. Economia da Informação, p. 166.
conheça sequer a existência dessa informação. E mesmo que decida por revelar a informação, o agente pode decidir por fazê-lo de tal forma que seja difícil ao principal a decodificar.
Assim, é falaciosa a presunção de que as informações possuem canais de transmissão perfeitos, livres de ruídos e interrupções. A presunção de transparência, com informação livre e plena, é por demais ingênua. A transparência não se presume, mas sim, se constrói; essa construção se dá, sobretudo, mediante mecanismos de transparência que sejam muito bem pensados e estruturados, capazes de induzir os agentes ao comportamento adequado.
3.3.5 Observabilidade e Verificabilidade
Ante a maior atenção que passou a ser conferida ao tema das informações, não tardou até que a tendência chegasse à análise econômica dos contratos. A assimetria informacional e seus efeitos no comportamento dos indivíduos também foi analisada na seara das relações contratuais.
O contrato permite que as partes comuniquem entre si metas de conduta. Sujeitos acordam direitos substantivos, que se traduzem em benefício mútuo 173 . Revela-se como instrumental para um comportamento cooperativo, onde ambos saem ganhando. Ocorre que, após firmado o contrato, as partes se comportarão de forma estratégica no que tange à escolha entre cooperar ou não. Para que se posicione da forma mais eficiente possível, é preciso que a parte do contrato busque informações quanto à estratégia da contraparte.
Em uma determinada relação contratual, a capacidade de prever todos os resultados possíveis e suas respectivas probabilidades de ocorrência permite uma alocação eficiente de recursos. Entretanto, em algumas situações, faz-se presente um elemento que pode mudar este horizonte: a incerteza. Significa, dentre outras coisas, a incapacidade de se prever o resultado do contrato com exatidão. Presente o elemento incerteza, que impede a previsão de todo o leque de resultados possíveis, bem como a probabilidade de sua ocorrência, a alocação eficiente de recursos passa a depender da aquisição de mais informações, a fim de que possa orientar os agentes nas tomadas de decisão. O papel da informação é reduzir o grau de incerteza e otimizar as tomadas de decisão.
173 Xxxxxx, Xxxxxxxx. Teoria Econômica do Contrato, p. 17.
A aquisição de informações relativas a eventos exógenos ao contrato já era levada em consideração pela literatura, antes mesmo que o tema da informação ganhasse corpo. Já se encontrava bastante difundida a teoria da imprevisão, a distinção entre contingências imprevistas e imprevisíveis, bem como as considerações relativas a casos fortuitos e seus efeitos na relação contratual. A novidade é que, com a introdução da economia da informação, partiu-se também para uma análise endógena, isto é, sobre a distribuição da informação dentro do microcosmo do próprio contrato e os atores ali envolvidos.
A informação da qual depende a eficiência do contrato, muitas vezes, não precisa ser buscada fora do microcosmo da relação contratual. É possível que uma das partes (mais informada) detenha essa informação, todavia, não a revele à outra parte (menos informada). Nestes casos, necessária se faz a criação de mecanismos de aquisição de informação que permitam um fluxo eficiente de comunicação. Para tanto, as trocas existentes no contrato devem contemplar também a troca de informações; ou seja, trata-se de uma visão mais complexa da relação contratual, que se atenta para os incentivos que conduzirão a parte mais informada a revelar o conhecimento que ela detém de forma privada174.
A partir do momento em que ganha força a ideia de aquisição de informação quanto ao desenvolvimento da relação contratual, desperta a utilização dos termos observabilidade e verificabilidade. Na linha dos ensinamentos de Xxxxxxxx Xxxxxx, observabilidade e verificabilidade se reportam ambas à “revelação de um estado de coisas relevante para a execução dos deveres de um contrato”175. A primeira refere-se à revelação entre as partes, enquanto a segunda refere-se à revelação perante um terceiro – um julgador, um árbitro ou um adjudicador.
O termo observabilidade foi primeiro utilizado no campo da matemática, e introduzido pelo engenheiro húngaro-americano Xxxxxx X. Xxxxxx. Na teoria do controle, no que tange à dinâmica dos sistemas lineares, observabilidade significa a medida de quão bem podem os estados de um sistema ser inferidos a partir do conhecimento de suas saídas externas176.
174 Xxxxxx, Xxxxxx; Xxxxx, Xxxxxx. Optimal Incentive Contracts with Imperfect Information, p.
231.
175 Xxxxxx, Xxxxxxxx. Teoria Econômica dos Contratos, p. 666.
176 Xxxxxx, X. X. On the general theory of control systems. In Proceedings First International
Conference on Automatic Control, p. 481 ss.
Observabilidade significa a capacidade da parte de observar o adimplemento das prestações do contrato, ou seja, de adquirir informações quanto ao desenvolvimento da execução contratual. Tem-se em perspectiva o microcosmo da relação contratual, quer dizer, a distribuição endógena das informações. Talvez seja justo pela sua aparente obviedade que o conceito de observabilidade nem sempre ganhou os holofotes. Apenas com o desenvolvimento da teoria da informação e seu impacto na análise econômica é que se deu o reconhecimento merecido que o grau de observabilidade pode ter na performance das relações contratuais. O desenvolvimento teórico permitiu sistematizar os seus efeitos deletérios, tais como o risco moral e a seleção adversa.
O tomador de decisão não-sofisticado é aquele que ingenuamente crê, ou seja, interpreta qualquer informação que lhe é reportada como se fosse uma revelação total da situação feita por um observador desinteressado e que age de acordo com as regras da boa-fé177. A ausência de supervisão sobre a conduta de uma das partes pode gerar um problema de incentivos178, pois induz o risco moral, ou mesmo aponta para o inadimplemento como a alternativa mais eficiente (sob uma análise racional e egoísta). Nestes casos, necessária se faz a correção dos incentivos presentes na relação contratual, seja por meio do aumento do grau de observabilidade, seja com a redistribuição de riscos ou recompensas.
Por sua vez, verificabilidade também se refere ao microcosmo do contrato, isto é, à capacidade de observar o adimplemento das prestações contratuais; todavia, parte-se do ponto de vista de um terceiro adjudicador, e não das partes do contrato. É possível que em uma determinada relação contratual haja um elevado grau de observabilidade, contudo, com baixa verificabilidade. Ainda que as partes consigam obter informações suficientes, dificilmente conseguiriam levar tais informações, de forma estruturada, fundamentada e suficiente, a um terceiro adjudicador (tribunal, por exemplo).
Em outras palavras, a análise da relação contratual à luz da teoria da informação e dos incentivos permitiu revelar a importância da incapacidade de uma das partes, em razão da dificuldade de comunicação, de clamar pela interferência de um terceiro (com legitimidade para tanto). Para ilustrar, pode-se pensar no caso em
177 Xxxxxxx, Xxxx e Xxxxxxx, Xxxx. Relying on the Information of Interested Parties, p. 20.
178 Xxxxxx, Xxxxxx e Xxxxx, Xxxxx. Optimal Incentive Contracts with Imperfect Information, p.
257.
que há o inadimplemento parcial do contrato, o qual é observável por ambas as partes, sendo que ante a resistência do inadimplente, para que a parte prejudicada pudesse reaver suas despesas seria necessário levar o caso a um tribunal. A execução judicial do contrato, contudo, nem sempre é simples; levar todas as informações a um terceiro, de forma que ele – nem sempre técnico e perito no assunto – consiga compreender a situação pode não ser uma tarefa fácil. Por vezes as informações apenas são inteligíveis ao terceiro adjudicador por meio de um laudo técnico, estudo, ou análise mais aprofundada. Este estudo, por sua vez, tem um custo; caso este custo seja equiparado ao prejuízo do inadimplemento, é desinteressante ao prejudicado que persiga a compensação pelo prejuízo. Desta forma, pode-se concluir que contratos com baixo grau de verificabilidade podem gerar incentivos ao oportunismo. Observabilidade sem verificabilidade significa o abandono do contrato à autodisciplina 179 – o que não significa o colapso da relação contratual, contudo, esclarece qual a verdadeira estrutura de incentivos existente no seio da relação.
