1,2, 3, 4, 5 Deptº de Ciências Sociais Agrárias– FAEM/UFPel
ESTUDO SOBRE A SITUAÇÃO DOS CONTRATOS DO PROGRAMA BANCO DA TERRA NO MUNÍCIPIO DE CANGUÇU, RS.
XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx da¹; XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxxx Xxxx da³; XXXXXX, Nádia Velleda4; XXXXX, Xxxxxx Xxxxx0
1,2, 3, 4, 5 Deptº de Ciências Sociais Agrárias– FAEM/UFPel
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1. INTRODUÇÃO
A implantação do Cédula da Terra, e posteriormente do Banco da Terra no Brasil, ocorreram em circunstâncias históricas bastante conhecidas. Em meados da década de 1990, no segundo mandato de Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx, houve a consolidação de um projeto pautado no protagonismo crescente das forças de mercado como ente disciplinador das relações entre Estado e sociedade civil, nos mais distintos âmbitos, incluindo a agricultura.
Cabe destacar, segundo alguns estudos, que não se tratava naquele momento, do mero enxugamento da máquina do Estado e da privatização de alguns setores essenciais, mas da discussão sobre os rumos e as diretrizes das políticas nacionais, refletindo, assim, uma mudança “substancial em sua atuação, direcionando-se, doravante, tanto na criação de espaços de expansão e lucratividade para o setor privado quanto na garantia e preservação das condições de reprodução do capital financeiro globalizado” (SACCO DOS ANJOS e CALDAS, 2003, p. 4-5).
Num contexto de descentralização político-administrativa e crescente privatização e “desfederalização” de funções antes desempenhadas pelo Estado (MEDEIROS, 2002), constitui-se o cenário à emergência de um “novo modelo de reforma agrária”, o qual prevê a adesão voluntária das partes (comprador e vendedor) a um contrato, gerido por regras do mercado, em que o Estado estabelece uma regulação, centrada na definição das normas e dinâmica de operação do programa, bem como na disponibilização dos recursos financeiros.
O Banco da Terra consiste em uma sistemática centrada não mais no processo de desapropriação por interesse social, definido no artigo 186 da Constituição Federal, mas na compra direta de terras através de operações que não ultrapassam o limite de R$ 40.000,00 e que tem como itens financiáveis a compra de terras, a implantação de infra-estrutura e custos operacionais. Podem ser beneficiários os trabalhadores rurais proprietários, cuja área não alcance a dimensão da propriedade
familiar e não-proprietários com, no mínimo, cinco anos de experiência na atividade rural. Os proponentes devem possuir 80% da renda bruta familiar oriunda das atividades agropecuárias, além de não possuírem restrições cadastrais junto ao agente financeiro.
Após receber o financiamento, o beneficiário tem até 20 anos para saldar sua dívida, incluídos três anos de carência, com juros pré-fixados entre 6,0 a 10% ao ano, de acordo com o montante financiado. Mediante o pagamento pontual de cada parcela, os agricultores têm o direito a rebates de 50% sobre os juros. O imóvel financiado é a garantia real do empréstimo, permanecendo alienado até o final do contrato.
Com base nessas premissas, o Banco da Terra institui-se como um programa de vulto no escopo das políticas fundiárias. Em sua curta trajetória1, consumiu cerca de R$ 730 milhões no assentamento de 34.478 famílias em 1,21 milhão de hectares, entre os anos de 2000 e 2004 (MDA/SRA, 2008).
Cabe ressaltar que enquanto seu antecessor (Cédula da Terra) centrou suas ações no nordeste brasileiro, o Banco da Terra se dirige predominantemente aos estados meridionais, que passam a concentrar 49,6% do total de famílias financiadas no Brasil e 55,1% do gasto total, sendo o estado do Rio Grande do Sul a unidade federativa com o maior número de famílias beneficiadas, a qual é responsável por, respectivamente, 29,7% e 28,1% do total de famílias assentadas e de recursos investidos (SRA/MDA, 2008).
