CONTRATOS NO DIREITO DE FAMÍLIA
CONTRATOS NO DIREITO DE FAMÍLIA
Conferência pronunciada no VI Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte, de 14 a 17 de novembro de 2007.
1. Do conceito de contrato em geral
O contrato existe desde quando surgiram as primeiras trocas de interesses, de bens e serviços entre os homens, porém a sua concepção teorética é relativamente recente, e deve-se menos aos juristas do que aos canonistas, aos voluntaristas da escolástica e aos filósofos do século XVIII.
Em virtude da maneira como os filósofos e juristas visualizaram o contrato, surgiram divergências na definição do seu conceito, hoje quase que totalmente pacificadas.
A palavra contrato sempre foi empregada em quatro sentidos diferentes : numa acepção não-técnica, é usada para significar o próprio documento que instrumentaliza o negócio; em termos técnicos a expressão ora é empregada no sentido de acordo de vontade, mediante o qual duas ou mais pessoas manifestam vontades convergentes visando a produção de efeitos jurídicos, que criem, modifiquem ou extingam situações jurídicas; ora para significar o conjunto de normas que eleva o contrato de simples meio de criação de deveres para uma fonte permanente de comandos concretos e específicos; e, numa última concepção constitui a conduta que cumprem os contratantes prevista no acordo. Interessam à presente exposição as noções de contrato como acordo e como conduta, porque é em torno desses dois significados que giram os problemas estruturais e de eficácia do contrato, nomeadamente no âmbito do direito de família.
Os romanos estabeleciam distinções entre convenção, contrato e pacto. Segundo eles, a conventio era o acordo de vontades de duas ou mais pessoas, expressão equivalente a pactum, consensus, pactum conventum, que por si só não gerava obrigações.1 Contractus significava o acordo de vontades revestido das formalidades impostas pelo direito, ou a relação jurídica decorrente do acordo entre duas ou mais pessoas destinado a criar relações de natureza obrigacional. “Contrato é a obrigação recíproca que os gregos chamavam de synalagma...”, conforme definiu o Corpus Juris Civilis.2 Mas não era qualquer acordo sobre objetos e relações jurídicas, como lembra DE
1 XXXXXXXX XXXXXXXXX XXXXX. Diccionario de Derecho Romano. Madrid: Instituto Editorial Réus, 1948, p. 139.
2 XXXXXXX, X. 50. 16. 19 : “ Contractum autem ultra citroque obligationem, quod Graeci συνάλλαγµα
vocant...”
XXXXXXXX0, mas apenas aqueles que geravam relações obrigacionais, “de modo que por esse termo não se entendia nunca o negócio destinado a criar vínculos familiares ou a constituir direitos reais, a dissolver ou a modificar deveres, como podem ser, por exemplo, a adoção, o casamento, a solutio e qualquer outro negócio liberatório, mas apenas e exclusivamente o contrato de direito das obrigações”.
É indiferente por exemplo, falar de pacto, contrato ou convenção antenupcial. O próprio Código Civil despreza a distinção quando fala do “pacto antenupcial” no art. 1.653, e logo a seguir no art. 1.657 alude a “convenções antenupciais”. A tendência dos autores é dar a esses termos uma diferenciação meramente quantitativa, de acordo com a extensão do objeto. Quando se trata de um negócio de vasto conteúdo, com um grande número de integrantes, normalmente costuma-se denominá-lo de “convenção” (convenção internacional, convenção coletiva de trabalho, etc). Quando o negócio é menor, em geral com duas partes, chama-se “contrato”; se é restrito o conteúdo, e muitas vezes quando o negócio é acessório, denomina-se de “pacto”, donde se fala de pacto de retrovenda, pacto de preempção, pacto de reserva de domínio.
A noção de contrato foi ampliando-se aos poucos, e passando pela Idade Média até chegar aos tempos modernos com um conteúdo tão abrangente, a ponto de identificar-se com os negócios jurídicos bilaterais e plurilaterais, entre os quais era tido como uma simples modalidade. Conquanto ainda existam doutrinadores que ligam a idéia do contrato ao direito das obrigações e aos objetos jurídicos patrimoniais, como se ele apenas disciplinasse as situações patrimoniais e de natureza obrigacional, hoje se entende por contrato qualquer acordo de vontades destinado a criar, modificar ou extinguir situações jurídicas relacionais ou uniposicionais, de conteúdo patrimonial ou extrapatrimonial, quer contenha uma denominação própria, quer não tenha denominação alguma, esteja ou não disciplinado pelo ordenamento jurídico, independentemente da forma pela qual o acordo é manifestado – se expressa, tácita ou presumida.
O contrato emancipou-se assim das restritas categorias do direito obrigacional para elevar-se a um esquema genérico e abstrato, posto diante da “infinita variedade das necessidades humanas”4. “Desde que se possam reduzir ao esquema abstrato e geral, todas as declarações bilaterais de vontade se tornam contratos. Este não é limitado a indicar apenas os acordo que originam relações de obrigações (contratos obrigatórios), abrangendo também qualquer outro acordo destinado a dissolver um precedente vínculo obrigatório, (contratos liberatórios ou solutórios), a modificar um vínculo existente ou constituir relações de direito real ou de família”, consoante os ensinamentos de XXXXXXXX. E conclui esse autor que se foi nítida e compreensível entre os romanos a diferença entre contrato, convenção ou pacto, “é tênue e descolorida qualquer distinção entre eles na terminologia moderna. Assim, qualquer acordo entre duas os mais pessoas que tenha
3 XXXXXXX XX XXXXXXXX. Instituições de Direito Civil. Trad. de Xxx xxx Xxxxxx. 3ª ed., São Paulo : Saraiva, 1973, v. III, p. 185.
