Contrato nº. 003/SMDHC-2015
Pesquisa Social Participativa Pop Rua Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania
Contrato nº. 003/SMDHC-2015
Foto Caio Palazzo
Produto Fase VI
Xxxxxx Xxxxxxxxx
Relatório Final – Sistematização dos Resultados da Pesquisa Social Participativa
SUR
Março de 2016
Pesquisa Social Participativa Pop Rua Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania
Contrato nº. 003/SMDHC-2015
PRODUTO FASE VI
Xxxxxx Xxxxxxxxx
Relatório Final – Sistematização dos Resultados da Pesquisa Social Participativa
Entrega do Relatório Final da Pesquisa Social Participativa à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo e ao Comitê Pop Rua. A pesquisa foi realizada ao longo de 2015-2016 pela equipe da SUR Clínica e Intervenção Social.
Março de 2016
APRESENTAÇÃO
Este documento corresponde ao quinto produto do Contrato nº 003/SMDHC-2015, firmado entre a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania – SMDHC e a empresa SUR Ltda., para o exercício de atividades de assessoria destinadas à realização de Pesquisa Social Participativa junto à população em situação de rua, com vistas a subsidiar o Comitê Intersetorial da Política Municipal para População de Rua – Comitê Pop Rua, no processo de elaboração do Plano Municipal da Política para a População em Situação de Rua da cidade de São Paulo. Trata-se do Relatório Final da Pesquisa que consiste na sistematização dos resultados da Pesquisa Social Participativa. O presente relatório foi dedicado à sistematização e compilação de todo o material produzido durante a pesquisa.
LISTA DAS ILUSTRAÇÕES
Figura 1. Pesquisadores trabalham técnicas de reportagem com a equipe da Ponte 12
Figura 2. Apresentação inicial da pesquisa e dos resultados ao Comitê Pop Rua 15
Figura 3. Cartaz para discussão dos critérios para contratação dos pesquisadores sociais. 16
Figura 4 . Cartaz divulgando a pesquisa 16
Figura 5. Xxx, com cartaz “O que é viver na cidade de São Paulo. Queremos ouvir quem vive!”
..................................................................................................................................................... 17
Figura 6. Reunião do Comitê Pop Rua na apresentação e debate do último relatório 17
Figura 7. No CRP, encontro para discussão dos resultados da pesquisa 18
Figura 8. Matéria no site Pesquisa Pop Rua 19
Figura 9. Entrevista com Xxxxxxx Xxxxxxx 19
Figuras 10 e 11. Entrevista com Xxxxxxx Xxxxxxx 20
Figuras 12 e 13. O pesquisador Xxxxx (de pé), enquanto Xxxxx ouve seu João (sentado) 21
Figura 14. Xxxxxxxxx xx Xxxxx fala com Xxxxxxx Xxxxxxx perto da Favela do Cimento. 22
Figura 15. Categorias retiradas das rodas de conversa com entidades 32
Figura 16: Desafios e sugestões da categoria Estado 41
Figura 17: Perfil da Subprefeitura da Sé 43
Figura 18. Perfil da Subprefeitura Xxxx/Xxxx Xxxxxxxxxx 00
Figura 19. Perfil da Subprefeitura Pinheiros 48
Figura 20. Perfil da Subprefeitura Mooca 50
Figura 21. Perfil da Subprefeitura Santana/Tucuruvi 52
Figura 22. Perfil da Subprefeitura Santo Amaro 54
Figura 23. Categorias do trabalho assistencial surgidas na fala dos profissionais 60
Figura 24. Categorias emergentes para o conceito Transição 63
Figura 25. Categorias emergentes para o conceito Habitação 64
Figura 26. Categorias emergentes para os conceitos Trabalho e Emprego 65
Figura 27. Categorias emergentes para o conceito Saúde 68
Figura 28. Categorias emergentes para o conceito Estado 74
Figura 29. Categorias emergentes para o conceito Assistência Social 79
Figura 30. Denúncias emergentes para o conceito Saúde 79
Figura 31. Categorias emergentes em relação ao conceito Habitação 80
Figura 32. Categorias emergentes em relação ao conceito Queda 83
Figura 33. Categorias emergentes em relação ao conceito Sobrevivência 86
Figura 34. Categorias emergentes em relação ao conceito Trabalho 88
Figura 35. Categorias emergentes em relação ao conceito Vida na Rua 92
Figura 36. Categorias emergentes em relação ao conceito Ancoragem 93
Figura 37. Categorias emergentes em relação aos conceitos Ancoragem e Desancoragem 94
Figura 38. Categorias emergentes em relação ao conceito Desancoragem 95
SUMÁRIO
2.1 Explicitando os diferentes dispositivos criados para a realização da pesquisa 11
2.1.2 O grupo da pesquisa de campo 11
2.1.3 O grupo dos pesquisadores com os jornalistas do Grupo Ponte 11
2.2.2 Reuniões da equipe técnica 14
2.2.3 Reuniões periódicas com o secretário e sua equipe 14
2.2.4 Apresentação inicial da pesquisa e dos resultados parciais ao Comitê Pop Rua 15
2.2.5 Reuniões com parceiros 17
2.2.6 Pesquisa ao respeito do “estado da arte” da produção acadêmica sobre o tema e dos meios de comunicação social 18
2.2.7 Entrevistas nas ruas da cidade de São Paulo 19
2.2.8 Visitas realizadas em diferentes equipamentos de atendimento 21
2.2.9 Entrevistas realizadas pela equipe técnica nas ruas 21
2.3 Forma de análise dos dados e a criação das categorias 23
3 RESUMO DAS FASES DA PESQUISA 24
3.1 Fase I: Repactuação do Plano de Trabalho e da Pesquisa Social Participativa 24
3.2.1 Descrição do dispositivo de pesquisa e formação do grupo de pesquisadores sociais 25
3.2.2 Mapeamento territorial 28
3.3 Fase III: Pesquisa Documental Crítica 28
3.4 Fase IV: Pesquisa Institucional 29
3.4.1 Diagnóstico geral e sugestões de aperfeiçoamento 29
3.4.2 O percurso realizado até o momento pela pesquisa 29
3.5 Fase V: Pesquisa Territorial: encontro com entidades 31
4 RELATÓRIO FINAL: SISTEMATIZAÇÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA SOCIAL PARTICIPATIVA 34
4.2.1. Perfil da população em situação de rua 68
4.2.10 Ancoragem e desancoragem 92
6 CONCLUSÕES 102
7. PESQUISA DOCUMENTAL CRÍTICA DE ARTIGOS CIENTÍFICOS E JORNALÍSTICOS 113
7.1 Compilação – reportagens sobre população de rua 124
7.2 Bibliografia 147
1 INTRODUÇÃO
A “Pesquisa Social Participativa: a construção de políticas públicas a partir de um novo olhar sobre a vida nas ruas da cidade de São Paulo”, realizada pela SUR Clínica e Intervenção Social, entrega, através do presente documento, o Relatório Final correspondente à Fase VI da Etapa III, que prevê a compilação do material produzido e sistematização dos dados da pesquisa com descrição pormenorizada das sugestões dos sujeitos por território prioritário, considerando as recomendações da etapa anterior. Mantêm-se no presente relatório aspectos essenciais relativos às fases I, II, III e IV, nas quais estão descritas ações desencadeadas no desenvolvimento da pesquisa1.
A presente Pesquisa Social Participativa teve por objetivo servir de subsídio ao Comitê Pop Rua para a Construção do Plano Municipal para a População em Situação de Rua da Cidade de São Paulo. Para tanto, a SUR desenvolveu uma metodologia de pesquisa qualitativa que permitiu uma escuta aprofundada dos diferentes sujeitos nessa condição de vida e grupos e instituições que trabalham com esses coletivos na cidade.
A metodologia aqui desenvolvida teve como origem a consultoria realizada na FASC – Fundação da Assistência Social e Cidadania de Porto Alegre em 2011, cujos objetivos foram: capacitar as equipes técnicas da Fundação e realizar a construção do Plano Municipal para a População em Situação de Rua da cidade2.
Essa experiência anterior realizada em Porto Alegre possibilitou que nesta pesquisa, ora apresentada, se instituísse a equipe de Pesquisadores Sociais como atores principais para sua realização. Foi constituído um grupo de pessoas em situação de rua com formação e sustentação técnica, teórica e psíquica sistemática, em um trabalho profissionalizado para a entrada mais profunda na “pulsação da rua” e das pessoas que nela ou dela vivem.
O desenvolvimento da pesquisa buscou criar dispositivos que possibilitassem dar conta da tarefa, que era a de conhecer em profundidade – nos aspectos conscientes e
1 A apresentação das etapas e fases da pesquisa pode ser visualizada em detalhes no item 3 deste texto.
2 Naquela ocasião, ao realizar a consultoria, além de capacitar as equipes técnicas, também foi desenvolvido um trabalho com um grupo de 12 pessoas em situação de rua nomeados Pesquisadores Sociais. Eles eram representantes dos movimentos de população de rua existentes na cidade e dos abrigos e albergues. Também foram realizados debates intersetoriais com a inclusão de outras secretarias municipais e entidades da sociedade civil para construção do Plano Municipal. O trabalho grupal com os pesquisadores sociais foi muito produtivo, tendo sido possível compreender, a partir dele, que em diversas situações somente os próprios moradores em situação de rua conseguem adentrar determinados territórios e abordar pessoas e grupos em situação de rua.
inconscientes – a vida nas ruas de São Paulo, abordando as diferentes especificidades dos sujeitos, grupos, instituições e comunidades envolvidas no território da cidade de forma a trazer contribuições substanciais ao Comitê Pop Rua para a construção do Plano Municipal para a População em Situação de Rua da Cidade de São Paulo.
Partindo do pressuposto de que a cidade e a vida nas ruas “pulsam”, a nossa questão metodológica era como penetrar, entender e propor políticas públicas a partir e através dessa “pulsação” que engloba diferentes facetas da vida das pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo.
Para construir os dispositivos, seguimos a experiência desenvolvida em outras pesquisas e intervenções no campo das situações sociais críticas e em diferentes autores. Partimos de autores como Xxxxxxxx, Xxxxxxx, Xxxxxxx, Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxx, entre outros, sempre pautados por uma visão histórica do conflito social. Não é o caso, evidentemente, de aprofundar neste texto os conceitos utilizados, mas sim de apontar ao leitor interessado os referenciais que serviram de norteadores do presente trabalho.
Valem aqui apenas algumas rápidas considerações. Xxxxxxxx (2000) diz que um dispositivo deve responder a uma urgência social; para isso é necessário usar todo o saber do momento histórico da sociedade em questão. Por sua vez, Xxxxxxx nos coloca que os dispositivos são “máquinas de fazer ver e fazer falar” (1990). Ainda Agamben (2009) nos mostra como só somos sujeitos nos dispositivos, ou seja, na linguagem, na tecnologia, naquilo que foi construído pela cultura. Para os três autores os dispositivos podem ser de aprisionamento ou de libertação. No caso da pesquisa, os dispositivos criados visaram dar voz e vez àqueles que raramente são escutados.
Com a entrega do produto final da Pesquisa Social Participativa à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania e ao Comitê Pop Rua, desejamos que a construção de um Plano Municipal para a População de Rua na Cidade de São Paulo entre em nova fase e que a pesquisa possa contribuir efetivamente para a formulação de uma política pública para a população mais excluída da cidade de São Paulo.
2 METODOLOGIA
Sabíamos que seria impossível o trabalho com os pesquisadores sociais sem garantir um intenso suporte psíquico a eles, assim como uma profunda preparação técnica para sua realização. Esse suporte psíquico foi importante para que o grupo se mantivesse unido e pudesse elaborar as inúmeras situações pessoais, as dificuldades do trabalho e, principalmente, a mobilização de suas próprias histórias, visto que a equipe de pesquisadores sociais foi o eixo central da pesquisa. A partir do trabalho grupal com o grupo foram-se desenvolvendo os demais dispositivos que estruturaram a nossa metodologia.
Cada fase da pesquisa era apresentada ao comitê Pop Rua, de forma que os dados parciais foram debatidos durante o caminho percorrido. Ao longo da pesquisa promoveram-se também encontros dos mais variados tipos: com as instituições que trabalham na área, com a comunidade cientifica e com a imprensa, tendo sido criada uma página no Facebook (Pesquisa Pop Rua SP).
Uma pesquisa como esta que realizamos convoca a uma série de questões metodológicas. Nós, coordenadores da SUR, somos psicanalistas com uma longa experiência no campo das situações sociais críticas, entre elas o trabalho com a população em situação de rua. Sabíamos que a investigação deveria estar centrada no atendimento clínico, mas que a clínica da qual aqui falamos está aberta à escuta fora do setting tradicional de um psicanalista. O dispositivo clínico, no caso da psicanálise, foi aquele que permitiu o surgimento do sujeito de desejo através do inconsciente, na relação com o analista, naquilo que Xxxxx (1912/1985) denomina de transferência no consultório ou fora dele. Nesse sentido, a sustentação psíquica e técnica dos pesquisadores sociais visou fornecer uma qualificação da escuta para que eles pudessem sair do lugar de ser aquele que fala sobre a rua para o lugar daquele que escuta o outro, as vozes da rua. Ao falarem nos grupos de suas vidas e dos passos da pesquisa podiam melhor escutar, diferenciando a pesquisa da denúncia e abrindo um espaço que chamamos de “espaço vazio” para que o entrevistado pudesse advir no papel de sujeito da sua fala.
Além do dispositivo clínico, outros vários dispositivos “máquinas de fazer ver e fazer falar” foram utilizados para a abordagem da situação gravíssima da população em situação de rua, de forma que pudéssemos fazer emergir o sujeito com seu desejo, sua intimidade, sua história de vida mais profunda, tanto consciente como inconsciente.
Assim, nosso trabalho é direcionado para que o Plano Municipal possa incluir na política pública o sujeito de direito e o sujeito de desejo.
Com isso queremos dizer que a política pública deve pôr em relevo e consideração os direitos humanos fundamentais presentes na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DECLARAÇÃO, 2009), adotada pela Organização das Nações Unidas em 1948, que delineia os direitos humanos básicos. Contudo, não basta garantir direitos, na execução das políticas públicas. Principalmente em relação à população em situação de rua. É fundamental que no desenvolvimento dessas políticas se propicie um ambiente de acolhimento às singularidades e às subjetividades daqueles que vivem na rua. Referimo- nos principalmente a essas pessoas, uma vez que o morador em situação de rua viveu e vive perdas muito significativas na sua vida, viveu e vive com seus laços sociais esgarçados. Geralmente rompeu com a família, com o trabalho, com pessoas e lugares significativos e caros a ele. Portanto, o vínculo transferencial estabelecido com aquele que o atende na assistência, na saúde, nas mais diversas esferas é elemento fundamental para se promover uma verdadeira escuta às demandas feitas. O morador em situação de rua não é somente um ser de necessidades. É um ser de desejo. Aquilo que reivindica e pede pode ou não coincidir com aquilo que deseja. Nesse ponto é que situamos a importância que devemos dar à capacitação para o acolhimento às demandas e ao vínculo necessário a fim de que aquele que reivindica não grite em vão e aquele que acolhe possa entender do que se trata.
Essa escuta contempla ainda, devido à complexidade do fenômeno, uma visão interdisciplinar tanto na formação da própria equipe de trabalho (que contou com jornalistas e psicanalistas, psicólogos, estudantes e os próprios pesquisadores sociais) como no desenvolvimento dos conceitos que nos permitissem uma abordagem ampla e profunda do campo. Foi necessário, ainda, ter uma clara visão da produção acadêmica da área em questão.
A questão conceitual, tomada como elemento importante, permitiu que partíssemos não somente dos dados empíricos, na análise da situação da população de rua, mas que tivéssemos um terreno de conhecimento consolidado cientificamente. Assim, no início dos trabalhos, realizamos uma pesquisa sobre o “estado da arte” acerca da população em situação de rua.
2.1 Explicitando os diferentes dispositivos criados para a realização da pesquisa
Foi coordenado por Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxx, com a participação de dois cronistas3. A tarefa do grupo era possibilitar aos pesquisadores sociais falar livremente do que quisessem e do que estava sendo mobilizado pelo trabalho de pesquisa. Os dois psicanalistas que coordenavam o grupo interpretavam livremente o material que surgia expresso no relato de situações vividas na pesquisa, nos conflitos no grupo, nas histórias de vida que surgiam a partir do trabalho, da experiência que tiveram e ainda tinham nas ruas, nos sonhos, enfim, um trabalho clínico centrado na tarefa da equipe: serem pesquisadores sociais e o que isso mobilizava e significava na vida da equipe e de cada um.
2.1.2 O grupo da pesquisa de campo
Coordenado por dois psicólogos psicanalistas, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx e Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx, contou também com dois cronistas que compunham a equipe. A tarefa grupal era a de organizar as idas a campo; formular as perguntas, que eram sempre abertas; debater as situações encontradas; fazer dramatizações das cenas temidas; analisar os textos e questionários que os pesquisadores produziam; organizar as idas a campo; e muitas vezes acompanhá-los quando o grupo achava necessário. Ali ia sendo feito também, entre todos, um processamento do material de campo e uma elaboração do trabalho que geralmente era realizado em duplas.
2.1.3 O grupo dos pesquisadores com os jornalistas do Grupo Ponte
Tendo sido coordenado por Xxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx, Xxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxx, funcionava na forma de oficina, onde eram realizadas leituras de literatura de clássicos, de cordel, etc. A leitura e a escrita de textos visavam ampliação do repertório dos pesquisadores e a melhoria da escrita dos relatos, tanto no que se refere ao que era escutado nas entrevistas quanto ao desenvolvimento do estilo pessoal de cada um em seus relatos. O diálogo a partir do olhar do jornalista foi propiciado em diversos momentos: eles foram entrevistados por uma TV francesa, que produziu um pequeno
3 A pesquisa contou com a participação de quatro cronistas que eram estagiários e estudantes de psicologia do Curso de Psicologia da PUC/SP: Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxxxxx Xxxxx. Eles não falavam ao longo de todo o grupo e escreviam de forma livre o que viam, sentiam e pensavam a partir do processo grupal. Depois de cada grupo realizado, falavam para os coordenadores sobre suas impressões. Com isso, os coordenadores tinham um feedback dos movimentos grupais e podiam elaborar de forma mais ampla o material produzido no grupo.
documentário sobre a atividade do pesquisador social (ZINGARO & BONNASSIEUX, 2015); fizeram rodas de conversa com repórteres da Folha de S. Xxxxx, preparatórias às entrevistas ao Secretário de Direitos Humanos e Cidadania, Xxxxxxx Xxxxxxx, e à coluna da jornalista da Folha de S. Paulo Mônica Bergamo. Entrevistaram um dos coordenadores do “SP invisível” 4. Enfim, dessa forma buscou-se criar novos dispositivos para trabalhar o olhar, a descrição e o relato.
Figura 1. Pesquisadores trabalham técnicas de reportagem com a equipe da Ponte.
Fonte:Caio Palazzo
Eram feitos com a participação dos coordenadores e cronistas. Eles aconteciam antes e após cada encontro grupal com os pesquisadores sociais. As reuniões que aconteciam antes dos grupos tinham como objetivo retomar os pontos de urgência verificados no grupo anterior e que foram debatidos com toda a equipe na reunião semanal. Como exemplo de pontos de urgência trabalhados podemos citar as recaídas com as drogas e o álcool e a questão da instabilidade de alguns pesquisadores com relação a sua moradia (alguns ainda estavam residindo nas ruas ou em ocupações). Nas reuniões que aconteciam após o grupo com os pesquisadores os cronistas falavam o que tinham percebido, escutado, visto nos grupos. Suas impressões e o registro posterior eram fundamentais, pois possibilitavam a elaboração do material grupal, além do percebido e visto pelo coordenador. Muitas vezes, o cronista, por estar em uma posição silenciosa, podia perceber as relações transferenciais que se estabeleciam entre os coordenadores e
4 Em 20 de novembro de 2015 foi postado na página do Facebook “Pesquisa Pop Xxx XX” xxxxxxx xx XX invisível xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx/Xxxxxxxx-Xxx-Xxx-XX-0000000000000000/?xxxxxxx. Essa forma de trabalho jornalístico foi objeto de debate entre os pesquisadores sociais com um integrante do SP invisível no grupo realizado com os Jornalistas do Grupo Ponte.
o grupo ou entre os coordenadores e um integrante especificamente. Também foram indicando aos coordenadores acerca da diminuição da curiosidade dos pesquisadores sobre a anotação que eles (cronistas) faziam durante os grupos. Isso foi interessante, pois a anotação dos cronistas deixou de ter um caráter de persecutoriedade para o de ajuda. Inicialmente frases como “não anota isso aí”, que eram frequentes, foram sendo substituídas por “isso é importante que vocês registrem”. Esse movimento que foi acontecendo no grupo era bastante bem captado pelo cronista e permitia a reflexão sobre
o movimento grupal.
2.2 Explicitando os diferentes dispositivos criados para a análise processual do material obtido durante o desenvolvimento da pesquisa
A crônica é o primeiro material bruto advindo dos grupos. O cronista não fala no grupo e faz um relato escrito, onde registra suas impressões, reflexões, sensações acerca dos acontecimentos ocorridos nos grupos. Dizemos que a crônica expressa a transferência do cronista com o acontecer grupal, ela capta o material mais profundo do grupo, que escapa muitas vezes do olhar do coordenador. A crônica é como se fosse um diamante bruto que vai sendo lapidado em sucessivas fases: na reunião pós-grupo, na reunião semanal de equipe, nos pré-grupos, sendo também utilizada nos relatórios parciais e relatório final.
