Número do 1.0394.13.007683-6/001 Númeração 0076836-
Número do 1.0394.13.007683-6/001 Númeração 0076836-
Relator: Des.(a) Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Brant Relator do Acordão: Des.(a) Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Brant Data do Julgamento: 09/10/2019
Data da Publicação: 18/10/2019
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - CONTRATO DE EMPRESTIMO CONSIGNADO FIRMADO COM PESSOA ANALFABETA. VULNERABILIDADE PRESUMIDA DO CONTRATANTE. - REQUISITOS EXIGIDOS PELO ARTIGO 595 DO CÓDIGO CIVIL NÃO ATENDIDOS EM SUA INTEGRALIDADE - NULIDADE DA CONTRATAÇÃO RECONHECIDA A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - MANUTENÇÃO - VALOR CONDIZENTE - DANOS MATERIAIS - RESTITUIÇÃO DEVIDA - FORMA SIMPLES - JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA.
- O fato de a parte autora não ser alfabetizada não a torna incapaz no sentido legal e não a impede de contratar, contudo, em razão da sua presumida vulnerabilidade, o artigo 595 do Código Civil exige alguns requisitos para a celebração do contrato, os quais não foram observados, tornando nulo o empréstimo efetivado.
- Uma vez anulado o contrato, as partes devem retornar ao "status quo", devendo ser restituídos, na forma simples, os valores pagos pela autora, abatido o que foi a ela disponibilizado, a fim de se evitar o enriquecimento sem causa, pois a autora não pode se locupletar ilicitamente em detrimento do banco.
- A situação a que foi submetida a autora transbordou em muito a esfera dos meros dissabores da vida em sociedade, pois gerou descontos em seu benefício previdenciário de modo que ficou privada de parte do valor utilizado para o custeio das suas necessidades básicas e verba de caráter alimentar. Nestas circunstâncias, é de ser reconhecido o dano moral vivenciado pela autora.
- Reconhecida a obrigação de indenizar, o quantum fixado na
sentença deve ser mantido, tendo em vista que restou observado o princípio da razoabilidade, bem como a extensão do dano de modo a evitar enriquecimento ilícito.
- A repetição do indébito em dobro somente é possível nos casos em que é comprovada a má-fé.
Os juros de mora, em casos de responsabilidade extracontratual, incidem sobre o valor da indenização por danos morais, a partir do evento danoso, no caso do desconto indevido. De seu turno, a correção monetária incide a contar da data da decisão que fixou a indenização por danos morais, nos termos da súmula 362, do STJ.
Em relação a restituição dos descontos indevidos, a correção monetária e aos juros de mora incidem a partir de cada desembolso, aplicando-se ao caso vertente, o art. 398, do CC.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0394.13.007683-6/001 - COMARCA DE MANHUAÇU - 1º APELANTE: - 2º
APELANTE:
- APELADO(A)(S):
,
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E AO SEGUNDO.
DES. XXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX BRANT RELATOR.
DES. XXXXXX XXXXXXXX XXXXXXXX XXXXX (RELATOR)
V O T O
Trata-se de Apelação interposta por (Autora/1ªApelante) e
S/A (Réu/2º Apelante) em
face da sentença de fls. 163/169 proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Manhuaçu que, nos autos da "ação declaratória de nulidade de contrato, c/c repetição de indébito e danos morais", julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na exordial, para reconhecer a invalidade do contrato objeto do feito, bem coo dos descontos proferidos no benefício previdenciário da Autora , condenado o Réu a restituir em dobro as quantias indevidamente descontadas, condenando-o, ainda, ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$5.000,00 (cinco mil reais), sobre o qual deverá incidir juros moratórios mensais de 1% (um por cento) contados do ato ilícito dos descontos, e correção monetária pelos índice da tabela da CJMG, em relação aos danos materiais a partir do efetivo prejuízo e dos danos morais, a partir da prolação da sentença. Por fim, determinou que do montante a ser restituído à Autora, deverá ser descontado o crédito depositado na conta da autora no valor de R$5.050,01 (cinco mil, cinquenta reais e um centavo) em favor do Ré, com correção monetária pelos índices da tabela do TJMG a partir da efetivação do depósito e juros de mora da citação, a razão de 1% (um por cento) ao mês. Condenou, ainda, o Réu, no pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da condenação.