4 XXXXXXX XX XXXXXXXX, op. cit. p. 188.
por objeto uma relação jurídica, pode ser indiferentemente chamado de contrato ou convenção e às vezes pacto, visto ter este termo perdido o significado técnico e rigoroso que lhe atribuía a linguagem jurídica romana” 5. Grifos nossos.
Por outro lado, por força da orientação doutrinária francesa, principalmente pela dicção do art. 1.101 do Código Civil da França, o termo contrato foi durante muito tempo usado tão somente para definir os negócios jurídicos de natureza obrigacional. Porém, H. XXXXXX0, na sua Teoria Pura do Direito, já havia advertido que para que um contrato se realize basta a existência de “declarações de vontades concordes das partes contratantes, declarações segundo as quais as partes querem o mesmo. Através deste fato é criada uma norma cujo conteúdo se determina pelas declarações concordantes”. À exceção dos autores nacionais que receberam forte influência da literatura jurídica francesa, os juristas brasileiros na sua grande maioria entendem também que o contrato não existe apenas no direito das obrigações, se bem que é nesse terreno onde ele se apresenta de modo mais freqüente, mas existe igualmente no direito das coisas, como por exemplo, nos contratos de constituição de direito real (contratos de superfície, de servidão, de garantia real, como os contratos de hipoteca, penhor, alienação fiduciária); no direito das sucessões, como a cessão de direitos hereditários, conforme mostra XXXX XXXXXX0, e inclusive no direito de família, objeto das nossas reflexões neste conclave.
XXXXXX XX XXXXXXX0 escreveu há mais de cinqüenta anos que “o direito de família tem a figura do contrato, e por ele criam-se, modificam- se e extinguem-se relações jurídicas familiares, de que se irradiam direitos, deveres, pretensões e obrigações, ações e exceções. O casamento é contrato. A adoção é contrato. O restabelecimento da sociedade conjugal é contrato”, exemplifica PONTES DE MIRANDA.
2. Da classificação dos contratos
Autores alemães e italianos, a exemplo de LARENZ9 e TRABUCCHI10, classificam os contratos obrigacionais por grupos, segundo o critério da causa do contrato (causa no sentido de fim, de causa finalis da filosofia aristotélica), e segundo tal critério, dividem os contratos em oito grupos
: no 1º grupo estão os contrato de alienação (compra e venda, fornecimento, permuta, dação em pagamento, cessão de crédito e doação); no 2º os contratos de transmissão de uso (locação, mútuo e comodato); no 3º grupo os contratos de serviços ou no interesse de outrem (numa extensa categoria de
5 Idem, ibidem, p. 188.
6 XXXX XXXXXX. Teoria Pura do Direito. Trad. de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx. 6ª ed. São Paulo : Martins Fontes, 1998, p. 288.
7 ZENO VELOSO. Novo Código Civil Comentado. Coord. Xxxxxxx Xxxxx. 1ª ed., 5ª tiragem. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 1608.
8 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. 2ª ed. Rio de Janeiro : Borsoi, 1954, v. III, p. 211.
9 K. LARENZ. Lehrbuch des Schuldrechts. 10ª ed., München : XX. Xxxxxxxxx, 0000, v. II
10 A. TRABUCCHI. Xxxxxxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxx. 00x xx., Xxxxxx : Cedam, 1971.
tipos, como a prestação de serviços, o contrato de trabalho, empreitada, mandato, depósito, comissão, agência, distribuição, corretagem, transporte); no 4º grupo, os contratos aleatórios e de renda (seguro, jogo, aposta e constituição de renda); no 5°, os contrato bancári os e de bolsa; no 6º grupo, os contratos de sociedade e comunidade jurídica simples; no 7º, os contratos de solução de controvérsia (como a transação e o compromisso); e por fim, o 8º e último grupo, o dos contratos de garantia, como a fiança, o crédito documentário, o negócio fiduciário.
Os demais tipos contratuais são classificados de conformidade com a natureza ou conteúdo de cada segmento, donde se fala de contratos reais, contratos de direitos sucessórios, contratos de direito de família. Os autores que dividiram os contratos por grupos, de acordo com o critério da causa, não puderam classificar os contratos de família sob essa ótica, dada a especificidade de seu conteúdo e a variedade de suas causas. Fenômeno semelhante ao que ocorreu com a teoria geral do direito, que na impossibilidade de enquadrar os direitos de família na classificação geral dos poderes - entre os direitos subjetivos, potestativos, poderes-deveres, legítimos interesses, expectativas de direito e direitos de garantia – deu-lhes a categoria autônoma de direitos de família, e, com a mesma dificuldade de identificar os deveres de família no quadro geral dos deveres – classificou-os simplesmente como deveres de família, ao lado das obrigações, do dever genérico de abstenção, da sujeição e dos ônus.
3. Classificação dos contratos de direito de família
Assim também haveremos de fazer com os contratos de direito de família, porque as suas peculiaridades são de tal maneira expressivas que é impossível usar para estes os mesmos critérios classificatórios empregados para os contratos obrigacionais, a não ser o que divide os contratos em nominados e inominados - único critério classificatório a ser adotado nesta exposição.
