FORMAÇÃO DO CONTRATO PSICOLÓGICO:
FORMAÇÃO DO CONTRATO PSICOLÓGICO:
Um Estudo de Caso em Empresa com Práticas Maduras na Gestão de Recursos Humanos
Autoria: Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxx
Resumo: O estudo procurou compreender como os elementos do contexto, as práticas organizacionais e os agentes contribuem no processo de formação do contrato psicológico. Buscou-se alcançar estes objetivos através de estudo de caso em uma empresa prestadora de serviços profissionais com sólidas práticas de gestão de recursos humanos, que utiliza como atrativo de recrutamento e retenção de seus empregados, as promessas de carreira de longo prazo e o desenvolvimento profissional. A coleta de dados foi feita através de entrevistas em profundidade com profissionais da empresa e com gestores de recursos humanos, de observação de evento de integração de novos funcionários, e de análise de informações disponíveis no site da empresa na Internet e em materiais utilizados no processo de recrutamento. Pode-se observar que o discurso organizacional influencia de forma relevante na formação do contrato psicológico e que as políticas e práticas de gestão de recursos humanos surgem como os elementos que mais intensamente contribuem para a formação do contrato psicológico. Conclui-se, ainda, que fatores não previstos na literatura sobre o tema contribuem para a formação do contrato psicológico. Finalmente, o estudo aponta a capacidade limitada das empresas na gestão dos contratos psicológicos.
INTRODUÇÃO E OBJETIVOS DO ESTUDO
As décadas de 70 e 80 se caracterizaram por profundas transformações no sistema capitalista e trouxeram como conseqüência mudanças relevantes no mundo do trabalho. Estas mudanças, identificadas, descritas e criticadas por diversos autores (XXXXXXXX, 1999; RANSOME, 1999; KANDIR, 1997; XXXXXX, 1992; XXXXXXXXX E CHIAPELLO, 2005;
XXXXXXXX, 1995), intensificaram o interesse acadêmico pela ampliação da compreensão do relacionamento entre empregado e organização empregadora. Segundo Xxxxxx (1980), na busca pela compreensão dos fatores motivadores e das necessidades dos trabalhadores, diversos pesquisadores concluíram que se tratava de um problema complexo, conceituado como “contrato psicológico”. O autor argumenta que a noção de um contrato psicológico implica a existência de um conjunto de expectativas, não escritas, operando continuamente entre cada membro de uma organização e seus vários gestores. Estas expectativas ocorrem de forma mútua, pois a organização também tem expectativas implícitas sobre o comportamento dos indivíduos. Xxxxxxxx (1995), por sua vez define o contrato psicológico como as crenças dos indivíduos sobre os termos do acordo de troca, estabelecidos entre estes e suas organizações. Segundo a autora, o grande benefício do contrato psicológico seria tornar os indivíduos e as empresas mais produtivos
Segundo Xxxxxxxx (2001) a maior parte das pesquisas sobre o tema tem se concentrado na fase de avaliação do contrato psicológico, focando as percepções e respostas dos empregados à quebra e a violações. Muito pouco tem sido pesquisado sobre o processo de formação do contrato, que, parece permanecer teoricamente subdesenvolvido (DE VOS, BUYENS e SCHALK, 2003). O conhecimento sobre os fatores que contribuem para a formação do contrato psicológico também se encontram em uma fase preliminar (DE VOS e BUYENS, 2005). Compreender como se formam as expectativas e crenças dos empregados recém contratados sobre os termos de sua relação de trabalho, pode fornecer informações relevantes para o desenvolvimento e implementação de políticas e práticas de gestão de recursos humanos mais eficientes. Considerando os custos humanos e econômicos associados com a rotatividade voluntária prematura de empregados, a obtenção de mais informações sobre a formação do contrato psicológico deixa de ter apenas relevância cientifica e passa a
ter relevância prática (DE VOS e BUYENS, 2005). Apesar de o tema ser objeto de inúmeras pesquisas no exterior, parece haver uma lacuna de pesquisa sobre o contrato psicológico no Brasil1. Em pesquisa no site da Anpad, em publicações e eventos encontramos apenas os artigos de Cortes e Xxxxx (2006) e Xxxxxx (2000) que abordam o tema do contrato psicológico. Já na Base de Teses da Capes, aparecem oito dissertações de mestrado e uma tese de doutorado em administração.
Este estudo tem por objetivo compreender o processo de formação do contrato psicológico e as origens de seus termos, pela ótica dos empregados, de forma a colaborar para o conhecimento dos elementos, práticas e agentes envolvidos no seu desenvolvimento. Foram investigadas também questões relativas aos fatores contextuais - individuais ou organizacionais - que possam influenciar na formação do contrato psicológico. Para tanto utilizamos a análise de caso de uma empresa prestadora de serviços profissionais, estabelecida há mais de 70 anos no Brasil, que utiliza como atrativo de recrutamento e retenção de seus empregados, promessas de carreira de longo prazo e desenvolvimento profissional, através de treinamento e oportunidade de aprendizado.
REFERENCIAL TEÓRICO
O termo “contrato psicológico” foi utilizado formalmente pela primeira vez por Xxxxxxx, em seu livro Understanding Organizational Behaviour (1960). Ele acreditava que os empregados e as organizações criavam contratos psicológicos que permitiam a expressão e a gratificação de necessidades mútuas, através de acordos implícitos. Quando os empregados percebiam que os supervisores (ou capatazes) respeitavam seus direitos ao desenvolvimento, ao crescimento e os permitiam ter iniciativa, estes em troca, também respeitavam o direito de a organização se desenvolver (CONWAY e BRINER, 2005). Posteriormente, diversos autores e pesquisadores utilizaram o termo sem haver, entretanto, a adoção de uma definição única e padronizada. Xxxxxx (1980) entende que o contrato psicológico consiste na existência de um conjunto de expectativas, não escritas, operando continuamente entre cada membro de uma organização e os seus vários gestores, além dos demais membros desta organização.
