Os Contratos de reporte e de Empréstimo no Código dos Valores Mobiliários
Os Contratos de reporte e de Empréstimo no Código dos Valores Mobiliários
Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxxxx *
* Mestre em Direito pela Universidade de Lisboa e Técnica Jurista do Gabinete de Estudos da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. As opiniões expressas no presente texto são-no a título exclusivamente pessoal.
I. Introdução
1. Apresentação do tema
Este trabalho tem por objecto de estudo os contratos de reporte e de empréstimo de valores mobiliários, atendendo às alterações reflectidas, nestas operações, pelo Código dos Valores Mobiliários, recentemente aprovado e entrado em vigor1. Sendo este um tema orientado para parte das inovações que a nova Lei Mobiliária introduz em matéria de operações a prazo sobre valores mobiliários não pode, contudo, esgotar-se no seu preceituado, atendendo a que tanto o reporte como o empréstimo contam, no ordenamento jurídico português, com significativos antecedentes normativos que continuam a fazer parte do sistema de fontes a considerar no seu exame. A ideia de revivescência de velhos modelos negociais que, conservando certos traços permanentes do seu regime jurídico, se readaptam a novas necessidades está, portanto, no âmago deste trabalho.
2. Terminologia adoptada
Entre as fontes normativas a considerar no estudo do reporte e do empréstimo, ainda que sem individualizar os valores mobiliários como seu objecto negocial, encontram-
-se os artigos 477.º a 479.º, de um lado, e os artigos 394.º a 396.º, de outro, todos do Código Comercial. Para o empréstimo, haverá ainda que atender aos artigos 1143.º a 1151.º do Código Civil.
Apesar de estes preceitos conceberem aqueles negócios jurídicos sem revelarem especificidades decorrentes da sua possível celebração em mercado, entendemos que tal contexto de negociação não prejudicará a natureza contratual dos mesmos. Assim,
1
Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro e ao qual, doravante, nos referiremos como Cód. VM.
2
Sobre a dicotomia “Contratos” e “Operações” veja-se, na literatura jurídica nacional, XXXXXXXXX XXXXXXX DA VEIGA, As fases de Negociação e de Liquidação e Compensação de Operações de Bolsa a Contado, in AA.VV., “Direito dos Valores Mobiliários”, Vol. I, (Coimbra Editora), Coimbra, 1999, pág. 204; XXXXXX XXXX XXXXXXXX, Direito dos Valores Mobiliários, Sumário das Lições dadas ao 5.º Ano no ano lectivo de 1997/98, (AAFDL), Lisboa, 1997-1998, pág. 49; XXXX XX XXXXXXXX ASCENSÃO, A Celebração de Negócios em Bolsa, in AA.VV., “Direito dos Valores …, ob. cit.,177-199; XXXXX XXXXX X XXXXX, Xxxxxx, Xxxxx e Troca, in “Direito dos Valores Mobiliários”, (Lex), Lisboa, 1997, pág. 243-266; XXXXX XXXXXX, Emissão e Subscrição de Valores Mobiliários” in “Direito dos Valores …”, ob. cit., (Lex), Lisboa, pág. 201-241.
adoptaremos indistintamente, neste trabalho, ora o termo contrato, ora o de negócio, ora ainda o de operação2.
Com efeito, apesar de o conceito dogmático de contrato não ser capaz de explicar, só por si, a complexa realidade subjacente às operações sobre valores mobiliários – principalmente se realizadas em mercado de bolsa – tal não impede considerar que, nos mercados de valores mobiliários, se celebram verdadeiros contratos. Na verdade, não constitui obstáculo à natureza contratual das operações sobre valores mobiliários o anonimato das partes ou a “indiferença pessoal” entre as mesmas nem sequer a consequente ausência de um binómio assente nas respectivas proposta e aceitação. É certa essa ausência dado que o esquema de formação e manifestação da vontade, ao menos em mercado regulamentado, pressupõe que as ordens dos investidores, recebidas pelos membros de mercado, se executam mediante a inserção de ofertas em sistema de negociação, que sobrepõe e cruza aquelas ordens, independentemente da existência, entre as mesmas, de qualquer nexo sequencial3. Está, porém, por demonstrar que a identidade das partes seja essencial ao reconhecimento de um contrato, o que é, aliás, contrariado, pela aceitação generalizada da celebração de contratos através de autómatos.
Por outro lado, não representa também um argumento atendível a necessidade de, em mercado de valores mobiliários, se assegurar a efectiva conclusão do negócio mediante a entrega dos valores mobiliários e o pagamento do preço, mesmo que em detrimento de uma correcta manifestação da vontade. Trata-se, aqui, apenas, de uma hierarquização de princípios tendo o legislador conferido prioridade ao da eficiência e regularidade dos mercados, que vem, aliás, consagrado no artigo 358.º, al. b) do novo Código a respeito das atribuições da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
As dificuldades encontradas na tarefa de classificar a realidade subjacente às transacções sobre valores mobiliários têm, pois, levado a doutrina a apelar frequentemente à ideia de operação. Trata-se de um conceito de natureza essencialmente técnica e juridicamente descomprometido, que não excluiu, no entanto, a realidade contratual. Admite-se até que, na análise do reporte e do empréstimo de valores mobiliários, o apelo à ideia de operação seja mais sugestivo por permitir aglomerar não só o estrito acordo de vontades
de que estes contratos resultam mas também o conjunto de actos materiais que viabilizam a sua celebração em ambiente de mercado. Estamos, em síntese, no caso do reporte e do empréstimo de valores mobiliários, perante relações negociais complexas4.
3. Indicação de sequência
Tendo em conta que, nos últimos anos, tanto ao reporte como ao empréstimo de valores mobiliários foi dedicada abundante regulamentação, iniciaremos o nosso estudo explicitando o enquadramento normativo passado e presente destas operações, quer por via da individualização das normas que, com a entrada em vigor do Cód.VM cessam a sua vigência, quer através do apontamento das fontes normativas que entraram em vigor em 1 de Março de 2000.
Tem-se em vista clarificar, numa primeira parte, os preceitos legais e regulamentares que, doravante, regem as operações de reporte e de empréstimo de valores mobiliários, seja no âmbito dos mercados, no contexto dos sistemas de liquidação de operações ou mesmo enquanto actividades de intermediação financeira.
Resolvida a questão prévia das fontes aplicáveis, dedicaremos a nossa atenção, numa segunda parte deste estudo, à descrição das características do reporte, de um lado, e do empréstimo, de outro, procurando diferenciá-las com base na respectiva estrutura e efeitos para as aproximar, por fim, em razão da comum função de financiamento.
Terminaremos o presente trabalho assentando em algumas conclusões norteadas pela qualificação destes negócios como operações financeiras.
3
A recepção e transmissão de ordens por conta de outrem consiste numa actividade de intermediação financeira, na sua modalidade de serviço de investimento. Tal resulta inequívoco da articulação do artigo 289.º, n.º 1, al. a) com o artigo 290.º, n.º 1, al. a). Assim, as ordens relativas a valores mobiliários têm agora o seu principal tratamento nos artigos 325.º a 331.º do Cód.VM, tendo o legislador optado por as sistematizar entre os contratos de intermediação financeira. Já as ofertas geradas na sequência da aceitação de ordens encontram-se previstas no artigo 221.º, no Título IV dos mercados. O mesmo se diga dos sistemas de negociação, previsto no artigo 220.º, e da figura dos membros, em particular de bolsa, regulada nos artigos 216.º a 218.º do Cód.VM.
4
XXXXX XXXXXX, Emissão e subscrição…, ob. e loc. cits.,pág. 208. No mesmo sentido, veja-se ainda CONCEIÇÃO NUNES, AA.VV., Direito Bancário (Actas do Congresso Comemorativo do 150.º aniversário do Banco de Portugal
- 22-25 de Outubro de 1996), RFDUL, (COIMBRA EDITORA), Xxxxxxx, 0000, pág. 51.