Com efeito, temos de distinguir duas situações : a primeira, a das pessoa ligadas por laços familiares que celebram contratos comuns do direito das obrigações, do direito das coisas ou das sucessões; a segunda, a dos contratos específicos do direito de família. Na primeira situação, estão os contratos de compra e venda e permuta entre cônjuges, entre conviventes de união estável, e entre ascendentes e descendentes; os contratos de sociedade entre cônjuges e conviventes, contratos de associação civil, de administração e gestão de bens, o mandato, os contratos de garantia, a transação, além de outros. No segundo grupo, situam-se os contratos que são próprios e exclusivos do direito de família.
Os contratos comuns (obrigacionais, reais ou de direito das sucessões) em princípio podem ser livremente celebrados entre os cônjuges e entre estes e terceiros, desde que não constituam fraudes à lei, ou violações ao
direito de terceiros. Ressalvam-se obviamente as imposições legais, como por exemplo, a regra que veda o cônjuge de alienar ou onerar bens imóveis sem o consentimento do outro, salvo se casado pelo regime de separação absoluta de bens. Comungamos da opinião de que a expressão absoluta referida no art. 1.647 do Código Civil só concerne à separação convencional, primeiro, porque a mesma restrição está repetida no capítulo da separação convencional (art. 1.687) e tão somente ali; segundo, porque o respectivo pacto antenupcial que o disciplina, é o único que pode estatuir a separação total e absoluta de bens; terceiro, porque a separação obrigatória não é “absoluta” no direito brasileiro, por força da Súmula 377 do STF que, a nosso ver está em vigor. Por isso entendemos que os cônjuges casados pelo regime obrigatório de bens
- em razão da idade, da inobservância das causas suspensivas da celebração do matrimônio ou da dependência de suprimento judicial (art. 1.641) – não podem alienar ou onerar bens imóveis sem o consentimento do outro.
Podem ser legitimamente celebrados os negócios de compra e venda ou permuta entre cônjuges ou entre conviventes de união estável se a titularidade dos bens objetos do negócio pertence com exclusividade a um deles, não fazendo o menor sentido a realização de tais contratos se o bem é comum a ambos em função do regime adotado. Esses e os demais contratos obrigacionais, de direito das coisa e sucessões, não tiveram grandes alterações em relação ao Código Civil de 1916. Já os contratos de compra e venda e de permuta entre ascendentes e descendentes sofreram no Código de 2002 uma redução do grau de invalidade, pois enquanto o Código revogado punia com a pena de nulidade a venda e a troca de bens de ascendente para descendente sem o consentimento dos demais descendentes (arts. 1.132 e 1.164/II do Código de 1916), o Código de 2002 considera a venda e a permuta apenas anuláveis.
O contrato de transação é frequentemente usado para remediar os litígios envolvendo os cônjuges e conviventes, e muito pouco utilizado para prevenir as desavenças entre casais. Porém pelo art. 840 do Código Civil ele tanto se presta para prevenir como para terminar conflitos mediante mútuas concessões. Se a lei permite transigir nos casos de litígios quanto a direitos patrimoniais de caráter privado, por ocasião das separações judiciais, quando ainda não se extinguiu o vínculo matrimonial, não há nada que impeça a realização de tais acordos na vigência do casamento para prevenir eventuais conflitos entre os parceiros.
Por outro lado, merecem atenção especial os contratos de sociedade, em face da norma do art. 977 do Código Civil, segundo a qual “faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória”. Não há portanto restrições quanto à constituição de sociedades entre pessoas casadas pelos regimes da comunhão parcial, da participação final nos aqüestos, nem no de separação convencional de bens, nem limitação alguma no tocante às sociedades entre conviventes de união estável, não só porque o artigo não faz alusão a essa modalidade de família, mas principalmente porque o regime legal da união estável é o da comunhão parcial, e o art. 977 não estendeu a proibição a esse tipo de regime de bens.
Isso aliás é estranhável, uma vez que na comunhão parcial comunicam-se todos os bens adquiridos a título oneroso na constância do casamento ou da união estável. Não vemos razão convincente de o Código impedir a livre contratação de sociedade entre pessoas que se uniram pelo regime da comunhão universal, nem no da separação obrigatória, mas se a lei civil quis impor a ressalva, para ser coerente não havia porque excluir da proibição o regime da comunhão parcial.
Questão interessante de natureza intertemporal e que ocupou as discussões doutrinárias nos primeiros anos de vigência do Código Civil de 2002, era se os casamentos anteriores ao novo Código poderiam ser atingidos pela proibição do art. 977, prevalecendo hoje o entendimento de que, em se tratando de ato jurídico perfeito não podia a lei nova retroagir para alcançar as sociedades constituídas antes da vigência do Código. XXXXX XXXXXXX00 assinala que “o contrato social de determinada sociedade formada ou integrada por sócios casados no regime da comunhão universal, ou no de separação obrigatória de bens, e constituída antes de 11 de janeiro de 2003, deve ser visto como um ato jurídico perfeito no que tange à constituição. Em outras palavras é ato consumado, já aperfeiçoado e que produziu todos os seus elementos constitutivos. Quando constituída a sociedade, presentes estavam todos os elementos exigidos para a perfectibilização do ato, aí incluída a plena capacidade dos contratantes. Ora - acrescenta com muita propriedade o citado autor – prevendo o Código Civil um novo tipo de impedimento, restritivo da capacidade de ser sócio, outrora desconhecido na legislação pertinente, parece-nos bastante óbvio que essa nova vedação legal não poderia retroagir para alcançar as sociedades já constituídas quando inexistente a proibição, obrigando ao seu desfazimento. Normas restritivas não se expandem, têm de receber interpretação estrita, e não podem, muito menos, projetar-se para o passado”.