Informações observáveis, mas não verificáveis, sobre a ação do agente podem ser exploradas de forma lucrativa em um problema de agência180. Vale ressalvar que, apesar da incapacidade de verificar a ação do agente, a situação pode reunir condições nas quais a solução ótima seja não investir mais em informação. Ainda, há sempre a possibilidade de renegociação do contrato, a qual pode ser facilitada se as partes compartilharem os ganhos de tal negociação181.
Um ponto significativo, porém, muitas vezes não mencionado, que pode potencialmente distinguir as partes do tribunal, é que este último não só seria normalmente solicitado a tirar conclusões corretas sobre o verdadeiro estado das coisas, mas também a fornecer um argumento, possivelmente consistente (internamente e com respeito a provas empíricas), que motivasse o veredicto 182 . Afinal, não basta ao tribunal adquirir informações e convencer-se de um determinado ponto de vista, mas também, é preciso que tenha condições de transmitir o seu conhecimento de forma fundamentada, a fim de que possa realizar a prestação jurisdicional.
179 Xxxxxx, Xxxxxxxx. Teoria Econômica do Contrato, p. 669.
180 Xxxxxx, Xxxx X.; Xxxxxxxxxx, Xxxxx XX. Resolving double moral hazard problems with buyout agreements, p. 232-240.
181 Xxxxx, Xxxx X.; Xxxxxxxx, Xxxxxxxx X. Contract Renegotiation and Options in Agency Problems, p. 24.
182 Xxxxxxx, Xxxxxx. A Characterisation of Observability and Verifiability in Contracts, p. 4.
Os conceitos de observabilidade e verificabilidade se aplicam perfeitamente à hipótese dos contratos administrativos. Ao longo do desenvolvimento do contrato, é possível que a conduta do contratado – aquele que detém o domínio da atividade – não possa ser enxergada pela outra parte. O comportamento da parte contratada durante o desenrolar da execução contratual, ou seja, aquilo que ele faz ou deixa de fazer para que se efetive o adimplemento das prestações, sinaliza à outra parte se o contrato atingirá o resultado desejado quando chegar ao seu fim.
Não raro, a performance do contratado durante a execução contratual é apenas de seu próprio conhecimento. Nem todo comportamento seu emite um sinal capaz de, naturalmente e sem qualquer custo, chegar até o contraente público. O desenvolvimento da execução do contrato é um passar de páginas constante cuja leitura nem sempre é feita pela Administração Pública. Muitas vezes apenas o resultado final lhe é revelado, sem que a história toda lhe seja contada. Caso surpreenda-se com o desfecho final, muito pouco pode fazer para saber o que aconteceu durante o percurso para que o resultado atingido fosse aquele.
Em outras palavras, nem sempre é fácil para o contraente público identificar se o resultado indesejado ao final do contrato foi consequência da conduta do contratado (em razão de não ter impingido o grau de esforço necessário ou por ter agido com negligência) ou de outra circunstância alheia à vontade de quem desenvolvia a atividade (a qual conduziria ao resultado indesejado, independente de quanto esforçasse a parte contratada). Por este motivo, muitas vezes importa que a execução do contrato, à medida que se desenvolva, seja acompanhada pelo contraente público. Este acompanhamento, por sua vez, faz nascer um custo de fiscalização, o custo de se auditar o comportamento do contratado183.
A utilização dos poderes de conformação da Administração Pública, os quais submetem-se à vontade soberana do contraente público, estão intimamente relacionados ao grau de observabilidade e verificabilidade do contrato. E é justamente neste ponto que se pode entender qual a específica utilidade das informações no âmbito dos contratos administrativos.
183 Xxxxxxxx, Xxxxxx X. Optimal Contracts and Competitive Markets with Costly State Verification, p. 266.
3.4 Utilidade da Informação na Execução dos Contratos Administrativos
Repisando o que já visto anteriormente no presente capítulo, tem-se que as informações são úteis pois auxiliam na tomada de decisões, reduzem o leque de incertezas e conduzem o tomador de decisão para mais próximo da escolha ótima. Dada a sua importância, a informação foi reconhecida como um recurso valioso, sendo capaz de interferir nos mercados e nas relações de agência, inclusive levando os agentes à adoção de comportamentos estratégicos. Resta agora definir a utilidade da informação especificamente no âmbito da execução dos contratos administrativos. Em outras palavras, para que serve ao contraente público adquirir mais informação no seio dos contratos?
Uma boa informação é a força vital de uma governança eficaz. Os decisores públicos devem operar em ambientes incertos onde a escolha ideal depende – muitas vezes substancialmente – de informação sobre as prováveis consequências das diferentes linhas de ação. Não se quer dizer que decisões públicas devam ser meramente tecnocráticas. Também não se defende que evidência relevante seja apenas quantitativa, de uma visão estritamente utilitarista. A escolha de um decisor deve depender da qualidade e do conteúdo da informação que lhe é disponibilizada184. Preconiza-se, portanto, que a boa administração deve ser uma administração baseada na melhor evidência possível.
Informação acrescenta valor na cadeia de produção 185 . A entrega da Administração Pública à sociedade – ou seja, a sua finalidade – é a satisfação das necessidades coletivas. Quando o contraente público adquire informação no seio dos contratos, o faz com o objetivo de acrescentar valor nesta cadeia de atos que tem como meta a satisfação do interesse público. A informação é a força vital da política reguladora e das políticas públicas. O uso efetivo do poder governamental depende da informação sobre as condições no mundo, estratégias para melhorar essas condições e as consequências associadas à implementação de diferentes estratégias186.
No momento em que a Administração Pública firma um contrato administrativo, é natural que tenha o interesse de que este contrato caminhe até o seu fim. Afinal, quando define o clausulado, as prestações e o objeto do contrato, a
184 Xxxxxxxxxx, Xxxxxxx X. Information Acquision and Institutional Design, p. 1423.
185 Xxxxx, Xxxxx; Xxxxxxxx, Xxxxxx. Principles of Information Systems, p. 47.
186 Xxxxxxxxxx, Xxxx; Xxxxxxxxxx, Xxxxxxx; Xxxxxx, Xxxxxx. Seeking Truth for Power: Informational Strategy and Regulatory Policymaking, p. 277.
Administração Pública o faz em nome e no interesse de satisfazer as necessidades coletivas. Portanto, entende-se que é do interesse coletivo que as prestações sejam corretamente adimplidas. De outro lado, também almeja a Administração Pública que o contrato seja atual, isto é, que corresponda às pretensões da coletividade naquele determinado momento histórico. Caso as pretensões da coletividade se alterem, deve o contrato – notadamente aqueles de longo prazo ou nas hipóteses de contingências imprevistas – também alterar o seu clausulado, a fim de mimetizar ao máximo a satisfação do interesse público. Por fim, é do interesse da Administração Pública que o contrato administrativo seja o mais eficiente possível. Xxxxxx, a gestão pública implica tomada de decisão com o dinheiro de outrem, e por isso mesmo há uma responsabilidade reforçada no sentido de se deixar de lado os caprichos, as aventuras e exageros (próprios da liberdade privada) e pautar-se pela sobriedade, pela melhor técnica e pela sensatez. Trata-se de patrimônio público, ou seja, produto do esforço difuso de toda a sociedade e entregue a um terceiro (a Administração Pública) para que o aplique da melhor forma possível na consecução dos fins da coletividade.
Em síntese, é objetivo da Administração Pública, no seio da execução dos contratos administrativos, garantir o adimplemento das prestações e buscar com que este seja o mais atual e mais eficiente possível. Em troca da confiança que a sociedade lhe deposita, o produto que a Administração Pública entrega – sob a lente da execução dos contratos administrativos – é um contrato adimplido, atual e eficiente.
A informação, por sua vez, agrega valor a esta entrega, pois auxilia nas tomadas de decisão inerentes a esta cadeia de acontecimentos. Em geral, no desenvolvimento da execução contratual, existem demandas de tomada de decisão das seguintes ordens: (a) quanto à garantia de adimplemento do contrato; (b) quanto à prorrogação do contrato; (c) quanto à rescisão unilateral do contrato; (d) quanto à modificação do contrato; e (e) quanto à resolução de conflitos. Tais tomadas de decisão devem se basear na melhor evidência possível, ou seja, estarão tanto mais próximas da escolha ótima quanto mais bem informadas forem.