1ª APELAÇÃO - P/ AUTORA -
Nas razões às fls. 170/198, a Autora/Apelante alega, em síntese: a) que os juros devem incidir com os critérios da Súmula 54 do STJ; b) que os honorários devem ser majorados para 20% (vinte por cento) do valor da condenação; c) que o Réu/Apelado não produziu as provas
necessárias para identificar a suposta assinatura a rogo; d) que o Réu/Xxxxxxx não fez prova da contração, em do repasse do numerário para a conta da Autora/1ªApelante; e) que a indenização por danos morais deve ser majorada para o valor pleiteado na inicial; f) que devem ser prequestionados os dispositivos legais pertinentes. Requer a reforma da sentença para majorar a indenização por danos morais para o montante de R$75.0000,00 (setenta e cinco mil reais), e em caso de deposito judicial realizados pelo Réu/Apelado, não descontar nenhuma quantia. Requer, ainda, que os honorários sejam fixados em 20% (vinte por cento) da condenação e os juros e a correção monetária incidam nos termos da Sumula 54 do STJ.
Contrarrazões às fls. 216/224 onde o Réu/Apelado defende o não provimento do recurso.
2ª APELAÇÃO - P/RÉU S/A
Nas razões às fls. 200/212, o Réu/2º Apelante alega, em síntese: a) que a sentença é equivocada; b) que foram trazidos aos autos todos os documentos capazes de comprovar que a Autora/Apelada firmou o contrato; c) que restou demostrado que o numerário disponibilizado foi utilizado para quitar contrato anterior da Autora/Apelada, e que a ela repassou o valor de R$739,87 (setecentos e trinta e nove reais e oitenta e sete centavos); d) que inexiste nos autos qualquer prova da incapacidade da Autora/Apelada; e) que não pode prosperar o argumento de que sendo analfabeta, foi enganada; f) que é vedado à parte tentar se beneficiar de sua própria torpeza; g) que não há que se falar em nulidade do contrato; h) que inexiste demonstração de má -fé para condenação em dobro; i) que inexiste requisitos para a condenação em danos morais; j) que se mantido o valor dos danos morais devem ser minorados. Requer a reforma da sentença, para que sejam julgados improcedentes os pedidos iniciais.
Sem Contrarrazões. É o relatório. Decido.
Conheço da Apelação, eis que presentes os pressupostos de sua admissibilidade.
A fim de se evitar repetições desnecessárias passo ao exame dos recursos em conjunto.
Tratam os autos, como visto no relatório, de ação declaratória de inexistência de débito, cumulada com indenização por danos morais e repetição de indébito, a qual foi julgada procedente em parte na origem, ensejando a interposição dos recursos de Apelação por ambas as partes.
Verifica-se dos autos que a Autor/1ªApelante é aposentada pelo Instituto Nacional do Seguro Social, recebendo seu benefício previdenciário pelo Banco Bradesco S/A.
A Autora/1ºApelante alega que nunca celebrou contratos de empréstimos junto ao Réu/2ºApelante.
O Réu/2ºApelante, a seu turno, dedicou-se a uma defesa pautada na validade do contrato efetuado entre as partes, na disponibilidade do numerário, defendendo que o fato da Autora/1ºApelante ser analfabeta não retira a validade do contrato.
Pois bem.
Verifica-se que o Réu/2ºApelante trouxe aos autos o suposto contrato firmado com a Autora/1ºApelante, assinado por duas testemunhas e acompanhado dos documentos dos envolvidos, conforme se infere das fls. 79/87.
Ocorre que a Autora/1ºApelante é analfabeta, conforme se verifica pelo documento de fls. 86, na data da celebração do contrato, contava com mais de 60 anos.
Embora o fato de a Autora/1ªApelante não ser alfabetizada não a torne incapaz no sentido legal e não a impeça de contratar, em razão
da sua presumida vulnerabilidade, o artigo 595 do Código Civil exige alguns requisitos para a celebração do contrato, conforme a seguir:
Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.
Assim, para que um contrato celebrado com um analfabeto seja válido, ele precisa ser formalizado por instrumento público ou por instrumento particular assinado a rogo por intermédio de procurador constituído por instrumento público, e subscrito por duas testemunhas. Do contrário, a contratação será nula, por inobservância da forma prescrita em lei, a teor do que estabelecem o art. 104, III e o art. 166, IV , do CC, já que a parte analfabeta, embora capaz, não possui condições de tomar conhecimento do negócio jurídico que efetivar mediante documento escrito, de tal modo que sempre necessitará do auxílio de terceiro que lhe garanta que o teor do ato documentado é o mesmo que tenciona realizar.