[ p a u s a ]
Dividiremos os contratos específicos do direito de família em duas categorias, classificando-os segundo à sua designação e à falta de disciplina jurídica. De acordo com esse critério, os contratos de direito de família podem ser nominados e inominados.
Entende-se por contrato nominado ou típico aquele que tem uma denominação própria , um nomem iuris dado pela lei, além de uma disciplina estabelecida pela ordem jurídica. O contrato inominado ou atípico, ao contrário, é aquele que não é expressamente regulamentado por lei, nem a ordem jurídica lhe empresta um nome legal, embora alguns deles tenham uma denominação consagrada pela doutrina, como é o caso do acordo de alimentos, do contrato de convivência ou do pacto civil de solidariedade entre conviventes, concubinos ou parceiros homoafetivos.
11 XXXXX XXXX XXXXXXX. Problemas de Direito Intertemporal no Código Civil. São Paulo : Saraiva, 2004, p. 76 e 77.
XXXXXX XXXXXXXXX00 ensina que “os contratos nominados ou típicos são aqueles que a lei dá denominação própria e submete a regras que pormenoriza”, e inominados e atípicos os que “a lei não disciplina expressamente, mas que são permitidos, se lícitos, em virtude dos princípios da autonomia da vontade”. Citando XXXXXXXXXX Y XXXXXXXXX, XXXXXX XXXXXX XXXXXXX00 define “os contrato nominados como os que, devido à sua importância nas relações jurídicas ou em virtude da sua freqüência no campo dos negócios privados, se encontram disciplinados no Direito Positivo, com a devida nomenclatura especial e própria, definindo mais os inominados como os que, contrariamente, a Ciência Xxxxxxxx já reconheceu em face das imposições da vida moderna e do influxo das muitas e variadas necessidades da vida humana na atualidade, mas que todavia dependem de uma sistemática estruturação ou de uma exata regulamentação”
Constituem contratos nominados no direito de família o pacto antenupcial, e o casamento. Todas as demais modalidades são contrato inominados : os esponsais, o contrato de convivência, o pacto civil de solidariedade, o restabelecimento da sociedade conjugal, a alteração do regime matrimonial de bens, os acordos sobre guarda, dever de assistência e alimentos e as dissoluções consensuais da sociedade conjugal (a separação e o divórcio), e de outros grupos familiares.
Ao lado desses, é oportuno comentar os polêmicos
contratos de namoro e de corretagem matrimonial.
Pacto antenupcial
Vamos iniciar pelos contratos nominados, começando pacto antenupcial. Trata-se de um contrato de direito de família, sob a condição suspensiva da celebração do casamento, destinada a estabelecer regime de bens distinto da comunhão parcial e da separação obrigatória, além de outras estipulações que não contrariem a lei e os bons costumes. É um contrato indispensável quando os nubentes pretendem adotar o regime da comunhão universal, da participação final nos aqüestos ou o da separação convencional. Não é necessário quando as partes querem adotar o regime da comunhão parcial (posto que é o regime legal), muito menos nos casos da separação obrigatória, todavia nada impede que se realize pacto paralelo ao regime legal ou obrigatório. Por exemplo : é possível adotar o regime da comunhão parcial, e fazer um pacto para estabelecer restrições quanto à alienação de bens móveis particulares; nada obsta também que pessoas sujeitas à separação obrigatória faça um pacto de separação convencional para não admitir a comunicação dos aqüestos, evitando assim a incidência da Súmula 377 do STF.
12 XXXXXX XXXXXXXXX. Direito Civil. 32ª ed. São Paulo : Saraiva, v. 3, p.36 e 37.
13 XXXXXX XXXXXX XXXXXXX. Contratos Inominados ou Atípicos. São Paulo : Xxxx Xxxxxxxxx Editor, 1975, p. 125 e 126.
O pacto antenupcial realiza-se durante o processo de habilitação do casamento, mas não se sujeita ao prazo de 90 dias da habilitação. Caducada a habilitação, permanece válido aguardando o início da eficácia com o casamento. É caso de eficácia contida. [ p a u s a ] (Não é “prazo de validade”, porque prazo de validade só existe em bula de remédio. No direito não existe prazo de validade ou validade por algum tempo. A validade não expira em momento algum. Os prazos são de eficácia e não de validade).
A imensa maioria da doutrina brasileira firmou o entendimento de que o pacto antenupcial é contrato, até porque a atual lei civil brasileira não deixa dúvidas quanto a isso quando intitula o capítulo com essa denominação, o que aliás não fazia o Código de 1916. Admite-se que dentro do próprio contrato antenupcial se façam contratos acessórios como a venda, a permuta, e doações antenupciais, estas previstas expressamente no art. 1.668, inciso IV, do Código Civil, além do reconhecimento de filhos, que serve de prova escrita da filiação, mesmo que o pacto de torne nulo ou ineficaz. A contrário senso do art. 1.655, pelo princípio geral da autonomia da vontade, é licitamente permitido criar regramento interno sobre tudo aquilo que não contrarie norma imperativa, a moral e os bons costumes, não se restringindo assim o pacto aos estreitos limites dos direitos patrimoniais, podendo dispor inclusive sobre questões domésticas. Nulas seriam as cláusulas que estabelecessem, v.g., a alteração na ordem de vocação hereditária, a renúncia a alimentos ou ao usufruto legal dos bens dos filhos, ou que retirassem do outro o direito de autorizar venda de bens imóveis; que dispensasse o consentimento para aval ou fiança; ou que excluísse o cônjuge da sucessão mortis causa, porém a nulidade de uma cláusula não contamina todo o pacto, pelo princípio romano de que utiler per inutilile non vitiatur. Entretanto são perfeitamente válidas e eficazes entre os cônjuges as cláusulas que disponham sobre a vida interna da família.