Crônica do dia 19/02/2015
A reunião se inicia com uma apresentação de cada um dos participantes. Nesse primeiro momento, Xxxxx Xxxxxx já explica o papel das cronistas nos encontros e a importância de suas crônicas, ressaltando-as como material sigiloso. Ele atenta para o fato de que as cronistas não falam. Nesse momento, me vem à cabeça o trecho de uma música da banda 5 a Seco, da qual gosto bastante: “Mesmo quando a boca cala o corpo quer falar”.
Penso que ela me veio à mente, pois fiquei refletindo no quão difícil – e ao mesmo tempo interessante – é não poder falar, mas apenas registrar e escrever o que sinto e penso de tudo o que vejo e escuto, mas também daquilo que não consigo enxergar, tampouco ouvir. E mais, na árdua tarefa da escuta da escuta, em espiral, de um escutar os outros e escutar-se por meio das próprias palavras e, então, ao reler o que escreveu, re-escutar os outros e a si mesma, e assim sucessivamente. Ora, calar a boca é mais fácil, mas como calar o corpo que responde à boca calada e quer falar? Fiquei atenta para que meu corpo
pudesse ter falas tímidas, baixas, roucas... No começo da reunião, atentou-se para as duas tarefas principais dos GTs: como montar o grupo de pesquisadores sociais e qual será o mapeamento”. Messias coloca: “A dinâmica do desconhecido é imprevisível”.
Durante a reunião, os moradores de rua vão revelando que se sentem capacitados para trabalhar em qualquer região de São Paulo. Vou tendo a sensação de que há algo que os une de modo visceral.
A frase de Xxxxxxx ecoou ao longo de toda a pesquisa e foi sendo abordada em cada um dos espaços grupais. Foi uma frase guia que nos permitia elaborar como equipe situações e vivências surpreendentes e desconhecidas que foram surgindo durante a pesquisa. Esse exemplo ilustra como algo presente na crônica foi se fazendo presente ao longo de todo o trabalho.
2.2.2 Reuniões da equipe técnica
Ocorriam semanalmente. Foi o espaço de estruturação e organização da pesquisa, do trabalho da semana, da definição dos caminhos a serem trilhados pela pesquisa diante do que o campo apresentava de novo e de surpreendente. Assim, ali iam sendo levantadas hipóteses que problematizavam e adensavam as soluções encontradas, os achados de pesquisa e os resultados parciais.
2.2.3 Reuniões periódicas com o secretário e sua equipe
Nessas reuniões eram apresentados o desenvolvimento da pesquisa e os resultados parciais, de forma que pudessem servir de subsídios à gestão na construção da política pública com a população em situação de rua. A título de exemplo podemos citar a referência que fizemos em um desses encontros sobre a necessidade de articular as políticas públicas de direitos humanos às doações feitas na rua por diferentes grupos religiosos e grupos espontâneos que, em nome da caridade, interferem na dinâmica de sobrevivência nas ruas, constituindo as bases de um assistencialismo que só serve para manter a população nessa situação. Na ocasião foi sugerido que se criasse um fórum de debate permanente entre esses diversos grupos e as políticas assistenciais e de direitos humanos que se destinam à população em situação de rua5.
5 Essa sugestão faz parte das nossas propostas presentes neste relatório para a construção do Plano Municipal para Pop Rua.
2.2.4 Apresentação inicial da pesquisa e dos resultados parciais ao Comitê Pop
Inicialmente foi feita uma reunião da equipe da SUR com o Comitê Pop Rua para
apresentação da pesquisa. Nessa primeira reunião foi feita a Repactuação do Plano de Trabalho e houve a incorporação das mudanças metodológicas requisitadas pelos membros do comitê.
Figura 2. Apresentação inicial da pesquisa e dos resultados ao Comitê Pop Rua Fonte: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx/Xxxxxxxx-Xxx-Xxx-XX-0000000000000000/?xxxxxxx
Aqui vale destacar que a proposta da pesquisa feita pela SUR previa que a eleição dos pesquisadores sociais fosse por representação, de forma que cada entidade e/ou movimento com assento e voz no Comitê Pop Rua indicaria um representante. Contudo, diversos integrantes do Comitê Pop Rua questionaram tal critério. Então, em atenção ao questionamento, criou-se uma “inovação metodológica”. Foi proposto pela SUR que para a definição dos pesquisadores faríamos dez encontros abertos (um por semana) de forma que quem quisesse participar poderia fazê-lo; ao longo dos dez encontros, seriam trabalhados: o mapeamento dos locais onde a pesquisa deveria ser realizada, os critérios para ser pesquisador social e as dúvidas em relação à pesquisa. Quem quisesse poderia participar e ao final desses encontros seriam eleitos pelos participantes os dez pesquisadores.
Essa nova metodologia de eleição foi bastante interessante e impactou de forma decisiva na segunda fase da pesquisa. Além de uma prática democrática, foi-se criando uma afinidade com o trabalho, uma vez que aqueles que se identificaram com o projeto
de pesquisa tinham participação constante nos encontros. Esse processo legitimou as escolhas dos pesquisadores feitas pelos próprios participantes interessados na pesquisa.
Figura 3.Cartaz para discussão dos critérios para contratação dos pesquisadores sociais.
Fonte: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx/Xxxxxxxx-Xxx-Xxx-XX-0000000000000000/?xxxxxxx
No momento em que foi criado esse GT da foto acima, postada no Facebook, também foi possível já trabalhar sobre o mapeamento dos territórios prioritários e a formação dos futuros pesquisadores.
Ampliou-se dessa forma a divulgação da pesquisa, uma vez que foram criados cartazes que foram distribuídos em vários locais frequentados pela população em situação de rua.
Figura 4. Cartaz divulgando a pesquisa
Fonte: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx/Xxxxxxxx-Xxx-Xxx-XX-0000000000000000/?xxxxxxx
Figura 5. Xxx, com cartaz “O que é viver na cidade de São Paulo. Queremos ouvir quem vive!”
Fonte: Caio Palazzo
Posteriormente foram realizadas apresentações dos relatórios parciais da pesquisa ao comitê com os produtos previstos no contrato entre a SMDHC e a SUR. Aquele era um momento estratégico do processo, pois ali estavam presentes: a coordenação da população em situação de rua, representantes de outras secretarias e de entidades da sociedade civil, além das pessoas em situação de rua interessadas em participar desse fórum de debate.
Figura 6. Reunião do Comitê Pop Rua na apresentação e debate do último relatório, 02/03/2016
Fonte: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx/Xxxxxxxx-Xxx-Xxx-XX-0000000000000000/?xxxxxxx
(i) Na sede do Conselho Regional de Psicologia (CRP), em 25 de maio de 2015, com parceiros de diferentes campos do saber (filósofos, antropólogos, arquitetos, psicanalistas, entre outros) para a apresentação e debate dos resultados parciais da pesquisa.
Figura 7. No CRP, encontro para discussão dos resultados da pesquisa
Fonte: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx/Xxxxxxxx-Xxx-Xxx-XX-0000000000000000/?xxxxxxx
(ii) Apresentação dos resultados parciais da pesquisa em evento sobre a Arquitetura na Cidade de São Paulo, promovido pela revista Arquitetura e Construção, em 7 de julho de 2015.
(iii) Evento Psicanálise, Política e Saúde Mental, com a apresentação dos resultados preliminares da pesquisa feita por Xxxxx Xxxxxx, coordenador da pesquisa participativa POP RUA, onde estava presente também o Secretário de Direitos Humanos e Cidadania Xxxxxxx Xxxxxxx, o secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho Prof. Xxxx Xxxxxx, o psicanalista e professor do curso de Especialização em Psicopatologia da Faculdade de Saúde Pública da USP Xxxxx Xxxxxxxxx, o prefeito de Maricá/XX Xxxxxxxxxx Xxxxxx, e Xxxxxxxxx Xxxxxx, que é deputada estadual do Estado do RJ. No evento estavam presentes profissionais da área da saúde, da saúde mental e da economia solidária. Em 7 de novembro de 2015
(iv) Apresentação parcial dos resultados da pesquisa em mesa redonda no Congresso Internacional da Associação Psicanalítica, Porto Alegre, de 13 a 15 de novembro de 2015.
Esse material encontra-se nos anexos no final da presente pesquisa em virtude da sua extensão. A bibliografia consultada está disponível junto com as demais referências bibliográficas. Também durante a pesquisa foi possível postar, na página no Facebook da
Pesquisa Pop Rua SP, matérias significativas para o debate acerca da população em situação de rua, conforme se constata na imagem a seguir.
Figura 8. Matéria no site Pesquisa Pop Rua
Fonte: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx/Xxxxxxxx-Xxx-Xxx-XX-0000000000000000/?xxxxxxx
2.2.7 Entrevistas nas ruas da cidade de São Paulo
Foram realizadas, pelos pesquisadores sociais, 252 entrevistas nas ruas da cidade de São Paulo. O primeiro entrevistado foi o secretário de Direitos Humanos e Cidadania Xxxxxxx Xxxxxxx.
Figura 9. Entrevista com Xxxxxxx Xxxxxxx
Fonte: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx/Xxxxxxxx-Xxx-Xxx-XX-0000000000000000/?xxxxxx
Figuras 10 e 11. Entrevista com Xxxxxxx Xxxxxxx
Fonte: xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx/Xxxxxxxx-Xxx-Xxx-XX-0000000000000000/?xxxxxxx
Apresentamos a seguir alguns trechos da reportagem “Ex-moradores de rua participam de pesquisa e reencontram o passado”, publicada na coluna da Mônica Bergamo na Folha de S. Xxxxx, em 20 de dezembro de 2015.
“Será que as pessoas sabem o que é viver assim?”, reflete Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxx, 59, ao puxar memórias dos 30 anos que passou ao relento em São Paulo, “magro, sujo, de barba, sempre de ‘fogo’, tomando três corotes [pequenas garrafas de cachaça] por dia.Ele está de volta à rua. Mas agora vem de banho tomado, alimentado, após dormir sob o teto de uma casa no bairro da Aclimação para dependentes químicos em tratamento. Xxxx integra uma equipe de ex-moradores de rua contratados pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos para conhecer as 16 mil pessoas da cidade que vivem ao relento, como ocorria com ele no passado. Pelo trabalho, ganha R$ 500 por mês, mais vale-alimentação e transporte.
[...] Em uma das escadas da estação da Luz, Xxxxx xx Xxxxx Xxxxx, 48, também pesquisador, encontra um homem sentado ao lado de um cobertor. “Seu João, há quanto tempo o senhor tá na rua?”, pergunta, de prancheta em punho, a Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxx,
74. Ele diz nem se lembrar mais. O motivo de estar ali: abandono. “A ‘xxxx’ morreu e os filhos [faz gesto indicando que foram embora]. O problema foi esse, não teve outro. (BERGAMO, 2015).
Figuras 12 e 13. O pesquisador Xxxxx (de pé), enquanto Xxxxx ouve seu Xxxx (sentado na escada)
Fonte: Foto: Xxxxxx Xxxxxx / Folhapress
2.2.8 Visitas realizadas em diferentes equipamentos de atendimento.
Os pesquisadores sociais realizaram 38 visitas em locais de atendimento a população em situação de rua. Entrevistaram técnicos, gestores e usuários desses serviços.
2.2.9 Entrevistas realizadas pela equipe técnica nas ruas.
O número de entrevistas realizadas pela equipe técnica não foi contabilizado, pois as entrevistas que subsidiaram a pesquisa foram àquelas realizadas pelos pesquisadores sociais e não pelos técnicos. Elas tinham como objetivo contribuir e qualificar o material produzido pelos pesquisadores.
2.2.10 Saídas noturnas a campo
No total, foram efetuadas duas saídas noturnas com o secretário Municipal de Direitos Humanos e Cidadania Xxxxxxx Xxxxxxx.
Figura 14. Xxxxxxxxx xx Xxxxx fala com Xxxxxxx Xxxxxxx na calçada perto da favela do Cimento.
Fonte: Xxxxxx Xxxxxx / Folhapress.
Xxxxxxxxx, baiano de Jequié, está com passagem de ônibus comprada para o dia seguinte: ‘Vou voltar pra lá. Com essa crise, não tô conseguindo nada. Tá mais difícil’, reclama o operário da construção civil. E, na chegada, o ex-senador encontra o pesquisador Xxxxxx Xxxxxxx, 49, agachado na calçada conversando em francês com um haitiano que perambula por xxx e não tem moradia. O acriano, que conta ser formado em administração e domina o idioma, viveu na rua até o ano passado, quando conseguiu hospedagem na casa de um parente em Taboão da Xxxxx.
2.2.11 Entrevistas realizadas pela equipe técnica nos equipamentos da Prefeitura e conveniados
O número de entrevistas realizadas pela equipe técnica não foi contabilizado, pois as entrevistas que subsidiaram a pesquisa foram aquelas realizadas pelos pesquisadores sociais e não pelos técnicos. Elas tinham como objetivo contribuir e qualificar o material produzido pelos pesquisadores
2.2.12 Reuniões e conversas com membros de outras instituições que trabalham no mesmo campo em diferentes regiões da cidade.
Estas ocorreram sob forma de rodas de conversas nos territórios prioritários.
2.3 Forma de análise dos dados e a criação das categorias
Todos os dispositivos de escuta criados para o desenvolvimento da pesquisa apresentados e o material bibliográfico compõem o trabalho de análise dos dados, realizado através da metodologia qualitativa de pesquisa. À medida que elementos significativos iam surgindo e se repetindo de diferentes formas, mas de modo consistente nas entrevistas e nas crônicas, eles passavam a constituir as categorias de análise.
2.3.1 Análise dos dados
No segundo momento os dados foram trabalhados a partir dos textos escritos pelos pesquisadores sociais em suas entrevistas às pessoas em situação de rua e nos equipamentos de atendimento, bem como a partir das crônicas escritas pelos cronistas em todos os dispositivos grupais.
3 RESUMO DAS FASES DA PESQUISA
A fase II consistiu no processo de formação das equipes de pesquisadores e mapeamento dos territórios prioritários. A fase III correspondeu à Pesquisa Documental, elaborada a partir da sistematização dos dados e documentos sobre a população em situação de rua nos territórios prioritários tanto em meios acadêmicos (base de dados SciElo) quanto com um compilado de notícias de jornais e revistas acerca do tema A fase IV – Pesquisa Institucional – elabora um diagnóstico institucional territorializado, contendo uma síntese dos programas e projetos para a população em situação de rua com recomendações de aperfeiçoamento”, correspondeu à intensificação da coleta de dados no território, priorizando a visita a equipamentos e a realização de entrevistas em profundidade com seus usuários e técnicos. Também foi realizada nessa etapa uma série de reuniões com o secretário de Direitos Humanos Xxxxxxx Xxxxxxx, para a entrega dos resultados parciais da pesquisa, discussão e pactuação a respeito do diagnóstico institucional territorializado e recomendações de aperfeiçoamento. Finalmente, a fase V
– Pesquisa Territorial: encontro com entidades – corresponde à primeira parte da Pesquisa Territorial, na qual realizamos o levantamento e sistematização das informações compiladas por ocasião dos encontros com os técnicos nos territórios de Santana/Tucuruvi, Lapa, Mooca, Pinheiros, Santo Amaro e Sé.
3.1 Fase I: Repactuação do Plano de Trabalho e da Pesquisa Social Participativa
A fase I da pesquisa consistiu na Repactuação do Plano de Trabalho aprovado, contendo a metodologia de execução da Pesquisa Social Participativa junto ao Comitê Pop Rua, incorporando eventuais ajustes por parte dos membros do comitê. Nessa fase foi realizada uma série de reuniões de equipe com o objetivo de atribuir responsabilidades e estabelecer um cronograma de trabalho, além de uma reunião entre a equipe SUR da Pesquisa Pop Rua e o Comitê Pop Rua, com o objetivo de informar ao comitê a metodologia da pesquisa e convidar os integrantes a participar da pesquisa.
A equipe técnica é composta por cinco integrantes: um coordenador, um pesquisador sênior e três técnicos (um jornalista, um psicólogo e um psicólogo/assistente social ou sociólogo). Além disso, fazem parte da equipe quatro estagiários (para registro fotográfico e descrição pormenorizada dessa fase, ver Relatório 2 correspondente à fase III).
3.2 Fase II: Processo de formação das equipes de pesquisadores e mapeamento dos territórios prioritários
A fase II consistiu no processo de formação das equipes de pesquisadores e mapeamento dos territórios prioritários. Nessa etapa do trabalho foi estabelecido um Grupo de Trabalho (GT) do Comitê Pop Rua para a seleção dos pesquisadores sociais e mapeamento do território. Esse processo permitiu a capacitação dos candidatos e a criação de um grupo de trabalho vinculado à pesquisa. O GT também foi responsável pela ampla divulgação da pesquisa e levantamento minucioso de dados quanto ao mapeamento dos locais de maior concentração da população em situação de rua em São Paulo.
A metodologia empregada exige que o pesquisador seja alguém que vive a situação de rua e que, a partir da pesquisa, exerce um papel investigativo, crítico e de elaboração sobre a realidade vivida por ele e pelos milhares de outros que fazem da rua seu lugar de vida, xxxxxxx e/ou trabalho. Portanto, foi necessário constituir uma equipe com dez pesquisadores sociais e suplentes, todos com perfil adequado ao trabalho de realização de pesquisa social participativa.
Para a seleção desses pesquisadores foram necessários três eixos de atuação, cada um responsável por diferentes etapas do processo: (a) realização de reuniões semanais com a equipe SUR; (b) realização de reuniões com interessados pela política para a população em situação de rua da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo; (c) reuniões do GT do Comitê da População em Situação de Rua da Cidade de São Paulo para mapeamento da população em situação de rua em São Paulo e seleção de pesquisadores sociais
3.2.1 Descrição do dispositivo de pesquisa e formação do grupo de pesquisadores
Foram efetuadas reuniões semanais com a equipe SUR, que tiveram início dia 12
de janeiro (segunda-feira) de 2015, com o objetivo de: (a) discutir a metodologia de formação do grupo; (b) selecionar os critérios de escolha dos pesquisadores sociais; e (c) levantar as avaliações individuais feitas durante as reuniões do Grupo de Trabalho do Comitê Pop Rua.
Foram realizadas, até o momento de conclusão deste relatório, 36 reuniões com duas horas de duração. As reuniões foram compostas por: dois coordenadores, Xxxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxx; dois técnicos da psicologia, Xxxxx Xxxxxxx e Xxxxx Xxxxx; quatro
cronistas, Xxxxxxxx Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxx; grupo de jornalistas Ponte.
As reuniões com interessados da política para a população em situação de rua da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo foram realizadas com o ex-secretário Xxxxxxx Xxxxxxx para apresentação da pesquisa e discussão; com o Comitê Pop Rua, na presença do secretário Suplicy, em 12 de fevereiro de 2015, para: apresentação da pesquisa; convite aos integrantes para participação como pesquisadores; constituição do GT Pesquisa Participativa para realização do mapeamento.
Houve ainda reunião com Comitê Pop Rua para apresentação do mapeamento; reuniões de articulação com os Coordenadores política para a população em situação de rua da Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo; reunião com o Comitê Pop Rua para divulgação dos resultados parciais da pesquisa; reuniões com o secretário Xxxxxxx Xxxxxxx para apresentação dos resultados parciais e discussão.
Contamos também com reuniões do GT do Comitê da População em Situação de Rua da cidade de São Paulo para mapeamento da população em situação de rua de São Paulo e seleção de pesquisadores sociais. Essas reuniões tiveram como objetivo: a divulgação da pesquisa entre os participantes; a construção de uma estratégia para a divulgação da pesquisa para a sociedade em conjunto com a população. Esta última se constituiu de divulgação do convite aos candidatos a pesquisadores sociais via e-mail, cartazes e panfletos distribuídos pelos próprios participantes em serviços de acolhida e nos locais de pernoite.
Na ocasião foram também discutidos (a) a construção de uma página da pesquisa no Facebook; (b) o mapeamento dos locais de pernoite e fluxo da população em situação de rua em São Paulo por região (Centro, Norte, Oeste, Leste e Sul), bem como a escuta de histórias relacionadas ao modo de vida dessa população, buscando ouvir as especificidades de cada segmento populacional, como travestis, idosos, adolescentes, mulheres, crianças, homens jovens e usuários de serviços de saúde mental; (c) a avaliação continuada dos candidatos a pesquisadores sociais, respeitando os seguintes critérios: participação ativa e comprometida nas reuniões do GT; boa relação com os colegas de equipe; interesse em ações políticas relacionadas a população em situação de rua; ter disposição para se locomover na cidade e realizar a pesquisa nos diversos territórios; compor um grupo que no total contemple diferentes segmentos populacionais e seja
representativo; (d) seleção de dez pesquisadores sociais e suplentes para realizar a pesquisa.
As reuniões do GT ocorreram semanalmente, às quintas-feiras, das 10h30 às 12h30, nas seguintes datas: 19 e 26 de fevereiro; 5, 12 e 26 de março; 2, 9, 16, 23 e 30 de abril, totalizando dez reuniões. Compuseram essas reuniões: toda a equipe da SUR, integrantes da Coordenação de Políticas para a população em situação de rua da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, membros do Comitê Pop Rua, trabalhadores de entidades interessadas, participantes de movimentos sociais, cerca de 10 a 20 pessoas em situação de rua interessadas em serem pesquisadores sociais. O local onde nos reunimos foi o Auditório do RH, à Rua Líbero Badaró, 425 – 31º ou 6º andar. A seguir abordaremos a equipe, o dispositivo e o mapeamento.