No caso em questão, verifica-se que o contrato de fls. 79/80, apesar de conter a digital do suposto contratante e a assinatura de duas testemunhas, não observou todos os requisitos previstos no artigo 595 do CC/02, porquanto desacompanhado o contratante de pessoa por ele indicada, de modo a conferir lisura ao pactuado, lendo-o e assinando-o a rogo do autor.
Dessa feita, verifica-se que o contrato aportado aos autos não se revestiu da forma prescrita em lei, o que torna nulo o empréstimo efetivado pela Autora/1ªApelante.
Nesse sentido:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO
ANALFABETO - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - INOBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES NECESSÁRIAS - ASSINATURA A ROGO - AUSÊNCIA DE PODERES DO TERCEIRO - NULIDADE DO CONTRATO - DESCONTO
EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - SALÁRIO MÍNIMO - DANO MORAL CONFIGURADO - OFENSA À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - VALOR
- RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - JUROS DE MORA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL - TERMO INICIAL - DATA DO EVENTO DANOSO - SÚMULA 54 DO STJ.
- Conquanto não se possa considerar o analfabeto, por si só, incapaz, a formalização do contrato com ele firmado deve observar determinados pressupostos formais, a fim de assegurar que a declaração de vontade foi fornecida de forma livre, desembaraçada e consciente.
- A jurisprudência majoritária deste Tribunal tem se manifestado no sentido de exigir que o contrato firmado por pessoa analfabeta seja formalizado por meio de instrumento público ou assinado a rogo, por terceiro com poderes conferidos igualmente por instrumento público.
- Reconhecida a invalidade do contrato, incumbe ao banco restituir os valores indevidamente descontados do benefício previdenciário.
- O dano moral caracteriza-se, em regra, pela violação aos direitos da personalidade, sendo a dor, humilhação, angústia ou sofrimento em si do indivíduo meras consequências da violação a um bem jurídico tutelado.
- O desconto indevido durante meses de parcelas sobre o benefício previdenciário correspondente a um salário mínimo mensal, prejudica sua subsistência, configurando afronta à dignidade da pessoa humana, devendo ser arbitrada indenização por danos morais.
- Na fixação do quantum devido a título de danos morais, o Julgador deve pautar-se pelo bom senso, moderação e prudência, sem perder de vista que, por um lado, a indenização deve ser a mais completa possível e, por outro, ela não pode tornar-se fonte de lucro.
- Incidem juros de mora, em se tratando de responsabilidade extracontratual, desde o evento danoso, de acordo com a Súmula 54 do STJ e o art. 398 do CC.
- Deve ser mantida a multa diária fixada com pleno amparo na legislação processual, cujo valor e periodicidade mostram-se adequados e razoáveis. (TJMG - Apelação Cível 1.0352.16.007206-7/002, Relator(a): Des.(a) Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/07/2019, publicação da súmula em 12/07/2019)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E DANOS MORAIS
- EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - VÍTIMA IDOSA E ANALFABETA - CONTRATAÇÃO NULA - DEVER DE ORIENTAR E INFORMAR O CONSUMIDOR - FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS - DESCONTOS NOS PROVENTOS DE APOSENTADORIA - RESTITUIÇÃO SIMPLES DANO MORAL PURO - "QUANTUM" - CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. I- O contrato
bancário firmado por pessoa analfabeta há de ser realizado sob a forma pública ou por procurador constituído dessa forma, sob pena de nulidade; II- Restando incontroverso que a parte autora era analfabeta e idosa, e não tendo sido observadas as formalidades mínimas necessárias à validade do negócio, a contratação de empréstimo consignado deve ser considerada nula; III- O desconto feito em benefício previdenciário com base em contrato de empréstimo bancário nulo gera, por si só, direito à indenização por dano material, impondo-se, por outro lado, a restituição simples dos valores descontados indevidamente, pois ausente a má-fé na contratação; IV- A responsabilidade pelo fato danoso deve ser imputada à Instituição financeira com base no art. 14 do CDC, que atribui responsabilidade ao fornecedor de serviços, independentemente da existência de culpa; V- A privação do uso de determinada importância, subtraída da parca aposentadoria do INSS, recebida mensalmente para o sustento do autor, gera ofensa a sua
honra e viola seus direitos da personalidade, na medida em que a indisponibilidade do numerário, por ato exclusivo e não consentido da Instituição-ré, reduz ainda mais suas condições de sobrevivência, não se classificando como mero aborrecimento; VI- A conduta faltosa da instituição financeira enseja reparação por danos morais, em valor que assegure indenização suficiente e adequada à compensação da ofensa suportada pela vítima, devendo ser consideradas as peculiaridades do caso e a extensão dos prejuízos sofridos, desestimulando-se a prática reiterada da conduta lesiva pelo ofensor. (TJMG - Apelação Cível 1.0352.18.001441-2/001, Relator(a): Des.(a) Xxxx Xxxxxx , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/06/2019, publicação da súmula em 10/06/2019).