II. Enquadramento normativo
4. Fontes normativas que cessam a sua vigência
4.1. Em matéria de operações de reporte
4.1.1. Código do Mercado de Valores Mobiliários
I. Estando o presente estudo orientado para a análise das inovações que o Cód.VM vem introduzir em matéria de operações de reporte e de empréstimo de valores mobiliários, importa reconhecer que o grau de inovação é diverso consoante nos refiramos a umas ou a outras operações. Com efeito, como a seguir fundamentaremos, o novo Cód.VM é mais marcado pela inovação em matéria de operações de reporte do que de empréstimo de valores mobiliários.
Este acréscimo inovador resulta, desde logo, da constatação de que o Código do Mercado de Valores Mobiliários, contrariamente ao consagrado no novo Código, não previa, como figura geral, a operação de reporte sobre valores mobiliários, fosse esta celebrada fora de mercado ou em mercado. Com efeito, se procurarmos encontrar referências a esta operação por entre o velho Código verificamos que o único preceito que mencionava a expressão “reporte” era o art. 414.º ao qual o legislador dera a epígrafe de “operações a prazo com reporte”. O que aí se encontrava previsto não era, contudo, em nosso entender, a verdadeira operação de reporte com todas as suas características típicas, mas sim o mero efeito de prorrogação do prazo de liquidação de uma operação de bolsa tendo em vista o adiamento das obrigações reciprocamente assumidas pelas partes aquando da sua celebração. Para além deste dispositivo, porém, nenhum outro, no Código do Mercado de Valores Mobiliários, individualizada a operação de reporte sobre valores mobiliários.
II. Atendendo a este aspecto pode dizer-se que a lei nova representa uma novidade e um avanço ao prever, com a inserção sistemática que seguidamente esclareceremos, a figura genérica e com autonomia bem individualizada do reporte sobre valores mobiliários. Significa isso que, ao nível legislativo, não há nenhum preceito exclusivamente regulador desta operação que cesse a sua vigência em virtude da revogação global e exaustiva realizada pelo novo diploma legal.
Neste contexto, a única disposição que merece uma referência é aquela que, no regime anterior, previa a possibilidade de o Ministro das Finanças, com audiência
prévia do Banco de Portugal e da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, autorizar, mediante emissão de Portaria, a entidade gestora do mercado onde se realizavam as operações a prazo (a Associação da Bolsa de Derivados do Porto) a prestar serviços integrados de registo, compensação e liquidação nas operações negociadas fora desse mercado e ainda a assumir, nestas mesmas operações, a posição de contraparte. Trata-se do artigo 411.º, n.º 8, do Código do Mercado, sendo que a referência que aqui lhe fazemos se prende com o facto de esta ter sido a principal norma habilitante do acervo de regulamentos que introduziram, em Portugal, um mercado de serviços de registo e liquidação de operações de reporte sobre valores mobiliários. Tal norma está, naturalmente, revogada pelo Cód.VM que a substituiu, com as diferenças que adiante apontaremos, pelo inovador artigo 265.º.
4.1.2. Regulamentos
I. Muito embora, como vimos, a operação de reporte não lograsse ter previsão genérica no Código do Mercado, foi-lhe dedicada, em particular a partir de 1996 e ao abrigo do referido artigo 411.º, n.º 8, um conjunto considerável de preceitos regulamentares motivado pela inexistência, até então, de um segmento relativo a estas operações no mercado financeiro português. Com efeito, as principais fontes normativas em matéria de operações de reporte sobre valores mobiliários não se encontravam, até 1 de Março de 2000, codificadas, mas sim dispersas por Portaria do Ministro das Finanças, Aviso do Banco de Portugal, Regulamento da Comissão do Mercado
de Valores Mobiliários e Regulamento da Associação da Bolsa de Derivados do Porto.
A Portaria do Ministro das Finanças n.º 291/96, de 31 de Dezembro, emitida ao abrigo da habilitação concedida pelo artigo 411.º, n.º 8 do Código do Mercado de Valores Mobiliários, veio autorizar a Associação da Bolsa de Derivados do Porto a prestar serviços integrados de registo, compensação e liquidação em operações de reporte cujo objecto fossem valores mobiliários ou instrumentos do mercado monetário, nacionais ou estrangeiros. Foi ainda autorizada a mesma associação a assumir, nas operações anteriormente referidas, a posição de contraparte, caso em que seria obrigatória a prestação de garantias a seu favor nos termos que viessem a ser fixados em regulamento aprovado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Estas operações ficaram conhecidas, na gíria dos mercados, por “operações de reporte garantidas”.
Previsão importante era ainda aquela que consagrava a exigência de que a assunção da posição de contraparte dependesse da subscrição de um contrato tipo a aprovar pelo Banco de Portugal, o que veio efectivamente a suceder com a aprovação do Aviso n.º 1/97, de 21 de Abril.
Ficou também prevista a competência da Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários para elaborar o regulamento relativo aos serviços de registo, compensação e liquidação, bem como as normas prudenciais entre as quais constariam as relativas aos limites e a outros mecanismo de segurança a observar pela associação da bolsa nos casos em que assumisse a posição de contraparte. Este veio a ser o Regulamento da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários n.º 97/04, de 26 de Março.
Por fim, mencione-se o preceito que, na referida Portaria, concedia competência à Associação da Bolsa de Derivados do Porto para elaborar os regulamentos concretizadores das normas definidas pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Trata-se do Regulamento elaborado por aquela Associação em 10 de Abril de 1997, assim se completando a totalidade de normas relevantes.
II. Com a entrada em vigor do Cód.VM não subsiste a vigência de nenhum dos instrumentos normativos citados. O artigo 411.º, n.º 8, cessa a sua vigência em virtude da revogação global operada pelo Cód.VM sobre todo o anterior Código. Também assim, e nos termos
do art. 15.º, n.º 2, do decreto preambular daquele Código, foram revogados todos os regulamentos que tivessem sido aprovados ao abrigo de legislação revogada, enquadrando-se aqui quer o referido Regulamento da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários n.º 97/04, quer ainda o Regulamento da Associação da Bolsa de Derivados do Porto de 10 de Abril de 1997. O mesmo artigo 15.º, n.º 2 determinou a cessação da vigência de um conjunto de portarias entre as quais enumera expressamente a n.º 291/96, de 23 de Dezembro. Constando desta Portaria a norma habilitante do Aviso do Banco de Portugal pela qual o contrato tipo de operações de reporte foi aprovado, cessa igualmente a sua vigência este contrato tipo.
Conclui-se, portanto, que com a entrada em vigor do novo Código dos Valores Mobiliários cessam a sua vigência os seguintes diplomas respeitantes expressamente às operações de reporte: a Portaria n.º 291/96, de 23 de Dezembro, aplicável às operações de reporte registadas, compensadas e liquidadas na Bolsa de Derivados do Porto e que definia as linhas gerais relativas à prestação destes serviços; o Aviso do Banco de Portugal n.º 1/97, de 21 de Abril aplicável, obrigatoriamente, às situações em que a Associação da Bolsa de Derivados do Porto assumisse a posição de contraparte e, facultativamente, a todas as situações em que aquela associação se limitasse a registar, compensar e também liquidar as operações de reporte bem como se não existisse qualquer intervenção da entidade gestora da bolsa; os Regulamentos da Comissão
do Mercado de Valores Mobiliários n.º 97/04, de 26 de Março e o n.º 8/98, de 17 de Julho que alterara aquele; por fim, o Regulamento da Associação da Bolsa de Derivados do Porto de 10/04/97.
4.2. Em matéria de operações de empréstimo
4.2.1. Código do Mercado de Valores Mobiliários
Eram duas as situações respeitantes ao empréstimo de valores mobiliários abrangidas pelo Código do Mercado. De um lado, previa-se no art. 66.º o regime jurídico do empréstimo de valores mobiliários escriturais (e titulados, por via da extensão operada pelo art. 91.º) destinado à realização ou ao caucionamento de operações de bolsa por parte terceiros.
Por seu turno, o artigo 464.º e seguintes previam a possibilidade de realização de vendas ou compras de valores mobiliários em mercado de bolsa com valores mobiliários emprestados por sociedades financeiras de corretagem. Estas últimas operações ficaram conhecidas pela designação de operações de bolsa em conta margem, tendo o Regulamento da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários n.º 96/9, de 1 de Junho, possibilitado o início de celebração deste tipo de contratos. Estas, contudo, não tiveram, entre nós, o êxito esperado, nomeadamente em virtude de as garantias impostas se terem revelado demasiado exigentes.