Inicialmente, tem-se que o contraente público não pode firmar o contrato e, logo após, entregá-lo à total mercê do contratado. Toda contratação faz surgir o risco do inadimplemento, e tratando-se de interesse público, não pode a Administração Pública assumir este risco e nada fazer a respeito. Ao contrário, cabe a ela reduzir o risco do inadimplemento ao nível ótimo, zelando pelo interesse da coletividade mesmo após a adjudicação do contrato. Em outras palavras, a contratação de uma
necessidade pública não exime o poder público de suas responsabilidades, o qual continua a responder pela não satisfação do interesse coletivo. Neste ínterim, deve o contraente público tomar decisões sobre como proceder à fiscalização do contrato, ou seja, como garantir um grau de observabilidade aceitável. Posteriormente, observado eventual inadimplemento, deve o contraente público decidir sobre qual a sua resposta perante a situação.
A resposta da Administração Pública perante o inadimplemento do contrato nem sempre é óbvia. A um, pelo fato de que o contrato, muitas vezes, prevê um leque de sanções contratuais, de gravidade escalonada, as quais devem ser aplicadas a depender da gravidade do inadimplemento correspondente. A dois, em razão de a hipótese de sanção contratual, nem sempre, se mostrar a melhor solução. Imagine-se que o inadimplemento decorreu de uma crise econômica generalizada, o qual afetou não só o contratado, mas vários atores do cenário econômico local. É possível que, mesmo após o inadimplemento, o contratado demonstre que este se deu por forças alheias à sua vontade, bem como que está se esforçando para sair da crise e retomar as suas normais atividades. Qualquer sanção, neste cenário, poderia agravar a situação do contratado e levá-lo à falência, prejudicando o interesse público. É de se pensar, nestas hipóteses, que mesmo à revelia da disposição contratual, pode ser de interesse público o afastamento da sanção187. A três, é possível que o inadimplemento revele a necessidade de renegociação do contrato, a exemplo, nos casos de incumprimento eficiente188 sob a ótica do contratado. Dito isto, pode-se afirmar que a tomada de decisão a fim de garantir o adimplemento do contrato, ante o leque de opções e sua complexidade, deve ser uma decisão informada, sob pena de incorrer em ineficiência.
Em segundo lugar, não raro a Administração Pública é chamada a tomar decisões quanto à prorrogação ou não dos contratos administrativos. É comum que tais contratos, notadamente aqueles de longo prazo, estabeleçam um período de vigência, bem como a possibilidade de renovação deste período – com ou sem limites de quantidade de renovação. Em regra, os ordenamentos jurídicos exigem que o ato administrativo seja motivado. Nestes casos, o ato de prorrogação deve estar fundamentado em evidências que comprovem que o contrato foi suficientemente adimplido no passado, bem como que continua sendo atual e eficiente; ou seja, que ainda é de interesse da sociedade a sua manutenção. Desprovida de informações, a
187 Xxxxxxxxx, Xxxxx. Gestao de Contratos Publicos em Tempo de Crise, p. 5 ss.
188 Xxxxxx, Xxxxxxxx. Teoria Econômica do Contrato, p. 747.
Administração Pública jamais conseguirá fundamentar de forma adequada o ato de prorrogação de um contrato muito longo. Imagine-se, por exemplo, um contrato com prazo de vinte anos, prorrogável por mais vinte; contratos de longo prazo demandam da Administração Pública a capacidade de coletar informações quanto ao histórico da performance do contrato, bem como de resgatar estas informações quando necessário
– a exemplo, na hipótese de avaliar a conveniência de sua prorrogação. É preciso, no caso, avaliar a oportunidade de recontratar em relação ao prolongamento da relação já existente. Ausente um histórico dos acontecimentos, com informações estruturadas, dificilmente o administrador público conseguirá guiar sua tomada de decisão de forma coerente.
Ainda, a aquisição de informação tem como finalidade subsidiar as tomadas de decisão da Administração Pública no que tange à modificação dos contratos administrativos. Seja por fatos supervenientes, imprevistos ou imprevisíveis, seja pela necessidade de manter o contrato atual e eficiente, é possível que a Administração Pública, no uso dos poderes de conformação, modifique unilateralmente o clausulado contratual. A modificação unilateral dos contratos é especialmente importante naqueles contratos de longo prazo, os quais tem a maior chance de sofrem contingências imprevistas ou imprevisíveis, bem como de, com o passar do tempo, se revelarem desatualizados ou ineficientes. É possível que, com o tempo, as necessidades públicas se transformem, sendo que as necessidades da época da adjudicação do contrato, e que naquele tempo serviram de base para a estipulação das obrigações, não mais correspondam àquelas da época da sua execução. Caso esse anacronismo venha a ocorrer, é interessante que a Administração Pública reflita sobre a necessidade de realinhamento das obrigações contratuais. Da mesma forma, esse novo direcionamento pode ocorrer com a finalidade de se perquirir eficiência; é o caso, por exemplo, do surgimento de uma nova técnica, a qual traria maior economia à performance do contrato. Para tomadas de decisão quanto à modificação unilateral do contrato é igualmente preciso que a Administração Pública sustente o seu ato na melhor evidência possível, avaliando as informações disponíveis quanto à situação atual e a nova que se propõe. Inclusive, no caso de modificação do clausulado, o desenho da nova proposta será melhor definido com base nas evidências do caso concreto.
Por todos os motivos narrados no parágrafo anterior, é possível que a Administração Pública, ao invés de modificar o clausulado, entenda que a melhor
alternativa possível seja a derrocada do contrato. Também na rescisão unilateral é necessário que a Administração Pública tenha informações que possam subsidiá-la na tomada de decisão. Não só no sentido de fundamentar o ato administrativo rescisório, mas principalmente na capacidade de enxergar que a rescisão, no caso, é a melhor alternativa possível. Pensar em rescisão significa calcular os custos do recontrato, da interrupção da performance atual, e da janela de oportunismo que se abre entre a revelação da intenção de rescindir e o efetivo desligamento do então contratado da atividade de interesse público. Afinal, ao ficar ciente do seu possível desligamento e ausente a expectativa de nova contratação, é provável que o contratado oportunista se posicione de forma estratégica, egoísta, e lesiva ao interesse coletivo.
Por fim, o desenvolvimento da execução dos contratos demanda tomadas de decisão quanto aos eventuais conflitos que possam surgir. O risco de litígios, em maior ou menor medida, existe em todas as relações humanas. Na seara dos contratos, quanto mais complexo este for, maior o risco de ocorrerem litígios. Quando se instalam duas ou mais pretensões resistidas a performance do contrato pode ficar altamente comprometida. Principalmente se a situação não puder ser resolvida entre os envolvidos e clamar pela interferência de um terceiro adjudicador. O litígio que, para ser solucionado, demanda a intervenção de um tribunal, implica tempo desperdiçado, custas processuais, gastos com advogados, dentre outras despesas. Além disso, o risco da inverificabilidade por parte do terceiro adjudicador é sempre uma incerteza perniciosa. Diante do exposto, cabe ao contraente público adotar medidas que: (a) reduzam a quantidade de litígios que possam surgir; (b) crie meios de autocomposição dos conflitos que porventura ocorram. O surgimento de litígios depende muito do ambiente de trabalho, bem como da adequada comunicação entre os envolvidos, a qual tem de ser clara e sem ruídos. Para a criação de um ambiente propício ao bom trabalho e um canal de comunicação eficiente é preciso que o tomador de decisão adquira informação quanto às circunstâncias então existentes. Sem informação não é possível identificar os pontos críticos para que sejam posteriormente trabalhados.
Em síntese, pode-se dizer que a aquisição de informação durante a execução dos contratos administrativos é útil ao contraente público para orientá-lo nas tomadas de decisão, em especial quanto: (a) à garantia de adimplemento do contrato; (b) à prorrogação do contrato; (c) à rescisão unilateral do contrato; (d) à modificação do contrato; e (e) à resolução de conflitos. Caso identifique a insuficiência das
informações disponíveis, deve o contraente público adotar providências (meta- decisão) no sentido de criar mecanismos de informação que tragam mais subsídios para as suas escolhas.
Ante o exposto, é possível dizer que, em regra, a utilização dos poderes de conformação carecerá de informações que os possam subsidiar. Quanto mais complexa a relação contratual, mais demandará a aquisição de informações. Xxxxxx, a tomada de decisão quanto ao uso dos poderes legais de conformação, tal como as demais tomadas de decisão, deve ser uma decisão informada. Neste ínterim, é de se perguntar: é válido afirmar que a solução para o problema informacional são os poderes de conformação, uma vez que estes também dependem de informação? A pergunta, posta dessa forma, apresenta-se como um paradoxo.
