UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
COMPILADO DE ANOTAÇÕES – AULAS DO PROF. XXXXXXX XXXXXXXXX XX XXXXXXX
ÍNDICE
01. Fontes das obrigações. As fontes no Código Civil de 1916 e no de 2002. Fontes voluntárias e contratos. 5
02. Noção de contrato. Contrato e pacto. Contrato e convenção. Contrato e “acordo”. Contrato e negócio jurídico. 6
03. Os Princípios do Direito Contratual: visão geral 7
04. A autonomia da vontade e a liberdade contratual no séc. XIX 10
05. Os princípios da obrigatoriedade dos efeitos (pacta sunt servanda) e da relatividade dos efeitos contratuais. 12
06. O chamado princípio da supremacia da ordem pública durante os primeiros três quartos do século XX. 14
07. Boa-fé objetiva: histórico no direito contratual moderno. A criação de deveres. Concretização nas fases de constituição, execução e extinção do contrato. 17
08. Responsabilidade pré-contratual: pressupostos. Responsabilidade pós-contratual: casos. 19
09. Boa-Fé Na Fase Contratual Propriamente Dita (Funções Pretorianas). Contratos Empresariais E Pessoais. 21
10. Cláusulas abusivas e boa-fé. O sistema brasileiro de cláusulas abusivas no CDC. O Código Civil e as cláusulas abusivas 22
11. O princípio do equilíbrio contratual e figuras que o concretizam. A lesão no código civil de 2002 e no CDC. 25
12. Estado de perigo no Código Civil de 2002. 28
13. Alteração das circunstâncias, resolução e revisão contratual. Cláusula rebus sic stantibus e teoria de imprevisão. O art. 478 do C.C. de 2002. 31
14. As teorias da pressuposição, da impossibilidade alargada e da base do negócio. Onerosidade excessiva, C.D.C. e art. 480 do C.C. de 2002. 34
15. O Princípio da Função Social. Crítica ao artigo 421 do CC de 2002. Tentativa de dar conteúdo à função social como limite da liberdade contratual (interesses meta- individuais, dignidade humana etc.) 35
16. Classificação dos contratos quanto aos agentes: bilaterais, trilaterais, plurilaterais. Contratos de interesses contrapostos e de escopo comum 37
17. Contratos solenes e não-solenes. Reais e consensuais. 38
18. Kausa e causa. Contratos abstratos e causais. Abstração instrumental. 40
19. Contratos onerosos e gratuitos. Aplicações. 41
20. Contratos unilaterais e bilaterais. Sinalagma genético e funcional. ENAC e outras exceções próprias dos bilaterais. 41
21. Contratos comutativos e aleatórios. Contratos de execução instantânea e de execução diferida. 42
22. Contratos nominados e inominados. Contratos atípicos. Contratos coligados. 45
23. Classificação dos contratos uns em relação aos outros. Contrato preliminar e figuras afins. Caracterização do contrato preliminar e sua execução. 47
24. Interpretação em geral. Explicar versus compreender. Interpretação jurídica. Caráter interpretativo das normas do neg. jurídico. Política do CC brasileiro nessa matéria 50
25. Interpretação do negócio jurídico: Teoria da vontade, da declaração, da responsabilidade e da confiança. Ponto de relevância hermenêutico. 51
26. Os quatro cânones hermenêuticos e as duas fases da interpretação contratual: a da procura da vontade comum e da interpretação integrativa. O princípio in claris cessat interpretatio é velharia hoje sem aplicação? 53
27. Pré-compreensão (Xxxxxxx) e “tabula rasa” (Betti) diante do objeto a interpretar. Regras sobre a vontade comum e regras objetivas da interpretação contratual. 54
28. Os momentos da fase pré-contratual: tratativas e ofertas. Caracterização jurídica da oferta. O vínculo originado da oferta: caráter mais fraco ou mais forte, exemplos. 56
29. A) Casos em que a oferta não obriga; B) A publicidade equiparada à oferta no CDC;
C) Casos em que a oferta, depois de obrigar, deixa de vincular; D) Oferta por e-mail e pela internet 57
30. A aceitação: caracterização jurídica. Aceitação fora do prazo ou com modificações. Forma da aceitação. O silêncio como declaração de vontade. Retratação útil. 59
31. Momento da conclusão do contrato quando feito por correspondência: Teorias e soluções do Código Civil (Novo e Velho). As Exceções. Lugar da conclusão do Contrato. 61
32. O princípio da relatividade dos efeitos contratuais e a condição de ser "terceiro". O representante, no ato em que agiu em nome e por conta do representado, é terceiro ou é parte? O credor quirografário é terceiro no ato do devedor? E o credor com garantia real? O contrato entre A e B é oponível ao terceiro penitus extraneus? 62
33. Estipulação em favor de terceiro: natureza jurídica. O terceiro é parte? Regras de estipulação e exemplos. 64
34. Promessa de fato de terceiro. O terceiro é parte? Essa promessa é obrigação de meio ou resultado? Cabe execução específica? A promessa do ato do cônjuge 66
35. Contrato com pessoa a declarar. Exemplos. O contratante originário pode ser considerado representante indireto - mandato sem representação - quando age por conta do terceiro? O que acontece quando o terceiro não aceita a indicação? E quando aceita? Nessa figura, há o que se denomina "cessão de contrato"? 68
36. Vícios redibitórios: histórico. Distinção entre vício e erro. O pressuposto oneroso e o inadimplemento. Características no CDC e no CCB. Ciência do vício pelo alienante no CCB e no CDC. Cláusula de exoneração. 69
37. Fundamentos do tratamento do vício e do defeito no CDC. Espécies de defeitos no CDC. Opções que tem o prejudicado pelos vícios no CC e no CDC. Prazo para reclamação por vício. O prazo para ação de indenização por fato do produto é de prescrição ou de decadência? 70
38. Evicção: histórico. Fundamento da responsabilidade pela evicção e o pressuposto de o contrato dever ser oneroso. Outros pressupostos, inclusive a exigência de sentença e de denunciação da lide. A cláusula de exoneração. 71
39. Evicção: verbas a que tem direito o evicto; o valor da coisa evicta. Evicção parcial: conseqüências. Evicção parcial considerável nas vendas ad corpus e ad mensuram 74
40. Compra e venda: conceito; espécies. Compra e venda e transferência dos bens móveis e imóveis no direito brasileiro. 76
41. Compra e venda. Elementos constitutivos. Apreciações críticas. 76
42. Compra e venda. Conseqüências jurídicas, no âmbito de direitos e obrigações das partes. A venda de ascendentes a descendentes. 77
43. Compra e venda pelo administrador de xxxx xxxxxxx. Venda da quota ideal pelo condômino. 78
44. Compra e venda. Os “incoterms”. Caracterização. Conseqüências jurídicas no âmbito de direitos e obrigações das partes. 79
45. Pactos adjetos à compra e venda: retrovenda. Caracterização. Direitos e obrigações das partes. Efeitos. 80
46. Pactos adjetos a compra e venda: Venda a Contento e Venda Sujeita a Prova. Caracterização. Direitos e obrigações das partes. Efeitos. 82
47. Pactos adjetos a compra e venda: Preempção e Venda Sobre Documentos. Caracterização. Direitos e obrigações das partes. Efeitos. 83
48. Pactos adjetos à compra e venda: reserva de domínio. Caracterização. Direitos e obrigações das partes. Efeitos. 84
49. Troca ou Permuta. Conceito. Caracteres. Objeto. Relação com a Compra e Venda.85
50. Contrato estimatório. Conceito. Caracteres. Direitos e obrigações das partes. 86
51. Locação de coisas. Conceito. Elementos essenciais. 88
52. Locação de imóveis urbanos: locação residencial, locação para temporada, locação não-residencial. Dar os traços essenciais. 88
53. Locação de imóveis urbanos. Direitos e obrigações do locador e do locatário. 90
54. Locação de imóveis. A cessão. Caracterização. Semelhanças e distinções, em relação à sublocação. Efeitos. A sublocação. 92
55. Locação de imóveis urbanos. Transferência dos direitos e obrigações das partes, por óbito do locador ou do locatário. Extinção da locação. Hipóteses e apreciações críticas 94
56. Locação de serviço. Conceito. Caracteres. Objeto. Direitos e obrigações das partes. Efeitos. 95
57. Empreitada. Conceito. Caracteres. Modalidades. Efeitos. Cessação. 97
58. Comodato: conceito. Caracterização. Requisitos. Subcomodato. Obrigações do comodante e do comodatário. Extinção. 100
01. Fontes das obrigações. As fontes no Código Civil de 1916 e no de 2002. Fontes voluntárias e contratos. (Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx)
A obrigação é uma relação jurídica. Estrutura-se a obrigação pelo vínculo entre dois sujeitos, para que um deles satisfaça, em proveito do outro, certa prestação. Compõe-se a obrigação, portanto, de três elementos fundamentais: vínculo jurídico, sujeitos e objeto. Há autores que colocam a fonte da obrigação como o quarto elemento de sua definição. No entanto, ocorre que tal posição não configura a mais adequada, visto que a fonte não faz parte da obrigação, e, sim, é um elemento extrínseco a ela. A origem não faz parte da obrigação, mas é importante.
Conforme definição de XXXXXXX XXXXXX diz-se fonte da obrigação o fato jurídico donde brota o vínculo obrigacional. Trata-se da realidade fatual que dá vida à relação de crédito. Caracterizando-se a obrigação como uma relação jurídica, teria, por conseguinte, ela como fonte necessária a lei, porquanto é o Direito que empresta significação jurídica a relações de caráter pessoal e patrimonial que os homens travam na sua vida social. Se, portanto, a locução fontes das obrigações fosse empregada nesse sentido, não haveria o que se discutir acerca da origem das obrigações. Dever- se-ia usá-la no singular, pois se reduziria à lei.
No entanto, quando se indaga a fonte de uma obrigação, procura-se conhecer o fato jurídico ao qual a lei atribui o efeito de suscitá-la. Isto porque, nos dizeres de XXXXXXX XXXXX entre a lei, esquema geral e abstrato, e a obrigação, relação singular entre pessoas, medeia sempre um fato, ou se configura uma situação, considerado idôneo pelo ordenamento jurídico para determinar o dever de prestar. A esse fato, ou a essa situação, denomina-se fonte ou causa geradora da obrigação.
Intensa discussão doutrinária se faz acerca dessa matéria, primordialmente no que concerne ao estabelecimento de quais são as fontes das obrigações e como elas se classificam. Não se entrará em pormenorizações acerca das divergências que separam os autores, apenas se recordará alguns aspectos fundamentais destas, focalizando o contrato como uma delas.
No direito romano, já se configurava divergência nessa matéria, optando-se ora pela bipartição, ora pela tripartição e ainda pela divisão quadripartida. A bipartição distingue as fontes em contratos e delitos, sendo, desse modo, insuficiente para o esgotamento pleno das situações jurídicas que geram obrigações, não abrangendo, p. ex. o enriquecimento sem causa e o pagamento indevido. A classificação tríplice compreende os contratos, os delitos e ex varias causaram figuris (outras causas). Peca esta pela falta de rigor lógico. XXXXXXXXXX propõe a quadripartida em contratos, delitos (atos dolosos), quase-contratos e quase-delitos(atos culposos). XXXXXXX considera a classificação quadripartida superficial e artificiosa. Propõe ele, então, na França do século XVIII, a classificação em contratos, delitos, quase-contratos, quase- delitos e a lei( ex: obrigação entre marido e mulher de pagar pensão de alimentos). No entanto, crítica que se faz a esta última classificação é que os delitos e os contratos também surgem da lei.
O professor XXXXXXXXX funda a conceituação e caracterização das fontes das obrigações na idéia de que estas fontes são fatos jurídicos. O fato, na linguagem ordinária, é um corte no fluxo normal da vida, na realidade. É como se “a vida de cada um fosse um filme e o fato uma foto”. O fato jurídico é um fato da realidade que corresponde a uma descrição legal, ou seja, é um fato “carimbado” pela lei. Não se deve achar que é a lei que cria a situação, visto que ela é genérica, mas, sim, que há situações que “se enquadram” na lei. E essas situações são os fatos jurídicos. Conclui dessa concatenação de raciocínios que a lei é uma fonte remota das obrigações, enquanto que o fato jurídico é sempre a “única” fonte próxima das obrigações.
Há que se distinguir ainda as obrigações que derivam da vontade das partes e as que prescindem desta. As primeiras provêem de fontes voluntárias e as segundas de fontes involuntárias.
O contrato é uma fonte voluntária de obrigações, visto que o conteúdo das obrigações geradas por ele é dado pela vontade das partes, ou, de modo melhor, pelo intento dos emitentes de declarações de vontade. É nesse ponto que se faz pertinente a distinção entre as posições objetivistas, que caracterizam o contrato como “acordo de declarações de vontade” e as teorias subjetivistas, que tem o contrato como “acordo de
vontades”. A primeira posição é a que segue o professor XXXXXXXXX e a segunda é a posição da maioria da doutrina. Segundo o mestre, na interpretação do contrato deve- se, realmente, atentar para o acordo de vontades. Porém, a vontade se expressa pela declaração. Outro argumento para se validar a posição que afirma que o contrato é um acordo de declarações de vontade é o relativo ao “contrato consigo mesmo”.
O “contrato consigo mesmo” é aquele que, podendo ser concluído por meio de representante, este, em vez de o estipular com terceiro, celebra consigo próprio. Por força da sua condição, reúne, desse modo, em sua pessoa, dois centros de interesses diversos, ocupando as posições opostas de proponente e aceitante. No fundo, não realiza contrato consigo mesmo, senão com a pessoa a quem representa. Se o contrato é o encontro e a integração de duas vontades, pressupõe duas declarações, não sendo possível que resulte de uma só. Exemplo: se alguém autoriza outrem a vender determinada coisa, estabelecendo todas as condições da venda, nenhum incoveniente há em que a coisa seja comprada pelo procurador do vendedor, pois a adquirirá nas mesmas condições em que foi seria adquirida por terceiro. Penso que nesse tipo de contrato, há uma mesma vontade, caracterizada pela não oposição de interesses do representante e do representado e duas declarações de vontade, uma que propõe e outra que aceita (Se alguém tiver um entendimento diverso, por favor, se manifeste, pois este é um assunto meio complicado...).
O contrato é uma categoria jurídica que vem se alargando no campo do Direito Civil. Além de ser constitutivo de obrigações, na sua função tradicional atribuída no Direito Romano, admite-se, ainda, hodiernamente, que ele seja também modificativo ou extintivo. No sistema do Código Civil de 1916, o contrato apenas criava obrigações. A transação, desse modo, não constituía contrato e, sim, forma de extinção das obrigações. Já no Código Civil de 2002 o contrato cria, modifica ou extingue direitos obrigacionais, podendo, desse modo, caracterizar-se a transação como espécie de contrato.
Creio eu que essa é a única diferença entre o CC 1916 e o CC 2002, no que se refere às fontes das obrigações, ou seja, o papel desempenhado por uma delas –o contrato, no mundo contemporâneo, visto que as distinções e classificações das fontes das obrigações são mais doutrinárias do que legais.
OBS: Peço desculpas pela simplicidade com que a matéria foi aqui tratada. Deve-se ao tempo exíguo e a escassez de informações sobre a questão se tratarmos ela de maneira objetiva sem se perder na exposição das diversas teorias acerca das fontes obrigacionais, o que não se faz necessário e nem constitui o objetivo da questão.
02. Noção de contrato. Contrato e pacto. Contrato e convenção. Contrato e
“acordo”. Contrato e negócio jurídico. (Xxxxxx)
Pode-se dizer que os contratos, no Código Civil de 1916, são apenas os acordos que criam obrigações.
No Novo Código Civil, essa noção sofre uma modificação, uma vez que passa a abranger não somente os acordos de vontade que criam obrigações, mas também aqueles que as extinguem e as modificam.
Para o professor Xxxxxxxxx, a melhor definição de contrato é aquela que o coloca como “acordo de declarações de vontade”, isso porque, a vontade, para ser acordada, tem que ser, antes, expressa.
Para XXXXXXX XXXXXX contrato é “o acordo de declarações de vontade contrapostas, mas perfeitamente harmonizáveis entre si, visando uma composição unitária de interesses.”
Nesse sentido, para termos uma melhor noção do instituto, cabe diferenciá-lo de figuras próximas.
As palavras contrato e pacto, apesar de hoje possuírem significados muito parecidos, no Direito Romano, em especial, representavam figuras um tanto quanto diferentes.
O pacto configurava-se como uma espécie de junção de duas vontades para que estas não se contrapusessem, mas sim colaborassem entre si, para que alcançassem um fim comum. Ele não era autônomo ou independente, e funcionava
como anexo ao contrato, somente possuindo eficácia quando no desempenho de tal papel. Do contrário, não podia ser cobrado judicialmente. Não gerando, assim, o inadimplemento, direito de ação contra o inadimplente. Os principais pactos resultavam de acordos que não preenchiam as formalidades exigidas para os contratos, os quais eram típicos e com forma fixa. Esses sim, podiam ser cobrados judicialmente, posto que geravam obrigação para as partes e o respectivo direito de ação no caso de inadimplemento. Mas com a evolução do Direito Romano, alguns pactos passaram a ter conseqüências jurídicas.
Vale ainda dizer que XXXXXXX XXXXX define pacto como cláusula aposta em certos contratos para lhes emprestar feitio especial (exemplo: pactos adjetos da compra e venda).
No referente às palavras ‘contrato’ e ‘convenção’, a oposição de sentidos que existe entre ambas, muito apreciada pela doutrina francesa, deixará de existir com o NCCB. Isso porque, segundo Xxxxxxx, a convenção seria o gênero do qual o contrato é a espécie, delimitando o sentido deste último apenas aos acordos de vontade que criavam obrigações.
Na convenção sim, seriam admitidos aqueles acordos que modificavam ou extinguiam as obrigações. Nesse sentido, o distrato, não era considerado um contrato, mas sim uma convenção, assim como aqueles acordos que extravasavam o campo dos direitos obrigacionais, gerando direitos reais, ou que acabavam por funcionar em relação ao direito de família ou das sucessões.
Já o ‘acordo’, para a maioria da doutrina, é a junção de manifestações de vontade que não são vistas, socialmente, como dirigidas à produção de efeitos jurídicos. São manifestações de vontade tuteladas pela moral e não pelo ordenamento jurídico. Os acordos, ou “gentlemen´s agreements” são atos que apenas vinculam as partes perante a moral, não trazendo conseqüência alguma perante o Direito. PONTES DE XXXXXXX, porém, ao discordar de tal acepção, diz ser o acordo um negócio jurídico abstrato, cuja função é operacionalizar alguns contratos.
Para finalizar, cabe-nos, ainda, fazer um paralelo entre ‘contrato’ e ‘negócio
jurídico’.
Contrato é espécie do gênero negócio jurídico, o qual pode ser definido,
segundo o professor Xxxxxxxxx, como manifestação de vontade realizada sob certas circunstâncias (circunstâncias negociais) que é socialmente vista como capaz de gerar efeitos jurídicos. Esta manifestação de vontade realizada sob certas circunstâncias é a declaração de vontade. E a união de duas ou mais declarações de vontade, criando, modificando ou extinguindo obrigações é o que se chama de contrato. Podemos dizer, então, que existe uma relação taxonômica entre os dois institutos, sendo todo contrato negócio jurídico, mas nem todo negócio jurídico um contrato.
Assim, adotando-se a concepção francesa, o negócio jurídico é o gênero, e acaba por abranger o direito real, o direito de família e o direito das sucessões. Já o contrato é a espécie, pois se restringe apenas ao direito das obrigações, criando, modificando ou extinguindo as mesmas.
03. Os Princípios do Direito Contratual: visão geral (Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx)
1. Como bem assevera XXXXXXXX XXXXXXX, pode-se dizer que hoje existem duas concepções a respeito do Direito dos Contratos, uma a que se poderia chamar de clássica, ou liberal, e outra, que poderia ser denominada de moderna, ou social.
A concepção tradicional, ou clássica, é aquela que herdamos do século XIX, que foi o período das grandes codificações e, ao mesmo tempo, uma era de grandes construções doutrinárias, algumas delas como as de direito subjetivo, de pessoa jurídica e de negócio jurídico, tão fundamentais que hoje seria impensável a ciência jurídica sem elas. É essa concepção tradicional dos contratos que ainda hoje inspira os grandes compêndios universitários, tanto os nacionais como os estrangeiros, responsáveis pelo embasamento teórico da esmagadora maioria dos juízes, advogados e mais juristas de nosso tempo.
Tal concepção clássica tem em seu cerne o príncipio da autonomia da vontade, segundo o qual o homem só pode ser vinculado pelas obrigações que ele próprio, voluntariamente, haja assumido.
Na visão de XXXXXXXXX XX XXXXXXX, em torno de tal princípio orbitam três mais, quais sejam, o da liberdade contratual lato sensu, o da obrigatoriedade dos efeitos contratuais, e o do relatividade dos efeitos contratuais.
2. Contudo, antes de dissertamos acerca desses princípios contratuais decorrentes da autonomia da vontade, cabe tratarmos brevemente do princípio do consensualismo, que exerce importante papel no campo dos contratos.
Segundo ele, o simples acordo de duas ou mais vontades basta para gerar o contrato válido, pois não se exige, em regra, qualquer forma especial para a formação do vínculo contratual.
Embora alguns contratos, por serem solenes, tenham sua validez condicionada à observância de certas formalidades estabelecidas em lei, a maioria deles é consensual, já que o mero consentimento tem o condão de criá-los sendo suficiente para sua perfeição e validade.
3. Tratando agora da liberdade contratual lato sensu, a título propedêutico, vale ressaltar que para alguns autores, como XXXXXXX XXXX e XXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXX, há distinção entre liberdade de contratar, “faculdade de realizar ou não determinado contrato”, e liberdade contratual, “a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato”, usando dos termos adotados pelo prof. WALD. O interesse de tal distinção estaria fundamentalmente em que enquanto a liberdade de contratar “tem sido mantida, em termos gerais”, já a liberdade contratual “tem sofrido amplas restrições”. (XXXXXXXXX XX XXXXXXX não abraça, contudo, tal distinção)
Já na visão de XXXXXXX e BITTAR, a liberdade contratual consistiria na (1) liberdade de contratar ou deixar de contratar, mais a (2) liberdade de eleger as pessoas com quem se contratar, mais a (3) liberdade de determinar o contrato a celebrar, típico ou atípico, mais a (4) liberdade de negociar o seu conteúdo, de plasmar o conteúdo e, por último, ainda a (5) liberdade de adotar a forma tida por mais conveniente. XXXXXXXXX XX XXXXXXX adiciona mais uma liberdade a essa lista, qual seja, a (6) liberdade de escolher o momento em que se irá contratar. Enuncia o mestre que pode o princípio em tela ser expresso através da seguinte fórmula: “as partes podem convencionar o que querem, e como querem, dentro dos limites da lei”.
Contudo, para não desvencilharmos os olhos da realidade pós-moderna com que nos deparamos, mister é percebermos que essa lista que expressa o conteúdo da liberdade de contratar não é indiscutível, havendo exceções.
Exampli gratia, a liberdade de contratar ou não contratar e a liberdade de escolher com quem se vai contratar ficam abaladas nos casos de contratos em que há oferta ao público, como o de transporte oferecido pelo taxista, que deve contratar com qualquer cliente, seja quem for, ou o de um restaurante com seus clientes. Já os contratos de adesão e os contratos de trabalho manifestam exceção à liberdade de plasmar o conteúdo do contrato, pois para estes há já um limite pré-determinado.
4. A obrigatoriedade dos efeitos contratuais, por sua vez, consistiria na vinculação das partes ao estipulado, ficando elas, como diz o prof. BITTAR, “jungidas ao respectivo cumprimento, sob pena de sanções previstas para a hipótese”. A este respeito, diz-se que o contrato é “lei” para as partes, fala-se na lex contractus e invoca- se a velha máxima pacta sunt servanda.
Para XXXXXXX, a este princípio talvez se pudesse chamar mais adequadamente de princípio da intangibilidade do contrato, pois estaria, na sua opinião, traduzindo melhor não só a impossibilidade de qualquer das partes alterar o pactuado, como também a impossibilidade de o conteúdo do contrato ser objeto de revisão judicial.
Nos países da common law, onde a noção mais difundida de contrato, que remonta aos Principles of Contract, de XXXXXXX, o caracteriza como “a promise or a set of promises which the law will enforce”. Para então tornar emblemática sua força vinculativa, fala em “sanctity of contract” (“santidade do contrato”) e diz-se que a contract shall be held sacred (“um contrato deve ser tido como sagrado”).
5. Tratando agora do princípio da relatividade dos efeitos contratuais, deve este ser entendido como “se as partes só se obrigam na medida da sua liberdade, então os contratos não podem beneficiar nem prejudicar a terceiros”; estes nunca poderiam ser atingido por efeitos jurídicos de atos estranhos à sua vontade – res inter alios acta aliis nec nocere nec prodesse potest. Na common law, este efeito relativo é expressivamente entitulado “privity of contract”.
O Código Civil Francês proclama, no art. 1134, que as convenções legalmente formadas valem como lei para aqueles que as fizeram; no mesmo sentido, o art. 1372 do Código Civil italiano reza que “o contrato tem força de lei entre as partes”. Mostram tais dispositivos um aspecto do princípio tratado, qual seja, de que o contrato somente produz efeitos entre os contratantes. O ato negocial deriva de acordo de declaração de vontade das partes, sendo lógico que apenas as vincule, não tendo eficácia quanto a terceiros. Assim, ninguém se submeterá a uma relação contratual, a não ser que a lei o imponha ou a própria pessoa o queira. Todavia, sofre o princípio exceções, em especial o determinado pela função social do contrato, que impõe ao terceiro um dever de respeito ao contrato estipulado entre as partes, não podendo os estranhos ao contrato se portar como se ele não existisse.
6. No entanto, apreendendo o direito como fenômeno dialético com a realidade em que se aplica, na medida em que se relacionam de maneira intrínseca, é de se compreender que, com o passar do tempo e a alteração das circunstâncias históricas, o direito tende a, por óbvio, mutar-se.
Assim, passou-se a admitir restrições quanto a esses princípios. Por via da interferência do Estado, foram se acumulando ao longo de decênios restrições à liberdade das partes, sobretudo durante o século XX, gerando o fenômeno do dirigismo contratual. Mercê disso, chegou-se a um consenso em que a liberdade contratual teria como natural limite considerações de ordem pública – estas, por isso, foram erigidas em um outro princípio básico dos contratos, o da supremacia da ordem pública, apesar de não ser admitido como princípio por todos os doutrinadores (na realidade, na visão de Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx, antes um limite que um princípio).
7. Hodiernamente, acompanhando o toque de recolher do Estado intervencionista, o jurista com sensibilidade intelectual nota que está ocorrendo uma acomodação das camadas fundamentais do direito contratual – algo semelhante ao ajustamento das placas tectônicas. Locamo-nos em uma época de hipercomplexidade, em que os dados se acrescentam sem, contudo, eliminarem-se, de tal maneira que, aos três princípios que gravitam em volta da autonomia da vontade e, se admitido como princípio, ao da ordem pública, somam-se outros três princípios. Ressalte-se que os anteriores não devem ser considerados abolidos pelos novos tempos, mas, certamente, deve-se dizer que viram seu número aumento pelos três novo princípios. São estes a boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico do contrato e a função social do contrato.
8. Abordemos então o princípio da boa-fé objetiva. Fala-nos o mestre coimbrão XXXXXXX XXXXXXX, a propósito do cumprimento das obrigações em geral, no princípio da boa-fé, que “constitui um dos princípios gerais de direito solidamente enraizados”, aplicável no “cumprimento das obrigações” e “em vários outros domínios, nomeadamente no exercício de direitos de crédito, na preparação e na conclusão de contratos, na interpretação e, principalmente, na integração dos negócios jurídicos, bem como na proposição da ação e na condução do processo em juízo etc.”
No campo contratual deve a boa-fé objetiva ser entendida como norma de conduta (NCC, art. 442, “O contratante deve se portar com boa-fé”), regra de comportamento. Estendendo-se da fase pré-contratual à pós-contratual, tem seu conteúdo expresso pela formação, entres as partes, de uma série de deveres paralelos aos contratuais - como o de informar, o de sigilo e o de proteção.
Na fase contratual propriamente dita, esses deveres passam a existir paralelamente ao vínculo contratual; são os deveres anexos ao que foi expressamente pactuado.
Não possuindo previsão no atual Código Civil, encontrou a boa-fé objetiva guarida, como é sabido, no Código de Defesa do Consumidor (arts. 4º, III, e 51, IV), já tendo previsão expressa no Novo Código Civil, que reza em seu artigo 442 que “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Impõe esse dispositivo que haja entre as partes uma colaboração no sentido de mútuo auxílio na formação e na execução do contrato, impedindo que uma dificulte a ação da outra.
9. O princípio do equilíbrio do contrato, ou do sinalagma, por seu turno, leva à admissão, especialmente, de duas figuras, a lesão e a excessiva onerosidade; também ele, segundo a opinião dominante, não foi consagrado no Código Civil, mas, atualmente, tendo em vista leis posteriores, parece não haver dúvida de que está a fazer parte do ordenamento positivo.
Só se aplica aos contratos onerosos, pois em contratos gratuitos não há como haver equilíbrio entre prestação e contra-prestação, que nos remete àquela imagem de CALAMANDREI da balança equilibrada, cujos pratos contém a prestação e a contra- prestação.
10. Por último, relevamos o princípio da função social do contrato. Difere este princípio do da ordem pública tanto quanto a sociedade difere do Estado; trata-se de preceito destinado a integrar os contratos numa ordem social harmônica, visando impedir tanto aquele que prejudiquem a coletividade (e.g., contratos contra o consumidor) quanto os que prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas.
A idéia de função social do contrato está claramente determinada pela Constituição, ao fixar, como um dos fundamentos da República, o valor social da livre iniciativa (art. 1º, inc. IV); essa disposição impõe ao jurista a proibição de ver o contrato como um átomo, algo que somente interessa às partes, desvinculado de tudo o mais. O contrato, qualquer contrato, tem importância para toda a sociedade e essa asserção, por força da Constituição, faz parte, hoje, do ordenamento positivo brasileiro
– de resto, o art. 170, caput, da Constituição da República, de novo, salienta o valor geral, para a ordem econômica, da livre iniciativa.
O antigo princípio da relatividade dos efeitos contratuais precisa, pois, ser interpretado, ou re-lido, conforme a Constituição. A interpretação conforme a Constituição leva não só a um novo entendimento da legislação ordinária, anterior à Constituição, como também a uma complementação e desenvolvimento dessa legislação, para harmonizá-la com a Constituição agora vigente.
Desta forma, impõe a idéia de função social do contrato que os terceiros não podem se comportar como se o contrato não existisse. Com muita precisão, os juristas franceses distinguem entre dois termos: relativité (relatividade dos efeitos) e opposabilité (oponibilidade dos efeitos).
11. Não é possível que, após recém atravessarmos os pórticos do século XXI, os princípios do direito contratual se limitem àqueles da survival of the fittest, ao gosto de XXXXXXX, no ápice do liberalismo sem peias (Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx). Seria isto desconsiderar tudo que ocorreu nos últimos cem anos. A atual diminuição do campo de atuação do Estado não pode significar a perda da noção, conquistada com tanto sofrimento, de tantos povos e de tantas revoluções, de harmonia social. O alvo, hoje, é o equilíbrio entre sociedade. O contrato não pode ser considerado como um ato que somente diz respeito às partes: do contrário, voltaríamos a um capitalismo selvagem, em que a vitória é dada justamente ao menos escrupuloso. A pós- modernidade impõe que desvinculemos o contrato de uma visão atomística antiquada, passando para uma atualizada visão molecular. Reduzido o Estado, cabe, neste momento, saber harmonizar a liberdade individual e a solidariedade social.
04. A autonomia da vontade e a liberdade contratual no séc. XIX.
Os três tradicionais princípios do direito contratual, quais sejam a liberdade contratual, a obrigatoriedade dos efeitos contratuais e a relatividade dos efeitos contratuais, apresentam-se embasados na noção de autonomia da vontade.
De acordo com os ensinamentos de Xxxxxxx Xxxxx, o princípio da autonomia da vontade está consubstanciado na liberdade de contratar, significando “o poder dos indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica”.
Durante o século XIX, a autonomia da vontade e a liberdade contratual presenciam seu auge, uma vez que a exacerbação do valor atribuído ao liberalismo e ao individualismo mostra-se clara.
Em conseqüência disso, os contratos passam a ser o centro do ordenamento jurídico, tendo em vista que a autodeterminação e a busca do interesse pessoal passam a balizar a atuação do Direito. Nesse sentido, Xxxxxxxxx menciona a “hipertrofia do papel da vontade individual”, lembrando que nesta fase histórica fala- se até em “contrato social”.
O princípio da liberdade contratual é o primeiro dentre aqueles que valorizam a autonomia da vontade. De acordo com Xxxxxxx Xxxxx, mencionado princípio apresenta-se sob tríplice aspecto, sendo (a) a liberdade de contatar propriamente dita (poder dos contratantes de estabelecer os efeitos que pretendem);
(b) a liberdade de estipular o contrato e (c) a liberdade de determinar o conteúdo do contrato.
Contudo, Xxxxxxxxx leciona que a liberdade de contratar pode ser analisada em seis diferentes situações:
• Liberdade de contratar ou de não contratar;
• Liberdade de plasmar o conteúdo;
• Liberdade de escolher com quem contratar;
• Liberdade de escolher a forma pela qual se contrata;
• Liberdade de escolher o momento de se contratar;
• Liberdade de escolher o tipo de contrato ou de inventar um novo tipo;
Frente à lista acima apresentada, torna-se perceptível o valor atribuído ao princípio em tela. Para tornar ainda mais nítida a definição do mesmo, importante entender a distinção existente entre normas coativas e supletivas. De maneira simples, as primeiras ordenam o que deve ou não ser feito, sendo denominadas, respectivamente, de imperativas e supletivas. Por outro lado, as segundas são aplicadas em situações de abstenção da declaração dos contratantes, completando a vontade dos mesmos. Não se deve deixar de atentar ao fato de que, por serem supletivas, incidirão sempre que as partes nada dispuserem, o que significa que a omissão de disposição contratual faz com que normas vistas como supridoras de lacunas sejam aplicadas de maneira compulsória.
Sabe-se que durante o século XIX, a liberdade de contratar apresentava-se como algo intangível pela atuação estatal e pelas disposições legislativas, uma vez que as partes eram presumidamente iguais e, por este motivo, possuíam vontade livre para estipular suas obrigações.
Contudo, cabe mencionar algumas situações em que surge a limitação à liberdade, nas diversas formas em que esta é caracterizada.
O primeiro exemplo a ser citado refere-se à liberdade de contratar propriamente dita e está consubstanciado no contrato entre taxista e usuário. Isso significa que o motorista de táxi é obrigado a contratar com o cliente, uma vez que, tratando-se de oferta ao público, o mundo moderno cria um dever de contratar, que não pode ser quebrado.
No que tange ao conteúdo do contrato, importante dizer que nos contratos de adesão e de trabalho há uma certa restrição à liberdade de plasmar o conteúdo contratado, pois um dos contratantes deve acatar as cláusulas determinadas pelo outro.
Por fim, em relação às pessoas, não se deve deixar de lembrar dos casos em que uma das partes possui o dever de contratar com qualquer indivíduo interessado. Esta é a situação, por exemplo, dos restaurantes que fazem oferta ao público e estão submetidos á aceitação de qualquer um.
05. Os princípios da obrigatoriedade dos efeitos (pacta sunt servanda) e da relatividade dos efeitos contratuais.
Antes de mais nada, só para nos localizarmos: os princípios do direito contratual, vindos do século passado, que giram em torno da autonomia da vontade são o da liberdade contratual, o da obrigatoriedade dos efeitos contratuais (pacta sunt servanda) e o da relatividade dos efeitos contratuais.
Os novos princípios, surgidos do atual cenário jurídico, são o da boa-fé objetiva, o do equilíbrio econômico do contrato e o da função social do contrato.
Sem mais delongas, passaremos a tratar do pacta sunt servanda. Tal princípio consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes.
Estipulado validamente seu conteúdo, as respectivas cláusulas têm, para os contratantes, força obrigatória. Diz-se que é intangível, para significar-se a irretratabilidade do acordo de vontades. Tal intangibilidade significa impossibilidade de revisão pelo juiz, ou de libertação por ato seu, já que a possibilidade de intervenção do juiz na economia do contrato atingiria o poder de obrigar-se, ferindo a liberdade de contratar.
Como exemplo, podemos lembrar do caso do conde francês, Xxxxxxx, que, em 1567, retificou um canal, religando-o ao rio, beneficiando toda a comunidade ribeirinha. O conde exigiu, então, uma taxa mensal dos beneficiados. Em 1876, os herdeiros do conde entraram na Justiça pedindo atualização da taxa acordada mais de 300 anos antes. Decidiu-se, por pacta sunt servanda, que o valor não deveria ser alterado.
Pode acontecer, porém, que uma mudança profunda das circunstâncias em que as partes se vincularam torne excessivamente oneroso ou difícil para uma delas o cumprimento daquilo a que se encontra obrigada, ou provoque um desequilíbrio acentuado entre as prestações correspectivas, quando se trate de contratos de execução diferida ou de longa duração. Não devemos falar aqui, como muito se faz, de impossibilidade de prestação, dado que, se assim fosse, estaríamos no âmbito do inadimplemento advindo de força maior ou de caso fortuito. Foi o que se deu após a I Guerra Mundial, e por causa dela. Contratos celebrados antes de seu início, vistas as novas circunstâncias que se apresentavam, trouxeram onerosidade excessiva a uma das partes. Tal entendimento levou a uma atenuação do princípio pacta sunt servanda. Consagrou-se, assim, o princípio da revisão que dispunha que podiam os contratos, ser resolvidos se o cumprimento da obrigação por parte de qualquer contratante lhe causasse prejuízos cujo montante excedesse de muito a previsão que pudesse ser feita, razoavelmente, ao tempo de sua celebração.
Apontam-se, nesse caso, duas soluções do tipo judicial: a resolução do contrato ou a modificação de seu conteúdo.
Diversas fundamentações e doutrinas pretendem justificar e explicar a quebra do princípio da estabilidade dos contratos por alteração das circunstâncias negociais.
A construção primeiramente invocada foi a teoria da cláusula rebus sic stantibus. Esta se prende à prática e à doutrina medievais. De acordo com ela, nos contratos de longa duração, considera-se sempre subentendida a cláusula de que só valem mantendo o estado de coisas em que foram estipulados (contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur). Logo, caso se produza uma mudança significativa das CIRCUNSTÂNCIAS que existiam à data da celebração do negócio, a parte para quem o cumprimento resulte demasiado gravoso pode pedir sua resolução.
Tal teoria, entretanto, pecava pela demasiada imprecisão, apesar de ser até hoje utilizada. A fim de desenvolver a idéia da condição resolutiva implícita, desenvolveu-se, então, a teoria da imprevisão (acolhida pelo NCC em seu art. 478), muito sustentada pelos italianos e franceses. Parte-se da idéia da cláusula subentendida rebus sic stantibus, intentando limitá-la às situações mais prementes. Assim, para que se resolva ou modifique o contrato, não basta que haja uma mudança profunda da situação de fato. Exige-se, ainda, como elemento decisivo, que essa alteração seja IMPREVISÍVEL. Por conseguinte, se ocorre uma onerosidade da
prestação, embora de máximo vulto, que podia razoavelmente prever-se, não existe fundamento para a resolução ou revisão do negócio.
Trata-se, pois, de um esquema suscetível de deixar sem amparo algumas hipóteses merecedoras de proteção, atendendo às regras da boa-fé.
Ainda na trilha do aperfeiçoamento da justificação à quebra da estabilidade contratual, surge a teoria da pressuposição, criada por Xxxxxxxxxx. Para ele, qualquer declaração de vontade negocial pode ser feita na plena convicção de que se manterá determinado estado de coisas ao tempo existente, ou de se haverem produzido ou virem a produzir-se certos fatos pretéritos, presentes ou futuros, de tal sorte que, de outro modo, não se realizaria o negócio, ou a sua estipulação teria ocorrido em termos diversos. O convencimento da verificação dessas circunstâncias de fato é tão seguro, que nem mesmo se insere no contrato. Quer dizer: o que leva a estipular uma verdadeira e própria condição é um estado de dúvida; ao invés, no ESPÍRITO do pressuponente existe a CERTEZA sobre a verificação do evento ou situação que se pressupõe, pois, de contrário, não deixaria de condicionar expressamente a produção dos efeitos de sua declaração de vontade.
Contudo, tal teoria depende demasiadamente de elementos subjetivos, o que traria enorme insegurança e instabilidade jurídica, se aplicada.
Prosseguindo, temos a teoria da base do negócio, radicada em Oertmann. Para os seus defensores, o desaparecimento da base do negócio permite à parte prejudicada atacar a estabilidade do contrato. O problema é a exata definição de base negocial. Segundo Xxxxxxxx, esta consiste na representação de uma das partes, reconhecida e não contestada pela outra, ou na representação comum aos vários intervenientes, sobre a existência de certas CIRCUNSTÂNCIAS tidas como FUNDAMENTAIS para a FORMAÇÃO DA VONTADE. Vê-se, claramente, que tal conceito reconduz-se, no fundo, à idéia de pressuposição de Windscheid. Exemplo de alteração da base negocial é o da empresa responsável por navio encalhado que contrata um rebocador. Mas, então, a maré sobe e o navio solta-se naturalmente. Houve clara alteração de base.
Essa teoria é acusada de pouca objetividade, de viver na via-láctea do
direito.
Bem, até aqui, tratávamos da exceção ao princípio pacta sunt servanda que
tem fundamentação em ainda muitas outras teorias como a da vontade marginal, do erro, do enriquecimento sem causa, etc.
O princípio pacta sunt servanda ao tornar irretratáveis os vínculos contratuais, o faz apenas para as partes. Mas quanto a terceiros, o contrato é, em regra, inoperante. Esta doutrina define o princípio da eficácia relativa dos contratos. Ele traduz, na verdade, a solução de que os efeitos contratuais não afetam terceiros, antes se restringem às partes.
A referida relatividade dos contratos corresponde à máxima latina “res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest”. Nosso Professor afirma que tal visão, do contrato afetando apenas aos envolvidos, é atomística, pois o desvincula da sociedade, quando o fato é que tal negócio jurídico tem extremo relevo, afetando a todos na medida em que os terceiros não podem se comportar como se o contrato não existisse. Este é um dos novos princípios do direito contratual os quais citamos no início: o da função social do contrato.
Este princípio destina-se a integrar os contratos numa ordem social harmônica, visando impedir tanto aqueles que prejudiquem a coletividade (por exemplo, contratos contra o consumidor) quanto os que prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas.
Não se deve, evidentemente, tirar deste princípio que os terceiros são partes no contrato, pois sua relatividade é indiscutível. Seus efeitos só vinculam os contratantes. O que se ressalta é a oponibilidade do contrato a terceiro. Isto é, o contrato deve ser respeitado, conforme requer a boa-fé, por todos aqueles que dele não fazem parte.
Bem se compreende, de resto, que o contrato só produza efeito diante de terceiros, se favorecendo-os ou prejudicando-os. Essas exceções consubstanciam-se nos casos da estipulação em favor de terceiro, contrato com pessoa a declarar e promessa de fato de terceiro.
A estipulação em favor de terceiro (C.C., arts. 1098 a 1100; N.C.C., arts. 436 a 438) é aquele contrato em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinatário ou beneficiário). Por exemplo, um divórcio em que os pais deixam a casa para o filho. O Professor Xxxxxxxxx defende que os terceiros, nessa e nas outras exceções ao princípio da relatividade, não são “tão terceiros assim”. Seriam estes “terceiros de primeiro grau”, o que expõe sua idéia de que há graus de terceiros interessados.
No contrato com pessoa a declarar (C.C., sem artigos; N.C.C., 467 a 471), o contraente, que age em nome próprio, atribui, depois, a um terceiro, a titularidade do contrato. Existe, com efeito, quando um dos intervenientes se reserva a faculdade de indicar, posteriormente, outra pessoa que assume a posição de parte, por ele ocupada, na relação contratual. Trata-se de um contrato com a cláusula “pro amico eligendo” ou “pro amico electo”. É o que acontece com as firmas de automóveis usados. Elas tentam evitar o pagamento, por duas vezes, de impostos: na compra do automóvel e na revenda. Para tal efeito, não passa o veículo para seu nome, mas entra como “representante de ninguém”.
Por fim, temos a promessa de fato de terceiro (C.C., art. 929; N.C.C., arts.
439 e 440). Nela, o terceiro, ao invés de beneficiário, funciona como autor da prestação que uma das partes promete à outra. O contrato não o vincula, de resto, sem o respectivo consentimento. Caso o terceiro não consinta, o contratante fica inadimplente e o contratante pode pedir perdas e danos. Exemplo: cônjuge que promete fato de seu consorte, i. e., se os dois são donos de um imóvel e o marido negocia a venda deste, deve haver outorga uxória. Se a mulher não concordar, há obrigação inadimplida.
06. O chamado princípio da supremacia da ordem pública durante os primeiros três quartos do século XX. (Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx)
Xxxxxxx Xxxxx, em obra entitulada “Contratos”, demonstra entendimento de que a liberdade de contratar, por excelência, considerada ilimitada em virtude do princípio da autonomia da vontade, estaria subordinada a respeitar duas limitações que se imporiam revestidas do caráter de generalidade: a ordem pública e os bons costumes. Sustentava que a ordem jurídica descansava em princípios gerais que dominam toda a área do direito contratual. No intuito de resguardar o substrato e preservar a integralidade do ordenamento, a ordem pública e os bons costumes seriam instituídos como fronteiras da liberdade de contratar, apoiados na necessidade de atribuição de natureza imperativa a preceitos, cuja observância impõe-se de forma absoluta, negando-se validade e eficácia aos negócios jurídicos discrepantes dessas normas.
Outrossim, reconhece o doutrinador, que tais limitações gerais à liberdade de contratar, jamais lograram definições fundadas em rigorosa precisão. A dificuldade, senão a impossibilidade, de conceituá-las não obstou que se fizesse uso de tais princípios, por assim dizer, ora ampliando, ora reduzindo seu campo de aplicação, de acordo com o pensamento dominante em determinada época ou país, servindo de estrutura para embasamento de idéias morais, políticas, filosóficas e religiosas. Ademais, há de se atentar para o fato de que em alguns regimes de exceção, tal qual o Estado de Defesa, regido pela Carta Constitucional, o comprometimento da ordem pública é um dos requisitos habilitados à desencadear a instauração do sistema constitucional das crises. Não obstante, a alegação de agressão à ordem pública foi muitas vezes o meio utilizado, em regimes ditatoriais, para justificar atos e medidas governamentais claramente eivados pela discricionariedade e autoritarismo, notadamente na América Latina, nas décadas de 60 e 70. Passemos à analise o chamado princípio da ordem pública.