Xxxxxxxx (1995) define o contrato psicológico como as crenças dos indivíduos sobre os termos do acordo de troca, que estabelecem com suas organizações. A autora também se refere ao contrato psicológico como modelos mentais que os indivíduos utilizam para organizar eventos como promessas, auto-afirmação e confiança. Estes modelos teriam como função principal orientar os indivíduos sobre quais eventos devem esperar que ocorram na organização e como interpretá-los. As crenças do indivíduo passam a fazer parte do contrato psicológico, quando ele percebe que deve à organização certa contribuição (por ex.: dedicação, lealdade, sacrifícios) em troca de certos benefícios (salário, segurança no trabalho, etc.). Para Xxxxxxxx (1995) os contratos psicológicos diferem do conceito geral de expectativas, pois são promissórios e recíprocos, já que as promessas de comportamento futuro, por parte da organização, são dependentes de uma ação recíproca do empregado.
Processo de formação do contrato psicológico e seus antecedentes
Várias pesquisas têm confirmado que o processo de formação do contrato psicológico se inicia mesmo antes de o indivíduo ser contratado pela organização. Alguns autores concluem que as pessoas ingressam no ambiente organizacional com expectativas (XXXXXX e XXXXXXX, 2004; TARIS, FEIJ e XXXXX, 2006) e percepção de promessas que irão fazer parte de seu relacionamento com a empresa (XXXXXXXX, 2001; XXXXXXXX e GRELLER, 1994). O contrato psicológico de recém contratados não toma sua forma definitiva no
momento de ingresso na organização (XXXXXXXX, 1995; XXXXXX e XXXXXXX, 2004; TARIS, FEIJ e XXXXX, 2006). Pelo contrário, ele evolui e é revisado periodicamente como resultado das experiências vividas no ambiente de trabalho (DE VOS, BUYENS e SCHALK, 2003).
Ao examinar os antecedentes e os fatores associados à formação do contrato psicológico, Xxxxxxxx (2001) identificou os seguintes construtos: modelos mentais ou esquemas que as pessoas têm em relação ao emprego, às promessas que o emprego comunica, e à extensão do acordo entre as partes envolvidas. Apesar de controverso, alguns autores incluem as expectativas sobre a relação de trabalho entre os construtos antecessores do contrato psicológico (TARIS, FEIJ e XXXXX, 2006); (XXXXXX e XXXXXXX, 2004). Outros antecedentes estudados na formação do contrato psicológico, citados na literatura são: a motivação para a carreira (XXXXXXXX, 1990), o mercado de trabalho (XXXXXXXX, 1990), e diferenças individuais, como o significado do trabalho, locus de controle e orientação de troca (DE VOS e BUYENS, 2005; DE VOS, BUYENS e SCHALK, 2003).
Agentes e práticas formadoras do contrato psicológico
As ações da organização, efetuadas através de suas práticas e seus agentes, contribuem de forma relevante para a formação do contrato psicológico (XXXXXXXX e GRELLER, 1994). Alguns exemplos de ações são: recrutamento, avaliação de desempenho, treinamento e gestão de benefícios. Cada uma delas representa uma escolha da organização de como vai tratar seus empregados.
As práticas de recrutamento costumam ser o primeiro contato do indivíduo com a organização. Neste momento, as promessas surgem em abundância ao se descrever as condições de trabalho, o sistema de remuneração, os benefícios oferecidos e as possibilidades de progressão na carreira. A expectativa sobre o desempenho do recém contratado costuma ser descrita em níveis de detalhe diversos, entretanto sua compreensão fica sujeita à habilidade do candidato em contextualizá-la, em função do nível de conhecimento prévio que detenha sobre o trabalho. As organizações costumam disponibilizar suas políticas e práticas de gestão de recursos humanos através de manuais que costumam ser mais precisos do que as atividades de recrutamento em descrever as questões abordadas, entretanto apresentam condições gerais do emprego para membros de classes amplas da organização. Xxxxxxxx e Greller (1994) observam que os empregados tendem a se perceber como parte dos mesmos contratos que seus colegas e, como conseqüência, interpretam estes termos à luz do tratamento dado aos demais membros da sua classe.
Os sistemas de remuneração também comunicam promessas; no caso de sistemas baseados em tempo de serviço se insere a promessa de maiores salários em troca de lealdade e experiência (XXXXXXXX e GRELLER, 1994). Em geral sinalizam que o fato de se aceitar salários mais baixos no início da relação de trabalho pode levar a salários maiores mais adiante. Outro termo do contrato visivelmente relacionado com o desempenho é o sistema de incentivos e, consequentemente, as práticas de avaliação de desempenho. Neste processo, o objeto da avaliação constitui um elemento importante na elaboração do contrato, caso os aspectos medidos sejam consistentemente avaliados e seu resultado comunicado. Os empregados esperam ser avaliados periodicamente e de forma justa, porém, segundo Xxxxxxxx e Xxxxxxxx (1994), uma reclamação comum é que avaliações positivas não levam às recompensas.
Adicionamos às práticas citadas por Xxxxxxxx e Greller (1994) o processo de socialização na organização, pois tem sido considerado como uma etapa importante na
formação e ajustamento do contrato psicológico (XXXXXXXX, XXXXXX e XXXXXXXX, 1994; XXXXXXXX, 1995; XXXXXX e XXXXXXX, 2004). A socialização organizacional é o processo pelo qual um indivíduo passa a compreender os valores, habilidades, comportamentos esperados e conhecimento social essencial para assumir um papel como membro da organização. (LOUIS, 1980). A socialização organizacional se inicia antes de o indivíduo pertencer à organização. Os trainees, ainda não contratados, antecipam suas experiências com a organização na qual estão prestes a entrar. Durante este período, os outsiders2 desenvolvem expectativas sobre sua vida na organização e no trabalho. Esta fase é chamada de socialização antecipatória (MERTON, 1968), processo que consiste no aprendizado antecipado das normas, valores e modelos de um grupo ao qual não se pertence.