Desse modo, ao contrário do que defende o Réu/2ºApelante, o contrato deve ser declarado nulo.
E anulado o contrato, as partes devem retornar ao "status quo", ou, no caso de impossibilidade, ser indenizadas com o equivalente, consoante determina o art. 182 do CC:
Art. 182 - Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restitui-las, serão indenizadas com o equivalente".
Assim, reconhecida a nulidade do contrato e a necessidade do retorno das partes ao "status quo", mister sejam devolvidos os valores descontados da pensão previdenciária da Autora/1ªApelante, na forma simples, ao contrário do que entendeu o Magistrado primevo.
Com efeito, para aplicação da repetição em dobro, mister se faz a presença da má-fé da demandada na cobrança dos valores em questão.
No caso, ainda que o Banco Réu/2º Apelante não tenha observado a forma prescrita em lei ao firmar o contrato em tela, a conduta por
ele empreendida não pode ser enquadrada como de má-fé a ensejar a repetição em dobro.
Destarte, deve ser mantida a condenação do Réu/2º Apelante ao pagamento, todavia de forma simples das parcelas indevidamente descontadas do benefício previdenciário da Autora/1ªApelante.
Nesse sentido já se posicionou esta 16ª Câmara:
EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO COM DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONTRATAÇÃO POR PESSOA IDOSA E ANALFABETA. USO DE CARTÃO BANCÁRIO E SENHA PESSOAL. EXISTÊNCIA DA CONTRATAÇÃO. AUSÊNCIA DE INSTRUMENTO PÚBLICO OU INSTRUMENTO PARTICULAR COM PROCURADOR COSTITUIDO POR ESCRITURA PÚBLICA. NULIDADE DO CONTRATO. RETORNO DAS PARTES AO "STATUS QUO ANTE".
DESCONTOS INDEVIDOS. DANO MORAL. COMPROMETIMENTO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. CONFIGURAÇÃO. DANO MATERIAL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO SIMPLES - MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA. JUROS DE MORA. VALOR A SER RESTITUÍDO PELO BANCO RÉU. TERMO INICIAL. CITAÇÃO
VÁLIDA. - (CERCEAMENTO DE DEFESA) Compete ao julgador, como destinatário da prova, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, indeferindo, fundamentadamente, as diligências inúteis ou meramente protelatórias - inteligência do art. 370 do CPC/15. - (NULIDADE DO CONTRATO) É nulo o contrato escrito celebrado com um analfabeto que não é formalizado por instrumento público ou por instrumento particular assinado a rogo por intermédio de procurador constituído por instrumento público - inteligência dos artigos 37, § 1º, da Lei 6.015/73 c/c art. 104, III e art. 166, IV, do Código Civil. - (EFEITO DA ANULAÇÃO) constatando-se a nulidade do contrato de empréstimo consignado firmado com pessoa analfabeta, impõe-se a volta ao status quo ante, cabendo ao banco réu a restituição das prestações
mensais indevidamente descontadas no benefício previdenciário do consumidor autor e a este devolver o crédito que lhe foi disponibilizado em conta corrente, conforme determina o art. 182 do Código Civil. (XXXX XXXXX) O dano moral é o resultado de ofensa capaz de atingir a vítima nos seus direitos da personalidade, como extensão da dignidade humana, fundamento da República que constitui o núcleo axiológico da Carta Magna de 1 988 (artigo 1º, inciso III), e não deve ser confundido com qualquer dissabor, amargura ou contrariedade da vida cotidiana, somente devendo ser reconhecido ante a violação grave à dignidade ou à paz interior da pessoa, causando-lhe vexame público ou perante familiares. - (DANO MORAL NO CASO) Dito isso, é evidente o abalo psicológico que passa o aposentado idoso e analfabeto que é surpreendido com sucessivos descontos mensais que subtraem parte do seu parco benefício previdenciário, o que certamente lhe gerou privações de ordem material, tendo ainda que passar por uma via crucis para solver o problema, situação que se desgarra do âmbito patrimonial e se reveste da potencialidade necessária para desencadear o dano moral. - (REPETIÇÃO DO INDÉBITO) Havendo a cobrança indevida das prestações mensais de contrato de empréstimo consignado posteriormente anulado por decisão judicial, faz jus o consumidor à devolução do indébito, de forma simples, quando não evidenciada a má-fé do fornecedor de bens e serviços - inteligência do art. 42 da Lei 8.078/90. - (JUROS DE MORA) Quanto aos juros de mora sobre o valor a ser restituído pelo banco, em se tratando de responsabilidade contratual, tem-se que estes são devidos a partir da citação, momento em que o banco requerido fora regularmente constituído em mora, nos termos do art. 240 do CPC/15 (art. 219 do CPC/73). (TJMG - Apelação Cível 1.0382.17.000880- 1/001, Relator(a): Des.(a) Xxxxxx Xxxxxx, 16ª CÂMARA
CÍVEL, julgamento em 15/05/2019, publicação da súmula em 24/05/2019)
Contudo, desses valores deve ser descontado o montante que foi, de fato, disponibilizado pelo Réu/2º Apelante a Autora/1ªApelante, pois embora formalmente defeituoso, o contrato produziu efeitos materiais.