Na tentativa de ensaiar uma definição para o conceito de ordem pública, Xxxxx xx Xxxx esclarece que a lei inscrita sob égide da ordem pública seria “aquela que entende com os interesses essenciais do Estado ou da coletividade, ou que fixa, no Direito Privado, as bases jurídicas fundamentais sobre as quais repousa a ordem econômica ou moral de terminada sociedade”. Entretanto, essa idéia geral
não traça diretriz suficiente para nortear os juiz compelido a invocá-la, uma vez que não constitui tarefa fácil determinar os interesses essenciais do Estado e da coletividade, inquestionavelmente suscetíveis de variações em razão de fatores diversos.
Comungando da constatação que reporta à desmedida dificuldade em definir os pontos cruciais sobre os quais repousa o interesse estatal e coletivo, Xxxxxxx Xxxxx vislumbra a possibilidade de reconhecer e elucidar os pilares da ordem econômica e moral da sociedade, haja vista serem em número reduzido. Desse modo, entendia o professor xxxxxx que considerados apenas tais pilares, limitar- se-ia o conceito de ordem pública, o que tornaria viável o emprego da enumeração exemplificativa, como forma de classificar determinadas normas jurídicas, então carreadas pelo referido princípio. Nessa medida, inferia-se que, via de regra, as leis coativas seriam de ordem pública, porque não poderiam ser derrogadas pela vontade particular – privatorum pactus mutari non potest. Incorreria em equívoco, todavia, quem as equiparasse. Certo é que toda lei de ordem pública é imperativa, ou proibitiva, mas nem toda a lei coativa é de ordem pública.
Defendia-se que os contratos que têm causa contrária às leis de ordem pública seriam nulos. Todo o contrato em oposição a esses princípios não poderia ser válido. Todavia não proibidos expressamente, tais negócios eram considerados como se fossem concluídos em desobediência a uma lei imperativa, consubstanciando contratos proibidos. Estariam tuteladas por esse princípio, por exemplo, os contratos que ferem a liberdade de trabalho, ou de comércio.
Embora o supramencionado doutrinador tenha tentado justificar a concretude do denominado princípio da supremacia da ordem pública, uma análise mais atenta retrata a sua insustentabilidade frente aos novos paradigmas erigidos da vida moderna e, ainda, questiona a sua existência como tal.
Não se questiona que a idéia do contrato serviu para minar os últimos resquícios da Idade Média que de sobremaneira impediam o exercício das prerrogativas do individualismo. Contudo, essa idéia de contrato deve ser vista com certa parcimônia, uma vez que as desigualdades econômicas agravaram-se; a concepção de um indivíduo, senhor de seus interesses nos contratos em que aparentava convencionar livremente, mostrou-se falsa. Os três princípios basilares do direito contratual (liberdade contratual, obrigatoriedade dos efeitos contratuais e relatividade dos efeitos do contrato), com o passar do tempo, conduziram a um sensível desequilíbrio no ambiente social.
Alguns teóricos levantaram o tema da questão social, o que veio a ser efetivamente tratado em 1848 com o Manifesto Comunista, de Xxxx Xxxx e Xxxxxxxxx Xxxxxx. Nesse sentido, no ano de 1871, o papa Xxxx XXXX publica a Encíclica Rerum Novarum, corroborando com as linhas do Direito Canônico que condenava francamente a exploração de outrem sob o véu do contrato. Concomitantemente surgiram, também, inúmeras regras de proteção ao trabalhador, leis de locação que restringiam em alguns aspectos a liberdade contratual e demais normas fortalecendo a defesa do justo preço e firmando a teoria do justo salário, outrora encetadas pelos canonistas. Nesse ínterim cumpre, ainda, mencionar que a regra do pacta sunt servanda não ficou imune a essas tendências, e perdeu terreno à suposição medieval arraigada ao Direito Canônico, denominada de clausula rebus sic stantibus, determinando que as promessas somente deveriam ser cumpridas frente à estabilidade das circunstâncias e das condições. Assim, diante da situação elencada, em que contrato foi considerado um elemento progressista, tomou corpo o que se convencionou chamar de princípio da ordem pública.
No atual momento e atendendo às necessidades da vida hodierna, esse princípio não mais existe. Amparado pelo escólio do professor Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx, o princípio da supremacia da ordem pública, originado no século passado, está intimamente ligado ao Welfare State, quando houve sério intervencionismo
– dirigismo estatal-, o que justifica sua aplicação durante os primeiros três quartos do século XX. Nesse período falava-se em “crise do contrato” e na possível “publicização do Direito Civil”. Os franceses passaram a procurar uma ordem tendente a esse caráter público. Afirmou-se a existência de uma ordem pública de proteção e de uma ordem pública de direção da economia. Sabe-se, hoje, que a ordem
pública de proteção acabou por ser absorvida pelo princípio da boa-fé e, que, a outra ordem pública foge do campo do Direito Civil, além de ser flagrante a sua decadência em razão da progressiva retirada do Estado no tocante à políticas dessa órbita.
Não há doutrinadores que tenham definido com expressiva clareza o que vem a ser ordem pública, maculando-a de séria inoperacionalidade em relação aos ditames da vida moderna, bem como retirando dos juízes a base reacional concreta, indispensável a sua precisa aplicação.
Infere-se que não existe princípio, o que há são exceções aos demais princípios. Ocorre uma divisão de normas, sendo que algumas não podem ser afastadas pelos particulares, porque são normas cogentes. Não se reconhece a necessidade de dizer que tais normas são de ordem pública, porque tal natureza já está implícita na própria norma. Não se alcança nenhuma possibilidade de estabelecer pontos de identidade entre as normas cogentes, exceto a obrigatoriedade, uma vez que essas normas são diversificadas e não estão materialmente relacionadas, afastando, por definitivo, a possibilidade de classificá-las de princípio.
Inexiste qualquer respaldo que permita a inclusão de tais normas na seara dos princípios. É impossível proceder ao enquadramento de tais na concepção de princípio. Vale observar a definição de Xxxxxx a respeito do assunto: “princípio é a idéia diretora que se projeta numa regulamentação existente ou possível”. Ou, ainda, a definição proferida por Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx: “princípio exprime a noção de mandamento nuclear de um sistema”. Não há como identificar a única fonte de inspiração de onde adveio as normas cogentes que estariam sob o teto do princípio da ordem pública. Portanto, não se encontra suporte que torne sustentável a defesa da corporificação do denominado princípio, amplamente evocado até meados dos anos 70, e que acabou perdendo importância em face dos novos princípios do direito contratual, quais sejam, os princípios da boa-fé, do equilíbrio contratual e da função social do contrato.
06. O chamado princípio da supremacia da ordem pública durante os primeiros três quartos do séc. XX.
Primeiramente caracterizaremos, de acordo com o Prof. Xxxxxxx Xxxxx, o chamado princípio da supremacia da ordem pública. Entende o doutrinador que a liberdade de obrigar-se teria limites. Apesar de o regime dos contratos se constituir basicamente de preceitos de caráter supletivo à vontade, haveria princípios gerais e normas imperativas que deveriam ser respeitados pelos que quisessem contratar, certo sendo que a vontade dos contratantes, conquanto autônoma, sempre encontraria limitações na lei. A ordem jurídica descansaria em princípios gerais que dominariam toda a área do direito contratual. Para se resguardar nos seus fundamentos e preservar sua política, a legislação instituiria a ordem pública e os bons costumes como fronteiras da liberdade de contratar e atribuir caráter imperativo a preceitos cuja observância imporia irresistivelmente, negando validade e eficácia aos negócios jurídicos discrepantes desses princípios ou infringentes dessas normas. Porém, a dificuldade, senão a impossibilidade de conceituar a ordem pública permite sua ampliação ou restrição conforme o pensamento dominante em cada época e em cada país, formado por idéias morais, políticas, filosóficas e religiosas, o que dificultaria a fundamentação de sua evocação. Condicionar-se-ia, em síntese, à organização política e à infra-estrutura ideológica.
Apesar de tais flutuações e da assinalada dificuldade de reduzi-lo a termos objetivos, tem-se procurado fixar o conceito do princípio da ordem pública para que não varie ao sabor das convicções pessoais dos aplicadores da lei. Para tanto, recorre- se freqüentemente à utilidade social, que estabeleceria interesses cuja observância por todos se teria como indispensável à normalidade da ordem. Tal vertente não logra sucesso em sua restrição, pois essa idéia geral não traça diretrizes suficientemente claras para guiar o juiz a invocá-la, porquanto não é fácil determinar taxativamente os interesses essenciais do Estado e da coletividade, variáveis até em função do regime político dominante.
Recorrer-se-ia, então ao expediente da enumeração exemplificativa, que, porquanto não taxativa, também veria prejudicada sua objetividade.
Outra vertente de raciocínio vincularia a ordem pública à normatividade cogente dado que via de regra, as leis coativas são de ordem pública, uma vez que também não podem ser derrogadas pela vontade particular – privatorum pactis mutari non potest. Incorreria em equívoco, todavia, quem as equiparasse. Se toda lei de ordem pública é imperativa, ou proibitiva, nem toda lei coativa é de ordem pública. Para a proteção de certos interesses privados, contem a lei preceitos coativos, mas as disposições que tendem a essa finalidade não entendem com os interesses essenciais da sociedade, não se considerando, portanto, regras de ordem pública.
Dentro do paradigma do direito pós-moderno (leia-se: “De acordo com o Junqueira”), não há princípio da ordem pública, mas sim exceções aos demais princípios. Tal princípio teria existido no século passado, quando houve forte intervencionismo estatal, mas não hodiernamente. Tal conceito (ordem pública) não atenderia à operacionalidade da vida moderna. O que nele existiria seria a idéia de normas cogentes,que não podem ser afastadas por particulares, contudo, tais normas são diversas a ponto de não se relacionarem, fazendo com que não possamos falar em princípio da ordem pública, pois princípio é, de acordo com Xxxxxx (Obs: não sei se a grafia está correta...) uma “idéia diretora que se projeta numa regulamentação existente ou possível”, como por exemplo quando falamos em princípio da oralidade no dir. processual ou em princípio da publicidade no dir. administrativo, o que não se vislumbra no caso em tela.
Finalmente, cabe ressaltar que quando do fim da era liberalista houve uma forte crença de que o Direito privado estava fadado a perecer (prova cabal disso é a publicação de obras como “The Death of the Contract” em 1977 por Xxxxxxx).Tal corrente de pensamento impulsionou paises como a França na busca por uma ordem pública que passou a ser abordada em duas principais vertentes, quais sejam; a ordem pública de proteção (que abarcaria esferas normativas como a trabalhista ou a dos direitos do consumidor) e a ordem pública de direção (abarcando esta, esferas como a de tributação e a de incentivos). Posteriormente, a ordem pública de proteção foi substituída pela aplicação do princípio da boa-fé objetiva , enquanto a ordem pública de direção está fora do campo do Direito Civil, o que a exclui de nossas análises no que supere a constatação de seu declínio.
07. Boa-fé objetiva: histórico no direito contratual moderno. A criação de deveres. Concretização nas fases de constituição, execução e extinção do contrato.
Quando se inicia a derrocada do liberalismo desenfreado, com o aumento progressivo da influência do Estado no campo econômico, tem-se também uma forte modificação no Direito Civil, especialmente no que concerne aos contratos. Este, visto como o símbolo máximo da tão prezada autonomia da vontade, passa a sofrer restrições cada vez maiores, em nome da assim chamada “ordem pública”. A liberdade de contratar e o “pacta sunt servanda” não são mais absolutos. O Estado toma para si o poder de interferir em um contrato sempre que este seja visto como prejudicial à coletividade.
É neste contexto que surge o Código Civil Alemão, profundamente influenciado por essas duas correntes. E essa maior influência estatal abre espaço para que surja um outro princípio de importância patente no Direito Civil: a boa-fé objetiva. Esta é prevista pela primeira vez no próprio BGB, em seu parágrafo 242, se constituindo em uma regra de conduta aos contratantes, que devem agir com lealdade e confiança recíprocas. A partir daí se inicia uma longa sedimentação do conceito na jurisprudência, que o utiliza para tentar buscar a justiça no caso concreto, a qual muitas vezes não pode ser alcançada se atendo simplesmente à letra do contrato.
O princípio da boa-fé está relacionado com a interpretação do contrato. Como bem ensina XXXXXXX XXXXX, “o literal da linguagem não deve prevalecer sobre a intenção manifestada na declaração de vontade, ou dela inferível”. Não se trata da simples busca pelas intenções das partes, mas também de determinar se estas teriam celebrado o contrato mesmo após ter acontecido determinado fato não previsto por
elas que altera o equilíbrio da relação. Assim, por exemplo, se X compra da construtora Y um apartamento com vista para o mar, e Y, logo depois de ter celebrado o contrato, constrói no terreno do lado outro prédio, que obstrui a vista do apartamento de X, é preciso determinar não se X quis ou não comprar o apartamento, mas se este o compraria, nas mesmas condições, sabendo que seria construído um prédio ao lado.
Pela regra da boa-fé objetiva, os contratantes têm uma série de deveres anexos aos contratos que celebraram. Xxxx deveres privam pela lealdade ao contratar, estabelecendo regras de conduta que visam a uniformizar o comportamento dos contratantes de forma a impedir que estes ajam com intuito de prejudicar a outra parte. A boa-fé objetiva se distingue da subjetiva justamente neste ponto, já que esta, ao invés de levar em conta o comportamento do contratante, procura investigar a sua consciência.
É importante ressaltar que os deveres impostos pelo princípio da boa-fé não se esgotam na fase contratual. Eles existem também após a realização do contrato e até mesmo antes que este tenha sido celebrado. Este é um defeito apontado pelo Professor Xxxxxxxxx no art. 422 do Novo Código Civil, que, apesar de ser um grande avanço em relação ao Código atual, é insuficiente, por não tratar sobre as fases pré e pós-contratual.
Na fase pré-contratual, a boa-fé deve existir no sentido de se criar entre as futuras partes em um contrato deveres de lealdade ainda durante as tratativas. Esses deveres, obviamente, não surgem do vínculo contratual, já que nem sequer existe contrato ainda. Em caso de não cumprimento de algum dos deveres, pode-se ir a juízo requerendo indenização ou mesmo que se cumpra a obrigação. É importante notar que o descumprimento de um dever constitui ato ilícito, sendo este o fundamento da indenização, e não obrigações.
Na fase pós-contratual, ou seja, após a extinção do vínculo contratual, a boa-fé atua no sentido de evitar que um dos contratantes prejudique o outro. Em uma relação trabalhista, por exemplo, o empregador tem o dever de dar boas referências do funcionário que foi demitido sem justa causa. Em uma venda de imóvel, o vendedor não pode, após ter celebrado o contrato, prejudicar o comprador, através, por exemplo, da construção de um prédio no terreno ao lado, o que prejudica a iluminação do imóvel alienado. O contratante não pode fazer nada que torne o contrato prejudicial à outra parte, mesmo após a extinção do vínculo.
E, finalmente, na fase contratual propriamente dita, a boa-fé atua na interpretação dos contratos, procurando determinar a vontade das partes, além de corrigir cláusulas que sejam prejudiciais a um dos contratantes e suprir as lacunas. É de suma importância nesta fase, já que visa a buscar a equidade entre as partes, evitando que uma tenha vantagem desproporcional sobre a outra. Também atua na função de suprir a vontade destas, já que nem sempre todas as situações possíveis são previstas no contrato. O Novo Código Civil trata sobre o assunto no art. 113, consagrando tal prática já recorrente na jurisprudência.
Há ainda aqueles deveres que estão presentes nas três fases. O dever de colaborar com o adimplemento do contrato é inerente ao principio da boa-fé objetiva, não sendo lícito, por exemplo, o credor dificultar o adimplemento da obrigação pelo devedor, com o intuito de receber indenização por perdas e danos. O dever de informar também está presente em todas as três fases, sendo que um fabricante que averiguar um defeito em seu produto deve informar àqueles que estão adquirindo tal produto, além dos que já o adquiriram e dos que ainda nem sequer compraram, tendo também o dever de substituir tais produtos por outros não defeituosos. O dever de sigilo, inerente a determinados tipos de contrato, também está presente em qualquer das fases. Um advogado não pode revelar uma causa que lhe é apresentada nem durante, nem depois, e nem mesmo antes da vigência do contrato de prestação de serviços, sendo que, neste último, caso a recuse, não pode revelá-la a ninguém.
O princípio da boa-fé é tão apreciado que não se mantém estritamente no campo do Direito Civil, se estendendo para todas as outras áreas do Direito. Podemos citar vários exemplos da aplicação da boa-fé no Direito Comercial, como no caso de um empresário que vende sua empresa a outra pessoa e que logo depois abre outra do mesmo ramo para fazer concorrência com a antiga. Tal prática, de visível deslealdade,
é punida pela jurisprudência, que tende a estabelecer um prazo para que este não exerça concorrência com relação ao outro.
08. Responsabilidade pré-contratual: pressupostos. Responsabilidade pós- contratual: casos.
i) introdução
No Código Civil de 1916, confeccionado quando do fastígio do Liberalismo, o vínculo contratual – segundo o princípio do pacta sunt servanda, em que imperava a obrigatoriedade dos efeitos contratuais às partes, posto que imperava a autonomia da vontade – era inabalável. Assim, nesse contexto, entendia-se que quem dizia contratual, dizia justo.
Todavia, a estrita observância de tais princípios clássicos acabou por levar a grandes desequilíbrios sociais, situação que clamou pela intervenção do Estado. É em razão dessa constatação que surgem novos princípios contratuais, quais sejam, o da boa-fé, o do equilíbrio e o da função social do contrato, que se fazem presentes no sistema jurídico brasileiro.
O artigo 422 do NCC dispõe sobre a boa-fé objetiva na responsabilidade contratual, representando, pois, a incorporação de tal princípio do direito contratual ao ordenamento brasileiro. Serve esse novo dispositivo a dulcificar o contrato, isto é, para torná-lo mais próximo dos ideais de justiça, mas, segundo o professor Xxxxxxxxx, não é desprovido de incompletude, pois dispõe que:
“Art 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
Note-se que o NCC olvida-se de que o contrato é, em verdade, um processo que começa na fase pré-contratual e vai até a pós-contratual, além da fase contratual propriamente dita e, dessarte, a boa-fé estende-se, igualmente, desde a fase pré- contratual até a fase pós-contratual.
ii) fase pré-contratual
Na fase pré-contratual, a boa-fé serve para criar deveres de lealdade nas tratativas. Assim, se A procura os serviços B e este lhe afirma cobrar 100, deverá fazê- lo, segundo a boa-fé objetiva, a despeito da inexistência de contrato. A boa-fé, portanto, cria deveres não derivados do contrato. Do contrato, ou, antes, do seu vínculo, vem a obrigação e não deveres.
Importante, neste ponto, distinguir obrigações de deveres. O dever é mais genérico, mais leve que a obrigação; constitui manto de proteção contra conduta inesperada do indivíduo com quem se está em vias de contratar. Os deveres podem ser negativos (ex.: o profissional liberal tem o dever negativo de não revelar informações sobre seus clientes) ou positivos (ex.: o profissional deve aconselhar seus clientes).
A responsabilidade pré-contratual sob a luz da boa-fé apresenta 4 pressupostos:
1. expectativa por parte do prejudicado na conclusão do contrato;
2. expectativa consistente, de alguém razoável (bonus pater familias);
3. expectativa deve ser causada pela parte contrária ou pelo menos com a conivência da parte contrária;
4. parte prejudicada investir em função da expectativa, ou seja, a parte prejudicada teve dano por conta da frustração de sua expectativa.
Os três primeiro pressupostos criam expectativas baseadas na confiança; não criam, contudo, base para indenização. Para tanto, carece-se do 4º pressuposto.
A fim de ilustrar esses pressupostos, o professor Xxxxxxxxx relata o caso da Xxxx e dos produtores de tomate, no Rio Grande do Sul. A Cica comprava desses produtores tomates para fabricação de extrato de tomate e, por seu próprio interesse e iniciativa, passou a dar as sementes aos agricultores, de modo que eles cultivassem as variedades mais propícias à industrialização. No entanto, um ano, a Xxxx se recusou a comprar os tomates desses agricultores (que já haviam até cultivado o produto), não
se sentindo obrigada a fazê-lo, pois inexistia contrato. Houve 4 processos contra a Cica, dos quais somente um reconheceu sua responsabilidade pré-contratual.
Porém, o caso é exemplo típico da responsabilidade pré-contratual, apresentando os 4 pressupostos expostos acima. Houve expectativa por parte dos agricultores, tanto é que chegaram a cultivar o tomate, que esperavam vender à Cica – o que corresponde ao primeiro pressuposto. O segundo pressuposto, da razoabilidade da expectativa, também se verifica, uma vez que a Cica já havia comprado tomates desses agricultores anteriormente. Igualmente o terceiro pressuposto da responsabilidade pré-contratual com base na boa-fé objetiva se faz presente no caso, pois fora provocada pela Cica, a qual até fornecera sementes de tomate a serem cultivados para que suas necessidades de produtividade fossem mais bem atendidas. O quarto pressuposto é bastante claro: se os produtores chegaram a plantar os tomates que esperavam vender à Cica, por óbvio é que incorreram em custos, o que se reverteu em danos diante da recusa de contratação da Cica. Com base nesses danos é que se pleiteou a indenização.
Cumpre apontar que a boa-fé objetiva já se fazia presente desde 1990, quando foi promulgado o Código de Defesa do Consumidor, nos artigos 6º e 51. Por ter sido classificada sistematicamente sob o item Publicidade, os consumeristas sustentam que se trata de responsabilidade contratual, opinião não compartilhada pelo Junqueira, que entende haver criação de expectativa (por isso não se pode fazer propaganda abusiva e enganosa) e, logo, alvo de responsabilidade pré-contratual.
iii) fase pós-contratual
Assim como a boa-fé permeia a fase pré-contratual, estende-se à fase pós- contratual. Referem-se os deveres pós-contratuais à sua permanência mesmo após a finalização do contrato, i.e., a satisfação do contratante remanesce como dever a ser mantido pela outra parte mesmo depois de findo o contrato.
Os artigos 10 e 32 do CDC residem nessa área. O artigo 10, § 1º, traz: “Art. 10, § 1º - O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e
aos consumidores, mediante anúncios publicitários”.
Há dever pós-contratual de se alertar o consumidor dos riscos do produto, além de dever agir de modo a impedir os danos potenciais que se apresentam. Tal é o caso do recall dos automóveis, do recolhimento da pílula anticoncepcional Microvlar, do Laboratório Schering, bem como o da Talidomida (medicamento usado nos anos 70 contra mal-estar durante a gestação que tinha como efeito colateral a deformidade dos filhos das consumidoras).
O artigo 32 do CDC também assegura dever pós-contratual: “Art. 32 - Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto”.
Alguns autores sustentam que algumas situações não são pós-contratuais, mas permanecem pós-contratualmente no tempo. É o caso, por exemplo, de uma secretária que deixa de trabalhar em um escritório de advocacia e vai para outro: seu dever de xxxxxx deve permanecer. Igualmente, se há ação rescisória de um julgado, o advogado deve, com base na boa-fé, alertar seu ex-cliente.
Outras situações decorrem justamente do fim do contrato, como o dever de um ex-empregador conferir boas referências ao novo empregador sobre o empregado. É a boa-fé pós-contratual também presente nos contratos de trabalho.
Discute-se se o dever pós-contratual é contratual ou extracontratual. Para o Xxxxxxxxx, é contratual, pois decorre do contrato ou da lei.
09. Boa-Fé Na Fase Contratual Propriamente Dita (Funções Pretorianas). Contratos Empresariais E Pessoais.1 (Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx X. Sakai.)
Aos três princípios do direito contratual, originários do século passado, referentes à autonomia da vontade (princípio da liberdade contratual lato sensu, obrigatoriedade dos efeitos contratuais e relatividade dos efeitos contratuais) somam- se outros três novos princípios: equilíbrio contratual, função social do contrato e boa- fé objetiva. Cumpre-nos analisar este último.
A boa-fé objetiva se estende desde a fase pré-contratual à pós-contratual. Na fase contratual propriamente dita, cerne de nossa análise, alguns deveres, como de informação, lealdade, sigilo, proteção, existem paralelamente ao vínculo contratual – são deveres anexos (implied terms) ao que foi expressamente pactuado. A relação linear entre os contratantes fica envolvida por esses deveres anexos criados pela boa- fé objetiva.
No Direito Romano, o Direito Civil estrito era corrigido e complementado pelo Direito Pretoriano. O pretor, às vezes, ajudava, supria e até mesmo corrigia o Direito Civil – o direito pretoriano veio adjuvandi, supplendi, vel corrigendi juris civilis gratia. Analogicamente, o princípio da boa-fé tem funções “pretorianas” em relação ao contrato: ajuda na interpretação do contrato, supre algumas falhas e corrige alguma coisa que não é justa.
Em primeiro lugar, o princípio da boa-fé reforça a autonomia da vontade, pois auxilia na busca da verdadeira vontade dos contratos. O NCC explicita a boa-fé no âmbito da interpretação dos contratos (art.113). Na realidade, esse princípio já vinha sendo aplicado na jurisprudência, em conformidade com o art. 85 do Código Civil de 1916 (atender à intenção mais do que a literalidade).
A segunda função do princípio da boa-fé refere-se às lacunas dos contratos. É a função suplente da boa-fé, na medida em que, mediante uma omissão, falta de previsão ou incapacidade redacional, invoca-se os costumes e hábitos da sociedade. Os americanos chamam essa função de contextual, recorrendo-se principalmente aos costumes. Segundo Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx, a boa-fé é remissiva aos usos e costumes. Xxxxxxxxx acredita que só é remissiva na função supplendi, mas não nas demais (adjuvandi e corrigendi).
A terceira função é a corretora. No momento da conclusão, as partes podem entrar em disparidade, tal como ocorre com as chamada “cláusulas surpresas”. Em matéria de consumo ou em contratos em que há uma parte fraca, não se deve recorrer aos usos e costumes, pois as cláusulas serão impostas pela parte mais forte. Nesse caso, portanto, as funções supplendi e corrigendi devem estar conjugadas.
O princípio da boa-fé corrige contratos que contenham cláusulas que podem se tornar abusivas. Apesar da função corrigendi não estar presente no NCC, o Código de Defesa do Consumidor contém vasto elenco sobre cláusulas abusivas (art. 51) – essas estão presentes geralmente em contratos de adesão. Entretanto, pode haver contrato de adesão fora do campo do consumidor. Não parece lógico que a aplicação da boa-fé seja aplicada da mesma forma em todos os contratos de adesão, indistintamente. Não está havendo uma adaptação do jurista à realidade.
Nesse âmbito, o Professor Xxxxxxxxx acredita que o contrato de adesão foi uma figura que surgiu no século XX, mas está ultrapassada. Segundo a concepção do século passado, nos contratos em que não há discussão prévia entre as partes, os contratantes não estariam em pé de igualdade; nos que há essa discussão, sim. Entretanto, Xxxxxxxxx propõe uma nova dicotomia: contratos empresariais e contratos pessoais.
O problema que envolve contratos empresariais é distinto daqueles que ocorre em contratos pessoais. Se eventualmente, em um contrato empresarial, uma das
1 - Anotações de aula.
- Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx, Xxxxxxx, Insuficiências, deficiências e desatualização do Projeto de Código Civil na questão da boa-fé objetiva dos contratos, RTDC, vol. 01, jan/mar 2000.
- Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx, Xxxxxxx, Princípios do novo Direito Contratual (...), RT 750 (1998), pp 113- 120.
- Menezes Cordeiro, Da Boa-fé do Direito Civil.
partes tiver prejuízo, poderá ir à falência, por exemplo. Por outro lado, no contrato pessoal, o contratante realiza a declaração de vontade em interesse próprio, visando suas necessidades, mas sem fins lucrativos – a sua dignidade da pessoa humana deve estar em primeiro lugar, portanto não se pode negar-lhe proteção diferenciada.
10. Cláusulas abusivas e boa-fé. O sistema brasileiro de cláusulas abusivas no CDC. O Código Civil e as cláusulas abusivas. (Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx)
Frente ao massificado mercado de consumo da modernidade, é mister que se imponha uma nova e atualizada maneira de observar a vida hodierna, sendo fato inconteste que o contrato constitui hoje mecanismo fundamental para a circulação rápida e eficaz de riquezas, bem como elemento imprescindível para a dinamização das relações sociais. Entretanto, as parte podem, às vezes, estar em flagrante disparidade, o que se evidencia com a inclusão no negócio de cláusulas caracterizadas como abusivas.
Os alemães costumam elucidar o tópico atinente às cláusulas abusivas a partir do exemplo, por eles denominado, das cláusulas surpresas. Certo é que não é tarefa fácil estabelecer com exatidão quais cláusulas são abusivas dentro do universo dos contratos. Compete, portanto, ao magistrado exercitar as prerrogativas emanadas da função corregendi da boa-fé objetiva como meio hábil de combater a abusividade oriunda de contratos em que há abuso de direito, por parte de um dos contratantes. A doutrina portuguesa, sobretudo Menezes Cordeiro, prefere fazer uso, em razão de maior amplitude, da expressão abuso de situação jurídica quando se propõe a enfocar o tema. Há de se observar que a resilição unilateral dos contratos, amparada pela liberdade de contratar, remete a uma faculdade, e não a um direito subjetivo.
A noção de abuso de direito está intimamente arraigada aos conceitos de direitos, pois abusar significa exercer de maneira desproporcional e contrária aos critérios da igualdade determinada conduta reconhecida, em princípio, como lícita. O abuso deve ser reconhecido sempre que um titular de direito escolhe o que é mais danoso para outrem, não sendo mais útil para si ou adequado para o espírito da instituição, ocorrendo, particularmente, no caso das pessoas jurídicas, sempre que o exercício de direitos venha a ferir a finalidade social a que se destina a empresa. Outrossim, o consumidor, presumivelmente parte mais fraca do negócio, igualmente pode cometer abusos, os quais devem ser reprimidos, exatamente para que tais excessos não venham a onerar as relações de consumo.
No tocante ao abuso de direito ou abuso de situação jurídica, como reza a definição portuguesa, nota-se que o Código Civil de 1916 não trouxe expressa menção a essa figura, todavia, pode-se inferi-la, de maneira indireta, num raciocínio a contrario sensu a partir da interpretação do seu art. 160. Por outro lado, o Novo Código Civil faz clara e indubitável previsão acerca da matéria, é o que se constata da exegese do art. 187 do mencionado Documento Legislativo (art. 187 – “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”).
Nas relações de consumo, os abusos por meio de fornecedores podem acontecer de inúmeras maneiras, seja na publicidade (art. 37, § 2°, do CDC), seja na oferta (arts. 30 e 31 do CDC), nas situações discriminadas no art. 39 do Código de Defesa do Consumidor e, principalmente, nos contratos, cujas previsões, predominantemente, estão nos arts. 51 e seguintes da Lei Protetiva. A análise da problemática dos contratos, em específico, demonstra a prodigalidade do ser humano na criação de situações enganosas, com o objetivo de auferir vantagens indevidas. Para tanto, basta que sejam relevadas as características dos contratos de adesão, os quais possuem em sua natureza predicados que naturalmente já colocam o consumidor em posição de manifesta inferioridade e permitem a inclusão de cláusulas abusivas. Todavia, deve-se ter em vista que nem todo contrato que envolva relação de consumo é considerado como sendo de adesão, já que os consumidores podem recorrer a contratos combinados, quando conveniente. Da mesma forma, os contratos de adesão não estão limitados unicamente aos negócios que envolvam consumidores, podem ser empregados nos contratos celebrados entre empresas,
por exemplo. Ademais, alguns contratos tidos como paritários podem conter cláusulas de adesão, é o que acontece em alguns casos de locação, exigindo-se, assim, proteção ao locatário que, embora não consumidor, é suscetível a um possível abuso de situação jurídica por parte do locador.
A dicotomia erigida no século XX tinha os contratos divididos entre os contratos em que havia discussão prévia das partes em relação às cláusulas da avença e os contratos em que esse entendimento entre os contraentes era inexistente. Tal noção, de acordo com Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx, está ultrapassada e, diante disso, deve o jurista se adaptar à realidade atual – protege-se o consumidor nos contratos de adesão e, muitas vezes, não se atenta para os contratos paritários em que uma das partes é hipossuficiente.
Uma nova dicotomia, na concepção do professor Xxxxxxxxx, tomou corpo diante do desenvolvimento das relações econômico-sociais. Os contratos devem ser compreendidos numa tipologia dúplice: Contratos Pessoais e Contratos Empresariais. No primeiro caso, pelo menos uma das partes não persegue lucro; procura-se a satisfação de necessidades existenciais, nesses contratos tem-se paralelismo com os contratos de consumo, tal qual ocorre nos contratos de trabalho, locação etc. Nos considerados contratos empresariais, já há, por excelência, um equilíbrio entre as partes, além de ser visível que os contratantes estão sempre voltados para a consecução do lucro, isto é, propagam a economicidade.
Assim, nos contratos pessoais, em que não se pode negar o desequilíbrio entre as partes do negócio, o juiz deve conferir maior rigor ao princípio da boa-fé objetiva, no sentido de procurar corrigir prováveis abusos usando da boa-fé objetiva, uma vez que não há como afastar a dignidade humana, em especial quando existe hipossuficência de uma das partes. Nos contratos empresariais não há lugar para o magistrado suprir a vontade dos contratantes, porque estaria incorrendo em prejuízo para a concorrência e dando margem para concretização de um descompasso da principal finalidade do contrato, qual seja, atribuir veste jurídica ao mundo econômico.
É necessário que nos contratos haja um equilíbrio entre prestação e contra- prestação. Sabe-se, hoje, que muitos dos contratos não mais se enquadram nos moldes definidos pela legislação – diz-se que os contratos atípicos não mais são exceção, em muitos casos, transformaram-se em regra. Desse modo, estando deslocados dos parâmetros outrora estabelecidos, os negócios jurídicos devem ser regidos pelos princípios gerais do direito. Nesse ínterim, identifica-se deficiência sensível no Novo Código Civil quanto à aplicação do princípio da boa-fé na fase contratual, haja vista que o Documento nada dispõe acerca da correção das cláusulas abusivas por intermédio desses princípios. É interessante ponderar, ainda, que o operador do direito, frente a qualquer abuso de situação jurídica, deve valer-se da boa- fé objetiva, ligando-a aos princípios do equilíbrio contratual e da função social do contrato, para sanar possíveis prejuízos remetidos aos contratantes.
As cláusulas abusivas elencadas no Código de Defesa do Consumidor não possuem origem desconhecida do Direito Civil. A propósito, historicamente, sempre estiveram presentes no universo estudado pelos civilistas. O Código Civil traz algumas das referidas cláusulas em seus artigos, a título de exemplo, vale citar a proibição de cláusula leonina no contrato de sociedade. O Documento de 1916 considerava eivado pela nulidade a condição puramente potestativa, sob o fundamento de se configurar abuso. Prosseguindo o Código de 1916, diante de determinadas circunstâncias, poderia ou não considerar abusiva 04 tipos de cláusulas, a saber: (a) cláusula penal; (b) cláusula de não-concorrência, restringindo fortemente a liberdade contratual, ou cláusula de exclusividade, limitando em demasia a atividade econômica; (c) cláusula de não-indenizar; e (d) cláusula de resilição – existe, inclusive, previsão no Novo Código Civil vedando a abusividade na renúncia do contrato, art.473, § único.
No Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, encontra-se um sistema de repressão às cláusulas abusivas que recebe a denominação de sistema eclético, haja vista que seus fortes traços de influência advinda do sistema francês e alemão são facilmente aferidos. Pelo disposto no art. 51 do CDC, o juiz tomando por base o desenvolvimento do mundo atual, decreta nula a cláusula que lesione a boa-fé –
orientação alemã, vide inciso IV do presente artigo -, sendo também patente a constante preocupação no combate de desequilíbrios entre direitos e deveres – orientação francesa, ordenada em variados incisos.
Por fim, cabe observar que o dispositivo do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor traz um rol exemplificativo, em numerus apertus, das cláusulas contratuais abusivas. Em consonância com essa tendência, o Ministério da Justiça, recentemente, promoveu a listagem dos abusos praticados pelas empresas do ramo de Convênios Médicos, via de regra pela inclusão dessas cláusulas que viabilizam o abuso de direito. A meritória medida visa à proteção dos consumidores, bem como à correção de tal prática, inibindo-a não só no âmbito dos Planos de Saúde. Nesse diapasão, deve-se reconhecer que tal prática já vinha sendo consagrada de longa data pela jurisprudência nacional.
10. Cláusulas abusivas e boa-fé. O sistema brasileiro de cláusulas abusivas no CDC. O Código Civil de 2002 e as cláusulas abusivas
A boa-fé possui três conhecidas funções: adjuvandi, corrigendi e supplendi. Destas, a que toma maior relevância, ao se tratar das cláusulas abusivas, é a de corrigir os contratos. É a função corrigendi da boa-fé que sana o abuso da posição jurídica na fase posterior à conclusão dos contratos. Isto porque, no momento de conclusão do contrato, se uma das partes têm maior conhecimento técnico, a disparidade na negociação contratual pode levar à inclusão de cláusulas abusivas. Justamente para corrigir este tipo de abuso utliliza-se a boa-fé.
A mencionada disparidade de conhecimento entre os contratantes, especialmente observada nas relações de consumo, faz com que muitos entendam que a identificação e a correção do abuso de direito somente possa ser feita nesse tipo de relação, mais precisamente nos conhecidos contratos de adesão. Todavia, as hipóteses não se restringem ao âmbito consumeirista ou aos contratos de adesão, uma vez que podemos identificar contratos, com cláusulas abusivas passíveis de correção através da boa-fé, também no âmbito civil. Ficando claro que a concepção dos contratos de adesão em oposição aos contratos em que se discutem as cláusulas, como forma de se estabelecer quais podem ser revistos pela alegação de cláusulas abusivas, está ultrapassada. De acordo com o Prof. Xxxxxxxxx, a dicotomia deve ser estabelecida entre contratos pessoais e empresariais. Nos primeiros, uma das partes não finalidade lucrativa, visando à satisfação de uma necessidade existencial ao contratar, v.g., contratos de locação e contratos de consumo. Nestes, o juiz pode corrigir cláusulas consideradas abusivas, buscando proteger a parte mais fraca, independentemente de ser ou não um contrato de adesão ou uma relação de consumo. Em contrapartida, nos contratos empresariais, o magistrado não teria essa função corretiva, uma vez que não se pode desequilibrar a luta pela concorrência.
O Código Civil de 1916 não traz, de maneira direta, o abuso de direito e as formas de corrigi-lo. No entanto, pode-se inferi-lo do art. 160, considerando-se que constitui ato ilícito o exercício abusivo de um direito. O Novo Código Civil traz dispositivo que trata explicitamente do abuso de direito (art.187) nas hipóteses de quebra da boa-fé, da razão econômica do contrato e dos bons costumes, proibindo também abusos no momento de denúncia do contrato.
No direito civil, como um todo, há quatro tipos de cláusulas abusivas (ou que podem se prestar ao abuso):
1)Cláusula penal: se excessiva, o juiz pode corrigi-la;
2)Cláusula de não-concorrência: pode significar forma de restrição à liberdade individual, dependendo do período fixado ou extensão territorial compreendida; 3)Cláusula de exclusividade: caso seja muito limitativa, pode ferir a livre iniciativa; 4)Cláusula de não-indenizar: em certos casos é considerada nula (caso de dolo; quando a lei a proíbe, como nos contratos de transporte; quando desnatura o contrato; quando se refere a danos à integridade física das pessoas). Sendo que o Código de Defesa do Consumidor proíbe qualquer cláusula de não-indenizar que prejudique o consumidor.
O CDC traz o extenso artigo (art. 51) dedicado às cláusulas abusivas. Tal artigo é extremamente eclético, envolvendo orientação da doutrina alemã, v.g., inc. IV,
pautado pela boa-fé (comportamento leal, usos e costumes); bem como orientação francesa destinada a verificar os desequilíbrios entre direitos e deveres, estando visível no inc. XI e ainda nos incisos I e II com menor clareza.
11. Os princípios do equilíbrio contratual e figuras que o concretizam. A lesão no código civil de 2002 e no CDC.
Antes de iniciarmos no tema propriamente dito, é mister ter uma clara noção da distinção entre o princípio da boa-fé objetiva e o princípio do equilíbrio contratual. Alguns autores, como MEHREN, não fazem tal distinção, outros como LARENZ fazem a análise dos institutos em separado2. O princípio da justiça contratual prega que deve haver uma relação de equilíbrio entre prestação e contraprestação nos contratos comutativos, que, segundo XXXXXXXX XXXXXXX, são os mais importantes de todos os contratos; realmente não haveria porque se falar em equilíbrio contratual nos contratos gratuitos, onde só há transferência patrimonial de uma das partes3.
De acordo com XXXXXXXXX XX XXXXXXX, tal princípio envolve aquilo que poderíamos chamar de equidade; mas para o completo entendimento do assunto é mister a feitura de algumas distinções para se poder determinar qual seria o equilíbrio, haja vista que pelo princípio da autonomia da vontade as partes são livres para contratar.
A primeira distinção a ser feita é entre a chamada justiça formal e a justiça substancial.
A justiça formal vincula-se à igualdade no processo de contratação, id est, garantida a posição pré-contratual, cada parte estará em condições de defender de forma adequada os sua vontade, no contrato resultante; então, as partes defenderiam seus interesses4 e o contrato resultante asseguraria o equilíbrio da justiça5.
A justiça substancial (ou no dizer de LARENZ compensatória) não se contenta com esta igualdade meramente formal das partes; busca assegurar o efetivo equilíbrio entre direitos e obrigações de cada delas. Tal equilíbrio é conseguido quando cada uma das partes recebe benefícios que sejam adequados e equivalentes com os sacrifícios que assumem.
Logicamente o princípio da justiça contratual, ou como prefere XXXXXXXXX XX XXXXXXX, vincular-se-á à noção de justiça substancial.
Outra distinção necessária ocorre entre a justiça substancial objetiva e
subjetiva.
A justiça substancial subjetiva ocorre toda vez que cada uma das partes
recebe benefícios iguais ou maiores do que os sacrifícios que tiverem assumindo. Esta ligada com a área do contentamento.
*Para esta exposição, não foi seguida metodologia alguma, mesmo porque a feitura do ponto não tem cunho científico; é recomendada apenas como um paliativo para a preparação para a prova. Recomendo que não seja estudado somente o ponto, melhor seria complementar com caderno, manuais e monografias. Bom estudo!!!!
*Agora uma mensagem para a Vaxxxxx: parabéns e obrigado pelo caderno.
2 Reparem, no entanto, que LAXXXX, assim como FEXXXXXX XXXXXXX, não utiliza a terminologia “junqueiriana” de princípio do equilíbrio contratual, prefere a denominação de princípio da justiça contratual, devido a isto, quando for utilizada esta última denominação entendam como sinônimo da primeira.
3 As classificações dos contratos serão feitas em pontos posteriores.
4 Cabe agora a distinção entre interesse típico e subjetivo. De acordo com LUXXXXXX XXXXXXX, o interesse típico é aquele ao que objetivamente é destinada a prestação, segundo a sua natureza idônea a satisfazê-lo. Já o subjetivo é o escopo que realmente cada credor, individualmente procura satisfazer com a estipulação do contrato.
5 Notem que a defesa da justiça formal está ligada com o auge do princípio da autonomia da vontade, século XIX, onde podemos resumir sua idéia pela frase tantas vezes repetida por JUXXXXXXX XX XXXXXXX xm aula: “quem diz contratual, diz justo” (perdoem-me, mas não encontrei o autor que fez tal afirmativa).
Já do ponto de vista objetivo será necessário que cada parte, em troca dos compromissos que assume, obtenha benefícios que contrabalancem, de forma adequada, id est,de forma aproximadamente equivalente, os seus encargos.
O princípio da justiça contratual ligar-se-á à justiça substancial
objetiva.
Mister se faz agora distinguir princípio da justa distribuição de ônus e
riscos e o princípio objetivo da equivalência.
O princípio objetivo da equivalência era o fundamento da teoria escolástica do justum pretium, id est, não sendo o preço justo, o comprador poderia invocar “lesão” e requerer a anulação do contrato. Tal princípio foi desacreditado pela doutrina liberal, mas permanece subjacente a diversos preceitos legais (v.g. art. 866 do atual código civil), como defende FEXXXXXX XXXXXXX0. Este princípio influenciou a teoria da imprevisão e a correção monetária.
Já o princípio da justa distribuição de ônus e riscos diz respeito à possibilidade de distribuição de ônus e riscos.
Agora, já é possível estabelecer considerações acerca do alcance do princípio da justiça contratual.
O alcance do princípio da justiça contratual muitas vezes se contrapõe aos demais princípios (boa-fé, autonomia da vontade, et cetera).
Para equilibrar o princípio da justiça contratual com os outros princípios deve-se presumir a justiça substancial a partir da formal, id est, garantidas as condições para a realização da justiça formal, é de se presumir que o contrato seja justo, já que em geral são as partes quem estão em melhores condições para avaliar se a prestação e a contraprestação se equilibram; também se os ônus e riscos estão divididos de forma eqüitativa.
A presunção só não ocorre quando não houver outras razões como (vícios de consentimento e incapacidades), ou quando, ainda que tais condições estejam presentes, outros fatores efetivamente, gerem gritante desproporção entre prestação e contraprestação.
O instituto da lesão, assim como o do estado de perigo, é utilizado quando os contratos forem manifestamente iníquos. Tais ocorrem quando o desequilíbrio entre prestação e contraprestação for de tal forma evidente, que desde a celebração do contrato este não deverá valer.
Do parágrafo acima cabe ressaltar uma distinção feita por JUXXXXXXX XX XXXXXXX xntre a lesão e a revisão contratual. Na lesão o desequilíbrio ocorre já no momento de contratar. Já a revisão é utilizada para evitar desequilíbrios.
Quando nos referimos à lesão não estamos tratando das conseqüências do inadimplemento, mas de um instituto de mais de 2000 anos. No digesto, Dixxxxxxxxx xá previu que, se algo valia 100, e o vendedor vendeu por 50, ele poderia pedir a rescisão do contrato, por se tratar de desproporção evidente.
Segundo JUXXXXXXX XX XXXXXXX, já houve quem dissesse que a exploração só seria efetivada caso o preço pago fosse inferior a 50%. De acordo com o mesmo doutrinador, havia aqueles que, contrariando a idéia apresentada acima, utilizavam o argumento de que com a estipulação de 50%, somente o vendedor seria beneficiado; outros, ainda, afirmavam que tal regra só valia para bens imóveis.