A fase seguinte da socialização ocorre quando o indivíduo ingressa na organização. Inicia-se o período em que irá testar as expectativas antecipadas em relação à realidade, através de suas novas experiências no trabalho. As diferenças encontradas, entre as expectativas e a realidade, tornam-se aparentes e contribuem para um “choque de realidade”. Segundo Xxxxx (1980) lidar com estas diferenças e se integrar ao novo ambiente, em geral, ocupam o recém chegado pelos primeiro seis a dez meses de trabalho. Após o ingresso do indivíduo na organização, o conceito de socialização antecipatória mantém sua relevância, principalmente quando se estudam grupos onde existe um alto grau de mobilidade, pois esta suscita esperanças excessivas e pode resultar em frustração para quem permanece na mesma posição (XXXXXX, 1968). Ao estudarem o processo de desenvolvimento do contrato psicológico durante a socialização de recém contratados, Xx Xxx, Xxxxxx, Shalk (2003) encontraram evidências de que nesta fase os indivíduos buscam ativamente compreender o sentido das promessas, com base em suas interpretações de experiências vividas no trabalho. Xxxxx (1980) já apontava que uma característica do período de socialização organizacional é o processo de busca de sentido (sense making), através do qual os indivíduos podem compreender, interpretar e responder ao novo ambiente.
Percebemos que, enquanto o contrato formal de trabalho costuma ser assinado pelo empregado e por um agente da organização, o contrato psicológico se forma através da interação com inúmeros “representantes” da organização, além de mensagens advindas de vários sistemas, processos e documentos da organização. É esperado que estes agentes adotem mensagens alinhadas e congruentes. Entretanto, isso dificilmente acontece e, o tempo todo, são estabelecidos os mais diversos tipos de compromissos na organização (XXXXXXXX, 1995). Guest (1998) considera inevitável que haja a percepção de violação do contrato psicológico, em decorrência de existirem múltiplos agentes organizacionais que podem estar, simultaneamente, oferecendo contratos diferentes ou concorrentes. Considerando a diversidade dos agentes que atuam fazendo promessas e os que são capazes de cumpri-las, não seria uma surpresa, segundo o autor, haver evidências de que o contrato psicológico tenha sido violado.
Tipos de Contratos Psicológicos
Xxxxxxxx (1995) caracteriza dois tipos de contratos: os transacionais e os relacionais. Eles se formam através da diversidade da natureza das trocas percebidas pelos empregados e pelo tempo de contratação (finito ou indeterminado) estabelecido pela organização. Os dois tipos apresentados seriam extremidades de um contínuo que permite acomodar as mais diversas naturezas de contratos. O contrato transacional costuma ser estabelecido com término específico, de curto prazo, a base de troca é monetária e o envolvimento entre as partes é limitado. Enquanto o contrato relacional foca em uma relação sem prazo de término estabelecido, envolve obrigações no longo prazo, é baseado não apenas em trocas monetárias,
mas também, sócio-emocionais, requerendo investimentos de ambas as partes que costumam ser percebidos como barreiras à saída. A distinção na natureza dos contratos, transacional ou relacional, traz implicações para a forma como um empregado percebe que seu contrato foi violado e contribui para determinar sua resposta a esta percepção (XXXXXXXX e XXXXXXXX, 1997).
Cada contrato psicológico é único, pois se desenvolve a partir das necessidades do indivíduo; entretanto, de acordo com Xxxxxxxx (1995), algumas vezes ocorrem contratos psicológicos compartilhados, chamados de contratos normativos. São situações onde os indivíduos interpretam seus compromissos e obrigações de forma similar, e para tal deve haver um alto grau de interação e compartilhamento de informações entre os indivíduos, além de um ambiente social comum a todos.
METODOLOGIA
Optamos por fazer um estudo de caso único, analisando uma empresa cujas práticas de gestão de recursos humanos encontram-se em estágio maduro, pois esta parece ser uma variável relevante na formação do contrato psicológico (GUEST, 2004; XXXXXXXX, 1995).
Elaboramos um protocolo simplificado de estudo de caso, que teve por objetivo aumentar a confiabilidade da pesquisa (YIN, 1984), composto por um roteiro de perguntas abertas desenvolvidos com base no referencial teórico. Para obtenção de evidências utilizamos as seguintes fontes: (1) entrevistas com o Gerente de Recursos Humanos e o Assistente de Recrutamento e Seleção; (2) entrevistas com onze funcionários com duração média 50 minutos; (3) análise de informações divulgadas no site da empresa na internet; (4) análise de informações disponíveis no material de recrutamento; (5) observação direta de evento de integração de recém contratados, com duração de oito horas.
Como a literatura é pouco específica sobre a questão do tempo necessário para a formação inicial do contrato psicológico, optamos por selecionar indivíduos que já tivessem entre dois e três anos de relação de trabalho com a empresa estudada. Desta forma acreditamos que o contrato psicológico já teria ultrapassado o estágio de formação inicial, em função das experiências de trabalho realizadas na empresa, e pelo fato de que, neste período, certamente, pelo menos uma revisão de desempenho tenha sido feita. A seleção dos participantes foi realizada por meio de convite aos empregados que atendiam ao perfil definido, havendo adesão voluntária de todos. O Quadro 1 apresenta um sumário do perfil dos entrevistados.
Quadro 1: Perfil dos Entrevistados
Entrevistado | Sexo | Idade | Estado Civil | Depen- dentes. | Formação | Tempo de formado | Tempo experiência anterior | Tempo na empresa |
1 | M | 24 | Solteiro | Não | Administração | 3 meses | 1 ano | 3 anos |
2 | M | 20 | Solteiro | Não | Contabilidade | Cursando | 1 ano | 9 meses |
3 | F | 24 | Solteira | Não | Economia | 2 anos | 1 ano | 2 anos |
4 | M | 26 | Solteiro | Não | Economia | 2 anos | 2 anos | 2 anos |
5 | M | 24 | Solteiro | Não | Contabilidade | Cursando | 1 ano | 8 meses |
6 | M | 25 | Solteiro | Não | Contabilidade | Cursando | 1,5 anos | 9 meses |
7 | M | 25 | Solteiro | Não | Economia | Cursando | 4 meses | 2 anos |
8 | F | 25 | Solteira | Não | Economia | 2 anos | 3 anos | 2 anos |
9 | M | 26 | Solteiro | Não | Engenharia | 1 ano | 1 ano | 2 anos |
10 | M | 28 | Solteiro | Não | Administração | 6 meses | 7 anos | 2 anos |
11 | F | 26 | Casada | Não | Administração | 2 anos | 6 meses | 2,5 anos |
A Empresa e suas Práticas de Gestão de Recursos Humanos
A empresa estudada é uma das maiores do mundo na prestação e terceirização de serviços. Possui cerca de três mil funcionários distribuídos em mais de dez escritórios no país e adota práticas estruturadas para a gestão dos recursos humanos. Descrevemos, a seguir, algumas destas práticas.