(i) Equipe de pesquisadores sociais formada
Os selecionados para serem titulares foram: Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxxxx, Xxxxx Xxxxx xx Xxxxx, Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxx xx Xxxxx, Xxxxxx, Xxxxx xx Xxxxx Xxxxx, Castor Xxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxxx xxx Xxxxxx. Os suplentes foram: Xxxxxx Xxxxxxx X. Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxx Xxxxx, Xxxxx e Xxxxxx O trabalho da assessoria técnica para o mapeamento territorial ocorreu nas mesmas datas das reuniões do GT do Comitê da População em Situação de Rua da cidade de São Paulo, (com exceção dos dias 16 e 30 de abril, quando foi realizada a seleção dos pesquisadores e discussão a respeito do contrato de trabalho com os pesquisadores, respectivamente). O mapeamento foi dividido em macrorregiões do município de São Paulo: Centro, Norte, Oeste, Leste e Sul.
(ii) Dispositivo de conversas públicas para interlocução com a sociedade
Foi realizado um encontro entre a equipe do projeto e interlocutores de referência no trabalho social para a apresentação do desenvolvimento da pesquisa. Nessas interlocuções buscou-se debater e problematizar diferentes visões sobre a rua a partir da discussão aprofundada do projeto. O encontro ocorreu dia 27 de janeiro de 2015 no Conselho Regional de Psicologia SP e teve a participação de: Núcleo Psicanálise e Política (PUC) e Núcleo de Psicanálise e Sociedade (USP) – Xxxxxx Xxxxxxx Xxxx; Xxxxxxx Xxxxxxxx – Xxxxxx Xxxx; Minha casa minha rua – Xxx Xxxxxxxx; antropóloga Xxxxxxx Xx Xxxx; Núcleo Entretempos – Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxxx Xxxx; Programa Braços Abertos – psicanalista Xxxxxxx Xxxxxxxx; Secretaria Municipal da
Cultura – arquiteto Xxxxxx Xxxxxx; CAPS Sé – psicanalista Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxxx, entre outros.
O mapeamento territorial feito pelos pesquisadores sociais se mostrou mais preciso para as regiões mais conhecidas por eles, como Centro e Leste. Julgamos que isso ocorre tanto devido à dificuldade da entrada dos pesquisadores em territórios desconhecidos quanto à alta mobilidade da estrutura de residência da rua. Muitos locais onde existiam concentrações de malocas sofreram processo de remoção recente, como Vila Leopoldina e Lapa. No momento de finalização deste trabalho, concluímos a pesquisa em todas as regiões (Centro, Leste e Oeste, Sul e Norte – para registro fotográfico e descrição pormenorizada, ver Relatório 2 correspondente à fase III).
3.3 Fase III: Pesquisa Documental Crítica
A fase III abarcou: o piloto da fase de entrevistas no campo, a pesquisa documental crítica e parte das visitas aos aparelhos dos territórios prioritários.
A pesquisa documental crítica consistiu no levantamento e sistematização de referências com foco na população em situação de rua nos territórios prioritários. Foram pesquisados artigos e outros textos acadêmicos, notadamente na base de dados SciElo, assim como notícias de jornais e revistas acerca do tema. Os resultados desse levantamento estão detalhados no correspondente produto anteriormente encaminhado, conforme cronograma de entrega dos produtos.
Também foi realizada nessa fase uma pesquisa de campo piloto no Centro da cidade de São Paulo, acompanhada da capacitação dos pesquisadores sociais nas oficinas previstas na metodologia.
E, finalmente, foram realizadas visitas aos aparelhos que atendem a população em situação de rua, prioritariamente no Centro de São Paulo, acompanhando a fase piloto da pesquisa. Na ocasião foram realizadas entrevistas com alguns técnicos que se disponibilizaram a conversar com nossa equipe (para registro fotográfico e descrição pormenorizada do piloto da fase de entrevistas no campo, pesquisa documental crítica e parte das visitas aos aparelhos dos territórios prioritários, ver Relatório 2 correspondente à fase III).
3.4 Fase IV: Pesquisa Institucional
Essa fase englobou o desenvolvimento do diagnóstico geral, sugestões de aperfeçoamento e o percurso da pesquisa.
3.4.1 Diagnóstico geral e sugestões de aperfeiçoamento
Foi realizada uma pesquisa sobre a metodologia adotada, Pesquisa Qualitativa, a fim de capacitar os pesquisadores sociais e técnicos na realização das entrevistas e sistematização dos dados (para aprofundamento, ver item 2.4.1. Diagnóstico geral e sugestões de aperfeiçoamento no Relatório 3 correspondente à fase IV).
Para a elaboração desse diagnóstico, foi necessária a criação de sete eixos de ação:
1. Capacitação dos pesquisadores sociais para a escuta do outro, a fim de subsidiá- los para a realização de entrevistas em profundidade;
2. Capacitação dos pesquisadores sociais para o registro escrito das entrevistas;
3. Seleção de público alvo: a) população em situação de rua não atendidas pelos centros de acolhida. b) população em situação de rua que frequenta projetos e programas governamentais; c) técnicos de projetos e programas que atendem a população em situação de rua, tanto vinculados aos programas governamentais como não vinculados a eles;
4. Seleção dos locais prioritários em cada região;
5. Realização das entrevistas em campo;
6. Análise dos dados obtidos no campo, tanto pelo próprio grupo de pesquisadores nas oficinas semanais quanto pela equipe responsável pela pesquisa;
7. Realização de encontros nos territórios com técnicos que trabalham diretamente com a população em situação de rua.
3.4.2 O percurso realizado até o momento pela pesquisa
O trabalho da pesquisa Pop Rua na cidade de São Paulo se desenvolveu em diferentes territórios e situações institucionais. Os eixos A e B foram trabalhados constantemente através dos grupos semanais: todas as segundas, terças e quintas-feiras. Às segundas-feiras ocorria a preparação para a escuta. Esse foi um espaço de importante interlocução sobre a vida dos pesquisadores sociais e elaboração das situações de vida. Objetivou-se dessa forma construir um espaço onde eles, podendo falar de si, estivessem
abertos nas entrevistas para a escuta do outro. Às terças-feiras foram criados os roteiros para as entrevistas, as estratégias de abordagem, as definições dos locais abrangidos pela pesquisa e as situações do campo. Às quintas-feiras os jornalistas do grupo Ponte preparavam as técnicas de entrevista e abordavam os elementos textuais e vivenciais do processo.
No eixo C, buscamos priorizar a localização de grupos de difícil acesso e o segmento da população em situação de rua não assistida por projetos e programas governamentais que, portanto, fazem da rua seu local único de convivência, além de usuários dos serviços que abrangem os diferentes segmentos sociais (mulheres, idosos, travestis, transexuais, gays, moradores de bueiros, moradores de ocupações).
O eixo D contempla a análise e execução do mapeamento territorial prévio, constante no edital realizado para o desenvolvimento da pesquisa, e posteriormente trabalhado nas primeiras reuniões ampliadas da Pesquisa Pop Rua, antes mesmo da escolha dos dez pesquisadores.
O eixo E já contemplou a realização da pesquisa nas regiões: Centro, Leste e Oeste, Sul e Norte.
O eixo F está em constante elaboração, proporcionando resultados parciais, definição e reafirmação de estratégias. Contudo, o resultado final será concluído com o término do trabalho de campo e posterior análise, na entrega do relatório final, onde deverão estar presentes os subsídios para construção da política municipal para população em situação de rua da cidade de São Paulo.
O eixo G consistiu na realização de encontros prioritariamente com técnicos que trabalham com a população em situação de rua das diferentes secretarias: Saúde, Habitação, Trabalho, Assistência Social e Direitos Humanos, nos territórios principais Santana/Tucuruvi, Lapa, Mooca, Pinheiros, Santo Amaro e Sé. Participaram efetivamente dos encontros principalmente os técnicos das Secretarias Municipal de Direitos Humanos e Cidadania; da Saúde; e da Assistência Social.
Até o momento de finalização deste trabalho foram realizadas no mínimo 150 entrevistas em profundidade com as pessoas em situação de rua dentro dos três grupos de população alvo elencados no eixo C: 1. moradores de calçada que não são assistidos por projetos e programas governamentais; 2. população em situação de rua que frequenta projetos e programas governamentais; 3. técnicos de projetos e programas que atendem à população em situação de rua, que totalizaram a visita e entrevista em 16 equipamentos e a realização de sete encontros nos territórios prioritários.
3.5 Fase V: Pesquisa Territorial: encontro com entidades
A pesquisa territorial com as entidades consistiu em sete grupos de conversa com as entidades que trabalham diretamente com a população em situação de rua, Secretaria de Direitos Humanos e equipe SUR nos territórios prioritários Santana/Tucuruvi, Lapa, Mooca, Pinheiros, Santo Amaro e Sé.
Os encontros tinham um formato aberto. Os coordenadores do grupo lançavam o tema, “atendimento à população em situação de rua”, a partir do qual os participantes falavam livremente sobre as questões que os inquietavam. Em algumas situações os coordenadores faziam breves questionamentos sobre temas específicos.
Essas discussões tinham como objetivo captar qual a opinião dos técnicos quanto ao que estava ocorrendo na região. Em Santo Amaro, por exemplo, que é uma região muito extensa, há muitos imigrantes; logo, há de ser pensado um trabalho dirigido a esse púbico na região. Congoleses, haitianos e latino-americanos aparecem em vários territórios pesquisados.
Como os técnicos se relacionavam com o trabalho com a população em situação de rua e com os usuários dos equipamentos, além da representação que faziam desta população, foram incluídos seus preconceitos, dificuldades, denúncias e relação entre equipamentos e secretarias.
Para chegar a essas informações os coordenadores e representantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania não direcionaram os encontros e evitaram ao máximo se posicionar em relação ao que estava sendo dito, evitando com o mesmo rigor que as pessoas se sentissem inibidas quanto ao seu próprio posicionamento ou construíssem falas para atender a demanda da secretaria ou dos coordenadores.
Através desses encontros foi possível perceber uma série de dificuldades enfrentadas pelos aparelhos destinados para o atendimento da população em situação de rua e perceber os pontos de saturação da pesquisa, ou seja, pontos que se repetem nos relatos de diferentes regiões e atores.
Uma grande parcela dos pontos citados pelos técnicos nesses encontros já havia sido levantada pelos pesquisadores sociais e estará descrita no Relatório VI, bem como a análise e discussão de todas as categorias.
Na figura a seguir é possível ver uma sistematização que condensa, através de redes hierárquicas, as principais categorias levantadas no discurso dos técnicos.
Figura 15. Categorias retiradas das rodas de conversa com entidades
4 RELATÓRIO FINAL: SISTEMATIZAÇÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA SOCIAL PARTICIPATIVA
(i)TERRITORIALIZAÇÃO
A Pesquisa Social Participativa Pop Rua contou prioritariamente com duas formas de coleta dos dados nas entrevistas de campo: a) o registro escrito feito pelos próprios pesquisadores sociais, com isso mantendo o seu lugar de fala e de escrita e respeitando o protagonismo dos pesquisadores sociais nessa investigação. Esse material, foi posteriormente transcrito para a realização da análise (Para ver maior detalhamento consultar ANEXO 2); e b) os relatos orais feitos pelos pesquisadores sociais nos grupos onde se pôde trabalhar melhor as entrevistas que eles fizeram, bem como explorar a riqueza dessas entrevistas da maneira mais detalhada possível. Esse material teve seu registro feito através das crônicas. É importante destacar que a opção de usar o registro feito pelos próprios pesquisadores sociais implicou um maior esforço de toda a equipe para promover a capacitação dos pesquisadores para tal tarefa, tanto com relação à realização das entrevistas quanto ao registro das mesmas, uma vez que essa atividade era completamente nova para os mesmos.
Partimos para a análise de um total de 252 registros escritos das entrevistas feitos pelos pesquisadores, 200 registros das descrições orais e cinco registros escritos realizados pela equipe técnica da SUR durante a Fase II–Processo de formação das equipes de pesquisadores e mapeamento dos territórios prioritários–, referente às visitas a quatro equipamentos da região central e um equipamento da região norte. Em relação aos registros escritos realizados pelos pesquisadores sociais, foram feitas: 44 observações, 39 entrevistas com técnicos, 8 entrevistas com população civil e 162 entrevistas com população em situação de rua.
A dinâmica de pesquisa de campo funcionou de acordo com o esquema apresentado na metodologia de pesquisa: 10 pesquisadores sociais foram contratados para realizarem a pesquisa com a carga horária de 20 horas semanais distribuídas ao longo da semana. Participavam de três grupos com a equipe técnica e iam duas vezes a campo para a realização da pesquisa.
Os locais prioritários para a realização do campo de pesquisa foram levantados durante a Fase II–Mapeamento Territorial–, respeitando os territórios prioritários. A escolha dos locais a serem visitados dentro do mapeamento foi feita em parceria com os
pesquisadores sociais e aqueles que compareceram durante os dez encontros do GT do Comitê Pop Rua, respeitando e acolhendo as suas indicações sobre a rua e os locais a serem visitados. Até o final da pesquisa foram visitados 38 equipamentos. Os locais e as instituições abordadas pelos pesquisadores sociais incluíram visitas em diferentes turnos aos territórios e locais a seguir.
Territórios prioritários (Subprefeituras) | LOCAIS VISITADOS |
Sé | Prxxx xx Xx, Xxxxx xx Xxxxxxx, Xxxx xx Xxxxxxxxxx, Terminal de ônibus Bandeira, Baixada do Glicério, Feira do Rolo, Direitos Humanos no Viaduto (antiga Associação Minha Rua Minha Casa), região da Bela Vista, Espaço de Convivência Bela Vista, Restaurante comunitário Querupita, Restaurante comunitário Penaforte, Restaurante Comunitário Restaura-me, Avenida 9 de Julho, Ocupação MMSTC, MMLJ e FLM, Cracolândia, Região da Estação da Luz, Ministério Público, Terminal de ônibus Princesa Xxxxxx, Praça Princesa Xxxxxx, Programa Autonomia em foco (Glicério), Liberdade, Programa POT (região da cracolândia – porém sem possibilidade de continuar entrevistas por ausência de gerente no dia/pagamentos no dia da visita), Consultório na Rua (região da cracolândia – onde foram entrevistados: enfermeira e psicólogo), tenda do Programa de Braços Abertos (região da cracolândia – porém não conseguimos entrevistas com profissionais pois orientador estava na hora do almoço), Casa de apoio São Xxxxxxx xx Xxxxx, alameda Xxxx Xxxxx, Praça do Correio, Reciclázaro, Cooperativa Pão de Moça (Reciclázaro), Programa Reviravolta, Praça Pérola Byington, Hotel Solar Franciscano Francisca Miquelina (Não autorizou entrada, pediu agendamento para outro dia), C.A. Cambuci, Largo do Cambuci. |
Mooca | Espaço de Convivência Alcântara Machado, Espaço de Convivência Mooca, Parque da Mooca, Espaço de Convivência Bresser, Largo da Concórdia, Parque alto Tietê, Parque Belém, Bairro Brás, Bairro Bresser e Cimento, Distrital da Mooca, Espaço de Convivência São Martinho, Centro de Acolhida Arsenal da Esperança, Centro de Acolhida Portal do Futuro, Centro de Acolhida Especial Xxxxx Xxxxx (Mulheres), Centro de Acolhida Especial Lar de Nazaré (Famílias), Casa Xxxxxx Xxx, Centro de Reciclagem Belenzinho. |
Lapa/Pinheiros | Laxxx xx Xxxx, Xxxxx xx Xxxxxxxxx, Xxxxxxxx xx Xxxx x terminal de ônibus Lapa, Vila Leopoldina, Ceagesp (dentro não havia morador, mas do lado de fora havia 6 pessoas no canteiro central deitadas, prox. à Av. gastão vidigal), Largo da Batata, Pinheiros, Centro de Acolhida Cor Esperança, Rua Clélia, Rua Aurélia, Jaguaré, Centro de Acolhida Boracea, CREAS Boracea (técnicos), Viaduto Boracea, Complexo (Núcleo) Boracea (não obtivemos permissão para entrevistar), Centro de Acolhida Zancone. |
Santana/Tucur uvi | Buracos das travestis em Suzano, Centro de Acolhida Jaçanã, Bairro Armênia, Núcleo de Convivência Porto Seguro, Bairro Santana, Igreja de Santana, estação de metrô Santana e imediações (malocas), Praça da Juventude, Terminal Cachoeirinha, Tucuruvi (boca de rango “Panelinha”), Centro de Acolhida Zaki Narchi, entre as estações de metrô Tietê e Carandiru, Vila Maria, Parque Novo Mundo, favela funerária, C.A. Xxxxxxx (antigo “Quarentinha”), República Xxxxxxx (tentativa de entrada, porém orientador socioeducativo comentou que gerente não estava e não poderia permitir pesquisa na ausência do mesmo), Centro POP Santana. |
Santo Amaro | Próximo à estação de metrô Santo Amaro, Laxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx / Xxxxx Xxxxx, C.A emergencial em Santo Amaro (Conhecido como Inferninho pelos moradores), C.A Pousada da Esperança, Vila Mariana (próximo ao metro), C.A. Solidariedade (Abecal), Casa Acolhe a Rua. |
Juntamente a isso, esclarecemos que diversos equipamentos apresentaram ressalvas e até negativas para o recebimento da pesquisa social participativa. Em geral, justificava-se pela necessidade de agendamento prévio, de forma que recorremos à SMDHC, solicitando o encaminhamento de uma circular por correio eletrônico aos equipamentos da Assistência Social voltados à população em situação de rua, informando sobre o procedimento das visitas para entrevistas dos pesquisadores sociais dirigida aos profissionais e usuários dos Serviços.
Tal informe destacava a impossibilidade de previsão pela pesquisa social participativa dos dias das visitas, dada a diversidade de atividades e rearranjos necessários ao andamento do trabalho da pesquisa, inviabilizando, dessa forma, o agendamento para todas as situações-alvo. Contudo, ressaltamos que em muitas ocasiões as visitas realizadas foram programadas através de comunicações com antecedência aos equipamentos assistenciais. Ainda assim, algumas visitas não alcançaram o objetivo de realizar as entrevistas, por imprevistos quanto à disponibilidade (presença) dos responsáveis pelo Serviço, com quem havia sido feito o contato para recebimento dos pesquisadores sociais no dia agendado.
Aqui cabe o alerta quanto à postura “fechada” de alguns serviços que tiveram dificuldades em receber a pesquisa. A invocação à burocracia pareceu bem mais estar referida ao receio de conversar sobre o funcionamento dos mesmos do que à dificuldade concreta em receber os pesquisadores.
(ii)ROTEIRO DE ENTREVISTA
Como exposto no Relatório III, Fase IV, a Pesquisa Participativa se caracteriza por ser Qualitativa, e, dessa forma, as entrevistas realizadas mesmo tendo um roteiro prévio foram semiabertas e abertas (XXXXXX, 2015), nas quais os pesquisadores formulavam as perguntas de acordo com o andamento da entrevista. O roteiro apresentado a seguir serviu para nortear as entrevistas; foi um disparador da conversa com o entrevistado, até que os pesquisadores pudessem formular as questões da pesquisa a partir de seu estilo e da escuta do entrevistado.
Roteiro de perguntas norteadoras para entrevistas dos pesquisadores sociais |
1. Dados gerais: nome, idade, origem, tempo de rua, escolaridade 2. O quê acha da rua? 3. Qual motivo o trouxe à situação de rua? 4. Você vive de quê na rua? Como sobrevive? 5. Já utilizou algum serviço/equipamento para a população de rua? Quais sugestões e críticas você faria? 6. Quais são os seus lugares de referência? 7. Em quê você acredita? 8. Como você faz para se divertir? 9. O que te atrai na vida na rua? 10. Quais as regras da rua? Como você lida com elas? 11. Qual o seu relacionamento com sua família? 12. Como você tem acesso à informação e como se comunica? 13. Como era sua vida antes da rua? 14. Quais são seus sonhos daqui para frente? 15. Você gostaria de falar mais alguma coisa? |
Retomando o Relatório IV, é importante dizer que a metodologia de pesquisa qualitativa prioriza a profundidade das entrevistas realizadas, não apenas o número de entrevistados. Dessa forma, optou-se pela técnica de coleta de dados em forma de entrevistas em profundidade, em detrimento de questionários e outras técnicas de coleta de dados com perguntas fechadas e pré-estabelecidas pela equipe. As entrevistas em profundidade priorizaram o saber dos próprios pesquisadores sociais, que, além de precisarem da sensibilidade de saber abordar cada entrevistado em sua particularidade, tinham a liberdade de criarem perguntas que julgavam relevantes para além do roteiro previsto. Todo esse esforço de criação tem como intuito entender profundamente a realidade do entrevistado e descobrir dados relevantes de como realmente funciona a vida nas ruas.
Essas entrevistas duravam cerca de 30 minutos cada. Em diversos casos os pesquisadores sociais levaram os entrevistados a relatarem toda a sua história de vida, contando segredos pessoais e da vida nas ruas, como: o papel do tráfico, as regras da rua, a vida dentro dos equipamentos quando as luzes se apagam, o roubo, a corrupção, a violência da vida nas ruas, agressões, estupros, uso de drogas, assassinatos, vida na prisão, o descaso das famílias de origem, o descaso do Estado, etc. Em muitas situações, os pesquisadores precisaram lidar com o choro dos entrevistados, a embriaguês, a agressividade e as demandas por ajuda.