Ao se considerar a idéia de 50% para ser caracterizada a lesão chegamos à classificação proposta por JUXXXXXXX XX XXXXXXX. A consideração de um limite pré-fixado, no caso 50%, determina o caso típico da lesão enorme que somente ocorre quando houver desproporção ultra dimidium (mais da metade). Foi típica da idade Média e chegou a fazer parte das Ordenações.
Cabe ressaltar que até o código Civil de 1916, a legislação privada era regulada pelas Ordenações Filipinas7.
Nesta época, TEIXEIRA DE FREITAS admitia a lesão enorme em contratos oneroso, mas não na transação, pois nesta existem recíprocas concessões, contudo, ele próprio muda de idéia posteriormente e passa aceitar a lesão também na transação.
6 Esta posição não é aceita pelo professor JUXXXXXXX XX XXXXXXX.
7 Cabe ressaltar quanto a esta questão a consolidação das leis civis feita por TEXXXXXX XX XXXXXXX.
O Código Civil de 1916, altamente influenciado pela idéia do liberalismo, do pacta sunt servanda, que pode ser resumido pela idéia de “quem diz contratual diz justo”, aboliu o instituto da lesão por considerá-lo fator de insegurança para o contrato. CAXX XXXXX XX XXXXX XXXXXXX, contudo, lembra da lei no 1511/51, sobre os crimes contra a economia popular, a conduta considerada como crime de “obter ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade da outra parte, lucro patrimonial que exceda o 5o valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida”8.
Isto fica claro, pela alusão aos defeitos dos negócios jurídicos. O Código considera apenas o dolo, a fraude contra credores, a coação e a simulação.
Já no Código civil de 2002, a simulação deixa de ser hipótese de anulação, passa a ser de nulidade. O novo Código prevê a lesão, mas a chamada lesão especial, a qual especificarei a frente, quando se refere aos defeitos do ato jurídico.
Mister agora, enfatizar dois outros tipos de lesão. São eles a lesão qualificada e a lesão especial.
A diferença está em como se concretiza a lesão. Na lesão qualificada é mister além da desproporção, o dolo de aproveitamento. Tal tipo é previsto no BGB; sua inserção foi devida a influências da bancada socialista.
A lesão especial, prevista no novo Código Civil9, ocorre quando houver desproporção sem limites fixados, cabendo aos juízes avaliar se a prestação é manifestamente iníqua; exige-se também a necessidade ou inexperiência da outra parte10.
11. O princípio do equilíbrio contratual e figuras que o concretizam. A lesão: histórico, espécies. A lesão no Código Civil de 2002 e no CDC.
O princípio do equilíbrio contratual é um dos chamados modernos princípio do direito contratual, ao lado da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Esse princípio tem como base o sinalagma, a bilateralidade dos contratos. Entre a prestação e a contraprestação, objetos de um determinado contrato, não pode haver grande disparidade, de maneira que uma das partes fique excessivamente onerada. Esse princípio somente se aplica aos contratos onerosos, não sendo cabível na análise de contratos gratuitos.
Figura da lesão é um exemplo de disparidade entre as prestações de cada contratante e a rescisão lesionária apresenta-se como restabelecimento do equilíbrio contratual. A figura surge através de uma interpolação de Maxxxxxxxxx (Lei Segunda), aparece posteriormente nas Ordenações Filipinas, é subtraída pelo Código Civil de 1916, em função da supremacia da autonomia da vontade, e aparece novamente no Código de Defesa do Consumidor e agora no Novo Código Civil ao lado dos vícios dos negócios jurídicos. As Ordenações Filipinas definiam como “lesão enorme” a venda de um objeto por menos da metade de seu preço justo. Após a omissão do Código de 1916, algumas leis penais regulamentaram o instituto, através de leis como a Lei da Usura, mas trata-se de típica matéria civil.
Podemos definir dois tipos de lesão: a lesão objetiva e a lesão qualificada. Esta requer dois elementos, o subjetivo e objetivo, ao passo que aquela apenas exige o elemento objetivo. Elemento subjetivo é o que chamamos “dolo de aproveitamento” e trata-se do abuso da necessidade, da inexperiência ou da leviandade de uma das
8 Quanto ao tema, é importante lembrar que a lei é posterior ao Código Civil. Mister também lembrar que há grande discussão sobre a natureza desta norma (se é civil, penal, ...).
9 Da Lesão
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
10 Reparem que não é exigido o dolo de aproveitamento.
partes pela outra. O elemento objetivo, por sua vez, é a simples desproporção exagerada entre prestação e contraprestação.
Poderíamos dizer que o abuso da inexperiência da outra parte assemelha- se ao dolo e que o abuso da necessidade para a conclusão de um contrato se aproxima da coação, entretanto, o instituto da lesão não é propriamente um vício de vontade, não há discrepância entra a vontade interna e a vontade declarada, além de a prova de que ouve lesão ser mais fácil do que a de que houve dolo ou coação, já que o elemento subjetivo da lesão é mais tênue.
O Código de Defesa do Consumidor, seguindo a linha de proteção do fraco econômico contra a exploração do forte, previu em seu artigo 51 §1o, II o exagero das cláusulas que ameacem o equilíbrio contratual, bem como em seu artigo 6o, V e em tantos outros que visam a evitar que o consumidor seja colocado em excessiva desvantagem. Não se trata propriamente de lesão qualificada, uma vez que não há menção expressa à necessidade do elemento subjetivo, mas levando em consideração que o próprio CDC presume a consumidor como parte vulnerável, pode-se dizer que o elemento subjetivo é presumido pelo Código e que, portanto, caracteriza-se a lesão qualificada.
O Código civil de 2002, em seu artigo 157, trata da caracterização da lesão. A previsão trazida pelo Novo Código não é de lesão qualificada, ou seja, não se exige o dolo de aproveitamento, basta a desproporção, o desequilíbrio contratual. A previsão do nosso Novo Código ficou mais abrangente que a do BGB, uma vez que não há necessidade do dolo de aproveitamento. O parágrafo 138 do BGB é considerado o responsável pela concepção moderna do que vem ser lesão.
Caracterizando-se a lesão nos casos de Direito do Consumidor, tem-se a nulidade das cláusulas responsáveis pelo desequilíbrio, ao passo que o Código de 2002 prevê duas possibilidades: 1) a anulabilidade de contrato lesivo ou 2) o pagamento de um suplemento que seja suficiente para restabelecer o equilíbrio contratual, ou seja, a complementação do justo preço.
Assim, podemos considerar a inclusão da lesão no Código Civil um avanço em benefício da parte mais fraca e uma moderação da autonomia da vontade, tão conclamada à época do Código Civil anterior.
12. Estado de perigo no código de 2002.
O Código Civil de 2002 traz inovações no capítulo em que trata dos defeitos do negócio jurídico. Além das figuras do erro, dolo, coação, simulação e fraude contra credores – presentes na lei de 1916 – o novo Código apresenta o estado de perigo e a lesão.
Estado de perigo, colocado na lei atual com inspiração no Código Civil italiano, é definido no art 156: é a situação na qual alguém, premido de necessidade de salvar- se, ou pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume a obrigação excessivamente onerosa.
Deste modo, dois pressupostos podem ser inferidos da letra da lei. Em primeiro, uma excessiva onerosidade na prestação, a qual só é paga devido a grave situação em que a pessoa, ou seu parente se encontre. Em segundo, quem cobra o valor desproporcional deve ter consciência da delicada posição em que a outra parte se encontra para que se configure o estado de perigo.
A lesão e o estado de perigo são institutos muito próximos, sendo, às vezes, muito difícil diferencia-los. Entretanto, a característica que os distingue é clara: enquanto no estado de perigo aquele que cobra excessivamente sabe da grave situação que aflige a outra parte, na lesão esta consciência não é fundamental, podendo a lesão ocorrer por inexperiência entre as partes, por exemplo.
Ademais, o estado de perigo se assemelha à coação em função do frágil estado psicológico daquele que assume a obrigação.
Por fim, há de se relacionar o estado de perigo com o princípio do equilíbrio contratual, uma vez que a excessiva onerosidade fere tal princípio.
12. Estado de perigo no Código Civil de 2002.
Antes de iniciarmos no tema propriamente dito, é mister ter uma clara noção da distinção entre o princípio da boa-fé objetiva e o princípio do equilíbrio contratual. Alguns autores, como MEHREN, não fazem tal distinção, outros como LARENZ fazem a análise dos institutos em separado11. O princípio da justiça contratual prega que deve haver uma relação de equilíbrio entre prestação e contraprestação nos contratos comutativos, que, segundo FEXXXXXX XXXXXXX, são os mais importantes de todos os contratos; realmente não haveria porque se falar em equilíbrio contratual nos contratos gratuitos, onde só há transferência patrimonial de uma das partes12.
De acordo com JUXXXXXXX XX XXXXXXX, tal princípio envolve aquilo que poderíamos chamar de equidade; mas para o completo entendimento do assunto é mister a feitura de algumas distinções para se poder determinar qual seria o equilíbrio, haja vista que pelo princípio da autonomia da vontade as partes são livres para contratar.
A primeira distinção a ser feita é entre a chamada justiça formal e a justiça substancial.
A justiça formal vincula-se à igualdade no processo de contratação, id est, garantida a posição pré-contratual, cada parte estará em condições de defender de forma adequada os sua vontade, no contrato resultante; então, as partes defenderiam seus interesses13 e o contrato resultante asseguraria o equilíbrio da justiça14.
A justiça substancial (ou no dizer de LARENZ compensatória) não se contenta com esta igualdade meramente formal das partes; busca assegurar o efetivo equilíbrio entre direitos e obrigações de cada delas. Tal equilíbrio é conseguido quando cada uma das partes recebe benefícios que sejam adequados e equivalentes com os sacrifícios que assumem.
Logicamente o princípio da justiça contratual, ou como prefere JUXXXXXXX XX XXXXXXX, vincular-se-á à noção de justiça substancial.
Outra distinção necessária ocorre entre a justiça substancial objetiva e
subjetiva.
A justiça substancial subjetiva ocorre toda vez que cada uma das partes
recebe benefícios iguais ou maiores do que os sacrifícios que tiverem assumindo. Esta ligada com a área do contentamento.
Já do ponto de vista objetivo será necessário que cada parte, em troca dos compromissos que assume, obtenha benefícios que contrabalancem, de forma adequada, id est,de forma aproximadamente equivalente, os seus encargos.
O princípio da justiça contratual ligar-se-á à justiça substancial
objetiva.
Mister se faz agora distinguir princípio da justa distribuição de ônus e
riscos e o princípio objetivo da equivalência.
O princípio objetivo da equivalência era o fundamento da teoria escolástica do justum pretium, id est, não sendo o preço justo, o comprador poderia
*Para esta exposição, não foi seguida metodologia alguma, mesmo porque a feitura do ponto não tem cunho científico; é recomendada apenas como um paliativo para a preparação para a prova. Recomendo que não seja estudado somente o ponto, melhor seria complementar com caderno, manuais e monografias. Bom estudo!!!!
*Agora uma mensagem para a Vaxxxxx: parabéns e obrigado pelo caderno.
11 Reparem, no entanto, que LAXXXX, assim como FEXXXXXX XXXXXXX, não utiliza a terminologia “junqueiriana” de princípio do equilíbrio contratual, prefere a denominação de princípio da justiça contratual, devido a isto, quando for utilizada esta última denominação entendam como sinônimo da primeira.
12 As classificações dos contratos serão feitas em pontos posteriores.
13 Cabe agora a distinção entre interesse típico e subjetivo. De acordo com LUXXXXXX XXXXXXX, o interesse típico é aquele ao que objetivamente é destinada a prestação, segundo a sua natureza idônea a satisfazê-lo. Já o subjetivo é o escopo que realmente cada credor, individualmente procura satisfazer com a estipulação do contrato.
14 Notem que a defesa da justiça formal está ligada com o auge do princípio da autonomia da vontade, século XIX, onde podemos resumir sua idéia pela frase tantas vezes repetida por JUXXXXXXX XX XXXXXXX xm aula: “quem diz contratual, diz justo” (perdoem-me, mas não encontrei o autor que fez tal afirmativa).
invocar “lesão” e requerer a anulação do contrato. Tal princípio foi desacreditado pela doutrina liberal, mas permanece subjacente a diversos preceitos legais (v.g. art. 866 do atual código civil), como defende FEXXXXXX XXXXXXX00. Este princípio influenciou a teoria da imprevisão e a correção monetária.
Já o princípio da justa distribuição de ônus e riscos diz respeito à possibilidade de distribuição de ônus e riscos.
Agora, já é possível estabelecer considerações acerca do alcance do princípio da justiça contratual.
O alcance do princípio da justiça contratual muitas vezes se contrapõe aos demais princípios (boa-fé, autonomia da vontade, et cetera).
Para equilibrar o princípio da justiça contratual com os outros princípios deve-se presumir a justiça substancial a partir da formal, id est, garantidas as condições para a realização da justiça formal, é de se presumir que o contrato seja justo, já que em geral são as partes quem estão em melhores condições para avaliar se a prestação e a contraprestação se equilibram; também se os ônus e riscos estão divididos de forma eqüitativa.
A presunção só não ocorre quando não houver outras razões como (vícios de consentimento e incapacidades), ou quando, ainda que tais condições estejam presentes, outros fatores efetivamente, gerem gritante desproporção entre prestação e contraprestação.
O instituto da lesão, assim como o do estado de perigo16, é utilizado quando os contratos forem manifestamente iníquos. Tais ocorrem quando o desequilíbrio entre prestação e contraprestação for de tal forma evidente, que desde a celebração do contrato este não deverá valer.
Resta saber agora a amplitude do instituto estado de perigo17. Este nada mais é do que a possibilidade de anulação ou revisão contratual originada por uma desproporção entre prestação e contraprestação fundamentada na necessidade que leva alguém a praticar um negócio excessivamente oneroso. Assim como o instituto da lesão, tem previsão expressa no novo Código Civil18, e suas particularidades serão analisadas adiante. Agora, seguindo as lições de EMXXXX XXXXX xamos explicar com exemplos.
O estado de perigo ocorre quando uma pessoa oferece um valor acima do razoável por um remédio em falta no mercado, com a finalidade de suprir uma necessidade sua ou de alguém de sua família. Pode acontecer ainda se alguém vende algo por valor muito inferior devido à urgência em conseguir o dinheiro, isto é possível, v.g., um pai vende a casa por um valor muito inferior ao de mercado para pagar o resgate de um filho seqüestrado. Acontece, que neste último exemplo poderia ser discutido se se trata de estado de perigo ou lesão.
O novo Código Civil assume como pressupostos do estado de perigo,
além do “perigo” atual, a prestação excessivamente onerosa.
Notem que o estado de perigo não se refere apenas à pessoa ou a sua família, como está expresso no novo código, de acordo com JUNQUEIRA DE AZEVEDO, o perigo pode ocorrer para um amigo querido, ou alguém muito íntimo, o juiz deve determinar caso a caso.
É mister também ressaltar que o Código Civil italiano não prevê expressamente o estado de perigo. Há sim previsão expressa proibindo enriquecimento
15 Esta posição não é aceita pelo professor JUXXXXXXX XX XXXXXXX.
16 FEXXXXXX XXXXXXX, analisando o estado de perigo, afirma que mesmo não havendo previsão expressa no Código Civil de 1916, este instituto poderia ser deduzido do estado de necessidade previsto no art. 160, II.
17 Vide também o ponto 11, feito pelo mesmo expoente.
18 Do Estado de Perigo
Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.
Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.
sem causa, cujos princípios poderiam ser aplicados para resolver casos envolvendo estado de perigo.
Cabe enfatizar ainda, como afirma JUXXXXXXX XX XXXXXXX, que o juiz pode admitir que a outra parte complemente o preço, ou se for o caso devolva parte da prestação, a fim de se evitar que o negócio seja anulado.
13. Alteração das circunstâncias, resolução e revisão contratual. Cláusula rebus sic stantibus e teoria de imprevisão. O art. 478 do C.C. de 2002.
Tanto a lesão quanto o Estado de Perigo levam à formação de contratos em que o desequilíbrio entre prestação e contraprestação está presente desde o início. Contudo, pode existir desequilíbrio ao longo da execução do contrato (lembrar do transporte de petróleo durante a Guerra do Golfo), decorrente de fatos supervenientes.
Nesses casos, não há defeito de vontade na conclusão do contrato, não havendo, assim, defeito do negócio jurídico, mas, sim, uma alteração de circunstâncias. Segundo o Prof. Juxxxxxxx, pode-se identificar três casos de alteração de circunstâncias:
1) Quebra do sinalágma: verifica-se a desproporção, o desequilíbrio entre as prestações, insultando-se, portanto, o princípio da equivalência;
2) Onerosidade excessiva: esta advém de um fato posterior à conclusão do contrato, não se confundindo com o desequilíbrio entre as prestações. Esta hipótese é prevista pelo CDC, que não exige o desequilíbrio. Nesses casos, a obrigação cabe apenas a uma das partes, não havendo sinalágma, sendo prevista a redução da prestação ou a alteração de seu modo de execução. O NCC prevê a onerosidade excessiva em seu art. 480, não se cogitando da imprevisão;
3) O fim pode se tornar inútil: a prestação é possível, mas o fim do contrato tornou-se inútil por fatos extraordinários e imprevisíveis. Contudo, segundo a praxe atual, antes de atentar para a imprevisão, é preciso analisar o contrato verificando se há distribuição de riscos entre as partes. Pode-se utilisar a teoria da base do negócio e o princípio da função social do contrato, pela qual deve-se liberar as partes pela ineficácia do contrato (lembrar do exemplo do navio encalhado que requisita rebocador e, após, é desencalhado pela maré).
No século XII, o direito canônico definiu a previsão de alteração de circunstâncias como cláusula implícita em qualquer contrato: rebus sic standibus (= se as coisas continuarem como estão). Em todo contrato comutativo a longo prazo, a execução deve ser feita sob o pressuposto de terem as condições externas permanecido imutáveis. Assim, se houve alteração nas ditas condições, também a forma de execução deve ser modificada, ou seja, o contrato deveria ser alterado sempre que as circunstâncias se modificassem, levando-se em conta aspectos morais e religiosos.
No século XIV, Baxxxxx xranspôs a regra canônica para o direito civil, criando a possibilidade de revisão contratual, mas limitando-a aos contratos de longo prazo, que dividiu em duas espécies:
a) Contratos de trato sucessivo: são aqueles cumpridos periodicamente com prestações também periódicas. Exemplo: aluguel - atenção: não confundir com pagamento parcelado, devehaver regularidade de ambos os lados.
b) Contrato de execução diferida: são aqueles concluídos em um dia para serem executados apenas após transcorrido determinado tempo. Exemplo: venda de safra de laranjas de colheita futura.
Com o advento do liberalismo (séculos XVII e XVIII), ocorreu a hipertrofia da vontade dos contratantes e a regra deixou de ser aplicada. Passa a viger plenamente o princípio pacta sunt servanda, devendo cada parte cumprir o contratado, cabendo ao interessado prever casos supervenientes ou condições explicitamente no contrato afim de se proteger. O contrato era lei entre as partes e a intangibilidade de seu conteúdo significava impossibilidade de revisão pelo juiz, ou de libertação por ato seu. Essa regra justificava-se como decorrência do princípio da autonomia da vontade e, até o século XIX, não houve a menor dúvida em se fazer cumprir o contrato tal como estipulado pelas partes (lembrar do exemplo do Canal de Craponne: construído em meados do século XVI pelo Conde de Craponne, este
estipulou com os ribeirinhos uma prestação anual a ser-lhe entregue - em 1876 seus herdeiros postularam por uma atualização do valor junto à Justiça Francesa, tendo sido improvido o pedido com base no princípio pacta sunt servanda19).
Em 15 de Maio de 1891, o Papa Lexx XXXX xublicou a encíclica Rerum Novarum, em que reconhece a injustiça da acumulação de riquezas nas mãos de poucos e a pobreza de muitos e afirma que “é necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos membros das classes inferiores, atendendo a que estão pela maior parte numa situação de infortúnio e de miséria imerecida”20.
Passou-se, então, ao final do século XIX, com o afrouxamento do liberalismo, a abrir exceções à obrigatoriedade dos efeitos contratuais, sendo ressucitada a antiga cláusula do direito canônico (rebus sic standibus), autorizando a revisão contratual, pela primeira vez, a Justiça Francesa, durante a primeira Guerra Mundial, a uma companhia de iluminação, que pediu um reajuste do preço tendo em vista a inflação da época. A lei Faxxxxxx, de 1918, consagrou o princípio da revisão, dispondo que contratos mercantis estipulados antes de 1º de agosto de 1914, com execução prolongada ao longo do tempo, poderiam ser resolvidos se, devido à guerra, o seu cumprimento por parte de qualquer contratante lhe causasse prejuízos de monta muito excedente à previsibilidade possível e razoável quando de sua celebração. Esse diploma legal foi o marco que consagrou a idéia da imprevisão no pensamento jurídico no tocante à força obrigatória dos contratos. Contudo, a aplicação direta da cláusula por qualquer modificação das circunstâncias de mercado seria insustentável, uma vez que o princípio da força obrigatória dos contratos é um dos grandes alicerces da segurança da atividade econômica moderna.
Assim, existem, hoje em dia, certas situações que admitem a revisão contratual, tendo em vista fatos supervenientes que exijam uma adaptação, inclusive para que seja possível à parte cumprir com a palavra dada. Não se admite, contudo, a revisão ou resolução simplesmente porque uma das partes teve benefício econômico menor que o esperado à época da conclusão do contrato. Seria, portanto, equivocado alegar que a Teoria da Imprevisão aboliu o princípio clássico - ele apenas foi amenizado.
A questão da implícita cláusula rebus sic standibus tem sido rechaçada pela doutrina atual, que demonstrou uma contradição teórica na tese abstrata que afirma terem as partes colocado algo implicitamente no contrato que não colocaram, apesar de o quererem. Ao contrário, defende parte da doutrina que seja encarada como norma, não havendo que se falar em cláusula implícita.
A corrente majoritária dentre os juristas brasileiros, contudo, é aquela que adota a Teoria da Imprevisão, pela qual, se uma das partes conseguir demonstrar a impossibilidade de prever determinado fato, motivo pelo qual não estaria no contrato, pode pedir a revisão dele ou sua resolução. Essa teoria originou-se na França, no direito administrativo, passando, após, para o direito civil. A idéia da imprevisão passou a predominar na justificação moderna da relatividade do poder vinculante do contrato. Assim, não basta a alteração do estado de fato no momento da formação do vínculo: a impossibilidade de prever essa mudança é que afigura a condição indispensável à modificação do conteúdo do contrato pelo juiz, ou à sua resolução. Ademais, a alteração absolutamente imprevisível deve, necessariamente, trazer uma onerosidade excessiva à parte que a alega, de modo que, para satisfazer a obrigação contraída, o devedor sacrificar-se-ia economicamente. Contudo, essa onerosidade excessiva deve ser tal que não implique em impossibilidade superveniente de cumprir a obrigação, mas apenas dificulte extremamente o seu adimplemento, de forma que as duas figuras não se misturam. Em suma, "quando acontecimentos extraordinários determinam radical alteração no estado de fato contemporâneo à celebração do contrato, acarretando conseqüências imprevisíveis, das quais decorre excessiva onerosidade no cumprimento da obrigação, o vínculo contratual pode ser resolvido ou, a requerimento do prejudicado, o juiz altera o conteúdo do contrato, restaurando o equilíbrio desfeito. Em síntese apertada: ocorrendo anormalidade da alea que todo
19 xxxx://xxxxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxx_xxx_xxxxxxxx/Xx_xxxxx_xx_xx_xxxxxxx_xx_x_xxxxxxxxxxx.xxx
20 xxxx://xxx.xxxxxxxx.xx/xxxxxxxx/xxxxx_xxxxxxx.xxx
contrato dependente de futuro encerra, pode-se operar sua resolução ou a redução das prestações"21.
Ressalte-se que, apesar de não constar a Teoria da Imprevisão como regra geral de nosso CC atual (profundamente liberal), já existem leis especiais que prevêem a rescisão contratual pelo Judiciário (8.245, art. 18; CDC: 8.078, art. 6º, V), sendo a jurisprudência pacífica na sua aplicação, independentemente de regra explícita em lei, principalmente com relação a contratos públicos. Sendo esta a teoria mais forte no Brasil, foi consagrada no art. 478 do NCC.
O art. 478 refere-se à possibilidade de resolução do contrato por fatos posteriores e imprevisíveis à época de sua conclusão. A idéia é evitar que nos contratos comutativos em que há uma presumível equivalência das prestações, o tempo desequilibre a antiga igualdade, tornando a prestação de uma das partes excessivamente onerosa em relação à outra. O pedido de resolução advém do antigo preceito que veda o enriquecimento sem causa, contudo, a fonte inspiradora desse artigo foi, sem dúvida, a teoria da imprevisão. O artigo não prevê a possibilidade de revisão do contrato pelo juiz, podendo a parte prejudicada apenas pedir a sua resolução [= destruição retroativa (eficácia ex tunc) dos efeitos do contrato, por ato unilateral de um dos contraentes, fundado num fato posterior à celebração do contrato]. Contudo, de acordo com o art. 479 do NCC, caso a parte que é ré neste processo ofereça modificação eqüitativa das condições do contrato a resolução poderá ser evitada. Vislumbra-se, neste ponto, o problema da imprecisão do termo "eqüitativa" - no final das contas, quem decide se a proposta é eqüitativa ou não é o juiz. Tendo em vista essa possibilidade, Prof. Xxxxxxxxx entende que poderá ocorrer uma evolução jurisprudencial possibilitando, futuramente, a revisão por parte do juiz. Assim, haveria, no art. 478, a plena aplicação do princípio do equilíbrio (vide acima, item 1), atendo-se o NCC à teoria da imprevisão, apesar de ser muito mais prática (ainda segundo o Prof. Xxxxxxxxx - não encontrei nem no Xxxxxxx xxxxx e nem no Xxxxxx Xxxxxxxxx) a análise da atribuição dos riscos, hoje consagrada na doutrina. Por ela também é aplicado o princípio do equilíbrio, porém, antes de analisar a existência de desequilíbrio, deve o operador do direito verificar se há, no contrato, previsão expressa de riscos e sua distribuição. Não havendo omissão contratual nesse ponto e havendo justa distribuição dos riscos entre as partes, não pode o juiz decretar a resolução do contrato e nem, futuramente, sua revisão.
13. Alteração das circunstâncias, resolução e revisão contratual. Cláusula rebus sic stantibus e a teoria da imprevisão. O art. 478 do NCC. (Xxxxxxxx X. Matsubara)
A alteração das circunstâncias pode se dar em um momento posterior ao da conclusão do contrato. Observa-se que no seu momento de conclusão não ocorre nenhum defeito em relação à manifestação da vontade que poderia ensejar a anulação do contrato. O que ocorre é a superveniência de acontecimentos que rompem com o equilíbrio da relação contratual, trazendo onerosidade excessiva a um dos contratantes.
Esse problema da alteração posterior do contrato já vem sendo identificado desde muitos séculos atrás. No século XII, o Direito Canônico já pregava a cláusula rebus sic stantibus, que seria a afirmação de que o contrato só deveria ser cumprido se as coisas se mantivessem estáveis. Caso ocorressem fatos supervenientes, o contrato poderia ser resolvido com base em uma cláusula que estaria implícita em todas as espécies contratuais (condição resolutiva implícita). No século XIV, Xxxxxxx transpôs essa regra para o Direito Civil Português, mas limitando sua aplicação aos contratos de longa duração. Posteriormente, essa cláusula passou a ser questionada e só passaria a valer se fosse explicitada no contrato. Surge o princípio de que o contrato deveria ser rigorosamente cumprido (obrigatoriedade dos efeitos contratuais e pacta sunt servanda).
No século XX, há grande discussão doutrinária para se restaurar a rebus sic stantibus diante da 1ª Guerra Mundial, que alterou as condições econômicas de vários
21 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense. Pág. 39.
países e tornou insustentável o cumprimento de certas obrigações contratuais. Percebeu-se a inviabilidade e a injustiça de se impor o princípio da obrigatoriedade dos efeitos como algo absoluto.
Porém, a aplicação pura e simples da cláusula rebus sic stantibus traria insegurança para a vida econômica, uma vez que qualquer espécie alteração de circunstâncias ensejaria a rescisão contratual. Por isso, é desenvolvida a teoria da imprevisão na França, ainda que os franceses tivessem resistência em aceitar a alteração contratual (que surgiu pela primeira vez no campo administrativo).
São requisitos para a aplicação da teoria da imprevisão: a vigência de um contrato de execução diferida (que é feito para ser cumprido no futuro) ou de trato sucessivo (que é cumprido por meio de prestações periódicas); a alteração radical das condições estabelecidas no momento da celebração do contrato (gerando desproporção entre prestação e contraprestação) e, por fim, o caráter extraordinário e imprevisível dos fatos supervenientes. Importante ressaltar que a jurisprudência brasileira é pacífica em não permitir a aplicação da teoria da imprevisão para prejuízos decorrentes da inflação.
O artigo 478 do NCC reflete a aplicação do princípio do equilíbrio contratual e da teoria da imprevisão. Tal artigo permite a resolução contratual em face da ocorrência de onerosidade excessiva por fato imprevisível e superveniente. Contudo, ainda que o artigo 478 adote a teoria da imprevisão, não há uma previsão expressa da possibilidade da revisão contratual pelo juiz (revisão judicial do contrato). As únicas opções seriam a resolução ou o oferecimento da suplementação do preço pelo outro contratante. Para o prof. Xxxxxxxxx, o NCC ficou defasado ao não permitir a revisão judicial, uma vez que os Códigos europeus a permitem. Entretanto, ele acredita que a revisão poderá ser permitida no futuro por meio de uma interpretação evolutiva.
A teoria da imprevisão é a teoria dominante no Brasil. Como já explicitado, o artigo 478 é um exemplo de sua expressa adoção no NCC. Porém, para o prof. Xxxxxxxxx, essa teoria seria insuficiente e já estaria ultrapassada. Melhor seria a teoria da assunção dos riscos do CDC. Consoante essa idéia, o juiz verificaria primeiro se os riscos foram distribuídos entre as partes no contrato. Isso porque toda relação contratual possui uma alea e as partes deveriam sopesar seus interesses e assumir os riscos do contrato. Só posteriormente é que se deveria verificar a existência de desequilíbrios (desproporção entre prestação e contraprestação) o juiz só poderia intervir na economia do contrato e permitir a revisão contratual se os contratantes tiverem se omitido quanto à assunção dos riscos. Caso essa assunção tenha ocorrido, mesmo que haja desequilíbrio, o juiz não poderia proceder à revisão.
A teoria da imprevisão seria insuficiente nos casos em que há onerosidade excessiva, mas que não gera desequilíbrio entre as partes porque não há o enriquecimento de uma delas, como no exemplo do agricultor que perde a sua colheita e se vê impossibilitado de vende-la. Nesses casos, a solução não é reequilibrar as partes, mas alterar o modo de execução do contrato.
14. As teorias da pressuposição, da impossibilidade alargada e da base do negócio. Onerosidade excessiva, C.D.C. e art. 480 do C.C. de 2002.
Hoje em dia, aos pés do século XXI, não vivemos mais no mundo do liberalismo levado a ferro o fogo. Princípios como o pacta sunt servanda não mais imperam absolutos em matéria contratual. Admite-se hoje que certas condições supervenientes possam alterar os termos do contrato. Isso, é claro, causa uma série de problemas, na medida em que deve-se definir até que ponto essas condições podem modificar a obrigação.
Na Alemanha, algumas teorias foram produzidas para resolver essas questões. A primeira delas é a Teoria da Pressuposição, especialmente desenvolvida por Xxxxxxxxxx (o príncipe dos pandectistas), diz que determinados pontos do contrato são dados como pacíficos, ou seja, certos eventos são pressupostos, as partes decidem não colocá-los no contrato, e aquilo que seria uma condição se apresenta apenas como pressuposição (a condição não desenvolvida). A existência da pressuposição pode acarretar a resolução do negócio, a não ser que haja uma revisão contratual
voluntária. Muitos juízes, na atualidade, são “sensíveis” a essa teoria, aplicando-a em alguns casos, e isso tende a aumentar, uma vez que o Novo Código Civil dá margem para que a teoria seja aplicada.
A segunda teoria é da Impossibilidade Xxxxxxxx, uma hipótese equiparada à impossibilidade superveniente (que libera as partes do contrato, já que “ad impossibilia nemo tenetur” - ao impossível ninguém está preso). É bom deixar claro que a Impossibilidade Alargada é usada em casos em que não há literalmente uma impossibilidade, mas algum fato que deve ser encarado como tal. A principal crítica que se faz a essa teoria é a confusão que surge quando se tenta enquadrar como Impossibilidade Alargada casos em que há apenas uma dificuldade para o cumprimento. Essa teoria, entretanto, é muito utilizada nos EUA, com o nome de “commercial impossibility”.
A Teoria da Base do Negócio, também desenvolvida pelos alemães (Xxxxxxxx e Xxxxxx), coloca que pode haver mudança na relação contratual porque a base negocial se perdeu, e são duas as causas objetivas para tanto: a desvalorização monetária, e o fim do contrato por ter se tornado inútil. Como exemplo desta última causa o Prof. Xxxxxxxxx citou o exemplo da casa na Av. Brasil, cujo recuo em relação às outras casas havia sido definido pela Companhia City, com o intuito de fazer com que uma residência não ficasse próxima a outra. Hoje em dia, porém, não há mais residências na Av. Brasil, não faz mais sentido aplicar esse recuo, a norma administrativa perde a base (o Prof. Xxxxxxxxx defende o uso dessa teoria também para normas administrativas). Um outro exemplo, desta vez em que se perde a base do contrato, é o do artista que é chamado para pintar a porta de uma igreja, mas ela é destruída num incêndio.
Essas teorias dão conta das causas supervenientes, que alteram as circunstâncias do contrato. De modo didático, podemos dividir também em três os casos de alterações de circunstâncias: o desequilíbrio entre prestação e contra- prestação (tratado mais a fundo em outro ponto), a inutilidade do fim do contrato e finalmente a onerosidade excessiva. Sobre essa última, se faz mister dizer que não ocorre em virtude de um desequilíbrio, mas é causada por um fato incomum, como uma seca, ou geada que atinge uma plantação. A dívida, nestes casos, pode ser alongada, hipótese prevista no C.D.C. Nota-se que nesses casos não há sinalagma, a prestação cabe a apenas uma das partes, e pode, então, ser diminuída ou ter alterado seu modo de execução, conforme dispõe o art. 480 do Novo Código. É o que ocorre, por exemplo, nos contratos de leasing, que têm suas prestações definidas em dólar, diante da atual disparada da moeda.
15. O Princípio da Função Social. Crítica ao artigo 421 do CC de 2002. Tentativa de dar conteúdo à função social como limite da liberdade contratual (interesses meta-individuais, dignidade humana etc.). (Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxx)
O mundo moderno é o mundo do contrato. E a vida moderna o é também, e em tão alta escala que, se se fizesse abstração por um momento do fenômeno contratual, a conseqüência seria a estagnação da vida social. O homo economicus estancaria as suas atividades. É o contrato que proporciona a subsistência de toda a gente. Sem ele, a vida individual regrediria, a atividade do homem limitar-se-ia aos momentos primários (XXXX XXXXX: 1999). É possível extrair-se dessa observação a interpretação que afirma a grande importância do contrato na vida das sociedades e, mormente na sociedade hodierna, regida pela ordem político-econômica capitalista, em que predomina como elemento caracterizador a desregulamentação dos mercados, inserta no que se convencionou denominar “globalização”, que está sendo implementada e vem trazendo muitas perplexidades.
XXXXXXXXX XX XXXXXXX preceitua, em parecer, que, com a evolução supramencionada se passou, claramente, de uma ordenação institucional, ou superpartes, a outra, contratual, ou interpartes. Hoje, diante do toque de recolher do Estado intervencionista o que ocorre é uma acomodação das camadas fundamentais do direito contratual. Presencia-se uma época de hipercomplexidade, em que os dados se acrescentam sem se eliminarem, de modo que, aos três princípios que gravitam em volta da autonomia da vontade, sejam eles o da liberdade contratual, o da
obrigatoriedade dos efeitos contratuais e o da relatividade dos efeitos contratuais e, se admitido como princípio, ao da ordem pública, somam-se outros três novos princípios: a boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico do contrato e a função social do contrato.
Segundo XXXXXXXXX XX XXXXXXX a idéia de função social do contrato iniciou-se com regimes totalitários. De início comunista, foi assimilada, posteriormente pelos fascistas (Carta Xxx Xxxxxx) e após pelos nazistas.
O princípio da função social do contrato trata-se de preceito destinado a integrar os contratos numa ordem social harmônica, visando a impedir tanto aqueles que prejudiquem a coletividade (por exemplo, contratos contra o consumidor) quanto os que prejudiquem ilicitamente pessoas determinadas. Afirma JUNQUEIRA DE AZEVEDO que a idéia de função social do contrato está claramente determinada pela Constituição, ao fixar, como um dos fundamentos da República, o valor social da livre iniciativa (art. 1°, inc. IV). O contrato, portanto, teria, um valor social e não uma função social.
A Constituição é um todo coerente e não uma mera “colcha de retalhos”. Constitui ela uma confluência de interesses. Xxxx Xxxxxxx a chamava “compromisso dilatório”. É o que ocorre na Constituição brasileira. Há uma concessão a uma mentalidade empresarial capitalista (livre iniciativa) e a uma mentalidade esquerdista, comunista (valor social).
Diz ele que essa disposição impõe, ao jurista, a proibição de ver o contrato como um átomo, algo que somente interessa às partes, desvinculado de tudo o mais. O contrato tem importância para toda a sociedade e essa asserção, por força da Constituição, faz parte do ordenamento positivo brasileiro. O art. 170, caput, da Constituição da República, do mesmo modo, salienta o valor geral, para a ordem econômica, da livre iniciativa. Não se pode, no entanto, fazer ilação da idéia da função social do contrato de que, agora, os terceiros são partes no contrato, mas, por outro lado, torna-se evidente que os terceiros não podem se comportar como se o contrato não existisse.
O Novo Código Civil prevê em seu artigo 421 a função social do contrato. Muitos dizem que representaria a consagração da função social do contrato. XXXXXXXXX XX XXXXXXX reconhece no art. a função social do contrato, mas faz uma crítica a ele. O sujeito é LIBERDADE CONTRATUAL, que será exercida: em razão da função social do contrato, nos limites da função social do contrato. Xxxxxxxxx se opõe a primeira parte do artigo, com veemência. Não estamos em um FORMIGUEIRO, onde tudo se dá EM FUNÇÃO DO FORMIGUEIRO. É um excesso essa primeira parte, violando a liberdade que garante o Estado Democrático, podendo qualificar-se até como INCONSTITUCIONAL. A função social seria, nessa primeira parte, reflexo de uma visão TOTALITÁRIA.
Quais seriam, no entanto, os limites ditados pela função social? Seriam
eles:
I- Limite dos interesses meta-individuais- hipóteses em que os contratantes, conscientes ou não, prejudicam, lesam interesses meta-individuais ainda que voltados a seus próprios interesses. Como exemplo os danos ao meio ambiente, a concorrência desleal e os danos ao consumidor. Esses limites vão autorizar o juiz a analisar o contrato fora do campo das NULIDADES (a priori, momento da conclusão), e o levará a analisa-lo no campo A POSTERIORI.
II- Limites dos Direitos Individuais ligados a Dignidade Humana. Caso do “lançamento do anão” (Conselho de E. Francês determinou que o contrato atingia direitos ligados a dignidade humana), contratos que retribuem os motoboys pelas entregas violam a “função social”, pois “convidam à morte”.
III- Fins tornados inúteis pelas circunstâncias- caso do navio preso e da porta da igreja – função social dita a inutilidade, e, assim, a ineficácia desses contratos. O fim último do contrato desaparece.
Interessante se faz apresentar o pensamento de XXXXXXXX XXXXXXX sobre a função social do contrato. Ele é um dos poucos autores que escreveu sobre esse assunto (tese de doutoramento).
Afirma ele que o interesse fundamental da questão da função social do contrato está em despertar a atenção para o fato de que a liberdade contratual não se justifica, e cessa, quando ela conduza a determinadas iniqüidades, atentatórias de valores de justiça, que igualmente têm peso social. O problema, também aqui, estará na determinação do ponto em que liberdade e justiça se equilibrem. Se o respeito pela autonomia privada, que é tradução jurídica da livre iniciativa do sistema político- econômico em que vivemos, leva à necessidade de princípio de garantir a estabilidade dos contratos celebrados, tal estabilidade não pode prevalecer quando haja desequilíbrio entre os direitos e obrigações das partes, que sejam resultantes de certas causas, como o aproveitamento da situação de necessidade de uma delas, ou de sua inexperiência, ou do perigo de grave dano que ela corra, ou ainda que resulte da imposição dos interesses de “fornecedores” de bens ou serviços sobre “consumidores”, em formas que socialmente sejam sentidas como legítimas.
O contrato não obriga porque tenha sido “querido”, porque se deva dar relevância à vontade livre das partes (liberdade contratual), mas porque é necessário, do ponto de vista social, garantir segurança a esse negócio jurídico que, como fato social, é instrumento fundamental de produção e distribuição de riqueza. Por outras palavras, o fundamento da “vinculatividade” não está na “autonomia da vontade”, mas no princípio de tutela da boa-fé- embora também aqui estejam presentes algumas considerações ligadas à autonomia privada e à justiça contratual.
XXXXXXXX XXXXXXX faz, também, sua crítica ao art. 421. Segundo ele, o Novo Código Civil não instituiria a função social do contrato, visto que não se poderá sustentar que os contratos anteriores à data da sua entrada em vigor, não tinham função social. Não constituiria, ademais, a função social do contrato uma descoberta do Novo Código Civil e nem a função social é privativa dos contratos. Todo o direito tem uma função social, que dispensa referência expressa22.
Continua ele dizendo que mesmo os direitos subjetivos de finalidade egoística como são todos os direitos de crédito (entre os quais se inserem os resultantes de contratos) são reconhecidos, como qualquer outro direito, tendo em vista não só a realização dos interesses do respectivo titular como também a realização de finalidades sociais e atende “exigências do bem comum”, como ficou expresso no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil. Se todo direito de crédito visa satisfazer um interesse do credor, seja ele patrimonial ou moral, acima deste sempre estará o “interesse geral”, ou “bem comum”, de que já falavam Xxxxxxxxxxx e Xxx Xxxxx xx Xxxxxx, qualquer que seja o conteúdo dado a estas expressões na sociedade real, dividida por conflitos de interesses e valores e fortemente influenciada pelas ideologias dominantes.
O exercício de um direito de modo contrário ao interesse geral é antijurídico, caracterizando abuso de direito (art. 000 X. X. C.).
Em rigor, mesmo ao tempo do individualismo liberal não se negava ao contrato uma função social: o que acontecia era apenas acreditar-se que a livre atuação das partes resultava necessariamente no bem de todos. Nesta concepção, a apreciação do interesse do credor em termos exclusivamente subjetivos era o caminho para realizar a função social dos contratos. Hoje, perdida a ilusão de que o livre jogo dos egoísmos individuais resulta no “bem de todos e felicidade geral”, perdida a ilusão dos benefícios da “invisible hand” de XXXX XXXXX, a função social tinha necessariamente de ser repensada.
É dentro desta preocupação com a finalidade social dos direitos de crédito que, num posicionamento característico da atual sociedade de massas se procura proteger, em nome da justiça social, os chamados mais “fracos” como são os trabalhadores e os consumidores.
16. Classificação dos contratos quanto aos agentes: bilaterais, trilaterais, plurilaterais. Contratos de interesses contrapostos e de escopo comum.
22 Concorde com lições de XXXXXX XXXXX o reconhecimento da função social do contrato é mero corolário dos imperativos constitucionais relativos à função social da propriedade e à justiça que deve presidir a ordem econômica.
Para o Professor Xxxxxxxxx, quanto ao número de contratantes, os contratos são classificados em bilaterais, trilaterais e plurilaterais.
Nos contratos bilaterais, em regra, há interesses contrapostos que, mediante a convenção, se conciliam, v.g., o contrato de compra e venda. O comprador deseja pagar o menor preço e o vendedor quer receber o maior preço.
Em relação ao contrato trilateral, temos como exemplo o seguro em grupo efetuado por uma empresa, entre segurado, seguradora e empresa. Nesse caso, os interesses são, de certa forma, conflitantes.
Já nos contratos plurilaterais, de modo geral, há interesses de escopo comum. O exemplo dado pelo Professor Xxxxxxxxx é o do acordo de acionistas e o contrato de sociedade, onde todos visam em comum o lucro. Os alemães chamam esse contrato de “acordo”, pois há um esforço de colaboração.
Segundo Xxxxxxx Xxxxx, “o contrato é uma espécie de negócio jurídico que se distingue, na formação, por exigir a presença pelo menos de duas partes.”23 E parte, conforme o mesmo autor, não se confunde com pessoa. Uma só pessoa pode representar as duas partes, como no contrato consigo mesmo, e uma só parte, compor- se de várias pessoas, como na locação de um bem por seus condôminos. Parte é, então, um centro de interesse.
Essa noção de parte como centro de interesses esclarece a distinção entre contrato e outros atos plurilaterais, como o negócio plurilateral e o ato coletivo, embora a todos esses tipos sejam aplicadas as normas do Direito Contratual. O contrato plurilateral suscita efeitos em distintas relações jurídicas que envolvem vários sujeitos. Já o ato coletivo é composto de várias declarações de vontades voltadas para o mesmo fim. Nesse negócio não há intercâmbio de declarações de vontade emitidas por partes contrapostas. As declarações são paralelas para a formação de uma declaração comum da mesma parte composta de várias pessoas. (O ato coletivo não é negócio jurídico bilateral.)
Também para Xxxxxx Xxxxxxxxx00, podemos falar em partes complexas, mas haverá sempre uma só parte de cada lado, e não pluralidade de partes, ainda que os sujeitos sejam mais de dois por um lado, ou de ambos os lados. Cada grupo constitui um centro de interesses determinados.
Dessa forma, regra geral, apresentam-se dois contratantes com interesses opostos que se compõem. Contudo, há convenções, como no contrato de sociedade, em que os interesses das partes se mostram paralelos, de modo que elas apenas se obrigam mutuamente a combinar seus esforços para obter um fim comum.
17. Contratos solenes e não-solenes. Reais e consensuais.
Atualmente, prevalece, no direito privado, a liberdade de forma. Os contratos se concluem, via de regra, pelo simples consentimento das partes, seja qual for o modo de expressão da vontade.