Em face daquele enquadramento e da qualificação do empréstimo de valores mobiliários como operação de financiamento era entendimento dominante ao tempo da vigência do Cód.MVM que apenas poderiam ser mutuantes, a título profissional, de valores mobiliários, as instituições de crédito e as sociedades financeiras legalmente autorizadas a conceder crédito ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, al. b) do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras5. Quanto às sociedades financeiras de corretagem, apenas poderiam ser mutuantes de valores mobiliários nos precisos termos previstos para as operações em conta margem.
5
Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.
6
Entre essas vantagens destaquem-se, à semelhança das vantagens oferecidas pelo reporte, o facto de o empréstimo, ao permitir obter a propriedade temporária de determinados valores, poder servir um conjunto vasto de objectivos e estratégias, entre os quais se destaca a possibilidade de obtenção de valores mobiliários com os quais se poderá cumprir a obrigação de liquidação das operações bem como a rentabilização de carteiras de valores mobiliários. Cfr. ASSOCIAÇÃO DA BOLSA DE DERIVADOS DO PORTO, Empréstimo de Valores, (ABDP), Porto, 1999, pág. 5-6.
4.2.2. Regulamentos
I. À semelhança do que se passou para o reporte de valores mobiliários considerou-se, a dado passo, necessário conceder à Associação da Bolsa de Derivados do Porto, ao abrigo do já citado n.º 8 do artigo 411.º, autorização para prestar serviços integrados de registo, compensação e liquidação em operações de empréstimo de valores mobiliários, bem como para assumir a posição de contraparte6. Esta autorização veio a ser efectivamente concedida pela Portaria n.º 476/98, de 15 de Maio. Esta Portaria apresentava, contudo, diferenças face à Portaria n.º 291/96, dado que já não previa a obrigatoriedade, mas apenas a faculdade, de o Banco de Portugal, por Aviso, aprovar um contrato tipo ao abrigo do qual se acordassem as operações de empréstimo. Tal veio a possibilitar, por exemplo, o anonimato do mutuante e do mutuário nestas operações.
Além disso, especificamente para o empréstimo garantido e visando facilitar o encontro entre a procura e a oferta de valores mobiliários, aquela entidade gestora foi ainda autorizada a disponibilizar um sistema de difusão de ofertas de tomada e cedência de valores7. Mediante este serviço, quem pretendesse ceder valores mobiliários em empréstimo “colocaria” os mesmos junto da entidade gestora, definindo as condições em que estaria disposto a cedê-los; do mesmo modo, quem pretendesse obter valores mobiliários poderia utilizar este sistema para difundir a sua intenção.
Neste processo, o papel da entidade gestora do mercado era o de proceder a uma gestão activa das intenções das partes, definindo, designadamente, os termos da emissão e da divulgação das ofertas bem como do registo das operações que daí resultassem8.
O sistema, conhecido por “Central de Empréstimo de Valores”, foi, pois, uma via instituída para a obtenção de contraparte numa operação de empréstimo e um incentivo aos investidores institucionais para que, enquanto gestores de carteiras de valores mobiliários, os cedessem para empréstimo.
No contexto descrito, o reduto de poder das partes intervenientes na operação para conformar as características das mesmas sugeria, em nosso entender, a sua qualificação como operações fora de mercado, ainda que com conexões relevantes com este. Trata-se de uma concepção que perfilhamos também à luz do novo código: sempre que o empréstimo de valores mobiliários resultar do funcionamento de um
sistema criado para a mera difusão de intenções de cedência e tomada de valores mobiliários, é susceptível de qualificação como operação fora de mercado. O mesmo se dirá para o reporte, se tal serviço vier a ser disponibilizado, por alguma entidade, para este tipo de contratos. O sistema de difusão de intenções não é, portanto, um sistema de negociação.
II. Com forte paralelismo com o sistema introduzido para os reportes, salvaguardou-
-se a competência da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários para elaborar o regulamento relativo aos citados serviços, o que veio a suceder com a aprovação do Regulamento da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários n.º 9/98, de 17 de Julho e da Associação da Bolsa de Derivados do Porto para elaborar os regulamentos que concretizassem as normas definidas pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários o que aquela entidade fez mediante a aprovação do Regulamento de 12 de Agosto de 1998. O enquadramento regulamentar das operações de empréstimo de valores era, pois, muito semelhante ao que descrevemos para os reportes.
III. Nenhum dos instrumentos normativos citados subsistiu em vigor a partir de 1 de Março. No que respeita à Portaria n.º 476/98, de 15 de Maio, relativa às operações de empréstimo sobre valores mobiliários, não encontramos revogação expressa individualizada no referido n.º 2 do artigo 15.º do decreto preambular que aprova o Cód.VM. Pode entender-se, contudo, que ainda assim ocorre revogação expressa, se atendermos ao facto de as portarias ministeriais serem também regulamentos, ficando esta portaria abrangida pela primeira parte do n.º 2 desse artigo 15.º onde consta que com a entrada em vigor do Cód.VM são revogados todos os regulamentos aprovados ao abrigo de legislação revogada. É ainda possível entender que a Portaria n.º 476/98, de 15 de Maio, fica revogada pela cessação de vigência da sua norma habilitante9.
Conclui-se, portanto, que com a entrada em vigor do novo Código cessam a sua vigência os seguintes diplomas respeitantes às operações de empréstimo: a Portaria 476/98, de 15 de Maio; o Regulamento da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários n.º 9/98, de 17 de Julho; o Regulamento da Associação da Bolsa de Derivados do Porto de 12 de Agosto de 1998.
7
Cfr. o 3.º do preâmbulo da referida Portaria, o artigo 3.º do Regulamento da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários n.º 9/98 e o Regulamento da Associação da Bolsa de Derivados do Porto.
8
Através deste serviço, os potenciais mutuantes creditariam as contas da entidade gestora com os valores disponíveis para empréstimo, definindo a respectiva quantidade, taxas e prazos de disponibilidade. A entidade gestora, por sua vez, difundiria as ofertas de tomada e cedência. Ocorrendo o “fecho” de uma operação a entidade gestora exigiria, do mutuário, a entrega da contrapartida e a prestação de garantias e só depois procederia à entrega dos valores mobiliários emprestados.
9
O artigo 411.º, n.º 8, do Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
5. Fonyes normayivas que enyram em vigor
5.1. O reporte e o empréstimo no Código dos Valores Mobiliários
As operações de reporte e de empréstimo de valores mobiliários encontram-se previstas, expressa e autonomamente, no Cód.VM, com uma inserção sistemática variada. Neste diploma, existem previsões respeitantes a ambas as operações no título dos mercados, no relativo à intermediação financeira e no respeitante aos sistemas de liquidação. Passaremos seguidamente a enunciar as disposições normativas relevantes, procurando clarificar o seu âmbito de aplicação bem como o sentido que decorre da inserção sistemática de cada uma das novas disposições.
5.1.1. No âmbito dos Mercados Secundários
I. Qualquer espaço ou organização onde se admita a negociação de valores mobiliários por um conjunto indeterminado de pessoas é um mercado de valores mobiliários. Estes mercados distinguem-se entre os regulamentados e aqueles a que se atribui a qualidade de não regulamentados10. A lei tratou dos primeiros a propósito do mercado que elegeu como seu protótipo – o mercado de bolsa de valores11. Os segundos pautam-se, fundamentalmente, pelas regras livremente aprovadas pela respectiva entidade gestora.
Tal não impede considerar, como o próprio Código determina, a existência de outros mercados regulamentados que não se considerem bolsas de valores em face do conceito consagrado pelo artigo 213.º, sem prejuízo desses mercados deverem obedecer, quanto à prestação de informação, à admissão dos membros ao mercado e dos valores à negociação, e ao funcionamento do próprio mercado, a requisitos iguais ou similares aos fixados para as bolsas12.
Partindo desta sistematização, vejamos qual a inserção conferida pelo Cód.VM ao reporte e ao empréstimo de valores mobiliários na perspectiva dos mercados.