Todas estas situações vividas se transformaram em dados de pesquisa, e compunham os registros orais que eram constantemente analisados pelos técnicos. Semanalmente, três entrevistas eram analisadas (durante 3 horas) pelos técnicos em conjunto com os pesquisadores de forma que, ao relatarem a pesquisa, traziam no relato as situações vividas na entrevista, com as tensões e emoções estabelecidas na relação com o entrevistado na abordagem realizada.
Cada encontro com o entrevistado demandava do entrevistador situar-se em relação a sua tarefa: pesquisa não é denúncia; o dever de escutar o outro, sem que suas próprias opiniões prevalecessem; como manejar a situação do entrevistado recusar a pesquisa, etc. Xxxx elementos compõem, juntamente com a transcrição das entrevistas, um rico material que, posteriormente, foi submetido à análise, gerando categorias que concentram em alguns temas centrais o discurso dos entrevistados. Esse método utiliza a psicanálise como forma prioritária de interpretação do discurso, que posteriormente irá se associar à análise de conteúdo e análise do discurso, para a criação dessas categorias, apresentadas nos subcapítulos a seguir.
A seguir apresentaremos os resultados da pesquisa. Primeiramente, no item 4.1 faremos a análise do material coletado através das entrevistas realizadas com técnicos, tanto as rodas de conversa nos territórios prioritários (apresentadas no Relatório V), quanto às entrevistas feitas pela equipe SUR e pelos Pesquisadores Sociais. E no item 4.2 apresentaremos a análise dos dados das entrevistas realizadas nas ruas e equipamentos pela equipe SUR e pelos pesquisadores sociais.
4.1. Categorização do discurso dos técnicos e gerentes dos equipamentos, extraída das rodas de conversa nos territórios e entrevistas dos pesquisadores sociais e equipe SUR nos territórios prioritários
Este item subdivide-se em: Estado, Território, Assistência Social, Transição, Habitação, Trabalho e Emprego, e Saúde.
Sabe-se que um dos objetivos inseridos no Programa de Metas 2013-2016 da prefeitura propõe a superação da extrema pobreza na cidade de São Paulo, apresentando como meta 12: “promover ações para a inclusão social e econômica da população em situação de rua”. Contudo, na medida em que se visa construir um cenário favorável à implementação de projetos que garantam os direitos humanos, a cidadania e a dignidade das pessoas que vivem na rua, a presente pesquisa levantou alguns desafios concernentes ao modo ausente e/ou contraditório da relação do Estado em suas diferentes formas de executar as políticas sociais para esta população.
Operadores sociais de diferentes equipamentos voltados ao atendimento à população em situação de rua fazem considerações sobre o funcionamento ambivalente do Estado, que ora oferece a elas a acolhida e/ou o auxílio com a documentação, e ora as exclui, retirando seus barracos e expulsando-as de onde estão. Destacam-se, sobretudo, queixas referentes às ações da Guarda Civil Metropolitana (GCM), da Polícia Militar (PM), do rapa e das repetidas lavagens às ruas. Muitas vezes, essas ações são dirigidas com preconceito, utilizando-se de agressões verbais e físicas contra essa população, retirando seus pertences:
Um dos integrantes da roda de conversa conta de uma mulher apelidada de Xxxxx na calçada, explicando que o que era mais valioso para ela era um caderno onde escrevia bastante sobre diversas situações. A GCM retirou-lhe o caderno, que foi levado junto com todo o resto de suas coisas, como lixo. Ele também diz do artista Xxxxxxx, que pinta quadros, cujos quadros também foram jogados no lixo pelo RAPA. (crônica - Roda de conversa Vila Maria (Santana Tucuruvi) em 22.10.2015).
Encontra-se presente ainda nessa zona de tensão o discurso de periculosidade, o qual seria utilizado para justificar as violências cometidas contra essa população, gerando então mais preconceitos. Além disso, é amplamente discutido e apontado na pesquisa outro desafio para as formas de organização do atendimento, que atravessa as diferentes políticas públicas: a dificuldade da interlocução entre as diferentes secretarias municipais. Tal questão configura-se como um fator limitador para o atendimento prestado pelos diversos serviços e para o acesso dessa população aos mesmos, dado que os serviços são organizados de modo pouco compartilhado, fragmentando tanto a
execução da política e sua capacidade transformadora, como também a própria população-alvo na possibilidade de compreensão da complexidade e diversidade de manifestações desta.
O que falta mesmo é uma rede que de fato aconteça. Não existe uma conexão entre as equipes. A equipe de saúde trabalha sozinha, não existe um trabalho conjunto com a equipe do social. Assim fica difícil trabalhar. Desde Junho eu tô com um morador no meu hospital e eu não consigo vaga pra ele em nenhum equipamento. Até agora eu espero uma resposta do CREAS. Assim fica difícil trabalhar. (crônica-Roda de conversa Mooca, 12.11.2015)
Discute-se, sobretudo, quanto à necessidade de maior integração entre a política de Saúde e a de Assistência Social, apontando-se, por exemplo, algumas alternativas, como: a maior divulgação do fluxo de atendimento para melhor informar os profissionais das diferentes políticas; a criação de mais Serviços híbridos. Sugere-se a previsão de contratação de outras categorias profissionais aos centros de acolhida, incluindo-se os da aérea da enfermagem, que possam subsidiar ações como: ministrar medicamentos, manejar crises de usuários com transtorno psíquico e lidar com outras situações específicas da área da saúde, como veremos adiante.
Quanto a isso, refletiu-se ainda sobre a importância de se construir e articular territórios levando em conta seus recursos próprios, incluídos aí os serviços à população que vive nas ruas, ao modo como são apresentados na diretriz VIII do decreto 7.053/2009 que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua: “respeito às singularidades de cada território e ao aproveitamento das potencialidades e recursos locais e regionais na elaboração, desenvolvimento, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas”.
Dessa forma, a proposta levantada foi a de envolver a complexidade de políticas públicas territorializadas para potencialização do acesso e do atendimento prestado, seja em diálogo com o corpo de bombeiros, com a vigilância sanitária, com a rede de atenção básica de saúde, com o programa operação trabalho, com o ensino para jovens e adultos, com o centro de acolhida, etc.
Por fim, diante da discriminação social generalizada contra as pessoas que vivem em situação de rua, foi sugerido que se fizessem campanhas, visando à mudança de concepções, práticas e atitudes que estigmatizam essa população, de modo a
sensibilizar, conscientizar e mobilizar a sociedade civil, o poder público e a mídia para esse enfrentamento.
No gráfico a seguir pode-se ter uma ideia síntese das questões levantadas com relação à categoria Estado, subdividida em desafios e sugestões.
Figura 16: Desafios e sugestões da categoria Estado
Algumas características regionais puderam ser identificadas a partir do discurso dos profissionais entrevistados, de modo a oferecer um panorama territorializado dos diferentes modos de organização das políticas sociais, de alguns perfis das pessoas que vivem nas ruas das diferentes regiões da cidade, e da forma como a sociedade civil se relaciona com essa população.
Subprefeitura da SÉ
Começando pelo centro da cidade, na região da Sé, a pesquisa levantou nos encontros com os técnicos, gestores e trabalhadores dessa região um perfil amplo e heterogêneo de pessoas que vivem nas ruas e que acessam os diferentes equipamentos assistenciais, dentre as quais: dependentes químicos, egressos do sistema penitenciário, pessoas advindas de ocupações, imigrantes, pessoas com transtorno mental e idosos abandonados pelas respectivas famílias (principalmente homens).
Dentro dessa diversidade de pessoas foram destacados alguns locais de permanência, aglomeração e circulação, a exemplo da Rua Anchieta, onde se encontrou um grupo que ali busca por um local de dormida. Também, nas proximidades do Centro de Acolhida na região da Bela Vista, encontrou-se um grupo de dependentes químicos e egressos do sistema prisional; na baixada do Glicério, encontraram-se algumas pessoas envolvidas no tráfico de drogas e na feira do rolo. Na Praça da Sé encontrou-se um numeroso grupo de idosos que não aceitam acessar os serviços soco assistenciais, ocupando-se da mendicância e de doações. Ainda nessa praça, identificou-se um grupo fixo que se encontra no entorno da agência da Caixa Econômica, no Marco Zero e no espelho d’água, e outro grupo migrante, que circula pelo território, e que ocupa a área mais próxima à escadaria.
Os imigrantes, presentes na região da Sé apresentam problemas relativos ao alcoolismo e não querem voltar para seu local de origem por vergonha de regressar com menos condições do que quando partiram.
Sobre a população com maior dificuldade de acesso aos equipamentos, aponta-se para os que estão em dependência e uso abusivo ao álcool, devido à facilidade de acesso pelo baixo custo. Sobre o grupo de mulheres com filhos e companheiros, há uma menor quantidade delas presentes nas ruas atualmente. Apontou-se que têm chegado menos pessoas com esse perfil às ruas, indicando que as mesmas possivelmente estejam acolhidas nos equipamentos. O pequeno grupo de mulheres que ainda permanece nas ruas estaria mais localizado atualmente no bairro da Bela Vista.
Uma profissional de um dos equipamentos assistenciais da região relata que o final do ano de 2013 e o início de 2014 foram marcados por um forte período de crise, tendo ocorrido um adensamento de pessoas nos equipamentos, especialmente como ocorrido nos equipamentos da Bela Vista, com presença de egressos que trouxeram brigas, agressões, overdoses e até fizeram profissionais dos serviços de reféns. Vale lembrar que foi nesse período que foram organizadas ações de combate ao tráfico de drogas e ajuda aos usuários de crack pela prefeitura na assim chamada Cracolândia (denominação
informal para uma região no centro da cidade de São Paulo, nas imediações das avenidas Duque de Caxias, Ipiranga, Rio Branco, Cásper Líbero e a Rua Mauá e da Estação Xxxxx Xxxxxxx), o fechamento do Parque Dom Pedro e também a ocorrência das saídas temporárias ou saidões do sistema penal, como no Dia das Mães.
Ainda na região central, discutiu-se acerca das ações violentas da GCM, retirando pertences, realizando cordões de isolamento entre ruas, além da presença das lavagens intensivas às ruas onde se encontram as pessoas que ali vivem, sobretudo na região da Cracolândia.
Sobre a relação da sociedade civil com a população em situação de rua, os profissionais que trabalham na região destacaram a questão da discriminação, expressa pela dificuldade de locação de imóveis pelo poder público para execução de serviços socioassistenciais para a população de rua, dada a resistência da população local.
ações da GCM
retirando pertences
lavagem das ruas intensivamente
cordões de isolamento entre ruas
TERRITÓRIO
Sé
dependência ao álcool
dificuldade de locação de imóvel para Serviços diminuição do número de mulheres na rua/acesso aos
perfil local amplo
Figura 17: Perfil da Subprefeitura da Sé
Subprefeitura da Lapa
De modo abrangente, os profissionais alertaram para o fato de que mais pessoas estão chegando à situação de rua na região devido ao desemprego vivido no país. Na subprefeitura da Lapa, a pesquisa então levantou informações a respeito de um perfil populacional em que muitos sofrem de transtorno mental; outro grupo destacado é originário do meio rural, e outro de usuários de drogas, além de um público feminino vivendo nas ruas.
Destacaram-se dois locais do território: um que concentra uma população de rua migrante e consumidora de álcool, na Rua Gastão Vidigal, e outra parcela da população de rua que se mantém fixa com uso de crack próximo ao portão 9 do Ceagesp da rua Xxxxxx Xxxxxxxx.
Existem localmente alguns fatores importantes que atraem as pessoas em situação de rua para a região, um dos quais sendo a alta qualidade da droga vendida no local: uma pedra de crack, a custo de 10,00, rende o uso para até quatro dias, e a Vila Leopoldina é chamada popularmente de “o ouro das ‘cracolândias’”.
Além disso, outro fator de atração para a população de rua nessa região é o emprego informal, especialmente no carregamento de caminhões que prestam serviço para o Ceagesp, de modo desregulamentado e precarizado, mantendo as pessoas em situação vulnerável. Outro motivo da aglomeração da população de rua junto ao Ceagesp decorre da possibilidade de garantir a higiene (banhos), mesmo que de modo informal e arbitrariamente concedido.
Houve relatos de que o Ceagesp descarta em média 200 toneladas de madeira (além de papel) por mês, razão pela qual estão sendo desenvolvidos alguns projetos de educação para geração de renda e emprego, como por exemplo o projeto “Nossa Turma” que faz o aproveitamento do material dispensado na construção de vassouras e outros produtos, além da organização de feiras comerciais e de oficinas culinárias que utilizam alimentos descartados. Uma das iniciativas busca articulação com um equipamento de acolhida local para inclusão produtiva do segmento da população em situação de rua.
Por outro lado, fala-se que há inúmeros casos de exploração sexual e trabalho infantil no interior do Ceagesp, mas não há dados, pois estes são de responsabilidade do governo federal.
Diante desse panorama, o Ceagesp é um grande aglutinador. Os entrevistados afirmaram que quem vive na região desenvolve um vínculo com o território, apresentando resistência em deixá-la em detrimento da mudança para outro lugar em caso de algum encaminhamento assistencial para outra região.
Denúncias são levantadas contra a GCM quanto à conduta de retirada dos pertences (incluindo medicamentos) e abordagem violenta à população em situação de rua local, gerando dispersão da mesma. Tal prática é também apontada como comprometedora na contagem realizada pelo censo.
Além disso, refere-se que a região continha galpões em desuso que estão sendo substituídos por imóveis de alto padrão, os quais contam atualmente com a regulação por segurança privada, de tal modo que a população está sendo dispersa pela higienização tanto por parte da GCM quanto da segurança privada, que, por sua vez, é contratada pelo Conseg em parceria com os condomínios locais. Referem ainda à dificuldade na forma de abordagem pela GCM quando o Centro de Acolhida local a convoca, utilizando- se de violência (agressões), de tal modo que o equipamento de acolhida passou a disponibilizar um profissional para mediar a intervenção.
Identificou-se uma série de demandas relativas à abertura de equipamentos na região, como: (i) a necessidade de abrir um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) Álcool e Drogas, (ii) uma unidade de atenção à saúde (centro-dia), (iii) ao menos um centro de acolhida feminino, (iv) falta de Serviços híbridos entre Assistência Social, Saúde e Habitação, (vi) falta de hotel social na região, impactando na implementação do Programa de Braços Abertos no local, uma vez que a renda informal na região é maior do que a ofertada pelo programa. Profissionais discutem ainda sobre a importância da implementação de um “Restaurante Bom Prato” na região.
Sobre o trabalho recém-iniciado do SEAS IV na região, este consiste em um Serviço voltado ao atendimento ao usuário de drogas, contando com doze dias de funcionamento (desde a abertura até o dia da reunião em que foi realizada uma roda de conversa com profissionais e sociedade civil local), 79 pessoas cadastradas e uma equipe de profissionais composta basicamente por jovens que se utilizam de recursos como artes, poesia e plantação. Novamente, uma das dificuldades apontadas na região para o funcionamento do SEAS IV é a falta de retaguarda de Serviços para todas as faixas etárias da rua.
Identificou-se que alguns serviços socioassistenciais não recebiam a demanda da população em situação de rua, e que a partir da construção de micro redes de profissionais da área da Saúde, Assistência Social e Educação, o fluxo de atendimento qualificou-se. Alertou-se sobre o acesso a equipamentos ainda reprimido aos cadeirantes.
Vale destacar a existência de um diagnóstico realizado pelo Consultório na Rua local sobre população em situação de rua, que pode ser uma ferramenta importante para a o Comitê Pop Rua na construção das políticas públicas para essa população na região.
locais de concentração da poprua
aumento de poprua pelo desemprego demanda de mais equipamentos acesso reprimido a cadeirantes desafio de implementação do PDBA resultados do trabalho do SEAS IV prostituição
fluxo de atendimento
construção de microrredes
vínculo com território: drogas, renda, higiene
TERRITÓRIO
Lapa
resistência em mudar de região
projetos para geração de renda e emprego inclusão produtiva do segmento da poprua exploração sexual e trabalho infantil (CEAGESP) resistência da comunidade local
dificuldade de locação de imóvel para Serviços implementação de um restaurante “Bom Prato” diagnóstico formulado pelo consultório na rua
retirada de pertences e violencia pela GCM
higienismo (segurança particular - Consegue)
dispersão da poprua
Figura 18. Perfil da Subprefeitura Lapa/Vila Leopoldina
Subprefeitura de Pinheiros
A região abrangida pela subprefeitura de Pinheiros é caracterizada pelos gestores, trabalhadores e técnicos como um território rico em circulação de moeda; com poucos serviços de acolhida; marcado mais pela passagem do que pela permanência da população em situação de rua, de modo que esta se encontra dispersa na região (o que dificulta o acesso do trabalho dos agentes de saúde, sobretudo do consultório na rua). O bairro dos Jardins apresenta a maior concentração de população em situação de rua. Os transtornos psíquicos, o envolvimento com o álcool e as drogas e o rompimento familiar foram elementos destacados quando a pesquisa esteve nesse território falando com as equipes e esteve nos equipamentos. Foram apontados como problemas: a deficiência de vagas na rede de acolhimento, especialmente de vagas fixas; o problema do alto custo dos imóveis na região, na tentativa de reabertura de um equipamento de acolhida, a ausência de serviço de acolhida feminino na região, tendo como decorrência a permanência da população feminina nas ruas, que é caracterizada por uma trajetória de longo prazo na rua. Além disso, diante da baixa oferta das alternativas de espaços assistenciais em substituição à convivência vulnerável nas ruas, fica inviável o atendimento às necessidades específicas do morador de rua. Um exemplo: quando é realizada a alta de casos de internação, constata-se a falta de mais serviços na região para que fortaleçam a possibilidade de continuidade ao tratamento, dentre eles residências assistidas e repúblicas que, segundo profissionais, contam com poucas vagas, além de mais equipamentos de acolhida.
Os viadutos são identificados como as principais cenas de uso de drogas na região. A necessidade de higiene e desgaste de estar na rua são identificados como alguns dos fatores que levam a população de rua a procurar por vaga em equipamentos de acolhida. De outro lado, existe uma parcela da população de rua local que se nega a acessar os equipamentos de acolhida e que o faz por diferentes razões, incluindo-se: suposta perda da “liberdade individual” encontrada nas ruas, em detrimento das regras de convívio do serviço; também por estigma do trabalho dos CAPSs (Centro de Atenção Psicossocial) e consequente medo de institucionalização; estabelecimento de forte vínculo com o território e/ou com o serviço assistencial regional, o que inviabiliza a transferência de casos para acolhida ou tratamento de saúde em outras regiões.
São presentes também em Pinheiros algumas expressões da contradição das ações da prefeitura, que ora acolhe a população de rua, ora a exclui (citando as ações do rapa), gerando tanto a descontinuidade ao andamento do atendimento quanto a frustração do
profissional que atua junto à população em situação de rua (além da própria frustração vivida na experiência de lidar com a vulnerabilidade da situação de rua).
forte circulação de moeda
maior passagem do que permanência da poprua
poprua dispersa na região
dificuldade do acesso pelos agentes de saúde
bairro dos Jardins com alta concentração de poprua
viadutos (cenas de uso)
perfil local:
TERRITÓRIO
Pinheiros
motivos: rompimento vínculos
familiares, drogas e desemprego deficiência de vagas no
acolhimento (feminino)
alto custo dos imóveis
dificuldade de locação de imóvel para reabertura de Serviço
necessidade de higiene e desgaste de estar nas ruas
poprua que se nega a acessar equipamentos
vínculo com território
inviabilização de transferência de
casos para outras regiões
Figura 19. Perfil da Subprefeitura Pinheiros
Subprefeitura da Mooca
No contato com os profissionais dessa região foi levantado o perfil amplo e heterogêneo da população que vive nas ruas, dentre elas: idosos, deficientes, usuários de drogas, moradores da região do Cimento, pessoas advindas de ocupações, imigrantes, famílias na rua.
Na região há alternativas para sua higiene nas bibliotecas locais, as quais se tornaram lugares primordiais de uso pela população em situação de rua, tanto para tomar banho, lavar as roupas quanto fazer suas necessidades. Foi levantada a questão de que, como resultado da intensificação desse uso, uma das bibliotecas da região precisa higienizar os banheiros diversas vezes ao dia e tem apresentado um gasto três vezes maior do que a média dos demais espaços.
Outro dado levantado pela pesquisa a partir de conversa com os técnicos é o de que há um aumento considerável de grupos familiares em situação de rua. Inclusive, segundo os relatos, muitas vezes é possível encontrar até três gerações de uma mesma família que vive em situação de rua, e que essas famílias recusam com frequência o atendimento nos equipamentos, uma vez que teriam de ser separadas. Mulheres, crianças e homens seriam atendidos em equipamentos diferentes em distintos pontos da cidade. Foi levantado na discussão que é preciso que as políticas públicas se voltem para o atendimento que proporcione o acolhimento de famílias.
Identifica-se na região o aumento de doenças infectocontagiosas, como a tuberculose, e o desafio de manter um usuário com essa doença acolhido no equipamento, diante da convivência e do risco de contágio. Profissionais dos equipamentos expressam que realmente não sabem o que fazer diante disso.