Todavia, buscando dar segurança ao comércio jurídico, a lei exige que certos contratos obedeçam à determinada forma, elevando-a a condição de requisito essencial à validade dos contratos.
Dizem-se solenes os contratos que só se aperfeiçoam quando o consentimento é expresso pela forma prescrita na lei, são também chamados de contratos formais. São exemplos de contratos solenes: a fiança, que exige instrumento escrito; o seguro, que exige a apólice; a doação (exceto nos casos de pequenos valores); entre outros.
Nada impede que um contrato se torne formal por vontade das partes. Evidentemente, ele não se converterá, como tipo, em contrato solene, mas se subordinará às regras que o regulam, ou seja, a inobservância da solenidade convencionada também invalida o contrato.
Há contratos solenes somente quando a forma faz parte de sua substância. Caso ela seja exigida apenas como prova de que o contrato se realizou, o contrato se forma, embora a sua existência, como negócio produtivo de efeito, não possa ser
23 Xxxxx, Xxxxxxx. Contratos. 25ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, p. 4 e ss.
24 Xxxxxxxxx, Xxxxxx. Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade. 28ª edição. Volume 3. São Paulo: Editora Saraiva. 2002, p. 14.
judicialmente comprovada, salvo em decorrência de confissão. Além disso, sempre que a forma é prescrita apenas para efeitos de publicidade, o contrato é sim válido e eficaz, mas apenas entre as partes.
A importância prática dessa distinção reside no fato de que os contratos solenes serão nulos, caso não obedecida a forma prescrita na lei, isto porque lhes falta um dos elementos essenciais a sua validade.
Os contratos também podem ser classificados em reais e consensuais. Em princípio, o consentimento é suficiente para formar o contrato, mas alguns tipos contratuais exigem, para se aperfeiçoarem, a entrega da coisa. Estes contratos são chamados reais, em contraposição aos que se formam solo consensu, i.é, os simplesmente consensuais, que se tornam completos por efeito da integração das duas declarações de vontade, como a compra e venda, a locação e o mandato.
Para Xxxxxxx Xxxxx, a qualificação de certos contratos como reais é importante para a determinação do momento da sua formação, aperfeiçoando-se apenas no momento em que ocorre a tradição. Segundo o ilustre autor, eles não são contratos que geram a obrigação de entregar a coisa, visto que nascem no instante em que se efetua a consignação. Pelo que pude entender, o Prof. Xxxxxxxxx não concorda inteiramente com esse posicionamento, uma vez que para ele o contrato de mútuo não existe apenas quando se dá a tradição do dinheiro, mas sim anteriormente, pois há uma obrigação preexistente de entregá-lo.
Baseando-se no princípio do consensualismo, sustenta-se que o acordo de declarações de vontades basta para criar o vínculo, gerando, para uma das partes, a obrigação de entregar a coisa, e o cumprimento dessa obrigação seria o começo da execução do contrato. Códigos modernos, como o Código Suíço das Obrigações, admitiram como simplesmente consensuais determinados contratos reais, como o comodato, o mútuo e o depósito, entretanto outros códigos ainda conservam a vetusta distinção.
17. Contratos solenes e não solenes. Reais e consensuais. (Xxxxxx)
Os contratos, segundo a maneira como se aperfeiçoam, classificam-se em consensuais e reais, solenes e não solenes.
Dizem-se reais os contratos para a perfeição dos quais é necessária ademais do consentimento das partes, a entrega da coisa, feita por uma a outra, como o comodato, o mútuo e o depósito.
Diversamente, os contratos consensuais são aqueles que se tornam perfeitos e acabados por efeito exclusivo da integração das duas declarações de vontade, como a compra e venda, a locação e o mandato.
A qualificação de certos contratos como reais é importante para a determinação do momento de sua formação, pois só se tornam perfeitos e acabados com a entrega da coisa, formando-se, por conseguinte, somente quando esta se dá. Eles não geram a obrigação de entregar a coisa visto que nascem no momento em que se efetua a consignação.
Os contratos, ainda quanto à forma, podem ser classificados em solenes e
não solenes.
Em atenção à conveniência de dar segurança ao comércio jurídico, a lei
exige que certos contratos obedeçam à certa forma, elevando-se à condição de requisito essencial a sua validade. Nesses casos, a vontade das partes não basta à formação do contrato. Diz-se desses contratos que são solenes, ou seja, que só se aperfeiçoam quando o consentimento é expresso pela forma prescrita na lei. Exemplos: o pacto antenupcial, o contrato de penhor, o contrato de seguros, de doação etc.
A solenidade exigida consiste em serem lavrados por tabelião. Têm como forma a escritura pública.
Vale ressaltar que há contrato solene somente quando a forma é de sua substância. Se exigida apenas para a prova, o contrato se forma, embora sua existência como negócio produtivo de efeito não possa ser judicialmente comprovada.25 Em oposição, nos contratos não solenes, a vontade pode ser declarada
verbalmente ou por escrito particular, consistindo do consentimento. Valem independente da forma adotada pelos contraentes. Ex.: contrato de compra e venda.
Nada impede, no entanto, que os contratos não solenes sejam promovidos a solenes, por vontade das partes, quando estipulem que o mesmo não valerá sem o instrumento público.
18. Kausa e causa. Contratos abstratos e causais. Abstração instrumental.
A doutrina costuma distinguir dois sentidos fundamentais de causa: o primeiro refere-se à função do contrato (causa) – doutrina italiana; o segundo, à justificação do deslocamento patrimonial realizado (kausa).
Analisando, pois, um negócio jurídico, seja ele qual for, encontramos sempre como seu conteúdo uma regulamentação de interesses: e em íntima compenetração com esse conteúdo, uma função prática que lhe é, ou deve ser, imanente. Nesse sentido, a causa pode definir-se a função social típica (o para que serve), ou seja, a função própria de cada tipo ou categoria de negócios jurídicos – causa.
Feito isso, cumpre compreender que todo deslocamento patrimonial deve ter uma causa (um porquê), que consistirá no seu fundamento justificativo – kausa.
Assim, em síntese, a causa se relaciona ao contrato em si (sua função, o para que serve), enquanto a kausa diz respeito à obrigação que surge do contrato (o porquê do deslocamento patrimonial).
O direito brasileiro, em suas classificações, toma como parâmetro a kausa do contrato. Assim os classifica na dicotomia contratos abstratos e contratos causais.
Por contratos causais entendem-se aqueles contratos nos quais se conhece a justificativa do deslocamento patrimonial (kausa). São os mais comuns no Brasil.
Diversamente, contratos abstratos são todos aqueles nos quais a obrigação se desprende da kausa, passando a ter vida autônoma, ou seja, desvinculada do negócio subjacente de que se originou. Representa um corte na justificativa do deslocamento patrimonial, uma abstração da kausa.
No direito brasileiro não é comum haver contratos abstratos, mas sim atos abstratos unilaterais, tais como a emissão de duplicatas, notas promissórias, letras de câmbio, cheques.
Há uma hipótese de contrato abstrato, pouco usado no Brasil, que é crédito documentário (espécie de assunção de dívida sem cogitação da causa). Ex.: um brasileiro e um argentino realizam uma compra e venda. O brasileiro efetua o pagamento a um banco brasileiro, enquanto o argentino recebe essa quantia de um banco argentino. É o contrato existente entre o banco brasileiro e o banco argentino que constitui o crédito documentado e, por conseguinte, o contrato abstrato (não há justificativa para o deslocamento patrimonial do banco brasileiro ao banco argentino, ou seja, o crédito surgido entre os bancos é desvinculado de qualquer negócio jurídico).
Existe ainda uma terceira hipótese, entre os contratos abstratos e causais, chamada abstração instrumental. Nesse caso, o corte no deslocamento patrimonial incide apenas no contrato (instrumento), não há a abstração da kausa. A simples leitura do conteúdo do contrato não nos permite identificar sua kausa. No entanto, feita uma análise mais pormenorizada, logo ela se apresenta. Ex.: a fiança é um contrato abstrato, já que não se identifica sua kausa no contrato. Mas não o é
25 A forma é a maneira pela qual a manifestação de vontade deve exteriorizar-se no momento da realização do contrato, para que o negócio seja válido. A prova é qualquer fato, anterior, posterior ou concomitante à celebração do contrato, que seja hábil para demonstrar a existência do ajuste. Assim, não é solene o contrato para o qual a lei exige apenas a prova por escrito, como acontece, por exemplo, com o depósito e a sociedade.
completamente, pois sua kausa está implícita na negociação entre fiador e devedor original (ela está ausente apenas no contrato). Trata-se, pois, de uma abstração instrumental.
Outro exemplo de abstração instrumental é o da cessão de crédito.
19. Contratos onerosos e gratuitos. Aplicações. (Xxxxx Xxxxxxxx)
Quanto ao conteúdo, os contratos podem classificar-se em onerosos ou gratuitos, conforme tenham ou não uma contraprestação.
Contrato a título oneroso é aquele em que uma das partes sofre um sacrifício patrimonial, correspondente à vantagem que pleiteia. Nessa modalidade de contrato, o sacrifício feito e a vantagem almejada estão em relação de equivalência. Como se vê, cada uma das partes, em atenção a seu próprio interesse, sujeita-se a dar ou a fazer algo.
No contrato gratuito por sua vez, apenas uma das partes sofre um sacrifício patrimonial, enquanto a outra parte apenas obtém um benefício. Esse contrato envolve sempre uma liberalidade, ou seja, não se verifica uma causa para o deslocamento patrimonial.
Geralmente, todos os contratos onerosos são bilaterais, e os gratuitos, unilaterais. Porém, pode haver um contrato que seja ao mesmo tempo unilateral e oneroso, como por exemplo o contrato de mútuo sujeito a pagamento de juros, em que, além da obrigação de restituir a quantia mutuada (contrato unilateral ), há a de se pagar juros (contrato oneroso).
Segundo CAXX XXXXX XX XXXXX XXXXXXX, alguns contratos são naturalmente gratuitos, porém admite-se que se estipule uma remuneração por ajuste expresso. Entretanto, outros não comportam este efeito dúplice, e perdem a sua caracterização própria.
O interesse da distinção entre contratos onerosos e gratuitos destaca-se
porque:
1) A responsabilidade do devedor pelo ilícito, nos contratos a título
gratuito, deverá ser apreciada com benignidade, de tal forma que somente a determinará conduta dolosa do autor da liberalidade. Ou seja, nos contratos gratuitos, não se responde por culpa, apenas por dolo. Já nos contratos onerosos, responde-se por culpa e dolo;
2) O doador não responderá pela evicção. Evicção é a perde da coisa por uma sentença. Nos contratos gratuitos não se responde por evicção. Nos contratos onerosos, quem perdeu o imóvel por sentença recebe indenização por perdas e danos. No art. 1107 do Código Civil está expressa a obrigação do alienante de resguardar o adquirente dos riscos da evicção, toda vez que se não tenha excluído expressamente esta responsabilidade;
3) O contrato benéfico ou gratuito só poderá ser interpretado restritivamente ( art. 1090 do CC ), exigência que não alcança a interpretação do contato oneroso. O NCC não repete essa regra na parte contratual, e sim na parte geral;
4) O erro sobre a pessoa será mais grave no contrato benéfico do que no oneroso, salvo nas prestações de serviços materiais e encomendas de obras artísticas;
5) No caso de revogação por fraude contra credores, os contratos gratuitos são tratados mais rigorosamente do que os onerosos ( arts. 106 do CC );
6) Em caso de lesão, só é responsável o contratante oneroso. A lesão é a desproporção entre prestação e contraprestação.
20. Contratos unilaterais e bilaterais. Sinalagma genético e funcional. ENAC e outras exceções próprias dos bilaterais. (Prxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx)
A maior parte da doutrina costuma diferenciar os contratos unilaterais dos bilaterais pelo prisma da geração de obrigações. Assim, os contratos unilaterais seriam aqueles em que apenas um dos contratantes assume obrigações em face do outro, de tal sorte que os efeitos seriam ativos de um lado e passivos do outro, pois
uma das partes não se obriga, não havendo, portanto, qualquer contraprestação (ex: doação). Sob o mesmo critério, os contratos bilaterais seriam aqueles em que cada um dos contraentes é simultânea e reciprocamente credor e devedor do outro, pois produz direitos e obrigações para ambos, sendo portanto sinalagmáticos (ex: compra e venda).
Não obstante tais definições, o prof. Juxxxxxxx xpta, em companhia do ilustre doutrinador Orxxxxx Xxxxx, por distinguí-los através das regras que seriam aplicáveis exclusivamente aos bilaterais, como a exceção de contrato não cumprido e a cláusula resolutiva tácita.
A exceptio non adimpleti contractus (exceção de contrato não cumprido – ENAC) é uma defesa (embora parte minoritária da doutrina a veja como um direito) oponível pelo contratante demandado contra o co-contratante inadimplente, em que o demandado se recusa a cumprir sua obrigação sob a alegação de não ter, aquele que a reclama, cumprido o seu dever, dado que cada contratante está sujeito ao estrito adimplemento do contrato. Tal instrumento de defesa se baseia no fato de que nos contratos bilaterais nenhum dos contratantes pode, antes do cumprimento da sua obrigação, exigir a do outro (art. 1092 do CC/16, e art. 476 do NCC). Daí decorre que o fundamento jurídico da ENAC repousa no sinalagma, ligamento recíproco entre as prestações, que se distingue entre genético e funcional. O primeiro significa a relação recíproca de justificação causal que deve haver entre as obrigações contrapostas que nascem do contrato no momento da sua estipulação. Já o sinalagma funcional implica que a obrigação de uma parte fica ligada ao cumprimento ou à possibilidade do cumprimento, não só na existência originária da outra, mas também na permanência dessa obrigação correspondente. Não se considera a formação do vínculo, mas a vida da relação que teve origem no contrato. É sobre a estrutura deste sinalagma funcional que atua amplamente a ENAC, para preservar e restabelecer a coordenação e simultaneidade das prestações contrapostas.
Trata-se de uma exceção de caráter dilatório (e não peremptório) porque apenas coloca um obstáculo ao exercício do direito da outra parte, tornando ineficaz ou neutralizando temporariamente o direito do autor, mas sem extinguí-lo, suspendendo a execução do que fôra ajustado até que se verifique a simultaneidade das prestações, ficando o contrato inalterado e as obrigações subsistentes.
A ENAC somente pode ser oposta quando a lei ou o próprio contrato não determinar a quem cabe primeiro cumprir a obrigação. É óbvio que, se se estabeleceu a sucessividade no cumprimento do contrato, a parte contratante que deverá satisfazer a prestação antes da outra não poderá deixar de cumprí-la, alegando que o outro contraente não satisfará a sua parte. Admite-se, porém, em caráter excepcional, que se recuse se, depois de concluído o contrato, sobrevier à outra parte diminuição em seu patrimônio, capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação a que se obrigou. Ocorrendo esta hipótese, a parte a quem incumbe cumprir a prestação em primeiro lugar pode opor exceção de garantia do cumprimento, mantendo a recusa até que a outra satisfaça a que lhe compete, ou lhe dê garantia bastante de satisfazê-la (art. 1092 do CC/16, e art.477 do NCC).
Admite-se, ao lado da ENAC, a exceptio non rite adimpleti contractus (exceção de contrato não cumprido corretamente), seja porque o devedor somente tenha satisfeito em parte a obrigação, seja porque a cumpriu de modo defeituoso. A exceptio non rite adimpleti contractus é, no fundo, a mesma exceptio non adimpleti contractus, dado que o cumprimento parcial, inexato ou defeituoso, equivale a inadimplemento. Difere, porém, nos efeitos. Havendo inadimplemento total, incumbe a prova ao contraente que não cumpriu a obrigação. Havendo execução incompleta, deve prová-la quem invoca a exceção, pois se presume regular o pagamento aceito.
Vale lembrar, por fim, que a ENAC não poderá ser argüida se houver renúncia, impossibilidade da prestação ou se o contrato contiver cláusula solve et repete, ou seja, cláusula que torne a exigibilidade da prestação imune a qualquer pretensão contrária do devedor por consistir numa renúncia de contrato não cumprido.
21. Contratos comutativos e aleatórios. Contratos de execução instantânea e de execução diferida. (Vaxxxxx Xxxxx)
A finalidade da classificação dos contratos é acentuar as semelhanças e dessemelhanças entre as suas múltiplas espécies, de modo que cada uma delas caiba em uma das categorias estabelecidas. Na verdade, na matéria em questão, o exercício de classificação possui função didática e vocabular, principalmente.
Conforme o ângulo adotado pelo observador, um mesmo contrato pode ser classificado de diversas maneiras. Desse modo, levando em consideração a sua natureza, podemos classificar os contratos em unilaterais e bilaterais, onerosos e gratuitos, comutativos e aleatórios, causais e abstratos; por outro lado, se levarmos em consideração a maneira como se aperfeiçoam, podemos distinguir os contratos em consensuais e reais, solenes e não solenes; se nos ativermos à divisão quanto ao fato de a lei lhes atribuir, ou não, um nome e lhes sistematizar as regras, podemos separar os contratos em nominados e inominados; considerados uns em relação aos outros, classificam-se em principais e acessórios; tendo em vista o tempo em que devem ser executados, separam-se em contratos de execução instantânea e de execução diferida no futuro; quanto ao objeto, distinguimos os contratos definitivos dos preliminares; quando se tem em vista a maneira como são formado, separa-se os contratos paritários dos de adesão.
Contratos comutativos e aleatórios:
Trata-se de uma classificação baseada na natureza do contrato.
O contrato comutativo é aquele contrato bilateral e oneroso no qual a estimativa da prestação a ser recebida por qualquer das partes pode ser efetuada no ato mesmo em que o contrato se aperfeiçoa; existe a possibilidade de se prever a equivalência entre a prestação e a contraprestação, embora tal conceito de equivalência sempre possa ser relativizado. As prestações são certas e determináveis, podendo qualquer dos contratantes antever o que receberá em troca da prestação que oferece. É o que ocorre com a compra e venda e a locação, por exemplo.
Aleatório é o contrato bilateral e oneroso em que pelo menos uma das partes não pode antecipar o montante da prestação que receberá, em troca da que fornece; ao menos uma das partes não sabe se haverá equivalência, configurando um elemento de risco. As prestações, aqui, oferecem uma possibilidade de ganho ou de perda para qualquer das partes, por dependerem de um evento futuro e incerto que pode alterar o seu montante. É o que ocorre nos casos de jogo, de contratos de colheita ou de contratos de seguro, em que o segurado pode receber a indenização, se advier o sinistro, ou nada receber, se este inocorrer.
Como se vê, trata-se de uma idéia estreitamente relacionada à noção de equivalência das prestações, a qual é, no entanto, subjetiva.
A importância dessa classificação reside no fato de que o regime que a lei cria para cada uma dessas espécies de contrato é diferente. Assim, por exemplo, ocorre com a evicção, que só se aplica ao campo dos contratos comutativos, e a doutrina majoritária entende que apenas estes estão sujeitos à rescisão por lesão (afirmativa da qual o prof. Junqueira discorda).
O Código Civil cuida das vendas aleatórias, dividindo-as em vendas de coisas futuras e vendas de coisas já existentes mas expostas a risco de se perderem ou deteriorarem.
Quanto às vendas de coisas futuras, a álea pode dizer respeito à própria existência da coisa (emptio spei) ou apenas à sua quantidade (emptio rei speratae). Nesta última hipótese, mister se faz que a coisa venha a existir, em qualquer quantidade; não existindo, o adquirente se liberará. Há uma norma supletiva da vontade das partes: se nada tiver sido estipulado, prevalece a emptio rei speratae.
Quanto às vendas de coisas já existentes mas expostas a risco de se perderem ou deteriorarem, se o adquirente assumir tal risco, terá o alienante o direito de todo o preço, ainda que a coisa não mais existisse no dia do contrato. As hipóteses de tal ocorrência tornaram-se obsoletas, dada a eficácia dos meios de comunicação.
Contratos de execução instantânea e de execução diferida:
Trata-se de uma classificação que leva em consideração o tempo em que os contratos devem ser executados.
Os contratos de execução instantânea são os que se cumprem pela execução efetuada por ambas as partes num só momento, tal qual ocorre com a compra e venda à vista, com a permuta etc.
Os contratos a longo prazo são aqueles em que uma das partes, ou ambas, deve cumprir sua obrigação em tempo futuro, e isso pode se dar de dois modos:
- pela própria natureza das prestações ou em virtude da natureza do contrato, as prestações só podem ser fornecidas futura e periodicamente, como no contrato de locação de serviços, locação de imóveis, fornecimento de matérias-primas etc.
- o fornecimento da prestação de um dos contratantes pode se fazer, por convenção entre as partes, através de pagamentos parcelado
Essa classificação é importante pelas conseqüências de ordem prática que dela derivam, como a possibilidade de se rever os contratos de execução prolongada pelo tempo, e somente destes, no caso de alteração das circunstâncias (teoria da imprevisão), e o fato de somente nos contratos instantâneos as partes poderem exigir o cumprimento simultâneos das prestações. A primeira dessas conseqüências aparece no art. 478 do NCC, não ocorrendo no CC de 1916; trata-se de uma inovação advinda da jurisprudência.
Obs.: Baxxxxx, no séc. XIV, dividiu os contratos de longo prazo em contratos de trato sucessivo (cumprido periodicamente de acordo com prestações periódicas, como no caso de aluguel – não confundir com pagamento parcelado, pois deve haver essa regularidade de ambos os lados) e contratos de execução diferida(contrato é feito em um momento para ser realizado, no mundo fático, depois de um tempo determinado, como o caso de venda de safras de laranjas de colheita futura).
21. Contratos comutativos e aleatórios. Contratos de execução instantânea e de execução diferida.
Os contratos onerosos se subdividem em contratos comutativos e aleatórios. São comutativos aqueles contratos em que há equivalência subjetiva entre a prestação e a contraprestação, ainda que não haja equivalência objetiva – o que se tornaria um problema de lesão e de afronta ao equilíbrio contratual e não mais um problema de caracterização dos contatos – e em que há uma previsibilidade quando à correspondência entre sacrifícios sofridos e vantagens oferecidas pelo contrato.
Em contrapartida, os contratos aleatórios são aqueles em que não se pode prever a proporcionalidade das vantagens e sacrifícios, ou seja, não há equivalência entre prestações e contraprestações, e pode ser que uma delas não venha sequer a ocorrer. Um exemplo típico de contrato aleatório é o contrato de seguro, no qual a prestação da seguradora depende da ocorrência do sinistro e pode, portanto, não vir a ocorrer. Os contratos aleatórios são necessariamente bilaterais e pode-se dizer que há um risco, uma alternativa de ganho ou perda por parte dos contratantes.
Parte da doutrina afirma, majoritariamente, que o instituto da lesão somente se caracteriza nos contratos comutativos, já que nos contratos aleatórios as partes estariam assumindo o risco da desproporção, do desequilíbrio contratual, e não estariam prevendo a equivalência das prestações. No entanto, há quem defenda a possibilidade de existência de lesão até mesmo nos contratos aleatórios, como pode ocorrer, por exemplo, com a lesão decorrente de fato superveniente.
Uma outra classificação dos contratos é quanto à sua execução, classificam-se em contratos de execução única e de execução sucessiva. A diferença
entre essas duas espécies se dá em razão da própria natureza da prestação, ou seja, se ela for passível de execução de uma só vez, trata-se de contrato de execução única, ao passo que se as prestações se repetirem periodicamente ou se dividirem no tempo trata-se de contrato de execução continuada ou de trato sucessivo.
Entre os contratos de execução única podemos falar em contratos de execução imediata, ou instantânea, e de execução diferida. Os de execução instantânea são aqueles cuja prestação se realiza logo após o momento de sua consecução, ao passo que os contratos de execução diferida têm o cumprimento de sua prestação protelado no tempo, são os chamados contratos a prazo. Bem como os contratos de execução continuada, os contratos de execução diferida dependem do futuro e por isso estão sujeitos à Teoria da Imprevisão, consagrada no Art. 478 do CC/2002, possibilitando a resolução do contrato nos casos de surgimento de uma onerosidade excessiva, ou seja, nos casos de desequilíbrio decorrente de fatos supervenientes.
A título de exemplo, podemos citar o caso de uma contrato de compra e venda, no qual o preço será pago em diversas prestações. Apesar de não ocorrer o cumprimento imediato e único da obrigação decorrente de tal contrato, sua natureza não passa a ser a de um contrato sucessivo, ele permanece como contrato imediato, mas de execução diferida e, portanto, sujeito ao art. 478 do Novo Código Civil.
22. Contratos nominados e inominados. Contratos atípicos. Contratos coligados.
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As expressões “nominados” e “inominados” têm origem romana e eram utilizadas para designar uma generalidade de contratos reais resultantes das clássicas combinações: do ut des, do ut facias, facio ut des, facio ut facias. Atualmente, são elas tomadas como sinônimos de “típicos” e “atípicos”.
Um contrato é típico se existe previsão legal que o regule. Em contrapartida, é atípico aquele que não dispõe de lei que o defina. Dessas qualificações genéricas decorrem inúmeras outras, vinculadas, principalmente, à estrutura dos contratos.
Em primeiro lugar, há os chamados contratos inominados propriamente ditos, decorrentes ora de profundas alterações em outras espécies de contratos, ora de uma verdadeira atividade inventiva dos contratantes tendo em vista regular alguma situação complexa da vida econômica.
Também inominados, mas diferentes dos acima referidos, são os mistos, originários da combinação de elementos de diversos contratos. Esses elementos são vinculados por uma mesma causa.
No bojo dessas classificações estão ainda presentes os contratos coligados. A coligação não gera um contrato uno, mas, ao contrário, garante a individualidade daqueles que se coligam. É essa a principal diferença em relação aos mistos, os quais redundam em única unidade jurídica, diferente das que contribuíram para sua elaboração.
Contratos podem se unir de várias maneiras, entre as quais a união externa – instrumental, já que constam do mesmo instrumento, sem, contudo, serem interdependentes – e união com dependência – contratos individualizados com um sendo causa do outro, reciprocamente ou não, por exigência legal ou por simples vontade das partes. Pode a união dos contratos ser, no mais, alternativa, com um dos contratos feito para sobreviver ao outro após um advento de uma condição.
Como conseqüência prática dessa gama de distinções há as formas de interpretação dos contratos e de solução dos conflitos que os envolvem. Os contratos nominados não precisam ser cercados de demasiado cuidado pelas partes porque eventuais lacunas podem ser supridas pela legislação que os caracteriza, de forma supletiva. Os contratos inominados, por sua vez, exigem maior atenção por não contarem com os favores da Lex.
Entre os inominados, o grau de dificuldade para apreciá-los também varia. Contratos coligados, por manterem sua individualidade, admitem aplicação da legislação pertinente em cada um dos que se coligam, separadamente. Já nos mistos,
26 Obra base: GOXXX, Xxxxxxx, Contratos, 25ª.ed., Rio de Janeiro, Forense, 2002, pp. 102-108.
os problemas aumentam uma vez que, da fusão de elementos de diversos contratos, surge um diferente, novo e, em geral, complexo.
Na busca de disciplina jurídica para os contratos inominados apresentam-se as seguintes teorias: Teoria da combinação, que aceita a possibilidade de se fracionar um contrato até se encontrar partes que possuam regime legalmente definido. Critica-se tal tese porque, no mais das vezes, o que a lei contém é a disciplina de um contrato tomado e seu todo e não de cada parte específica, de modo que, mesmo se separando as partes relativas a algum contrato típico, estas, provavelmente, não terão regulação especial para si, de nada adiantando o trabalho de análise; Teoria da absorção, que admite um elemento preponderante que absorve os demais na formação do contrato devendo o intérprete, portanto, recorrer às normas que regulamentam tal elemento principal. Esse ponto de vista é também criticado devido à dificuldade de se encontrar um elemento que suplante aos outros, principalmente no caso de um contrato misto que contenha diversos elementos-chave, mas de contratos diferentes; e Teoria da aplicação analógica, que reza dever o operador realizar exercício mental acurado para aproximar, ao máximo, um contrato atípico de um tipificado, utilizando-lhe as regras. Não sendo isso possível, deve-se recorrer à analogia iuris, com base nos princípios gerais do direito contratual.
Por fim, dada a impossibilidade de enumeração de todos os contratos atípicos, pode-se usar um critério para proceder à caracterização dos mesmos. É o critério tipológico. Ao contrário do conceitual, mais voltado à identificação de elementos presentes em todos os componentes de determinado grupo de contratos, o tipológico toma em conta uma visão geral, focando-se em elementos que, não necessariamente, estejam presentes em todos os integrantes de certo grupo (vide, sobre tipologia, diferenciação entre direitos reais e obrigacionais do Prof. Junqueira).
OBS: um contrato típico pode se tornar atípico se permeado por cláusulas atípicas – venda de controle acionário, por exemplo, pode prever tag along, disposição atípica em simples contratos de compra e venda.
22. Contratos nominados e inominados. Contratos atípicos. Contratos coligados.
A classificação dos contratos em nominados ou inominados vem do Direito Romano, mas sua utilização atual não se confunde com a romana. Nesta, os contratos nominados eram espécies completas, dentro dos quadros estabelecidos, tendo um nome particular e produzindo uma ação com o mesmo nome. Já os contratos inominados, que chegaram no direito antigo a ser considerados pactos sem força de contrato, não possuíam nomes ou ações próprias, mas com o tempo e a necessidade já surgida entre os romanos de novas convenções não enquadradas nos modelos conhecidos e denominados, ganharam uma ação geral: praescriptis verbis.
No direito moderno, pouco importa se o contrato apresenta ou não nome peculiar, mas sim se eles são objetos de regulamentação legal específica, sendo por isso preferível a nomenclatura contratos típicos ou atípicos.
Contratos típicos (nominados) são aqueles a que a lei dá denominação e submete a regras que pormenoriza. Contratos atípicos (inominados) são aqueles que a lei não discrimina expressamente, mas que são permitidos, se lícitos, em virtude do principio de autonomia privada.
Essa classificação será importante na interpretação dos contratos. Quando os contratantes realizam um ajuste daqueles que são típicos adotam, mesmo que implicitamente, as normas legais que compõe a sua dogmática para suprir a vontade das partes. Já nos contratos atípicos, não há essa previsão legal; desse modo a solução das controvérsias que surgirem, poderá, segundo o professor Juxxxxxxx, ser aplicado os usos e costumes, ou ainda, por um processo analógico de interpretação, as normas de contratos típicos próximos ao contrato atípico em questão.
Dentre os contratos atípicos, podemos encontrar aqueles com uma tipicidade social, ou mesmo alguns que podem ser mencionados ou referidos por uma lei, o que por si só o “nomina”, entretanto, em ambos os casos não podemos falar em contratos típicos, pois são regulados pela lei.
Ainda com relação aos contratos atípicos, podemos encontrar os contratos inventados (ou atípicos propriamente ditos) e os coligados (esse último não abordado no NCC).
Os contratos coligados seriam a união de contratos típicos, formando uma união de contratos dependentes entre si, na qual os vários pactos influem uns sobre os outros. Para o professor Juxxxxxxx, esses contratos devem ser interpretados sempre de forma “conjunta”, buscando a sua função econômica.
A doutrina ainda fala dos contratos mistos. Orxxxxx Xxxxx xs diferencia dos coligados, dizendo que nestes há combinação de contratos completos; naqueles, de elementos contratuais, enquanto possível a possível fusão de um contrato completo com simples elemento de outro. Na minha opinião (atenção, isso é minha opinião, simplesmente o que eu acho) quando o professor Juxxxxxxx xalou de contratos coligados, ele englobou as suas possibilidades exposta pelo Orxxxxx Xxxxx.
Entre os contratos atípicos mais freqüentes, podemos falar do leasing (arrendamento mercantil), franquia, hospedagem, faturização, garagem, publicidade, entre outros.
23. Classificação dos contratos uns em relação aos outros. Contrato preliminar e figuras afins. Caracterização do contrato preliminar e sua execução.
Segundo a classificação de Limongi França, pode-se afirmar que os contratos bipartem-se em contratos considerados em si mesmos e reciprocamente considerados.
Não caberá aqui tratar dos contratos considerados em si mesmos, por isso, procederemos a tratar dos contratos reciprocamente considerados.
Tal critério estabelece uma divisão, distinguindo-os em contratos principais e contratos acessórios.
Os contratos principais são os que existem por si, exercendo sua função e finalidade independentemente de outro.
Os contratos acessórios são aqueles cuja existência jurídica supõe a do principal, pois visam assegurar sua execução. Por exemplo: a fiança é contrato acessório, estabelecido para garantir a locação, que é contrato principal; logo, a fiança não poderá existir sem a locação.
A respeito dos contratos principais e acessórios, convém não olvidar os seguintes princípios fundamentais que os regem:
1) a nulidade da obrigação principal acarretará a das acessórias, porém, a destas não implica a da principal (CC, art. 153; NCC, art. 184);
2) a prescrição da obrigação principal induzirá à dos direitos acessórios (CC, art. 167; sem correspondente no novo código), mas a recíproca não é verdadeira; assim, a prescrição dos acessórios não atinge o direito principal.
Importante é retirar das figuras dos contratos preliminares e definitivos a aparente relação de acessoriedade que os circunda. Isso porque ambos são classificados como contratos principais que, independentemente, poderiam estar munidos de respectivos acessórios. O contrato preliminar ocorre quando ainda não há qualquer contrato definitivo, o que retira sua acessoriedade. Por sua vez, o definitivo prescinde do preliminar para existir, i.e., pode haver contratos definitivos sem que ao menos se cogite da existência de um preliminar. São contratos independentes um do outro.
É claro que há, em certa medida, uma relação: o contrato definitivo é objeto do preliminar, mas isso não retira a autonomia que ambos têm quanto a sua existência.
Mister, tendo entrado nesta matéria, conceituar o contrato preliminar. Segundo Poxxxx xx Xxxxxxx, o contrato preliminar é aquele pelo qual uma das partes, ou ambas, ou todas, no caso de pluralidade subjetiva, se obrigam a concluir outro negócio jurídico, dito negócio principal, ou contrato principal.
Frxxxxxxx xx Xxxxxx (só para variar) o define como convenção pela qual as partes criam em favor de uma delas, ou de cada qual, a faculdade de exigir a imediata eficácia do contrato que projetaram. Mas, no fim das contas, é tudo a mesma coisa.
Apesar da grande discussão em torno da inutilidade do contrato preliminar, que não passaria de rodeios, o fato é que ele vê sua utilidade na possibilidade de as
partes vincularem-se desde logo à realização de um negócio futuro, para o qual exista por ora algum obstáculo de fato ou de direito ou cuja definitiva realização, por razões de segurança, seja conveniente postergar. Por exemplo, se um indivíduo resolver reformar sua casa, mas não souber o quanto de material precisará, e queira garantir seu fornecimento, pode contratar com um vendedor que se compromete a entregar, no futuro, a quantidade que se revelar necessária.
A preliminariedade deste instituto o coloca em afinidade com as tratativas, figura referente às negociações que naturalmente ocorrem antes da formalização de um contrato. Ocorre que, muitas vezes, é difícil estabelecer o que é vinculante e o que não é, quando há contrato e quando não há.
Num mundo como o de hoje, em que se tenta prever todas as situações possíveis em relações contratuais que podem durar anos, os contratos tornam-se extremamente prolixos, cheios de cláusulas, requerendo períodos consideráveis para a troca de minutas, resolução de impasses etc. que, uma vez superados tendem a ser considerados vinculantes colimando a devida segurança inter partes. Sabe-se, todavia, que a fase das tratativas não é vinculante, cabendo apenas a diligência e confiança mútua.
O problema da diferenciação entre tratativas e contrato é tão grave que ensejou a inclusão no novíssimo Código Civil de artigo destinado especificamente a resolver a caracterização do pré-contrato.
Também guarda afinidade com o pré-contrato a figura da opção, que confere a uma das partes o direito potestativo de emitir uma declaração de vontade e assim completar o contrato para o qual a outra parte já prestou a sua própria declaração de vontade.
Por fim, o compromisso, que é considerado por alguns autores como contrato preliminar impróprio em que, mais do que uma promessa recíproca de contratar, haveria, na verdade, um contrato de natureza definitiva e eficácia imediata, acompanhado de promessa de renovar o consenso já externado anteriormente por uma forma particular.
Isto é, enquanto o contrato preliminar é autônomo e independente do definitivo, havendo aí dois contratos, o compromisso é algo como um contrato progressivo em que uma das partes, por não poder cumprir sua obrigação de imediato, o faz em doses homeopáticas, até que sua parte esteja feita e a outra, comprometida, possa realizar a dela. É o caso do compromisso de compra-e-venda.
Tendo em vista que o contrato de compra-e-venda resume-se à prestação de dar dinheiro pela contra-prestação de dar a coisa; no compromisso não há uma prontidão quanto a essas prestações, embora haja contrato (definitivo). No compromisso, há promessa de que, ao final do pagamento em prestações, de considerável longevidade, a outra parte irá cumprir sua prestação: dar a coisa. Nesse fim, o que ocorre é uma renovação do consenso já externado.*
Voltando ao contrato preliminar, é necessário, agora, tratarmos de seu conteúdo. Havia quanto a isso grande discussão, antes do NCC. Isso porque doutrinadores havia que defendiam que o pré-contrato deveria conter todas as cláusulas do contrato definitivo. Isto é, este deveria estar pronto e “dentro” do contrato preliminar. Outra corrente (incluso o eminente Juxxxxxxx) defendia que o pré-contrato deveria conter somente os elementos essenciais do contrato definitivo a ser celebrado. Tal divergência era acesa e pode ser verificada no leading case Disco x Pão de Açúcar.
A primeira corrente baseava-se no fato de que era inconcebível que um juiz fizesse as vezes das partes para a complementação de um contrato inacabado que, inexecutado por inadimplemento de uma delas, viesse a ter seu objeto requerido pela parte prejudicada. Visto que o objeto é o contrato definitivo, para pô-lo em prática, o juiz teria que interferir nas vontades das partes, completando-o.
A segunda corrente, por sua vez, não vê problema na interferência do juiz que não faria nada além de executar o que estava acordado que, sendo as partes essenciais do negócio, seriam suficientes para concretizá-lo.
* Compreendo que a definição de compromisso não é das mais óbvias. Tentei ao máximo deixar claro tal conceito. Qualquer dúvida, procurem-me. Xxxxxxx Xxxxxxxx já o fez e entendeu 👍
De qualquer forma, tal controvérsia só se dava em razão do silêncio do Código Civil de 1916. Isso não ocorre no novo Código Civil que, em seu art. 462, esclarece: “O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”.
A execução do contrato preliminar, se voluntária, cumpre-se com a realização do contrato definitivo. O pré-contratante que se oferece para concluí-lo, só com isso, já entrega sua prestação. O que ocorre quando da execução do pré-contrato é uma novação objetiva, ou seja, constitui-se uma nova obrigação que, tomando o lugar da preexistente, a extingue.
Em caso de execução forçada, o pré-contratante prejudicado obtém sentença que produz o mesmo efeito do contrato, desde que isso seja possível. Se não, a obrigação resolver-se-á, conforme a hipótese, ou na composição das perdas e danos, ou na perda das arras ou na sua restituição em dobro.
23. Classificação dos contratos uns em relação aos outros. O contrato preliminar e figuras afins. Caracterização do contrato preliminar e sua execução. (Xxxxxxx Xxxxx)
Os contratos, tomados uns em relação aos outros, podem ser de dois tipos: preliminares ou definitivos. Estes se caracterizam pela existência de todos os requisitos necessários a seu imediato aperfeiçoamento, aqueles por representarem um estágio anterior, no qual cada uma das partes, ou apenas uma delas, adquire o direito de exigir da outra a conclusão do contrato definitivo. Através do contrato preliminar, assume-se a obrigação de realizar negócio jurídico futuro, para o qual exista algum obstáculo de fato ou de direito, ou cuja definitiva realização seja conveniente postergar. É assim, de natureza vinculante para a partes.
Quanto ao conteúdo dos contratos preliminares (ou pré-contratos), a doutrina nunca foi pacífica. Os autores mais tradicionais defendiam ser necessário a existência de todo o conteúdo do contrato definitivo, exceto a forma. O código de 2002 resolve o problema, determinando em seu art. 462, que deve o contrato preliminar conter todos os requisitos essenciais do contrato principal, exceto quanto à forma.
Alguns autores defendem que não há sentido que justifique a existência do contrato preliminar se este não se diferenciar do contrato definitivo, situação notória no caso dos contratos reais, como o mútuo, em que somente a entrega da coisa é capaz de aperfeiçoar o contrato definitivo. Antes disso, estaríamos no campo dos pré-contratos.
Quanto à execução, esta deve ser analisada sob duas situações diversas. Na primeira, temos a execução voluntária, em que se cumpre o contrato preliminar com a realização do contrato definitivo. Nessa situação, o que ocorre do ponto de vista jurídico é uma “novação objetiva”, nos moldes do disposto no art. 360, I do Código de 2002, ou seja, as novas obrigações geradas pelo contrato principal substituem as do contrato preliminar, levando-as à extinção.
Na segunda situação, temos a execução forçada, conseqüência do descumprimento do contrato preliminar, quando não estabelecido pelas partes, naquele diploma, o direito de arrependimento. A execução forçada pode dar-se de duas maneiras: mediante pagamento de perdas e danos, como forma de compor o prejuízo causado, ou mediante adjudicação compulsória (art. 639 CPC), sentença que substitui o contrato definitivo, produzindo o mesmo efeito que aquele produziria. Trata-se da chamada execução “in natura”.
No que concerne às figuras afins do contrato preliminar, podemos citar as tratativas, meros apontamentos, documentos pelos quais, no correr das negociações, as partes vão fixando determinados pontos irretratáveis, mas que ainda não as vincula de modo definitivo por falta de acordo final acerca de todos os pontos essenciais. As tratativas, ou protocolos de intenções, estão no campo da responsabilidade pré- contratual, da boa-fé objetiva, diferentemente dos contratos preliminares e do chamado contrato prévio, que organiza a obrigação. Os protocolos de intenções relacionam-se à formação sucessiva do contrato, e admitem indenização por perdas e danos apenas quando as partes não agirem com a diligência necessária.
Outra figura afim é a opção, verificada quando uma das partes se reserva o direito de aceitar proposta da outra e, assim, fazer existir entre elas uma obrigação contratual.
Uma última figura importante é a do compromisso, usualmente verificada na expressão “compromisso de compra e venda”. Nessa situação, mais que uma promessa recíproca de contratar, há um contrato de natureza definitiva e eficácia imediata, acompanhado de promessa de renovar o consenso por uma forma particular. É o que o Prof. Xxxxxxxxx reclama ao afirmar que, no caso de compra e venda de imóveis, o contrato celebrado já é definitivo, ainda que o pagamento se dê em parcelas, pois o direito do adquirente à coisa é um direito real, ou seja, não apenas oponível contra o outro contratante, mas erga-omnes.
24. Interpretação em geral. Explicar versus compreender. Interpretação jurídica. Caráter interpretativo das normas do negócio jurídico. A política do CC brasileiro nessa matéria.
Para Xxxxx, o homem só é capaz de interpretar aquilo que é concebido pelo engenho humano, pois tal exercício consiste em desvendar uma espécie de significação oculta que permeia o objeto interpretado, em que fulgurem seus propósitos implícitos e explícitos, sem a apreciação dos quais se é impossível interpretar legitimamente o ato humano em sua complexidade.
Deveras, na terminologia de Xxxxxxx, o escrutínio das ciências humanas implica compreender, em seu bojo a apreciação da vontade dos atos estudados, melhor dizendo, as finalidades que se lhes são gravadas, a sua teleologia. À guisa de exemplo, não se interpreta um ato jurídico tão-somente através de descrições pedantes quanto à sua estrutura, sendo essencial que se cogite o porquê de sua existência, a causa que lê deu origem e se tentou lhe imprimir. Evidentemente, às ciências naturais cabem juízos diversos, denominados explicações: seriam, então, descrições minuciosas dos objetos e fenômenos, inclusive por meio de linguagem matemática, tais quais se encontram.
A interpretação jurídica, não obstante a noocracia que a abalança, segundo Xxxxx, é dotada de especial peculiaridade, diferenciando-se inclusive da interpretação histórica. Esta, afinal, configura-se na circunscrição de seu objeto num momento diverso daquele em que, de fato, ocorre a interpretação: noutras palavras, os critérios e inflexões ponderadas não podem se perder da ocasião do fato (terminologia da lógica simbolista: tudo que se pode dizer, sob risco de falseamento. Não se delimita, a interpretação jurídica, por sua vez, à mera avaliação de seu objeto – isto é, lei, sentença, contrato, testamento, atos unilaterais, tratados e convenções – em seu sentido original: a norma tem vigência na atualidade (e não apenas ecoa, não se tem uma enumeração de conseqüências históricas, por exemplo) em relação ao ordenamento jurídico do qual toma parte, destinada a perdurar e a transfigurar-se na vida social, a cuja disciplina deve servir.
Assim, o processo de interpretação jurídica é um quiçá-infindo trazer a lume, emergir, numa significação precisa, aquilo que se tenta imprimir na formulação do ato interpretado, em suma, elucidar agora, pelos critérios doutrinários e autênticos existentes, a vontade genuína, o espírito, da lei (vontade do legislador), do negócio jurídico (vontade das partes), da sentença (vontade do juiz: v.g., embargos de declaração) etc, num reconhecimento que visa, pois, a ação.
E este processo recognitivo, no tocante aos negócios jurídicos, não foge à sistemática geral do Novo Código Civil, em seus artigos 112 e 113, que diferencia dois estágios interpretativos, mas que, organicamente, expressam o intuito de excogitar a vontade (ou a comunhão de vontades) das partes, a saber:
a) Fase primeira de interpretação recognitiva: a busca do intuito comum das partes;
b) Fase segunda de interpretação recognitiva: na persistência de obscuridade, o intérprete se vale de recursos extra-textuais, como a boa-fé objetiva, usos daquele tipo de contrato ou regras supletivas.
Existe, todavia, grande polêmica doutrinária quanto à natureza de tais normas interpretativas: se prescrevem condutas inamovíveis aos intérpretes ou se se
configuram mero aconselhamento legislativo, não havendo meios reais de se exigir a sua aplicação.
A assunção da continuidade interpretativa já vinha subjacente no diploma de 1916, no qual se estabeleciam três regras interpretativas:
a) ater-se mais ao espírito do negócio jurídico que à letra do mesmo;
b) a interpretação dos contratos, contudo, deveria ser restritiva;
c) deve-se buscar a real vontade do testador
Destarte o reconhecimento da projeção de continuidade daquilo que se interpreta, o Código vigente não estabelece outras regras, deixando os pormenores a cargo da jurisprudência e da doutrina.
25. Interpretação do negócio jurídico: Teoria da vontade, da declaração, da responsabilidade e da confiança. Ponto de relevância hermenêutico.