10
Cfr. artigo 199.º, n.º 1, alíneas a) a c) do Cód.VM.
11
Cfr. artigo 213.º a 265.º do Cód.VM.
12
Cfr. artigo 200.º, n.º 1, al. b) do Cód.VM.
II. O reporte e o empréstimo de valores mobiliários não se encontram enquadrados entre a generalidade dos mercados (artigos 198.º a 212.º) mas sim no capítulo relativo
ao mercado de bolsa (artigo 213.º a 265.º) e, dentro deste capítulo, na secção respeitante às operações de bolsa a prazo (artigos 252.º a 265.º). O legislador mobiliário configurou o reporte e o empréstimo, antes de mais, como verdadeiras operações de bolsa e, dentro desta categoria, como operações a prazo. Xxx resulta, aliás, inequívoco da leitura do artigo 252.º.
No contexto dos mercados importa, fundamentalmente, considerar os artigos 255.º e 256.º, de um lado, e o artigo 265.º, de outro.
A qualificação do reporte e do empréstimo como operações de bolsa decorrente do artigo 252.º é inovadora, sem paralelo na Lei sapateiro, que não previa estas operações enquanto verdadeiras operações de bolsa. A qualificação do reporte e do empréstimo como negócios de bolsa pressupõe a possibilidade de estes se virem a realizar através de um sistema de negociação gerido por entidade gestora de mercado regulamentado (artigo 220.º, n.º 1). Por outro lado, e como características específicas da sua natureza de operações a prazo, o reporte e o empréstimo realizar- se-ão nos termos das cláusulas contratuais gerais elaboradas pela entidade gestora do mercado onde se negoceiam, cláusulas essas registadas ou aprovadas pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Essas cláusulas contratuais gerais padronizam o objecto da operação, incluindo quantidade, prazo, periodicidade de ajustes de ganhos e perdas
e modalidade de liquidação (cfr. artigo 257.º).
Por outro lado, a entidade gestora do mercado ou outra por ela aceite e autorizada a exercer essa função assume a posição de contraparte (cfr. artigo 259.º). A realização destas operações em bolsa exige ainda prévia prestação de caução, pelos membros do mercado, a favor da contraparte salvo quando, em função da natureza da operação, a mesma seja dispensada (cfr. artigo 260.º).
III. Este conjunto de normas não encerra, contudo, os preceitos a atender para a configuração das operações de reporte e de empréstimo no Título relativo aos mercados do Cód.VM. Importa ainda, com acentuado relevo, tomar em consideração o preceituado no artigo 265.º que, sob a epígrafe “Gestão de operações fora de bolsa”, estipula a possibilidade de a entidade gestora da bolsa prestar serviços de gestão e de liquidação de operações a prazo, padronizadas ou não, que se realizem fora de bolsa. Este dispositivo é claramente consentâneo com o estatuído no novo regime jurídico das entidades gestoras de mercados aprovado pelo Decreto-Lei n.º 349/99,
13
Cfr. artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 349/99, de 13 de Outubro.
de 13 de Outubro, que permite a estas desempenhar serviços acessórios para além dos que estão directamente relacionados com a negociação de valores mobiliários13. Repare-se, contudo, que o seu âmbito de aplicação directo está, no código dos valores, orientado para a gestão de operações a prazo, ficando de fora as a contado.
O que fica abrangido, de forma directa, pelo âmbito do artigo 265.º do Cód.VM não são, em rigor, operações de bolsa enquanto concluídas por via de um sistema de negociação tal como concebidas pelos artigo 220.º e seguintes do novo Código. Aquele preceito prevê, em primeira linha, as operações que se regulavam pelas fontes cuja vigência cessa em 1 de Março de 2000, tendo o seu antecedente normativo mais próximo no artigo 411.º, n.º 8, do Código do Mercado. Trata-se de situações em que o encontro das propostas relativas à celebração de operações de reporte e de empréstimo de valores mobiliários se concluí fora do sistema informático de negociação, directamente entre os interessados que, no entanto, por o considerarem vantajoso, apresentam essas operações à entidade gestora do mercado de bolsa, solicitando-lhe a prestação de determinados serviços. Estas operações mereceram já, entre nós, o qualificativo de aplicações.
Aqui se manifesta o princípio da susceptibilidade de transmissão dos valores mobiliários a vários títulos – compra, venda, troca ou mesmo reporte e empréstimo – independentemente do contexto da transmisssão – mercado regulamentado, mercado organizado ou mesmo fora de mercado14.
14
Cf., face ao direito anterior, XXXXX XXXXX X XXXXX, A Transmissão de Valores Mobiliários fora de Mercado Secundário, in AA.VV., Direito dos Valores …” ob. e loc. cits., pág. 217-252
15
O que dissemos para a bolsa e respectiva entidade gestora é susceptível de ser entendido por referência a outro mercado regulamentado e sua correspondente entidade gestora, devendo, nesta matéria, recorrer-se ao juízo de similitude a que alude o artigo 200.º, n.º 1, al. b) do Cód. VM.
A lei designou estes serviços por “serviços de gestão e de liquidação”. Embora a terminologia não seja absolutamente coincidente com aquela introduzida pelas fontes supra referidas em que se mencionavam os serviços integrados de registo, liquidação e compensação, com possibilidade de assunção da posição de contraparte e ainda, mas apenas para o empréstimo de valores, a disponibilização de um sistema de difusão de ofertas, não cremos que a realidade seja substancialmente diferente, embora a expressão “gestão de operações” fora de bolsa crie, em nosso entender, a possibilidade de virem a ser disponibilizados outros serviços que não se reconduzem ao registo, à liquidação e à compensação de operações. Sempre importará, contudo, analisar no futuro em que medida os serviços cuja prestação venha a ser concretamente proposta pelas entidades gestoras de mercados de bolsa15 relativamente a operações de reporte e
empréstimo de valores mobiliários são subsumíveis a essa gestão ou antes representem um serviço formador de verdadeiras operações de mercado.
IV. No que toca ao reporte, é-lhe ainda feita uma referência expressa no artigo 260º. Sob a epígrafe “Garantia” estipula-se que, nas operações a prazo, é exigida a prestação de caução a favor da contraparte, podendo esta ser prestada através de reporte sobre valores mobiliários de baixo risco e elevada liquidez, livres de quaisquer ónus, ou sobre depósito de dinheiro em instituição autorizada.
5.1.2. No âmbito dos Sistemas de Liquidação
I. No Título V do Cód.VM respeitante aos Sistemas de liquidação vamos encontrar, igualmente, importantes preceitos relativos à disciplina das operações de reporte e de empréstimo de valores mobiliários. É nos capítulos II e III que essas normas se compreendem.
Os Sistemas de liquidação destinam-se à execução de ordens de transferência de valores mobiliários e de direitos deles destacados, bem como de dinheiro associado àquelas transferências (cfr. n.º 1 e 3 do artigo 266.º). É fácil compreender a indissociabilidade entre as matérias aqui reguladas e as tratadas no âmbito dos mercados: basta pensar que a consumação de uma operação realizada em bolsa pressupõe ordens de transferência para a liquidação, de tal forma que o Cód.VM dedica uma secção exclusivamente à “liquidação das operações de bolsa” (artigos 278.º a 282.º).
As transferências compreendidas nos sistemas de liquidação ocorrem entre os chamados “participantes no sistema” (cfr. artigo 266.º). São estes que introduzem no sistema as ordens de transferência, momento a partir do qual essas mesmas ordens se tornam irrevogáveis e eficazes, quer entre os próprios participantes, quer face a terceiros (artigo 274.º). É, portanto, aos participantes que cabe colocar à disposição do Sistema de liquidação os valores mobiliários ou o dinheiro necessário, respectivamente, à boa liquidação física ou financeira das operações.
Tal significa que a recepção e execução de uma ordem para a realização de uma operação de bolsa por parte de um intermediário financeiro implica o reconhecimento de uma chamada obrigação “del credere” a cargo deste intermediário que executa a ordem. Este assume, por conseguinte, uma obrigação de garantia através da qual assegura, ao seu cliente, o cumprimento das obrigações assumidas pela contraparte: quando há uma ordem de venda executada pelo intermediário financeiro este garante o pagamento do preço; quando há uma ordem de compra executada pelo intermediário financeiro este garante a entrega dos valores mobiliários.