Destacaram-se ainda o aumento do número de imigrantes vivendo nas ruas da região, dentre eles bolivianos, haitianos e africanos.
alternativa de higiene através das
bibliotecas
aumento de famílias nas ruas
recusa ao atendimento para
manter o grupo
TERRITÓRIO
Moóca
demanda de equipamentos à
família
aumento de doenças
infectocontagiosas
aumento do número de imigrantes
nas ruas
Figura 20. Perfil da Subprefeitura Mooca
Subprefeitura Santana/Tucuruvi
Os técnicos e gestores referiram que o perfil populacional de pessoas que vivem nas ruas da região é composto por uma maioria de homens, pessoas com algum transtorno mental e de um grande número de usuários de álcool e outras drogas. Dentro desse universo, destaca-se o aumento do número de mulheres nas ruas, sobretudo jovens, considerando-se alguns motivos para a vida nas ruas, dentre eles: violência doméstica, drogas e a saída do sistema penitenciário. A falta de equipamentos de acolhida para mulheres na região é identificada pelos profissionais como um desafio, uma vez que sem esse serviço eles têm que encaminhar os casos para serviços de outras regiões.
O desafio do trabalho intersetorial também foi levantado como importante de ser enfrentado. Principalmente entre centro de acolhida e atenção da saúde. Impera o preconceito e consequente dificuldade de acesso da população de rua na rede básica de atenção à saúde. Outro fator citado que dificulta o trabalho conjunto é o baixo ou nulo número de médicos na rede hospitalar pública regional.
O Fórum Regional Intersetorial de Drogas e Direitos Humanos da região Norte aparece como uma estratégia de interlocução entre equipamentos de diferentes
secretarias. Quanto aos usuários que apresentam algum transtorno mental, um dos equipamentos assistenciais locais utiliza-se de parceria com CIC Norte (Centro Integrado de Cidadania) e com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, principalmente para resolução de casos de indivíduos que, além do transtorno, não dispõem de documentação pessoal e apresentam pouca organização psíquica para relato de sua história de vida.
Em relação às oportunidades de emprego, aponta-se que o trabalho que é oferecido à população de rua, muitas vezes, é desconectado de um projeto pessoal e do próprio potencial de cada sujeito, sendo mais comum o encaminhamento genérico para jardinagem, varreção de ruas, etc. Ainda sobre isso, argumenta-se que a dificuldade não é a de encontrar oportunidades para a população, mas sim as altas exigências do mercado de trabalho, inviabilizando seu ingresso.
Aponta-se novamente para a dificuldade existente na contradição das ações da prefeitura, de modo que vai às ruas para cuidar, fornecer documentos, também retira os barracos e expulsa as pessoas de onde estão. Por vezes essas duas ações antagônicas acontecem ao mesmo tempo, o que dificulta a articulação no território, citando as ações truculentas do rapa: “tiram tudo da população de rua” (sic- trabalhador). De outro lado, quando um dos equipamentos locais precisa de intervenção externa, ele costuma ter boa relação com a GCM na mediação de conflitos.
aumento do número de
mulheres na rua Motivos
encaminhamentos para outras regiões
violência
doméstica, drogas e saída do sistema prisional
falta de equipamentos de acolhida para mulheres
desafio do trabalho intersetorial
preconceito e dificuldade de acesso à saúde básica
poucos médicos nos hospitais públicos regionais
Fórum Regional Intersetorial de
Drogas e DH
TERRITÓRIO
Santana
Tucuruvi
parceria entre C.A., CIC Norte e
DP para documentação
ofertas de oportunidades de emprego desconectadas
altas exigências do mercado de trabalho
contradição das ações das Secretarias
dificuldade de articulação no território
ações de retirada de pertences pelo rapa
boa relação com GCM na
mediação de conflitos
Figura 21. Perfil da Subprefeitura Santana/Tucuruvi
Subprefeitura de Santo Amaro
A região de Santo Amaro apresenta um perfil populacional de pessoas que vivem nas ruas composto de imigrantes (angolanas e ganenses), mulheres, LGBT e uma prevalência de homens entre 40 e 60 anos com longa trajetória de rua, incluindo cadeirantes, pessoas com transtorno mental cronificado, usuários de álcool e outras drogas; e um grupo menor de jovens migrantes entre 18 e 21 anos (rompimento familiar).
De modo geral, os técnicos e trabalhadores disseram que Santo Amaro concentra uma parcela significativa das pessoas que vivem nas ruas da região Sul, as quais preferem ficar nas ruas a serem encaminhadas para repúblicas da região central.
Referiram que o atendimento da saúde é limitado ao trabalho feito pelo consultório na rua, ainda que com intervalos de até três meses de atendimento no local; destacam o adoecimento por tuberculose, de forma que os casos não tratados precisam ser retirados do convívio do equipamento para não contaminação dos demais usuários dos equipamentos de acolhida. Há dificuldades para o encaminhamento a outros equipamentos porta de saída, como o projeto autonomia em foco pela distância territorial. O acesso ao tratamento em Centros de Atenção Psicossocial é realizado com preferência ao equipamento da região da Capela do Socorro em detrimento do que fica localizado na própria região de Santo Amaro devido à baixa qualificação do atendimento prestado.
Sobre os imigrantes, apontaram para a vinda de mulheres africanas (Angola e Gana) que vêm acompanhadas de seus filhos na expectativa de se estabelecerem no país. Essas mulheres frequentam os equipamentos de acolhida para mulheres e também os CCM (Centros de Cidadania da Mulher). Trabalham na confecção de roupas como mão de obra explorada e/ou como mulas (traficantes de drogas). Em geral, têm ensino superior. Os maridos permanecem na África, porém as mulheres têm a expectativa de que eles venham igualmente ao Brasil. Em comparação aos homens nessa condição, comenta-se que as mulheres são menos visíveis, enquanto os homens geralmente são encontrados nos comércios informais.
Dizem que a maioria das mulheres brasileiras encontra-se em equipamento de acolhida e uma parte nas ruas, pela drogadição, sem um projeto pessoal de futuro claro.
Discute-se que as travestis se concentram, na sua grande maioria, em uma praça próxima da ponte do Socorro, à margem dos equipamentos de acolhida, por um lado decorrente das restrições em seguir regras de convivência, de outro pelas violências vividas nos equipamentos.
Sobre os homens da região, apresenta-se que alguns chegam às ruas por uso de drogas e que vêm de outras cidades. Existe uma maioria que está entre 40 e 60 anos de idade, com longa trajetória de rua, inclusive cadeirantes. Existe uma parcela menor composta de jovens entre 18 e 21 anos, também migrantes que vêm em busca de emprego ou por rompimento familiar. Os jovens têm a característica de não permanecer muito tempo no centro de acolhida por conseguirem emprego com mais facilidade. Os usuários que frequentam um dos equipamentos da região são identificados como os de maior grau de vulnerabilidade, por transtorno mental cronificado e por uso de álcool e outras drogas. Diante disso, apontou-se a importância da ampliação de políticas assistenciais às drogas. Reconhece-se o importante papel das lideranças religiosas em Santo Amaro que oferecem apoio às pessoas que vivem nas ruas, sobretudo as que estão em situação de
drogadição, através da religião.
concentração em Santo Amaro
recusa a encaminhamentos para outras regiões
oferta de saúde limitada
TERRITÓRIO
Santo Amaro
adoecimento e perda da
convivência (tuberculose)
distância territorial dificulta encaminhamentos
encaminhamentos para CAPS de outras subprefeituras
papel das lideranças religiosas
Figura 22. Perfil da Subprefeitura Santo Amaro
O tema da Assistência Social na sua forma de organização e execução como política social para o acesso das pessoas em situação de rua foi amplamente abordado pela pesquisa, reunindo diversas informações a partir do discurso dos profissionais atuantes, tanto através de entrevistas realizadas nos equipamentos assistenciais quanto pelas rodas de conversa nos territórios prioritários, além de algumas considerações retiradas da audiência pública onde os pesquisadores sociais entrevistaram alguns participantes (realizada na Defensoria Pública do Estado de São Paulo em 5 de agosto de 2015).
Uma primeira categoria que surgiu na fala dos profissionais dos equipamentos de assistência diz respeito aos desafios do trabalho assistencial.
A dificuldade com a questão do cumprimento de regras de convivência para o bom funcionamento do equipamento é o desafio de manter uma rotina de atenção aos usuários devido ao atendimento às urgências dos sujeitos, que algumas vezes precisam ser acolhidas, outras vezes é necessário colocar limites, exigindo do profissional um rápido diagnóstico sobre o que se trata.
Quanto às regras do tempo de permanência: ao mesmo tempo em que muitos profissionais apontam para a importância da existência da regra de tempo de permanência nos equipamentos, em torno de seis meses, período no qual deve haver a construção de um projeto pessoal do sujeito, apontam para que essa regra é constantemente inválida, ou que está atrelada ao vínculo do usuário com o técnico que atende esse usuário. Questionam por um lado a prática burocrática e arbitrária que não leva em consideração o projeto singular do sujeito, por outro questionam a dependência institucional do usuário ao equipamento. Outra regra é relativa às assembleias com participação dos usuários que são utilizadas para revisão e construção de novas formas de estabelecer a convivência no equipamento. Quando esse espaço de assembleia é bem aproveitado pelos profissionais, sensibilizando e compartilhando com os usuários sobre a sua importância de participação, muitos acordos importantes são estabelecidos entre todos, a exemplo de algumas soluções que serão apresentadas mais adiante.
É referido que em algumas ocasiões essas normas e práticas institucionais podem despertar o abuso de poder por parte de seus agentes, seja no momento de selecionar quem poderá ou não ocupar uma vaga de acolhida, seja no modo autoritário como lidam com os usuários do serviço, na vinculação de obediência às regras de forma passiva ao tempo de permanência, seja no desvio das doações.
Relataram também a emergência de conflitos internos entre os usuários, que podem tanto agir com desrespeito entre si, despertar de rivalidades entre “novatos e veteranos de casa”, quanto com agressões verbais e físicas uns aos outros, incluindo-se, por vezes, os próprios profissionais nos ataques, os quais podem ser agredidos fisicamente ou até mesmo ser tomados como reféns e/ou ter que sair escoltados ao final de um expediente para evitar confrontos. Alguns desses conflitos são identificados como sendo motivados pelo descontrole causado pelo abuso de drogas, outros pelo próprio contato com a diferença. Desse modo, a preocupação com a segurança nos equipamentos foi um tema amplamente levantado pelos profissionais como um dos maiores desafios no cotidiano institucional. Seguindo esse tema, os roubos que ocorrem nos equipamentos também foram referidos, seja o roubo dos pertences entre os usuários, seja de objetos dos equipamentos. Foi relatado roubo de metais de chuveiros e torneiras. Essas situações limite geram desligamentos. Contudo, aponta-se também para o problema dos desligamentos arbitrários e das transferências entre equipamentos sem antes estabelecer um diálogo com o usuário, o que requer uma regulação, conforme discutiremos a seguir. Entre os profissionais a terceirização dos serviços gera questões em relação à qualidade deles devido à monetarização da atenção por entidades e ONGs que assumiram essa relação com a prefeitura. Somado a isso, destacaram a questão da pouca contrapartida do poder público, identificado: pela insuficiência do projeto de educação permanente na oferta de um plano de formação continuada ao profissional; infraestrutura precária de alguns equipamentos; quadro de recursos humanos deficitário, especialmente em épocas da operação a baixas temperaturas, em que o número de profissionais não acompanha o aumento da demanda de usuários nos centros de acolhida, de modo a gerar impactos para a qualidade do atendimento prestado; alimentação precária; defasagem do salário repassado à Assistência Social em comparação à política de Saúde; rotatividade de profissionais, gerando uma descontinuidade do trabalho desenvolvido; além disso, reflete-se acerca do desgaste gerado pelo contato constante com a vulnerabilidade sem apoio institucional, dada a ausência de recursos para contratação de supervisão técnica; falta de veículo para o trabalho assistencial pelos Serviços de Abordagem às Ruas que precisam percorrer territórios amplos; atendimento defasado da CAPE (Coordenadoria de Atendimento Permanente e de Emergência); falta de centros de acolhida feminino e outros específicos para famílias; e finalmente a falta de equipamentos específicos para
infância e adolescência em situação de rua.
Ainda em relação aos desafios encontrados para o trabalho assistencial, os profissionais apontaram que: 1. as pessoas que vêm de uma trajetória de vivência em instituições (muitas vezes, desde a infância) com perfil de institucionalização demandam também identificar o histórico institucional do usuário, contemplando os diferentes lugares e equipamentos pelo qual já circulou, para além do cuidado no momento específico do acesso ao equipamento de referência atual, isto é, enfatiza-se o investimento de pesquisa da rede de serviços, na tarefa de um registro de informações que ofereça uma visão global do histórico de instituições ao qual o sujeito teve acesso; 2. aumento da drogadição (e uso no interior dos equipamentos), recaídas ao uso, as quais muitas vezes geram uma forte quebra e descontinuidade do trabalho assistencial que vinha sendo realizado; 3. atuação da Assistência Social em demandas específicas da Saúde, referindo- se, sobretudo, às situações de transtorno mental onde há necessidade de ministrar medicação e lidar com surtos; 4. preconceito e violências entre usuários contra o público LGBTT, especialmente o segmento da chamada diversidade; deficientes físicos, visuais e mentais que, além de enfrentarem a falta de vagas de acolhida, quando acessam esse serviço não recebem toda a oferta de que necessitam 5. a entrada cada vez maior de egressos do sistema penitenciário que exercem poder nos equipamentos, utilizando-se de comportamentos de opressão, reproduzindo a violência e o modelo de relação do crime organizado.
Alguns desafios referem-se também: ao conflito de gerações entre usuários jovens e idosos, de modo que muitos idosos optam por permanecer nas ruas a se confrontarem; fechamento dos centros de convivência (tendas), repercutindo na queda da oferta de higiene da Pop Rua, a qual passa a se utilizar das bibliotecas e serviços de Saúde para tal finalidade; estigma social assumido pela própria população em situação de rua, que passa a introjetar a resposta de fracasso utilizada pela sociedade, decorrendo por vezes na segregação com os próprios técnicos e demais relações; problema da não autorização dos instrumentos de trabalho da Pop Rua nos equipamentos de acolhida, que em muitos casos são as próprias carroças utilizadas para a coleta de materiais recicláveis. Outro desafio refere-se ao dilema dos usuários de não terem onde deixar os filhos (os equipamentos de acolhida não estão habilitados para tanto) quando obtêm emprego, aliado às filas de espera com longo tempo de espera para acesso à creche, o que gera o abandono das oportunidades de geração de renda; excesso de televisão nos centros de convivência (tendas); a demora para a formulação do plano municipal para Pop Rua. Finalmente,
aponta-se para o excessivo número de equipamentos chamados de “porta de entrada” e poucos que ofereçam portas de saída da situação de rua.
A categoria Assistência Social comporta ainda outras quatro subcategorias de discurso que se somam às descritas anteriormente: (a) as diretrizes da prática profissional,
(b) aquilo que se promove com o trabalho assistencial, (c) as soluções criadas e (d) as sugestões à política de Assistência Social. Com relação às diretrizes da prática profissional os entrevistados referem-se à: importância do respeito no manejo com a Pop Rua; à organização do atendimento nos equipamentos a partir do enfoque de dispositivos coletivos de trabalho; ter o ser humano como centralidade na concepção do trabalho; necessidade de estímulo à autonomia do sujeito, preocupação esta que dialoga com o desafio anteriormente descrito a respeito da regulação necessária ao tempo de permanência do usuário na acolhida ao equipamento, como modo de, gradualmente, orientar a passagem a outro tempo para a construção pelo sujeito de seu projeto pessoal de vida; de modo a evitar a imposição de um ritmo alheio à condição de resposta ou mesmo do próprio projeto de cada um, devendo diferenciar cada caso; importância do vínculo, como modo de estabelecer uma relação de confiança, o que é muitas vezes cara aos usuários diante de uma trajetória de vida marcada pela fragilização e/ou rompimento das relações pessoais e sociais; desenvolver e compartilhar a responsabilidade pelas mudanças desejadas do sujeito, de modo então a obter uma “alta” ou saída qualificada do equipamento assistencial, de forma assistida e não assistencialista.
A categoria Promove-se, presente no discurso dos profissionais, destaca-se por: auxílio no contato com a família; auxílio com a documentação do usuário; colocação no mercado de trabalho; realização de oficinas pedagógicas e culturais/artísticas; encaminhamento aos benefícios sociais de transferência de renda (Renda Cidadã, Bolsa- Família, BPC – Benefício de Prestação Continuada); trabalhos grupais e convivência, oferecendo a possibilidade de pertencimento e compartilhamento de experiências entre os usuários; articulação com outras secretarias, sobretudo: saúde (UBS, CAPS, Consultório na Rua, Cratod, hospitais); programas de inserção ao emprego (POT – Programa Operação Trabalho e outros); desenvolvimento de forte vínculo dos usuários com profissionais e com o equipamento, de forma que, mesmo após a saída do equipamento, muitos usuários costumam retornar ao equipamento para visitas aos profissionais e compartilhar de seus momentos.
Algumas soluções criadas pelas equipes dizem respeito à: divisão dos quartos por identidade corporal, isto é, pela orientação sexual de cada usuário; criação de banheiro da
diversidade para evitar conflitos e minimizar o preconceito existente na convivência da instituição; sistema interno de câmeras de monitoramento, que reduziu a ocorrência de furtos internos; a contratação de usuários que então se tornaram funcionários do equipamento, desde a função de apoio operacional (limpeza), orientador socioeducativo, até o cargo de gerência do equipamento; prática de reciclagem profissional periódica, como modo de qualificar e também avaliar o andamento profissional da equipe técnica, o qual pode ocorrer por via de entrevistas ou mesmo capacitações/workshops internos; e, por fim, a mediação/diálogo para busca de soluções entre as partes em conflito geradas na convivência do equipamento assistencial.
A pesquisa também reuniu algumas sugestões à política de Assistência Social, tais como: desnecessária especialização de equipamentos para a diversidade, destacando-se a experiência da acolhida pelo Portal do Futuro, onde recebe o público tanto masculino quanto feminino, dentre eles a diversidade, de modo respeitoso pela equipe técnica, o que é também promovido pedagogicamente aos usuários que chegam para acolhida; critério para doações e kit higiene aos usuários, de forma que a entrega se limite, por exemplo, àqueles que não estão trabalhando ou que contam com alguma renda, evitando a institucionalização e a “luta pelo direito do miserável” (sic); supervisão à equipe técnica, para além da que é realizada pelo poder público (geralmente pelo Creas – Centro de Referência da Assistência Social); seleção estratégica de profissionais, buscando um perfil profissional, que, por exemplo, conte com experiência ou vocação para o trabalho com situações de vulnerabilidade; educação permanente para capacitação profissional, elencando alguns possíveis temas: preconceito com público LGBTT ou no contato com a diferença, saúde mental, mediação de conflitos; humanização do atendimento; intensificar visitas de agentes de saúde aos equipamentos da assistência; equipamentos menores, visando à qualidade e eficácia do trabalho assistencial no sujeito; requerimento pela Defensoria Pública ao Comas do material das audiências públicas realizadas; articulação entre Ministério Público e Defensoria Pública; fortalecimento e intensificação do papel da Defensoria Pública na escuta de denúncias da situação de rua.
Algumas outras sugestões são levantadas pela pesquisa como alternativas para o enfrentamento dos diferentes desafios envolvidos na prestação de serviço a essa população. Determinadas propostas apontam para a necessidade de maior respaldo com a política pública para regular a quantidade de usuários por equipamento com a devida ampliação do quadro de recursos humanos, valorizando-se ainda a especificidade dos psicólogos nos equipamentos socioassistenciais na atenção reiterando, portanto, o artigo
8o da Política Nacional para a População em Situação de Rua de 2013: “O padrão básico de qualidade, segurança e conforto da rede de acolhimento temporário deverá observar limite de capacidade, regras de funcionamento e convivência, acessibilidade, salubridade e distribuição geográfica das unidades de acolhimento nas áreas urbanas, respeitado o direito de permanência da população em situação de rua, preferencialmente nas cidades ou nos centros urbanos”; e, finalmente, apontando-se para o fortalecimento do monitoramento dos equipamentos de prestação de serviços pelo poder público.
Figura 23. Categorias do trabalho assistencial surgidas na fala dos profissionais
Um tema de muita relevância ao poder público que foi identificado pela pesquisa é o da etapa de transição das pessoas em situação de rua, tanto daqueles que vivem nas ruas quanto daqueles que se encontram assistidos diretamente pelos serviços e programas assistenciais em direção à vida autônoma, passo em que cada vez menos o sujeito está dependente da atenção externa para o desenvolvimento de seus direitos e desejos. É necessário entender e reafirmar que existem sujeitos sendo assistidos; assim, como presente no depoimento de alguns profissionais entrevistados, esses sujeitos precisam ser corresponsáveis e livres no processo de construção de seu projeto pessoal de vida e na sua transição para a vida autônoma.
Nesse campo, encontramos a categoria fatores que desafiam a sustentação dessa etapa de transição pelos usuários, como: a busca automática pelos usuários por aluguéis na região central da cidade, onde os custos de aluguel são muitas vezes altíssimos, de modo a haver o risco de retroceder aos serviços assistenciais, sugerindo-se a procura por locais um pouco mais afastados ou periféricos; quando os sujeitos vêm de uma trajetória de acolhida e vão morar sozinhos ou na família de origem, sem antes ter havido um planejamento ou mesmo experimentação desse passo, articulado com o serviço de referência; insegurança do usuário no processo de reinserção social (cidadania), a qual demanda atenção de uma rede de serviços para consolidação, como veremos adiante.
