CONTRATO DE LOCAÇÃO EM SHOPPING CENTER –
CONTRATO DE LOCAÇÃO EM SHOPPING CENTER –
REPERCUSSÕES DECORRENTES DA CRISE DO CORONAVÍRUS
I. O contrato de locação em Shopping Center é regido pela Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), assim como qualquer outro contrato de locação não residencial. Todavia, pelas peculiaridades da atividade, possui cláusulas específicas, ou seja, diferenciadas dos demais contratos de locação comercial, que visam a, dentro outros objetivos, atender os anseios do empreendedor originados quando do desenvolvimento do empreendimento.
II. A possiblidade de inclusão de cláusulas específicas em detrimento dos demais contrato de locação comercial está, expressamente, autorizada pelo art. 54 da Lei de Inquilinato, o qual dá substanciosa força à vontade das partes, como se vê:
"Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei". (sem grifos no original)
III. Com base nessa prerrogativa legal, o contrato de Locação em Shopping Center, comumente, possui cláusula que obriga o locatário a pagar dois tipos de alugueis: o aluguel percentual e o aluguel mínimo. O aluguel percentual é variável, calculado sobre o faturamento bruto do lojista. Já o mínimo, por sua vez, é uma quantia fixa estabelecida, devida na eventualidade do valor do aluguel percentual não alcançar o valor da quantia fixa.
IV. Em mesmo norte, tem-se a cláusula que impõe a contribuição de Fundo de Promoção e Propaganda, que busca, de forma geral, arcar com a publicidade comercial do próprio Shopping Center, tudo para aumentar a visitação de possíveis clientes, medida essa que beneficiará a todos os lojistas do empreendimento.
V. Além dessas especificidades, o Locatário deve arcar, ainda, com as despesas típicas dos contratos de locação em condomínio em geral, tais como a taxa condominial, a qual é utilizada para a manutenção da área comum do Shopping Center.
VI. Porém, conquanto haja, expressamente, a responsabilidade do Locatário de pagar as já citadas obrigações, o momento atual é, sem sombra de dúvidas, diferente daquele da assinatura do contrato. Em tal seara, totalmente imprevisível que no ano de 2020 o mundo seria acometido por uma Pandemia provocada por um vírus – o COVID-19 –, que está fazendo a Sociedade Civil, de forma global, parar suas atividades no intuito de se evitar a propagação do Coronavírus.
VII. Nesse diapasão, está sendo comum ordens do Poder Executivo, ou equivalentes, de cada país para que haja a suspensão de certas atividades consideradas não essências e que, por sua natureza, aglomeraria pessoas, tais como shopping center, academias, clubes, etc. Essa realidade, certamente, não é desejada nem pelo Locador ou pelo Locatário de uma loja em shopping, pois ambos saem perdendo. Todavia, o contrato de locação deve ser analisado pelos preceitos jurídicos envolvidos no caso com o finco de se evitar o colapso da relação.
VIII. Nesse norte, claramente as condições fáticas de quando o contrato foi assinado mudaram, e tal mudança decorre de um fato novo e imprevisto, trazendo consigo a possibilidade da revisão do contrato com base na Lei do Inquilinato, bem como as Teorias da Imprevisão, Onerosidade Excessiva e Caso Fortuito ou Força Maior.
IX. Há de se observar, porém, que, salvo a possibilidade de revisão contratual com base na Lei do Inquilinato, as demais teorias aplicáveis ao caso são provenientes do Código Civil Brasileiro (CC), que por ser a norma geral dos contratos de todas as espécies, aplica-se, também, subsidiariamente, aos contratos de locação.
X. Trazendo, em primeiro momento a possibilidade de revisão contratual pela Lei do Inquilinato, essa prerrogativa está elencada no art. 19 da lei, ao passo que para sua possibilidade basta o transcurso do prazo de 3 (três) anos de vigência contratual e o não acordo entre as partes sobre o valor do aluguel em relação ao preço de mercado. Essa revisão não se ampara em mudança drástica da situação fática que influencie as partes, portanto, é cabível a todo tempo que os requisitos já citados estejam presentes.
XI. A Teoria da Imprevisão, por sua vez, elencada no art. 317 do CC, traz a possibilidade de revisão contratual pela existência de fato superveniente que desiquilibre o valor das prestações. Tal possibilidade está adstrita a contratos com prestações diferidas ou continuadas, as quais, no momento da execução, não representam, mais a realidade antes traçada no contrato. Como dito, é possível a revisão contratual, em que o Judiciário busca equalizar a obrigação à realidade.