Esta cláusula tem natureza injuntiva no domínio da execução de ordens em mercado registado, em geral, e de bolsa, em particular, injuntividade essa que decorre do n.º 2 do artigo 331.º do Cód.VM.
II. Podem, no entanto, ocorrer vicissitudes na execução de uma ordem para a realização de uma operação sobre valores mobiliários. Designadamente, podemos presenciar um incumprimento dos deveres de liquidação física ou financeira. Neste caso, a lei mobiliária derroga, num primeiro momento, a aplicação dos mecanismos gerais de responsabilidade contratual previstos no Código Civil, sem prejuízo de posterior constituição do faltoso no dever de indemnizar a contraparte em caso de incumprimento16. O Cód.VM prevê mecanismos especiais para fazer face a incumprimentos na obrigação do pagamento do preço ou na obrigação de entrega de valores mobiliários adquiridos quando estejamos perante a negociação em bolsa. É o que acontece se o participante incumprir as suas obrigações ou entrar em situação de insolvência. Para estas situações, o Cód.VM contém disposições que chamam à colação, uma vez mais, as figuras do empréstimo ou do reporte de valores mobiliários. Vejamos de que forma.
III. A inobservância dos deveres de liquidação física e financeira por parte dos participantes no sistema de liquidação no prazo previsto constitui incumprimento definitivo18. Verificado o incumprimento, a entidade gestora do sistema de liquidação deve accionar, imediatamente, os procedimentos de substituição necessários a assegurar a boa liquidação da operação19. Desses procedimentos resulta a ideia fundamental, assente no mecanismo da excepção de não cumprimento dos contratos, de que só há entrega de valores quando houver pagamento do preço. É o designado princípio de “delivery versus payment” (D.V.P.).
Quando uma das partes está em falta procede-se, dentro do sistema, à substituição, emprestando-se ou revendendo-se valores para se obter dinheiro e conseguir o cumprimento. É evidente que pode o credor já não ter interesse no cumprimento tardio o que, nos termos gerais, acarretará incumprimento definitivo. Para essas situações, o
n.º 4 do artigo 280.º estabelece que não há o accionamento dos procedimentos de substituição, sendo neste caso aplicáveis os institutos gerais de reparação dos danos decorrentes da responsabilidade contratual, nos termos dos artigos 798.º e seguintes do Código Civil.
Um aspecto importante, sobretudo se tivermos em atenção a dilação que existe entre a celebração do negócio e o respectivo cumprimento (por regra, três dias) é referir que o comprador paga as remunerações devidas até à data da liquidação. Isto é: se entre a data da celebração de negócio em bolsa e a data de liquidação houver, por exemplo, distribuição de juros, no caso de transmissão de obrigações, os juros devem ser pagos pelo comprador, como decorre do n.º 2 do artigo 226.º do Cód.VM.
Entre os procedimentos de substituição, que são os enumerados no n.º 3 do artigo 280.º, conta-se o empréstimo dos valores mobiliários a liquidar. Trata-se de uma previsão que mereceu desenvolvimento no Regulamento da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários relativo aos Sistemas de Liquidação com base na norma habilitante da alínea b) do n.º 2 do artigo 273.º, e que pretende ser substitutiva das disposições constantes do Regulamento da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
n.º 7/99, de 17 de Julho19 que criou, entre nós, e estabeleceu os princípios gerais de funcionamento do “Sistema de empréstimo automático”, abreviadamente conhecido por SEA20.
19
Publicado no Diário da República, II.9 Série, n.º 165, pág. 10.373-10.374.
20
O início de funcionamento do SEA ocorreu em Outubro de 1999. No âmbito deste sistema, realizam-se operações de empréstimo de valores mobiliários cuja função é aumentar a eficiência da liquidação de operações de bolsa através da obtenção do crédito dos valores mobiliários na conta do intermediário financeiro comprador na data da liquidação física da operação realizada. O sistema de empréstimo automático não é, em si mesmo, um sistema de liquidação pelo que, para o mesmo cumpra o seu objectivo, é pressuposta uma articulação com a entidade gestora do sistema de liquidação que detecta a inexistência de valores bem como com a entidade gestora do mercado onde se realizem operações de bolsa a prazo.
21
Cfr. al. b) do artigo 291.º do Cód. VM.
22
Cfr. n.º 2 do artigo 289.º do Cód. VM.
IV. Por sua vez, o artigo 284.º estipula que são considerados garantias das obrigações decorrentes do funcionamento de um sistema de liquidação os direitos decorrentes de reporte e de outros contratos similares. Uma vez mais surge aqui reconhecida, legislativamente, a natureza do reporte e seus direitos inerentes enquanto garantia cujo objecto são valores mobiliários.
16
Repare-se que logo a partir do prazo de liquidação não deixa de haver incumprimento e, por isso, o recurso à tutela indemnizatória mantém-se de pé apesar da aplicação desses mecanismos substitutivos. Aliás, isso é mesmo dito no n.º 1 do artigo 280 do Cód.VM.
17
Cfr. n.º 1 do artigo 279.º Cód.VM.
18
Cfr. n.º 1 do artigo 280.º do Cód. VM.
5.1.3. No âmbito da Intermediação Financeira
I. Ao empréstimo de valores mobiliários dedica ainda particular atenção o Título relativo à intermediação financeira, cumprindo aqui destacar, como preceitos relevantes, a alínea b) do artigo 291.º, o artigo 350.º e o n.º 4 do artigo 351º. Não foi previsto, neste âmbito, o reporte de valores mobiliários.
Em geral, as actividades de intermediação financeira podem ser serviços de investimento ou serviços auxiliares destes, consoante se traduzam no núcleo essencial da intermediação financeira – como são as actividades de recepção, transmissão e execução de ordens, a gestão de carteiras e a colocação em ofertas públicas de distribuição – ou em actividades instrumentais e adjacentes àquelas. É nas funções auxiliares aos serviços de investimento que vamos encontrar a previsão do empréstimo de valores mobiliários incluída entre a concessão de crédito para a realização de operações21. Consequentemente, só os intermediários financeiros podem emprestar, a título profissional, valores mobiliários22.
Esta inserção sistemática, quando complementada com os demais preceitos deste título do Código relativos ao empréstimo de valores, suscita algumas dúvidas: se o legislador qualifica o empréstimo, enquanto instrumento de concessão de crédito pelo intermediá- rio financeiro, como actividade auxiliar dos serviços de investimento, no desenvolvimento normativo que lhe dá insere-o, como se vê pelo artigo 350.º, entre as disposições que regem a negociação por conta própria do intermediário financeiro, sendo esta considerada, nos termos do n.º 2 do artigo 290.º, um serviço de investimento em sentido próprio. Ora, a concepção do empréstimo enquanto actividade realizada por conta do próprio intermediário financeiro comporta consequências em termos de regime jurídico aplicável como seja, a título de exemplo, que assenta no facto de as ofertas que resultem do exercício dessa actividade poderem estar sujeitas a regras especiais quanto ao modo de divulgação, de variação de preços e de conclusão das operações23.
O empréstimo de valores realizado por intermediário financeiro pode ter por escopo uma diversidade de funções excluídas da análise do respectivo regime, excepto no que respeita às situações em que esse empréstimo visa a liquidação de operações realizadas em bolsa e é efectuado por entidade gestora de mercado ou de sistema de liquidação. Nestes casos, a operação escapa ao regime das actividades de intermediação financeira, como expressamente estipula o n.º 2 do artigo 350.º.
II. Repare-se, em primeiro lugar, como o legislador abarcou, entre os serviços
auxiliares, tanto o financiamento para a realização de operações sobre valores mobiliários como o empréstimo de valores mobiliários propriamente dito. Quanto a este, o âmbito de aplicação das respectivas normas é mais alargado dado que não se restringe já o empréstimo de valores para a compra e venda em bolsa. Nada impede, pois, que sejam emprestados valores para, por exemplo, a constituição de garantias em quaisquer operações. Também nesse caso, e à semelhança do que vimos ser concebível para o reporte, deparamo-nos como uma nova garantia de natureza mobiliária.