O Código Civil brasileiro tem como influência a corrente doutrinária pandectista que estabelece a conceituação de negócio jurídico na parte geral e a matéria dos contratos na parte especial do código, como sendo uma espécie do gênero Negócio Jurídico. Nesta conceituação de negócio jurídico surge como elemento primordial a vontade, pois o consentimento é sua base estrutural.
Surgem, portanto, inúmeras teorias acerca da função da vontade e de sua declaração no Direito Privado. As mais importantes são: Teoria da Vontade, Teoria da Declaração de vontade, Teoria da responsabilidade e Teoria da confiança.
Essas quatro teorias objetivam também orientar a interpretação dos negócios jurídicos quando surgem conflitos entre a vontade e a sua declaração.
A respeito desta matéria, duas são as doutrinas fundamentais: a subjetiva (ou Teoria da vontade) e a objetiva (ou Teoria da declaração da vontade), em torno das quais se constróem todas as demais teorias e as múltiplas soluções propostas.
Segundo a teoria da vontade o ato jurídico é por sua essência um ato de vontade, sendo que o impulso volitivo interno do declarante é que deve ser analisado para produzir efeitos jurídicos. Esta teoria é colocada em relevo principalmente pelo jurista alemão Xxxxxxx, que defende a tese de que em caso de conflito entre a vontade e a declaração, aquela deve prevalecer sobre esta, visto que é o elemento fundamental do negócio jurídico. Desse modo, a declaração de uma vontade que não existiu de fato, ou de uma vontade não verdadeira significaria apenas a aparência de uma declaração e tornaria o ato suscetível de nulidade ou anulabilidade, dependendo da sanção prescrita pelo legislador. A teoria da vontade, portanto, se apóia na fé da palavra dada.(pacta sunt servanda)
A Teoria da declaração de vontade (Teoria objetiva) constitui, em certo sentido, a antítese da teoria da vontade. Seus defensores principiam afirmando que a regra da Teoria subjetiva da declaração sem vontade não possui alcance irrestrito, pois comporta exceções, tais como: não se aplica às cláusulas acessórias dos atos jurídicos, e não atua quando a causa da divergência apenas consiste na reserva mental do declarante. Em todos esses casos, o declarante não quis ou não quer o que declarou, porém, sua declaração prevalece.
Por conseguinte, afirma que o que é decisivo não é a vontade do autor, mas sim aquilo que aparece como vontade a quem a declaração se dirige. O principal fundamento adotado por essa teoria é o da necessidade de segurança e previsibilidade nas relações jurídicas.
Esta teoria faz prevalecer a vontade que se infere da declaração, ainda que esta não seja a vontade real do declarante ou que esta vontade seja inexistente, seja porque o sentido normal da vontade só existe, para o Direito, por sua expressão externa (Rechtsgeschafte), seja porque quem admite uma declaração jurídica admite se prender pelo sentido normal das expressões que emprega.
É comum a análise das diferenças entre o Direito Francês e o Direito Alemão acerca das diferentes teorias adotadas em seus Códigos27.
27Azevedo, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx, Xxxxxxx Xxxxxxxx, existência, validade e eficácia, ed. Saraiva, 1974.
O Direito Francês é essencialmente voltado para a análise da vontade íntima do declarante, influenciado o Code Civil, portanto, pela Teoria da Vontade de Savigny.
Já o Direito Alemão apresenta uma influência maior (mas não única) da Teoria da Declaração de Vontade, com a justificativa de que tal teoria cria melhores condições de segurança e previsibilidade nas relações jurídicas.
Para uma análise mais aprofundada desta matéria, devemos elucidar os aspectos históricos da época de criação tanto do Code Civil quanto do BGB. Este foi criado quase cem anos após o código civil francês, numa época em que o princípio da autonomia da vontade do Liberalismo Clássico do século XIX estava sendo duramente criticado e muitas das ilusões desta corrente ideológica desfeitas. Além disso, o princípio da Autonomia da vontade nunca foi visto da mesma maneira entre jusfilósofos alemães e franceses. Os juristas tedescos sempre viram o princípio da autonomia da vontade como um princípio filosófico suscetível a críticas e indagações como todos os outros princípios desta natureza. Já na França a onipotência da vontade ultrapassou o estágio da filosofia pura para atingir o grau de verdadeiro princípio político”28. A Revolução Francesa marcou o voluntarismo com tal amplitude e força que o princípio da autonomia da vontade na França, mais que em qualquer outro lugar, adquiriu um caráter de nobreza e inquestionabilidade.
Não podemos, porém, afirmar de maneira simplista que o BGB prima pela segurança nas relações Jurídicas e que o Code Civil pela autonomia da vontade. Não se pode dizer que houve uma tomada de posição a favor de uma ou outra teoria aprioristicamente. Tanto no BGB quanto no Code civil há concessões a ambas as teorias, assim como no Código Civil Brasileiro. Na prática, nenhuma das duas teorias podem ser observadas de forma pura, isolada.
Após uma visão geral sobre as duas teorias, passemos a analisar a visão de alguns juristas sobre o assunto.
Xxxxxx Xxxxx afirma que, sendo o negócio jurídico um fato social, há a exigência de que seja socialmente reconhecido. A vontade é um elemento tão abstrato e mutável que apenas pertence à condição psíquica de cada pessoa. O que é relevante para o Direito é a declaração da vontade, pois apenas esta é suscetível de interpretação. Não nega, porém, o autor, que a vontade também deve ser utilizada para a interpretação da declaração, mas ela (a vontade) não cria o objeto a ser interpretado(que é a declaração).
Xxxxxx afirma que esta dualidade (vontade versus declaração) não existe e que existe sim um só fenômeno; a declaração considerada como a própria vontade em ação.
Já o professor Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx afirma que, assim como Xxxxxx, não existem dois elementos (a vontade e a declaração), mas apenas a declaração da vontade. A vontade, segundo o professor, não é elemento do negócio jurídico pois o processo volitivo anterior à declaração não faz parte do Negócio jurídico, mesmo que a declaração tenha como pressuposto a vontade.
A vontade, portanto, não age no plano de existência do negócio Jurídico (por conseqüência, do contrato), mas pode agir no plano da eficácia ou da validade, pois uma declaração diferente da vontade interna cria o Negócio Jurídico, mas pode posteriormente influir em seus efeitos ou culminar com sua nulidade ou anulabilidade.
Com base na dualidade descrita supra (vontade x declaração) surgiram teorias intermediárias tentando aproximar ambos os elementos, mas, como afirma o professor Xxxxxxxxx, apresentam graves problemas lógicos, pois, justamente, partem de uma dualidade que não existe. Dentre elas, ressaltam-se a Teoria da responsabilidade e Teoria da Confiança.
A primeira afirma que mesmo desacompanhada da vontade, a declaração pode ter efeito obrigatório quando a disparidade entre vontade e declaração surgir por culpa ou xxxx do declarante. Neste caso ele vincula-se mesmo contra sua vontade. Caso contrário anula-se o negócio jurídico.
A Teoria da confiança, por sua vez, é a antítese da primeira, pois coloca a declaração acima da vontade. Afirma que se a declaração for diferente da vontade, a
28 Idem.
primeira prevalece. Porém se o contratante sabia da divergência do declarante ou tinha meios para descobri-la (com métodos de diligência mediana), não recebe este a tutela jurídica, pois entrou consciente dos riscos de nulidade. Neste caso apela-se para a vontade do declarante.
Uma visão mais moderna destas duas teorias tem como base o princípio da Boa- Fé objetiva, pois tanto o declarante quanto o destinatário da declaração devem agir conforme dita a teoria da boa-fé. Percebemos que este princípio permeia estas duas últimas teorias e que, apresentam-se como abrandamentos das teoria da Declaração e da Vontade.
Para que haja uma interpretação do negócio jurídico devemos levar em conta o ponto de relevância hermenêutico, que representa o ponto central para o entendimento de cada tipo de negócio jurídico.
Seria, portanto, o ponto de vista que deve ser levado em consideração na interpretação de cada espécie de negócio jurídico. Ao analisar, por exemplo, um negócio jurídico gratuito, o ponto de relevância hermenêutico será o do declarante, sendo irrelevante o do donatário. O mesmo acontece, por exemplo, com a espécie negócio jurídico mortis causa. (o ponto de relevância hermenêutico seria o do declarante, não o do herdeiro).
Um outro exemplo seria uma promessa de recompensa anunciada no rádio, na qual o ponto de relevância hermenêutico será a posição do declaratário. Neste caso, dever-se-ia inferir o que um declaratário padrão (nos moldes do homem mediano), entenderia das palavras do declarante. Pode-se levar em conta também o declaratário in concreto, como na situação de oferta de contrato específica, cujo ponto de relevância hermenêutico seria a pessoa do declaratário. Xxxxxxxxxx, então que a teoria da responsabilidade tem como PRD a figura do declarante e a teoria da confiança, a do declaratário.
26. Os quatro cânones hermenêuticos e as duas fases da interpretação contratual: a da procura da vontade comum e da interpretação integrativa. O princípio in claris cessat interpretatio é velharia hoje sem aplicação?
Em primeiro lugar, devemos ter em mente que a interpretação é a chave do direito, ou seja, não se faz direito sem interpretação. A interpretação dos contratos pode ser dividida em duas fases: a fase recognitiva e a fase integrativa. A fase recognitiva, também chamada de interpretação subjetiva, é a etapa da interpretação de um contrato em que se busca o sentido da vontade comum dos contratantes; é nessa etapa que se procura, como reza o artigo 112 do CC/2002 (artigo 85 do CC/1916), a intenção dos contratantes, suas vontades reais.
A fase da interpretação conhecida como integrativa, mas também chamada de interpretação objetiva, é aquela que nos impõe a utilização de recursos extratextuais para que se resolva alguma ambigüidade remanescente. Recorre-se, pois, à boa-fé, aos usos, às normas supletivas e deve-se interpretar o contrato como um todo, analisando umas disposições em relação às outras. Basicamente três princípios pautam a interpretação objetiva: 1) o princípio da boa-fé, consagrado inclusive pelo artigo 113 do Novo Código Civil; 2) o princípio da conservação dos contratos, que impõe a interpretação o sentido que leve o contrato e suas cláusulas a efetivamente produzirem efeitos e 3) o princípio da extrema ratio, que consiste no estabelecimento de prestações equilibradas nos contratos sinalagmáticos e em menor onerosidade para o devedor nos contratos unilaterais.
XXXXX fixou quatro cânones interpretativos de grande utilidade e relevância para a atividade hermenêutica. O primeiro deles é o cânone da Autonomia do Objeto, que consiste na eliminação dos pré-conceitos que venham a existir e que determina que se retire um sentido da coisa, mas não que se atribua um sentido à coisa. O segundo cânone hermenêutico é o cânone da Totalidade do Entendimento, que nos leva a incluir na interpretação contratual o comportamento das partes nos momentos pré e pós-contratuais, uma vez que eles permitem a contextualização do acordo de vontades e facilitam a busca da vontade real dos contratantes.
Os dois cânones expostos até agora têm sua aplicação inserida na fase recognitiva da interpretação contratual, ao passo que os que serão analisados agora se aplicam à fase integrativa do processo interpretativo.
O terceiro cânone hermenêutico de BETTI é o do chamado Arco Hermenêutico e consiste na atualização do objeto da interpretação, ou seja, deve-se trazer os contratos para os dias atuais. O último cânone – com algumas adaptações – é o da Projeção dos Fins, ou seja, deve-se verificar quais serão as conseqüências da interpretação realizada.
Um outro princípio considerado basilar à interpretação contratual é o in claris cessat interpretatio. Alguns juristas afirmam a inutilidade e ausência de conteúdo de tal princípio, uma vez que só se conclui a clareza do texto após a realização de um trabalho hermenêutico, sendo a interpretação um pressuposto da aplicação de tal princípio. Entretanto, a utilidade deste princípio se manifesta quando o entendemos como indicador do momento em que se deve encerrar a interpretação. O princípio em análise não indica a ausência de interpretação, mas sim o seu término.
27. Pré-compreensão (Xxxxxxx) e “tabula rasa” (Betti) diante do objeto a interpretar. Regras sobre a vontade comum e regras objetivas da interpretação contratual.
Interpretar um contrato é esclarecer o sentido das declarações de vontade distintas que se integram e determinar o significado desse acordo ou consenso29. Em casos de controvérsia instaurada e não resolvida pelos contratantes a respeito do conteúdo do contrato a interpretação é imprescindível30.
Existem dois tipos de interpretação de contratos: subjetiva ou objetiva. A interpretação subjetiva tem por fim a verificação da vontade real e comum das partes, enquanto a objetiva visa esclarecer os sentidos das declarações que continuem dúbias ou ambíguas por não ser precisar a efetiva intenção dos contratantes. A interpretação objetiva é subsidiária, pois suas regras somente são invocadas se falharem as que comandam a interpretação subjetiva31. Ressalte-se que as regras podem ser aplicadas concomitantemente para ajudar na investigação interpretativa.
As regras para a interpretação subjetiva são: a) na interpretação de um contrato deve-se indagar qual foi a intenção comum das partes; b) o intérprete não deve se limitar ao sentido literal da linguagem, mas averiguar o espírito do contrato; c) tal como a lei, o contrato deve ser interpretado sistematicamente, interpretando-se suas cláusulas umas por meio das outras e atribuindo-se a cada qual o sentido que emerge da totalidade; d) as cláusulas de um contrato de adesão ou predeterminadas por um dos contraentes em fórmula impressa interpretam-se, na dúvida, em favor da outra parte.
A interpretação subjetiva visa respeitar ao máximo a autonomia privada, enquanto possibilidade de os particulares estabelecerem as normas que disciplinarão certa relação intersubjetiva. Daí ser inadmissível, em princípio, qualquer iniciativa judicial, que a pretexto de interpretar um contrato, atribua a este um significado não partilhado por nenhuma das partes, ao argumento de ser mais desejável do ponto de vista do interesse geral32.
As regras de interpretação objetiva são: a) o contrato deve ser interpretado segundo a boa-fé (é aplicação do princípio mais geral da confiança, lealdade e auto- responsabilidade, um comportamento minimamente ético das partes); b) a interpretação deve conduzir à conservação do contrato, de modo que produza efeitos (de maior utilidade), como também devem produzi-los suas cláusulas; c) no caso de permanecer obscuro depois de observadas as regras hermenêuticas estabelecidas, deve o contrato gratuito ser interpretado no sentido menos gravoso para a parte com posição de devedor, enquanto no contrato oneroso a interpretação deve conduzir ao maior equilíbrio das prestações extrema ratio.
29 XXXXX, X. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 199.
30 XXXXX, X. Curso Avançado de Direito Civil, v. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 95.
31 XXXXX, X. Contratos cit., p. 202.
32 XXXXX, X. Curso Avançado de Direito Civil, cit., p. 98.
As regras de interpretação objetiva não são normas interpretativas do contrato propriamente dito, pois não visam a esclarecer o sentido da vontade contratual, mas estabelecer um significado hipotético à base de esquemas hipotéticos diante da vontade obscura ou ambígua. São normas jurídicas mias ligadas à estrutura do contrato, sua função e retidão das técnicas de contratação, que hoje se empregam em certos setores econômicos, como a do contrato em massa, por exemplo33.
No direito brasileiro, o Código Civil de 1916 foi avaro em fornecer normas para a interpretação negocial. Tem uma única regra geral, o artigo 85, que é de caráter subjetivista: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que o sentido literal da linguagem” (no Código novo corresponde ao artigo 112 “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”). As demais regras ou são específicas – artigos 1.090, para contratos benéficos (Código de 1916: “Os contratos benéficos interpretar-se-ão estritamente”; no novo Código: artigo 114 “Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente”), 1.483, para fiança, 1.666, para testamento – ou, somente indiretamente interpretativas – em geral, presunções legais. Leis especiais também têm regras específicas, a mais importante sendo, provavelmente, a do artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor. É somente no velho Código Comercial que se encontra bom número de disposições gerais sobre interpretação contratual (artigo 131 “Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases: I - a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa-fé, e ao verdadeiro espírito do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras; II - as cláusulas duvidosas serão entendidas pelas que não o forem, e que as partes tiverem admitido; e as antecedentes e subseqüentes, que estiverem em harmonia, explicarão as ambíguas; III – o fato dos contraentes posterior ao contrato, que tiver relação com o objeto principal, será a melhor explicação da vontade que as partes tiverem no ato de celebração do mesmo contrato; IV – uso e prática geralmente observada no comércio nos casos de mesma natureza, e especialmente o costume do lugar onde o contrato deva ter execução, prevalecerão a qualquer inteligência em contrário que se pretenda dar ás palavras; V – nos casos duvidosos, que não possam resolver-se segundo as bases estabelecidas, decidir-se-á em favor do devedor).
Do conforto entre a posição exclusivamente subjetivista do Código Civil de 1916 e a objetivista, fundada nos usos e costumes e na boa-fé do Código Comercial, chega-se a uma solução conciliadora, própria da jurisprudência brasileira. O que importa salientar é que do conflito entre a intenção (subjetivismo) e a boa-fé (objetivismo), como critérios de interpretação, há decisões que, implícita ou mesmo expressamente, utilizam o critério da boa-fé ao lado do da intenção, para interpretar o negócio. A boa-fé, assim, apesar do silêncio do Código Civil, é critério utilizado pelos tribunais34.
No entender de Xxxxxx Xxxxxxxxx00, nos negócios jurídicos, incluindo os contratos, o que o hermeneuta deve procurar é a vontade das partes. Mas, como se exprime pela declaração, viajará através desta, até atingir aquela, sem deixar de ponderar nos elementos exteriores, que envolveram a formação do contrato, elementos sociais e econômicos, bem como negociações preliminares, troca de correspondência – fatores todos, em suma, que permitam fixar a vontade contratual.
Já na concepção de Xxxxx o homem só é capaz de interpretar aquilo que foi criado pelo homem. O intérprete faz o caminho inverso do criador: vê o objeto pronto e parte daí para sua criação. Essa é a fase recognitiva ou reconstitutiva da interpretação. Nesse passo, Xxxxx aponta duas regras para interpretação ou cânones hermenêuticos. Primeiro, que o intérprete deve ler, sem conceitos prévios (tabula rasa), e tentar entender – com métodos gramatical e lógico - o texto. Captar tudo o que ele quer dizer. Fazer isso com uma certa humildade que impede que sua voz se incorpore ou se sobreponha à voz do texto. Então, o sujeito deve partir do objeto, não de si próprio, e chegar à verdade do objeto. Esse é percebido, mantido e consolidado
33 XXXXX, X. Contratos cit., p. 206.
34 XXXXXXX A. J. Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 117.
35 XXXXXXXXX, X. Instituições de Direito Civil, v. 3. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 27.
em sua diferença e em sua realidade próprias. Isso pressupõe uma separação entre o sujeito e o objeto. E é esse o primeiro cânone, a autonomia do objeto. Em seguida, há o cânone da totalidade. O objeto deve ser colocado em seu contexto, em suas circunstâncias, para se avaliar sua relação com outros objetos e as conseqüências disso. Isso significa analisar uma parte, uma frase, no conjunto do texto e no contexto de quando foi feito o contrato. Essas duas primeiras regras abrem espaço para a procura da vontade comum.
Se a vontade comum não resolveu ambigüidades, contradições, não clareou ou precisou o objeto, busca-se então recursos extratextuais. É a fase integrativa. Integra- se o contrato a algo de fora, externo a ele. Assim, se procede com mais dois cânones. O da atualização do entendimento e da verificação do resultado. Nesse terceiro cânone traz-se o objeto para o presente (por meio do arco hermenêutico há a verificação do contrato no momento presente (um ir e vir), uma vinda para a atualidade: ex. boa-fé). O último cânone é o da verificação do resultado, em que se projeta os fins do contrato, verifica-se suas conseqüências.
Houve polêmica entre Xxxxx e Xxxxxxx sobre o primeiro cânone. Para Xxxxxxx a separação entre o sujeito observador e o objeto não é perfeita (como sugeriu Betti). O intérprete traz consigo uma pré-compreensão, uma pré-interpretação do objeto. E dá- se um ir e vir na mente do intérprete: primeiro sua pré-compreensão, depois o objeto e assim sucessivamente. Não há possibilidade de se estabelecer regras de comportamento, um dever agir do sujeito observador. Não há como começar a interpretação sem um pretérito conceito ou compreensão. O que se consegue, dessa forma, é uma descrição do comportamento e não uma regra ou uma prescrição. Para o professor de civil existe a pré-compreensão, porém ela não se opõe à autonomia do objeto preconizada por Bexxx. Entende que não se deve levar com fanatismo as palavras de Betti, mas compreendê-las pragmaticamente.
28. Os momentos da fase pré-contratual: tratativas e ofertas. Caracterização jurídica da oferta. O vínculo originado da oferta: caráter mais fraco ou mais forte, exemplos. (Taxxxxx Xxxxxx)
Quando se fala na formação dos contratos, devemos, sempre, levar em consideração que há um processo na sua formação, ou seja, há etapas que levam ao nascimento do vínculo contratual.
Vale ressaltar que algumas dessas etapas não são essenciais para o nascimento contratual, porém, uma vez existentes já podem gerar vínculos e estes, por sua vez, gerarem responsabilidade. É o que se passa a explicar.
Quando estamos na fase pré-contratual, podemos nos deparar com duas sub-fases distintas: a das tratativas e a das ofertas.
No que diz respeito ao campo das tratativas, estamos lidando com a fase das negociações, quando as partes que poderão contratar futuramente estão em contato para estipularem os elementos contratuais e as conveniências de acordo com a autonomia individual.
Observe-se que, nesse campo, ainda não há nenhuma oferta, o que apenas existe é negociação entre as partes sobre pontos importantes que possam leva-las à conclusão futura de um contrato.
O que é mais importante é que, mesmo não havendo, nessa fase, qualquer negócio jurídico36, as partes já possuem deveres mútuos, os quais têm como base jurídica a boa-fé OBJETIVA37. Tal figura jurídica cria deveres anexos para as partes, independentemente de haver qualquer vínculo jurídico reconhecível entre elas.
Desses deveres anexos, pode-se destacar o dever de lealdade, de mútua colaboração entre as partes. Se alguns desses deveres forem descumpridos, que os descumprir será responsabilizado.
36 Reparem que até pode haver, mas independentemente de existir ou não tal negócio, já haverá a possibilidade do nascimento de deveres decorrentes de outra categoria jurídica.
37Não confundir com a boa-fé subjetiva. Obviamente, se uma das partes causar dano por má-fé, será ela responsabilizada. Porém, uma das partes pode descumprir o princípio da boa-fé sem que se analise sua consciência.
Vale, nesse ponto, destacar que é controverso, na doutrina, se essa responsabilidade é contratual ou extracontratual (aplicando-se, portanto, o art. 159 do CC).
Alguns doutrinadores italianos, como Galgano38, e alemães39, acreditam ser essa responsabilidade contratual.
Porém para o prof. Juxxxxxxx x outros doutrinadores, tal responsabilidade se dá no campo extracontratual.
A fase das tratativas é extinta quando ocorre a oferta que é um negócio jurídico unilateral40,que pode ser receptício, quando se dirigir a pessoas determinadas, ou não receptício, quando se dirigir para um sujeito indeterminado ou para uma pluralidade de sujeitos sem uma definição.
A oferta obriga o proponente (ofertante ou policitante). Decorrente disso, se houver aceitação da oferta e o policitante se recusar a contratar, responderá este por perdas e danos.
Prof. Juxxxxxxx xnsina que, quando não se tratar de oferta irrevogável ou com prazo determinado, a vinculação entre o policitante e o oblato é mais fraca, pois o oblato não poderá obrigar o policitante a cumprir a sua oferta, devendo este somente reparar as perdas e danos, que não serão integrais e que se pautarão no interesse negativo do oblato, ou seja, ressarci-lo pelos gastos despendidos pela confiança da negociação e o que este deixou de ganhar.
Porém, quando estamos tratando da oferta irrevogável ou a com prazo determinado, percebemos, nitidamente, que há um vínculo muito mais forte estabelecido entre policitante e oblato.
Caso a aceitação se dê dentro do prazo, ou mesmo no caso da irrevogabilidade, e o policitante se recusar a contratar, poderá o oblato, pautado no seu interesse positivo, pedir perdas e danos integrais e até uma ação de tutela específica de prestar declaração de vontade que, sendo julgada procedente, dará todas as condições jurídicas para o nascimento do contrato.
No que tange à oferta, vale destacar o posicionamento trazido pelo CDC. Analisando-se seus dispositivos é que podemos entender melhor o que vem a ser esse vínculo tido como mais forte.
A publicidade no campo das relações de consumo, desde que suficientemente precisa e sendo identificada pelo consumidor como tal (art. 36 do CDC), será considerada OFERTA, conforme dispõe o art. 30. Ressalte-se que, fora das relações de consumo, a publicidade não é entendida como oferta.
No CDC, havendo oferta, entende-se que o contrato já está feito, podendo o consumidor pedir a coisa e até a rescisão do contrato.
Observemos o que versa o art.35, do referido código, que permite ao consumidor alternativamente, à sua escolha, exigir o cumprimento da obrigação, nos termos que se apresentou a oferta; escolher pela entrega de outro produto ou prestação equivalente de serviço, ou, ainda, rescindir o contrato.
29. A) Casos em que a oferta não obriga; B) A publicidade equiparada à oferta no CDC; C) Casos em que a oferta, depois de obrigar, deixa de vincular; D) Oferta por e-mail e pela internet (Vaxxxxx Xxxxx)
A oferta é uma declaração unilateral de vontade por meio da qual o policitante convida o oblato a contratar, apresentando desde logo os termos em que se dispõe a fazê-lo. Embora saibamos que o contrato só se aperfeiçoa pelo cruzamento das declarações das partes, é necessário ressaltar que a oferta contém uma declaração séria do policitante, daí o fato de no Novo Código Civil, em seu art. 427, determinar ser a proposta vinculante.
38
39
40 Segundo Maxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx, negócio jurídico é “a vontade manifestada para compor o suporte fático de certa categoria jurídica visando à obtenção de efeitos jurídicos que podem ser determinados pelo sistema, ou não.”
Art. 427: A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.
O fundamento dessa regra encontra respaldo na necessidade de assegurar a estabilidade das relações sociais, posto que quem propõe um negócio cria uma legítima expectativa junto à pessoa a quem endereçou, que pode vir a realizar gastos em virtude da crença na seriedade da proposta, agindo de boa-fé. Por esse motivo, a lei impõe ao policitante o dever de manter sua proposta, sujeitando-o às perdas e danos em caso de inadimplemento.
O NCC, no entanto, no artigo citado, oferece três exceções à tal regra, afirmando que a oferta não obriga dependendo dos termos da mesma, da natureza do negócio (natureza da própria oferta), ou das circunstâncias do caso (ex.: quando a oferta não é séria, ela não obriga).
Cabe analisar a hipótese de a pessoa a quem foi direcionada a oferta afirmar aceitá-la desde que possa pagar depois ou em parcelas, por exemplo. Nesse caso, o ofertante não fica vinculado; o que ocorre é uma nova oferta, agora proposta pela outra parte, e que vinculará a partir do momento em que o proponente “original” aceitá-la.
Por outro lado, o art. 428 enumera hipóteses em que a oferta, depois de obrigar, deixa de vincular. Para tanto, a lei distingue a proposta dirigida a pessoa ausente da proposta dirigida a pessoa presente. Nesses termos:
- Deixa de ser obrigatória a proposta dirigida a pessoa presente quando, feita sem prazo, não for imediatamente aceita. Isso equivale a dizer que, se prazo foi concedido para a resposta, o policitante só se desvincula de sua oferta após o transcurso desse prazo, sem aceitação;
- Dirigida a pessoa ausente, sem prazo, a proposta deixa de obrigar quando tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente. Isso porque a lei pressupõe que, não concedido prazo para refletir, deve o recipiente da proposta resolver de pronto se aceita ou recusa;
- Dirigida a pessoa ausente, com prazo fixado, a oferta deixa de obrigar quando a resposta não tiver sido expedida dentro do mesmo;
- A proposta, por fim, deixa de obrigar se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente, evitando que se crie para o oblato a justa expectativa de contratar (arrependimento lícito).
Para melhor compreender tais dispositivos, é importante que se saiba quando a oferta será considerada entre ausentes e quando o será entre presentes, especialmente diante do fato de o nosso Código não abordar as ofertas feitas por meio de mecanismos mais modernos. Nesse sentido, pode-se afirmar que as pessoas que contratam por telefone são consideradas presentes (caso já abordado pela lei); segundo o prof. Juxxxxxxx, o mesmo se diz sobre as pessoas que contratam em chat; quanto ao uso de e-mail para a oferta, o prof. Juxxxxxxx xonsidera que isso ocorre entre ausentes, pois nem sempre a pessoa verifica suas mensagens imediatamente, ou, ao menos, regularmente (o prof. Sílvio Rodrigues considera entre presentes).
No que se refere à força vinculante da oferta, há três posições, sendo duas delas adotadas pelo Código Civil e uma outra adotada pelo CDC:
Código Civil:
- no caso de não cumprimento do que se oferta, cabem perdas e danos, menores, contudo, do que caberiam nos casos ordinários de inadimplemento contratual. Aqui, caberiam perdas e danos pelo interesse negativo, apenas (por aquilo que se gastou ou se perdeu)
- no caso de oferta irrevogável ou com prazo determinado, a vinculação é mais forte, e dá o direito de exigir a formação do contrato ou perdas e danos de forma completa, pelo interesse positivo, também.
CDC:
- entende-se o contrato como feito, e, desse modo, o consumidor pode pedir a própria coisa (visto que, nas relações de consumo, normalmente o fornecedor dispõe de uma grande quantidade de seu produto, e isso lhe é possível) ou a rescisão do contrato.
Em seu art. 30, o CDC dispõe que “Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”. Com isso, o referido Código transforma a publicidade em oferta, atribuindo-lhe força vinculante e dando ao consumidor o direito de exigir a coisa; a publicidade, nesses termos, vincula, para o CDC, mesmo que o anúncio contenha algum erro.
Assim, pode-se afirmar que mesmo os anúncios de sites da Internet seriam equivalentes a ofertas (“qualquer forma ou meio de comunicação”), vinculando, portanto.
30. A aceitação: caracterização jurídica. Aceitação fora do prazo ou com modificações. Forma da aceitação. O silêncio como declaração de vontade. Retratação.
Caracterização jurídica: A aceitação é negócio jurídico unilateral receptício. Isso significa que a declaração de vontade que forma a aceitação é dirigida a uma pessoa determinada.
Uma declaração unilateral de vontade não receptícia é aquela que não é dirigida a uma pessoa determinada. A oferta pode ser não receptícia, o que não ocorre com a aceitação.
Sua natureza jurídica é de direito potestativo, pois, se exercido, altera a esfera jurídica de outra pessoa, no caso o policitante, o qual está num estado de sujeição inevitável. A resposta à oferta é um poder, uma possibilidade de se vincular a outra parte. Para o prof. Juxxxxxxx, a aceitação é o exemplo mais claro de direito potestativo. Para finalizar,como ensina Caxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, sem aceitação inexiste ainda o contrato. Somente quando o oblato se converte em aceitante, e faz aderir a sua vontade à do proponente, a oferta se transforma em contrato.
Aceitação fora do prazo ou com modificações: Se a aceitação não for formulada dentro do prazo concedido na oferta e não corresponder a uma adesão integral à proposta, como ensina Sílvio Rodrigues, não se tratará de aceitação, mas de nova proposta, deixando o primeiro proponente desvinculado da obrigação de contratar ( CC art. 431). Se a aceitação, embora expedida a tempo, por motivos imprevistos chegar tarde ao conhecimento do proponente, ela não vincula o ofertante. Porém, a lei impõe a este o dever de comunicar imediatamente o ocorrido ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos (CC art. 430). Na realidade do mundo jurídico ocorrem casos em que a aceitação chega depois do prazo e até mesmo depois do termo razoável. Aqui há um problema, pois, muitas vezes, não há prazos estipulados para a aceitação ou não se sabe a partir de quando se começa a contá-lo.
Forma da aceitação: Na verdade, não há forma prescrita para a aceitação, podendo esta ser oral, escrita ou até por meio de gestos. Pode ser expressa ou tácita. Para o prof. Juxxxxxxx, estas expressões não são muito claras. Para ele a forma é expressa ou tácita se for direta ou indireta. Mais uma vez, Caxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx xoloca bem o tema: Pode ser ela expressa se o aceitante declarar a sua anuência; ou ser tácita, se uma atitude, inequívoca, autoriza concluir pela integração de sua vontade na declaração contida na proposta, como no caso do oblato enviar, sem dito expresso, ao policitante, a mercadoria por este solicitada. Pode ser presumida quando a conduta do aceitante, nos termos da lei, induz anuência, como se o proponente marca prazo ao oblato para que este declare se aceita, e o tempo decorra sem resposta negativa, naqueles casos em que se não costuma aceitação expressa(art.432).
O silêncio como declaração de vontade: as questões acerca da forma da aceitação levam ao problema do silêncio como manifestação de vontade. Vale, para o direito, o vocábulo “quem cala, consente”?
Para o prof. Junqueira, o silêncio, em direito, não significa nada. Nem aceitação, nem não aceitação. É algo ambíguo. Contudo, há situações possíveis nas quais o silêncio é qualificado, e vem carregando a aceitação. Nesse caso, não é um silêncio simples. O prof. Sílvio Rodrigues também entende desta maneira: “Não se deve confundir o consentimento tácito com efeito vinculativo do silêncio, pois este, não sendo nem afirmação nem negação, não pode ser manifestado como manifestação tácita do querer
(...). Excepcionalmente, entretanto, tem-se admitido a função vinculadora do silêncio, quando, em virtude da circunstâncias especiais, a inércia das partes deve ser compreendida como aceitação. Diz-se, então, ocorrer silêncio circunstanciado, ou qualificado”. Tal solução é cabível somente quando a comunicação da recusa representa um dever do oblato. Para o prof. Sílvio Rodrigues, é mais importante o caráter habitual de um tal evento. Um proponente não pode obrigar o oblato por uma simples declaração de vontade (o caso de revista que envia um exemplar dela a uma pessoa, informando que, caso não haja manifestação em contrário, o silêncio será tido como subscrição da assinatura). O prof. Juxxxxxxx xntende que só é possível o silêncio vincular a parte em casos semelhantes ao da “livraria”: Se vai a uma livraria e pede-se todos os livros sobre determinado assunto. O livreiro, então, manda os livros ao destinatário. Nesse caso, o silêncio daquele que recebe os livros é tido como aceitação. Retratação. Pode a aceitação ser retratada se antes dela chegar ao proponente, ou, no momento em que ela chegar a ele, chegar também a retratação. Para o prof. Orxxxxx Xxxxx, o ilogismo desta regra, flagrante diante do sistema da expedição, justifica-se para dar igual tratamento ao aceitante e ao proponente.
A retratação da aceitação também é declaração receptícia no sentido de que somente produz efeito, quando chega ao consentimento do proponente.
30. A aceitação: caracterização jurídica. Aceitação fora do prazo ou com modificações. Forma da aceitação. O silêncio como declaração de vontade. Retratação útil. (Paloma Coimbra)
Aceitação é a aquiescência a uma proposta (oferta). Consiste, consoante Sixxxx Xxxxxxxxx, na formulação da vontade concordante do oblato, feita dentro do prazo e envolvendo adesão integral à proposta recebida.
A aceitação é negócio jurídico unilateral receptício. Receptício pois se dirige a uma pessoa determinada (o policitante). Caracteriza-se, ademais, por ser um direito potestativo, uma vez que, quando realizada, modifica a esfera jurídica de outrem – a quem a aceitação se dirige –, que se encontra, assim, submetido ao titular da aceitação.
Tanto para a oferta quanto para a aceitação não há forma prescrita. Desse modo, a aceitação pode ser expressa ou tácita, conforma se mostre direta ou indireta (deduzida), respectivamente, à pessoa do policitante. A aceitação tácita é a deduzida de certo comportamento do oblato.
Vixxxxx Xxx xropôs o silêncio como aceitação do contrato. Entretanto, em direito, o silêncio, via de regra, não significa aceitação, visto que é algo ambíguo. Excepcionalmente, no entanto, o silêncio é admitido como aquiescência , em virtude de situações especiais em que a inércia de uma das partes pode ser compreendido como aceitação. Este é o silêncio circunstanciado ou qualificado. Ocorre sempre que, devido a uma situação anterior, o silêncio vem qualificado como aceitação.
O silêncio qualificado está consignado no NCC em seu art. 111, na parte relativa aos negócios jurídicos, e mais especificamente no art. 432 (dos contratos em geral), em preceito análogo ao contemplado pelo CC16. Importante destacar que, nos casos que comportam o silêncio qualificado, cabe ao oblato, quando não quiser realizar o contrato, expressar sua recusa, sob pena de se reputar concluído o negócio.
A força vinculante da aceitação atua quando manifestada dentro do lapso temporal em que a oferta é válida. Destarte, a aceitação tardia não vincula, convertendo-se, por força de lei (art. 431 NCC, 1083 CC16), em nova proposta. O mesmo ocorre com a aceitação com modificações, pois para que a aceitação tenha força vinculante e conclua o contrato, mister ser feita não só dentro do prazo mas também envolvendo adesão integral à proposta recebida.
Deve-se ressaltar, contudo, que no caso de oferta sem prazo, ou com prazo de difícil determinação, a aceitação mesmo fora do prazo vincula, pois nessa situação o aceitante crê no aperfeiçoamento do contrato (Junqueira). Ademais, na hipótese de a aceitação ter sido expedida a tempo, mas por motivos imprevistos chegar tarde ao conhecimento do proponente, cabe a este, em face da boa-fé objetiva, comunicar imediatamente o ocorrido ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos (art. 430 NCC).
Assim como a oferta, a aceitação também é passível de retratação. No entanto, para que seja eficaz, necessário que chegue ao conhecimento do policitante (pois é negócio jurídico receptício) e antes ou concomitante à aceitação (art. 433 NCC, 1085 CC16).
31. Momento Da Conclusão Do Contrato Quando Feito Por Correspondência: Teorias E Soluções Do Código Civil (Novo E Velho). As Exceções. Lugar Da Conclusão Do Contrato.
Contratos podem se formar instantaneamente ou exigir certo lapso temporal entre a proposta e a aceitação. Os primeiros são os chamados “entre presentes”, enquanto os últimos, “entre ausentes”. O fundamento da distinção é a possibilidade ou não de resposta imediata.
Nos contratos por correspondência é, obviamente, necessário dar-se tempo para a manifestação do oblato. Estando proposta e aceitação declaradas em momentos distintos, cumpre determinar o instante em que o contrato se forma para a verificação mais exata da extensão da produção de seus efeitos.
Para tanto, propõem-se as teorias da informação ou cognição e a da declaração ou agnição (que abarca declaração propriamente dita, expedição e recepção). Pela cognição, um contrato é perfeito com o conhecimento, por parte do policitante, do conteúdo da aceitação. Há, neste ponto, um problema, por se tornar difícil a precisa determinação do momento em que ocorre tal conhecimento, surgindo possibilidades de arbítrio por parte do proponente.
Pela declaração propriamente dita, forma-se o contrato no momento em que o oblato manifesta sua vontade de aceitar a proposta. É tão problemática quanto a da cognição, por também sujeitar a situação a arbítrios, dessa vez, por parte do aceitante.
A teoria da expedição – adotada pelo CC, art. 1086, e NCC, art. 434 – toma por prefeito o contrato quando da expedição da aceitação. Ganha em objetividade.
Já para a teoria da recepção, só há contrato quando o policitante encontra-se em condição de tomar contato com a resposta, sem, necessariamente, ter de saber sobre seu conteúdo.
A teoria adotado pelos diplomas legais brasileiros é, em alguma medida, temperada. São previstas exceções que bloqueiam a formação dos contratos, quais sejam, a retratação eficaz, ou seja, aquela que chega antes ou no mesmo instante da aceitação; o comprometimento do proponente de só reconhecer perfeito o contrato com o recebimento da resposta; o fato de a aceitação não chegar no prazo convencionado, o que cria ao ofertante a obrigação de comunicar ao aceitante o atraso, sob pena de responder por perdas e danos (CC. art. 1082).
Para o Prof. Juxxxxxxx, o e-mail é contrato entre ausentes – ao contrário de Sílvio Rodrigues – e o Chat é entre presentes.
No que tange ao lugar do contrato, regra geral é de que se forma onde foi proposto. É dispositiva, contudo, pois se admite que, assim como ocorre com o foro, seja eleita a legislação que regerá as obrigações assumidas pelas partes. Em caso de contratos internacionais deve-se observar, para determinação da legislação pertinente, a Lei de Introdução do CC.
Contratos feitos por meio de Sites, para o Prof. Junqueira, reputam-se formados na sede da empresa responsável pela publicidade.
31. Momento de conclusão do contrato, quando feito por correspondência: teorias e solução do CC (novo e velho). As exceções. xxxxx xx xxxxxxxxx xx xxxxxxxx. (Xxxxxx Xxxxxxx)
A definição do momento em que o contrato reputa-se concluído, quando feito por correspondência, não está pacificamente resolvida nas legislações e doutrina. Há quatro teorias para a determinação desse momento, que podem ser acomodadas em dois sistemas básicos: o da informação ou cognição e o da declaração ou agnição.
O primeiro sistema comporta a teoria da cognição, pela qual o contrato somente se aperfeiçoa quando o policitante tem efetivo conhecimento da aceitação, isto é, quando lê o conteúdo da correspondência. Essa teoria sofre críticas por deixar
ao arbítrio do proponente procrastinar a conclusão do contrato, dificultando a determinação do exato momento em que se forma.
O sistema da declaração ou agnição divide-se em três teorias:
1) Teoria da declaração propriamente dita: tem por momento de conclusão do contrato o em que o oblato declara a vontade de aceitar a proposta, independentemente de que a resposta seja expedida ou chegue ao policitante, Essa teoria também é criticada por não permitir a determinação exata do momento de conclusão do contrato, pois o deixa, em contraponto à teoria da cognição, ao arbítrio do oblato.
2) Teoria da expedição: o contrato conclui-se no momento em que a correspondência é expedida, isto é, o em que a aceitação é lançada no mercado, o que evita o arbítrio tanto do proponente quanto do aceitante em determinar o momento de conclusão do contrato.
3) Teoria da recepção: o aperfeiçoamento do contrato ocorre quando a aceitação chega às mãos do policitante, independentemente de ele tomar conhecimento de seu conteúdo ou não.
Tanto o CC16 quanto o NCC adotam a teoria da expedição, em caráter não cogente, pois pode o policitante convencionar adotar a teoria da recepção (art. 1086, II do CC16; 434, II do NCC). Ambos os diplomas tratam a matéria de modo análogo e trazem, nos artigos supra, a exceções à teoria da expedição. São elas:
I. a retratação útil, contemplada no art. 433 do NCC (1085 do CC16), ou seja, a aceitação é considerada inexistente se antes ou concomitante a ela chegar ao policitante a retratação do oblato;
II. A convenção do proponente em esperar a resposta, isto é, a adoção da teoria da recepção;
III. Hipótese de a aceitação não chegar no prazo convencionado. Vencido o prazo, o policitante se desvincula em não havendo aceitação. Todavia, chegando a aceitação após o vencimento do prazo, deve o proponente, em face da boa-fé objetiva, avisar o oblato da não realização do contrato.
O local de conclusão do contrato também é um dado relevante, pois, entre outras coisas, ele determinará, salvo estipulação expressa em contrário, qual o foro competente e, no âmbito do direito internacional, qual a lei aplicável. Reza o art. 435 que o contrato é tido por celebrado no local onde foi proposto, ou seja, se for realizado entre presentes, é o local da proposta; se entre ausentes, é o lugar de residência* do policitante (conforme art. 9º, § 2º da Lie de introdução ao CC).
Esse dado, ademais, apresenta outras conseqüências no campo do CDC. Se o contrato de consumo for realizado fora do estabelecimento comercial do ofertante, o consumidor tem 7 (sete) dias para se arrepender do negócio. Não assim se concluído no estabelecimento.
A questão que se põe hodiernamente é com relação aos contratos concluídos em “sites” na Internet. Quem é o proponente: o “site” ou o internauta? Para o Prof. Juxxxxxxx, o policitante é o “site”. Do mesmo modo que as propagandas, ou mesmo alguma imagem (v. g., uma vitrine) são tidas como oferta, o site também a é. Nessa linha, o local de conclusão do contrato, por ser a residência do ofertante (consoante a lei), é a residência* do site.
• o Prof. Juxxxxxxx xxxxx xm aula em “domicílio”. Mas a lei fala em residência, então optei por esta àquela.
32. O princípio da relatividade dos efeitos contratuais e a condição de ser "terceiro". O representante, no ato em que agiu em nome e por conta do representado, é terceiro ou é parte? O credor quirografário é terceiro no ato do devedor? E o credor com garantia real? O contrato entre A e B é oponível ao terceiro penitus extraneus?
Originariamente os contratos eram vistos como meio do homem exercer o seu direito de liberdade, limitando um campo no qual o Estado não interviria. Isso porque os princípios fundamentais dos contratos foram influenciados pelas idéias individualistas e liberalistas do século XIX. Nesse período, eram três os princípios fundamentais dos contratos: a liberdade de contratar, a relatividade dos efeitos
contratuais e a obrigatoriedade dos efeitos contratuais. Posteriormente, devido a mudanças ocorridas no quadro social, surgiu um quarto princípio, intitulado 'princípio da ordem pública'.
No entanto, com o passar do tempo, como acxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx00, houve a necessidade de se somar aos quatro princípios tradicionais mais três: o da boa-fé objetiva, o do equilíbrio econômico do contrato e o da função social. Cabe, no presente estudo, analisar o princípio da relatividade dos efeitos contratuais ao qual, como será exposto a seguir, foram acrescentados alguns pontos relevantes com o auxílio do princípio da função social.
Num primeiro momento, os efeitos dos contratos eram encarados como relativos apenas às partes, isso porque se ninguém é obrigado a contratar, segundo o princípio da liberdade de contratar, então, uma vez que o sujeito não tenha optado por contratar não sofrerá os efeitos deste. Daí se deduz que o contrato não obriga terceiros que não façam parte dele. Assim, os terceiros não são prejudicados nem beneficiados com o contrato. Entretanto, no fim do século XIX, esse princípio passa a ser contestado por meio de possíveis exceções.
A primeira delas diz respeito à estipulação em favor de terceiro. Com isso, a seguradora que fez um contrato com determinada pessoa, que delega seus direitos à sua esposa, no caso deste sujeito falecer, tal esposa seria beneficiada com o contrato - ela possui a posição de beneficiária no contrato. No entanto, para o prof. Juxxxxxxx xx Xxxxxxx00, não se trataria de uma exceção ao princípio da relatividade uma vez que o beneficiário só aceita tal posição se voluntariamente, não pode ser obrigado a observar certo comportamento.