Em geral, todos os funcionários que atuam nas áreas fins da empresa são recrutados através de programas de trainees. A empresa prioriza a contratação de funcionários para a base de sua pirâmide de profissionais e valoriza o desenvolvimento interno de carreira. A socialização inicial se dá em um evento de integração, que antecede o primeiro treinamento oferecido, e onde são apresentados: valores, práticas administrativas, programa de treinamento, programa de avaliação e desenvolvimento de carreira, oportunidades internacionais e benefícios oferecidos pela empresa. A empresa adota um plano de carreira com etapas de progressão que iniciam com o cargo de trainee, passando a Assistente Experiente, Sênior, Sênior Experiente, Gerente, Gerente Experiente, Gerente Sênior e Sócio da Empresa. A intranet da empresa divulga as competências técnicas requeridas e o tempo previsto de passagem em cada cargo. A empresa adota um sistema formal e anual de avaliação de desempenho, que se realiza em uma reunião individual, na qual o feedback e a orientação sobre as ações futuras são discutidas. Nesta reunião são também consideradas as expectativas do funcionário sobre seu desenvolvimento e atuação na empresa. O processo de promoção ocorre anualmente e, neste mesmo contexto, comunicam-se as promoções bem como as demissões daqueles funcionários que não atingiram o desempenho esperado.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Análise da Narrativa Organizacional
A análise da narrativa organizacional nos permitiu identificar as promessas que a empresa faz aos seus funcionários nas etapas de pré-contratação, recrutamento e socialização inicial.
Na etapa de pré-contratação e recrutamento consideramos as mensagens veiculadas pela empresa em seus materiais de recrutamento, seu site na internet e a narrativa do Gerente de Recursos Humanos. Os materiais de recrutamento da empresa enfatizam ou sugerem que os que forem selecionados podem se considerar “talentos” e “profissionais com potencial para se tornarem futuros gestores”. Porém, não deixam claro se serão futuros gestores nesta empresa ou no mercado. Parece haver aqui uma insinuação de oferta de empregabilidade. Prometem também capacitação para torná-los profissionais excepcionais, pois o convite é “venha fazer parte de uma equipe de grandes profissionais, reconhecidos por sua inteligência em negócios”. As promessas parecem direcionadas a uma pequena elite “cheia de potencial e talentos”. Um estudo de Xxxxxxxx e Xxxxxxxxx (2006) aponta que o pertencimento à elite motivaria os indivíduos a trabalhar duro e a demonstrar bom desempenho. A construção de uma identidade de pertencimento à elite é utilizada pelas empresas como fator de atratividade no recrutamento, retenção, forma de controle do comportamento e desempenho, além de se buscar comunicar aos clientes a imagem organizacional almejada (XXXXXXXX e XXXXXXXXX, 2006).
Como fatores de diferenciação de outros empregadores, a empresa destaca o compromisso de “desenvolvimento e aprendizado contínuo” através de treinamentos formais e práticos, diversidade de projetos, clientes e equipes de trabalho, contato com “expertise global” e participação em “projetos globais”. Ao tentar mostrar sua diferenciação no mercado de trabalho oferecendo reconhecimento e crescimento profissional a empresa se insere em um
paradoxo. Articula promessas de: “feedback formal ao fim de cada projeto, planejamento anual de desenvolvimento profissional, plano de carreira consolidado e agressivo, e alta empregabilidade”. A existência da promessa de desenvolvimento profissional, plano de carreira e oportunidades dentro da empresa pressupõe a oferta de uma relação de longo prazo entre o indivíduo e a organização. Portanto, parece ilógico prometer simultaneamente a alta empregabilidade. A oferta da empregabilidade se apresenta como uma compensação pela insegurança na relação de trabalho: já que a empresa não pode oferecer garantias, a segurança é dada quando o indivíduo se torna facilmente empregável no mercado de trabalho. Entretanto, segundo Xxxxxxxx (1999), esta promessa pode não ser cumprida; não há como a empresa garantir que o indivíduo obterá um emprego quando assim o desejar.
O site da empresa parece transmitir aos candidatos a tranqüilidade de que seu programa de capacitação é estruturado, sistematizado e garantirá sua capacitação e crescimento profissional, entretanto, discretamente coloca a responsabilidade pela progressão na carreira nas mãos dos próprios profissionais, ou seja, não oferece garantias. De acordo com Xxxxxxxx (1999), a promessa organizacional de suportar o desenvolvimento das competências do empregado surge como moeda de troca pela transferência da responsabilidade pela gestão da carreira e desenvolvimento de competências, para o próprio empregado.
Resumindo, percebemos que o discurso organizacional aponta o surgimento de uma dimensão sedutora da gestão empresarial: a proposta dirigida a cada indivíduo convidando-o ao seu desenvolvimento pessoal. Ao mesmo tempo em que a segurança da carreira advém do ser empregável, da chance de acumular capital humano através de novas habilidades e reputação (XXXXXXXXX e CHIAPELLO, 2006; CAPPELLI, 1999; KANTER, 1997).
Na etapa de socialização inicial analisamos as mensagens transmitidas no evento de integração dos trainees, que tivemos oportunidade de observar durante seu primeiro dia de realização. Durante este evento as estatísticas do processo de recrutamento são utilizadas para destacar que os contratados fazem parte de um pequeno grupo privilegiado e especial, para o qual se reforça a mensagem de garantia de sucesso:
“A empresa recruta os melhores talentos e vocês devem se conscientizar que estão entre os 2,5% dos 2.000 que se inscreveram no processo. Vocês vão, com certeza, seguir uma ótima e maravilhosa carreira”. (Profissional de Recursos Humanos).”