Se o problema da relação contratual é a escassez de informação, e a boa utilização dos poderes de conformação também depende de informação, não se pode dizer, ao menos de plano, que esta seja a solução daquela. Sob este prisma, a pergunta anteriormente posta – qual seja, se os poderes de conformação são suficientes para superar o problema informacional na execução dos contratos administrativos – não se mostra válida, pois não faz o devido enquadramento do problema. Desconsidera-se a premissa de que a informação também é necessária à utilização dos poderes de conformação e, por isso mesmo, deve ser enfrentada de forma distinta dos demais problemas relativos à relação contratual.
De toda forma, perde significado a presente discussão quando se tratar de contratos singelos, de prestações simples. Por isso mesmo, será analisada, no próximo item, a complexidade das relações contratuais, e como a aquisição de informação se apresenta como um processo limitado. Em seguida, será resgatado o assunto do enquadramento do problema, bem como apontada a forma como deve ser enfrentado o tema da informação.
4 Aquisição de Informação Como um Processo Limitado
Um dos pontos centrais do presente trabalho reside na assunção de que a observabilidade da execução dos contratos é um processo limitado. Não se pode presumir que o contratante tenha plenas condições de observar toda a execução do contrato, à medida em que as prestações são executadas. De fato, em alguns contratos
mais simples, de prestação instantânea e arranjo obrigacional singelo, a observabilidade tende a ser perfeita. Mas não é sempre assim.
O grau de complexidade de um contrato é variável, em razão de diversos fatores. Quanto mais complexo for o contrato, maiores serão os custos de se adquirir informação. Estes custos, em contratos mais simples, tendem a zero; mas não é o que ocorre em contratos complexos. Por vezes, os custos de se adquirir informação serão tão altos que a conduta ótima apontará para a não aquisição de mais informação. Xxxxxx, não se pode pensar em informação a qualquer custo, sob pena de incorrer em um comportamento deletério; não raro, os custos de adquirir informação perfeita podem superar o valor do próprio contrato.
Além disso, faz-se necessária outra constatação. Toda informação é essencialmente “humana”189, no sentido de que somente há informação por meio da observação humana. O fenômeno da informação é intrínseco à pessoa humana, à sua capacidade de observação e de comunicação por meio da linguagem; somente tem sentido à vista de um sistema de comunicação, o qual envolve um emissor e um receptor, essencialmente humanos.
Dada esta condição “humana” da informação, existem características ínsitas ao comportamento da pessoa que devem ser levadas em consideração na análise da observabilidade dos contratos: trata-se dos incentivos e vieses que afetam o comportamento humano. Novos estudos sobre tomadas de decisão e irracionalidade levam a crer que: (a) toda escolha deriva da estrutura de incentivos disposta ao tomador da decisão; e (b) o comportamento humano não é plenamente racional, sofrendo interferência de vieses. Desta feita, considerando que a observabilidade do contrato depende da transmissão de informações, e considerando que o fenômeno da informação é essencialmente humano, os limites da observabilidade perpassam pela análise dos incentivos e vieses que conformam o comportamento do agente.
Nesta linha, Xxxxxx X. Xxxxxxxx, na obra Relational Exchange: Economics and Complex Contracts190, traz importante lição:
Existem três constatações significantes sobre o mundo real que, de tão óbvias, apenas um economista se sentiria compelido a reconhecê-las e explicitá-las. Primeiro, que as pessoas não são oniscientes; as informações
189 Xxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx. Economia da Informação, p. 166.
190 Xxxxxxxx, Xxxxxx X. Relational Exchange: Economics and Complex Contracts, p. 338-339.
que possuem são imperfeitas e improváveis a custo zero. Segundo, nem todas as pessoas são santas o tempo todo; à medida que as relações se descortinam vão surgindo oportunidades para que uma das partes ganhe vantagem sobre a vulnerabilidade da outra, para que adotem comportamentos estratégicos, ou para que persigam seus interesses próprios à custa da outra parte. Os atores, ocasionalmente, comportam-se de forma oportunista. Terceiro, as partes não podem, necessariamente, confiar que pessoas estranhas à relação conseguirão impor a fiel execução do contrato a baixo custo e de forma acurada.191
Em suma, tem-se o claro reconhecimento de que a observabilidade dos contratos é um processo limitado pelos custos de aquisição da informação, pelos incentivos dispostos para cada um dos agentes, bem como pelos vieses que afetam o comportamento humano. Quanto mais complexo for o contrato, maiores serão os custos, e mais sofisticados serão os incentivos e vieses existentes.
A fim de aprofundar o assunto, o presente capítulo será dedicado aos limites do processo de observabilidade, consubstanciados nos custos de aquisição da informação, bem como nos incentivos e vieses do comportamento humano. Posteriormente, serão abordados fatores que tornam as relações contratuais complexas, e consequentemente incrementam os limites da observabilidade.
4.1 Limites à Observabilidade
Conforme visto acima, a capacidade do contraente público de observar o adimplemento das prestações do contrato é limitada, sendo ingênuo presumir uma observabilidade plena, notadamente nos contratos complexos. São limites à observabilidade da execução do contrato os custos de aquisição da informação, a estrutura de incentivos disposta a cada um dos agentes, bem como os vieses que afetam o comportamento humano. A seguir, serão explorados cada um destes limites.
4.1.1 Custo da Informação
O contrato é instrumento por meio do qual o principal transfere a um terceiro, o agente, a satisfação de uma determinada necessidade sua (do principal), mediante um preço. Quando assim o faz, transfere ao agente a execução direta da atividade, e consequentemente o domínio sobre as informações dessa atividade.
191 Tradução livre do autor.
Assim, tem-se que o contrato significa a renúncia ao poder de conduzir diretamente a execução de determinada atividade, cujas informações ficarão a cargo de outrem. Caso pretenda ter acesso a essas informações, deve o contratante recorrer a mecanismos de aquisição de informação; isto é, devem ser utilizados meios adequados que permitam que a informação seja transmitida do seu detentor originário, o agente, para o principal, aquele interessado na fiel execução do contrato.
Ocorre que a utilização dos mecanismos de aquisição de informação, muitas vezes, possui um custo. Tratando-se de contratos simples, de curto prazo, de prestação instantânea, e cujo objeto seja comum, o custo pode ser ínfimo. De outro lado, à medida que o contrato se mostra mais complexo, é possível que os custos de aquisição de informação se avultem, podendo atingir patamares elevados.
Do ponto de partida no cenário da execução dos contratos administrativos o contraente público, parte menos informada, apenas conhece as suas preferências, refletidas (ainda que de forma imperfeita) no clausulado contratual firmado. As demais informações que almeja – quanto ao adimplemento do contrato, quanto ao esforço empregado pelo contraente privado, quanto às variáveis externas que afetam a performance do contrato – encontram-se dispersas, difusas no ambiente e entre todos os atores. A partir daí, o contraente público buscará recolher informações adicionais, que lhe deem subsídio para futuras tomadas de decisão – tais como prorrogação do contrato, aditamento do contrato, formas de redução de litígios ou rescisão antecipada do contrato. A recolha destas informações, todavia, é presumivelmente onerosa192. Logo, qualquer mecanismo que auxilie o contraente público na aquisição de informação possui para ele um significativo valor econômico.
Considerando o valor das informações para futuras tomadas de decisão, existe um incentivo claro para que o contraente público adquira novas informações durante a execução contratual. Ressalve-se que, além do incentivo de buscar informações a serem transmitidas pela contraparte, haverá também incentivo para que o contraente público produza suas próprias informações 193 . Nesta seara, o que existe é uma verdadeira indústria da informação: diversas são as agências que lucram com a recolha e análise de dados, previsões econômicas, elaboração de relatórios especializados, jornalismo profissional, dentre outros.
192 Xxxxx, Xxxxxxx X. Limited Knowledge and Economic Analysis, p. 7.
193 Idem, p. 7.
O custo da informação na tomada de decisões é um dos elementos que compõem os denominados custos de transação, ou custos de organização, quais sejam, os custos de funcionamento de um sistema econômico. Distinguem-se dos custos “reais” ou custos substantivos, os quais se identificam, por exemplo, com os custos de produção ou custos de transporte194.