XII. Muito similar, mas um pouco mais incisiva no trato com as partes, tem-se a Teoria da Onerosidade Excessiva (art. 478, 479 e 480 do CC). Esse instrumento jurídico possibilita a rescisão contratual, desfazendo-se a relação, pois não há motivos para sua continuidade. Assim como a Teoria da Imprevisão, é necessária, para que a Onerosidade Excessiva seja aplicada, a existência de fato superveniente e imprevisto que, de forma brusca, altere a realidade fática entre as partes. Todavia, além do fato imprevisto, faz-se necessária a existência de vantagem excessiva para uma das partes e, consequentemente, desvantagem em igual medida à outra.
XIII. Por fim, e com efeitos menos drásticos à relação contratual, observa-se a alegação de Caso Fortuito ou Força Maior (Art.
393 do CC). O primeiro, para alguns doutrinadores, como Xxxxxx Xxxxxx, relaciona-se a fatos de origem humana, e o segundo, a questões naturais, mas, em sentido prático, possuem o mesmo efeito: o afastamento da mora, ou seja, pela existência de fato superveniente, o ato de uma das partes em não cumprir com a obrigação não pode ser considerado descumprimento contratual, não trazendo ao caso os encargos moratórios, como multas, juros e, até mesmo, a rescisão contratual. Observa-se, portanto, que este Instituto Jurídico tem como objetivo a continuidade e preservação do contrato, pois impõe, de modo ficto, mesmo com a existência de anormalidades, a perfeita execução contratual, como se aquelas não existissem.
XIV. Assim, temos o seguinte quadro esquemático:
QUADRO ESQUEMÁTICO | ||||
REVISÃO CONTRATUAL (LEI DO INQUILINATO) | TEORIA DA IMPREVISÃO | TEORIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA | CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR | |
DISP. LEGAL | Arts. 18 e 19 da Lei 8.245/91 | Art. 317 do CC | Arts. 478, 479 e 480 do CC | Art. 393 do CC |
REQUISITOS PARA APLICAÇÃO | 1) Discordância sobre o preço do Aluguel; 2) 3 (três) anos ou mais de existência do contrato. | 1) Ocorrência de fato imprevisível; 2) Prestações Diferidas ou Continuadas; 3) Desiquilíbrio entre as prestações. | 1) Ocorrência de fato imprevisível; 2) Prestações Diferidas ou Continuadas; 3) Desiquilíbrio entre as prestações; 4) Vantagem excessiva para uma das partes. | 1) Ocorrência de fato imprevisível; 2) Descumprimento da obrigação por uma das partes em decorrência do fato imprevisível. |
ALCANCE DA MEDIDA | Revisão do Contrato | Revisão do Contrato | Rescisão do Contrato | Afastamento da mora de quem não cumpriu com a obrigação |
XV. Em retorno à análise dos contratos de locação em Shopping Center, com base no acima exposto e com a realidade fática atual – Pandemia do Cononavírus –, certa a afirmação de que não é possível afastar, na totalidade, a responsabilidade de pagar do Locatário, mas é possível se trabalhar com os instrumentos que o Direito fornece no intuito de mitigação de danos.
XVI. Nesse contexto e como já citado, o aluguel do contrato aqui discutido é divido em dois: mínimo e percentual. Notadamente, como o Locatário continuará na posse do bem, mesmo que não esteja aberto para funcionamento, deve arcar com o pagamento de aluguel.
XVII. Cabe entender, contudo, qual desses poderá ser afastado para a aplicação do outro e, assim, dotar a relação de certo equilíbrio. No caso em tela, diante do risco do negócio tanto para o Locador como para o Locatário, e buscando a igualdade entre as partes, e, portanto, a falta de vantagem excessiva, o modo de aluguel aplicado ao momento deve ser o percentual e não o mínimo.
XVIII. Isso se afirma porque o mínimo é subsidiário ao percentual e somente ocorreria caso este não fosse alcançado, em proteção ao Locador. Tal proteção, hoje, seria vista como demasiadamente excessiva, pois o Locatário nem mesmo está em atividade. Por sua vez, o Aluguel percentual, mesmo com inatividade do Locatário, não seria ao todo prejudicado, já que, por mais que esteja o imóvel fechado, haveria certo faturamento, e sobre esse seria aferido o aluguel. Logo, o Aluguel Percentual parece ser o que melhor coaduna com o momento, mesmo que ambas as partes saiam, de certo modo, prejudicadas. Esse é o risco do negócio!