No que toca ao financiamento ou empréstimo de dinheiro para a aquisição de valores mobiliários deve esta actividade ser genericamente incluída no contexto da concessão de crédito não havendo, pois, qualquer limite legal de acordo com o destino desse mesmo financiamento24. Assim, nada impede que o financiamento seja destinado a adquirir valores mobiliários, inclusivamente em bolsa, uma vez que as ordens transmitidas aos corretores não têm de especificar a proveniência do dinheiro e, no caso da ordem transmitida por outro intermediário financeiro, é este que efectua os pagamentos por conta dos clientes.
Quanto à actividade de empréstimo de valores mobiliários propriamente dita, seja para que efeito for, manteve-se o princípio de não proibição dessa actividade tal como este se encontrava genericamente consagrado nos artigos 66.º e 91.º do Cód.MVM os quais, como dissemos já, regulavam alguns aspectos essenciais desses empréstimos.
A grande diferença entre o regime que cessa agora a sua vigência e o novo regime prende-se com a qualificação destas actividades como actividades de intermediação financeira independentemente de serem realizadas por sociedade financeira de corretagem ou por outros intermediários financeiros. Isto é, até Março de 2000, a actividade de financiamento para a compra de valores mobiliários e o empréstimo de valores mobiliários para a respectiva venda, desde que não fossem efectuadas por sociedade financeira de corretagem, não configuravam uma actividade autónoma de intermediação em valores mobiliários uma vez que não constavam do elenco do art. 608.º nem de qualquer lei especial que como tal as qualificasse.
Por outro lado, repare-se que as garantias exigidas nas operações de conta margem, consideradas extremamente restritivas para a realização destas operações, deixam de ser genericamente exigidas só existindo, no Cód.VM, norma de habilitação regulamentar para a situação em que a operação é realizada fora de mercado regulamentado25. Esta parece ser uma opção criticável dado que a exigências destas garantias parece justificar-se noutros casos, nomeadamente sempre que no empréstimo estejam envolvidos valores de terceiros ou que possam por em causa o
23
Cfr. n.º 2 do artigo 221.º do Cód. VM.
24
Cfr. al. a) do art. 291.º do Cód. VM e al. b) do n.º 1 do art. 4.º do RGICSF.
25
Cfr. al. b) do n.º 4 do artigo 351.º do Cód. VM.
26
Cfr. n.º 1 do artigo 306.º.
funcionamento do mercado. Dir-se-á que o Código não regula essas situações na medida em que previu as operações de empréstimo de valores mobiliários como negociação por conta do próprio intermediário financeiro.
Repare-se ainda que a matéria do prazo do contrato (ao abrigo do regime anterior, 6 meses) o Cód.VM nada diz, remetendo esta matéria para disposições regulamentares. Tem-se em vista precaver situações de manutenção de posições abertas por parte dos clientes.
Também a matéria da contabilidade das operações foi deixada à competência regulamentar da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (cfr. artigo 351.º, n.º 4,
al. c), parte final) sem prejuízo dos princípios consagrados pelo Código nesta matéria, (artigo 307.º), nomeadamente o dever de segregação profissional traduzido na exigência de o intermediário financeiro assegurar uma clara distinção, nos registos contabilísticos e de operações, entre os bens pertencentes ao seu património e ao património de cada um dos clientes26.
III. Importa realçar um conjunto de características resultantes da qualificação do empréstimo como auxiliar de um serviço de investimento.
Nos contratos de intermediação financeira a parte que tem a seu cargo a prestação característica do contrato é o intermediário financeiro. Nesse sentido deve ler-se o artigo 289.º, n.º 2 quando diz que só os Intermediários financeiros podem exercer, a título profissional, actividades de intermediação financeira.
Já sabemos que as características do empréstimo de valores obiliários decorrem de outras normas legais e mesmo contratuais, à semelhança do que acontece também, por exemplo, para o contrato de registo ou depósito de valores mobiliários (cfr. artigo 343.º, n.º 1). Sendo a prestação característica, no empréstimo de valores mobiliários, a entrega dos valores mobiliários, tal significa que cabem neste âmbito as operações de empréstimo em que o intermediário financeiro assume a qualidade de mutuante e o seu cliente a de mutuário. Assim, sempre que um cliente entrega valores mobiliários a um intermediário financeiro – por exemplo, a uma instituição de crédito – não o faz a título de empréstimo mas sim, por exemplo, com fins de custódia.
27
Neste sentido, XXXXXXX XXXXXXX, Commentário ao Codigo Commercial Português, vol. II, 1.9 ed., s.e., Porto, 1915, pág. 53 e XXXXXXXX XXXXX XXXXXX, Das operações da bolsa a prazo e do reporte segundo o Código Commercial. Comparação com a Legislação franceza sobre o assumpto, (conferência realizada na sessão inaugural da Associação dos Advogados de Lisboa), (COMPANHIA NACIONAL ED.), Lisboa, 1893, pág. 53.
28
Tal terminologia pode encontrar-se em ASSOCIAÇÃO DA BOLSA DE DERIVADOS DO PORTO, Um mercado de Repos em Portugal, (BDP) Porto, 1996, pág. 16.
No que toca ao exercício da actividade de concessão de crédito por via do empréstimo de valores, atente-se nos princípios consagrados no artigo 304.º: a protecção dos
legítimos interesses dos clientes e a eficiência do mercado deverão sempre estar salvaguardadas. Relevante é também o dever do intermediário financeiro, antes de decidir a concessão de um empréstimo de valores mobiliários, se informar sobre a situação financeira do cliente e aferir da sua experiência em matéria de investimentos e dos objectivos que o cliente prossegue através do serviços a prestar.
Por outro lado, sendo o empréstimo um contrato de intermediação, sempre que for celebrado com um investidor não institucional ser-lhe-á aplicável o disposto no artigo 321.º. Assim, não pode o intermediário financeiro invocar a nulidade resultante da inobservância de forma escrita, sendo os clientes equiparados a consumidores para o efeito da aplicação do regime sobre cláusulas contratuais gerais.
III. Enquadramenyo dogmáyico
Clarificadas as fontes que, com a entrada em vigor do Código dos Valores Mobiliários, passam a reger as operações de reporte e de empréstimo cujo objecto sejam valores mobiliários, cumpre proceder a uma análise das características destes contratos. Nesta terceira parte do estudo, é nossa preocupação clarificar a noção de reporte e de empréstimo e ainda decompor as respectivas estrutura e efeitos.
6. Reporye de valores mobiliários
6.1. Estrutura
I. A análise da estrutura do reporte deve partir da definição legal clássica consagrada no artigo 477.º do Código Comercial Português. Segundo este preceito, o reporte define-se como “a compra a dinheiro de contado de títulos de crédito negociáveis e na revenda simultânea de títulos da mesma espécie, a termo, mas por preço determinado, sendo a compra e a revenda feitas à mesma pessoa”. Acresce o único deste preceito que determina ser “condição essencial à validade do reporte a entrega real dos títulos”.
As pessoas que participam neste negócio jurídico são classicamente designadas por reportado e reportador: é reportado aquele que dá os títulos e recebe o dinheiro e reportador aquele que dá o dinheiro e recebe os títulos. Numa outra terminologia também empregue frequentemente, o reportado toma o reporte e o reportador dá o reporte27. Assim, o reportado “vende” títulos e “recompra-os” a prazo; o reportador “compra” os títulos e “revende-os” a prazo. Recentemente, é também comum encontrar-se referências às partes no reporte ao abrigo da terminologia cedente de fundos e tomador de títulos, ideia que corresponde à posição do reportador, e cedente de títulos e tomador de fundos, correspondendo esta expressão ao conceito de reportado28.
II. Impõe-se a actualização daquele conceito. Em primeiro lugar, relativamente àquele que aparece como sendo o objecto negocial do reporte – os títulos de crédito.