Nas palavras de Xxxxxxxx Xxxxxx 195 , quanto à definição dos custos de transação, segue a lição:
Lembremos que, por definição, “custos de transação” são todos aqueles em que se incorre na troca de utilidades e na afectação comutativa de recursos, quando se busca uma contraparte, se negoceia com ela, se prevêem e supervisionam as contingências do cumprimento, etc. – sendo que se podem subsumir a essa categoria mais geral, entre tantos outros, os custos de busca de oportunidades de troca, os custos de determinação dos preços relevantes e de identificação das partes interessadas, os custos de negociação, os custos de definição dos direitos em jogo, os custos de elaboração e de cumprimento dos contratos, custos de coordenação nos processos de decisão colectiva, custos de motivação na aplicação de tempo escasso a prossecução de interesses (...).
Na mesma linha, ensina Xxxxxxx X. Arrow196 que os custos de transação são afetos a qualquer tipo de mercado, e a qualquer tipo de alocação de recursos. Quando, em um determinado caso particular, os custos de transação são tão altos que inviabilizam a própria existência do mercado em si, diz-se que existe uma falha de mercado. Os custos de informação e de comunicação – inclusive o fornecimento e o aprendizado de termos utilizados durante a execução das trocas – são espécie de custos de transação, os quais podem ser tão altos que se revelem como falhas de mercado e inviabilizem a sua existência (do mercado).
Nenhum economista pode negar que grande parte de um sistema de produção possui o contributo da manipulação de símbolos – ordens por telefones, discussões em conferências, tráfego de papeis, ou mesmo a performance de uma simples tarefa a ser
194 Xxxxx, Xxxxxxx. The Cost of Communication in Economic Organization, p. 530.
195 Xxxxxx, Xxxxxxxx. Introdução à Economia, p. 553.
196 Xxxxx, Xxxxxxx X. The Organization of Economic Activity: Issues Pertinent to the Choice of Market versus Non-market Allocation, p. 12.
executada por um trabalhador ordinário 197 . A produção de toda essa informação depende das escolhas feitas entre as partes, e envolve custos e delays. Ainda, é preciso considerar que em um sistema de informação haja ruídos, e que a informação que chega ao destinatário é limitada198.
Conforme ensinamentos de Xxxxx Xxxxxxxx 199 , o processo de tomada de decisão informada passa por três etapas, quais sejam: (a) inquirição, ocasião em que se dá a recolha de dados; (b) comunicação, consubstanciada na troca de mensagens; e
(c) decisão, ou seja, escolha das ações que serão adotadas com base nas mensagens recebidas. Ainda, a etapa de comunicação pode ser entendida em dois momentos diferentes, são eles: (1) os serviços de codificação e decodificação da mensagem, os quais muitas vezes são feitos pela própria pessoa humana; e (2) o serviço de transmissão da mensagem, o qual é geralmente executado por um equipamento inanimado. Segundo o autor, os custos da informação são inerentes a cada uma das etapas acima citadas 200 , ou seja, verifica-se onerosidade em todos os níveis do processo de comunicação.
A transferência da informação é, acima de tudo, uma engenharia; se dá por um canal de transmissão, o qual possui capacidade limitada, bem como existe a possibilidade de a transmissão ser distorcida por um ruído externo201. Ademais, no que toca ao seu aspecto semântico, toda mensagem possui um significado, o qual deve sustentar-se durante o processo de codificação e decodificação da mensagem. Isto posto, infere-se que não se trata de um processo livre de atritos. Ao contrário, a transmissão da informação encontra fricção e imperfeições, sendo que a adequada comunicação entre partes interessadas acarreta onerosidades.
Sendo assim, há de se reconhecer que a aquisição de informações durante a execução do contrato possui um custo, denominado custo da informação. Caso este custo seja excessivamente alto, a aquisição de mais informação pode ser ineficiente, ocasião em que o tomador de decisão terá de proceder às escolhas tão somente com as informações que estão à sua disposição, ainda que estas não sejam todas as informações. Desta feita, os custos da informação limitam a observabilidade do
197 Xxxxxxxx, Xxxxx. Economics of Information Systems, p. 192.
198 Idem, p. 193.
199 Xxxxxxxx, Xxxxx. Economics of Inquiring, Communicating, Deciding, p. 2.
200 Xxxxx, Xxxxxxx. The Cost of Communication in Economic Organization, p. 530.
201 Xxxxxxxx, Xxx; Xxxxxx, Xxxxxx. Information Economics, p. 14-15.
contraente público, e pode levá-lo a decidir sem ter acesso a informações plenas, sendo esta a sua opção ótima.
4.1.2 Incentivos
Outro fator que impõe limites à observabilidade da execução dos contratos, notadamente nos contratos administrativos, é a estrutura de incentivos disposta para cada um dos agentes envolvidos no cenário.
Isto porque a aquisição de informações pelo contraente público durante o desenvolvimento da relação contratual depende de mecanismos de comunicação que consigam levar informações valiosas até ele (o contratante). As informações, por sua vez, são recursos essencialmente humanos202, e dependem de pessoas para que a comunicação aconteça. À luz dos sistemas de informação, tal como lecionado por Xxxxxx X. Shannon 203 , as etapas de codificação e decodificação da mensagem dependem geralmente de seres humanos. Se a comunicação depende das pessoas, sujeita-se à ação humana, pode-se afirmar então que sua realização está encerrada nas mesmas condições que circundam o comportamento das pessoas.
Seres humanos não são infalíveis, não são perfeitos. Ademais, não se pode esperar que executem irrestritamente aquilo que, por lei, contrato ou qualquer outra norma, seja da sua obrigação. O comportamento humano não é legal, ético e moral o tempo todo. Ao contrário, por vezes o comportamento humano norteia-se pelo interesse próprio, e atua de maneira egoísta. Reiterando o quanto afirmado por Xxxxxx
P. Xxxxxxxx, “not all people are saints all of the time”204.
Ao invés de pressupor que o comportamento humano seja pautado a todo tempo pelos moldes da lei, da ética e da moral, o melhor entendimento atualmente é no sentido de que o comportamento é determinado por uma estrutura de incentivos. Trata-se de uma análise centrada na pessoa, nas suas condições concretas, e naquilo que de fato é; afasta-se, portanto, de uma análise pautada exclusivamente no dever ser, que desconsidera as agruras da conjuntura humana. Fato é que existe, para todos os indivíduos, a depender de suas condições e circunstâncias, uma arquitetura de incentivos que guiam as suas escolhas. Assim, no âmbito da teoria das decisões, fala- se atualmente em arquitetura da escolha.
202 Xxxxx, Xxxxxx X. X. Ferin. Informação e informações, p. 47.
203 Xxxxxxx, Xxxxxx. A Mathematical Theory of Communication,, p. 2.
204 Xxxxxxxx, Xxxxxx X. Relational Exchange: Economics and Complex Contracts, p. 338-339.
Uma regra imposta à pessoa não determina definitivamente o seu comportamento. Regras não alteram a realidade; o que altera a realidade é o comportamento humano. Uma determinada regra nada mais é, para o agente, do que um incentivo dentro de um leque de vários outros incentivos. A regra, como incentivo que é, pode ser determinante ou não, a depender da arquitetura como um todo. À luz desta análise, a conformação do comportamento humano não passa tão somente pela criação de uma obrigação impositiva de determinada conduta, mas sim, carece antes da seguinte reflexão: qual incentivo deve ser criado, eliminado, ou alterado, a fim de que a arquitetura de incentivos conduza o comportamento humano à escolha desejada?
No que tange à aquisição de informação durante a execução dos contratos, tem-se que os sistemas de comunicação dependem, essencialmente, de pessoas. A transmissão de uma mensagem depende de um emissor e um receptor. No que toca à observabilidade do desenvolvimento da relação contratual nos contratos administrativos, o receptor da mensagem (principal) será o contraente público. O emissor da mensagem (agente), por sua vez, assume uma gama variada de possibilidades, o qual pode ser o contraente privado (ex. obrigação contratual de prestar informações periódicas mediante elaboração de relatórios), um terceiro profissionalizado na venda de informações (ex. empresa privada especializada na medição de obras, contratada para acompanhar a obra de uma escola pública), um usuário do serviço público (ex. pesquisa de satisfação realizada entre os usuários do serviço público prestado pela concessionária de energia elétrica), ou mesmo um empregado do contraente público (ex. agente público designado como fiscal do contrato), dentre outros.