Outrossim, além de serem restituídos, na forma simples, os valores pagos pela Autora/1ªApelante, haverá de ser igualmente devolvido o que percebeu, a fim de se evitar o seu enriquecimento sem causa, pois possui o direito de ver reconhecida a nulidade do contrato, porém não pode se locupletar ilicitamente em detrimento do Réu/2º Apelante, ao contrário do que alega.
No que respeita ao dano moral, cumpre referir que a cobrança indevida de valores, por si só, não implica ocorrência de dano moral indenizável, pois o caso dos autos não se trata de dano moral "in re ipsa", que prescinde de comprovação, ainda mais quando sequer houve a negativação do nome da Autora/1ªApelante junto aos órgãos restritivos de crédito.
Contudo, no caso dos autos, a situação a qual foi submetida a demandante transbordou em muito a esfera dos meros dissabores da vida em sociedade, pois o Banco se valeu da sua situação de hipervulnerabilidade para lhe impingir um empréstimo consignado, o que gerou descontos em seu benefício previdenciário por vários meses, de modo que ficou privada de parte do valor utilizado para o custeio das suas necessidades básicas e verba de caráter alimentar.
Nesta ordem de ideias, resta configurada a conduta ilícita e o dano dele advindo, conforme já manifestado por este Tribunal de Justiça:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - CONTRATO NULO - FORMA NÃO PRESCRITA EM LEI PESSOA ANALFABETA - DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
- DANO MORAL CONFIGURADO - FIXAÇÃO DE ACORDO COM OS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - RESTITUIÇÃO DE VALORES NA FORMA
SIMPLES. A pessoa analfabeta somente pode contrair obrigações por meio de escritura pública ou assinatura a rogo, desde que acompanhada por instrumento público de mandato no ato da celebração do negócio jurídico. Não observada a forma prescrita em lei, impõe-se o reconhecimento da nulidade de contrato. O desconto
de parcela de contrato de empréstimo declarado nulo, em benefício previdenciário de idosa, correspondente a um salário mínimo, configura dano moral, passível de reparação financeira. A fixação do valor da indenização por danos morais pauta-se pela aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A repetição do indébito em dobro somente é possível nos casos em que é comprovada a má-fé. (TJMG - Apelação Cível 1.0394.13.010800-1/001, Relator(a): Des.(a) Xxxxxxx Xxxxxxxx, 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/04/2019, publicação da súmula em 03/05/2019)
EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZATÓRIA - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO DESCONTOS EM CONTA - BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO ANALFABETO - ASSINATURA A ROGO MEDIANTE INSTRUMENTO PÚBLICO - NECESSIDADE - PROVA DA CONTRATAÇÃO - AUSÊNCIA NEGÓCIO JURÍDICO - NULIDADE - DANOS MATERIAIS - REPETIÇÃO EM DOBRO - MÁ-FÉ EVIDENCIADA - DANOS MORAIS IN RE IPSA CONFORMAÇÃO - AMEAÇA À SUBSISTÊNCIA - QUANTUM
INDENIZATÓRIO - RAZOABILIDADE EM RELAÇÃO AO DANO
- Malgrado possua plena capacidade civil, a pessoa que não saiba ou não possa ler e escrever só pode contratar validamente por meio de instrumento público ou de assinatura a rogo em instrumento particular, mediante procuração pública, sendo insuficiente a simples aposição de sua impressão digital no termo que encerra a avença.