Segundo Dejours (2006) o discurso dos “eleitos” serve como uma passagem para a situação de submissão e medo. Os trainees se percebem parte de uma elite da qual se espera um desempenho à altura de sua capacidade, além de passarem a ter obrigações morais para com a empresa, que neles depositou sua confiança e lhes concedeu o privilégio de serem acolhidos enquanto outros 1.950 jovens eram excluídos. Nesta relação poderiam surgir: o medo como decorrência da insegurança quanto ao seu próprio desempenho e a submissão como resposta à obrigação moral para com a empresa.
Quanto às expectativas de crescimento profissional, durante o evento de integração foram feitos comentários ao grupo que poderiam vir a criar expectativas irreais, considerando que nem todos terão esta oportunidade:
“As expectativas de crescimento profissional serão atendidas, temos promoções anuais que dependem do rendimento de vocês e acho que são capazes [...] e chegar a sócio é possível”. (Profissional de Recursos Humanos)
Apesar de não ser uma tônica constante, em alguns momentos do evento de integração, os temas parecem ser tratados com bastante sinceridade e transparência, como podemos perceber através da abordagem de um sócio da empresa sobre a qualidade de vida.
“Aqui vocês só têm hora de entrada (no escritório), não têm hora para sair. Vocês estão entrando no olho do furacão (pique de trabalho), vão trabalhar sábado e domingo. [...] O equilíbrio entre a vida pessoal e profissional é muito difícil. [...] É uma vida de sacrifícios pessoais e familiares, mas que vale a pena. Os benefícios valem no nível de gerente e sócio, o networking que se desenvolve no mundo de negócios é muito bom”. (Sócio da Empresa)
Nesta narrativa percebemos a configuração de um contrato psicológico no qual os termos de troca se colocam distantes temporalmente: o trabalho duro e o sacrifício que são feitos hoje estariam garantindo um benefício no futuro. Surge aqui a valorização do sacrifício, como justificativa do desequilíbrio entre os termos de troca do contrato no momento inicial da carreira. Ao mesmo tempo em que o adiamento das recompensas sinaliza a possibilidade de uma relação de longo prazo, esta se torna cada vez mais rara e possível para poucos.
A seguir surge a questão da meritocracia, que podemos considerar como uma razão adicional para que nem todos cheguem à condição de sócio. Só permanecem na empresa os que provam ser capazes e que aceitam se submeter à pressão constante, que surge no discurso, quase em tom de ameaça:
“No caso de avaliações de desempenho abaixo do normal, os funcionários são solicitados a sair da organização [...] Lembrem-se de que a partir de amanhã vocês são profissionais e vão ser avaliados por todos com quem tiverem contato”. (Sócio da Empresa)
Os indivíduos são colocados em estado de alerta constante, que os leva à prática permanente da autocrítica, auto-monitoramento e autocontrole, pois estão permanentemente sendo avaliados por todos. No discurso organizacional sobre as práticas de gestão, fica clara a existência de processos de seleção e exclusão por meio dos quais os menos qualificados, menos competentes ou com pouca flexibilidade vão sendo gradativamente expulsos da organização (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2006).
Análise da Narrativa dos Funcionários
Presente nos termos do contrato psicológico dos funcionários encontra-se uma forte influência das mensagens transmitidas pelo discurso organizacional. Estas mensagens aparecem como termos muito claros e os mais presentes são: aprendizado, crescimento profissional e empregabilidade. Surgem também outros termos, que parecem muito valorizados pelos indivíduos, como veremos a seguir. Percebemos também na narrativa dos funcionários mecanismos de seleção e exclusão, pois são valorizados os que provam ser flexíveis, disponíveis, móveis, adaptáveis às novas circunstâncias, fortes, capazes de engajar- se e desengajar-se facilmente de atividades e de relações interpessoais (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2006).
Etapa pré-contratação
As expectativas relatadas como anteriores ao início da relação de trabalho, aparecem repetidamente como uma contraposição à situação vivida pelos indivíduos que já tinham experiências de trabalho anteriores. Xxxxxx e Xxxxxxx (2004) explicam estas expectativas como formadas pela avaliação de suas experiências anteriores, sobre o que esperavam que fosse a relação e as promessas que almejaram obter da nova organização. Neste caso surgem diversos termos que farão parte do novo contrato psicológico, e que parecem nascidos da desqualificação dos termos ou características do contrato anterior, tais como o aprendizado e o crescimento rápido:
“Aqui eu vou ter muito mais aprendizado” (Entrevistado 2)
“No meu último estágio eu achei que eu não tinha oportunidade nenhuma de crescer, as pessoas que estavam lá estavam no mesmo cargo há mais de dez anos, e acho que aqui o crescimento é mais rápido. (Entrevistado 3)
Da mesma forma que o aprendizado, o crescimento rápido, é muito valorizado pelos entrevistados. Xxx, em sua maioria, jovens recém saídos da universidade, que percebem aqui uma possibilidade de ascensão rápida, tanto na hierarquia da empresa quanto do seu valor no mercado. Ao iniciarem a carreira na base da pirâmide organizacional, parecem “olhar para cima” e desejar estar rapidamente o mais alto possível. O paradoxo da carreira e da empregabilidade surge também na narrativa dos funcionários, pois estes percebem que a distinção da empresa pode lhes trazer esta recompensa.
“É currículo, né?” (Entrevistado 2)
“Ter o nome reconhecido no mercado, se caso eu venha a precisar um dia”. (Entrevistado 9)
Surge também como uma constante nos discursos a mobilidade geográfica que parece permitir acesso a experiências diferenciadas (de clientes, de equipes, de trabalhos, de competências, de relações, etc). As experiências anteriores de estabilidade e rotina são mais uma vez criticadas e desqualificadas.
“Eu não me via daqui a cinco anos sentado na mesma sala com aquelas mesmas pessoas [...] sempre fazendo a mesma coisa”. (Entrevistado 4)
Há, portanto, uma valorização dos elementos de mobilidade que na literatura de gestão e sociologia mais críticas são delineados como problemáticos. Na perspectiva de Xxxxxxx (1999) a rotina pode degradar e decompor o trabalho, apesar de também contribuir para a composição de uma narrativa de vida. Contraditoriamente, segundo o autor, apesar da valorização atual da flexibilidade, a maior parte dos trabalhos modernos envolve tarefas bastante rotineiras em muitas fábricas e escritórios.