O grande problema aqui existente é que nem sempre os incentivos do receptor da mensagem (principal) estarão alinhados com os incentivos do emissor da informação (agente). Considerando a existência de custos de agência, certamente o agente, que possui vantagem informacional sobre o principal, terá condições de impor elevados custos de agência ao esforço do principal de obter informações relativas à performance do contrato e dos resultados obtidos. Importante destacar que quanto mais incertos forem os resultados de um contrato e quão maior a dificuldade de mensurá-los, maior será a resistência que o agente poderá opor à obtenção de informações pelo principal. Essa dificuldade é ainda mais latente naqueles contratos complexos em que não existem indicadores claros para mensurar os resultados
obtidos com a execução contratual 205 . Contratos envolvendo serviços são especialmente difíceis de serem mensurados. Contratos de transporte, por exemplo, os quais devem garantir segurança, conforto e agilidade, são de difícil medição. Algumas reflexões são valiosas para ilustrar a problemática: como se mede o grau de conforto de um serviço de transporte prestado pela concessionária? E o grau de segurança? E a agilidade? Tais medições dependem de indicadores, os quais devem, preferencialmente, ser fixados no próprio clausulado contratual. É de grande importância a construção de indicadores de resultados adequados, claros e transparentes; caso contrário, os custos impostos à contratante para garantir a observabilidade do contrato podem ser ainda maiores206.
Em uma relação de agência, o problema básico se resume no fato de que o principal almeja que o agente trabalhe arduamente, entretanto, o agente muitas vezes não deseja todo esse trabalho árduo. Ainda, o que torna a situação mais complexa, muitas vezes o principal possui dificuldades, quando o resultado advindo do contrato é insuficiente, de identificar se o baixo resultado observado é fruto do parco esforço do agente ou de um evento exógeno que, de forma imprevista e independente, influiu negativamente na performance207.
No caso de informações incompletas, o principal possui duas opções. De um lado, pode o principal tentar buscar informações quanto ao comportamento do agente, e assim recompensar o esforço empregado. Esta hipótese requer mecanismos de controle da conduta do agente, que sejam capazes de mensurar a quantidade de esforço empregado. De forma alternativa, pode o principal recompensar o agente com base nos resultados do trabalho. A medição dos resultados pode substituir a medição do esforço, todavia, não existe uma correspondência direta e perfeita entre ambos. Não raro, o resultado do trabalho independe do esforço do agente, pois pode sofrer interferências externas e independentes de sua vontade. Em outras palavras, bons resultados podem advir de parcos esforços, ao mesmo tempo em que resultados indesejáveis podem ocorrer apesar de um grande e dedicado esforço. Quando o principal opta pela segunda opção (recompensa pelo resultado) ao invés da primeira (recompensa pelo esforço), o que ocorre é a transferência do risco da atividade para o
p. 553.
205 Xxxxxxx, Xxxxxx. Direito e economia da Infraestrutura, p. 76.
206 Idem, p. 76.
207 Xxxxxxxx, Xxxxxx X. Incentives, risk, and information: notes towards a theory of hierarchy,
agente. Esta transferência impacta na estrutura de incentivos existentes no cenário, gerando reflexos no comportamento das partes. A escolha ótima, no caso, depende de uma análise entre os custos de mensuração do esforço do agente, os custos de mensuração do resultado da atividade, e os custos da transferência dos riscos da atividade para o xxxxxx000.
Em razão de problemas informacionais, os quais estão presentes em todas as situações de agência, o principal não consegue retribuir o agente de forma diretamente proporcional ao seu esforço, recompensando aquele que trabalhou arduamente e penalizando aquele que não manteve uma boa performance. Caso o salário a ser pago ao agente seja uma quantia fixa, o agente tende a engajar pouco esforço no exercício da sua atividade; a este efeito denomina-se risco moral. O risco moral por parte do agente implica perda de eficiência, a qual é denominada custo de agência. A existência de custos de agência é justamente o fator que impede o pagamento de salários em quantia fixa ser a escolha ótima (first-best) por parte do principal; em razão dos custos de agência, cabe ao principal buscar outros meios (second-best) de remunerar os seus agentes209.
Em um cenário ideal de relação de agência com possibilidade de aquisição plena de informações, a opção ótima para o principal seria remunerar o agente com um salário fixo, cujo valor do salário seria equivalente ao valor do esforço empregado; em retorno, o principal espera que o agente empregue este grau de esforço equivalente no exercício da sua atividade. Contudo, no mundo real, ante a existência de custos de agência, o cenário é outro. Não se pode contar com a existência de informações plenas, sendo que o real esforço empregado pelo agente muitas vezes não é de conhecimento do principal; cabe ao agente, portanto, revelar a informação.
Assim sendo, é recomendável ao principal que também exerça uma atividade de supervisão, bem como que a cooperação entre principal e agente seja alcançada por meio de um sistema de recompensas e punições. Tal sistema visa, justamente, criar para o agente uma estrutura de incentivos adequada, que o leve ao comportamento desejado. Contudo, há de se ressalvar que a supervisão da atividade do agente possui limites críticos.
208 Eisenhardt , Kathleen M. Control: Organizational and Economic Approaches, p. 136-137.
209 Xxxxxx, Xxxx X. Agency Models in Law and Economics, p. 4.
De um lado, a efetividade da supervisão por parte do principal depende de um sistema de recompensas e punições, o qual pode viabilizar e sustentar uma cooperação saudável entre as duas partes. De outro lado, essa atividade de supervisão também possui os seus limites: (a) é possível que os custos da supervisão e suas características afetem a produção, uma vez que, quando supervisiona, o principal interfere na atividade que está sendo desempenhada pelo agente; (b) a supervisão do agente pelo principal depende de uma clareza das ações que podem ser adotadas pelos subordinados, tipicamente limitadas à dicotomia trabalho realizado / trabalho não realizado, encerrada em uma escala unidimensional entre o adimplemento das obrigações ou inadimplemento; contudo, nem sempre o mundo real se mostra tão simples, uma vez que existem várias reações por parte do agente quando este pretende eximir-se do cumprimento de uma regra, por exemplo, por meio da sabotagem da atividade, ou pela estratégia de “go slow”, isto é, impondo lentidão forçada à execução; (c) dificilmente os métodos de supervisão, recompensa e punição, conseguem levar em consideração as variações na disposição dos subordinados para o trabalho ou para a fugir de suas obrigações, o que pode conduzir a iniquidades; muitas vezes há uma generalização de todos os subordinados, com a pressuposição de que preferem alijar-se do trabalho, salvo perante um pagamento extra em razão de seu esforço210.
A atividade de supervisão é uma atividade onerosa, sendo que os recursos para tanto devem ser sabiamente alocados. Muitas vezes, o supervisor não possui condições de supervisionar todos os subordinados, devendo eleger apenas alguns sobre os quais depositará os seus esforços. Essa escolha, por sua vez, tende a ser uma decisão sob incerteza. Ainda, é possível que o supervisor, mesmo observando a atividade do subordinado, não consiga identificar se aquela ação constitui uma performance adequada ou não, notadamente naqueles casos em que a atividade é de alta especialidade técnica ou científica211. Limites de tempo e de informação são verdadeiras barreiras a uma atividade de supervisão, a qual não pode, por isso mesmo, ter a pretensão de ser plena.
Ainda na linha das dificuldades de observabilidade da execução dos contratos em razão da divergência de incentivos, podem ser elencadas duas circunstâncias que
210 Xxxxx, Xxxx; Xxxxx, Xxxxx. Working, Xxxxxxxx, and Sabotage: Bureaucratic Response to a Democratic Public, p. 26-27.
211 Idem, p. 42.
obstam a mensuração do valor do resultado advindo do esforço do agente: (a) quando o agente trabalha como integrante de uma equipe, e apenas o resultado do esforço da equipe pode ser observado; (b) quando o resultado físico do esforço do agente pode ser observado, todavia, não existe preço de mercado para este componente isolado, o que impede o principal de se nortear quanto ao valor do esforço ali dedicado – é o típico caso de produções muito especializadas, em que existe um valor de mercado para o resultado final, contudo, não existe preço de referência para cada etapa ou componente do processo de produção 212 . Nestas circunstâncias, o agente possui melhores condições de identificar o real valor do seu esforço – isoladamente considerado dentro de um processo de produção – do que o principal; logo, o agente obviamente terá incentivos de informar o principal quando da execução de uma tarefa difícil, entretanto, não terá os mesmos incentivos de informar a execução de uma tarefa singela e de fácil realização213.