XXXXX XXXXXXXX XXXX00, com a sua autoridade por todos reconhecida, sustenta que não há qualquer impedimento para que se estipulem encargos sobre questões domésticas, “assim, diz ela, pode ficar definido, por exemplo, quem irá ao supermercado, que é proibido fumar no quarto, deixar roupas no chão, etc.”, “ainda que algumas avenças não tenham a possibilidade de a execução ser buscada na via judicial”. Discute-se se seria possível introduzir cláusula indenizatória para hipótese de rompimento da vida conjugal por culpa um dos cônjuges, sendo que alguns autores entendem que, pelo menos no que diz respeito à união estável, uma disposição dessa ordem não afrontaria à lei.15
Casamento
A natureza jurídica do casamento tem sido objeto de intermináveis discussões, conquanto inúteis, pois não se revestem do menor
14 XXXXX XXXXXXXX XXXX. Direito das Famílias. 3ª ed., São Paulo : XX, 0000, p. 203.
15 XXXXX XXXXXXXX XXXX, op. cit. p. 204.
interesse prático. Embora tenham surgido diversas teorias que tentaram justificar a natureza jurídica do casamento, hoje elas se resumem basicamente a duas : instituição e contrato.
Pela concepção institucionalista, o casamento é uma instituição social, “cujas normas, efeitos e forma encontram-se preestabelecidas pela lei”, consoante os ensinamentos de XXXXX XXXXXX XXXXX00. As partes são livres, podendo cada uma escolher o seu cônjuge e decidir se vai casar ou não; uma vez acertada a realização do matrimônio, não lhe é permitido discutir o conteúdo dos seus direitos e deveres, o modo pelo qual se dará a resolubilidade da sociedade ou do vínculo conjugal ou as condições de matrimonialidade da prole, porque não lhes é possível modificar a disciplina legal de suas relações. Originariamente a teoria contratualista concebia o matrimônio como um contrato civil, que à semelhança dos contratos obrigacionais se tornaria perfeito e acabado pelo simples consenso dos nubentes. A teoria contratualista evoluiu para conceber o casamento como um contrato especial, por suas características e efeitos peculiares. Não se pode compará-lo com o contrato de direito obrigacional, como fez XXXXXXXXX X. BORDA. É verdade que a mera manifestação receptícia de vontade, elemento essencial de todo e qualquer contrato, não constitui por si só o contrato de casamento, que requer para isso, dois elementos categoriais : a diferenciação de sexo e a presença da autoridade civil ou religiosa. A presença da autoridade dá a especificidade do casamento, mas não lhe retira a natureza contratual.
É preciso notar que o termo jurídico casamento refere-se a duas situações distintas : ao ato de contratação e celebração do matrimônio, e ao estado civil (o dito estado matrimonial) decorrente do contrato realizado, em que duas pessoas passam a conviver. Quer dizer : é contrato em sua formação, e instituição pela situação jurídica que surge da vontade dos contratantes.17
Constitui equívoco a assertiva bastante reproduzida pelos autores de que o casamento é uma instituição, porque suas normas são impostas pela ordem jurídica, deixando espaço mínimo para a autonomia da vontade dos cônjuges. Se bem que realmente tenha um bom número de normas cogentes, a vida que se desenvolve no interior da família é regulada unicamente pelos próprios integrantes. Há um relevante interesse social, e é por isso que o Estado impõe determinadas regras imperativas, mas ao lado delas existe um disciplinamento interno construído no dia a dia pelos próprios integrantes da relação.
No conjunto de efeitos patrimoniais, alguns são inderrogáveis (como as regras gerais contidas nos arts. 1.639 a 1.657 do Código Civil), e outros que podem livremente ser alterados pelas partes segundo os princípios da liberdade contratual e da autonomia da vontade. A
16 XXXXX XXXXXX XXXXX. Curso de Direito Civil. 5º volume. Direito de Família. 22ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 39