Recrutamento
Nesta etapa os indivíduos buscam ativamente informações sobre a empresa, o tipo de contrato que irão encontrar e o clima organizacional. É aqui que se forma a imagem corporativa e a imagem do emprego na empresa, considerados fortes antecedentes da intenção de participação no processo de recrutamento e seleção da empresa (LEMMINK, SCHIJF e STREUKENS, 2003). Esta busca tanto se dá através do site oficial da empresa na internet, quanto pela busca de informações com amigos, familiares e pessoas que já trabalhem na empresa. Em muitas narrativas surge menção à descoberta de pessoas que já trabalhavam na empresa e com as quais se busca informações e referências sobre o trabalho. São os laços fracos ajudando a promover a integração dos indivíduos à organização (GRANOVETTER, 1973). As informações obtidas ajudam os indivíduos a formarem a imagem do emprego na empresa ao mesmo tempo em que provocam o início da socialização antecipatória (MERTON, 1968), pois os indivíduos passam a desejar fazer parte daquela organização.
Nesta etapa se percebe o reforço de alguns termos já surgidos anteriormente, como aprendizado, crescimento rápido e distinção da empresa. As informações obtidas ajudam a construir a expectativa sobre a velocidade e volume do aprendizado – que parecem fatores relevantes para aceleração do crescimento dos indivíduos. Percebe-se também nas narrativas que o setor de atuação e o tamanho da empresa contribuem para formar expectativas sobre um trabalho estimulante intelectualmente e rico em oportunidades de
aprendizado e crescimento. Ao mesmo tempo, as narrativas omitem temas relacionados a insegurança, instabilidade e recompensas financeiras. Estes provavelmente são temas que permeiam os pensamentos destes jovens, entretanto não fazem parte de seu discurso. Xxxxxxx (2005) explica que as narrativas organizam a conduta dos indivíduos, dão forma ao movimento adiante do tempo e sugerem os motivos pelos quais tudo acontece, mostrando suas conseqüências. Portanto, os temas omitidos possivelmente não servem para justificar e organizar a explicação posterior de suas trajetórias.
O crescimento rápido, igualmente valorizado nas entrevistas, pode ser uma estratégia dos jovens em resposta à percepção de que não mais existem relações de longo prazo; portanto, é preciso aproveitar em ritmo acelerado tudo que a relação de trabalho atual possa oferecer. Ou seja, galgar a hierarquia mais rapidamente para entrar na próxima relação em uma situação mais vantajosa. Ainda nesta etapa a distinção da empresa se dá pelo porte, pela reputação e até pela identificação com a aparência dos profissionais da empresa. Os indivíduos parecem acreditar que passam a carregar consigo esta distinção por serem funcionários da empresa:
“Eu já tinha informações sobre a empresa, a maneira com que ela se porta, da transparência, [...] muito do status da empresa no mercado”. (Entrevistado 10)
Durante o processo de recrutamento os candidatos são informados pela primeira vez sobre o salário, que parece ser motivo de grande decepção. Entretanto a baixa remuneração inicial não surge como um impedimento a que continuem desejando ser funcionários da empresa, possivelmente por pertencerem a uma classe social que não precisa se preocupar com a sobrevivência de curto prazo. São jovens que moram com os pais, ainda não têm obrigação de sustentar filhos, e tampouco pensam em adquirir bens que lhes tragam imobilidade. Percebemos nestes discursos o surgimento de mecanismos de compensação que justificariam a aceitação da baixa remuneração inicial: a troca por empregabilidade, aprendizado ou por crescimento rápido.
Finalmente, a mobilidade geográfica está presente nas narrativas incentivada pela possibilidade de viagens para servir clientes em outras localidades. O crescimento profissional também parece fazer parte do “elenco de coisas” que devem ser móveis para serem percebidas como positivas e valorizadas.
Socialização Inicial e Experiências Posteriores
Nesta etapa, os termos do contrato psicológico desenvolvidos anteriormente parecem se consolidar e surgem os primeiros impactos do conhecimento da realidade do trabalho (DEJOURS, 2006). Apesar do intenso esforço de socialização inicial da empresa, diversos indivíduos reconhecem que só perceberam o que seria o trabalho depois que tiveram as primeiras experiências de trabalho em clientes. Algumas das promessas presentes na narrativa organizacional se concretizaram neste momento inicial da relação de trabalho, possivelmente dando credibilidade aos demais termos. Esta situação transparece quando os indivíduos abordam a carga de trabalho, aprendizado e crescimento. Entretanto, esta parece ser uma credibilidade parcial, pois não há como garantir que as demais promessas sejam cumpridas.
Percebemos ainda que são construídas relações entre os termos do contrato, gerando um sentido próprio que parece justificá-los e engrandecê-los. A distinção da empresa surge pela mobilidade geográfica e pelas experiências diferenciadas que oferece aos seus funcionários, permitindo assim o aprendizado:
“É uma oportunidade que você não vai ter em qualquer empresa, é difícil no período de cinco meses você estar em seis, sete empresas vendo como funciona, [...]. É um aprendizado bastante grande”. (Entrevistado 1)
Termos como reputação e desenvolvimento são enfatizados nesta fase ao mesmo tempo em que se busca desqualificar a baixa remuneração inicial. Esta torna-se aceitável e transforma-se em um termo quase irrelevante, por garantir, em contrapartida, benefícios cobiçados. Surge então a alta remuneração no longo prazo, como uma promessa de equiparação:
“O salário inicial aqui é baixo, mas a pessoa todo ano vai crescendo e chega em determinado nível que ela acaba ganhando mais do que lá fora”. (Entrevistado 7)
Ao descreverem sua contribuição para a empresa os funcionários claramente destacam a questão da disponibilidade (geográfica e de tempo), de aceitar desafios, de assumir responsabilidades, de se atualizar constantemente, de aceitar a alta carga de trabalho e de ter flexibilidade para enfrentar o inesperado e o desconforto. Alguns termos do discurso organizacional, como mobilidade e flexibilidade são absorvidos como a negação da rotina. No entanto, a disponibilidade e a adaptabilidade podem se tornar uma carga por demais pesada quando estes indivíduos desejarem desenvolver relacionamentos pessoais mais duradouros e começarem a se preocupar em construir uma família. Já a determinação e resistência parecem ser características vitais para a sobrevivência e longevidade dos indivíduos que aceitam os duros termos de troca estabelecidos.