Outros fatores que desafiam a sustentação à etapa de transição dos usuários referem-se à: discriminação enfrentada no mercado de trabalho, como pela exigência do comprovante de residência, e, sobretudo, quando se trata de egressos do sistema penitenciário (que inclusive saem desse sistema de modo muito precário e desassistido, muitas vezes utilizando o uniforme de detento quando chegam à condição de vida nas ruas), onde os antecedentes criminais transformam-se em novas grades obstruindo o laço com a sociedade; contratação informal e não regulamentada (os chamados “bicos”) por diversas empresas, sendo por vezes terceirizadas pelo poder público – como levantado pela pesquisa em fases anteriores (mão de obra utilizada na construção de palcos em eventos culturais, e especialmente pelo Ceagesp); e finalmente ocorre a perda da qualidade de acesso às políticas sociais a partir do momento em que se deixa de ser “população em situação de rua” para ser um cidadão que enfrentará uma espera ainda maior na agilidade da atenção do Estado aos direitos da população civil.
Outra categoria refere-se às portas de saída que são vislumbradas pelos entrevistados, através de: aumento da oferta de espaços de tratamento para dependência química; oferta de oportunidades de emprego, atentando-se para a diversificação dessas em contraposição a um padrão de oferta de trabalhos de baixa qualificação e remuneração (como varreção de ruas, jardinagem, etc), podendo estar cada vez mais em diálogo com as experiências, com o histórico e com o saber dos sujeitos assistidos; abertura de mais serviços caracterizados como porta de saída (repúblicas, hotéis sociais, autonomia em foco); editais de contratação pelas ONGs prestadoras de serviço à prefeitura para população em situação de rua, a exemplo da Bompar, onde muitos têm a oportunidade de se formar e se tornar funcionários agentes de saúde e de tantas outras instituições, como os Centros de Acolhida: Zaki Narchi (Vila Maria), Esperança (Pinheiros) e Morada do Sol (Vila Mariana).
A pesquisa também levantou algumas informações referentes aos fatores de sustentação à etapa de transição, como por: fortalecimento do acompanhamento, monitoramento e comunicação entre as redes de proteção de baixa, média e alta complexidade, visto que o momento de alta ou saída (e mesmo do abandono) dos usuários aos equipamentos requer um trabalho assistencial de muita atenção dentre os serviços específicos perante o delicado processo de transição que muitas vezes pode gerar o retorno do usuário ao equipamento quando não assistido.
Aqui vale destacar a experiência de um serviço de acolhida que acompanhava (durante a fase de entrevista realizada por esta pesquisa) um casal homossexual que sentiu profunda insegurança na vivência fora do equipamento assistencial, visto que ainda se sentiam mais bem protegidos na instituição, de forma que uma das soluções construídas entre equipe técnica e o casal de usuários foi um esquema de alternância entre a permanência na acolhida durante a semana e a moradia própria (construída pelo casal) aos finais de semana.
Além disso, requer-se um processo de construção de uma nova identidade, o qual venha acompanhado de: desconstrução dos hábitos da rua, criação de uma rotina de compromissos e do desenvolvimento da confiança para cuidar de si. A respeito desse processo de construção de uma nova identidade, exemplificaremos duas situações, sendo uma delas a cena de uma senhora que morava nas ruas e que atualmente ainda cozinha em uma fogueira sobre o chão, de frente para o fogão na sua nova casa. A outra situação é contada por um agente de saúde, ex-população em situação de rua.
Voltar à rotina é muito difícil. Ter o tempo marcado pelo tempo do relógio a gente não tá mais acostumado. Viver na rua não dá pra marcar no tempo. Viver na rua é uma adrenalina constante! (Roda de conversa Sé, 26 de novembro de 2015).
Figura 24. Categorias emergentes para o conceito Transição
Quanto à habitação, os profissionais discutem em geral sobre a falta da construção habitacional desde a gestão municipal anterior, de forma que pouco se avançou na efetivação dessa política pública. Apontam para a existência de critérios e procedimentos para a seleção dos beneficiários dos programas habitacionais, como o Minha Casa, Minha Vida, ou para o auxílio-aluguel e locação social, de modo que existem alguns usuários que já foram cadastrados e aguardam chamamento, e outros que ainda não estão organizados pessoalmente para o ingresso nesses direitos. Como exemplo do enorme desafio colocado para a consolidação da política de habitação na cidade que atenda à população em situação de rua, um profissional refere que conhece somente um usuário que foi contemplado e adquiriu a moradia definitiva.
Pode-se perceber quanto a discussão sobre habitação foi fraca entre o segmento dos trabalhadores durante a pesquisa. O que é um fato bastante curioso, uma vez que justamente é uma questão central para a população de rua. Podemos levantar como hipótese que o fluxo de encaminhamentos internos à própria rede assistencial, com todas
as dificuldades relatadas, impede os profissionais de vislumbrar uma saída de seus usuários do sistema onde ficam cronificados. Aliada a isso, uma política pública dirigida às questões da habitação exige um esforço governamental enorme visto o custo para sua implementação e a falta de recursos físicos e financeiros para alocação das pessoas em regiões centrais da cidade.
Figura 25. Categorias emergentes para o conceito Habitação
Sobre esses temas, os trabalhadores, gestores e técnicos dos serviços dirigidos à população de rua referiram iniciativas de articulação realizadas entre serviços da assistência social e programas de educação para a geração de renda, emprego e inclusão produtiva, com realização de cadastros aos usuários e colocação no mercado de trabalho, como através do POT (Programa Operação Trabalho) e do projeto “Nossa Turma”, que faz o aproveitamento do material dispensado pelo Ceagesp na construção de vassouras e outros produtos, além da organização de feiras comerciais e de oficinas culinárias que se utilizam de alimentos descartados.
Além disso, referiram que algumas pessoas em situação de rua foram contratadas para trabalhar em equipamentos da assistência, desde a função de apoio operacional (limpeza), orientador socioeducativo, até o cargo de gerência do equipamento, identificando uma iniciativa interessante. Contudo, referiram também que algumas possibilidades de trabalho são desconectadas de um projeto pessoal e do próprio potencial de cada sujeito, sendo mais comum o encaminhamento genérico para atividades como jardinagem e varreção de ruas. Argumentaram que a dificuldade não é a de encontrar oportunidades para a população, mas sim as altas exigências do mercado de trabalho, inviabilizando seu ingresso.
Outro problema referido foi com relação a não autorização dos instrumentos de trabalho da Pop Rua nos equipamentos de acolhida, que em muitos casos são as próprias
carroças utilizadas para a coleta de materiais recicláveis. Formas alternativas e informais de trabalho pela população em situação de rua são também existentes, como pela reciclagem, no carregamento de caminhões (a exemplo do Cimento, no bairro Bresser), na construção civil, e até mesmo na prostituição, constituindo-se esta última em uma das formas mais acessíveis de geração de renda, sobretudo as travestis, que assim encontram um modo de sobreviver, subsidiando sua higiene, alimentação e também pernoite em hotéis.
Figura 26. Categorias emergentes para os conceitos Trabalho e Emprego
Quanto à saúde, ressaltamos a seguir alguns desafios elencados pelos trabalhadores gestores e técnicos. A maioria deles reclamou do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). A qualidade do atendimento foi considerada inadequada, principalmente pelo tempo para chegada de viatura para o socorro e posterior locomoção; em alguns casos foi relatada a omissão de socorro, conforme fala de um profissional: “Você liga pro SAMU e quando informa que o local é embaixo do viaduto, eles já sabem que é morador de rua e muitas vezes nem aparecem”.
A falta de capacitação para o trabalho humanizado com a população em situação de rua foi referida; disseram que os profissionais chegam “bravos” para o atendimento.
Por outro lado, referem que alguns pacientes se recusam a ser atendidos. Algumas hipóteses acerca da precariedade desse serviço são levantadas por eles: falta de investimento e capacitação aos profissionais; diante de uma superdemanda, o estabelecimento de prioridades de atendimento de acordo com a complexidade da situação (e consequentemente algumas demandas ficam reprimidas).
Conforme já descrito, um dificultador é o aumento de doenças infectocontagiosas, como a tuberculose, e a complexidade em manter um usuário com essa doença acolhido no equipamento, diante da convivência e do risco de contágio. Nessa medida falaram da necessidade de intensificar a visita dos agentes de saúde aos CA para agendamento de consultas. Os profissionais dos equipamentos expressam o sentimento de impotência perante essa situação.
São feitas denúncias graves que indicam o problema do preconceito e discriminação por parte de alguns profissionais e a decorrente exclusão do direito ao atendimento à população. No que se refere ao atendimento nas Unidades Básicas de Saúde, foram diversos os relatos sobre situações de descaso com a população em situação de rua, como percebido por médicos que dão alta sem mesmo avaliar a situação, negando- se a atender “essas coisas” – termo utilizado para falar de uma pessoa em situação de rua; além da própria dificuldade no acesso ao atendimento médico: “Se não for o médico da própria equipe, não atendem o usuário com dignidade”, contou uma auxiliar de enfermagem que trabalha na UBS, referência no atendimento para a população em situação de rua. Dentro da unidade, se os profissionais de referência do usuário não estiverem presentes, não há atendimento. Uma das profissionais relata sobre o banho e kits de limpeza que são oferecidos à população de rua. “Não era para ter, mas conquistamos esse espaço”. É comentado que muitas vezes, quando os profissionais dos serviços encaminham os moradores de rua para os hospitais, só há atendimento se os moradores estiverem de banho tomado. É muito comum quem dá o banho ser a equipe da UBS.
Foi relatado que um morador de rua morreu dentro do hospital enquanto tomava banho, como exemplo de mais uma situação em que se discute a urgência da demanda de capacitação profissional para o atendimento a essa população (bem como da necessidade de selecionar profissionais que levem em conta um perfil específico para o trabalho com essa demanda), como também já apontamos. Além da questão da discriminação, uma assistente social refere: “Depois do atendimento, o problema é não ter para onde encaminhá-lo”. Surge o problema da falta de equipamentos de “retaguarda” para a
recuperação dos pacientes em situação de rua, sendo poucas as instituições e, portanto, poucas vagas para encaminhar o segmento da população de rua, sobretudo aqueles que convivem com problema de locomoção, os deficientes físicos. Constata-se ainda que a saída das internações por dependência química é vivenciada com desamparo na possibilidade de continuidade da reinserção do usuário. Tais dificuldades são discutidas como um agravo ao profissional diante da frustração pelo contato com a ineficácia do acesso aos direitos pela população em situação de rua.
Outras questões levantadas dizem respeito à: descontinuidade do trabalho terapêutico diante da dependência e abuso de drogas pelos usuários do serviço, especialmente do crack, como também já relatado; além disso, comentou-se sobre a necessidade de maior agilidade no procedimento de internação tanto para tratamento de drogadição quanto de desintoxicação; CAPS ociosos por falta de qualificação e/ou vocação para o atendimento, restringindo o trabalho ao cumprimento de horas, bem como implementar possibilidades do trabalho dos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) com vistas ao atendimento “extramuro”, como chamou um entrevistado, isto é, a necessidade de ampliar o atendimento para fora da instituição, indo de encontro ao usuário. Por fim, aponta-se para a intolerância dos equipamentos da Assistência Social em lidar com situações de transtorno mental.
Figura 27. Categorias emergentes para o conceito Saúde
4.2. Categorização do discurso da população em situação de rua e sociedade civil retirado das entrevistas dos pesquisadores sociais e equipe SUR nos territórios prioritários
4.2.1. Perfil da população em situação de rua
O perfil da população em situação de rua é heterogêneo, dinâmico e territorializado, ou seja, usar a palavra perfil para descrever a população em situação de rua já representa um paradoxo. O conceito de perfil pretende descrever em poucas palavras as características gerais de uma pessoa ou população, o que não se aplica à população em situação de rua, que é variada e em constante transformação. Nesse sentido apresentaremos características predominantes encontradas entre os entrevistados. A maior parte das pessoas entrevistadas pela pesquisa foram homens cerca de três vezes o número de mulheres. Muitos desses são migrantes, ou seja, vieram para São Paulo buscando melhores condições de vida: trabalho, saúde ou serviços de assistência. Encontramos também grande número de idosos, população LGBTT, deficientes físicos e pessoas com transtorno psíquico.
As pessoas em situação de rua entrevistadas atribuem ao preconceito a causa de a população LGBTT estar na rua, principalmente os travestis, que muitas vezes precisam viver em bueiros para se refugiar tanto da violência da sociedade civil quanto da própria Pop Rua. Os egressos do sistema prisional certamente estavam em maior número do que aqueles que abertamente se declararam como tal. Pode-se perceber como conclusão desta pesquisa que a falta de uma política para os egressos faz com que a Assistência Social assuma o cuidado a essa população que encontra a rua como destino em face da falta de uma política de transição entre a prisão e o retorno ao convívio social. Muitas vezes também apresentam dificuldades em regularizar sua situação, o que dificulta encontrar trabalho formal e reforça a moradia na rua e em centros de acolhida. Outro grupo de pessoas bastante significativo que vive nas ruas da cidade de São Paulo é o grupo de imigrantes e refugiados. Muitos não falam português e vieram para o Brasil em busca de trabalho; não encontrando, acabaram nas ruas. Na pesquisa também foram entrevistados casais que disseram que muitas vezes preferem dormir nas ruas, onde podem ficar juntos. Essa questão foi ainda trazida por algumas famílias entrevistadas que vivem em malocas na rua para não serem separados (é de conhecimento tanto da nossa equipe quanto dos entrevistados que existem albergues para famílias; entretanto, o número de vagas é bastante reduzido, o que faz com que os entrevistados não os considerem como opção viável). Foram inclusive entrevistados adolescentes e crianças que relataram profundo desamparo pela ruptura com a família ou pela institucionalização precoce em centros de internação. Algumas entrevistas foram realizadas com grupos inteiros ao mesmo tempo. Nós nos deparamos ainda com os chamados mundrungos, que são pessoas que recusam o contato com os outros, aparecem com o olhar vago e inacessíveis, não tomam banho e apresentam-se muito deterioradas física e psiquicamente. Com frequência são vistas correndo de um lado para o outro sem destino, envoltos nos cobertores distribuídos pela assistência social.
A maior parte das pessoas entrevistadas declarou receber algum tipo de benefício assistencial, além de acessar os equipamentos destinados à população em situação de rua; entretanto, alguns poucos acessam qualquer política, seja por não terem condições físicas e/ou psíquicas, seja por se recusarem, permanecendo invisíveis às políticas públicas. Para eles, os diversos programas desenvolvidos pelo município não lhes chega como possibilidade de saída da situação em que se encontram. Muitos entrevistados se consideram moradores de calçada, na tentativa de estabelecer uma diferença entre moradores de albergue ou de ocupações. Isso porque os que vivem nas ocupações utilizam
os equipamentos destinados à população de rua, embora não se considerem vinculados a essa população.
Contudo, pudemos perceber na análise da pesquisa que a população moradora das ocupações ou aqueles que acessam formas alternativas de moradia temporária têm a mesma insegurança e estão no “fio da navalha” no que se refere a sua possibilidade de não dormir na rua. Eles formam o que denominamos uma faixa porosa, que estão em uma borda entre a rua e as ocupações e entre a rua e a periferia da cidade. No caso daqueles que vivem nos prédios ocupados na região da Sé, muitos utilizam os serviços da prefeitura, como os albergues e centros de acolhida para a Pop Rua, e aproveitam aas distribuições de comida e roupas feitas pelas entidades assistenciais e grupos que distribuem alimentos. Além disso, quando são desalojados, vários vão viver nas ruas. Quanto às famílias que vivem na periferia da cidade, foi possível observar e entrevistar aquelas que diante da pobreza vêm para a região central da cidade em busca de alimentos, roupas e brinquedos, também distribuídos pelas mesmas entidades que oferecem comida e objetos à Pop Rua.
Finalmente, ao que parece, a população em situação de rua, algumas vezes, também se divide em castas, que são pequenos grupos de pessoas com características semelhantes que se apoiam entre si, formando pequenas comunidades, como os idosos, travestis, gays, adolescentes, usuários de crack, etc.
Da mesma forma que o Estado aparece como uma categoria no discurso dos técnicos trabalhadores e gestores entrevistados, tanto nos equipamentos quanto nas rodas de conversa, também é considerado um tema privilegiado na fala dos entrevistados nas ruas, bem como foi um tema recorrente nas discussões e análises dos pesquisadores sociais.
A integração entre as secretarias foi um tema levantado de forma recorrente pela população de rua entrevistada. Ela apontou que as ações relacionadas à segurança, trabalho, direitos humanos, assistência social e habitação são muitas vezes contraditórias entre si, principalmente com relação à ação truculenta da GCM e PM, que acaba sendo interpretada como violência da própria prefeitura.
Falaria ao poder público, Xxxxxxx, que deixasse o povo trabalhar em paz. Porque quando saem para trabalhar os fiscais da rua tomam as mercadorias, já que é um dinheiro
honesto, às vezes agridem. A GCM, inclusive, já chega metendo o pau! (Entrevista na rua, 11 de setembro de 2015).
A dificuldade em relação à integração devido à violência, que também aparece com muita força na fala dos técnicos, gera grande desconfiança ou descrença por parte da população em situação de rua em relação ao governo, às secretarias e aos próprios técnicos, o que dificulta enormemente a produção de um vínculo de trabalho. A população em situação de rua também aponta a burocracia como um entrave produzido pelo governo que gera descrença e afasta a população da busca por direitos. Isso ocorre devido à incompreensão dos processos, os longos prazos de espera e a falta de respostas para as solicitações feitas. Nesse sentido, também é apontada a desconfiança com relação aos gastos públicos e a verba destinada aos equipamentos e projetos governamentais.
É interessante notar que muitos entrevistados na rua desconhecem a situação real dos equipamentos, seus gastos e orçamento geral, bem como muitos dos programas ofertados pelo governo municipal, o que nos indica duas hipóteses não excludentes: a falta de transparência e de informação para os usuários dos serviços públicos e/ou a falta de participação dos usuários na construção ou manutenção das políticas.
Essas hipóteses apontam para uma estrutura de relação com o governo que privilegia o vínculo assistencialista, no qual a população não se sente como participante da construção das ações e políticas do governo, estabelecendo uma relação desimplicada com a política. É importante salientar que essa forma de relação se estabelece em decorrência de um processo histórico que privilegia o assistencialismo e o paternalismo em detrimento da participação.
Outra questão muito importante que a pesquisa aponta é que programas, como o Programa Operação Trabalho (POT), Programa Nacional de Acesso ao Ensino e ao Emprego (Pronatec), Centro de Referência e Acolhida ao Imigrante (Crai), Promoção da Bancarização de Imigrantes, Projovem Urbano, Transcidadania, Autonomia em Foco, Centro Público de Direitos Humanos e Economia Solidária e Incubadora Pública de Empreendimentos Solidários, não são acessados pela maior parte dos entrevistados. Isso provoca um hiato entre os programas existentes e o acesso a eles. Aqueles que constituem suas vidas na circulação entre os equipamentos tendem a acessar bem mais do que aqueles entrevistados que estão longe dos locais de assistência.
Uma alternativa apontada pelos entrevistados indiretamente, através de fragmentos de história de vida, são as parcerias entre governo, empresas e ONGs. Essas
surgem como uma boa alternativa à captação da população em situação de rua em empresas sem nenhuma regulamentação do trabalho onde são usados em trabalhos semiescravos, na construção de palcos nos eventos e outros trabalhos braçais, carregando sacos de cimento, etc. A parceria é importante porque as empresas geralmente não suportam o funcionamento oscilante dessa população e é necessário um forte trabalho entre governo e empresas para que estas tenham compreensão para o funcionamento psíquico da Pop Rua.
Os entrevistados descrevem como “Bater a nave” o momento de ruptura que os leva de volta às ruas no uso de drogas ou álcool, gerando, por exemplo, a inadimplência no trabalho. Se as empresas não estiverem preparadas para suportar essa oscilação, o vínculo com o laço social acaba novamente rompido e o sujeito reenviado para as ruas. É compreensível que a maior parte das empresas não queira sustentar um trabalhador inadimplente; portanto, pensamos que é necessário uma parceria na qual haja algum tipo de regulação do governo, com indicações que favoreçam a participação dessa população respeitando minimamente seu modo de funcionamento até que o sujeito se estabilize. Também aparece como questão a regulação sobre equipamentos, pois muitos deles são administrados por ONGs ou empresas diferentes, com regras, estilos e condições muito heterogêneos. Essas últimas muitas vezes assumem uma postura assistencialista e não flexível para acolher as especificidades da Pop Rua, como as oscilações que comportam o “bater a nave”, o uso de álcool e drogas, a necessidade de vínculos seguros, a agressividade eventual, etc.
Devido a essas especificidades, a Pop Rua muitas vezes é confundida com usuários de droga que ficam nas ruas ou nas “cenas de uso” quando estão sob o efeito da substância psicoativa, mas possuem residência fixa para onde voltar. Com relação ao uso de drogas propriamente dito, é importante marcar que existem condições diferentes que ligam a Pop Rua às drogas, existem aqueles que não usam, aqueles que usam esporadicamente, os usuários de álcool, os que começaram a usar para suportar a vida na rua e os que foram para as ruas para poderem usá-las regularmente. Assim, para o Estado não está estabelecido um limite muito definido entre Pop Rua e usuários, principalmente no que se refere às “cenas de uso”, como a Cracolândia. Nelas, os limites entre ser uma questão da Pop Rua ou da saúde se entrelaçam.
Essa aproximação fomenta ainda mais o higienismo, apontado pelos entrevistados como uma questão importante da Pop Rua. Em algumas localidades, como Tucuruvi, ouvimos relatos de que a associação de moradores da região impede que pessoas em
situação de rua circulem pelo local, sendo rapidamente convidadas a se retirar quando são identificadas. Nessa mesma região ouvimos relatos de que o restaurante comunitário conhecido como Panelinha foi impedido de funcionar durante um grande período, pois a associação de moradores moveu uma ação para tentar transferi-lo de lugar.