17 XXXXXXX XX XXXXXXXX XXXXX. Direito Civil Aplicado. Vol.5. Direito de Família. São Paulo: RT, p. 50.
despeito da dicção do parágrafo único do art. 1.640 do Código Civil, segundo o qual “poderão os nubentes no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este Código regula”, conclui a grande maioria dos autores nacionais que os tipos de regime de bens não constituem numerus clausus, e que é possível não só misturar as regras existentes nos diferentes tipos, como criar tipos novos. Entendemos que quando a lei diz que os nubentes poderão optar por um dos regimes regulamentados, não significa que eles só poderão escolher um deles, porquanto a regra não limita a autonomia da vontade. Escreve PAULO LÔBO18 que “a liberdade de estruturação do regime de bens, para os nubentes, é total. Não impôs a lei a contenção da escolha apenas a um dos tipos previstos. Podem fundir tipos, com elementos e partes de cada um; podem modificar ou repelir normas dispositivas de determinados tipos escolhidos, restringindo ou ampliando os seus efeitos; podem até criar um novo regime não previsto em lei, desde que não constitua expropriação disfarçada de bens por um contra o outro, ou ameaça a crédito de terceiro, ou fraude à lei, ou contrariedade aos bons costumes”. É possível, por exemplo, adotar um regime, e com relação a determinados bens eleger-se um outro; pode ser escolhido o regime de separação, estabelecendo-se em relação a determinados bens o regime da comunhão; não há nada que impeça a adoção de um regime para vigorar por certo tempo , ou condicionado a um evento futuro, como o nascimento de filhos, conquanto isso não seja pacífico na doutrina; podem igualmente as pessoas casadas pelo regime da separação obrigatória fazer um pacto de separação absoluta, para evitar a incidência da Súmula 377 do STF, que determina a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento sob o regime da separação obrigatória.
A faculdade de escolha de regime de bens já existe entre os conviventes da união estável, de uma forma até muito mais ampla do que entre os cônjuges. A lei permite que os conviventes escolham qualquer dos regimes matrimoniais de bens, ou outro qualquer. Somente na hipótese de ausência de um regime escolhido por contrato, é que incide o regime da comunhão parcial. Não há na união estável regime da separação obrigatória, de sorte que, se passarem a conviver em união estável os idosos, os que dependerem de suprimento judicial, o viúvo ou divorciado que não houver feito partilha, estes casarão pelo regime da comunhão parcial, se não preferirem outro, enquanto que as pessoas que contraírem casamento nessas circunstâncias, terão de casar pelo regime da separação obrigatória de bens.
No tocante aos efeitos pessoais, é que Estado não penetra mesmo. A lei civil cria regras gerais de comportamento, enumerando os direitos e deveres dos cônjuges, e os dos pais em relação aos filhos, mas nos países civilizados não há lei alguma que disponha sobre a maneira como os direitos devem ser exercidos ou como os deveres devem ser cumpridos no interior de uma família, porque o disciplinamento interno compete unicamente aos integrantes do grupo familiar. A ordem jurídica esbarra na periferia da família. Diz a lei civil por exemplo, que aos pais compete dirigir a criação e educação dos filhos, porém não diz, nem poderia dizer, como devem criá-los e educá-los. As normas de direito de família de todos os povos estabelecem os deveres
18 XXXXX XXXX. Famílias. São Paulo : Saraiva, 2008, p. 292.
recíprocos dos cônjuges (fidelidade, mútua assistência, coabitação, guarda dos filhos), mas ninguém de bom senso pode imaginar como seriam as normas jurídicas que regulamentasse a prática do ato sexual, quando, onde, como, quantas vezes.
Escreveu JHERING19 que “a tentativa de semelhante regulamentação jurídica seria tão perniciosa, se exporia tanto a ferir profundamente o sentimento moral, que degeneraria em imoralidade e torpeza. À medida que um sentimento se torna mais delicado, mais nobre e puro na sua expressão real, mais facilmente seria ferido com semelhante profanação”. Numa das mais belas páginas da sua obra, XXXXXXX sentenciou que “a vida íntima da família desenvolve-se por si mesma, sem que lhe tenha acesso a prosa árida do direito. O direito não tem regras para a vida que nela se desdobra, nem para as relações existentes, nem para os litígios que ela suscita”.
Por conseguinte, chega-se à conclusão de que o casamento é um contrato especial, e a circunstância de existir um acentuado número de normas imperativas que induziram a doutrina a considerá-lo também uma instituição, não descaracteriza a sua natureza contratual, posto que não são essas normas que regem no dia a dia a vida interior do grupo familiar, e sim, o disciplinamento interno estabelecido pelos próprios parceiros, sem a mínima interferência do poder estatal.
Esponsais
Os esponsais consistem numa promessa de casamento entre pessoas de sexo diferente, sem impedimento matrimoniais, com a finalidade das duas partes avaliarem melhor os seus sentimentos em vista de um casamento futuro. No antigo ordenamento jurídico nacional, os esponsais eram contratos nominados, mas foram abolidos da Lei de Casamento Civil de 1890 e do Código Civil de 1916.
Atualmente a promessa esponsalícia é um contrato atípico ou inominado que não cria vínculo de família ou de parentesco entre os nubentes, nem mesmo impedimentos matrimoniais20, e por isso mesmo não pode a rigor ser considerado um contrato de direito de família. Todavia o seu desfazimento pode gerar indenização por danos morais e materiais, provada a culpa de quem provocou a ruptura e a ausência de causas excludentes da responsabilidade civil.
Contrato de namoro
19 XXXXXX XXX XXXXXXX. Geist des römichen Rechts auf den verschiedenen Stufen seiner Entwicklung. Leipzig : Breitkopt & Hatel, 1926, p. 195.
20 XXXXX XXXXXX XXXXX, op. cit. p. 46.
Os esponsais se diferenciam do chamado contrato de namoro, porque enquanto a promessa esponsalícia objetiva sedimentar o relacionamento para a contratação futura do casamento, o contrato de namoro visa pré-excluir a existência de união estável ou concubinato, e seu rompimento não provoca qualquer conseqüência de natureza indenizatória, ainda que tenha produzido algum constrangimento. A nosso ver é um pacto que em princípio tem validade e eficácia entre as partes, porém não se presta a escamotear a realidade de uma situação jurídica como a união estável, nem mesmo para esconder uma relação concubinária. Entretanto, não pode ser considerado um contrato de direito de família, visto que objetiva precisamente afastar dos contratantes qualquer vinculação de natureza familiar, e “assegurar a ausência de comprometimento”21.