No caso do extremo sul gaúcho a operacionalização deu-se através da atuação da Associação dos Municípios da Zona Sul (AZONASUL)2, enquanto Unidade Técnica. A zona de abrangência desta unidade figurou dentre as que mais aglutinou projetos sob a égide do Programa Banco da Terra. De acordo com dados da AZONASUL, entre os anos de 2000 a 2003, cerca de 18 milhões de reais foram contratados para a aquisição de 15.489,42 hectares, beneficiando 883 famílias. No rol dessas famílias inserem-se os 231 beneficiários (26,2%) do município de Canguçu, que adquiriam 3.653,94 hectares mediante um desembolso de quase R$ 4,6 milhões (SILVA, 2009).
Tendo em vista o expressivo número de famílias beneficiadas por este programa em Canguçu, este trabalho reúne o esforço de analisar a situação destas, do ponto de vista da (in)adimplência dos mesmos.
2. MATERIAL E MÉTODOS
Para cumprir com o objetivo proposto, o trabalho tem por base o Banco de Dados do Projeto “Redenção ou um novo cativeiro? Alcances, limites e contradições de uma política de acesso à terra”, o qual baseou-se no levantamento de informações junto a 62 agricultores, beneficiados pelo Banco da Terra, entre os anos de 2000-2002, visto que o foco era estabelecer um recorte que contemplasse famílias beneficiadas pelo programa, cujos contratos, além de já haverem cumprido
1 O Programa Banco da Terra teve suas atividades suspensas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, em fevereiro de 2003, em decorrência de suspeitas de irregularidades de execução e gerenciamento, havendo sido modificado e retomado durante o primeiro mandato do governo do Presidente Xxxx.
2 A AZONASUL integrava à época de implantação do Banco da Terra 23 municipalidades: Amaral Ferrador, Arroio do Padre, Arroio Grande, Canguçu, Capão do Leão, Cerrito, Chuí, Cristal, Encruzilhada do Sul, Herval, Jaguarão, Morro Redondo, Pedras Altas, Pedro Osório, Pelotas, Xxxxxxxx Xxxxxxx, Piratini, Rio Grande, Santa Vitória do Palmar, Santana da Boa Vista, São José do Norte, São Lourenço do Sul e Turuçu.
o período de carência de três anos, tivessem no mínimo três parcelas já vencidas (188 famílias das 231 contempladas no município). As informações coletadas nas entrevistas, realizadas entre os meses de maio e julho de 2008, conformaram um banco de dados formato SPSS. Para análise de inadimplência dos contratos, consideraram-se as parcelas vencidas entre os anos de 2005-2007.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A implantação do Banco da Terra em Canguçu contou com uma dinâmica bastante peculiar, engendrada pela mobilização de um conjunto de forças políticas agrupadas em torno da AZONASUL. Entre essas principais forças destaca-se o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR), que se responsabilizava pela divulgação, cadastramento e seleção das famílias; a Secretaria da Agricultura, que atuava em parceria com o STR na elaboração e encaminhamento dos projetos e que através do Conselho Municipal estabelecia limites no valor das transações, no intuito de contornar a especulação no preço da terra3; e ainda a Emater, que atuava junto aos agricultores já instalados nas áreas adquiridas, a fim de elaborar o projeto de crédito e fornecer acompanhamento técnico às propriedades.
Canguçu apresentou grande adesão ao programa, houve mais de dois mil inscritos e foram encaminhadas 700 propostas, que se converteram em 231 contratos, os quais estão esparsos em 56 localidades. Esses contratos embora firmados entre os anos 2000 e 2002, encontram-se expressivamente concentrados nos dois primeiros anos (81%), sendo 23,9% em 2000 e 73,1% em 2001. O montante investido nessas operações (R$ 4.555.303,61) também esteve amplamente concentrado nos anos 2000-2001 (83,6%). Esses dados reforçam o foco estabelecido na metodologia deste trabalho.
No que tange à taxa de (in)adimplência dos contratos, deve-se ter em mente que os beneficiários ao lançarem mão da estratégia de reescalonamento da parcela da dívida não assumem, para fins de crédito, a condição de inadimplentes. De modo que, se tomarmos o total de parcelas que venceram no intervalo analisado (186), tem-se a inadimplência de 10,2%, o pagamento efetivo de 78,5% e o reescalonamento de 11,3% das parcelas, conforme trata de ilustrar a Tab. 2.
Assim sendo, apreende-se a ocorrência de uma progressiva redução do número de beneficiários que não conseguiram pagar suas parcelas vencidas ao longo destes anos. No primeiro ano esse percentual atingia 25,8% dos entrevistados, passando para 24,2% e chegando, em 2007, a 14,5%.