Finalmente, entendemos que existe uma questão relativa à definição de Pop Rua que precisa ser discutida no âmbito do Estado. Na fala da população de rua percebemos que, muitas vezes, as condições de albergado ou residente em ocupação são instáveis, constituindo-se como parte do circuito da rua. A descrença, o desamparo, a oscilação, as condições de empregabilidade precárias, etc., são elementos que unificam um grande contingente de pessoas.. Muitas dessas pessoas, claro que não todas, acessam os benefícios e alguns aparelhos destinados à a população em situação de rua, como restaurantes comunitários, e buscam doações.
Nas entrevistas foi possível detectar população de baixa renda das periferias da cidade se alimentando com regularidade nos restaurantes comunitários destinados à população de rua. Esse apontamento não pretende de forma nenhuma contribuir para a segregação dessa população; entretanto, é necessário apontar que uma política feita para cerca de 15 mil pessoas, que estão dentro do conceito de Pop Rua, contempla hoje uma população maior que a definição desse segmento.
Integração
ação truculenta da GCM, PM Vínculo assistencialista Verba
Choque de interesses.
desconfiança/descrença
ESTADO
burocracia
Parcerias entre governo/empresas Definição de Pop Rua
Direitos Humanos x assistencialismo
Cracolândia Higienismo
Regulação sobre equipamentos
Figura 28. Categorias emergentes para o conceito Estado
Grande parte dos entrevistados falou sobre aspectos da Assistência Social, principalmente no caráter de denúncia ou reivindicação. Podemos formular duas hipóteses para interpretar esse fenômeno: a) a indistinção entre a denúncia e uma pesquisa, que faz com que as pessoas respondam às perguntas feitas pelos pesquisadores sociais em forma de denúncias; b) a posição reivindicativa da população em relação ao
poder público, que faz com que as pessoas respondam às perguntas dos pesquisadores sociais com pedidos e reivindicações.
O principal tema abordado dentro dessa categoria é, primeiramente, a falta de vaga em albergues. Seguem casos relacionados com o tema, consequências e injustiças a esse respeito. Devido à falta de transparência no processo, os usuários desconhecem os critérios necessários para conseguir uma vaga, atribuindo essa possibilidade a fatores arbitrários, como a vontade do assistente social, o preconceito ou a preferência de alguns aparelhos por imigrantes. Essa falta de acesso aos critérios e processos do governo e dos programas, dentre outros motivos, pode levar usuários e sociedade civil a uma descrença/desconfiança em relação às atitudes relacionadas ao governo, prefeitura e inclusive na mudança da política partidária.
Muitas vezes os entrevistados se recusavam a participar da pesquisa alegando que “não vai adiantar nada”. A reinserção da Pop Rua na sociedade e a proteção contra a vulnerabilidade pela assistência social também foi um tema abordado durante as entrevistas, tanto por parte de pessoas que declaravam sentir uma ruptura com a sociedade quanto pessoas que já estavam inseridas no processo de reinserção, ou transição, e contavam com o serviço da assistência social. Esse processo foi abordado de diferentes formas, tanto pelos entrevistados quanto pelos pesquisadores sociais em suas análises, o que nos leva a crer que é um processo complexo e facetado.
Alguns aparelhos e centros de acolhida atribuem tarefas dentro do albergue para os usuários como forma de incentivo à reinserção através do trabalho e do estabelecimento da rotina de autocuidado. Essas atividades são questionadas pelos usuários e pesquisadores sociais, oscilando entre aqueles que as consideram como passos em direção à autonomia ou exploração do trabalho dos usuários pelos equipamentos, que supostamente estão recebendo verba para a realização da atividade. A hipótese que é possível depreender daí é que a equipe consegue criar um sistema de divisão de tarefas, mas não consegue dar sentido à iniciativa para o próprio usuário. Outro assunto citado foi que cada Tenda tem uma dinâmica particular de funcionamento, bem como cada equipamento de acolhida, e restaurante comunitário; isso faz com que as regras sejam diferentes, a maneira de lidar com os técnicos e a convivência entre usuários.
Dentro da categoria Assistência Social, outras três subcategorias de discurso se somam às descritas anteriormente, os obstáculos à acolhida, as dificuldades e as
sugestões. Com relação aos obstáculos à acolhida os entrevistados dão diversos depoimentos que configuram denúncias de situações que ocorrem dentro dos equipamentos e os levam à descrença ou a se afastar desse tipo de serviço. São denúncias de: violência dentro do equipamento por parte de usuários e funcionários; conflito de gerações que levam os idosos a preferir viver em castas na rua do que dormir albergados; intrigas entre os próprios usuários e entre os técnicos e os usuários; convivência tensa entre usuários devido ao consumo de bebidas e drogas, tanto dentro do equipamento quanto antes da entrada; regras consideradas rígidas em excesso; roubos internos, gerando a sensação de insegurança; humilhação dentro dos centros de acolhida por parte dos funcionários; alimentação abaixo das expectativas; preconceito entre usuários e funcionários tanto dentro do centro de acolhida quanto dos serviços de saúde, principalmente em relação à população LGBTT.
Alguns entrevistados relatam terem sofrido assédio dentro dos quartos dos centros de acolhida por sua orientação sexual, e alguns travestis relatam histórias de estupro e mutilação dos seios. Os desligamentos e transferências arbitrárias, sem que haja um diálogo prévio com o usuário ou a compreensão da sua situação singular, são também apontados como obstáculos à acolhida, assim como a falta de água nos equipamentos, as condições de higiene e transmissão de parasitas através dos colchões e roupas de cama e o uso de drogas dentro do albergue, que faz com que as pessoas se sintam inseguras. Outra questão apontada recorrentemente como motivo para as pessoas preferirem dormir na rua a serem albergadas é a separação do casal para dormir em quartos para mulheres e homens e a falta de informação.
Algumas questões políticas também são levantadas, como o excesso de burocracia dos aparelhos, a falta de integração entre as políticas (como a assistência social, saúde, habitação, direitos humanos e educação), a falta de incentivo para trabalhador, que muitas vezes perde a alimentação do albergue por precisar sair mais cedo do que o horário do refeitório, ou chegar mais tarde que o horário preestabelecido para a janta. Todas essas condições apontam para outra demanda dos usuários, a necessidade de escolha de um perfil profissional para atender nos equipamentos para a Pop Rua, que tenham empatia pelos usuários e conheçam sua realidade. Dois apontamentos retirados das entrevistas se mostraram bastante preocupantes; o primeiro é a difusão do modelo prisional, instituído por facções criminosas, para os albergues, que ao mesmo tempo em que estabelece uma certa regulação da conduta entre os usuários também demonstra que a cultura do crime
está presente. Esse ponto se coloca em relação direta com a semelhança dos equipamentos de acolhida com o regime semiaberto, apontada tanto pelos usuários quanto pelos pesquisadores sociais e técnicos nas pesquisas de campo nos aparelhos.
A respeito das dificuldades presentes na assistência social, os entrevistados falam do assistencialismo da assistência social e entidades religiosas, como na frase “Eles gastam milhões para nos manter onde estamos”.
Também percebemos que a defesa institucional gera mais descrédito e desconfiança dos usuários aos equipamentos de acolhida; muitos equipamentos se recusaram a receber a pesquisa ou não deixaram que falássemos com os usuários, ou, ainda, colocaram técnicos vigiando os entrevistados e entrevistadores, gerando mal-estar nos pesquisadores sociais e desconfiança quanto ao serviço prestado. A desqualificação das denúncias quando feitas pela Pop Rua aumenta ainda mais a sensação de ineficácia e falta de resposta pela ouvidoria em relação aos pedidos dessa população, em especial a dificuldades para acessar os benefícios.
Outras duas dificuldades apontadas incluem o fato de São Paulo estar recebendo demandas da Pop Rua de outras cidades, que muitas vezes são enviadas de ônibus para acessarem a rede estruturada aqui, e a territorialização da Pop Rua, que faz com que muitas pessoas não aceitem ir para equipamentos fora do seu território.
Sobre as sugestões da Pop Rua e sociedade civil com relação à Assistência Social oferecida pelos entrevistados, foram apontadas as seguintes alternativas:
(i) Flexibilidade de horários dos albergues, principalmente para quem trabalha, para que as pessoas não precisem optar ou pela alimentação ou pelo trabalho;
(ii) Bagageiro seguro para que as pessoas tenham onde guardar seus pertences e não precisem ficar nas malocas o tempo todo para vigiá-los, podendo circular mais pela cidade e realizar diferentes formas de trabalho;
(iii) Aumento do número de creches públicas para que as mães que criam os filhos sozinhas possam trabalhar e sustentar suas famílias, no lugar de ficarem todo o tempo com os filhos e dependerem do Estado para garantir sua subsistência;
(iv) Priorização da boa acolhida dos usuários nos aparelhos, incentivando a criação de vínculos e diminuindo o preconceito contra a população LGBTTS, sobretudo travestis;
(v) Criação do banheiro da diversidade, à semelhança do que já ocorre no Portal do Futuro, com o objetivo de diminuir cenas de preconceito e desrespeito sofridas por travestis dentro dos banheiros dos albergues, onde são recriminados por usarem o banheiro feminino e correm o risco de abuso e violência ao usarem o banheiro masculino;
(vi) Ampliação do acompanhamento psicológico à Pop Rua para que as pessoas trabalhem a ruptura, o trauma ou a causa que as levou a optarem pela vida nas ruas e sua forma particular de subjetividade nessa condição, respeitando e/ou produzindo seus projetos pessoais;
(vii) Implantar ao menos um equipamento de acolhida na Lapa foi sugerida pelos pesquisadores sociais, ao perceberem uma confluência de fatores, como a ausência desses equipamentos no local, o grande número de Pop Rua e a territorialização, que faz com que as pessoas não busquem aparelhos em outras regiões da cidade;
(viii) Aumento da transparência quanto ao orçamento e às doações aparece em dois momentos de maneira mais forte; num primeiro, quando uma das técnicas entrevistadas (a única) apresenta o orçamento da casa de acolhida para os pesquisadores e estes se espantam com os gastos. E, num segundo, nas diversas situações de desconfiança com relação aos gastos dos aparelhos e o destino das doações recebidas; um dos entrevistados chega a dizer “O governo gasta milhões para manter a gente onde a gente está” (entrevistado);
(ix) Desenvolvimento de um tipo de capacitação para os serviços que priorize o acolhimento;
(x) Criação de um conceito arquitetônico de malocas, no qual arquitetos se colocariam a pensar um tipo de moradia adaptado para as pessoas que optam por viver nas ruas e em movimentação contínua.
Figura 29. Categorias emergentes para o conceito Assistência Social
Sobre a saúde os entrevistados falam recorrentemente da sua própria condição, doenças em geral, físicas e psíquicas, familiares enfermos e serviços. Duas denúncias significativas que aparecem dentro desse tema são: casos de tuberculose dentro dos equipamentos e a dificuldade de acesso ao serviço de ambulância oferecido pelo SAMU quando o paciente é identificado como Pop Rua; muitos relatam que as ambulâncias demoram mais que o habitual ou acabam não chegando.
SAMU
SAÚDE
tuberculose dentro dos
equipamentos
doenças em geral
Figura 30. Denúncias emergentes para o conceito Saúde
Quanto à habitação foram mapeadas algumas formas de moradia mais comuns entre os entrevistados da população em situação de rua; quais sejam: primeiramente a própria rua, ou, como eles preferem nomear, o morador de calçada, que acabam dormindo em malocas embaixo de pontes, marquises, ao redor de tendas, restaurantes e aparelhos. As próprias tendas desocupadas são locais usados para dormir, além de centros de acolhida e ocupações. Alguns conseguem pagar aluguéis baratos ou participam do Programa Autonomia em Foco.
A tenda da Xxxxx se tornou inviável. Quando começou era mesmo uma coisa de dar gosto, hoje um grupo bem caído, praticamente, reside ali. Não vejo uma grande violação do direito humano, não. Mas uma pouco de desumanidade há sim, em deixar este local à mercê dos usuários e conviventes que hoje podem ser chamados de moradores. A habitação nunca veio discutir essa anormalidade. A assistência foi até abril com presença permanente, mas hoje só a saúde pública aqui está. Na rua da Mooca, “subsé”, até a rua Piratininga, “submooca”, acima até o Tatuapé, no comecinho é “biqueira” de droga (Entrevista - Pesquisador Social, 2015).
RUA/ Calçada/ Maloca
Tenda
Centro Acolhida
MORADIA
Ocupação
Aluguel
Autonomia em Foco
Figura 31. Categorias emergentes em relação ao conceito Habitação
Um dos assuntos tratados com mais emotividade pelos entrevistados foi o que reunimos com o nome de queda. Esta se constituiu como a sobreposição de perdas e rompimentos da rede de suporte do sujeito, que muitas vezes é identificado pelos entrevistados como o motivo que os levou para as ruas. Esse termo foi emprestado das falas dos próprios pesquisadores sociais e entrevistados, como podemos ver no subitem Habitação a adjetivação “um grupo bem caído”.
O rompimento familiar aparece como um dos principais fatores que, sobrepostos a outros, compõem esse processo de rompimento da rede de suporte, seja ele causado por fatores alheios ao sujeito, seja provocado por ele. Nesse primeiro sentido, a morte ou adoecimento do cônjuge ou familiar são experiências que, mesmo não sendo
responsabilidade do sujeito diretamente, produzem a desarticulação da estrutura de vida do sujeito, e esse momento de ruptura é identificado por muitos entrevistados como um desencadeador da queda. Outros fatores descritos como parte dessa sobreposição são: separação conjugal, indiferença familiar, alcoolismo de parentes próximos e lembranças que levam a depressão ou tristeza.
Ainda dentro dos rompimentos, os entrevistados descrevem situações nas quais a rua é uma saída para aqueles que querem fugir da família, a renegaram ou foram expulsos por motivos diversos, como agressões física e psicológica, conflitos com familiares ou vergonha por algo que tenham, ou não tenham, feito, relacionado ao trabalho e ao uso de psicoativos. “Foi por desavenças familiares e por sentir que não era mais acolhido em casa, na época morava com uma tia, optou morar na rua sem roupas, banho, comida, família e sem emprego por seis meses” (Entrevistado, 28 anos).
Essas situações geralmente produzem memórias constantes da ruptura que marcam o presente, alterando a concepção de tempo e espaço. Nesse processo os núcleos traumáticos provocam uma compulsão à repetição, fazendo com que o sujeito reviva a ruptura a cada nova relação em uma atuação de conflitos no presente que os leva a novas rupturas. Esse processo fica bastante evidente na relação defensiva que os pesquisadores sociais e entrevistados estabelecem com as datas festivas, como Natal, Ano Novo, aniversário, etc., que geralmente são datas que remetem à relação familiar ausente, trazendo de volta a memória do rompimento traumático e, muitas vezes, provocando novas rupturas. Muitos entrevistados descrevem, ainda, famílias idealizadas, repetindo o desejo de um retorno que nunca se efetiva, pois o motivo que os levou à ruptura continua forte e presente, mesmo com o passar do tempo.
Além dessas situações mais emblemáticas dos rompimentos, muitos entrevistados relatam não terem família ou não terem contato com as famílias por motivo de migração ou falta de afinidade. Um número bastante significativo de entrevistados relata que tem contato com os familiares, os visita com regularidade, mas não pode ou não quer viver com eles, optando pela rua simplesmente por uma questão econômica de não conseguir pagar um aluguel. “Tem dois filhos e aos domingos com o dinheiro que xxxxx... vai visitar os filhos. Deseja se estabilizar profissionalmente e conquistar sua autonomia” (Entrevistado, 45 anos).
O uso de drogas também é descrito como um dos motivos que levam à queda. Dentre as drogas mais usadas estão: crack, maconha, cocaína, lança e thinner. O uso recorrente de álcool também é citado como um fator importante que leva as pessoas a viverem na rua, onde podem viver e manter seus vícios ativos. Um dos entrevistados descreve:
Fui para a rua mesmo desde que comecei com drogas e a rua me acolheu. Gostei e até hoje gosto da rua. Aprendi na dor que não dá para ter vida social usando drogas. Crack. Só pensava em usar crack e todo o meu dinheiro era para o crack. (...) Colocar mais valor nos objetos do que nas pessoas. A pedra começou a ter mais valor do que as pessoas. A droga é igual ao dinheiro, uma espécie de talismã (Entrevistado).
Outros fatores mais objetivos também são apontados como causas para a queda, como desemprego, falta de estudo ou qualificação, deficiência ou doença, que incapacitam ou dificultam conseguir um trabalho formal, e a pobreza em geral.
Morte/adoecimento do
cônjugue/familiar
confcônjugue/familiarlito
expulsão
Rompimento familiar
indiferença familiar
Separação conjugal
QUEDA
Agressões física e
psicológica
lembrança-depressão
alcoolismo na família
Pobreza
Quer fugir da
família/Xxxxxxx Xxxxxxxx
relação defensiva com datas festivas,
memórias de ruptura marcando o presente
Família idealizada
Tem contato
Não tem contato
Não tem
Deficiência/Doença
Estudo/qualificação
Desemprego
Drogas
Figura 32. Categorias emergentes em relação ao conceito Queda
São inúmeras as temáticas relacionadas à sobrevivência na rua, tanto com relação às especificidades das mulheres quanto às dos homens, idosos, deficientes físicos, adolescentes e crianças. Uma questão sempre presente é como, onde e se realizar a higiene pessoal, principalmente o banho. Alguns serviços, restaurantes e hospitais se recusam a atender pessoas que estejam visivelmente há algum tempo sem tomar banho; entretanto, os espaços públicos onde é possível fazer esse tipo de higiene pessoal são limitados para a população que não está vinculada a um centro de acolhida ou de convivência. Os entrevistados da Pop Rua se mostram preocupados devido ao fechamento de algumas tendas, usadas pela Pop Rua para esse fim.
As tendas são mais adianto ao morador de rua. Garantem a necessidade básica. Deveriam melhorar os serviços com cursos de capacitação. Relata que ainda está na rua por falta de apoio social. Relata que há falta de atenção. Não tem vaga fixa em albergue, só pernoite. Só possui RG. Gostaria de sair, mas a rua é um refúgio para nós que não temos onde morar. (Entrevistado, 45 anos).
Outra preocupação referente à sobrevivência na rua é a garantia da alimentação. Muitos centros de convivência oferecem refeições em horários pré-determinados, o que implica que para se alimentar ele fique disponível no entorno do centro durante o período do dia; caso ele consiga um trabalho terá que optar por perder o benefício da alimentação. Outras opções gratuitas são restaurantes comunitários e doações; entretanto, estas também são escolhas para aqueles que não estão trabalhando, pois as filas são longas e o tempo de espera chega a mais de uma hora. Os restaurantes populares, a comida compartilhada na comunidade e a comida comprada também se constituem como opções a baixo custo.
Tudo que chega de perecível na maloca tem que ser feito na hora! Já tem que ser temperado, colocado em recipiente limpo. Eu gosto de cozinhar.” “O pessoal da reciclagem vai nas malocas e reparte o alimento que sobra dos açougues... fazemos retalhos, misturas, aperitivos. Todos envolvidos na preparação do alimento feito por Xxxx Xxxxxx! Momento de coletividade entre a população em situação de rua! Todos chamam esses momentos – em que a comida não só enche barrigas, mas une pessoas e fortalece vínculos – de festas. (Crônica).
Um dos pesquisadores sociais descreve como momentos de lazer ou alívio na rua quando é feita uma grande refeição e compartilhada com a comunidade. Outras formas de lazer são a TV, que muitas vezes é vista nos centros de convivência, tendas e centros
de acolhida e as drogas e álcool, que podem ser entendidos como uma defesa psíquica, ou seja, uma defesa do sujeito para suportar a vida nas ruas. A religião também é descrita como uma forma de lazer, pois é uma maneira de passar o tempo que sustenta a crença das pessoas, oferece doações e é uma comunidade de apoio. Frequentar parques, bibliotecas, boates, forrós, praças e cinemas também é forma de lazer da Pop Rua, além de jogar na loteria, praticar futebol, usar a internet pública e dormir. As formas de lazer são bastante importantes na sobrevivência na rua, pois oferecem um laço com a cultura e a comunidade local, seja para suportar as dificuldades, seja para apontar caminhos alternativos ao que se vive. “Foi com uma atitude como essa que eu larguei o Crack. Foi quando, depois de muito tempo, eu fui assistir um filme no cinema e pude ver como meu dinheiro poderia ser gasto com outras coisas. Como eu literalmente estava queimando meu dinheiro.” (Pesquisador Social)
As doações são também um tema importante quanto à sobrevivência na rua, que não são só de alimentos, mas também de cestas básicas, roupas, etc. Existem locais onde elas ocorrem com maior periodicidade, mobilizando um fluxo de pessoas na região. “O que faz você permanecer na rua?” (Pesquisador social) “Bom, as doações são muito boas. Só ruim para dormir e para tomar banho. Também para lavar roupa” (Entrevistado, 28 anos).
O roubo e o tráfico também aparecem como questões de sobrevivência na rua, ambos como fenômenos com os quais é preciso lidar. Como tanto as pessoas quanto seus pertences estão muito expostos na vida na rua, é preciso sempre lidar com a possibilidade do roubo; alguns relatam não saírem para longe das malocas ou criarem uma rede de apoio com os vizinhos, para diminuir o risco de perderem seus pertences. Quanto ao tráfico, existe uma relação delicada da qual poucos entrevistados se atrevem a falar por medo de represálias. É evidente que o tráfico exerce uma certa regulação nas ruas, impondo suas regras de conduta e punindo através da sua própria noção de justiça. O grande problema é que essa é uma justiça diferente para cada pessoa, podendo ser condescendente em alguns momentos e extremamente perversa quando seus interesses não são atendidos.