O apelo à disciplina cartular revela que o legislador comercial delineou este negócio jurídico sob uma perspectiva micro e não macro jurídica sendo, no entanto, inequívoco que nada impede transaccionar bens de outra natureza por meio deste negócio jurídico atendendo, precisamente, à função de garantia que, como apontámos já, lhe pode ser atribuída bem como ainda à função de financiamento que também prossegue.
Em segundo lugar, confirmando que a lógica em que o legislador comercial assentou o conceito de reporte foi a de um acto isolado e não de massa, repare-se que, sob um ponto de vista subjectivo, este contrato está configurado como sendo sinalagmático e bivinculante. Com efeito, exigiu-se a identidade e indissociabilidade dos contraentes em toda a vida do negócio. A ideia de indissociabilidade dos contraentes suscita um certo embaraço quando confrontada com a intervenção de um terceiro na operação como sucede, tipicamente, nas operações de reporte registadas, compensadas e liquidadas pela entidade gestora de mercado onde se realizam operações de bolsa a prazo, ao abrigo do artigo 265.º do novo Código. Nestas situações, a interposição, entre reportado e reportador, de uma terceira entidade que tem por missão a monitorização de toda a operação de reporte ao nível dos fluxos financeiros e de valores mobiliários obriga, pois, a uma adaptação daquele conceito.
Depurado o conceito quanto à delimitação que faz do objecto e dos sujeitos intervenientes no reporte, importa assentar os elementos que tipicamente compõe a sua estrutura.
30
No sentido da configuração unitária do reporte cf., entre outros, BIANCHI D’ESPINOSA, I contratti di borsa, Il riporto, vol. XXXV, t. 2, in Trattato di Diritto Civile e Commerciale, de Xxxxxxx XXXX e Xxxxxxxxx XXXXXXXX, (MULTA PAUCIS), s. l., 1969, pág. 491; XXXXXX XXXXXXXX, Tecnica Operativa delle Borse Valori, 2.9 ed. revista e ampliada, (CLEUP), Perugia, 1968, pág. 241; XXXXXX XXXXXXX, I contratti di Borsa, 2.9 ed. revista e ampliada, (UTET), Torino, 1960, pág. 296.
31
Cf. XXXXXXX XXXXXXXX, - Do Reporte, Subsídios para o regime jurídico do mercado de capitais e da concessão de crédito, in Dir., ano 121.º, III (Julho-Setembro), 1989, pág. 452.
32
XXX XXXXXX, Do Reporte no Direito Commercial Portuguez, (IMPRENSA DA UNIVERSIDADE), Coimbra, 1906, pág. 97.
33
Cf. XXXXXXX X’XXXXXXXX, I Contratti di Xxxxx. , ob. cit., pág. 491-492; RAGUSA MAGGIORE, Riporto, Contratto di, ED,
(GIUFFRÈ), Milano, 1989, pág. 1036.
34
Cf. XXXXXXX XXXXXXXX, Do Reporte..., ob. cit., pág. 453; RAGUSA MAGGIORE, Riporto...., ob. cit., pág. 1029.
III. O primeiro elemento que integra a noção de reporte descreve-o como sendo constituído por uma “compra” a contado e uma “revenda” a termo que se celebram
29
Dando conta destes aspectos cf., entre outros, XXXXXXX XXXXXXX, Xxx Xxxxxxx/ Xxxxx Xxxxxxx, in Commentario del Codice Civile a cura di XXXXXXX XXXXXXXX/ XXXXXXXX XXXXXX, vol. IV (Xxxxx Xxxxxxxxxxx), reimpressão da 1.9 ed., (XXXXXX XXXXXXXXXX EDITORE), Bolonha, 1966, pág. 14.
simultaneamente. O reporte baseia-se numa estrutura composta na medida em que é formado por duas compras e vendas ou por uma dupla venda29. A referência à “compra” e à “revenda” com vista à descrição do reporte sugere, assim, que lhe é inerente uma dupla transmissão de sentidos opostos ou, noutros termos, uma transmissão e uma retransmissão.
Perante este esquema composto, vejamos como a “compra” e a “revenda” coexistem entre si. O reporte tem uma estrutura orgânica própria, um esquema unitário, que engloba a “compra” e a “revenda” através de um nexo causal30. Esta perspectiva do reporte como modelo unitário significa que ele possui um sentido distinto do que resulta da mera justaposição ou combinação daquelas “compras” e “vendas”, assumindo estas, nesse contexto, uma identidade nova que permite qualificar o reporte como negócio jurídico complexo. Em suma, o reporte não funciona como um somatório de partes, sendo a unidade orgânica a ideia basilar do instituto31. Frisando a importância que reveste a consideração do instituto como um todo, adiante-se que
o reporte tem uma natureza jurídica que se afasta do quadro contratual típico da compra e venda.
IV. O elemento que faz a ligação entre a “compra” e a “revenda” conferindo ao reporte unidade não se revê, facilmente, na sua estrutura mas apenas nas circunstâncias extrínsecas que levam as partes a estipulá-las contemporaneamente com vista a um único fim económico. A unidade orgânica que caracteriza o reporte tem, antes de mais, por base, a simultaneidade da celebração da “compra” e da “revenda”. Ou seja, celebra-se a operação de “compra” e estipula-se logo a operação de “revenda”32. Assim, para a retransmissão, não tem de ocorrer uma nova actividade negocial, sendo o consenso originário suficiente33. Nessa medida, o reporte não obriga o reportado a recomprar os valores nem o reportador a revendê-los. Chegado
o termo, a revenda produz os seus efeitos sem necessidade de qualquer outra declaração de manifestação de vontade34.
Só que à simultaneidade de celebração não corresponde uma simultaneidade de execução: enquanto a compra opera, em regra, a contado, a revenda ocorre a termo. Neste sentido, constitui novidade legislativa a previsão expressa no artigo 255.º do Cód.VM no sentido de, nos reportes realizados em bolsa, a primeira venda poder ser a contado ou a prazo. Repare-se que este elemento da estrutura do reporte é extensível ás operações geridas nos termos do artigo 265.º, em virtude da extensão de regime operada pelo seu n.º 2. Há, portanto, no contrato de reporte, duas transferências de sinal contrário, celebradas contemporaneamente, cuja execução ou eficácia é, em regra, imediata, no primeiro caso, e diferida, no segundo. A obrigatória coincidência temporal da celebração das duas operações é, portanto, elemento constitutivo deste contrato: uma “compra” concluída e executada no presente; uma “revenda” celebrada
nessa data a executar no futuro.
Naturalmente, a primeira dificuldade que esta imagem unitária mas complexa do reporte suscita, prende-se com a identificação das vantagem decorrentes de se transmitir e retransmitir de novo ou, seguindo a terminologia legal, em “comprar” e simultaneamente “revender”.
V. A superação da dificuldade resultante da aparente contradição entre “comprar” e “revender” em simultâneo pressupõe que se atenda à dimensão temporal de cada uma das operações em curso ou, por outras palavras, à repercussão do tempo neste negócio jurídico. Na verdade, ainda que num contrato de reporte se acorde na celebração de duas operações de sinal oposto, tais operações não se anulam entre si na medida em que a compra é tendencialmente realizada a contado, enquanto a revenda se realiza a termo. Este elemento caracterizador do reporte confere-lhe decisiva originalidade mas revela também a sua profunda complexidade. Na verdade, um dos contraentes “vende” a contado valores mobiliários, acordando simultaneamente com o segundo contraente a sua “recompra” a prazo. Assim, e desde logo, este contrato traduz o desvio a uma oposição radical entre operações a contado e operações a prazo: “o comprador” a contado é seu “revendedor” a prazo; inversamente, o “vendedor” a contado é “recomprador” a prazo. Neste contexto, o reporte é um contrato híbrido na medida em que participa em simultâneo da natureza de dois tipos de operações – a contado e a prazo.
6.2. Efeitos
35
Cfr. n.º 1 do artigo 80.º aplicável ao valores mobiliários titulados integrados em sistema centralizado por via da extensão operada pelo artigo 105.º do Cód.VM.
36
Cfr., a respeito da obrigatoriedade de integração em sistema centralizado, o artigo 62.º do Cód.VM. A obrigatoriedade de integração em sistema centralizado dos valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado encontra a sua justificação, entre outras razões, na facilidade que daí decorre para efeitos de liquidação física das operações.