Em suma, pode-se afirmar que a observabilidade da execução dos contratos é um processo limitado, dentre outros motivos, pela estrutura de incentivos que circundam e conformam o comportamento dos atores envolvidos no cenário. A partir do momento em que os incentivos daquele que tem a obrigação de emitir a mensagem não convergirem com os incentivos daquele que aguarda e depende do recebimento da mensagem, é possível que a mensagem que deveria ser enviada (a) jamais chegue no seu destino, que (b) chegue fora do tempo devido, ou que seja (c) transmitida de forma distorcida. A atividade de supervisionar o emissor da mensagem, por sua vez, é uma atividade limitada, e pode não ser suficiente para corrigir a estrutura de incentivos e garantir a transferência das informações da forma como se espera.
4.1.3 Vieses
Outro fator que impõe limites à observabilidade da execução dos contratos são os vieses aos quais estão submetidos o comportamento humano. Mais uma vez faz-se aqui a observação de que a informação é essencialmente humana. A informação existe a partir do momento em que existe a cognição humana, a forma do ser humano de enxergar e entender o mundo, bem como de relacionar-se com outros seres humanos.
Toda mensagem é um sinal que reflete um conhecimento, uma impressão, um juízo de valor. A comunicação está consubstanciada na troca de sinais, os quais
212 Xxxxxxxx, Xxxxxx X. Incentives, risk, and information: notes towards a theory of hierarchy,
p. 566.
213 Idem., p. 566.
buscam transmitir conhecimentos, impressões e julgamentos de uma pessoa a outra. Ocorre que seres humanos não são máquinas perfeitas, dotadas de processadores poderosos, capazes de entender o mundo e traduzi-lo com facilidade. Xxxxxx-se aquele que pensa que a pessoa e a mente humana conseguem: (a) absorver informações plenas sobre tudo que está ao seu redor; (b) armazenar e processar uma grande quantidade de informações; (c) resgatar memórias e transmitir informações com alta velocidade.
O cérebro humano, ferramenta à disposição da pessoa, é um mecanismo limitado, com capacidade restrita de absorção, retenção, processamento e transmissão de informações. Não se pode ter como verdade que a mente humana presta atenção plena a todo momento, que possui informações completas, que possui capacidades cognitivas ilimitadas, bem como um completo autocontrole214.
Por vezes alguns campos da ciência superestimam a capacidade do cérebro humano, pressupondo que se trata de uma máquina perfeita, muito mais racional do que ela realmente é. A exemplo, muitas pesquisas em psicologia cognitiva sugerem que os indivíduos, na formação de seus julgamentos de probabilidade, têm como ponto de partida as leis da estatística e o teorema de Xxxxx; este entendimento é criticável, pois é improvável que a evolução natural do cérebro tenha conduzido o ser humano a processar naturalmente uma lei que Xxxxxx Xxxxx (1701 – 1761) 215 descobriu há apenas alguns séculos atrás. Por esta razão, algumas pesquisas mais recentes apontam um ponto de partida alternativo: a cognição humana está sujeita a tendência ou vieses, os quais são revelados por meio de heurísticas216.
Na lição de Xxxxxx Xxxxxxxx, duas premissas tidas como verdade pelos cientistas sociais da década de 1970 merecem ser desafiadas: (a) a de que as pessoas são, no geral, racionais, e suas opiniões normalmente são sólidas; (b) a de que as emoções, tais como medo, afeição e ódio, explicam a maioria das ocasiões em que as pessoas se afastam da racionalidade217. A análise comportamental, que tem Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxx Xxxxxxx como dois de seus principais expoentes, contesta tais premissas, no sentido de que o comportamento humano comete erros sistemáticos. Tais erros não seriam fruto de mera aleatoriedade, um simples desvirtuamento do
214 Xxxxxx, Xxxxxxx.; Xxxxxxxx, Xxxx. Nudge, p. 5 (edição kindle).
215 Wikipedia, disponível em xxxxx://xx.xxxxxxxxx.xxx/xxxx/Xxxxxx_Xxxxx.
216 Xxxxxxx, Xxxxx. Bounded Rationality in Individual Decision Making, p. 8-9.
217 Xxxxxxxx, Xxxxxx. Rápido e Devagar: duas formas de pensar, p. 16.
pensamento pela emoção, mas sim, resultados de um mecanismo cognitivo próprio, passível de análise, que seriam as regras de heurística. Em síntese, a tese defendida pela análise comportamental, e bastante aceita atualmente, é a de que a mente humana é suscetível de erros sistemáticos.
Em que pese a mente humana seja racional, o autocontrole e o esforço cognitivo são formas de trabalho mental218; este trabalho mental esgota o indivíduo, o qual não está disposto a arcar com este esforço a todo momento. A cognição humana é um recurso escasso, e por isso mesmo a tomada de decisão é atividade que possui custo. Para evitar falácias, é preciso acrescentar nos modelos econômicos o custo da deliberação219.
Na linha do que ensina Xxxx Xxxxxxx, no artigo Why Bounded Rationality?220, o reconhecimento de um custo de deliberação permite falar em uma verdadeira “economia da mente”: racionalidade é um bem escasso, e boas decisões possuem um custo. Existe uma transação entre o empenho dedicado a uma boa deliberação e o empenho dedicado a outras atividades; um tomador de decisão, quando em face de diversas atividades planejadas para serem executadas, não possui condições de otimizar todas as atividades a todo momento. Assim, o custo de deliberação pode ser traduzido na redução da performance de uma atividade em função do aperfeiçoamento de outra.
Ante o custo de deliberação, o ser humano não é racional a todo momento. Quando decide não arcar com este custo, o que ocorre na grande maioria das vezes, a mente recorre a outra estratégia, qual seja, a utilização das heurísticas. As heurísticas são regras gerais, isto é, são atalhos utilizados pela mente. Ao invés de realizar tarefas mentais complexas de avaliar probabilidades e predizer valores, o indivíduo recorre a operações mais simples, se apoiando em um número limitado de princípios heurísticos que reduzem a dificuldade da tarefa221. Heurística pode ser tecnicamente definida como “um procedimento simples que ajuda a encontrar respostas adequadas, ainda que geralmente imperfeitas, para perguntas difíceis”222. Em geral as heurísticas são bastantes úteis, mas podem levar a erros sistemáticos. E é justamente por meio da
p. 1124.
218 Idem, posição 821 (edição kindle).
219 Xxxxxxx, Xxxx. Why Bounded Rationality?, p. 686.
220 Idem, p. 682.
221 Xxxxxxxx, Xxxxxx; Xxxxxxx, Xxxx. Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases,
222 Xxxxxxxx, Xxxxxx. Rápido e Devagar: duas formas de pensar, p. 127.
revelação das heurísticas utilizadas pela mente que a análise comportamental consegue predizer, com grau razoável de sucesso, as atitudes irracionais do comportamento humano.
Amplamente utilizadas pela mente, as heurísticas são de grande serventia, contudo, não contemplam todo o cenário e, por isso mesmo, podem conduzir tomadores de decisão a erros sistemáticos. Apenas a título de exemplo, é possível dizer que os indivíduos, de forma sistemática, tomam decisões com base nas informações que estão mais facilmente disponíveis na memória – memória recente – e desconsideram as demais informações relevantes existentes no cenário. Para ilustrar, tenha-se o consumidor que, após ter sofrido um acidente recente, tem maior probabilidade de contratar um seguro veicular. Na mesma linha, os indivíduos atribuem sistematicamente peso indevido a evidências instanciadas em comparação com declarações gerais, a evidências vívidas em comparação com evidências pálidas e a evidências concretas em comparação com evidências abstratas 223 . Seguindo, indivíduos são sistematicamente insensíveis ao tamanho das amostras e erroneamente tomam amostras pequenas como representativas da regra geral 224 . Não raro, as amostras consistentes em eventos presentes são erroneamente assumidas como representativas, e consequentemente preditivas, de eventos futuros. Ainda, atores normalmente realizam análises telescópicas defeituosas, ou seja, sistematicamente atribuem peso equivocado aos custos e benefícios de eventos futuros em comparação com os custos e benefícios do presente. Por fim, atores sistematicamente subestimam grande parte dos xxxxxx000.