Contrato de convivência
O contrato de convivência é um outro contrato de direito de família. XXXXXXXXX XXXX XXXXXX00 o define como “o instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem regulamentações quanto ao reflexo da relação”. Sem excluir a possibilidade de introduzir cláusulas que disponham sobre a situação pessoal dos conviventes, o contrato de convivência visa basicamente regular os efeitos patrimoniais produzidos pela união estável. Suas cláusulas mais freqüentes versam sobre a participação diferenciada no patrimônio adquirido na constância da união estável, o cumprimento de dever de assistência material, o usufruto de bens, a outorga de direito real de habitação, os critérios sobre a partilha de bens na hipótese de dissolução, a indenização pelo rompimento, a administração de bens, arbitragem, entre outras cláusulas. Na prática, como lembra CAHALI23, a principal finalidade do contrato de convivência é afastar por inteiro ou parcialmente a participação do convivente na metade do patrimônio adquirido pelo outro durante a união, a título oneroso. E por meio dele se altera o regime legal da comunhão parcial de bens sem maiores formalidades. Xxxxxxx observar que enquanto para a mudança do regime de bens do casamento o Código requer pedido motivado, apuração da procedência das razões e autorização judicial (art. 1.639 § 2º), para a mudança do regime bens convencional, basta o contrato escrito.
Trata-se de um contrato que exige a forma escrita, mas tanto pode ser celebrado através de instrumento público quanto particular, apesar de que muitos estão entendendo que o contrato de convivência deve ser concluído na forma pública, a exemplo do que ocorre com o pacto antenupcial. Há, porém, uma grande diferença entre os dois pactos : é que pacto antenupcial é necessariamente um contrato preliminar que só produz efeitos se e quando o casamento é realizado, ao passo que o contrato de convivência é celebrado quase sempre após instaurada a união estável. Pode ser revogado ou alterado a qualquer tempo, independentemente das formalidades do art. 1.939 § 2º, inclusive de registro, todavia se contiver disposições sobre bens imóveis
21 XXXXX XXXXXXXX XXXX, op. cit., p. 159.
22 XXXXXXXXX XXXX XXXXXX. Contrato de Convivência na União Estável. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 55.
23 XXXXXXXXX XXXX XXXXXX, op. cit., p. 206 e 224 segs.
comungamos da opinião de que ele deve ser levado a registro imobiliário para produzir efeitos publicísticos24.
A união estável em si não é um contrato, como o casamento, mas um ato-fato jurídico, cujos efeitos se irradiam diretamente da situação factual. Não contem plano de validade. Não há união estável nula ou anulável. Existe ou não existe. Se tem existência fática, gera a eficácia prevista na Constituição e na lei civil. Por essa razão as uniões estáveis são socialmente estruturadas pelos contratos de convivência, e as normas por ele criadas destinam-se a disciplinar uma situação de fato de contorno indefinido, onde não se sabe precisamente o momento do termo inicial, posto que ela começa da mesma maneira que se inicia qualquer relacionamento amoroso, inclusive pela semelhança de comportamento das pessoas (paquera, namoro, noivado, amizade colorida, o sair, o ficar, o se dar bem, o caso, o rolo, o rock...)
Daí a fundamental importância dos contratos de convivência.
O pacto civil de solidariedade
O pacto civil de solidariedade é um contrato nominado no direito francês, que pode ser celebrado entre nós como um contrato atípico ou inominado. Vigente na França a partir de janeiro do corrente ano, instituído pela Lei de 15 de novembro de 1999, alterada pela Lei de 23 de junho de 2006, o pacto civil de solidariedade acha-se definido no art. 515-1 do Código Civil francês como “um contrato concluído entre duas pessoas físicas maiores, de sexo diferente ou do mesmo sexo, para organizar sua vida comum”25. Guardando muita semelhança com o contrato de convivência, o pacto civil de solidariedade ainda não está sendo praticado no Brasil, pelo menos nos moldes da legislação francesa, contudo, não há nada que impeça a sua celebração no nosso sistema, quer entre os conviventes ou concubinos, quer entre parceiros de uma relação homoafetiva.
Sob pena de nulidade, a lei francesa impede a contratação do pacto de solidariedade entre ascendentes e descendentes em linha direta, entre afins em linha reta e colaterais até o 3º grau de parentesco; também não pode ser celebrado entre pessoas ligadas pelos laços do matrimônio, ou que estejam ligados por outro pacto civil de solidariedade.
Conforme salienta XXXX-XXXX VIVIER26, a escolha pelo legislador da palavra “pacto” é significativa, para deixar claro que se trata de um contrato de direito de família, já que no direito francês (como no nosso), são sinônimos os termos contrato, convenção, tratado, pacto, acordo, evitando assim o debate filosófico em torno da natureza jurídica do mesmo.
24 XXXXX XXXXXXXX XXXX, op. cit., p. 159.
25 Art. 515-1 do Code Civil : “Un pacte civil de solidarité est un contrat conclu par deux personnes physiques majeures, de sexe différent ou de même sexe, pour organizer leur vie commune”
26 XXXX-XXXX XXXXXX. Le Pacte Civil de Solidarité. Un nouveau contrat. Paris: L´Harmattan, 2001,
p.7. XXXXXXXX XXXXXX. Le nouveau PACS. Paris: Dalloz, 2006.