Uma segunda possível exceção refere-se à promessa de fato de terceiro. No exemplo em que um pai faz um contrato prometendo que seu filho vai vender o carro, se o filho - terceiro na relação jurídica - não quiser vender o carro, não poderá ser obrigado a isso; dependendo, portanto, do consentimento do terceiro para que ele seja prejudicado. Daí, concluir, Juxxxxxxx xx Xxxxxxx, que tal caso também não pode ser considerado exceção.
Para o prof. Junqueira, existe exceção ao princípio da relatividade nos contratos com cláusula de exclusividade, em que o terceiro que ignora a existência do contrato e age de má-fé, de forma a vir prejudicar um dos contratantes. É o caso da distribuidora de combustível que possui um contato com cláusula de exclusividade com um Posto A, mas convencida por um Posto B, vem a contratar com ele em detrimento do Posto A. É também o caso dos pactos de preferência para compra de casa; nesse exemplo, se um terceiro, sabendo do acordo, oferece quantia maior para a compra da casa, estará sujeito à sanção - caso em que o terceiro será prejudicado devido à sanção que lhe será imposta, mesmo não figurando como parte.
Devido a estas indagações a respeito do princípio da relatividade, percebe-se que surge a necessidade do contrato ser reinterpretado - segundo os dispositivos constitucionais e o princípio da função social do contrato. Não que o terceiro tenha que ser considerado parte, mas ele não pode se comportar como se o contrato não existisse43. Assim, a oponibilidade do contato tem por alvo o estranho à relação de direito, o penitus extraneus - completamente estranho. Oponibilidade esta que se fundamenta na mera existência do contrato, a qual não pode ser ignorada por esse estranho, mesmo que seja completamente/ totalmente estranho ao contrato.
A doutrina francesa encara inclusive a oponibilidade como regra e a inoponibilidade como exceção. No direito brasileiro, a vinculação dos terceiros veio a ser reforçada com a função social dos contratos, embora tal dever já existisse na legislação brasileira com base no art. 159 do CC.
Quanto à qualidade de terceiro, já ficou esclarecido que este não está isento de responsabilidade se vier a causar prejuízo a um dos contratantes, mesmo que não
41 JUXXXXXXX XX XXXXXXX, Xxxxxxx. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado (...) - obs. : texto referente ao seminário 3 de Civil - in Revista dos Tribunais 750 (1998) pp 113-120.
42 Parecer de Anxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx xetirado de sua aula do dia 08/ agosto/ 2002.
43 É mister lembrar que não são considerados terceiros diante dos contratantes, seus sucessores - a título singular ou universal, art. 928 CC - estando eles vinculados à obrigação, se esta não for personalíssima.
tenha relação com o contrato. Em relação a esse terceiro, existem uma série de classes. Segundo Orlando Gomes44, são três os principais tipos: os terceiros que são estranhos ao contrato, mas participantes do interesse, cuja posição jurídica é subordinada à parte; os interessados, mas com a posição independente e incompatível com os efeitos do contrato; e os indiferentes ao contrato, mas que podem ser legitimados a reagir quando sofram particular prejuízo dos efeitos do mesmo contrato.
Os representantes podem ser enquadrados na primeira categoria de terceiros bem como os sub-contratantes. Já os credores de determinado sujeito podem ser enquadrados na terceira categoria, tanto os quirografários quanto aqueles que possuem garantia real. A diferença entre esses dois tipos de credores baseia-se em uma hierarquia que existe entre os credores, tendo preferência os credores que tiverem garantia real. Assim, num possível concurso de credores, havendo um credor quirografário e outro com garantia real, esse último terá preferência sobre o primeiro na execução dos bens do devedor; no entanto, ambos ocupam posição de terceiros.
33. Estipulação em favor de terceiro: natureza jurídica. O terceiro é parte? Regras de estipulação e exemplos.
O tema é tratado nos arts. do novo C.C. 437 – 439, e no Código de 1916 entre os arts. 1098 e 1100.
“Dá-se estipulação em favor de terceiro quando, num contrato entre duas pessoas, pactua-se que a vantagem resultante do ajuste reverterá em benefício de terceiro, estranho à convenção e nela não representado” (Xxxxxx Xxxxxxxxx).
Na estipulação aparecem três figurantes: estipulante, promitente e beneficiário. Estipulante é o que obtém do promitente, ou devedor, a promessa em favor do beneficiário.
A natureza jurídica da estipulação em favor de terceiro é contratual. Não se pode entender o contrato como estritamente limitado às partes – visão atomista -, pois sua função social é reconhecida constitucionalmente. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1o, inciso IV, trata da função social do trabalho e da livre iniciativa, da qual se infere que o contrato, mesmo não tendo sua pretensão oponível a todos – pois esta se vincula à obrigação – demanda o respeito de terceiros. Assim, o contrato produz efeitos erga omnes.
Ao lado da promessa de fato de terceiro e contrato de pessoa a declarar, a estipulação em favor de terceiro se configura como uma espécie de exceção ao princípio da relatividade dos efeitos contratuais, uma vez que cria para um terceiro a possibilidade de alegar o contrato a seu favor.
Contudo, Professor Xxxxxxxxx pensa que não há propriamente uma quebra da relatividade dos efeitos contratuais, uma vez que o Código diz que o terceiro deve aceitar o contrato.
Deste modo, após a aceitação do terceiro o contrato muda; deixa de ser entre duas partes e passa a ter três partes. A aceitação do terceiro, além de evidenciar a vontade de receber os benefícios propostos pelo estipulante, faz com que ele possa exigir o cumprimento da prestação.
As regras que cuidam da estipulação em favor de terceiro não são claras, como ensina Xxxxxx Xxxxxxxxx. Entretanto, Professor Xxxxxxxxx afirma que os contratantes não podem tirar o benefício do terceiro, a menos que haja cláusula expressa que autorize o estipulante a tal. Assim, não havendo disposição expressa sobre possível mudança sobre o beneficiário, não é possível tirar o benefício do terceiro, sem esquecer que este pode exigir o cumprimento da prestação.
O caso do seguro de vida é o melhor para ilustrar o instituto em análise. A pessoa que faz a apólice e contribui mensalmente com o valor é a estipulante, a empresa seguradora é a promitente, e o familiar ou amigo agraciado com o direito de obter tal quantia é o beneficiário.
Igualmente se vê estipulação em favor de terceiro, quando em uma situação de divórcio, o marido promete doar aos folhos do casal parte dos bens que lhe couberem
44 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 8ª ed.. Rio de Janeiro: Forense. 1981. pág. 48.
na partilha. No caso, o marido é o promitente, a esposa a estipulante, e os filhos beneficiários.
33. Estipulação em favor de terceiro. Natureza jurídica. O terceiro é parte? Regras de estipulação e exemplos.
Uma das características dos contratos é a relatividade de seus efeitos. Este, ao lado da liberdade contratual e da obrigatoriedade dos efeitos (pacta sunt servanda), seria um dos princípios tradicionais que decorreram do liberalismo. Contudo, já no final do século XIX, alguns autores questionavam a extensão dessa relatividade e apontavam a estipulação em favor de terceiro como uma exceção ao dispositivo res inter alios acta neque nocet neque prodest (algo no sentido de que o acordo entre partes não prejudica nem beneficia terceiros). Haveria ainda duas outras exceções, que seriam a promessa de fato de terceiro e o contrato com pessoa a declarar, mas iremos nos ater à matéria em questão. Apenas vale a ressalva de que o prof. Xxxxxxxxx entende que os três casos citados não chegam a constituir exceção, uma vez que os terceiros estariam incorporados ao contrato por vontade própria.
A estipulação em favor de terceiro vem a ser um ato negocial estabelecido entre duas pessoas, em que uma (estipulante) convenciona com outra (promitente) certa vantagem patrimonial em proveito de terceiro (beneficiário), alheio à formação do vínculo contratual. Outras características serão vistas a seguir, quando falarmos das regras.
Muitas controvérsias doutrinárias giram em torno da natureza jurídica deste instituto, pois sua estrutura e efeitos são muito diferentes dos demais negócios jurídicos. Há cinco posições a esse respeito:
I) uma, defendida por XXXXXXX e XXXXXXXXX, pretende que seja uma oferta, à espera da aceitação do beneficiário, manifestando sua vontade de receber a prestação a que o promitente se obrigara;
II) outra, sustentada por XXXXXXX e LABBE, a entende como uma gestão de negócios, empreendida pelo estipulante, que passará a ser um representante oficioso do terceiro;
III) a aceita por XXXXX E CAPITANT e JOSSERAND, que nela vislumbra uma
declaração unilateral de vontade do promitente;
IV) a do direito direto, aceita por XXXXXXX e RIPERT, que observa o contrato entre estipulante e promitente, tendo como acessória a vantagem prometida a terceiro, de modo que a estipulação seria um negócio jurídico acessório;
V) a de CLÓVIS BEVILÁQUA, que afirma a sua natureza contratual, observando que se trata de uma categoria especial de contrato, não ajustável às categorias comuns, por ser um contrato “sui generis”, no qual a exigibilidade da prestação passa ao beneficiário, sem que o estipulante a perca. Esta foi a posição adotada por nosso legislador ao regular a estipulação em favor de terceiro (CC/16, arts. 1098 a 1100; e NCC, arts. 436 a 438, sem nenhuma modificação).
Outra questão que se coloca na doutrina é se o terceiro seria parte nesta relação jurídica, uma vez que pode exigir o cumprimento da obrigação. Embora alguns doutrinadores entendam que não, como o prof. português Xxxxx Xxxxxx, outros, como Xxxxxx Xxxxxxxxx e o próprio prof. Xxxxxxxxx, vêem o terceiro como parte. Nosso ilustre professor, inclusive, afirma que de início o contrato tem apenas duas partes, mas desde o momento em que o beneficiário passa a agir, torna-se trilateral.
Quanto às regras, para que se dê a estipulação em favor de terceiro, exige- se a presença de: um requisito subjetivo, já que nessa relação jurídica aparecem obrigatoriamente três pessoas, quais sejam o estipulante, o promitente ou devedor e o beneficiário; um requisito objetivo, pois, além da liceidade e possibilidade do objeto, para que se configure será preciso que haja uma vantagem patrimonial, gratuita ou não, que beneficie terceira pessoa, alheia à convenção; e um requisito formal, visto que sua forma será livre, por se tratar de contrato consensual.
Há ainda que se examinar as regras trazidas pelo Código quando trata da presente matéria. O NCC, em seu art. 436, determina que o estipulante pode exigir o cumprimento da obrigação. Tal direito é igualmente deferido ao beneficiário, uma vez
que se sujeite às condições e normas do contrato e com ele anuir. O problema teórico de importância que se propõe é o da possibilidade de revogação, pelo estipulante, da estipulação em favor de terceiro.
O art. 437 do NCC determina que, se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de lhe reclamar a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor. Daí resulta que, se expressamente não figurar na avença a cláusula em questão, o estipulante pode, a qualquer tempo, exonerar o devedor. Ora, a exoneração do obrigado equivale à revogação do negócio jurídico. Conseqüentemente, em vista daquele dispositivo legal, a revogação só não é possível se a proibição ficar expressamente consignada.
Todavia, o art. 438 do mesmo Código condiciona a inovação do negócio, pela substituição do beneficiário, à prévia da reserva de tal direito pelo estipulante. Portanto, se o estipulante não fez esta ressalva na convenção, o terceiro beneficiado tem um direito irremovível à prestação estipulada.
Segundo o prof. Xxxxxx Xxxxxxxxx, aqui surge uma contradição. Embora o terceiro não possa mais ser substituído, por falta da ressalva aludida (art. 438), o estipulante poderá exonerar o devedor, se assim entender, se do ajuste não figurar expressa determinação de que o terceiro tem o direito de reclamar a execução da promessa (art.437). Portanto, a despeito de não haver ressalva expressa permitindo inovação, o estipulante pode frustrar o direito de terceiro, pela revogação do negócio. O mesmo autor ainda coloca que o legislador não separou como deveria as estipulações a título gratuito das constituídas a título oneroso, sendo que o art. 437 suscita duas hipóteses diversas: se a estipulação for a título gratuito, o credor só não a pode revogar se expressamente abriu mão desse direito, ao conferir a terceiro a prerrogativa de exigir o cumprimento da promessa. Se for a título oneroso, não se compreende a exoneração do obrigado ou substituição do terceiro, pois isto envolveria prejuízo para este último, sem qualquer causa que o justificasse.
Vejamos agora alguns dos exemplos mais comuns de estipulação em favor de terceiro:
I) Xxxxxxxxxx a hipótese de uma separação consensual, em que o marido promete à mulher doar, ao único filho do casal, uma parte dos bens que lhe couber na partilha. Surge, assim, um contrato entre marido (promitente) e mulher (estipulante), convencionando uma obrigação, cuja prestação será cumprida em favor de um terceiro (o filho, que será o beneficiário) totalmente estranho ao contrato, pois não toma parte na formação do ato negocial.
II) Doações modais, quando o donatário se obriga para com o doador a executar o encargo em benefício de certa pessoa.
III) Contratos de seguro, como no caso de uma pessoa (estipulante) que, mediante pagamento de prêmios anuais, consegue da seguradora (promitente), a promessa de pagar a terceiro por ela indicado (beneficiário), por ocasião de seu falecimento, uma certa quantia em dinheiro.
IV) Nos contratos de transporte de objetos para terceiro.
V) Na constituição de renda, quando há terceiro beneficiário e o promitente recebe do estipulante um capital, obrigando-se a pagar ao beneficiário uma renda por tempo certo ou pela vida toda.
34. Promessa de fato de terceiro. O terceiro é parte? Essa promessa é obrigação de meio ou resultado? Cabe execução específica? A promessa do ato do cônjuge.
O assunto é tratado no n.C.C. nos arts. 439 – 440. A promessa de fato de terceiro tem como pressuposto que as pessoas nela envolvidas sejam capazes e aptas a criar direitos e obrigações. Neste instituto há a participação de duas figuras: promitente, aquele que assume o dever de convencer o terceiro, promissário, a realizar o contrato.
Pode-se dizer que o terceiro não é parte no contrato de promessa de fato de terceiro, uma vez que não assumiu a obrigação de realizar nenhum contrato. Vale ressaltar que a prestação devida neste instituto é a do promitente conseguir o ato do terceiro, assim caracterizando uma obrigação de fazer.
Deste modo, a obrigação de devedor promitente com o credor é a de convencer o promissário a realizar o negócio. Logo, pode-se afirmar que a obrigação é de resultado, já que para se aperfeiçoar é necessária apenas a concordância do promissário.
Ademais, por se tratar de uma obrigação de fazer, não se pode obrigar o inadimplente a realiza-la – diferentemente de uma obrigação de dar. Assim, torna-se impossível a execução específica, pois ninguém pode ser coagido a fazer. Resta, portanto, apenas a responsabilidade por perdas e danos, indenizando o prejuízo.
O Código Civil de 2002 inovou quanto ao tema da promessa do ato do cônjuge. Acrescentou-se no art. 439 matéria que nega a eficácia da promessa de fato de terceiro quando os bens do esposo xxxxxx a respondem pelo descumprimento da promessa. Mais clara fica a situação com um exemplo: marido tinha prometido conseguir da mulher anuência na concessão de uma fiança; esta se recusa a presta-la. A recusa implicaria o pagamento por perdas e danos pelo do marido, porém isto feriria sua esposa, uma vez que o patrimônio lesado seria do casal em comunhão total de bens. Assim, para evitar litígios familiares o legislador tira a eficácia da promessa neste caso.
34. Promessa de fato de terceiro. O terceiro é parte? Essa promessa é obrigação de meio ou de resultado? Cabe execução específica? A promessa de ato do cônjuge.
A promessa de fato de terceiro, também denominada contrato a cargo de terceiro, está prevista no art. 929 do CC de 1916 e nos arts. 439 e 440 do NCC. Assim como a estipulação em favor de terceiro, esse instituto era visto, pela doutrina conservadora, como exceção ao princípio da relatividade dos contratos. Entretanto, isto não condiz com a realidade, uma vez que para gerar efeitos na órbita jurídica de um terceiro necessita de sua anuência. Na verdade, o que constitui quebra do princípio da relatividade contratual é o fato dos contratos, por seu valor social, envolverem toda a coletividade.
Na promessa de fato de terceiro um contratante obriga-se perante outro a tornar um terceiro devedor de uma prestação pela qual este, originariamente, não se obrigou. Todavia, a força vinculante do contrato celebrado entre o promitente e o promissário não atua sobre o terceiro cuja prestação foi prometida enquanto este não consentir, portanto o terceiro não é parte. Lembrando-se que não se pode limitar a noção de parte ao momento da conclusão do contrato, uma vez que a parte poderá integrar o negócio jurídico durante a sua execução.
O contrato a cargo de terceiro, segundo XXXXX XXXXX, manifesta-se por duas fases distintas: na primeira, um dos contratantes originários, obriga-se perante outro, a que um terceiro realize uma determinada prestação; na segunda, o terceiro consente em assumir a obrigação da qual se tornou garantidor um dos contratantes originários. Caso o promitente não consiga obter a anuência do terceiro, ficará sujeito ao pagamento de perdas e danos. Isto porque o conteúdo da prestação do devedor originário não é o fato do terceiro senão o seu próprio fato, consistente em obter de outrem que, a seu turno, consinta em se tornar devedor de determinada obrigação.
Assim, na lição de DEMOGUE, a obrigação do promitente é uma obrigação de resultado, uma obrigação de fazer. Não obtido esse resultado, o inadimplemento está definido, sem que o estipulante possa se escusar alegando ausência de culpa. Portanto, não se admite execução específica em caso de inadimplemento no contrato a cargo de terceiro, resolvendo-se este em perdas e danos, aplicando-se a regra: nemo potest praecise cogi ad factum.
Por outro lado, conforme disposto no art. 440 do NCC, a obrigação do promitente limita-se a conseguir que o terceiro se obrigue e nada mais. Não sendo garantidor da prestação que a este incumbirá, caso aceite o contrato. Logo, a obrigação do estipulante extingue-se com a intervenção do terceiro, não subsistindo nenhuma obrigação ao promitente, mesmo que aquele que anuiu deixe de cumprir a prestação.
O NCC inova trazendo à baila a questão da promessa de ato de cônjuge (art. 439, par. único). Como se sabe, alguns negócios jurídicos exigem a anuência expressa
do cônjuge, assim o promitente, em alguns casos, pode se obrigar a obtê-la. Entretanto, se o cônjuge se opor ao negócio, não dando o seu consentimento, a obrigação, em vez de se converter em perdas e danos, será nula. (Obs.: o Prof. Xxxxxxxxx falou em nulidade da obrigação contraída pelo promitente e não em ineficácia). Essa opção feita pelo legislador destina-se a preservar o patrimônio comum do casal, pois o terceiro que não anuiu não pode ter de reparar as perdas e danos.
35. Contrato com pessoa a declarar. Exemplos. O contratante originário pode ser considerado representante indireto - mandato sem representação - quando age por conta do terceiro? O que acontece quando o terceiro não aceita a indicação? E quando aceita? Nessa figura, há o que se denomina "cessão de contrato"?
O contrato com pessoa a declarar é a terceira figura (além da estipulação em favor de terceiro e da promessa de fato de terceiro) que representa uma exceção à regra da limitação dos efeitos contratuais às partes.
Apesar de não estar regulamentada pelo direito civil atual, essa figura já é utilizada há algum tempo, por exemplo, na revenda de carros usados por concessionárias. Neste caso, o proprietário deixa o seu automóvel na concessionária, sem concluir efetivamente um contrato de compra e venda, portanto, sem transferir a propriedade à concessionária - a transferência é realizada diretamente ao futuro comprador, cliente da concessionária. O objetivo é evitar o pagamento excessivo de impostos (para a concessionária), bem como facilitar a revenda do carro (para o proprietário), contudo o proprietário originário do veículo assume grandes riscos (res perit dominus). Este problema foi solucionado com o contrato com pessoa a declarar: a concessionária passa a reservar-se o direito de indicar a pessoa que vai comprar.
Exemplo 2: "A", vizinho de "B", fica sabendo que "B" pretende vender seu imóvel e interessa-se por ele. Entretanto, a fim de conseguir um preço mais favorável, pede para outra pessoa fazer uma oferta de compra a "A", ao mesmo tempo em que inclui a cláusula que faz desse contrato um contrato com pessoa a declarar.
Exemplo 3: Para evitar publicidade a seu respeito, que para ele seria negativa, um adquirente-colecionador de obras de arte raras e valiosas incumbe outrem de efetuar a compra mediante cláusula de pessoa a declarar.
Introduzida em nosso direito positivo através do NCC (arts. 467 a 471), essa figura contratual foi adotada do direito civil italiano. Assim, duas pessoas contratam e uma delas insere a cláusula (aceita pela outra), pela qual se reserva o direito de nomear terceiro que tomará o seu lugar. Disso podem decorrer diversas vantagens, principalmente tributárias, como no exemplo da concessionária. No momento da conclusão do contrato com pessoa a declarar, o contratante que se reserva esse direito seria "representante de ninguém" (palavras de Xxxxxxxxx no caso da concessionária).
Há alguns problemas que poderão surgir (segundo Xxxxxxxxx):
1) Com relação ao prazo: o NCC estipula 5 (cinco) dias de prazo para a comunicação da indicação do terceiro à outra parte (art. 468), mas a norma é supletiva, podendo ser estipulado outro prazo, eventualmente bem mais longo, dentro da regra da autonomia da vontade.
2) Terceiro insolvente: o art. 470, II, determina que, sendo a pessoa nomeada insolvente, o contrato será eficaz entre os contratantes originários, ou seja, o contratante que se reservou o direito de nomear o terceiro responde.
3) Não encontrar ninguém é nomeado dentro do prazo - recusa do nomeado: o art. 470, I, determina que, se não houver indicação de pessoa ou se esta se recusar a aceitar a nomeação, o contrato também continua eficaz entre as partes originárias. Não há problema de validade (que é um problema anterior ao contrato, prios), mas, sim, um problema de eficácia (que é um problema posterior à conclusão do contrato, posterios). Não havendo nomeação, o contratante originário continua totalmente responsável. Portanto, o contrato continua de uma maneira absolutamente normal.
Ademais, não há trilateralidade, como nas outras duas figuras supramencionadas, justamente pelo fato de o contratante originário ser o responsável até que nomeie outro (dentro do prazo) ou até a finalização da execução do contrato, se não houver nomeação ou o nomeado recusá-la.
Quando a nomeação ocorre sem quaisquer problemas, a lei determina que ela retroage ao momento da celebração do contrato (é, portanto, ex tunc), como se o nomeado tivesse sido o contratante originário (art. 469).
Cabe ressaltar que o contrato não é condicional, uma vez que o evento futuro e incerto (nomeação) não influi na eficácia do contrato apesar da incerteza com relação ao seu advento.
Sinceramente, isso foi tudo o que o Xxxxxxxxx falou a respeito e é tudo que eu ouso colocar como certo. Ele não falou nada (que eu me lembre) com relação à cessão do contrato. Da mesma forma, a única coisa que falou com relação à representação, foi durante o exemplo da concessionária.
Contudo, lendo Xxxxxxx Xxxxx (págs. 148 até 153), entendo que é possível falar-se em cessão do contrato. A uma, porque, da forma como é instrumentalizada essa figura no Brasil atual, ou seja, sem previsão legal, defende esse autor que há o consentimento prévio presumido da cessão; e, a duas, porque, a partir da vigência do NCC, de fato, haverá, no contrato, uma cláusula pela qual um dos contratantes se reserva o direito de nomear outro em seu lugar. Assim, a meu ver, concordando a outra parte com o estabelecimento dessa cláusula, estará dando o seu concentimento prévio para a realização da "cessão de contrato". Acho importante ressaltar que, para que se caracterize a cessão de contrato, tal consentimento é imprescindível, mas estará presente com a cláusula de pessoa a declarar, a meu ver. Ademais, seria uma cessão, sem liberação do cedente, uma vez que a parte que nomeará terceiro, ou seja, o cedente, continua responsável até que o contrato seja completamente executado.
Xxxxxx, tanto se não encontrar pessoa para nomear quanto se esta não aceitar a nomeação ou até se o terceiro tornar-se insolvente, o contrato continua normalmente, devendo o contratante originário arcar com todas as suas conseqüências.
Já com relação à representação, e considerando que a única coisa que o professor falou durante o exemplo da concessionária foi que esta seria representante de ninguém, vai aqui minha opinião: não se pode falar em representação indireta ou em mandato sem representação, pelas características necessárias do mandato. Para o mandatário representar o mandante deve ter poderes conhecidos pelas pessoas com quem irá contratar. Ora, considerando que, em alguns casos (compradores de obras de arte ou o vizinho), isso é exatamente o que o terceiro não quer, na minha opinião não se pode falar em representação. Por outro lado, há casos, como o da concessionária, em que, de fato, o contratante estipulador da cláusula não sabe a quem vai vender o carro, como poderia ela representar esse deconhecido? Além disso, o mandatário não é responsável se agir dentro dos seuspoderes e conforme as instruções recebidas quando o mandante desiste do contrato ou se torna insolvente, contudo, isso é tão basilar do contrato com pessoa a declarar, que encontra-se em 3 (três) dos 5 (cinco) dispositivos do NCC que tratam dessa figura.
36. Vícios redibitórios: histórico. Distinção entre vício e erro. O pressuposto oneroso e o inadimplemento. Características no CDC e no CCB. Ciência do vício pelo alienante no CCB e no CDC. Cláusula de exoneração. (Paulette)
Os vícios redibitórios têm sua origem no Direito Romano, tempo em que era facultado ao contratante de negócios comutativos ter-se ao Edil, autoridade competente para sanar problemas desta natureza, para exigir a resolução do negócio ou o abatimento do preço caso demonstrasse-se a existência do tal vício. Por causa disso, hodiernamente, as ações que tutelam os vícios redibitórios chamam-se ações edilícias.
Vícios redibitórios são problemas existentes na coisa objeto de contrato comutativo que a tornem imprópria ao uso ou a diminuam de seu valor.
A distinção entre vícios e erros torna-se mais clara se olharmos primeiramente para suas conseqüências. O erro eiva o contrato de anulabilidade, o contrato realizado sob erro é anulável. Já os vícios redibitórios dão ao prejudicado opção para resolver o contrato ou pedir-se abatimento do preço. Porém, ambos os institutos são, na verdade, geradas pelo mesmo fato. Tanto no erro como nos vícios o que ocorre é um julgamento errado das circunstâncias em que se realizou o contrato, pois o contratante adquiriu coisa pensando ter essas características que, depois,
mostrou não ter. Ora, este fato gera possibilidade de aplicações tanto de erro quanto de vícios redibitórios. Mas o erro é aplicável a qualquer negócio jurídico, enquanto os vícios somente aos contratos comutativos. Daí dizer-se ser a natureza do erro um vício de consentimento e dos vícios redibitórios, garantia especial a que não se aplica a teoria dos riscos (Xxxxxxx Xxxxx). Porém, praticamente, fica à escolha do prejudicado, nos contratos comutativos, qual ação deve ser proposta: anulação (4 anos) ou redibitória ou quanti minoris.
Para que haja vícios há necessidade de dois pressupostos:
• Ser o contrato bilateral comutativo: aquele em que ambas as partes têm a certeza de que à sua prestação corresponderá uma contraprestação. As partes têm certeza que farão sacrifícios e que auferirão ganhos.
• Ter a coisa, objeto da prestação contratual, vício oculto e grave, que impeça seu uso normal ou a diminua de valor. Esse segundo requisito pode ser resumido por inadimplemento substancial, pois apesar de ter sido entregue a coisa, ela não presta à função querida pelo contratante, não tendo o contrato atingido seu objetivo.
Os vícios no CCB geram aos prejudicados opção para exigir a devolução da prestação dada e a resolução do contrato ou um abatimento proporcional no valor da coisa viciada. Já no CDC, há três opções: além das duas acima, pode o consumidor requerer a substituição do produto ou serviço viciado por outro de mesma espécie e qualidade. Em não havendo, por produto similar descontados ou acrescidas as diferenças. O CDC vincula solidariamente fabricantes, fornecedores mediatos e imediatos nas obrigações geradas por vícios redibitórios, o que não ocorre no CCB. Traz, ainda, o CDC, minuciosa definição do que são produtos impróprios ou inadequados ao consumo (art. 18, § 6º). No CDC, os vícios estão tipificados (qualidade, quantidade ou disparidade entre produto e embalagem). No CDC, os vícios podem ser aparentes, no CCB, presume-se o consentimento do comprador com eles. Para vícios aparentes, o dies a quo fica sendo o dia de entrega da coisa, nos vícios ocultos, o dia de descoberta do vício. No CDC, o prazo é de 30 dias para bens consumíveis e 90 dias para bens inconsumíveis. No NCCB, 30 dias para bens móveis e 1 ano para bens imóveis.
No CCB, se o alienante sabia do vício responde por perdas e danos mais restituição ou abatimento. Se não sabia: só abatimento ou restituição.
No CDC, independentemente de saber ou não, responde o fornecedor por perdas e danos mais as 3 opções.
No CCB, pode-se pactuar a afastabilidade dos vícios redibitórios. Não se exige vícios de cavalo comprado no mercado de Évora. No CDC, essas cláusulas são consideradas abusivas e nulas de pleno direito.
37. Fundamentos do tratamento do vício e do defeito no CDC. Espécies de defeitos no CDC. Opções que tem o prejudicado pelos vícios no CC e no CDC. Prazo para reclamação por vício. O prazo para ação de indenização por fato do produto é de prescrição ou de decadência?
Trata o CDC do defeito e do vício, nos respectivos arts: 12 e 18. Um produto ou serviço é defeituoso, de acordo com o CDC “quando não oferece a segurança que dele se espera”. Essa expectativa é fundamentada, segundo o diploma em questão, na apresentação do produto ou serviço, usos e riscos que dele razoavelmente se espera, e na época em que foi posto em circulação. Admite-se, doutrinariamente, que o defeito pode ser de três naturezas diversas, a saber:
- Defeito de concepção: tipo de defeito generalizado, que se origina da
própria “idealização” do produto ou serviço;
- Defeito de fabricação: problema individualizado, produzido nas etapas de confecção do produto ou prestação do serviço, por exemplo, por falha de material;
- Defeito de informação: produto é, em si, perfeito. O defeito lhe é extrínseco e decorre da total ausência ou da ausência satisfatória de explicações ao consumidor.
O defeito é tratado no CDC como causa geradora de responsabilidade por fato do produto e por fato do serviço, ou seja, o bem ou serviço defeituoso pode causar conseqüências danosas à pessoa física ou a seus bens patrimoniais. Os defeitos acarretam, portanto, responsabilidade objetiva do fabricante. Estamos no campo da responsabilidade civil por dano causado.
Já os vícios, tratados no art. 18 deste mesmo diploma, são impropriedades de produtos que os tornam “inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuem o valor” por motivos de qualidade, quantidade ou disparidade entre produto e embalagem ou entre produto e mensagem publicitária. O fundamento do tratamento dado aos vícios de produtos é seu caráter sinalagmático, ou seja, não só é necessária a contraprestação, mas essa deve estar em situação de adequada proporção em relação à prestação, de tal forma que se assegure o adimplemento total da obrigação contratual. Assim, para que haja vício, é necessário que o contrato seja comutativo, não cabendo questionar do mesmo em caso de contratos gratuitos. Com relação aos defeitos, ao contrário, não há que se questionar do princípio do sinalagma, uma vez que aqueles dizem respeito à responsabilidade civil do fabricante de produto ou prestador de serviço causador de dano à pessoa ou a seus bens.
No tratamento dos vícios, o CDC garante neste mesmo art. 18, § 1º que, não sanado o vício no prazo máximo de 30 dias, fica à decisão do consumidor optar por uma das alternativas a seguir: substituição do produto, imediata restituição da quantia paga ou abatimento do preço, se for do interesse do consumidor reter o produto, ainda que padeça de vício intrínseco. No § seguinte, estipula-se que as partes podem convencionar o aumento ou a redução do prazo em questão, desde que obedeçam ao mínimo de sete dias e ao máximo de 180 dias permitidos.
Quanto ao direito de reclamar pelos vícios, o CDC oferece tratamento distinto para aqueles classificados como vícios aparentes, ou seja, de fácil constatação, e para os vícios óculos. Em se tratando daqueles, o prazo é de 30 dias aos produtos não- duráveis e de 90 dias para serviços ou produtos duráveis, iniciando a contagem do prazo decadencial a partir da efetiva entrega da coisa ou do término da execução do serviço. Os vícios ocultos, por sua vez, têm seu prazo decadencial para reclamação contado a partir do momento em que o vício for evidenciado.
No Código Civil, o art. 1103 (mantido com pequena alteração lexical no Código de 2002) dispõe que, se o alienante tiver conhecimento do vício, deverá restituir a quantia paga com pagamento de perdas e danos. Do contrário, apenas a restituição do preço pago será exigível.
Neste referido diploma, os pressupostos para que se reconheça que haja vício são mais rigorosos que os do CDC, devendo o defeito constatado ser necessariamente oculto, grave a ponto de impedir a função normal do objeto ou de acarretar uma desvalorização do mesmo, e existente no momento da aquisição.
O art. 445 do Código Civil de 2002, por sua vez, altera substancialmente o art. correspondente no Código de 1916, dobrando os prazos do adquirente para reclamação por aquisição de coisa viciada. Dispõe aquele de 30 dias para obter redibição ou abatimento do preço em caso de bens móveis (quando no atual código o prazo é de 15 dias), e de 1 ano para o caso de bens imóveis (6 meses no código de 1916) contados a partir da entrega efetiva da coisa. Se, por sua natureza, o vício só puder ser conhecido mais tarde, o prazo para reclamação por bens móveis se estende para 180 dias, e para os imóveis se mantém em um ano, mas a partir do momento que o adquirente tiver ciência do vício. Importante ressaltar que cuidou o legislador, no Novo Código Civil, de tentar reduzir a imensa disparidade existente entre a regulação oferecida pelo CDC, e a oferecida pelo Código de 1916, aproximando os prazos.
Em se tratando de defeito, isto é, de responsabilidade por fato do produto ou do serviço, estabelece o CDC que o prazo para mover ação de indenização é de 5 anos a partir do conhecimento do dano e de sua autoria, e é prescricional e não de decadência, isto porque incide sobre uma ação, ou seja, um direito processual do adquirente, ao contrário do prazo para reclamação por vício, que é decadencial por incidir sobre um direito material daquele.
38. Evicção: histórico. Fundamento da responsabilidade pela evicção e o pressuposto de o contrato dever ser oneroso. Outros pressupostos, inclusive a
exigência de sentença e de denunciação da lide. A cláusula de exoneração. ( Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx)
1. Da introdução. – 2. Do conceito – 3. Da relação com os vícios redibitórios. - 4. Do histórico. – 5. Da responsabilidade pela evicção. – 6. Dos pressupostos da evicção. – 7. Da cláusula de exoneração. – 8. Da cláusula de exoneração.
1. Como afirma XXXXX XXXXX, há, no Direito Civil, um conjunto de garantias que o alienante, por força de lei, está obrigado na transferência da coisa ao adquirente. Essas garantias estão presentes tanto na compra e venda, como naqueles contratos em que se transferem a posse e a propriedade. O alienante, segundo XXXXXX XXXXXX, deve não somente abster-se de interferir na fruição da coisa por parte do alienante, como também impedir que terceiros o façam. Tal garantia ocorre tanto nas questões de fato, como nas questões de direito, lembra ainda o mestre.
2. A evicção constitui um forma dessa garantia, sendo “elemento natural dos contratos onerosos, onde se apresente obrigação de transferir o domínio, posse ou uso de uma determinada coisa”, conforme XXXXX XXXXX. Assim, cabe ao alienante resguardar o adquirente dos riscos da evicção, sempre que não se tenha excluído tal responsabilidade (art. 1107 do atual CC). Definiu POTHIER como sendo evicção “o abandono de uma coisa, a qual um é obrigado em razão de uma sentença que o condena”.
3. Isso posto, o que se verifica é a presente relação entre a evicção e os vícios redibitórios: ambas são duas formas de garantia, na transmissão do domínio, posse ou uso. Segundo XXXXXXXXX XX XXXXXXX, enquanto os vícios redibitórios tutelam defeitos de fato no objeto, a evicção trata de defeito jurídico com a res.
Enumera ainda nosso mestre características comuns a tais garantias, quais sejam: (a) constituem garantias implícitas do negócio firmado; (b) referem-se a defeito interno da coisa (um de fato, outro de direito); (c) derivam da quebra do sinalagma contratual; e (d) consistem em implicações de lei supletiva da vontade das partes (visto que podem elas negociar tais garantias)
4. SÌLVIO VENOSA aponta a origem da responsabilidade por evicção nos contratos consensuais em Roma. Nascia em época mais antiga das formalidades da mancipatio, ou, quando faltava esta, do negócio correspondente, menos formal, a stipulatio. Caso o adquirente pela mancipatio era demandado por um terceiro antes de ocorrer o usucapião, poderia chamar o vendedor para que ele se apresentasse em juízo com o fim de assisti-lo e defendê-lo na lide. Se o vendedor se negasse a comparecer, ou, se mesmo comparecendo, o adquirente se visse privado da coisa, teria este último a chama actio autoritatis, que possibilitava a obtenção do dobro do preço que havia pago no negócio.
A venda, em um período posterior, admitia dupla estipulação, na qual o adquirente privado da coisa tinha a faculdade de requisitar uma indenização ao alienante. No direito pretoriano, a garantia da evicção, segundo VENOSA, derivava do princípio da boa-fé entre os contratantes, ficando presente em qualquer contrato. A situação era muito semelhante, como ainda o é, aos vícios redibitórios.
Já no direito Xxxxxxxxxxx, o remédio para o comprador privado da coisa por defeito de título do vendedor era poder escolher entre a actio empti para uma indenização, e a actio ex stipulatu, ação baseada na stipulatio, para obter o dobro do preço.
5. Tratando agora da responsabilidade pela evicção, conforme VENOSA, quem transmite uma coisa por título oneroso está obrigado a garantir a legitimidade do direito que transfere. Deve ser assegurado ao adquirente que seu título é bom e suficiente e que ninguém mais tem direito sobre o objeto do contrato, vindo a turbá-lo, alegando melhor direito.
Assevera o autor que desde que exista equivalência de obrigações para as partes, a garantia está presente. Daí podemos inferir, segundo os princípios que vigoram no Direito Contratual, em especial o do equilíbrio contratual, acompanhando JUNQUEIRA DE AZEVEDO, que funda-se tal responsabilidade na quebra do sinalagma contratual, que impõe, no mundo jurídico, necessidade de restabelecimento do mesmo. Daí não se aplicar a evicção aos contratos gratuitos, pois não há o sinalagma a ser balanceado. Já nos onerosos, para retomada do
equilíbrio sinalagmático, o alienante é responsável pelos prejuízos em razão de ter
transferido um “mau” direito, isto é, um direito viciado ou alheio.
6. Passemos então aos pressupostos da evicção. XXXXXXXXX XX XXXXXXX enumera quatro requisitos para configuração do instituto, quais sejam: (1) onerosidade do contrato; (2) turbação motivada por fato anterior ao contrato; (3) sentença judicial; e (4) denunciação da lide ao alienante.
Como supra-mencionado, pressupõe-se a onerosidade do contrato para a aplicação do instituto, visto que procura-se manter o equilíbrio da balança sinalagmática. Não havendo tal equilíbrio nos contratos gratuitos, excluem-se estes do rol de aplicação da evicção.
Além disso, a perda da coisa só caracterizará a evicção se, além de se dar por decisão judicial (vide adiante), se fundar em causa preexistente ao contrato entre alienante e adquirente, mediante o qual o evicto a adquiriu. Lógico é que o alienante responsabilize-se somente aos fatos antecedentes do negócio, sendo então imprescindível que o órgão judicante reconheça a existência de um vício anterior à alienação, em favor de um terceiro. Assim, se após a celebração do contrato, houver uma ordem pública de desapropriação do imóvel negociado, não se responsabilizará o alienante pois não se configurará a evicção (não havia anterioridade do direito do evictor).
Há ainda, como se mencionou a necessidade de sentença judicial, transitada em julgado, declarando a evicção. Nesse caso, o evicto deverá ser condenado a restituir a coisa, uma vez que a evicção só surge com a perda judicial do bem adquirido, pressupondo um pronunciamento do Poder Judiciário. Contudo, essa regra, ao contrário do que afirma a maior parte da doutrina, não é inafastável. A jurisprudência mais recente tem admitido, em casos excepcionais, a evicção, independentemente de sentença judicial quando, p.ex.: a) houver perda do domínio do bem pelo implemento de condição resolutiva; b) houver apreensão policial da coisa, em razão de furto ou roubo ocorrido anteriormente à sua aquisição; c) o adquirente ficar privado da coisa por ato inequívoco de qualquer autoridade.
Finalmente, o adquirente deve denunciar a lide ao alienante. O Novo Código Civil, em seu art. 456, ordena que deverá o adquirente “notificar do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores”, para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta. Exige-se esse requisito porque o alienante precisa conhecer a pretensão do terceiro-reivindicante, uma vez que irá suportar as conseqüências da decisão judicial e os riscos da evicção. Ressalte-se que também no caso de ato administrativo de polícia, afasta-se esse requisito, podendo voltar-se de imediato ao alienante.
7. Por fim, tratemos acerca da cláusula de exoneração da responsabilidade pela evição.
Impõe a ordem jurídica ao alienante a obrigação de resguardar o adquirente contra os riscos da evicção, como já foi dito. Tal garantia, por ser elemnto natual de contrato oneroso, independe de cláusula expressa, operando-se de pleno direito. Não obstante, o Novo Código Civil, no art. 448, confere ‘as partes o direito de modificar a responsabilidade do alienante, reforçando, diminuindo ou excluindo a garantia, desde que o faça expressamente.
Todavia, apesar de haver cláusula que exclua a responsabilidade pela evicção, se esta se der, o evicto terá direito de recobrar o preço que pagou pela coisa evicta, se não soube do risco da evicção, ou, dele informado, não o assumiu (NCC, art. 449). Ante o disposto nesse artigo, XXXXXXXXXX XX XXXXXX XXXXXXXX nos apresenta três fórmulas, que expressariam o pensamento legal:
a) cláusula expressa de exclusão de garantia + conhecimento do risco da evicção pelo evicto = isenção de toda e qualquer responsabilidade por parte do alienante.
b) cláusula expressa de exclusão – ciência específica desse risco por parte do adquirente = responsabilidade do alienante apenas pelo preço pago por aquele pela coisa evicta.
c) cláusula expressa de exclusão da garantia, sem que o adquirente haja assumido o risco da evicção de que foi informado = direito desde de reaver o preço que desembolsou.
Ex positis, a cláusula de non preaestanda evictione não elimina todos os efeitos da garantia, salvo se o adquirente tiver conhecimento do risco da evicção.
39. Evicção: verbas a que tem direito o evicto; o valor da coisa evicta. Evicção parcial: conseqüências. Evicção parcial considerável nas vendas ad corpus e ad mensuram. (Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx)
1. Como afirma XXXXX XXXXX, há, no Direito Civil, um conjunto de garantias que o alienante, por força de lei, está obrigado na transferência da coisa ao adquirente. Essas garantias estão presentes tanto na compra e venda, como naqueles contratos em que se transferem a posse e a propriedade. O alienante, segundo XXXXXX XXXXXX, deve não somente abster-se de interferir na fruição da coisa por parte do alienante, como também impedir que terceiros o façam. Tal garantia ocorre tanto nas questões de fato, como nas questões de direito, lembra ainda o mestre.
2. A evicção constitui um forma dessa garantia, sendo “elemento natural dos contratos onerosos, onde se apresente obrigação de transferir o domínio, posse ou uso de uma determinada coisa”, conforme XXXXX XXXXX. Assim, cabe ao alienante resguardar o adquirente dos riscos da evicção, sempre que não se tenha excluído tal responsabilidade (art. 1107 do atual CC). Definiu POTHIER como sendo evicção “o abandono de uma coisa, a qual um é obrigado em razão de uma sentença que o condena”.
3. Desta maneira, ao transmitente condenado em ação judicial cabe, além da obrigação de acudir em defesa do adquirente, a obrigação de indenizar o mesmo. Tal obrigação de indenizar alcança várias situações, que sumariamente seriam: a) restituição integral do preço ou das quantias pagas; b) indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir; c) despesas do contrato e prejuízos diretamente resultantes da evicção; d) custas judiciais e; e) benfeitorias (art. 1109 e 1112 do CC; art. 450 e 453 do NCC). Assim, tem o evicto direito as verbas decorrentes dessas indenizações que deve o alienante pagar.
4. Neste ponto, vale ressaltar que a perda que sofre o evicto pode ser de toda a coisa ou parte dela, daí a possibilidade da evicção total ou parcial. A evicção parcial pode referir-se à parte de um todo, como quando o adquirente de um imóvel rural perde para o terceiro parte dele. Pode ocorrer também que haja um conjunto de bens na coisa vendida, e apenas alguns são perdidos, como no exemplo em que é vendida a biblioteca e parte dos livros é reivindicada.
5. A exemplo dos vícios redibitórios, o evicto pode escolher entre duas ações, a ação de evicção (redibitória), em que se restitui o preço da res, ou a de indenização pela perda (fala a lei em “desfalque”). Escolhida a ação, vale o princípio de que, eleita uma via processual, não é possível o retorno a outra. Contudo, para que possa se operar tal escolha, a lei exige que seja a evicção considerável, o que se apurará no caso concreto. Tal requisito coaduna-se, por óbvio, com a exigência de um comportamento do adquirente que esteja em consonância com a boa-fé objetiva, prescrita pelo nosso ordenamento.
A restrição à escolha da ação do parcialmente evicto foi destinada a evitar abusos, como o de um comprador de um caminhão que, por ter o seu rádio evicto, pede restituição total do valor pago pelo automóvel. Também nessa linha, se o adquirente perde 90% da propriedade, não há como exigir que se mantenha a coisa, ainda que recebendo o valor do desfalque (ver, contudo, discussão em item 7, infra). Não sendo considerável a perda, o adquirente não terá opção e deverá pedir o correspondente a ela.
6. Posto isso, cabe questionar qual o valor do objeto que deverá ser pago ao evicto que se volta ao alienante: o preço pago originalmente ao transmitente à época do negócio, atualizado monetariamente (acrescido de juros legais); ou o valor da época em que ocorreu a evicção (mais juros legais).