“Acho que quem não tem este perfil acaba tomando a iniciativa de sair. E tem que ter muita resistência”. (Entrevistado 9)
“E acaba sendo uma exclusão natural”. (Entrevistado 10)
Duas práticas de gestão de recursos humanos aos quais os entrevistados parecem imputar muita importância na sua relação de trabalho são: o processo de avaliação de desempenho e o processo de promoção anual. Nestes dois processos se concentram várias das dimensões identificadas por Xxxxxxxx e Xxxxxxx (1994) como origem de influência no contrato psicológico: apresentação de promessas futuras, discussão de padrões de desempenho e envolvimento de múltiplos agentes. A gestão do contrato psicológico parece ser conduzida por estes processos, constituindo-se como um momento de repensar a relação, refletir sobre seu próprio comportamento e empenho, obter a percepção do outro sobre seu desempenho e receber o reconhecimento.
Tipos de Contratos Psicológicos Encontrados
Apesar de a empresa oferecer promessas padronizadas para todos os funcionários, nem todos parecem desenvolver o mesmo tipo de contrato psicológico. Xxxxxxxx (1990) aponta a motivação para a carreira como um fator que influência a formação do contrato. Os indivíduos que pretendem fazer carreira de longo prazo desenvolvem compromissos e expectativas diferentes daqueles indivíduos que pretendem usar a empresa como uma passagem para outros empregos. Além da motivação para carreira como fator de influência na formação do contrato psicológico, percebemos a existência de outros antecedentes que podem contribuir para a formação de contratos diferenciados. Expectativas geradas na etapa pré-contratação e o significado do trabalho (DE VOS e BUYENS, 2005) parecem, igualmente, contribuir neste processo.
Considerando os dados coletados, encontramos algumas variações nos contratos percebidos pelos entrevistados, além daqueles previstos por Xxxxxxxx (1995). Os indivíduos parecem fazer um recorte das promessas feitas pela empresa, que se encaixam ou se alinham
com suas expectativas sobre a relação de trabalho, formando assim contratos psicológicos particulares para o caso estudado:
(1) Certificação: é o contrato formado por indivíduos que querem ter o nome da empresa como uma chancela em seu currículo. Trata-se do contrato identificado na literatura por “carreirismo” (XXXXXXXX, 1990):
“E quando você coloca no seu currículo uma empresa do tamanho dessa, e quanto mais tempo você fica aqui dentro [...] então tem a diferença [...] entre ser ou não escolhido para uma vaga [...] É como se fosse um selo de qualidade”. (Entrevistado 10)
(2) Escola: é o contrato formado por aqueles que buscam o aprendizado como complementação de sua formação acadêmica para depois seguir para o ‘mercado de trabalho’ externo à organização.
“Bem, acho que aqui todo mundo vê isso como uma escola. Muita gente entra na empresa pensando em ficar um determinado tempo e depois sair, porque o salário aqui não é dos melhores”. (Entrevistado 7)
(3) Carreira na organização: é o contrato formado por aqueles que parecem perseguir o ideal de uma relação de trabalho duradoura com crescimento na hierarquia da organização.
“Consegui entrar e agora meu objetivo é crescer dentro dessa carreira. [...] é o que eu gosto de fazer”. (Entrevistado 6)
CONCLUSÕES
O objetivo deste estudo foi compreender o processo de formação do contrato psicológico e as origens de seus termos, pela ótica dos empregados, de forma a colaborar para o conhecimento dos elementos, práticas e agentes envolvidos no seu desenvolvimento. Foram investigadas também questões relativas aos fatores contextuais - individuais ou organizacionais - que possam influenciar na formação do contrato psicológico.
A questão da origem dos termos do contrato psicológico surgiu a partir de discordâncias encontradas na literatura. Alguns autores defendem que os termos se originam de expectativas e crenças que os indivíduos possuem (HANDY, 1978; XXXXXX, 1973; XXXXXX, 1980), enquanto outros argumentam que só podem ser considerados como termos do contrato as promessas feitas, sejam elas explícitas ou implícitas (XXXXXX e XXXXXX, 2005; GUEST, 1998; GUEST, 2002; XXXXX, 1978; XXXXXX, 1973; XXXXXXXX e
XXXXXXXX, 1997; XXXXXXXX, 1990, 1995).
Apesar do debate na literatura, os indivíduos entrevistados não parecem diferenciar as origens dos termos, quando se trata de descrever sua relação de trabalho, como já havia sido antecipado por Xxxxx (1998). Ou seja, não diferenciam se os termos componentes de seus contratos psicológicos tiveram origem de promessas feitas pela empresa ou surgiram de suas próprias expectativas. Uma possível implicação diz respeito à possibilidade de formação do contrato psicológico de forma independente do discurso da empresa. Isto é, a despeito de apresentar um discurso consistente com suas práticas e processos de gestão de recursos humanos, parece haver “zonas cinzentas”, formadas pelas expectativas que os indivíduos trazem consigo, com potencial de tornarem-se termos de seus contratos. Mesmo que tentem incentivar a articulação destas expectativas em seus processos de recrutamento, as empresas correm riscos de desconhecê-los. Desta forma, estariam menos aptas a lidar com eles, limitando sua capacidade de gestão do contrato psicológico de seus funcionários.
Concluímos,em linha com outros pesquisadores (XXXXXXXX, 2001; XXXXXXXX e XXXXXXX, 1994; XXXXXX e XXXXXXX, 2004; TARIS, FEIJ e XXXXX,
2006), que o processo de formação do contrato psicológico se inicia antes de o indivíduo ser contratado pela organização. Ou seja, o contrato é influenciado por expectativas anteriores a este relacionamento, evolui, e é revisado periodicamente como resultado do sentido obtido através das experiências no ambiente de trabalho. Percebemos que o discurso organizacional influencia de forma relevante sua formação e as práticas de gestão de recursos humanos reforçam e dão credibilidade às promessas feitas. Entretanto, trata-se de uma credibilidade parcial, pois a empresa não pode garantir que todas as promessas feitas sejam cumpridas. Outro elemento que surge como modelador do contrato psicológico é a imagem do emprego na empresa (company employment image), formada através da busca ativa de informações sobre a empresa no processo de pré-contratação (LEMMINK, SCHIJF e STREUKENS, 2003).