Alteração do regime de bens
Vimos que a modificação do regime de bens na união estável se procede através de contrato escrito, não havendo portanto nenhuma dúvida quanto à sua natureza contratual, até porque a lei expressamente a ela se refere. Para a alteração do regime matrimonial de bens a lei exige um pouco mais : além da materialização do acordo em pedido motivado apresentado em juízo, a apuração da procedência das razões e a autorização judicial para tanto (art. 1.639 § 2º), devendo a sentença ser registrada em livro especial e averbado no Registro Geral de Imóveis (LRP, art. 167, II,1) para resguardar direitos de terceiros. O fato de a sua eficácia depender de autorização judicial não retira a natureza contratual do pacto de alteração de regime.
Quanto á dissolução consensual da sociedade conjugal, da união estável e das demais modalidades de família. O restabelecimento da sociedade conjugal.
Revestem-se igualmente da forma contratual as dissoluções consensuais da sociedade conjugal, da união estável, inclusive das parcerias homoafetivas. A separação judicial e o divórcio consensuais sempre tiveram a natureza contratual. Mas se antes havia controvérsias – porque muitos autores achavam que se tratava de medida processual – hoje, depois da Lei 11.441/2007, parece-nos que não existe a menor dúvida, pelo menos no tocante às separações e divórcios consensuais em que não haja filhos menores nem incapazes do casal. Pela dicção do art. 1.124-A, § 1º, do CPC, introduzido pela citada lei, o acordo não depende de homologação judicial e a escritura pública por si só constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. Não se pense todavia, que a natureza jurídica das dissoluções judiciais é uma, e a das dissoluções por via administrativa é outra, porquanto as homologações judiciais que são exigidas nas dissoluções amigáveis, constituem formalidades que a lei impõe para a proteção de direitos inderrogáveis, principalmente de menores e incapazes, mas isso também não afasta a natureza contratual de nenhuma delas.
Quanto ao restabelecimento da sociedade conjugal, PONTES DE MIRANDA já o incluía entre os contratos de família no sistema do código anterior, que aliás não sofreu em relação ao Código de 2002 qualquer alteração. Polêmicas surgiram após a vigência da Lei nº 11.441/07 no que concerne ao restabelecimento da sociedade conjugal em tabelionato, uma vez que esta lei não lhe faz qualquer referência. A questão é saber se é possível restabelecer extrajudicialmente a sociedade conjugal, quer tenha sido ela desfeita por sentença, quer tenha sido desfeita por escritura pública. Um Grupo de Estudos criado pela Corregedoria Geral de Justiça do TJSP concluiu que “é possível restabelecer a sociedade conjugal por escritura pública, mesmo que a separação tenha sido judicial. Neste caso, o escrivão deve informar ao juízo que decretou a separação a fim de que o fato conste dos autos. Se a separação foi extrajudicial, é necessário que o restabelecimento da sociedade
conjugal seja anotado também naquela escritura anterior, devendo o escrivão providenciar a comunicação ao cartório em que foi lavrada”27.
Corretagem matrimonial
Uma palavra sobre o contrato de corretagem matrimonial. O contrato de corretagem é negócio em que uma pessoa não ligada a outra por qualquer relação de dependência, seja em contrato de trabalho, prestação de serviço, ou mandato, compromete-se a obter para uma outra, certo e determinado ato jurídico (CC art. 722). A corretagem matrimonial foi admitida em Roma, mas “como se chocava com a sensibilidade cristã, foi abolida do direito positivo europeu”28. Os Códigos da Alemanha (§ 656), o Código Suíço das Obrigações (art. 416) e o Código austríaco (art. 879) consideram nulos os contratos de corretagem matrimonial, negando-lhes o direito de cobrar em juízo a remuneração ajustada pelos serviços. Também na França a jurisprudência negou validade a tais contratos até o início do XX. RIPERT29 escreveu que “a imoralidade do pacto provém do envilecimento do matrimônio, transformado em um negócio no qual o terceiro está interessado; em outras palavras, acrescenta o autor citado, o casamento não é uma especulação, mas um ato de amor e ninguém tem o direito de lucrar com ele”. Recentemente os tribunais de vários países passaram a admiti-lo e a aceitar o pagamento da remuneração ajustada, desde que o corretor limite os seus serviços à aproximação das partes, vedadas as cláusulas que contrariem a essência do instituto, à lei, à moral e aos bons costumes, como, por exemplo, uma disposição que estabelecesse uma remuneração periódica ad exitum por tempo de manutenção do estado de casado.30
27 XXXXXXXX XXXXXXX XXX XXXXXX. A aplicabilidade da Lei 11.441./2007 aos pedidos de divórcio por conversão. In : Separação, Xxxxxxxx, Partilhas e Inventários Extrajudiciais. Coord. Xxxxxxx Xxxxxx X. Xxxxxx e Xxxxx Xxxx Xxxxxxx. São Paulo: Método, 2007, p. 51-67.
28 XXXXXXXXX XXXXX. Manual de Direito de Família. 12ª ed. Buenos Aires: Lexis Nexis Xxxxxxx Xxxxxx, 0000, p. 52.
29 Citado por XXXXXXXXX XXXXX, op. cit., p. 52.
30 Idem, ibidem, p.53