Entende XXXX XXXXX XX XXXXX XXXXXXX, assim como XXXXXX XX XXXXX
VENOSA, que deve o alienante responder pela plus valia da coisa, sustentando que a lei ordena que a indenização englobe os prejuízos sofridos pelo adquirente (CC, art. 1.109, II; NCC, art. 450, II). Lembra também que a ação de indenização, nos termos do art. 1.059 do CC (art. 402 do NCC), deve abranger além do que se perdeu, o que se
deixou de ganhar. Reforça VENOSA que “na evicção, a idéia é de que o patrimônio seja recomposto integralmente”. Contribui também para o escólio XXXXXXXXXX XX XXXXXX XXXXXXXX, ainda dissertando sobre o velho Código, que não possuía previsão de tal valor no caso de evicção total, lembra que na evicção parcial ordena a velha lei no art. 1.115 que se deve indenizar com base no valor no momento em que se evenceu. “Não poderia o Código ter adotado outro peso e outra medida para a evicção integral”. Não obstante, esse ponto não é pacífico com base no Código 1916, por falta de expressa previsão acerca de tal tópico, dando margem à interpretação que deveria ser o restituído o valor pago atualizado monetariamente.
Vem o Novo codex resolver essa discussão determinando de maneira expressa, seguindo o entendimento da maior parte da doutrina, que “o preço, seja da evicção total ou parcial, será o do valor da coisa, na época em que se evenceu, e proporcional ao desfalque sofrido, no caso de evicção parcial” (art. 450, NCC).
Não obstante tal conclusão, o prof. XXXXXXXXX XX XXXXXXX tem como sua opinião que seria mais correto a devolução do valor pago com correção monetária. Justifica o mestre que pode ter havido, exampli gratia, uma depreciação no valor do imóvel objeto da evicção, causando então prejuízo ao alienante que estava de boa-fé.
Em compêndio, a disciplina do valor a ser restituído, nos dois códigos é:
a) Evicção Total:
- Atual Código: não há previsão expressa (fala só em “restituição integral do preço”), dependo da interpretação do operador do direito. Para JUNQUEIRA DE AZEVEDO, é o valor pago originalmente, atualizado, mais juros legais.
- Novo Código: é expresso ao determinar que seja o valor da época em que se evenceu (art. 450, parágrafo único)
b) Evicção Parcial: Tanto o atual Código (art. 1.115) como o novo Código (art. 450, parágrafo único), determinam que seja o valor da época em que se deu a evicção.
7. Por fim, cabe tratarmos acerca da questão da evicção parcial nas vendas ad corpus e ad mensuram.
Venda ad mensuram é aquela na qual as medidas do imóvel são precisas e determinantes para a realização do negócio jurídico. Quando a venda é feita por metragem (ad mensuram) e as dimensões do imóvel vendido não correspondem às constantes da escritura de compra e venda, o comprado tem o direito de exigir a complementação da área (ação ex empto) por inadimplemento contratual. Não sendo possível a complementação da área (por exemplo, o vendedor não possui área contínua), cabe ao comprador o direito de pedir a resolução do contrato (ação redibitória) ou o abatimento proporcional do preço (ação quanti minoris), sendo ambas ações edilícias, ou seja, a coisa é entregue em sua integridade, mas padece de vício oculto, não contendo a qualidade e a utilidade declaradas pelo vendedor e almejadas pelo comprador.
Já na venda ad corpus, as medidas do imóvel são imprecisas e meramente enunciativas, sendo que o corpo do imóvel é o elemento determinante para a realização do negócio jurídico (e.g., vendo a “Fazenda Silvano”, com mais ou menos 2 alqueires). Quando a venda tiver sido feita ad corpus, não tem lugar nem a pretensão real (ação ex empto), nem as pretensões pessoais (ação redibitória e quanti minoris), já que nessa venda a menção à medida é apenas enunciativa.
Dito isto, concluímos que no caso da venda ad mensuram, havendo evicção parcial (portanto a área do imóvel não corresponde com as dimensões dadas, segundo exige o art. 500 do NCC; art. 1.136 do CC) não havendo possibilidade de complementação da área, cabe por certo ao adquirente escolher entre alguma das ações edilícias, posto que padecia a res de vício oculto, não de fato, mas jurídico. Assim, pode escolher o abatimento do preço, pela ação quanti minoris, ou a devolução do preço pago, através da ação redibitória. Essa escolha, contudo, está condicionada a perda ser considerável (art. 455 do NCC, art. 1.114 do CC).
Contudo, sendo a venda ad corpus, o comprador não tem pretensão alguma quando as dimensões do imóvel forem inferiores às que presumiu (CC, art. 1.136, NCC, art. 500, § 3º). Todavia, por força do art. 447 do NCC (art. 1.107 do CC), o alienante responde pela evicção. O fato de ser a venda ad corpus não pode afastar o
que é prescrito pela lei: “nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção”. Desta forma, também na venda ad corpus, havendo evicção, terá o adquirente o direito de pedir restituição da parte do preço correspondente ao desfalque sofrido (ação quanti minoris), e, se a perda for considerável, poderá pedir a restituição integral do preço (ação redibitória).
40. Compra e venda: conceito; espécies. Compra e venda e transferência dos bens móveis e imóveis no direito brasileiro.
A compra e venda é o contrato mais importante da vida empresarial e, dada a realidade de consumo na qual vivemos, assume papel essencial na vida de toda e qualquer pessoa.
A compra e venda é o contrato em que uma pessoa (o vendedor) se obriga a transferir a outra (o comprador) o domínio de uma coisa corpórea ou incorpórea, mediante o pagamento de certo preço em dinheiro ou valor fiduciária correspondente. Isso significa que o pagamento, em geral feito em dinheiro, pode ser realizado através de uma duplicata, cheque, título da dívida pública, etc.
É um contrato bilateral ou sinalagmático perfeito (a execução de uma prestação é a causa do cumprimento da outra), oneroso, podendo ser comutativo, quando prestação e contraprestação se equivalerem, ou aleatório, como no caso da venda de coisa futura, em que há o risco de não haver equivalência. Por fim, pode a compra e venda ser consensual, quando bastar o acordo para sua realização, ou solene, quando a lei exigir para isso alguma forma especial.
A operacionalização do contrato se dará de maneiras distintas de acordo com a natureza do bem objeto da compra e venda. A regra geral determina que a transferência dos bens imóveis deve ser feita através da simples tradição e a dos bens imóveis através da transcrição do título aquisitivo no registro de imóveis. Há, porém, algumas exceções a esse princípio. A transferência de títulos da dívida pública é feita diretamente através do contrato, sem que um ato qualquer a operacionalize. Essa exceção, introduzida pelo DL 3545/1941, tem como objetivo permitir que as indenizações por desapropriação fossem pagas pelo governo não com dinheiro, mas com os referidos títulos. Um segundo caso é o contido no art. 1361 do NCC, que trata da alienação fiduciária. A inovação trazida pela nova lei deve acelerar a transação, mas, segundo o professor, poderá dar lugar a fraudes e transformar a alienação fiduciária em financiamento comum.
41. Compra e venda. Elementos constitutivos. Apreciações críticas.
São elementos constitutivos da compra e venda: a coisa, o preço e o consentimento. Em algumas hipóteses também a forma é considerada elemento essencial, como por exemplo quando se exige, além da transcrição, a escritura pública para transferência de bens imóveis (arts. 108 e 215 do NCC) e na transferência de licenças para a distribuição ou venda de jornais, em que também é exigida escritura pública.
O preço deve ser sério, expresso em dinheiro ou nele transferível, certo e determinado (ou determinável). A seriedade do preço é necessária para se evitar doações dissimuladas. É preciso ressaltar que não se fala em preço justo, ou seja, não se exige uma equivalência objetiva entre prestação e contra prestação. Como, então, identificar uma doação fraudulenta? Para o professor, é preciso interpretar o negócio com base nos riscos assumidos pelas partes no momento da contratação, devendo se proceder a análise caso a caso. Sobre a pecuniaridade, vale deixar claro que é possível o estabelecimento do preço em UFIRs e mesmo o pagamento com nota promissória em dólar, desde que estabelecido no contrato a data em que ela será colocada em moeda corrente. As últimas características do preço – certeza e determinação – devem constar para que não fique esse elemento essencial do contrato ao arbítrio exclusivo de uma das partes. Em geral o preço é determinado, mas nos contratos aleatórios pode se falar em preço determinável.
Para efetuar um compra e venda as partes devem ter livre poder de formar sua vontade. Por isso, para que haja consentimento, é preciso que sejam os
contratantes capazes e maiores e, xxxxx, devidamente assistidos. A lei estabelece algumas limitações nesse campo. Um ascendente não pode efetuar uma compra e venda de determinado bem com um descendente sem o consentimento dos outros e do cônjuge, exceto quando o regime de bens for o de separação total. Alguns profissionais, por dever de ofício, não podem fazer parte do contrato quando estiver envolvido certo bem. Assim, o juiz, o perito, o leiloeiro e o promotor não podem ser compradores de um bem mandado a leilão num processo em que eles participam. Xxxxxxx casadas precisam de outorga do cônjuge para comprar ou vender imóveis e, exceto no regime de separação total de bens, são proibidas e contratar entre si. Também quando há condomínio deverá o condômino que pretende vender sua parte ideal dar ciência ao outro da oferta, garantido assim o direito de preferência do outro. Se a notificação não for realizada, pode o condômino prejudicado pela impossibilidade de exercer seu direito de preferência depositar o valor da transação e exigir a adjudicação compulsória, restando ao terceiro de boa fé voltar-se contra o vendedor para cobrar perdas e danos. Tem também direito de preferência o locatário de imóvel colocada a venda pelo locador, que deve informar o locatário de sua intenção e dar a ele prazo de 30 dias para que exerça seu direito de preferência. Se não for feita a notificação, a solução é a mesma do caso de condomínio. Outra restrição ocorre quando á cláusula de exclusividade, como nos contratos de franquia. O franqueado só poderá vender bens de outro fornecedor com autorização do franqueador (?). Por fim, precisa o enfiteuta, para vender a coisa, do consentimento do senhorio direto e é proibida a venda de material pornográfico e bebida alcóolica a menores de idade.
O último elemento, a coisa, deverá ter existência, ainda que potencial, podendo ser corpórea ou incorpórea, ser determinada ou determinável, disponível ou “in commercium”. Para que seja feita a transferência, o vendedor deve ser proprietário da coisa.
42. Compra e venda. Conseqüências jurídicas, no âmbito de direitos e obrigações das partes. A venda de ascendentes a descendentes.
A principal conseqüência jurídica, no âmbito de direitos e obrigações das partes e a obrigação do vendedor de entregar a coisa, com transferência de domínio, e o pagamento do preço pelo comprador. O contrato de compra e venda por si só não transfere a propriedade; para que ocorra a transferência do domínio é, necessário a tradição.
As partes, normalmente, devem cumprir simultaneamente suas obrigações, mas se a venda não for a crédito, o vendedor somente estará obrigado a entregar a coisa quando o comprador efetuar o pagamento. Se a venda for a crédito, a situação pode ser o contrário. Ainda quanto a venda à crédito, em situação de insolvência, a outra parte pode pedir, em juízo, uma caução para eventual não cumprimento da obrigação em razão daquela situação.
Nas relações de consumo, apresentará nulidade os contratos de compra e venda de bens móveis ou imóveis, mediante pagamento em prestações, que estabeleçam cláusula de decaimento (cláusula que estabelece a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado).
Ainda nas relações de consumo, é imposto ao vendedor a obrigação de garantia quanto aos vícios aparentes e redibitórios (na verdade, o que acontece é uma inversão do ônus da prova, que, pelo CDC passará a ser do vendedor para provas a excludente de responsabilidade quanto a esses vícios).
A obrigação de garantia do vendedor contra vícios de evicção é assegurada em todas as relações.
Será também de responsabilidade do vendedor, quando não estipulada no contrato diferentemente, os riscos e despesas antes da tradição. Se houver mora do comprador , os riscos correrão por conta deste.
Quanto ao direito aos cômodos antes da tradição, os frutos naturais e as acessões pertencem ao possuidor; os frutos pendentes pertencerão ao comprador.
Há para o comprador o direito de recusa da coisa vendida por amostra. Deve haver rigorosa conformidade da coisa à amostra, conseqüentemente, se não tiver as qualidades amostradas, o comprador pode enjeitar a coisa, resolvendo a venda.
Por último, na compra e venda de bens imóveis, se a venda for ad mensuram, ou seja, quando se determina a área do imóvel vendida, estipulando-se o preço por medida de extensão (a especificação da área e elemento indispensável), o adquirente tem o direito de exigir o complemento da área (por meio de uma ação ex empto ou ex vendito). Esse direito não se verifica na venda ad corpus, ou seja, aquela em que o vendedor aliena o imóvel como corpo certo e determinado. No NCC, se a diferença encontrada não ultrapassa 1/20, será presumida a venda ad corpus. Mas essa presunção pode ser modificada pelas partes se for expresso no contrato, além disso, importa realmente se verificar a intenção das partes. Esse limite não é aceitável em alienação em hasta pública. Parte da doutrina coloca que nas relações de consumo só existe venda ad mensuram.
Finalmente, em relação a venda de ascendentes a descendentes, somente essa será válida se existir o consentimento expresso dos demais descendentes e do cônjuge, ressalvando no caso do cônjuge quando for regime absoluto de separação de bens, presente no NCC.
43. Compra e venda pelo administrador de xxxx xxxxxxx. Venda da quota ideal pelo condômino.
A regulamentação a respeito da compra e venda pelo administrador de bens alheios está contida no art. 1133 do CC/16, em seus incisos I, II e III. O primeiro inciso proíbe a compra, pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, dos bens confiados à sua guarda ou administração. O fundamento de tal dispositivo está na garantia da moralidade dos contratos, pois se a lei permitisse a compra de bens pelas pessoas indicadas, proporcionaria aos menos escrupulosos oportunidade para fraudes em detrimento do patrimônio administrado.
Da redação do texto se depreende que a proibição abrange apenas o presente, sem cogitar do passado: não podem ser comprados ser comprados pelos administradores, em geral, os bens de cuja administração estejam encarregados. Não se proíbe a compra dos bens de cuja administração já estiveram encarregados.
Em casos especiais, porém, a regra aí exposta comporta exceções, admitindo-se que o tutor possa adquirir bens de seus tutelados, o que se verifica, por exemplo, na hipótese de ser ele condômino e pedir a adjudicação dos bens do seu tutelado, com fundamento no art. 1777. Ainda pela razão de a proibição dever ser interpretada restritivamente, nada impede que o tutor venda seus bens ao tutelado, observadas as formalidades exigidas pela lei.
Deve-se observar ainda que, quando o Código menciona “administradores”, nesse número estão compreendidos, entre outros, os inventariantes, os síndicos, os liquidatários, os administradores das sociedades em geral e os liquidantes das sociedades em liquidação. Quanto ao inventariante dativo, isto é, aquele que é estranho à herança, não há dúvida de que não poderá adquirir os bens desta. A proibição, contudo, não abrange o inventariante quando cônjuge ou herdeiro do de cujus, pois a lei não impõe o sacrifício de um direito próprio ou de um interesse legítimo preexistentes, e, assim, pode entender-se que a tais pessoas é permitido comprar quando estão em comunhão pro individuo com o tutelado, o curatelado, os interessados na sucessão etc. Na sua qualidade de co-proprietário, o tutor tem legítimo interesse a se defender, e quase sempre para ele o único meio de exercer essa defesa é concorrer à hasta pública a fim de impedir a venda a preço vil.
O fundamento do inciso II, que proíbe aos mandatários a compra de bens de cuja administração ou alienação estejam encarregados, é o mesmo, ou seja, a moral, para evitar que o mandatário fique com os bens pelo preço por ele mesmo fixado, enriquecendo à custa do mandante. Mas, mesmo que no mandato consigne o mandante o preço da venda, nem assim poderá o mandatário adquirir os bens de cuja alienação estiver encarregado, porque ainda aí haveria o risco de ficar o mandatário com os bens sem pagar o preço, criando uma situação difícil para o mandante vendedor, que ficaria obrigado a demandar o mandatário para cobrar-lhe o preço, ou
rescindir a venda. Por todas essas razões, o legislador não distinguiu hipóteses: impôs logo uma pena a essa proibição, declarando a nulidade da compra e venda, quaisquer que sejam as circunstâncias em que se verificar a alienação, enquanto perdurar o mandato.
O inciso III impõe a mesma restrição aos empregados públicos relativamente aos bens da União, dos Estados e dos Municípios, que estiverem sob sua administração, direta ou indireta. Tal dispositivo visa garantir a moralidade da administração pública, evitando, por outro lado, que o empregado encarregado da administração possa, de qualquer modo, ser influenciado por interesse particular em detrimento do interesse público. A proibição alcança a compra dos bens decretada ao tempo em que o empregado exercia as funções de administrador, ainda que, por qualquer motivo, o ato seja lavrado após sua demissão ou afastamento.
Houve durante toda a vigência do CC/16 uma discussão a respeito de se saber se, no caso de infração das sobreditas proibições, o ato seria nulo, ou tão somente anulável. A maior parte da doutrina entendia que a compra e venda em tais circunstâncias seria nula de pleno direito, por resultar de princípios de ordem pública. O NCC resolveu esta questão, colocando no caput do art. correspondente (497) que tais atos ensejam pena de nulidade. Além disso, o NCC estendeu, no parágrafo único, essas disposições à cessão de crédito. Por outro lado, também suprimiu o inciso II, que se referia à proibição do mandatário, talvez porque tal regra propiciava muitas discussões a respeito da compra e venda ser nula sempre, ou apenas quando agia em nome do mandante.
Passemos agora à segunda parte da questão. O art. 623, III, do CC/16 concede ao condômino o direito de alienar sua parte indivisa. Sendo ele titular de um direito, o de propriedade, cujo conteúdo enfeixa a possibilidade de usar, gozar e dispôr da coisa, nada legitimaria qualquer restrição ao seu exercício. Todavia, a lei restringe essa faculdade do condômino, pelo princípio do art. 1139 (art. 504 do NCC), que determina que um condômino em coisa indivisível não pode vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser. Dispõe, ainda, que o condômino a quem não se der conhecimento da venda poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranho, se o requerer no prazo de seis meses.
A função desse instituto é claramente o de resguardar o direito de preferência, uma vez que cada condômino não possui a coisa em sua totalidade, mas somente uma parte ideal. Sendo assim, o condômino que pretende efetuar a venda deve notificar seu consorte para que este possa, se desejar, adquirir a parte que se pretende alienar.
Se o condômino, depois de notificado, não concordar com a venda para terceiro, mas, por outro lado, também não depositar o preço, a venda a terceiro é permitida. O condômino que não for cientificado e se julgar prejudicado por ter interesse naquela compra, deve comprovar que o direito de preferência não foi exercido e depositar o preço em juízo, adquirindo para si o domínio sobre a coisa. O terceiro que a havia comprado, por sua vez, tem direito à devolução do preço, mais o pagamento de indenização por perdas e danos.
44. Compra e venda. Os “incoterms”. Caracterização. Conseqüências jurídicas no
âmbito de direitos e obrigações das partes.
Com a compra e venda internacional de mercadorias, tornou-se necessária a criação de novas cláusulas baseadas na compra e venda à distância (exportações). Essas novas cláusulas são os “incoterms”.
Existem diversos tipos de incoterms, mas os principais são:
1 – FOB (Free on Board). Em uma compra e venda estipula-se um preço calculando-se o risco de levar a mercadoria a bordo. O vendedor se responsabiliza pela coisa até a entrega desta ao navio, ou seja, se durante o transporte da coisa (do cais até o navio) houver algum problema, o responsável é o vendedor.
2 – FAS (Free alongside Ship). A responsabilidade do vendedor cessa já no cais. Se ocorrer algum problema no transporte da coisa do cais até o navio, o comprador se responsabiliza. A diferença da FOB é uma variação do preço, pois com a FAS não se insere no preço o risco. O comprador tem que decidir se prefere pagar mais e ter mais uma garantia (FOB), ou se prefere pagar menos (FAS).
3 – CIF (Cost, Insurance, Freight). Aumenta-se o valor do preço para se incluir tudo: o custo da coisa, o seguro (caso pereça, por exemplo), e o frete45. Essas garantias estão incluídas até a entrega no estabelecimento do comprador, sendo, portanto, o vendedor responsável até essa entrega. A CIF tem, dessa forma, a função de diminuir o risco e aumentar as garantias.
4 – C&F (Cost and Freight). Muito pouca usada, pois, para pagar o frete, se gasta muito, e não tem o seguro desse frete como na CIF. Por isso vale mais a pena a FAS ou a CIF.
Observações: Os incoterms causam alguns problemas na hora da leitura quanto à questão geográfica. Exemplos:
⮚ FOB/Santos: a mercadoria vai embarcar em Santos.
⮚ CIF/Santos: a mercadoria vai ser entregue em Santos.
45. Pactos adjetos à compra e venda: retrovenda. Caracterização. Direitos e obrigações das partes. Efeitos.
A retrovenda, segundo XXXXXXX XXXXX, é a cláusula adjeta à compra e venda, pela qual o vendedor se reserva o direito de reaver, em certo prazo, o imóvel alienado, restituindo ao comprador o preço ou o valor recebido, mais as despesas por ele realizadas durante o período de resgate, desde que autorizadas por escrito, inclusive as empregadas em melhoramentos necessários do imóvel. É considerada um autêntico contrato preliminar unilateral.
O objeto da retrovenda são somente bens imóveis. O prazo é determinado em seu máximo, que é de 3 anos ininterruptos, não podendo ser suspenso ou interrompido, contados do dia em que se concluiu o contrato. É improrrogável. Quando da decadência do prazo, o direito de resgate se extingue. Tal direito serve para reaver o bem vendido, e pode ser oponível a terceiros, pois, com a transferência (transcrição) do imóvel, o terceiro toma ciência de que a cláusula de retrovenda existe, e mesmo que não ele não saiba do “pactum de retrovendendo”, terá somente a propriedade resolúvel, assim como o comprador primitivo.
Sendo a propriedade do imóvel resolúvel, extingue-se no momento em que o vendedor declara a vontade de reavê-lo, ficando o comprador obrigado a devolvê-lo.
Trata-se, como sua natureza jurídica, portanto, de venda sob condição resolutiva potestativa (condição resolutiva aposta ao contrato), que ainda dependerá de o vendedor cumprir suas obrigações junto ao comprador, como restituir o preço e reembolsar as despesas que foram autorizadas por escrito pelo vendedor e as obras necessárias de benfeitoria.
Na negação do comprador em receber o dinheiro para sanar seus gastos com a coisa e, então, dever devolvê-la, o vendedor pode realizar depósito judicial com vistas a evitar mora.
Se a coisa perecer por caso fortuito ou força maior, desaparece o direito de resgate, gerando assim a perda do bem ao comprador e o direito ao vendedor. Se a deterioração for parcial, o vendedor não tem abatimento sobre o preço original a restituir.
A diferença entre a retrovenda em si e o direito (ou pacto) de resgate é que no primeiro, o consentimento do comprador é necessário, enquanto ao direito de resgate é necessária apenas a declaração de vontade do vendedor.
45. Pactos adjetos à compra e venda: retrovenda. Caracterização. Direitos e eobrigações das partes. Efeitos.
A retrovenda é a cláusula adjeta à compra e venda, pela qual o vendedor se reserva o direito de reaver, em certo prazo, o imóvel alienado, restituindo ao comprador o preço ou o valor recebido, mais as despesas por ele realizadas, durante o período de resgate, desde que autorizadas por escrito, inclusive as empregadas em melhoramentos
45 O transporte (frete) e o seguro estão incluídos no preço final.
necessários do imóvel.46 A retrovenda caracteriza-se como pacto adjeto ao contrato de compra e venda, pois, se for ajustada em separado, deixará de ser modalidade especial, para transformar-se em promessa unilateral de vender.
Tem natureza jurídica de venda sob condição resolutiva potestativa, cujo exercício não depende exclusivamente da vontade do vendedor, mas, também, de que restitua o preço e reembolse as despesas.47 O adquirente tem propriedade resolúvel que se extingue no momento em que o vendedor exerce direito de reaver o bem vendido, mediante declaração unilateral de vontade, não sujeita à forma especial. Recebida a declaração, o comprador é obrigado a devolver o imóvel, com reposição das partes ao statu quo ante. Não há, portanto, novo contrato de venda, apenas desfazimento do negócio original. Daí não caber novo imposto de transmissão inter vivos. Além disso, o vendedor conserva a sua ação contra os terceiros adquirentes da coisa retrovendida, ainda que eles não conhecessem a cláusula de retrato (art. 1142 CC, art. 507 NCC).
Dois são os pressupostos da retrovenda no direito brasileiro: I- que recaia sobre bem imóvel;
Conforme disposição expressa do art. 1140 CC ou art. 505 NCC, o objeto da retrovenda é tão-somente a venda imobiliária, tendo em vista que:
a) como o domínio das coisas móveis se transfere pela tradição, o adquirente não pode apurar de pronto se o domínio do alienante está ameaçado de resolução. Portanto, se fosse possível a retrovenda de bens móveis, uma enorme insegurança se instalaria no campo dos negócios;
b) os bens móveis se destinando, em regra, ao comércio, não convém ao adquirente mantê-los por três anos na prateleira, aguardando o exercício do retrato;
c) para reduzir a incidência de contratos usurários, impedindo a retrovenda de bens móveis.
II- que o exercício do retrato se perfaça dentro do prazo de três anos.
O prazo para resgate não pode passar de três anos, sob pena de se reputar não escrito; presume-se estipulado o máximo do tempo quando as partes o não determinarem (art. 1141 CC, art. 505 NCC). Como esclarece Clóvis Beviláqua, a segurança das relações jurídicas e da expansão econômica exige prazo curto para a cláusula resolutória. Ademais, referido prazo é decadência e é improrrogável. Para Washington de Xxxxxx, conta-se o dies a quo da data do contrato e não da transcrição (com relação ao dies a quo, há controvérsias...)
Não obstante opiniões isoladas em contrário, a communis opinio vige no rume de que a venda a retro não cria direito real.
O direito de resgate é personalíssimo; embora passe para os herdeiros do vendedor (art. 507 NCC).
O resgate tem o efeito essencial de operar a resolução da venda, com reaquisição do domínio pelo vendedor, a quem a coisa será restituída com seus acréscimos e melhoramentos (Clóvis Beviláqua).
O comprador recebe de volta o preço que pagou, acrescido das despesas feitas. Tem direito ao reembolso das quantias que tiver empregado no imóvel, não pelo valor nominal, mas naquilo em que tiverem concorrido para o melhoramento da propriedade (art. 1140 CC, art. 505 NCC). Tem direito aos frutos e rendimentos da coisa até o momento da remissão, pois que até então é titular da propriedade, mas não responde pelas deteriorações que ela sofrer, salvo se devidas à má-fé (Clóvis Beviláqua).
O perecimento da coisa em conseqüência de caso fortuito ou força maior extingue o direito de resgate. O bem se perde para o comprador e o direito para o vendedor. Aquele não está obrigado a pagar o valor da coisa destruída. No caso de deterioração parcial o vendedor não tem direito à redução proporcional do preço que deve restituir. Se o vendedor quiser reaver a coisa, mas o comprador não quiser mais devolvê-la, o vendedor, para exercer o direito de resgate, deve depositar judicialmente o valor da coisa (preço corrigido do negócio jurídico), acrescido de despesas (art. 506 NCC).
46 Conceito do Xxxxxxx Xxxxx, segundo Professor Xxxxx Xxxxx (está diferente de “Contratos. 25ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002”...)
47 Xxxxx, Xxxxxxx. Contratos. 25ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002, p. 257.
Para Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx00, a utilidade desse pacto é muito controvertida. Defendem-no, de um lado, sob a invocação do princípio da liberdade de contratar, bem como pela possibilidade de, aquele que se vê compelido a alienar o imóvel por motivo de dificuldades transitórias, poder recuperá-lo. Em contraposição, atacam-no em face da incerteza que causa no regime de propriedade, principalmente por prestar-se a mascarar empréstimos usurários que atentam contra o direito e a economia.
Já para Washington de Xxxxxx Xxxxxxxx “a estipulação acha-se presentemente quase em desuso, porque o vendedor, utilizando-se dela para recobrar o imóvel, terá de reembolsar o comprador não só do preço, como de todos os gastos (despesas da escritura, sisa, emolumentos do registro), além de perder, ele próprio, os dispêndios que realizou.”49
Finalmente, para Xxxxxx Xxxxxxxxx, o compromisso de venda e compra preenche, com muito mais eficácia e maior economia, o papel que durante muito tempo a retrovenda desempenhou. Daí ser, hoje, instituto superado.50
46. Pactos adjetos a compra e venda: Venda a Contento e Venda Sujeita a Prova. Caracterização. Direitos e obrigações das partes. Efeitos.
A compra-e-venda é um contrato que permite a inclusão de diferentes cláusulas especiais, conhecidas também como pactos adjetos. Um desses pactos é a Venda a Contento. Trata-se de uma estipulação que a venda será desfeita caso o comprador não goste da coisa adquirida. O comprador se obriga, mas somente se vincula ao declarar que gosta da coisa.
A Venda Sujeita a Prova é também uma espécie de pacto adjeto, trazida como inovação pelo Código Civil de 2002, em seu artigo 510. Trata-se de venda que se presume feita sob condição suspensiva de que a coisa apresente as qualidades asseguradas pelo vendedor e que se apresente idônea para os fina aos quais se destina.
Estes dois pactos adjetos são semelhantes a ponto de estarem sujeitos à regulação pelos mesmos artigos. Entretanto, apresentam algumas diferenças que merecem menção. A venda a contento é negócio jurídico que se desfaz, ou que não se considera perfeito, com base na opinião subjetiva do comprador, sem a necessidade de qualquer justificativa objetiva. Na venda sujeita a prova, no entanto, a conclusão do contrato depende da qualidade da coisa propriamente dita.
A diferença existente entre as duas figuras perdeu sua importância durante a vigência do Código Civil de 1916, uma vez que estavam regulamentados no mesmo artigo os casos de venda a contento e os casos das coisas que precisam ser provadas, medidas ou experimentadas antes de serem aceitas. O Novo Código Civil restabelece a diferença prática existente ao separar os casos de venda a contento e os casos de venda sujeita a prova.
Questiona-se se a venda a contento teria a natureza jurídica de venda realizada sob condição suspensiva ou sob condição resolutiva. No caso de venda sob condição resolutiva presume-se o negócio perfeito e acabado, podendo se resolver no caso de insatisfação do comprador. Na venda realizada sob condição resolutiva transfere-se a propriedade da coisa, mas trata-se de propriedade resolúvel. Caso se celebre a venda sob condição suspensiva, não há transferência da propriedade, mas apenas o comprador possui a coisa na qualidade de comodatário, não há intenção de transferência do domínio da coisa. O entendimento que prevalece, e é de certa maneira endossado pelo art. 510 do NCC, é que a Venda a Contento caracteriza uma venda realizada sob condição suspensiva, ao menos que as partes estipulem o contrário.
Em função dessa presunção o comprador, antes de manifestar sua vontade definitiva e salvo disposição contratual em contrário, se equipara à condição de comodatário e, portanto, os seus deveres se equiparam aos de um comodatário
48 Xxxxxxx, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Fontes das obrigações. 10ª edição. Volume III. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1999, p. 127-130.
49 Monteiro, Washington de Barros. Direito das obrigações – 2ª Parte. 32ª edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2000, p. 100.
50 Xxxxxxxxx, Xxxxxx. Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade. 28ª edição. Volume 3. São Paulo: Editora Saraiva. 2002, p. 187.
comum. Assim, o comprador deve zelar pela coisa como se fosse efetivamente sua, não pode exigir do vendedor ressarcimento pelos gastos que possa ter tido no uso e gozo da coisa, entre outros.
O comprador tem a obrigação de declarar que quer concretizar o contrato de compra-e-venda, nos termos convencionados e dentro do prazo que os mesmos tenham previsto no instrumento do contrato. Se os contratantes não tiverem previsto um prazo para tal manifestação, cabe ao vendedor intimar judicialmente o comprador, a fim de que este se manifeste. Uma alteração trazida pelo Código Civil de 2002 é a que prevê a possibilidade de que tal notificação seja também extrajudicial, facilitando as relações ágeis da vida moderna.
No caso de o comprador não se manifestar quanto à conclusão ou não do contrato definitivo, presume-se que seu silêncio equivale ao consentimento e considera-se o contrato concluído, passando o comprador à qualidade de proprietário.
A venda sujeita a prova está sob as mesmas regulamentações que a venda a contento.
47. Pactos adjetos a compra e venda: Preempção e Venda Sobre Documentos. Caracterização. Direitos e obrigações das partes. Efeitos.
Preempção é o pacto adjeto a compra-e-venda que estabelece um direito de preferência do antigo proprietário (vendedor) no caso de o novo proprietário (comprador) desejar vender a coisa. A preempção conta com dois pressupostos, quais sejam: a vontade de o novo proprietário (comprador) vender a coisa e a vontade de o antigo proprietário (vendedor) desejar exercer o seu direito de preferência. Em resumo, a preempção é o direto de ser preferido como comprador.
Pode-se identificar três diferentes situações. A primeira delas seria o caso de o comprador, antes de vender a coisa anteriormente adquirida por ele a terceiro, oferecer a coisa ao vendedor. Neste caso o vendedor poderá, caso seja de sua vontade, exercer seu direito de preferência e terá o comprador cumprido sua obrigação.
Uma segunda situação se estabelece nos casos que o vendedor toma conhecimento da alienação a ser efetuada pelo comprador e o intima para que ele possa exercer seu direito de preferência. Ainda neste caso, apesar de o comprador não ter cumprido seu dever contratual de oferecer a coisa ao antigo proprietário, ainda há a possibilidade de o vendedor exercer a preempção.
A última hipótese é aquela em que o comprador vende a coisa a terceiro sem notificar o vendedor e, portanto, sem permitir que ele exerça seu direito de preferência. Neste caso, o comprador responde por perdas e danos, já que não cumpriu sua obrigação, mas a venda realizada não se considera nula, caso contrário estar-se-ia atingindo o terceiro de boa-fé. O Novo Código inova ao prever que, no caso de o terceiro adquirente ter agido de má-fé, ele deve responder solidariamente com o comprador.
O comprador tem a obrigação de afrontar o vendedor, isto é, notificar que pretende vender a coisa e permitir que o vendedor exerça sua preferência, adquirindo a coisa em igualdade de condições. Essa é justamente a obrigação do vendedor que desejar exercer a preempção: pagar o preço ajustado em iguais condições que terceiros adquirentes o fariam.
Caso o direito de preferência seja efetivamente exercido por aquele que o detém, não se caracteriza uma retrovenda, mas há uma nova compra-e-venda autônoma e independente daquela que havia se realizado anteriormente.
A Venda sobre Documentos, também conhecida como Crédito Documentado, é outra modalidade de pacto adjeto a compra-e-venda. O que ocorre neste caso é a substituição da tradição da coisa pela entrega de seu título representativo e de outros documentos que podem ser exigidos pelo contrato. É cláusula especial da compra-e- venda muito utilizada nos contratos de exportação e importação e têm a função de acelerar a realização dos negócios jurídicos.
Um exemplo desse tipo de venda seria o caso de uma compra-e-venda realizada entre um brasileiro e um argentino. Por motivos de celeridade e segurança, os contratantes incluem, através do pacto da venda sobre documentos, os bancos nessa relação jurídica. Assim, o vendedor brasileiro entrega ao Banco do Brasil o título
representativo da propriedade da coisa e recebe, do Banco, o preço ajustado. Do mesmo modo, o comprador argentino recebe o título representativo do Banco da Argentina e entrega o preço ao Banco. O contrato que se estabelece entre os bancos é uma Venda sobre Documentos. Os bancos participam do contrato e garantem tanto a solvência do credor, quanto a qualidade do objeto.
Essa é também uma inovação trazida pelo Novo Código Civil e trata-se de um contrato abstrato, ou seja, não se conhece a justificativa do deslocamento patrimonial ocorrido na relação que se estabelece entre os bancos.
Como última observação a respeito, deve-se dizer que o comprador não pode se recusar a efetuar o pagamento sob a alegação de que a coisa é defeituosa ou não se encontra em bom estado.
48. Pactos adjetos à compra e venda: reserva de domínio. Caracterização. Direitos e obrigações das partes. Efeitos.
O contrato de compra e venda pode possuir cláusulas especiais, denominadas pactos adjetos, que acrescentam disposições específicas ao negócio jurídico realizado.
O mais utilizado dos pactos adjetos é a reserva de domínio, através da qual o comprador, ao celebrar o contrato, adquiri apenas a posse do objeto, permanecendo a propriedade do mesmo com o vendedor até o momento do integral pagamento do preço acordado. Este pacto encontra fundamento legal nos artigos 521 a 528 do NCC e 1070 do CPC.
O contrato imbuído pela reserva de domínio é adimplido mediante parcelas a serem pagas em determinado prazo. Apesar disso, não se pode confundir este pacto com a venda a crédito, uma vez que nesta a propriedade não se transfere apenas após o pagamento de todas as prestações.
No que tange à natureza jurídica da venda com reserva de domínio, cabe demonstrar parte da discussão doutrinária a respeito do tema. Muitos autores já a confundiram com promessa de compra e venda, afirmando que o vendedor assume a obrigação de realizar a venda na época de finalização do adimplemento do comprador.
Por outro lado, há quem a compare ao comodato ou à locação. Mas isso não merece prosperar, já que nestes casos o objeto, findo o contrato, retorna ao comodante e ao locador, respectivamente. No caso da alusão ao depósito, menos ainda a analogia pode ser aceita, tendo em vista que o depositário não tem autorização para utilizar a coisa, situação que se distingue fortemente da presente no pacto em estudo, o qual visa a possibilitar o uso imediato do bem vendido.
Por fim, há juristas, dentre eles Xxxxxxx Xxxxx, que caracterizam a reserva como uma venda condicional, pois nesta o contrato está sujeito somente ao total pagamento do preço, transferindo-se a propriedade independentemente de nova declaração de vontade, sendo suficiente a o adimplemento da última prestação.
Xxxxxxx Xxxxx afirma que a reserva de domínio só pode incidir sobre objetos móveis, pois a transcrição impede a consumação do pacto. Contudo, há autores que admitem esta última hipótese. Além disso, leciona-se que o objeto deve ser passível de individuação, para que o comprador possa restitui-lo caso não pague o preço total.
Além disso, deve-se atentar ao fato de que a venda com reserva de domínio deve ser elaborada na forma escrita. Esta medida visa a dar segurança ao vendedor e publicidade ao ato. Ademais, para que o contrato tenha validade frente a terceiros, há a necessidade de transcrição no registro público de títulos e documentos, o que garante o interesse de terceiros possíveis adquirentes.
Percebe-se do acima exposto que o comprador deve pagar todas as prestações a que se comprometeu, enquanto o vendedor deve garantir a posse do outro contratante que se apresenta fiel a sua obrigação.
Contudo, podem existir situações em que o comprador deixe de pagar uma das prestações, tornando-se inadimplente. Em tempos passados, era aceito que o vendedor recebesse a posse da coisa e ficasse com todas as prestações já pagas, o que gerava usura, uma vez que o vendedor poderia alienar o bem novamente e, conseqüentemente, receber o valor de vários indivíduos. Contra isso, insurgiu-se a lei
que determina ao vendedor a obrigação de devolver ao comprador a diferença entre o valor da coisa, no momento da resolução, e o que falta pagar.
Caso o comprador atrase o pagamento, as prestações vincendas tornam-se vencidas e, portanto, o vendedor tem o direito de pleitear as vencidas e as que estão para vencer. Para isso, o comprador deve ser constituído em mora. Assim, o vendedor possui a prerrogativa de ajuizar ação para exigir as prestações vencidas e vincendas ou de ajuizar ação para receber a restituição da coisa.
Interessante notar que o comprador pode transferir o bem a um terceiro, desde que haja expressa autorização do vendedor. Caso esta não seja presenciada, este último pode optar por busca e apreensão ou reintegração de posse.
Um ponto importante está presente na situação de perecimento da coisa. Neste caso não se aplica a regra do res perit domino, uma vez que, apesar do vendedor ser o proprietário, o objeto perece ao comprador que assumiu o risco e permanece com o dever de adimplir as demais prestações.
Por fim, cabe mencionar a crítica feita pelo Prof. Xxxxx Xxxxx no sentido de discordar das situações fáticas que são presenciadas nos contratos que possuem a previsão de reserva de domínio. O problema surge ao redor do inadimplemento, frente ao qual financeiras (proprietárias) levam notas promissórias a protesto, como se isso fosse uma forma válida de notificação e, através da busca e apreensão, recebem a posse do objeto. Além disso, estas empresas alegam que o uso da coisa causou depreciação à mesma, o que as leva a entrar com ação de execução frente ao comprador.
49. Troca ou Permuta. Conceito. Caracteres. Objeto. Relação com a Compra e Venda.
A permuta, ou troca, é o contrato em que as partes se obrigam a prestar uma coisa por outra, excluindo o dinheiro, sendo esta a única diferença entre ela e a compra e venda. Antes do surgimento da economia monetária, a troca era o típico instrumento jurídico para a circulação de bens. Com o surgimento da moeda, e por conseqüência da compra e venda, ela vai perdendo espaço, sendo que hoje são raros os contratos deste tipo.
O contrato de troca é bilateral, oneroso, comutativo e simplesmente consensual. As três primeiras, segundo XXXXXXX XXXXX, são incontestáveis. O problema surge quanto à consensualidade. No Direito Romano, a troca só se aperfeiçoava mediante a tradição. No Direito Moderno, as legislações se dividem. Algumas, como a francesa, a portuguesa e a italiana, consideram que a transferência da propriedade é realizada por efeito direto e imediato dos contratos. Outras consideram que com a realização do contrato se cria uma obrigação de entregar a coisa, e não que o contrato já transfira por si a propriedade da coisa. Quanto à forma, a troca é contrato solene, embora isto possa variar, dependendo do bem a ser trocado. Um imóvel, por exemplo, deve ter sua transferência registrada em escritura pública, assim como na compra e venda.
Os objetos da troca devem ser dois bens. As restrições que se fazem à compra e venda também se fazem com relação à troca. Há direitos que podem ser objeto de troca, como o usufruto. Os bens a serem trocados não precisam ser de igual espécie, tampouco de mesmo valor, sendo que se assim quiserem as partes, o restante pode ser completado em dinheiro. Note-se que, neste caso, se a parte em dinheiro for maior do que o valor do bem, a troca fica descaracterizada, sendo considerado, para efeitos jurídicos, compra e venda.
Tamanha semelhança coma compra e venda faz com que os Códigos mandem utilizar as disposições referentes à compra e venda em um contrato de troca. Tais regras comuns são as seguintes:
a) o permutante tem as mesmas obrigações do vendedor quanto à garantia pela evicção;
b) responde também pelos vícios ocultos da coisa permutada;
c) antes daentrega da coisa, os riscos correm por conta do permutante que
detém a coisa (“res perit dominum”);
d) é necessária a determinação da coisa para se executar o contrato, caso esta seja de gênero ilimitado;
e) as proibições de venda e de compra vigoram para a permuta;
Apesar de semelhantes, tais institutos não são idênticos, havendo algumas disposições próprias da troca, enumeradas a seguir:
a) as despesas a cargo da escritura e da tradição são divididas meio a meio na troca, enquanto que na compra e venda o vendedor se responsabiliza pelas despesas da tradição e o comprador pelas da escritura;
b) a mesma regra é seguida quanto ao pagamento de impostos provenientes desta transmissão de propriedade. Caso os bens trocados sejam de valores desiguais, o contratante que adquire o bem de maior valor paga o imposto referente à diferença entre os dois;
é permitida a troca entre ascendentes e descendentes sem o consentimento dos outros descendentes, desde que os bens trocados sejam de mesmo valor. Caso sejam de valores desiguais, é necessário haver consentimento dos outros descendentes.
50. Contrato estimatório. Conceito. Caracteres. Direitos e obrigações das partes. (Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx)
Em consonância com a definição da doutrina nacional majoritária, o contrato estimatório, também correntemente denominado no decorrer das atividades negociais hodiernas de venda em consignação, representa a modalidade de negócio jurídico em que alguém, consignatário ou accipiens, recebe de outrem, consignante ou tradens, bens móveis, ficando autorizado a vendê-los, obrigando-se a pagar um preço estimado previamente, caso não venha a restituir a coisa consignada dentro do prazo ajustado. Nesse sentido reza, com sensível clareza, o artigo 534 do Novo Código Civil:
- Art. 534. “Pelo contrato estimatório, o consignante entrega bens móveis ao consignatário, que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada”.
Há de se observar que não sendo desconhecido do Direito Romano, além de muito utilizado e difundido nas práticas econômicas, sobretudo como meio capacitado a viabilizar a distribuição de produtos quando o fabricante ou atacadista coloca bens no mercado de difícil comercialização, o contrato estimatório não logrou regulamentação no Código Civil de 1916. Considerado pela teoria tradicional como cláusula especial de compra e venda, o contrato estimatório ou a venda em consignação, mereceu, com justificado motivo, disciplina autônoma no outrora Projeto de 1975, hoje considerado Novo Código Civil – arts. 534 a 537.
O contrato estimatório ou de consignação implica necessariamente para seu aperfeiçoamento a entrega da coisa pelo consignante ao consignatário, fator que determina a sua classificação como pertencente ao universo dos contratos reais. Sem a entrega efetiva, mesmo que se opere a permissão de venda a outrem por parte do consignante, haverá pacto diverso que foge à tipicidade do referido contrato. Ademais,
o negócio jurídico empreendido sob a forma de contrato estimatório terá como características o fato de ser oneroso, comutativo e bilateral, o que impõe obrigações recíprocas a ambos os contratantes.
Nesse contrato, o consignante ostenta a condição de dono, titular da disponibilidade da coisa móvel dada em consignação. O consignatário, por sua vez, recebe a coisa com finalidade de vendê-la a terceiro, segundo o preço e condições estabelecidas pelo consigante, que os estima; daí advém sua denominação. Nada obsta que o consignatário fique com a coisa para si, pagando o preço estimado, todavia isso não seja da essência e da finalidade precípua da avença. O consignatário assume o encargo de vender a coisa, entregando o preço estabelecido ao consignante, auferindo lucro no sobrepreço que obtiver na venda. No entendimento de Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, o contrato estabelece uma obrigação facultativa, visto que se pode optar pela devolução da coisa, em vez de pagar-se o preço combinado. Embora alguns doutrinadores defendam tratar-se de obrigação alternativa, infere-se
do texto normativo do art. 534 do Novo Código Civil que a possibilidade de devolver a coisa é subsidiária, caracterizando, portanto, a facultatividade.