Tabela 2: Distribuição dos entrevistados de acordo com a condição das parcelas do financiamento da terra, segundo o ano de vencimento das parcelas.
Ano de vencimento | Parcelas | Total | ||
Pagas | Não pagas | Reescalonadas | ||
2005 | 46 | 3 | 13 | 62 |
2006 | 47 | 8 | 7 | 62 |
2007 | 53 | 8 | 1 | 62 |
Fonte: Pesquisa de campo (2008).
Os dados ainda evidenciam que entre os anos 2005-2006 o número de parcelas inadimplentes (não pagas) mais que dobrou, mantendo-se no ano seguinte,
3 Na subsecção seguinte essa questão será retomada.
enquanto que o reescalonamento das parcelas apresenta redução significativa, representando, no ano de 2007, 1,6% do total de entrevistados.
Por outro lado, analisando os 62 contratos e tendo como premissa que a viabilidade econômica das famílias em honrar o cronograma de pagamento está expressa naquele grupo de agricultores que conseguiu efetivar o pagamento das três parcelas vencidas4, chega-se ao resultado que 37,1% dos entrevistados não conseguiram efetuar o pagamento de todas as parcelas vencidas entre os anos de 2005-2007. Esse dado oculta duas situações: a primeira corresponde aos 11,3% do total de entrevistados que não conseguiram realizar o pagamento de nenhuma parcela; e a segunda, se refere aos 29,0% dos entrevistados que realizaram, em pelo menos um ano deste intervalo, o reescalonamento das parcelas vencidas.
4. CONCLUSÕES
Considerando o ano de 2007, ficou evidenciado que 85,5% das famílias encontram-se em situação de adimplência, ao passo que 1,6% referem-se a famílias que reescalonaram suas dívidas num esforço de regularização de seus débitos junto ao agente financeiro. As que efetivamente não conseguiram cumprir o cronograma previsto equivalem a 12,9%, ao passo que 37,1% dos beneficiários não conseguiu efetuar o pagamento de todas as parcelas vencidas no intervalo analisado. Esses percentuais mostram-se elevados em se tratando de uma política de acesso à terra.
Nota-se que a ampliação do número de agricultores adimplentes não se deu pela redução no número de agricultores inadimplentes, mas em decorrência da redução dos reescalonamentos ao longo desses anos, o que demonstra que esta estratégia ampliou o tempo para que as famílias pudessem se estabelecer junto as unidades produtivas a ponto de conseguirem honrar com o cronograma de pagamento previsto no período seguinte.
Por fim, considera-se que a situação de (in)adimplência é resultado de um conjunto de fatores que merecem destaque, correspondendo a um perfil de famílias que apresentam, em relação ao grupo adimplente, uma condição inferior do ponto de vista da experiência sócio-profissional e, particularmente, como administradores do próprio negócio, bem como a fatores que estão diretamente ligados à fragilidade desta política, notadamente no que afeta à disponibilização de acompanhamento técnico das famílias, assim como outros meios capazes de apoiar o desenvolvimento econômico e social dessas famílias.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Ministério da Fazenda, Secretaria de Política Econômica – SPE.
Levantamento das operações de crédito rural. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxx/xxxxxxxxxxx/Xxxxxx_Xxxxxxxxxxxx_Xxxxxxx_xxxxxxx
_13032008.pdf> Acesso em 17/03/2009.
XXXXXXXX, Xxxxxxxx X.. Movimentos sociais, disputas políticas e reforma agrária de mercado no Brasil. Rio de Janeiro: CPDA/UFRRJ e UNRISD, 2002, 127p.
4 Nosso entendimento é de que tanto os agricultores que necessitaram lançar mão da estratégia de reescalonamento, quanto aqueles que porventura não conseguiram efetuar o pagamento de alguma das parcelas, não reuniam meios materiais de arcar com o pagamento deste financiamento.
SACCO DOS ANJOS, Xxxxxx; XXXXXX, Nádia V.. A reforma agrária na contramão: a controvertida experiência do Banco da Terra. In: Anais do XLI Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural, Juiz de Fora, MG, 2003, 18p.
XXXXX, Xxxxxxxx Xxxx da. Agricultura Familiar e Políticas Públicas: estudo sobre o banco da Terra no município de Canguçu, RS. 2009. 167f. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.