A relevância das práticas de gestão de recursos humanos não se dá apenas na formação do contrato psicológico, mas também na sua gestão. Os processos de avaliação de desempenho e de promoção anual servem como o meio para sua gestão contínua; através deles tanto os indivíduos quanto os agentes da empresa discutem, realinham e renovam suas promessas e expectativas.
No que refere aos contextos individual e organizacional, elementos dos dois níveis destacaram-se como influenciadores. No âmbito do contexto individual, influenciaram a formação do contrato psicológico os seguintes fatores: a experiência anterior, as expectativas pré-contratação, a motivação para carreira e o significado do trabalho. No âmbito do contexto organizacional, o setor de atuação e o tamanho da empresa parecem contribuir para a criação de expectativas pré-contratação. Entretanto, as políticas e práticas de gestão de recursos humanos surgem como os elementos que mais intensamente contribuem para a formação do contrato psicológico neste caso.
A pesquisa nos permitiu mapear (Figura 1) segundo a perspectiva dos empregados, os termos do contrato psicológico encontrados no caso em análise identificando a etapa em que cada termo foi formado.
Figura 1: Formação do Contrato Psicológico na Empresa Estudada (elaborado pelas autoras)
Etapas da Relação de Trabalho | ||
Pré-contratação | Recrutamento | Socialização Inicial e Experiências Posteriores |
Termos do Contrato Psicológico | ||||
Promessas Organizacionais | ||||
Aprendizado Distinção Empregabilidade Mobilidade geográfica Crescimento rápido Experiências diferenciadas | Alta remuneração no longo prazo Reconhecimento Suporte emocional | |||
Promessas dos Indivíduos | ||||
Baixa remuneração inicial (aceitar) | Disponibilidade (geográfica e de tempo) Flexibilidade Aceitar desafios | |||
Atualização constante Responsabilidade | ||||
Determinação e resistência Alta carga de trabalho |
É na fase de pré-contratação que se formam as primeiras promessas da empresa (aprendizado, distinção, empregabilidade, crescimento rápido). Estas promessas se mantêm na fase de recrutamento. A socialização inicial e as experiências posteriores trazem novas promessas por parte da empresa: a constatação que a remuneração de longo prazo pode ser alta, o reconhecimento e o suporte emocional. Do ponto de vista das promessas feitas pelo empregado, o primeiro termo surge na fase de recrutamento e diz respeito à sua aceitação de baixa remuneração inicial. Nas fases posteriores (socialização e experiências posteriores) os termos relativos ao trabalho em si surgem pela primeira vez: disponibilidade, flexibilidade, atualização constante, determinação e resistência, aceitação de desafios, responsabilidade e alta carga de trabalho.
A similaridade das narrativas dos funcionários entrevistados sugere que os indivíduos expressam uma comunalidade na apreensão dos termos contrato psicológico existente na empresa. Tal fato configura-se no que Xxxxxxxx (1995) classifica como a existência de um contrato normativo. Segundo a autora, as condições necessárias para que o contrato normativo se estabeleça são: (1) o alto grau de interação entre os indivíduos, (2) o compartilhamento de informações, e (3) o ambiente social comum a todos (XXXXXXXX, 1995). Estas três condições estão presentes no caso estudado e surgem em conseqüência das práticas de gestão de recursos humanos adotadas: os trainees são contratados em “turmas”, que são “socializadas” e treinadas ao longo de suas carreiras mantendo esta configuração; trabalham em diversas equipes. Apresentam, ainda, perfis similares (formação, faixa etária, estado civil) e interagem em um ambiente social comum onde exercem, em alto grau, o compartilhamento de informações.
O discurso organizacional e as práticas maduras de gestão de recursos humanos oferecerem promessas padronizadas a todos os funcionários, formando um contrato psicológico normativo do qual derivam três grupos de contratos diferenciados (contratos de certificação, escola ou carreira na organização). Ou seja, os contratos guardam similaridades quanto à percepção das promessas feitas por parte da empresa, entretanto se diferenciam quanto às promessas dos indivíduos para a organização em relação a dois aspectos: o tempo que pretendem permanecer na organização e a sua motivação para lá estar.
Os resultados do estudo indicam haver uma crescente complexidade na gestão do contrato psicológico, agravado por uma exteriorização parcial do controle da relação de trabalho. A percepção que os envolvidos formam sobre o contrato de trabalho está cada vez mais sujeita às oscilações e ao poder do mercado de trabalho. O modelo para aplicação do contrato psicológico nas relações de trabalho proposto por Xxxxx (2004), postula que contribuem para sua formação fatores contextuais, políticas e práticas da empresa e o discurso de seus agentes. Entretanto o autor limita os fatores contextuais a elementos relacionados com aspectos individuais e organizacionais. Os resultados deste estudo deixam evidente a existência de outros fatores contextuais que devem ser inseridos no modelo de Guest (2004): expectativas pré-contratação, significado do trabalho, motivação para carreira, imagem do emprego na empresa, a força do mercado de trabalho, a incerteza sobre o futuro e a desqualificação das relações de longo prazo. Estes são elementos novos que se arraigaram nas relações de trabalho e que sugerem a revisão dos modelos teóricos existentes.
REFERÊNCIAS
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1 Observamos que em dois eventos nacionais: o EnANPAD, nas edições de 1997 a 2006 e EnEO, nas edições de 2000 a 2006 (pesquisa efetuada no site xxx.xxxxx.xxx.xx em 21/11/2006), apenas dois trabalhos foram apresentados abordando este tema, em quatorze eventos. Pesquisamos também na base da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações - BDTD (pesquisa efetuada no site xxxx.xxxxx.xx em 21/11/2006) , onde já se encontram cadastrados mais de vinte mil itens, e encontramos apenas sete documentos indexados pela palavra-chave “contrato psicológico”.
2 Este conceito pode ser aplicado tanto ao indivíduo que não pertence ainda à organização, como ao indivíduo, já membro da organização, que se considera outsider de um grupo ao qual deseja pertencer.