Embora apresente afinidade com o mandato, o consignatário não representa o consignante na venda, de modo que atua em nome próprio com relação a terceiros. A consignação mostra-se estranha e irrelevante em relação a este último, haja vista que o consignante não fica responsável pelos atos empreendidos por parte do consignatário perante o terceiro. Particulariza, no entanto, o instituto o fato de o consignante manter o domínio das coisas consignandas, transferindo apenas a posse ao consignatário. Trata-se de contrato que apresenta qualificadoras próprias, no qual se destacam seus elementos constitutivos: entrega da coisa móvel; disponibilidade da coisa; obrigação de restituir ou pagar o preço estimado e prazo.
O preço estimado é elemento fundamental do contrato, assim é de supor-se que na conclusão do contrato já esteja estabelecido, todavia, nada impede que ele seja fixado em momento posterior à entrega da coisa. Certo é que o contrato estimatório não se aperfeiçoa enquanto não estiver determinado o preço. Entende Silvio de Salvo Venosa que as partes podem estipular a fixação do preço por terceiro ou mediante cotação na bolsa, o que, definitivamente, não altera a estrutura do instituto. Entretanto, o consignatário não pode ser investido da atribuição de estabelecer o preço, sob pena de descaracterizar a natureza do negócio. Pondera, ainda, o doutrinador que a disponibilidade da coisa móvel deve ser atribuída ao consignatário. Sem ela, descaracteriza-se o contrato. Caso a coisa é entregue apenas para demonstração ou amostra, não se tem consignação – casuística que requer, por vezes, o exame mais aprofundado das vontades das partes. Por fim, outro aspecto a ressaltar é que, nos termos no art. 537 do Novo Código Civil, durante o contrato, o consignante, embora dono da coisa, perde sua disponibilidade, não podendo aliená-la até que lhe seja restituída ou lhe seja comunicada a restituição.
No tocante aos direitos e obrigações do consignante, não se pode omitir que é essencial que este entregue a coisa ao consignatário, bem como sua disponibilidade, conservando o direito de propriedade. Findo o prazo do contrato ou da notificação, conforme assinalado, terá ele direito ao preço ou à restituição da coisa. Outrossim, durante o lapso contratual, o consignante não pode pretender a restituição nem turbar a posse direta do consignatário, que pode opor-lhe os meios possessórios. Como mantém o domínio, o tradens, pode prometer a venda da coisa para após o prazo de consignação, mediante a condição de reaquisição da disponibilidade. É corolário do contrato estimatório, refletindo os seus efeitos e embasado pelo art.536 do Novo Código Civil, a impossibilidade de a coisa vir a ser penhorada por credores do consignatário, nem arrecadada em insolvência ou falência, desde que o preço não venha a ser pago integralmente pelo accipiens.
Por outro lado, é conferido ao consignatário o direito de dispor da coisa durante certo prazo. A venda da coisa a terceiro é o efeito natural e esperado do negócio. Daí porque entender que a restituição ao consiganante constitui obrigação facultativa do accipiens. Questão de notável importância é saber se o consignatário pode antecipar a prestação, devolvendo a coisa antes do prazo. Segundo a natureza do contrato, entende-se que o prazo é concedido em favor do consignatário, desse modo, não havendo para ele interesse na venda a terceiro, nada impede que restitua o objeto da obrigação ao tradens, salvo se o contrário resultar expressamente do contrato. Uma vez feita a opção pelo consignatário, pagando o preço ou devolvendo a coisa, não há, em tese, possibilidade de retratação.
Caso o accipiens utilize e comunique a faculdade de restituir a coisa, não pode o consignante recusar a restituição, investindo-lhe da possiblidade de obtê-la, ainda que judicialmente. Ainda, atenta-se para o fato de o consignatário responder pela perda ou deterioração da coisa, continuando obrigado pelo preço estimado, como obrigação principal. Destarte, o consignante não está compelido a receber a coisa deteriorada, uma vez não indenizado pelos danos, podendo exigir perfeitamente o preço avençado. Permanecendo, durante o contrato, com a posse da coisa, são do consignatário os gastos ordinários com sua conservação, exceto se houver disposição contratual em contrário. Como regra, os gastos extraordinários e urgentes são carreados ao consignante, não podendo, contudo, o consignatário
permitir a deterioração ou perda, respondendo por culpa, já que estando na posse de coisa alheia, cumpre que exerça toda a diligência em sua guarda e manutenção. Nesse ínterim, tendendo ao estabelecimento dos efeitos derivados da avença em questão, assevera o art. 535 do Novo Código Civil, que o consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, vier a tornar-se impossível, ainda que por fato a ele não imputável.
51. Locação de coisas. Conceito. Elementos essenciais.
Locação de coisas é o contrato pelo qual uma das partes (locador), se obriga a ceder à outra (locatário), o uso e gozo de coisa infungível, mediante retribuição. É bilateral (sinalagma funcional – aluguéis vs. cessão de uso e gozo) e de execução continuada.
Tem por elementos essenciais, em primeiro lugar, o consentimento válido, no sentido de que deve ser dado por quem goze de permissão legal para firmá-lo, que podem ser, na perspectiva do locador, p.ex., um usufrutuário ou, até, um locatário, no caso de sublocação consentida pelo locador.
Capacidade dos contraentes é outro elemento importante, não havendo necessidade de outorga uxória salvo em caso de locação residencial por prazo superior a 10 anos (Lei 8254/1991, art. 3.º).
É também fundamento da locação de coisas a cessão da posse do objeto locado, que deve ser infungível e inconsumível (a exceção apresentada pelo Prof. Xxxxx Xxxxx concerne nos casos de imóvel rural em que as partes convencionam a poda das árvores. Em direito romano foi visto, se bem que para comodato, que o bem pode ser consumível normalmente desde que, no contrato específico, o objetivo seja outro que não o consumo – p.ex., exposição). Deve ainda o bem ser suscetível de gozo e determinado ou determinável.
Outro ponto essencial é a onerosidade, com aluguéis fixados livremente, mas com reajuste controlado para evitar abusos.
Por fim, o prazo pode ser determinado ou não, com conseqüências em relação à resolução do contrato. Se o tempo for determinado, em se tratando de imóveis residenciais, o locador que retomar o imóvel antes do tempo responde por perdas e danos, salvo se motivar sua conduta (uso próprio, p.ex.). Ainda nesta hipótese, se o locatário abandonar o imóvel, pagará multa compensatória proporcional ao tempo faltante. Se o tempo for indeterminado, a denúncia pode ser imotivada ou vazia.
52. Locação de imóveis urbanos: locação residencial, locação para temporada, locação não-residencial. Dar os traços essenciais.
A Locação de Imóveis Urbanos pode ser classificada de acordo com sua destinação em residencial, não-residencial e por temporada. A Lei 8.425/91 a Lei do Inquilinato tem por escopo a regulamentação dos imóveis urbanos e nela estão presentes as diferentes disposições atribuídas a cada uma dessas modalidades de locação.
A Locação Residencial:
Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xx.51 expõe que a locação de imóvel urbano para fim residencial é um negócio jurídico bilateral pelo qual a parte locadora entrega e garante à parte locatária, temporariamente, e mediante o pagamento de aluguel, a posse de um terreno sobre o qual haja construção em que vá alojar-se a parte locatária, a si, ou com sua família, exclusivamente para morada habitual.
Para compreendermos melhor a abrangência desse tipo de locação devemos retomar mais uma vez o conceito de residência e para isso mais uma vez transcrevo as minuciosas palavras de Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xx.:
“A residência é uma situação de direito à qual corresponde um conceito jurídico e conseqüências jurídicas. No conceito de residência há alusão necessária à
51TOMASETTI JR., Xxxxxxx. Comentários à Lei de Locação de Imóveis Urbanos – coordenador Xxxxxx xx Xxxxxxxx. São Paulo: Editora Saraiva, 1992, pp.18-30.
moradia habitual, isto é, ao lugar que a pessoa, ou ela e sua família, mantém para nele recolher-se à vida íntima e ao repouso, ainda que por pouco tempo”.
Percebemos que tal conceito abrange as locações de casas, apartamentos e pode também abranger aqueles cômodos localizados em hotéis e pensionatos quando ocupados por longos períodos de tempo a ponto do hospede ser de fato, um locatário (daí a incidência do arts. 47 e 48 da Lei do Inquilinato).
A Locação por Temporada:
O contrato de locação para temporada é um negócio jurídico bilateral no qual a parte locadora entrega e garante à parte locatária, mediante o pagamento de aluguel periódico, ou integralmente antecedido, a posse de um terreno onde haja construção em que a parte locatária possa instalar-se, a si e a sua família, para ali residir durante um lapso de tempo mais ou menos delimitado pela própria natureza do fim que motiva a conclusão do contrato cujo prazo não pode exceder a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.
Sendo a assim a locação por temporada é definida basicamente por ser um contrato de curta duração, sua definição é expressamente transcrita na lei do Inquilinato, fruto da influência dos usos e costumes e mesmo de legislação anterior que não a conceituava expressamente, mas admitia condições diferenciadas para locações de curta duração. Segundo o artigo 48 da lei 8.425/91 temos:
“Art. 48. Considera-se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel e outros fatos que decorram tão somente de determinado tempo, em contrato não superior a 90 (noventa) dias, esteja ou não mobiliado o imóvel”.
A Lei também concede ao locador do imóvel neste tipo de locação a pretensão de exigir antecipadamente o pagamento total das prestações, como também exigir qualquer uma das modalidades de garantia expressas no artigo 37 da mesma lei, o seja, o caução, a fiança ou o seguro de fiança locatício.
A Locação Não-Residencial.
O contrato de locação não-residencial também é um negócio jurídico bilateral, onde à parte locadora entrega e garante à parte locatária, mediante o pagamento de aluguel periódico, a posse de um terreno em que exista ou não área edificada, no qual a parte locatária possa instalar-se com o intuito de exercer atividade diversa, que seja, no entanto, lícita e não corresponda aos casos já citados para a locação residencial ou não-residencial.
Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xx. compara o contrato de locação não residencial à locação de imóvel urbano para exercício de atividade empresarial, no entanto, apesar da abrangência dessa conceituação, aqui preferi me voltar para a opinião de Xxxxx Xxxxxx Xxxxx00. Para este autor a classificação dos contratos urbanos deve ser exaustiva, quero dizer, em primeiro lugar verificamos se são atendidos os critérios de uma locação por temporada, caso não sejam verificamos se o imóvel destina-se à moradia do locatário e por último se a locação não se encaixar nas demais modalidades tratar- se-á de uma locação não-residencial.
De fato a Nova Lei do Inquilinato abrange, em sua seção destinada à locação não-residencial, uma variedade de contratos que poderiam muito bem ser definidos como exercício de atividade empresarial, dentre eles: as associações civis com fim lucrativo, indústrias e mesmo Shopping Centers (arts. 52, § 2.º e 54). Todavia a lei por ter como escopo oferecer diretrizes para situações particulares de diversos tipos de locação, e que apesar de sua abrangência se limitar às locações de imóvel para exercício de atividade produtiva, organização ou comercialização, o conceito de locação não-residencial pode admitir uma variedade de finalidades, dentre elas ousaria citar, como exemplo a locação de um imóvel para ser usado por uma seita religiosa (no entanto eu não poria minha mão no fogo para defender essa idéia).
Ainda resta, por fim, uma exceção à regra às locações de imóveis para fins residenciais expressa no artigo 55 da Lei do Inquilinato:
52 SLAIBI FILHO, Xxxxx. Comentários à Nova Lei do Inquilinato. 9ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, pp. 123-31.
“Art. 55. considera-se locação não-residencial quando o locatário for pessoa jurídica e o imóvel destinar-se ao uso de seus titulares, diretores, sócios, gerentes, executivos ou empregados”.
Está é uma atividade bastante freqüente de muitas empresas, e de certa forma foi um exercício de abstração da jurisprudência que veio a ser consagrado em lei. Em muitos casos podemos perceber que a locação de imóveis por uma empresa para fins residênciais de seus empregados tem por fim atender sua finalidade básica, ou seja, o lucro, sendo claramente uma atividade comercial a qual deve ser tratada como tal. Apesar disso a redação do artigo é muito mais abrangente valendo não valendo apenas para sociedades com fins lucrativos, mas pessoas jurídicas em geral53.
A Locação Mista
A Locação mista não é mencionada na Lei do Inquilinato, como também não é quesito deste ponto, no entanto achei de bom tamanho acrescentá-la caso nosso estimado professor nos obrigue a fazer algum devaneio mental.
Nas chamadas “locações mistas” não temos o que se poderia pensar à primeira vista uma variedade de contratos intercalados, mas sim a própria caracterização da locação é alvo de controvérsia. Em alguns casos temos a locação de um imóvel para fins não apenas residenciais, mas o locatário pode ter também a intenção de utilizá-lo para realizar algum tipo de atividade produtiva e expressa-lo no contrato.
A variedade de combinações possíveis levou, segundo Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xx., a omissão por parte do legislador dessa modalidade de locação urbana na Lei do Inquilinato. O autor coloca que os critérios de determinação do regramento desse tipo de locação é puramente empírico, valendo-se da análise caso a caso. Os critérios a serem adotados muitas vezes partem da utilização dos critérios destinados às outras modalidades de locação, sendo para isso necessário determinar qual tipo de locação seria preponderante no contrato em particular.
Na prática a determinação da modalidade de locação é necessária porque a lei concede diferentes garantias para as partes em cada situação. A Nova Lei do Inquilinato permitiu, por exemplo, nas locações residências a possibilidade da denúncia vazia, ou seja, a denúncia sem qualquer fundamento ou motivação por parte do locador. Essa denúncia, no entanto, deve atender certas condições, ela só é possível após a prorrogação de um contrato que teve pelo menos 30 meses de duração (art.46 e art.46, § 2º).
As Disposições especiais para cada tipo de locação de imóvel urbano abrangem: os artigos 46 e 47 (Locação residencial), 48 a 50 (Locação por temporada) e 51 a 57(Locação não-residencial) da já exaustivamente citada Lei 8.245/91.
53. Locação de imóveis urbanos. Direitos e obrigações do locador e do locatário.
Locação é o contrato pelo qual uma das partes remunera a outra, que compromete-se a fornecer-lhe durante certo lapso de tempo, o uso e gozo de uma coisa infungível, a prestação de um serviço apreciável economicamente ou a execução de uma obra determinada.
A locação de imóveis urbanos refere-se à locação de coisa, que é o contrato pelo qual uma das partes (locador) se obriga a ceder à outra (locatário), por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa INFUNGÍVEL mediante remuneração. É essencial para essa espécie de contrato o consentimento válido, a capacidade dos contraentes, a cessão da posse do objeto locado, a remuneração e o prazo determinado ou indeterminado.
O elenco de direitos e obrigações das partes é estabelecido no Código Civil de 1916, com seus princípios gerais disciplinados nos artigos 1188 a 1199, cuidando após da locação de prédios, além da Lei do Inquilinato (lei 8245/91).
Os direitos do locador são:
1. Receber o pagamento do aluguel pontualmente, ou seja, na data determinada;
53MIRANDA, Custódio da Piedade Xxxxxxxx. Locações de Imóveis Urbanos – Comentários à Lei nº 8.245, de 18-10-1991. São Paulo: Editora Atlas S.A., 1996, pp. 154-5.
2. Exigir do locatário pelo menos uma das seguintes garantias no imóvel predial urbano: fiança, depósito calção e seguro fiança;
3. Exigir o pagamento antecipado de 3 aluguéis nos imóveis para temporada. O legislador estabeleceu isso devido ao curto prazo da locação e, não sendo muitas vezes o locador domiciliado no local desse imóvel;
4. Caso não haja o adimplemento, mover ação de despejo. Essa ação pode ser cumulada com cobrança dos aluguéis atrasados e cobrança dos encargos da locação;
5. Autorizar por escrito a cessão, a sublocação, e o empréstimo do imóvel. A não anuência expressa do locador pode ocasionar quebra do contrato;
6. Pedir ou requerer a revisão judicial do aluguel, ou seja, uma adequação do preço ao nível do mercado. Nesse caso, o fiador deve concordar expressamente, caso contrário, estará extinta a fiança;
7. Ser certificado da sub-rogação. È importante saber quem irá efetuar o pagamento, para se for o caso, obter ou substituir uma garantia. Via de regra, no falecimento ou separação, deve ser avisado o locador, que terá o direito de exigir uma garantia. Se não houver ciência, estará caracterizada uma infração contratual que pode ocasionar no despejo.
As obrigações do locador são:
1. Entregar a coisa locada com os pertences necessários ao uso a que se destina;
2. Manter o bem num estado que garanta o seu uso pacífico durante o tempo do contrato;
3. Responder pelos vícios e defeitos anteriores à entrega da coisa. O locatário só se exime da responsabilidade pelas coisas que sofreram o desgaste normal do tempo. O contrato de locação padrão no Brasil diz que o locatário recebeu o imóvel em bom estado de conservação, e não havendo ressalva à essa cláusula, responderá pelos vícios aparentes no momento da entrega da coisa;
4. Pagar impostos e despesas extraordinárias, ou seja, aquelas que valorizam o imóvel. Xxxxxxx a encargo do locatário o pagamento pelas despesas ordinárias, ou seja, que dizem respeito à manutenção do imóvel. A jurisprudência não é pacífica quanto ao que seriam despesas extraordinárias e ordinárias, por exemplo, a troca do motor do elevador (o professor Xxxxx Xxxxx acredita que se trata de despesa ordinária).
Os direitos do locatário são:
1. Entrega da coisa ao uso a que se destina;
2. Uso pacífico da coisa
3. Relação pormenorizada do estado em que se encontra o imóvel;
4. Direito de preferência na aquisição do imóvel. Pode existir uma cláusula de vigência que garanta que o contrato de locação irá subsistir mesmo havendo a compra e venda;
5. Direito de purgação da mora. Havendo o inadimplemento, e consequentemente, ação de despejo, em alguns casos não há o despejo imediato, mas um ônus ao locatário. Trata-se de uma tutela ao direito de moradia. Dessa forma, permite-se que mesmo comprovado o inadimplemento, purgue-se a mora. A purgação da mora pode ser pedida no máximo 3 vezes num prazo de um ano;
6. Direito de sublocar ou ceder a coisa locada, desde que haja autorização prévia e por escrito do locador;
7. Direito à denúncia motivada ou vazia. Denúncia vazia nada mais é que a prerrogativa, concedida ao locador, de rescindir livremente e sem qualquer justificativa a relação de locação, nas locações a prazo indeterminado, ou naquelas cujo prazo contratual tenha findado. O artigo 46 da Lei do Inquilinato diz que nas locações por escrito e com prazo igual ou superior a 30 meses, a resolução ocorrerá findo o prazo estipulado. Porém, se o locatário permanecer na posse do imóvel por mais de 30 dias sem a oposição do locador, presumir-se-á a prorrogação do contrato. O locador poderá reaver o imóvel através da denúncia vazia ou justificada (as hipóteses de retomada estão elencadas no art. 47 da citada lei). Apesar de enumerar a denúncia vazia como um direito do locatário, o professor não concorda que este o seja realmente;
8. Direito à impenhorabilidade dos bens móveis residenciais. Para pagar as dívidas de aluguel, via de regra, pede-se a penhora dos bens. São impenhoráveis aqueles necessários à moradia, como o fogão, a mesa, a geladeira e a cama. Há controvérsia na jurisprudência quanto à televisão, microondas e outros utensílios elétricos.
As obrigações do locatário são:
1. Servi-se da coisa do modo pactuado;
2. Pagamento pontual do aluguel. O NCC estabelece que se não há uma data estabelecida no contrato, deve-se considerar o 6° dia útil do mês;
3. Pagar os encargos da locação e as despesas ordinárias;
4. Restituir a coisa, findo o contrato de locação, no mesmo estado em que a recebeu, salvo a deterioração normal do tempo;
5. Tratar o bem locado como se fosse dele;
6. Consentir reparos urgentes do imóvel. Haverá abatimento no aluguel porque o locatário não pôde usar o imóvel na sua integralidade.
54. Locação de imóveis. A cessão. Caracterização. Semelhanças e distinções, em relação à sublocação. Efeitos. A sublocação.
O contrato de locação pode ser totalmente cedido, mas para isso é preciso que o locador consinta. Aquiescendo, toma o cessionário a posição contratual do cedente, que desaparece, saindo da relação contratual isento de toda a responsabilidade. Seus direitos e obrigações transmitem-se ao cessionário. Portanto, na cessão não temos duas relações jurídicas, permanecendo a relação originária.
Na sublocação, o locatário transfere a terceiro a utilidade da locação, mas sem se fazer substituir em sua posição contratual. Continua o locatário responsável pela conservação da coisa e pelo pagamento do aluguel. A sublocação é um contrato que se instrumentaliza como modo translativo pessoal na transferência da locação por ato inter vivos.
Ressalta-se eu a sublocação deve ter o mesmo conteúdo da locação. Os direitos do sublocatário hão de ser igual ou menor extensão e duração dos direitos do locatário.
A principal semelhança entre a cessão e a sublocação é a função: transferir total ou parcialmente do locatário a um terceiro os direitos e deveres decorrentes do controle de locação, com o consentimento expresso do locador.
Porém, no caso de locação de prédio a prazo fixo, o Código Civil (art. 1201) prescreve que o locatário pode sublocar total ou parcialmente o prédio sem o consentimento expresso do locador, caso não haja estipulação em contrário. Na cessão, não há esta possibilidade (art. 1201, parágrafo único).
Como principal diferença, temos que a sublocação não estabelece qualquer vínculo entre o locador, parte do contrato básico, e o sublocatário, parte do subcontrato (vale lembrar que definir a sublocação como subcontrato ou contrato sobreposto não gera controvérsias; já definí-la como contrato acessório, a coisa complica um pouco, principalmente se você falar para o Xxxxxxxxx na prova oral).
O sublocatário reponde subsidiariamente ao locador pela importância que dever ao sublocador, quando este for demandado e, ainda, pelos aluguéis que se vencerem durante a lide (art. 16. lei 8.245/91).
Rescindida ou finda a locação, qualquer que seja a sua causa, resolvem-se as sublocações, assegurado o direito de indenização do sublocatário contra o sublocador (art. 15, lei 8245/91).
No mais, aplicam-se às sublocações, no que couber, as disposições relativas às locações (art.14, lei 8245/91).
54. Locação de imóveis. A cessão. Caracterização. Semelhanças e distinções em relação à sublocação. Efeitos. A sublocação.
Cessão
Através de um negócio jurídico denominado cessão de posição contratual é possível para uma das partes ceder seus direitos e obrigações decorrentes de um
contrato a um terceiro, desvinculando-se totalmente deste contrato. As partes ficam assim denominadas como cedente e cessionário, sendo o primeiro aquele que cede sua posição contratual e o segundo o que adquire essa posição. Nas palavras esclarecedoras e minuciosas de Xxxxxx Xxxxxxxxx00 a também denominada cessão de contrato consiste:
“...na transferência da inteira posição ativa e passiva do conjunto de direitos e obrigações de que é titular um pessoa, derivados de um contrato bilateral já ultimado, mas de execução ainda não concluída.”
Podemos verificar que trata-se de contrato bilateral, já que a cessão é presumivelmente onerosa, pois a cessão gratuita é denominada Empréstimo.
O consentimento do locador é necessário para que se efetive a cessão, sendo, no caso de locação de imóveis urbanos, expressamente manifesto no art. 13 da lei 8.245/91 a Lei do Inquilinato.
“Art. 13. A cessão de locação, a sublocação e o empréstimo do imóvel, total ou
parcialmente, dependem do consentimento prévio e escrito do locador.
§ 1º Não se presume o consentimento pela simples demora do locador em manifestar a sua oposição.
§ 2º Desde que notificado por escrito pelo locatário, de ocorrência de uma das hipóteses deste artigo, o locador terá o prazo de trinta dias para manifestar formalmente a sua oposição.”
Mais sucinto é, no entanto, a redação art. 1201 do Código Civil de 1916 a respeito da sublocação de imóveis e a cessão da locação.
“Art. 1201. Não havendo estipulação expressa em contrário, o locatário, nas locações a prazo fixo, poderá sublocar o prédio no todo, ou me parte, antes ou depois de havê-lo recebido, e bem assim emprestá-lo, continuando responsável ao locador pela conservação do imóvel e solução do aluguer.
Parágrafo único. Pode também ceder a locação, consentindo o locador.”
Infelizmente o Novo Código Civil é aparentemente silente com relação ao tema. A seção que trata dos contratos em espécies confere poucos artigos a respeito da locação, sendo que nenhum trata de sua transmissão à terceiros. Presumo que tal situação deve ser regulada por legislação especial (como a Lei do inquilinato) ou de forma geral na seção deste código que trata da transmissão das obrigações (mesmo que ali não se figure a Cessão de Contrato, apenas a Cessão de Crédito e Assunção de Dívida).
Sublocação
Na sublocação o locatário transfere a terceiro a utilidade da locação, mas sem se fazer substituir em sua posição contratual. Continua responsável pela conservação da coisa e pelo pagamento do aluguel.55
Trata-se de contrato derivado, pois o contato de locação original continua existindo e o locatário deste contrato passa a ser o sublocador do contrato de sublocação. A doutrina tende a defender que não há vinculação entre o locador do contrato original e o sublocatário do contrato derivado, mas razões de ordem prática podem vir estipular direitos e obrigações entre essas duas partes.
Como já foi visto, o contrato de sublocação exige consentimento por parte do locador.
A Sublocação é citada no caput do artigo 1201 do Código Civil de 1916 e não encontra paralelo no Novo Código Civil (ao menos que eu tenha encontrado). A Lei do Inquilinato dedica uma seção a parte ao tema (arts. 14 a 16), comparando “no que couber” a sublocação ao contrato de locação com relação às disposições já previstas em lei (art. 14).
Semelhanças e distinções
Ambos os contratos se caracterizam pela transferência da retenção da coisa. No caso da cessão essa transmissão é efeito através da renúncia completa do locatário original em favor de outro que passa a ocupar então a posição do primeiro adquirindo todos os direitos e obrigações decorrentes desta posição contratual. O cedente perde
54 XXXXXXXXX, Xxxxxx. Direito Civil. Vol 2 – Parte Geral das Obrigações. 30ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p.109.
55 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 18ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, p.286
daí por diante todo e qualquer vínculo com este contrato. Já na Sublocação o Locatário apenas transfere a retenção da coisa a um terceiro por meio de um novo contrato de locação, que, por estar vínculo ao primeiro, passa a ser considerado um subcontrato. O locatário continua responsável pelos manutenção da coisa e será responsável pelo seu perecimento.
Como vimos também ambos os contratos exigem a aquiescência do locador para sua efetivação se nos prendermos à lei do Inquilinato, restando a dúvida quanto interpretação a ser feita a partir do Novo Código Civil.
55. Locação de Imóveis Urbanos. Transferência dos direitos e obrigações das partes, por óbito do locador ou do locatário. Extinção da locação. Hipóteses e apreciações críticas.
A lei 8.245/91, a chamada lei do Inquilinato dispôs acerca da sucessão “causa mortis” da seguinte forma56:
“Art. 10. Morrendo o locador, a locação transmite-se aos herdeiros.
Art. 11. Morrendo o locatário, ficarão sub-rogados nos seus direitos e obrigações:
I – nas locações com finalidade residencial, o cônjuge sobrevivente ou o companheiro e, sucessivamente, os herdeiros necessários e as pessoas que viviam em dependência econômica do “de cujus”, desde que residentes do imóvel.
II – nas locações com finalidade não-residencial, o espólio, e, se for o caso, seu
sucessor no negócio.”
No caso da morte do locador de imóvel residencial ou não a transferência é concedida diretamente aos seus herdeiros, por parte do espólio. Apesar da lei não o mencionar a sucessão pode se dar também por meio do legado, onde determinada propriedade já locada pode constituir um legado específico a ser transmitido. Nesta circunstância a transferência não se dará até a chamada adjudicação, em que o legatário adquire o bem (art. 1690 do CC de 1916), sendo que até lá o sujeito que responderá como figura do locador será o próprio espólio.
Importante ressaltar também que nenhuma cláusula contratual poderá modificar a maneira com a qual se dará a sucessão contratual, sendo as normas sucessórias de caráter cogente.
Com relação a sucessão em decorrência da morte do locatário a lei é mais minuciosa. Importante é determinar o tipo de locação, pois a lei estipula “sub-rogados” diversos para cada circunstância.
No caso de imóvel residencial, o cônjuge tem preferência na sucessão, seguido pelos herdeiros necessários (descendentes e ascendentes) e por fim concedendo aos dependentes econômicos e usuários do imóvel a possibilidade de adquirir a posição contratual do “de cujus”.
Já no caso de imóvel não-residencial o sucessor direto é seu espólio e no caso de partilha serão seus sucessores nos negócios, não seus herdeiros.
Extinção da Locação
Segundo Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx00 a cessação da locação pode dar-se das seguintes formas:
a) Resilição bilateral, independente de requisito formal, bastando que o locatário, de comum acordo com o locador, restitua a este a coisa locada;
b) Retomada, nos casos em que a lei permite;
c) Resolução, se o locatário infringir dever legal ou contratual;
d) Perda total da coisa;
e) Impossibilidade de utilização pelo locatário;
56 Grande parte das informações contidas nessa seção foram retiradas de:
XXXXXX XXXXX, Xxxxx. Comentários à Nova Lei do Inquilinato. 9ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, pp. 123-31.
57 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de Direito civil. Vol. III – Fontes das Obrigações. 10ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999, p.196.
f) Perda parcial atribuível à culpa do locatário;
g) Xxxxx parcial atribuível à culpa do locador, a qual torne a coisa inadequada ao uso normal, se não preferir o locatário a reconstrução do prédio a expensas do locador;
h) Expiração do prazo, nas hipóteses em que disposição especial de lei não imponha prorrogação ou renovação;
i) Anulação do título de propriedade ou pela evicção do locador;
j) Desapropriação do prédio locado;
k) Vontade unilateral do locatário funcionário público civil ou militar quando removido ou transferido de localidade, sem que haja ocorrido para isto com ato ou culpa sua, bem como no caso de sofrer redução de mais de 20% em seus vencimentos, a menos que, nesta hipótese, consinta o locador em reduzir o aluguel na mesma prorrogação (decreto nº 19.573, de 7 de janeiro de 1931).
Mais uma vez recorremos à Lei do Inquilinato com intenção de obtermos maior entendimento acerca do tema. O texto desta lei faz referência a extinção da locação em diversos de seus artigos em suas disposições gerais (art. 5º ao 9º), sendo que podemos encontrar ali a maioria das circunstâncias determinadas pelo prof. Xxxx Xxxxx. Sobretudo podemos citar o artigo 9º.
“Art. 9º A locação também poderá ser desfeita:
I – por mútuo acordo (caso “a”);
II – em decorrência da prática de infração legal ou contratual;
III – em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos;
IV – para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti-las.”
Para os casos de locação por prazo indeterminado, a lei determina que o locatário poderá denunciá-lo a qualquer tempo, mas com antecedência mínima de trinta dias (art. 6º da referida lei, a denúncia consiste na declaração unilateral de vontade destinada a pôr fim ao contrato). O locador também pode por fim à locação por prazo indeterminada em determinadas circunstâncias tanto no caso de locação residencial (art. 46, §§ 1º e 2º) quanto de locação não-residencial (art. 56)58.
A Lei do Inquilinato é bastante minuciosa em suas considerações e nos casos omissos vale a regulamentação do Código Civil.
56. Locação de serviço. Conceito. Caracteres. Objeto. Direitos e obrigações das partes. Efeitos.
De acordo com Xxxxxxx Xxxxx, entende-se locação de serviços por um contrato mediante o qual uma pessoa se obriga a prestar um serviço a outra, eventualmente, em troca de determinada remuneração, executando-os com independência técnica e sem subordinação hierárquica.
Ao contrário do contrato de trabalho (contrato este que conta com legislação própria e por isso não é regulado pelo CC), no contrato de prestação de serviços não há relação de continuidade, a relação de subordinação até existe, mas é mais tênue que o contrato de trabalho, uma vez que não há vínculo empregatício.
No contrato de locação de serviços, o executor do serviço( locatário) não presta o serviço sob a orientação do solicitante (locador); o locatário determina a orientação técnica a seguir. Na realização do trabalho, não está subordinado a critérios estabelecidos pela outra parte. O locatário NÃO trabalha, pois, sob as ordens do locador, não caracterizando a subordinação presente no contrato de trabalho.
Quanto à caracterização desse contrato, ele é bilateral, consensual e oneroso. O objeto é uma obrigação de fazer não vedada em lei.
De acordo com o art. 598 NCC, o contrato não pode se convencionar por mais de 4 anos. Decorridos os quatro anos, ainda que inconclusa a obra, dar-se-á por findo o contrato.
58 XXXXXXX, Custódio da Piedade Xxxxxxxx. Locações de Imóveis Urbanos – Comentários à Lei nº 8.245, de 18-10-1991. São Paulo: Editora Atlas S.A., 1996, p. 29.
Se não houver prazo estipulado, qualquer das partes, a seu arbítrio, mediante aviso prévio, pode resolver o contrato (art. 599NCC).
Se o locatário não foi contratado para certo e determinado trabalho, entende-se que este se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com suas forças e condições (ART.601 NCC).
O prestador de serviço contratado por tempo certo ou obra determinada não pode se ausentar ou despedir sem ter preenchido o tempo ou terminada a obra, sob pena de responder por perdas e danos (art. 602NCC).
Caso o prestador seja demitido sem justa causa, o locador deverá pagar por inteiro a prestação vencida, e por metade a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato(art.603 NCC). Isso significa que, se houver demissão sem justa causa, deve- se pagar aquilo que já foi realizado acrescido metade do que faltaria para concluir o serviço; segundo o Xxxxx Xxxxx, pode haver ainda indenização por perdas e danos.
Com o fim do contrato, o prestador tem o direito de exigir da outra parte a declaração de que o contrato está findo. Idem se foi despedido sem justa causa, ou se tiver motivo justo para deixar o serviço (art. 604 NCC).
Sobre a demissão por justa causa, há quem defenda que cabe pagamento sobre a parte já executada; outros entendem que não, pois o valor que seria pago serviria para compensar os prejuízos eventualmente sofridos.
Nem aquele a quem os serviços são prestados, poderá transferir a outrem o direito dos serviços prestados, nem o prestador colocar outro para substituí-lo sem o consentimento da outra parte (por se tratar de um contrato intuito personae).
O locatário tem o direito de receber depois de prestado o serviço se, por convenção ou costume não houver de ser adiantada ou paga em prestações (art.597 NCC)
Por fim, o contrato acaba com:
a) morte de qualquer das partes;
b) escoamento do prazo;
c) conclusão da obra;
d) rescisão do contrato mediante aviso prévio;
e) inadimplemento de qualquer das partes;
f) impossibilidade de continuação do contrato, motivada por força maior;
g) Distrato
56. Locação de serviço. Conceito. Caracteres. Objeto. Direitos e obrigações das partes. Efeitos59.
O Código Civil de 1916 foi omisso no campo da locação de serviços, não regulamentando proteções trabalhistas, por estar no primado da autonomia privada. Com o advento da ordem pública na direção do Estado, este toma para si a iniciativa de regular as relações de trabalho, propiciando o advento da legislação trabalhista.
Da locação de serviços, que abrangia toda e qualquer prestação de atividade remunerada, destacou-se o contrato de trabalho (que pressupõe continuidade, dependência econômica, e subordinação), mas não aboliu a prestação de serviços. Em nosso direito, portanto, subsistem ambas as espécies contratuais, sendo utilizado o critério residual: as normas de locação de serviços são aplicadas aos modos de prestação de serviços que não se enquadrem ao conceito legal de trabalho (continuidade, dependência econômica, e subordinação).
A denominação locação de serviços é imprópria e deve ser designada por contrato de prestação de serviços, como fez o NCC (art. 593 a 609), mantendo quase todos os artigos correspondentes do CC de 1916.
Conceito: “Locação de serviços é o contrato em que uma das partes se obriga para com a outra a fornecer-lhe a prestação de uma atividade, mediante remuneração”. (Xxxx Xxxxx)
59 Anotações de aula.
Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, Instituições de Direito Civil, vol 3.
Xxxxx Xxxxxx Xxxxx, Curso de Direito Civil Brasileiro.
Xxxxxxx Xxxxx, Contratos.
Segundo X. Limongi França, “solicitante é aquele que necessita do serviço e o remunera (locador); executor é aquele que o leva a efeito e faz jus a remuneração (locatário)”.
Caracteres:
1. Bilateralidade – a locação de prestação de serviços gera obrigações para ambos os contraentes.
2. Onerosidade – origina vantagens para os contraentes, mediante contraprestações recíprocas. A remuneração é elemento essencial da locação de serviço, sujeita ao arbítrio dos contraentes (em caso de omissão recorre-se aos costumes do lugar – art. 596 NCC). Em regra, essa remuneração é em dinheiro, mas pode ser qualquer bem ou objeto não vedado em lei.
3. Consensualidade – a locação de serviços se aperfeiçoa com o simples acordo de vontades, independente de qualquer materialidade externa; é contrato de forma livre.
O objeto do contrato de prestação de serviços é uma obrigação de fazer, ou seja, a prestação de atividade lícita, não vedada pela lei e pelos bons costumes, oriunda de energia humana aproveitada por outrem e que pode ser material ou imaterial (art. 594 NCC).
Como contrato bilateral, gera obrigações para ambas as partes.
O prestador de serviços tem uma obrigação de fazer, na forma devida, em tempo conveniente, de acordo com as normas técnicas da arte ou ofício, ou segundo os costumes.
Algumas categorias de trabalho implicam a criação de deveres secundários de fidelidade e sigilo, que se convertem em outras obrigações contratuais; ou ainda dever de comunicar invenções, aperfeiçoamentos etc.
O locador tem o dever de efetuar o pagamento da remuneração na espécie, tempo e lugar de ajuste, ou segundo os costumes.
Concluído o trabalho ou rescindido o contrato, o prestador pode exigir da outra parte uma declaração de que o ato negocial terminou, com a menção de sua duração, conclusão ou encerramento (art. 604 NCC).
Há também o dever anexo de proteção e segurança, em observância aos preceitos de dignidade humana.
Finalmente, cessa o contrato (citados pelo prof. Xxxxxx Xxxxx):
• Pelo adimplemento;
• Por distrato (resolução bilateral);
• Por resilição do locador, com ou sem justa causa. Neste caso, não é preciso motivar a resilição, mas o valor vencido deve ser pago mais metade dos valores vincendos (art, 603 NCC), podendo caber indenização por perdas e danos (art. 602). No caso de extinção do contrato pelo locador com justa causa, há duas correntes: o que foi prestado deve ser paga (opinião do Prof. Xxxxxx Xxxxx); há quem acredite que não, para compensar os prejuízos eventualmente sofridos.
Xxxx Xxxxx acrescenta ainda, alguns casos de cessão do contrato:
• Morte do prestador de serviços e conforme o caso, morte daquele a quem é dirigida;
• Escoamento do prazo;
• Resolução por inadimplemento da outra parte; Xxxxx Xxxxxx Xxxxx complementa ainda:
• Impossibilidade de cumprir o contratado motivado por força maior (art. 607 NCC).
57. Empreitada. Conceito. Caracteres. Modalidades. Efeitos. Cessação.
Empreitada é, segundo conceito do Professor Xxxx Xxxxx, “o contrato em que uma das partes (empreiteiro) se obriga, sem subordinação ou dependência, a realizar certo trabalho para outra (dono da obra), com material próprio ou por este fornecido, mediante remuneração global ou proporcional ao trabalho executado”.
Historicamente, há alguma divergência na doutrina no tocante à determinação da natureza jurídica da empreitada. O Direito Romano incluiu-a entre os tipos de locação (dado o seu caráter de prestação de atividade, ainda que com vistas ao resultado final, da obra executada), enquanto outros ainda a aproximam da compra e venda. Na verdade, a dúvida que a muitos assalta provém de não se distinguirem, como merecem, a obrigação de fazer (realização da obra) e a obrigação de entregar a coisa depois de concluída; esta última, vinculada à primeira, não se confunde com a obrigação de dar que é execução do contrato de compra e venda. Assim, a tendência hoje é promover a empreitada, de mera modalidade locatícia, a contrato de características autônomas e tendências próprias.
Os caracteres jurídicos desse contrato são: bilateral, oneroso, consensual e, como regra, comutativo, podendo se ajustar também ao caráter aleatório. As partes do contrato são o empreiteiro e o dono da obra/comitente, sendo que o objeto é o mais amplo e variado, compreendendo toda espécie de produções, seja a clássica construção de uma obra material, seja a criação intelectual, artística ou artesanal.
Quanto às modalidades de empreitada, deve-se ter em vista, para a determinação dos mesmos, dois tipos de critério. O primeiro deles refere-se à determinação do preço da empreitada. A remuneração, ou preço, é essencial à empreitada, seja em dinheiro, seja em outra espécie, seja mesmo em uma cota-parte da própria obra a realizar-se, sendo que nada impede que seja definido tacitamente. Desse modo, distinguem-se as modalidades:
A - Empreitada a preço fixo: As partes pactuam acerca da obrigação de fazer levando em consideração toda a sua totalidade, estando já estipulado o preço total da obra. Com relação a essa, pode-se ter a empreitada a preço fixo absoluto e a empreitada a preço fixo relativo, segundo entendimento presente no Brasil. Na primeira, o preço é imutável, não podendo ser revisto, a não ser na ocorrência de fatos realmente excepcionais e imprevisíveis, segundo determinação do Código Civil a entrar em vigor em janeiro próximo. O problema, aqui, é a determinação desses; a inflação, por exemplo, não pode ser assim considerada, apesar das eventuais surpresas econômicas que venha a causar. Cabe lembrar, ainda, que o Código de Defesa do Consumidor não exige semelhante prova, bastando constatar-se a onerosidade excessiva, uma vez que não é necessária a verificação da imprevisibilidade do fato em relação de consumo. No caso da outra espécie de empreitada a preço fixo, a relativa, estipula-se que um dos componentes do preço pode ter variação ao longo do tempo (sendo atrelado ao dólar, por exemplo).
B – Empreitada por medida ou ad mensuram: Apresenta um caráter mais flexível que a anterior, uma vez que se baseia no cumprimento de etapas. A cada etapa cumprida, paga-se o preço correspondente, o que constitui numa vantagem ao comitente, que tem a possibilidade de mudar seus planos. A desvantagem, por sua vez, consistiria no fato de haver a presunção relativa de a obra ter sido entregue em perfeito estado no caso de aquele que a recebeu ter se mantido silente por período de
30 dias, não podendo, no transcorrer desse período, proferir qualquer tipo de reclamação.
Ainda em relação ao preço temos: A empreitada de valor reajustável, que favorece o empreiteiro, pois o preço é variável de acordo com o mercado; a empreitada por preço máximo, que protege, por sua vez, o comitente; a empreitada por preço de custo, na qual o empreiteiro cobra apenas o valor dos produtos utilizados na efetuação da obra, tomando para si uma comissão sobre o mesmo. O problema dessa espécie, não previsto legalmente, pode ocorrer quando o empreiteiro tende a escolher os materiais mais caros. A solução dessa lacuna por parte da doutrina tem sido a opção pelo estabelecimento, entre as partes, do material a ser utilizado, com uma taxa fixa de porcentagem para o empreiteiro.
O outro critério passível de ser utilizado é o referente à execução de trabalho por parte do empreiteiro. Nesse caso, podemos distinguir a empreitada de labor e a empreitada de materiais (ou mista). A distinção entre elas é que a primeira remete- se à contratação de um determinado serviço, para a execução de determinada obra, enquanto a outra refere-se à contratação de alguém especializado para a compra de materiais, sendo esta bastante comum hoje, dados os efeitos da globalização sobre as relações econômicas.
Cabe, agora, tratar dos efeitos da empreitada, levando-se em consideração, para tal, os direitos, deveres e responsabilidades das partes.
No que se refere ao empreiteiro, são seus direitos:
1-Receber a remuneração pactuada, cabendo-lhe o direito de cobrança num prazo prescricional de dez anos;
2- que o dono da obra a aceite depois de pronta (se o dono da obra não a aceitar, o empreiteiro pode pedir consignação, desobrigando-se e constituindo mora do comitente);
3- requerer a medição da obra quando se tratar de empreitada ad mensuram;
4- reter a obra em caso de trabalho efetuado e não pagamento (exceptio non adimpleti contractus), conforme o artigo 476 do novo Código Civil;
5- ceder a sua posição a um terceiro, desde que haja consentimento do comitente e não se trate de contrato intuito personae (sub-empreitada);
6- suspender a obra em caso de culpa do dono ou por fato extraordinário.
São obrigações do empreiteiro:
1- executar a obra conforme determinações do contrato, por si ou por terceiro (sub-empreitada);
2- Corrigir os vícios que a obra venha a apresentar;
3- Não fazer acréscimos ou mudanças não autorizadas (essa obrigação atende ao princípio da boa-fé objetiva, mais especificamente ao dever anexo pleno de informar);
4- Entregar a obra concluída a seu dono;
5- Denunciar ao contratante as falhas de materiais que possam comprometer a obra (essa obrigação também atende ao dever de informar, assim como o de ampla colaboração e lealdade, enunciado por Xxxxxx);
6- Pagar os materiais que utiliza;
7- Apenas no caso de empreitada mista: Fornecer o material na quantidade e qualidade avençadas (pactuadas).
No tocante ao dono da obra/comitente, seus direitos são os seguintes:
1- Exigir do empreiteiro a observância das obrigações pactuadas e suspender a obra, desde que pague a parte já efetuada;
2- Receber a obra concluída na forma pactuada; 3- Acompanhar a obra em suas etapas;
4- Enjeitar a obra ou pedir abatimento do preço, se houver desconsideração das determinações fixadas.
São deveres do comitante:
1- Pagar o empreiteiro na forma e época ajustadas;
2- Verificar o que foi feito na obra apontando os vícios; 3- Receber a obra uma vez concluída;
4- Fornecer os materiais necessários quando lhe competir (No caso de empreitada de labor);
5- Não alterar o projeto já aprovado.
No relativo à responsabilidade das partes, temos as seguintes, com relação ao Empreiteiro quanto:
1- à solidez e segurança do trabalho efetuado (obras de grande envergadura exigem uma obrigação de garantia, de caráter extra-contratual e legal, segundo entendimento da doutrina)
Construtoras tendem a alegar que a obrigação de garantia só pode durar cinco anos, segundo previsão legal (art. 1245 CC). Suponha-se, entretanto, que comecem a aparecer rachaduras em determinado apartamento apenas depois de 7 anos. Aqui, segundo entendimento quase unânime(unânime em São Paulo), pode-se exigir ação indenizatória, por perdas e danos, a partir da responsabilidade CONTRATUAL, que não finda no prazo de cinco anos (o prazo é de 20 anos, segundo o Código vigente, e vai passar a ser de 10 anos, com o Novo Código).
2- aos riscos da obra, caso tenha fornecido os materiais; 3- ao preço dos materiais