TV
drogas álcool
Banho/higiene
Dormir
Alimentação
Parques
Doações
biblioteca
SOBREVIVÊNCIA
Lazer/ Alívio
boate
Roubo
loteria
Tráfico
futebol
internet pública forró cinema
praça da Sé
Figura 33. Categorias emergentes em relação ao conceito Sobrevivência
O trabalho é uma categoria que aparece em muitas falas, tanto com relação às suas condições quanto a sua ausência. Quanto mais próximos de uma fase de transição, mais o trabalho parece ser uma questão significativa. Tanto pelo relato dos pesquisadores social quanto de alguns entrevistados, é possível perceber que o trabalho tem uma função de ancoragem, ou seja, se constitui como um elo da rede de apoio do sujeito, fazendo um movimento que se contrapõe à queda. Nesse sentido o trabalho se transforma em um laço do sujeito com a sociedade, com os pares e com as leis. Durante a pesquisa foi possível observar esse processo nos próprios pesquisadores sociais, para os quais a pesquisa foi um momento de formação, autonomia, estabelecimento de vínculos, criação de rotina e ganho de dinheiro. “Um dos pesquisadores sociais deixa escapar isso em algum momento, ao dizer que o que o segurou durante 2015 foi saber que tinha a pesquisa para realizar. A
pesquisa foi a ancoragem dos pesquisadores” (Crônica). “Não somos dela [rua]. Não pertencemos a ela. Ela pertence a nós” (Pesquisador Social na Oficina de Jornalismo – Para mais detalhes ver Anexo 4: Textos dos Pesquisadores Sociais Sobre a Pesquisa).
O tempo da rua se constitui como uma vivência subjetiva bastante diferente do tempo do trabalho; segundo os entrevistados e pesquisadores sociais é preciso um período de readaptação à rotina, ao tempo marcado pelas repetições cotidianas, a como lidar com o dinheiro e compromissos. “Voltar à rotina é muito difícil, ter o tempo marcado pelo tempo do relógio a gente não tá mais acostumado. Viver na rua não dá pra marcar no tempo. Viver na rua é uma adrenalina constante!” (Entrevistado).
Os entrevistados falam muito sobre seus trabalhos anteriores à vida na rua, como: camareira, carregador no mercadão municipal, pedreiro, pintor, pizzaiolo, serviço ilegal, jardinagem, atacadista de alimento, reciclagem, soldador elétrico, polidor de carros, vigilante, manobrista, carpinteiro, serralheiro, chefe de cozinha, comunicação, professor, artista, caixa de supermercado e mecânico. É interessante notar que quase todos esses trabalhos são informais ou de baixa renda, gerando pouca ou nenhuma estabilidade e garantia de direitos, o que faz com que essas pessoas, quando ficam adoecidas, idosas ou desempregadas, acabem indo para as ruas. Algumas formas de trabalho informal são altamente vulnerabilizantes, como a prostituição e o trabalho com o corpo, a exploração sexual infantil e até trabalhos de carregamento nos mercadões.
Os trabalhos atuais dessa população, ou o que eles fazem para ganhar dinheiro, são: faxina, olhador/lavador de carros, mangue (pedir), reciclagem, carga e descarga, bicos, auxiliar de limpeza, plaqueiro, cooperativa, tráfico, cozinha/garçom, profissional do sexo, catador de material reciclável, artesanato, construção civil, economia solidária ou cooperativa de mulheres. Ou seja, a população em situação de rua trabalha; entretanto, em sua grande maioria, trabalha em serviços informais que não geram renda suficiente para permitir que alugue uma residência.
Os relatos de desemprego são recorrentes, destacando-se as dificuldades específicas da Pop Rua para conseguir uma vaga, como a exigência do comprovante de residência, que ajuda na identificação e discriminação, o pedido de bons antecedentes criminais, que serve para excluir os egressos, a idade avançada ou doenças de várias pessoas dessa população.
Ancoragem
Ecosol Desemprego
Formação pela pesquisa Rotina
Dinheiro
TRABALHO
Informalidade
Exploração sexual infantil Discriminação à poprua Prostituição
Atual
Anterior
Figura 34. Categorias emergentes em relação ao conceito Trabalho
Estar na rua.
Foge de toda a segurança da gravidade de problema.
Esvazia-se toda a mente, todo o conceito de segurança se vai.
Família, amigos, educação...
Agora o que vale é a sobrevivência.
Estar na rua.
Sem para onde ir.
Cada dia é como se fosse um novo dia.
Dormir é solidão. Acordar é depressão.
Rotina
A violência está em toda parte, não se pode confiar em ninguém.
A exploração de mão de obra não traz dignidade Roubar e ir para prisão
Não.
Sem educação Sem aceitação A rua é o último
Refúgio de um cidadão
...de preconceitos Onde não se tolera traição
Estar na rua.
Livre de toda obrigação Entre delírios e loucuras Da paixão.
Sem banho entre fezes e lixo acende o caximbo Dura união
Prostituição, tudo vale Pela ... e satisfação
E nas sombras
Vive uma população sofrida, amargurada pelo peso de uma dor passada
Um buraco negro
Que atrai homens, mulheres e crianças Vencidas pela exclusão.
Um povo livre da ética da moral e fugitivo De sua própria consciência
Que busca no esquecimento O alívio de sua dor Valoriza seu cachimbo
Só o que lhe restou
Sua cor é parda, branca e negra
A rua aceita todas, embaixo da ponte
Nas calçadas, nas praças, nos canos de esgotos A rua está em todo lugar.
A rua canta, chora,
Conta estória e história A rua tem rua própria Língua e regras
Abandonada pela sociedade A rua cria sua própria Sociedade.
Na calçada um rastro de sangue Alguém quebrou a cabeça de alguém
E esse rastro vai até a base da guarda onde o rastro parou Xxxxxx socorreu!
(Pesquisador Social)
A poesia produzida por um dos pesquisadores sociais demonstra, com toda a propriedade de quem vive e estuda essa realidade, as diversas facetas, por vezes conflitantes, da vida na rua. Essas facetas se entrelaçam em uma complexa cultura singular com suas regras de convivência, a linguagem, derivada e aproximada ao Iorubá (uma língua falada pelas travestis), e leis próprias, como algumas regras da Cracolândia que se aproximam muito das regras da cadeia.
Vários entrevistados defendem o direito de continuarem vivendo nas ruas, calçadas e malocas, ou seja, o direito à permanência na rua. Eles consideram que existem benefícios nesse modo de vida que se sobrepõem às dificuldades, como a liberdade de poder fazer o que querem sem darem satisfação aos familiares ou terem que se preocupar todo o tempo em conseguir dinheiro para pagar o aluguel. Outro benefício seria a grande rede de solidariedade que eles encontram na rua, com troca de alimentos entre malocas, organização e divisão de tarefas, festas e uma nova “vida em família”, ou seja, a constituição de uma rede de amigos da rua que ocupam o lugar deixado pelo vínculo familiar rompido.
Muitas das pessoas entrevistadas demonstram terem realmente constituído um modo de vida no qual a vida na rua passa de uma condição passageira para uma longa permanência. Nesse sentido podemos pensar em uma dependência na e da rua; na rua pois seria uma forma de suportar esse modo de vida, e da rua pois se configura como um quadro cronificado, no qual a pessoa perde a capacidade de viver em outra circunstância e, mesmo que exista o desejo de voltar, a pessoa terá que reaprender a viver fora. Ou seja,
nesse sentido a rua se constitui como um dentro, uma comunidade na qual as pessoas, ainda que em circulação, se conhecem. Alguns chegam a optar por realmente viver em aglomerados ou concentração de Pop Rua como uma forma possível de proteção para o grupo.
Entretanto, certamente não existem só benefícios nesse modo de vida; uma das grandes questões de preocupação da Pop Rua é a exposição dos corpos a agressão. Cerca de 90% dos entrevistados relatam já terem sofrido algum tipo de violência da sociedade, devido ao preconceito, ou agressão pela polícia (PM, GCM, RAPA) ou por funcionários dos centros de acolhida. Este pode ser um indício do desamparo inerente à vida na rua, pois esta se constitui como um lugar inóspito para se viver, com muitos conflitos, agressões (incluindo abuso sexual), roubo, perigos e solidão, ou seja, a vida na rua se configura como um lugar de instabilidade e descontinuidade.
Essas duas últimas características do modo de vida na rua nos fazem compreender a dificuldade de essas pessoas se reinserirem na sociedade ou conseguirem um emprego formal, a instabilidade gera o “bater a nave” e o extravio da documentação, e as pessoas sem documentos ou inadimplentes não são contratadas, reenviando-os em um paradoxo sem fim.
Os entrevistados também relatam uma série de expectativa de futuro que ora aparece de maneira distanciada, ora aparece como uma demanda simples de sobrevivência, demonstrando uma pobreza de projetos sociais, como: retomar convívio familiar, oferecer melhores condições, retomar faculdade e estudo, retorno à cidade natal, conseguir pagar um aluguel, ter um benefício social ou fazer a cirurgia de transformação de sexo.
VIDA NA RUA
Regras de convivência Liberdade Solidariedade
Amigos da rua Iuruba
Permanência longa na rua Direito à permanência na rua Dependência na e da rua Aglomerados
Agressão pela Polícia regras da cracolândia Desamparo
Instabilidade e descontinuidade “Bater a nave”
Falta de documentação Expectativa de futuro
Figura 35. Categorias emergentes em relação ao conceito Vida na Rua
4.2.10 Ancoragem e desancoragem
Por fim, percebemos que algumas categorias ancoram o sujeito no laço social, ou seja, ajudam-no a construir vínculos e redes que o ligam à sociedade, ao mesmo tempo em que outras induzem à ruptura com o laço, isto é, desancoram.
As categorias que ancoram o sujeito no laço seriam: o território, pois é nele que o sujeito estabelece seus vínculos comunitários e o torna mais permanente, contrapondo-se à instabilidade da rua. “Eu vivo no Cimento, essa é minha referência, minha ancoragem” (Pesquisador Social). A igreja e o atendimento também são considerados possibilidades de laço da Pop Rua com a comunidade local, assim como os aglomerados, a solidariedade, a gastronomia na rua e o lazer. Outras categorias ancoram o sujeito por garantirem seu bem-estar, diminuindo o desamparo, como a saúde, a qualidade de vida e as regras de convivência na rua. A transição e a autonomia são categorias que levam o sujeito para o convívio social através do trabalho, da rotina, do dinheiro e da responsabilidade.
Finalmente, a liberdade é o que garante que a permanência no laço não altere substancialmente o modo de vida da Pop Rua, ou seja, que conserve um aspecto importante e pelo qual muitos foram para as ruas.
Território
Igreja Atendimento Transição Autonomia
Lazer
ANCORAGEM
Gastronomia na rua
Regras de convivência na rua Qualidade de vida
Liberdade
Aglomerados Solidariedade
Saúde
Figura 36. Categorias emergentes em relação ao conceito Ancoragem
Alguns fatores importantes podem servir tanto como ancoragem quanto desancoragem, como o Estado, o trabalho e o tráfico. Todos os três têm o potencial de criar relações do sujeito dentro de uma comunidade, oferecendo benefícios e melhores condições de vida; entretanto, todos os três também têm o poder de enviar o sujeito para um ciclo de violência e desamparo.
Estado
ANCORAGEM E
DESANCORAGEM
Trabalho
Trafico
Figura 37. Categorias emergentes em relação aos conceitos Ancoragem e Desancoragem
Finalmente, identificamos também fatores que corroboram para o rompimento do sujeito com sua rede de apoio e dos laços que o ligam à sociedade como um todo; são eles a dependência, a separação entre dois mundos, provocada pelo preconceito social, a falta de vínculos, marcada por não conhecer o outro que está ao seu lado, a migração, que distancia os familiares e amigos, a violência social e policial, o desamparo, o assistencialismo e o fim de ano, o qual traz lembranças do rompimento e pode ser o pontapé para desencadear uma nova cena de repetição da exclusão provocada e sofrida pelo próprio sujeito.
Dependência
Separação entre dois mundos
Preconceito social
Tráfico
Não conhecer o outro
DESANCORAGEM
Migração
Violência
Violência policial
Desamparo
Assistencialismo
Fim de ano
Figura 38. Categorias emergentes em relação ao conceito Desancoragem
5 DISCUSSÃO
A questão das ancoragens
Os dados e situações levantados pela pesquisa demonstram uma enorme precariedade na vida nas ruas. Grande parte dos trabalhadores que desempenham suas funções nos mais diferentes setores, certamente já se fizeram a seguinte questão ao escutar alguém em situação de rua: Como esta pessoa ainda está viva depois de tudo o que passou e está passando? A escuta psicanalítica permite aqui alguns avanços na direção da construção de um clinica que dê conta destas situações, além de produzir um saber que pode ser utilizado nas mais diferentes situações de trabalho e colocado a serviço das equipes responsáveis pela implementação das políticas públicas.
É nessa escuta clínica nas situações sociais críticas que Broide e Broide (2015) desenvolveram o conceito de ancoragens. Ancoragens são os fios, muitas vezes invisíveis, que amarram o sujeito à vida. É necessário escutá-los, entendê-los, trabalhar com esses fios. Eles são a força da vida que mantém o sujeito ali, diante de nós. E o que são esses fios? São relações, são laços. No caso da população em situação de rua e em outras situações sociais críticas, muitas vezes esses fios de vida não estão na família, em um ou outro membro dela, mas podem estar na vida comunitária da rua, no cachorro companheiro fiel, no técnico, no comerciante que dá comida, no porteiro do equipamento, na namorada, no namorado, e assim por diante.
Esse fato é de grande relevância. Isso porque, como o campo da pesquisa e de outros trabalhos que desenvolvemos nas áreas sociais críticas nos demonstrou até o momento atual, a política pública na área da assistência está centrada no eixo da família. Se todos os esforços no caso da Pop Rua vão nesta direção, estamos trabalhando – não em todas, mas em muitas situações – na retraumatização do sujeito. Muitas vezes ele não quer e/ou não consegue ter contato com a família, por vergonha, pelo fracasso diante da vida e das oportunidades, ou mesmo em função das vivências de violência. Os laços foram rompidos e as situações ali vividas são dilacerantes. A retraumatização é um fenômeno a ser trabalhado com muito cuidado pelas equipes junto à população em situação de rua, razão pela qual o acolhimento e a escuta são essenciais.
A ampliação do contingente de pessoas em situação de rua
A pesquisa indicou que houve ampliação do contingente de pessoas que podem ser consideradas em situação de rua na cidade de São Paulo. Além daquelas com o perfil estabelecido pelo Decreto 7.053 de 23 de dezembro de 2009, encontramos também egressos do sistema penitenciário, imigrantes, pessoas e famílias provenientes da periferia da cidade e grupos e pessoas que vivem nas ocupações. Famílias com crianças provenientes da periferia, moradores das ocupações e trabalhadores que preferem não voltar para suas casas durante a noite devido ao custo do transporte e/ou outros motivos, buscam doações feitas por ONGs, igrejas de todos os tipos e de grupos de amigos que voluntariamente distribuem roupas e comida, assim incrementando uma forma de assistencialismo descontrolada.
Todos esses segmentos mesmo não estando o todo o tempo em situação de rua utilizam os equipamentos da Prefeitura destinados à população em situação de rua, aumentando a tensão em todos os níveis de atendimento, quer seja pelo aumento da demanda de trabalho referida pelos técnicos, quer seja pela necessidade de criar possibilidades de atenção a um crescente número de assistidos com especificidades nas solicitações de assistência e cuidado.
Os programas de atendimento e a população em situação de rua
A pesquisa detectou uma desconexão entre a população em situação de rua e os inúmeros programas de atendimento articulados com e pela prefeitura Municipal da Cidade de São Paulo 6. Raramente esses programas estiveram presentes nas falas dos entrevistados que vivem em situação de rua. Diferente é a situação dos programas de benefícios, pois muitos conseguem recebê-los. Ou seja, com isso estamos dizendo que os programas que oferecem a possibilidade de mudança na vida das pessoas raramente chegam à população em situação de rua. Elas conseguem acessar aqueles programas que as mantém dentro do sistema assistencial. É necessário tornar públicos, de forma mais efetiva, os programas que retiram as pessoas do assistencialismo que as infantiliza ou estabelece relações de violência. Talvez seja o caso de serem montadas equipes volantes que circulem pelas ruas e pelos equipamentos para uma escuta eficaz dos que estão em situação de rua e apresentar de forma cuidadosa os programas em curso.
6 Programa Operação Trabalho (POT), Programa Nacional de Acesso ao Ensino e ao Emprego (PRONATEC), Centro de Referência e Acolhida ao Imigrante (CRAI), Promoção da Bancarização de Imigrantes, Projovem Urbano, Transcidadania, Centro Publico de Direitos Humanos e Economia Solidária e Incubadora Pública de Empreendimentos Solidários.
Os dados da pesquisa nos mostram que não há uma carência de programas e equipamentos para a Pop Rua. O que há é, por um lado, um desconhecimento acerca das possibilidades ofertadas pelas políticas governamentais para que o sujeito saia da condição de dependência do sistema de assistência. Além disso, já está comprovado tanto pelas falas dos entrevistados que vivem em situação de rua, como pelos técnicos dos equipamentos, que a construção de equipamentos gigantes não contribui de forma efetiva para resolução da necessidade de acolhida e da construção de ações transformadoras.
Dificuldades no atendimento
Vale a pena abordar aqui as dificuldades do atendimento à Pop Rua. Estes sujeitos, como já mencionamos algumas vezes nesta pesquisa, passaram por rupturas muito graves que deixaram inúmeras marcas psíquicas. Nesse aspecto, ajuda-nos muito um conceito importante da psicanálise que é o da transferência. Essa é a relação que o paciente, analisante, ou o atendido repete na relação com quem o atende um padrão histórico e conhecido, no caso em questão, , as rupturas dilacerantes pelas quais passou.
Ao repetir essas situações com o outro, com quem ele está no momento atual, o sujeito tanto deixa de ver o presente, como também, ao repetir, traz a tona toda sua história na relação com quem o atende. Assim, na repetição transferencial, Pop Rua traz ao equipamento, ao programa e à equipe técnica todas as rupturas e violências pelas quais passou, o que torna o atendimento muito complexo. Podemos dar um exemplo bastante claro. Os egressos do sistema penitenciário trazem as relações que existem nas prisões e no crime organizado muito arraigadas dentro de si.. É a forma que eles conhecem de se relacionar com o outro, consigo mesmo, com as instituições e com a comunidade onde vivem.
Ao chegarem nos equipamentos tratam a equipe técnica como carcereiros, estabelecendo com eles e com o restante dos usuários a mesma ética de violência que seguiam no presídio. Assim, o equipamento vai paulatinamente mudando suas regras e torna-se quase que um presídio. A equipe de atendimento, que não está acostumada a essa modalidade de relação e de ética, encontra-se então perdida e assustada. Restam-lhe duas alternativas: ou se submete ou enfrenta. Ambas geram medo, terror, desamparo. É necessário defender-se dessa situação. Como depende do trabalho para sobreviver, muitas vezes adota um padrão burocrático ou alienado de atendimento. A outra possibilidade exige da equipe um enorme esforço e não terá frutos se não lhe for dado todo o suporte que necessita em formação, supervisão e acolhimento.
A presença dos egressos do sistema penitenciário
A ausência de uma política para o egresso de sistema penitenciário tem um forte impacto na rua. É muito comum que este saia diretamente da prisão para a rua, sem nenhuma alternativa de vida a não ser o crime organizado, que domina também a vida nas prisões através de determinadas facções, como o PCC no caso do Estado de São Paulo. A evolução desse lugar de egresso para a venda de drogas na rua se constitui num passo sedutor, visto que essas pessoas se encontram sem lugar para ir e sem projeto de vida viável.
Como esse fato é muito frequente e se espalha por toda a cidade, deparamo-nos nos mais diferentes lugares com a cultura, com a ética e com o controle do espaço pelo PCC. Este fato inclui também os equipamentos de atendimento para a Pop Rua, cujas equipes, sem apoio e sem preparo, precisam aceitar essas regras, muitas vezes pedindo a proteção e ajuda dos “irmãos”. Estamos, portanto, diante de um importante fenômeno, que é a implantação das regras e do modo de convivência dos presídios nas comunidades das populações de rua na cidade de São Paulo. A pessoa em situação de rua pode não aderir ao tráfico, mas certamente deve respeitá-lo. Acreditamos que esse seja um dos novos fatos graves, que altera a dinâmica anteriormente conhecida da vida nas ruas da cidade de São Paulo.
Dificuldade de gestão dos equipamentos
Destacamos que é muito difícil reverter a situação colocada até agora em equipamentos com grande número de usuários. Somente na medida em que o sistema de acolhimento à Pop Rua estiver dentro dos princípios da Política Nacional Para a População de Rua (BRASIL, 2016), que indica 50 pessoas como número máximo de usuários nos equipamentos de acolhimento, é que haverá uma possibilidade muito maior de controle das instituições garantindo uma melhor assistência. Quanto ao crime organizado, sabemos que é muito mais difícil para o mesmo dominar um equipamento com 50 pessoas do que um destinado a mil usuários. É nessa situação que o egresso poderá ser atendido com todo o cuidado necessário, sem que seja obrigadoou consiga implantar as regras da prisão no local de atendimento.