XIX. Por sua vez, a contribuição de Fundo de Promoção e Propaganda, certamente, não deve incidir no momento atual. Isso se dá, porquanto, com o Shopping fechado, não há propagandas sendo veiculadas, o que desnatura a necessidade de contribuição ao fundo. Há, aqui, uma relação muito semelhante a prestação de serviços, visto que, não o havendo, não há motivos para seu pagamento.
XX. Lado outro tem-se as Taxas Condominiais, estas vinculadas ao imóvel, e no caso do Shopping, ao espaço utilizado pela loja. Estas não são estipuladas com base na teoria do risco do negócio, ou na prestação de uma obrigação, mas sim se originam pela mera existência do espaço individual dentro de um lugar comum, sendo que este último deve ser preservado para a mantença daquele.
XXI. Com base nisso, a obrigação pelo pagamento existirá enquanto o contrato estiver em vigência, sem possibilidade de suspensão, todavia, a crise provocada pelo Coronavírus aliado ao fechamento das lojas é fundamento suficiente para a aplicação do Caso Fortuito ou Força Maior, ou seja, caso o Locatário não pague as taxas condominiais no prazo e modo, estas continuaram devidas, mas não incidirá na relação os encargos da mora, haja vista que a impossibilidade de pagar não decorreu da vontade do devedor, mas sim de fato externo, impossível de ser por ele administrado.
XXII. Consubstanciado nessas ponderações, há recentíssimo julgado proferido pelo Juízo da 25ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), no qual o juiz suspendeu, parcialmente, o contrato de locação durante a pandemia do Coronavírus, deixando em voga, apenas, as obrigações do Locatário de pagar o Aluguel Percentual e as Taxas Condominiais, como se vê:
"Proc.: 0709038-25.2020.8.07.0001 – Dispositivo: Diante de tais fundamentos, DEFIRO em parte o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para suspender parte do contrato de locação entre as partes (cláusula do aluguel mínimo e do fundo de promoção e propaganda), mantendo-se em pleno vigor as demais disposições contratuais. A empresa autora deverá continuar a adimplir o aluguel percentual sobre o faturamento e os encargos condominiais até ulterior decisão judicial". (sem grifos no original).
CONCLUSÃO:
XXIII. Observa-se, por sua vez, que a suspensão do contrato como acima citado somente pode ser conseguido por meio de demanda judicial, tendo como plano de fundo um pedido principal, o qual deve ter como base a Lei do Inquilinato, naqueles contratos que possuem ou superam 3 (três) anos, ou com base no Código Civil, em que se busca a revisão (Teoria da Imprevisão) ou resolução (Teoria da Onerosidade Excessiva) do contrato ou, simplesmente, o afastamento da mora (Caso Fortuito ou Força Maior).
XXIV. Não se pode deixar de observar que o momento é de extrema incerteza, porém, a continuidade dos contratos vigentes, haja vista que a Pandemia irá passar, é o norte a ser seguido. Com isso, o princípio da boa-fé contratual deve ser o instrumento primevo a ser utilizado. Diante disso, como medida inicial, convêm ao Locador e Xxxxxxxxx tentar chegar a um consenso, trazendo possibilidades de pagamento das obrigações de forma mais racional, e não apenas conforme a letra fria do contrato, mitigando, com isso, o "pacta sunt servanda". Essa racionalidade se concretizaria, por exemplo, ao dar o Locador prazos mais flexíveis a certos pagamentos, e, até mesmo, redimir outros. De igual modo, o Locatário se comprometer a realizar os pagamentos nos novos parâmetros.
XXV. Todavia, caso o acordo não seja possível, o Locatário, como exaustivamente exposto, possui instrumentos jurídicos para buscar, por meio do Poder Judiciário, a equalização do contrato de locação junto à realidade, afastando obrigações exageradas, além da mora, haja vista que a impossibilidade do pagamento não é decorrente da vontade do devedor, mas sim da situação extraordinária, hoje, vivida.
XXVI. Certo é que todos os atos devem ser, devidamente, documentados com o finco de, em possível demanda judicial, o Locatário tenha provas de que a Pandemia afetou, diretamente, sua atividade, e que, por mais que tenha tentado, Locador e Xxxxxxxxx não chegaram a um consenso acerca das responsabilidades pecuniárias contratuais.
A equipe Cível do PRA ADVOGADOS se coloca à disposição para maiores esclarecimentos e sanar quaisquer dúvidas existentes.
Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx OAB/MG nº 164.391