- Não comprovado, pelo credor, que o negócio jurídico obedeceu aos preceitos formais cominados pela legislação civil, deve ser declarado nulo o contrato cuja anulação se pleiteia, bem como ilegais os
descontos em conta nele ancorados.
- Nos termos do art. 42, parágrafo único, CDC, ausente a prova de que os descontos em conta possuíram amparo em relação jurídica válida ou em engano justificável, tem-se evidenciada a má-fé do credor, com consequente restituição dobrada do indébito.
- A constrição patrimonial involuntária por meio de fartos descontos abusivos em verbas previdenciárias de caráter alimentar de pessoa idosa, de condição econômica humilde e analfabeta extrapola o mero dissabor e vulnera a integridade moral da vítima, que vê seu sustento pessoal ameaçado.
- A indenização por danos morais deve ser fixada em patamar que corresponda à lesão sofrida, considerando as peculiaridades do caso concreto, segundo os critérios de razoabilidade.
- Sobre o valor de indenizações referentes a danos morais decorrentes de atos ilícitos incidem correção monetária desde o arbitramento do quantum reparatório (Súmula nº 362, STJ) e juros de mora desde o evento danoso (Súmula nº 54, STJ). (TJMG - Apelação Cível 1.0086.16.000980-8/001, Relator(a): Des.(a) Xxxxxxxxxxx Xxxx , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/04/2019, publicação da súmula em 11/04/2019).
Logo, no caso concreto, entendo devida a reparação pelos danos imateriais suportados pela Autora/1ªApelante.
Reconhecido o dano moral, passo, então, à análise do quantum indenizatório.
Com efeito, o sofrimento humano é praticamente insuscetível de ser avaliado por terceiros, mormente em dinheiro, pois os fatos repercutem diferentemente no ânimo dos indivíduos. Mas igualmente, certo que toda lesão advinda do ato ilícito deve ser reparada, como exigência da própria ordem social e da paz jurídica.
Destaco que a indenização para reparação do dano moral há de ter caráter reparatório e inibitório-punitivo, não podendo gerar, tampouco, enriquecimento ilícito. Nesta linha, o quantum fixado deve ser abalizado por critérios que obedeçam ao padrão social e cultural do ofendido, à extensão da lesão do seu direito, ao grau de intensidade do sofrimento enfrentado, às condições pessoais do ofendido e do devedor, sempre com a preponderância do bom senso e da razoabilidade, já que não há, no direito brasileiro, parâmetro objetivo a ser observado.
Assim, considerando tais fatores, especialmente o de que a indenização deve ser suficiente para reparar o dano, reprimindo possíveis condutas futuras, sem, contudo, representar enriquecimento ilícito à vítima, mantenho o montante indenizatório no patamar fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que deverá ser corrigido pelos índices da tabela da CJMG a contar da data em que foi arbitrado, no caso, a sentença.
Já os juros de mora, em relação aos danos morais incidem desde o evento danoso, por se tratar de relação extracontratual, já que anulado o contrato, nos termos da Súmula 54 do STJ, in verbis:
Súmula 54, STJ: os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.
E, em relação à correção monetária e aos juros de mora dos valores cobrados indevidamente, a data de incidência deve ser a partir de cada desembolso, aplicando-se ao caso vertente, o art. 398, do CC:
Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou.
Nesse ponto a sentença merece reparo, devendo os juros e a correção, em relação aos valores que foram descontados indevidamente do benefício da Autora/1ªApelante, incidir a partir de cada desconto indevido.
Em relação aos honorários sucumbenciais, uma vez que foram fixados dentro dos parâmetros previstos no art. 85, §2º do CPC/15, devem ser mantidos no percentual fixado.
Pelo exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À 1ª APELAÇÃO E PARCIAL
PROVIMENTO A 2ª APELAÇÃO interpostas, apenas para determinar que os descontos indevidos, deverão ser restituídos pelo Réu/2ªApelante de forma simples, com juros de mora (1% ao mês) e correção monetária (CJMG) ambos a partir de cada desconto indevido.
Custas recursais por cada um dos Apelantes, suspensa em relação à Autora/1ªApelante por litigar amparada pela Justiça Gratuita.
DES. XXXXXX XX XXXXX PORTES - De acordo com o(a) Relator(a). DES. JOSÉ MARCOS RODRIGUES VIEIRA - De acordo com o(a)
Relator(a).
SÚMULA: "< DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E AO SEGUNDO RECURSO>"