Nas últimas décadas, o ramo da ciência responsável pelo estudo dos julgamentos e tomadas de decisão tem se afastado da teoria da utilidade esperada226 – desenvolvida por Xxxx xxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxxxx – e tentado dialogar com outras disciplinas ligadas ao comportamento humano, tais como a psicologia, economia, finanças, ciências políticas e o direito227. A teoria da utilidade esperada,
p. 1124.
kindle).
223 Xxxxxxxx, Xxxxxx; Xxxxxxx, Xxxx. Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases,
224 Xxxxxxxx, Xxxxxx. Rápido e Devagar: duas formas de pensar, p. 151.
225 Xxxxxxxxx, Xxxxxx Xxxx. Contracts and Relationships, p. 447.
226 Xxxxxxxx, Xxxxxx; Xxxxxxx, Xxxx . Advances in Prospect Theory, p. 297 ss.
227 Xxxxx, Xxxx; Xxxxxxxx, Doron. Behavioral Law and Economics, posição 841 (edição
amplamente utilizada nas décadas de 1950 até 1970228, não é a mais adequada para explicar como o processo de decisão acontece na realidade. O modelo oferecido por Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxx Xxxxxxx, chamado teoria da perspectiva ou teoria do prospecto, parece explicar de melhor forma o comportamento humano. Entendem que o comportamento humano é orientado por regras gerais e atalhos, os quais são previsíveis229.
Tendências e vieses de comportamento não advêm tão somente de limites da racionalidade, mas também, estão sujeitos aos limites de outros dois fatores, quais sejam, da força de vontade e do autointeresse. Neste sentido, Xxxxxxxxx Xxxxx, Xxxx X. Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxx, na obra A Behavioral Approach to Law and Economics230, ensinam que o comportamento humano encontra-se sujeito a três fatores, são eles: (a) os limites da racionalidade: as habilidades de cognição humana não são infinitas, sendo possível perceber limitações e falhas sistemáticas em razão do uso de atalhos e regras gerais, que podem levar a conclusões errôneas a irracionais; (b) os limites da força de vontade: não raro as pessoas adotam ações que sabem ser incompatíveis com o seu interesse a longo prazo (ex. fumantes); (c) os limites do autointeresse: as pessoas possuem um senso próprio de justiça, e muitas vezes agem em benefício de outras pessoas, até mesmo estranhos, em algumas circunstâncias.
Dito isto, pode-se concluir que o ser humano real, ou seja, aquele que de fato existe e cujas ações transformam o mundo, por vezes difere do ser humano projetado pelos estudiosos, teoristas e planejadores. O mesmo ocorre no seio de um contrato administrativo, onde o contratante não pode, na definição da arquitetura do clausulado, tomar como pressuposto a existência de atores infalíveis, cujo comportamento será conduzido por informações plenas, amplas capacidades cognitivas e contínuo esforço de concentração.
Não se pode assumir a mente humana como ferramenta de capacidade ilimitada, mas sim, como instrumento falível, passível de erros. Ainda, se estes erros são sistemáticos, ou seja, se admitem certo grau de previsão, algo deve ser feito a respeito. Além de assumir a falibilidade da capacidade cognitiva do ser humano, é
228 Xxxxxxx, Xxxx. How Economists Came to Accept Expected Utility Theory: The Case of Xxxxxxxxx and Xxxxxx, p. 219.
229 Xxxxx, Xxxxxxxxx; Xxxxxx, Xxxxxxx. A Behavioral Approach to Law and Economics, p. 1478.
230 Idem, p. 1477 ss.
importante que o contratante anteveja o problema e busque fazer com que a arquitetura do contrato se amolde às falhas que provavelmente virão a ocorrer.
4.2 Complexidade nos Contratos Administrativos
É relevante para o objeto do presente trabalho que seja esclarecida a figura dos contratos complexos. Isso porque a resposta à pergunta que se faz – se os poderes de conformação são suficientes para superar o problema informacional na execução dos contratos administrativos – depende do grau de complexidade do contrato. Quanto mais complexa a relação contratual, maior a probabilidade de que existam limites à observabilidade do contrato. Por isso mesmo, as linhas a seguir buscam elucidar quais efeitos a complexidade dos contratos administrativos gera na observabilidade de sua execução. É objetivo do presente item debruçar sobre esta potencial complexidade dos contratos administrativos, bem como as razões que podem levá-los a ter esta característica.
A fonte do risco moral ou de problemas de incentivo repousa na assimetria de informação entre os indivíduos, uma vez que ações individuais nem sempre podem ser observadas e, portanto, especificadas no contrato. Um remédio natural para o problema é investir recursos no monitoramento das ações e utilizar essas informações na gestão contrato. Em situações simples, o monitoramento completo pode ser possível, caso em que uma primeira melhor solução (implicando uma ótima partilha do risco) pode ser alcançada empregando um contrato forçado que penalize o comportamento disfuncional. Geralmente, no entanto, a observação completa das ações é impossível ou proibitivamente dispendiosa.231
Os contratos administrativos não são uniformes, não apresentam as mesmas características, e por isso mesmo não ostentam o mesmo grau de complexidade. É possível que determinados contratos revelem singeleza tanto em seu clausulado, quanto no seu objeto. É o caso, por exemplo, de quando a Administração Pública contrata, em uma única prestação, a compra de produtos homogêneos. Para ilustrar, tenha-se um órgão público quando compra material de expediente, tal como papel ofício, grampos e canetas.
De outro lado, alguns contratos administrativos podem apresentar alto grau de complexidade, em maior ou menor proporção, por variados motivos. A complexidade dos contratos administrativos pode derivar de múltiplos fatores, tais como a
231 Xxxxxxxxx, Xxxxx. Moral hazard and observability, p. 74.
especificidade do seu objeto, o longo prazo de duração, a incompletude do seu clausulado, a indefinição daqueles interessados pelo negócio, a imprevisibilidade das contingências possíveis, dentre outras circunstâncias.
A análise econômica do contrato é baseada na ideia de que há custos de transação para redigir contratos. Em um mundo ideal, onde não houvesse custos para pensar, planejar e escrever cláusulas que contemplassem todos os eventos futuros, as partes envolvidas na transação conseguiriam escrever um contrato abrangente que especificasse exatamente qual é cada uma de suas obrigações em todos os estados concebíveis do mundo. Sob estas condições, nunca haveria qualquer razão para que as partes modificassem ou atualizassem seu contrato, já que tudo seria antecipado e planejado com antecedência. Também nunca ocorreria qualquer disputa, uma vez que um terceiro adjudicador (por exemplo, um tribunal) poderia (sem custos) determinar se uma das partes estava violando o contrato e impor uma penalidade apropriada.232 No mundo real, contudo, os custos de transação se fazem presentes e impedem a existência de um contrato completo. Assim, pode-se dizer que um contrato é complexo quanto mais alto forem os custos de transação na redação do seu clausulado.
Não se pretende, pelo escopo do trabalho, elencar todas as causas de complexidade contratual, ou mesmo classificar os contratos, de forma exaustiva, em graus de complexidade. Para o que se propõe, é suficiente esclarecer que cada contrato administrativo possui as suas particularidades, bem como lançar luz na idiossincrasia das relações contratuais deles decorrentes, o que faz com que uns contratos sejam mais complexos que outros. Daí, questiona-se o tratamento a ser dado aos contratos, em especial no que toca à observabilidade de sua execução.
Mesmo sem ter a intenção de esgotar o assunto, este capítulo se propõe a explorar a complexidade dos contratos administrativos nos seus aspectos mais relevantes para o tema da aquisição de informação. A análise será dividida em duas perspectivas, uma no tocante ao objeto do contrato (perspectiva material), e outra quanto ao seu clausulado (perspectiva instrumental).
Na perspectiva material, verifica-se que a complexidade dos contratos administrativos aumenta à medida que as necessidades da sociedade a cargo da Administração Pública evoluem. Quando o Estado chama para si a tutela de direitos