37
Cf. XXXX XXXXXXX, O Contrato de Compra e Venda no Código Civil. Efeitos Essenciais: A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; a obrigação de entregar a coisa, ROA, 1983, pág. 588 e segs; XXXXX XXXXXXXXXXX, Contrato de Compra e Venda - Introdução, efeitos essenciais e modalidades, Direito das Obrigações, III, Contratos em especial, sob a orientação do Professor Doutor A. XXXXXXX XXXXXXXX, Lisboa, 1991, pág. 7 e segs.
38
Cf. Curso de Derecho Mercantil, t. II, 2.9 ed., (XXXXXXX), Madrid, 1960, pág. 354-355.
I. A operação de reporte envolve ainda a transmissão efectiva da propriedade dos
valores mobiliários do vendedor para o comprador e, dependendo do acordo das partes, dos direitos inerentes aos mesmos como seja, no caso das obrigações, o cupão periódico, se houver lugar ao seu pagamento durante o período do reporte (cfr. artigo 478.º Código Comercial). A transmissão dá-se, de acordo com o único do artigo 477.º do Código Comercial, com a entrega dos valores mobiliários entendendo-se esta cumprida, relativamente aos valores mobiliários escriturais e aos titulados que se encontrem integrados em sistema centralizado, pela transmissão na conta de titularidade do adquirente35. Sublinhe-se que esta conta de titularidade não tem de estar, necessariamente, reflectida em sistema centralizado de valores porquanto os valores objecto do reporte podem não estar admitidos à negociação em mercado regulamentado36.
II. Este fundamental efeito do reporte e a plena liberdade que é concedida ao reportador, durante a vigência do contrato, para dispor dos valores mobiliários, estão presentes no facto de a lei exigir apenas que o “comprador-revendedor” restitua ao “vendedor-recomprador” títulos da mesma espécie dos por este “vendidos”. Com efeito, o legislador não pretende que o “comprador” “revenda”, na operação a termo, os mesmos valores que adquiriu. Se assim fosse, teríamos de aceitar que o “comprador-
-revendedor” não teria adquirido a propriedade plena na operação inicial, impedido que estava de dispor e alienar livremente os valores no período que medeia entre a operação a contado e a operação a termo.
Mas este efeito não é suficiente para reconduzir dogmaticamente o reporte a uma compra e venda. Na verdade, o efeito típico da compra e venda é a transmissão da propriedade sobre determinado bem, transmissão essa que, em regra, ocorre em termos definitivos37. Ora, no reporte, tal transmissão, ainda que se verifique, é meramente instrumental na medida em que as partes restituem entre si, na “revenda” a prazo, bens equivalentes aos que inicialmente receberam em propriedade na “compra” a contado. Neste sentido, afirma XXXXXXXXX que o reporte se define como um contrato de natureza especial, adequado às necessidades do mercado de valores mobiliários já que adapta a roupagem jurídica da compra e venda para servir finalidades económicas distintas38. A crescente oferta pelo Direito de esquemas negociais que permitem a cessão da utilidade de bens durante toda a vida económica destes, proporcionando ao seu adquirente ou beneficiário os efeitos da compra e venda sem, no entanto, se recorrer a este tipo contratual, faz pensar no papel que à
transmissão da propriedade fica destinado, surgindo, consequentemente, a ideia de constituição da propriedade fiduciária em garantia. Surge, assim, em torno do reporte, um dos problemas suscitados pelos contratos de financiamento com efeitos translativos de cujo género o reporte constitui espécie: o carácter instrumental do direito de propriedade constituído a favor do financiado. Como se sabe, alguns autores apontam como característica do direito de propriedade a sua perpetuidade, donde inferem a impossibilidade de constituição de uma propriedade a termo nos contratos de financiamento legalmente atípicos. Como esclarece OLIVEIRA ASCENSÃO39 no âmbito da sua autonomia privada as partes não podem livremente estipular uma cláusula acessória de propriedade temporária pois isso equivaleria a constituir, em benefício do futuro proprietário, uma expectativa real não prevista por lei e, como tal, violadora do princípio da tipicidade a que as expectativas reais, como direitos reais que são, estão sujeitas. O reporte tem, assim, de ser visto como uma manifestação legal de uma propriedade a termo (artigo 1307.º, n.º 2, do Código Civil) sendo um dos casos mais marcantes no domínio da propriedade fiduciária.
Em suma, a transmissão de propriedade sobre os valores por efeito da celebração do reporte não é nem propriedade condicional nem sequer temporária: o reportador é, durante o prazo docontrato, verdadeiro titular dos valores mobiliários, ainda que esta transmissão tenha ocorrido a título de garantia.
7. Emprésyimo de valores mobiliários
7.1. Estrutura
I. De acordo com o artigo 1142.º do Código civil, empréstimo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir à primeira outro tanto do mesmo género e qualidade. Os negócios realizados sobre valores mobiliários, em mercado ou fora dele, são actos de comércio40
39
Cfr. Direito Civil. Reais, (Coimbra Editora), Coimbra, 1993, pág. 385.
40
Cfr. XXXXXX XXXXXXXX, Direito dos Valores…, ob cit., pág. 45 e segs.
41
Cfr. XXXX XX XXXXXX XXXXXXX; XXXXXXXXX-XXXXXXXX, JUAN, El Derecho del Mercado Financiero, Editorial Civitas, Madrid, (1992), pág. 582.
42
XXXXXX XXXXXX, XXXX XXXXXXX, “El Contrato de Prestamo de Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx (Especialmente, acciones cotizadas en Bolsa)”, in Estudios Juridicos en Homenaje al Profesor Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxx XXX (Contratos Mercantiles, Derecho Concursal y Derecho de la Navegacion), (Civitas), 1996, pág. 3173.
pelo que a noção de empréstimo de valores mobiliários deve reconduzir-se àquela por via do artigo 3.º do Código comercial.
Ao empréstimo de valores mobiliários aplicam-se, antes de mais, os artigos 394.º a 396.º do Código Comercial e, em tudo o que não seja regido por este Código, o regime dos artigos 1142.º e seguintes do Código Civil. Sob o ponto de vista do regime especial do empréstimo mercantil relevam, fundamentalmente, duas consequências jurídicas: a natureza onerosa do contrato (artigo 395.º do Código comercial em confronto com o artigo 1145.º do Código Civil) e a admissibilidade de todos os meios de prova do contrato (artigo 396.º do Código Comercial). Aplica-se o regime do Código Civil a todos os empréstimos de valores mobiliários em matéria de benefício do prazo (1147.º), falta de fixação de prazo (1148.º) resolução do contrato (1150.º). Repare-se que é atendendo à natureza comercial do empréstimo de valores mobiliários que a terminologia civil – mútuo – é substituída pela comercial – empréstimo.
Este o quadro geral do regime do empréstimo de valores mobiliários.
II. Pelo empréstimo uma das partes, que podemos designar por mutuante, coloca à disposição da outra parte, o mutuário, certos valores mobiliários, por um período determinado de tempo. O mutuário, em contrapartida, presta ao mutuante uma garantia e paga-lhe uma remuneração – recorde-se que o empréstimo comercial é sempre retribuído – ficando ainda obrigado a restituir ao mutuante valores mobiliários41.
No que toca às entidades com capacidade para emprestar valores mobiliários, não parece haver limitação alguma quanto à pessoa do cedente e do cessionário. Devem, pois, aplicar-se aqui as regras gerais sobre capacidade e representação de xxxxxxx00. Não obstante este princípio geral, haverá situações em que é limitada a capacidade para actuar como cedente de valores mobiliários: nos empréstimos de valores relacionados com o sistema de empréstimo automático, dado que se trata de concessão de crédito directamente relacionada com liquidação de operações celebradas em mercado; nas operações de intermediação considerada de conta própria, relativamente aos intermediários financeiros a isso autorizados nos termos do n.º 2 do artigo 346.º do Cód.VM.
7.2. Efeitos
I. Tipicamente, por virtude da operação de empréstimo, o cessionário adquire do cedente, pelo facto da entrega, a titularidade do objecto emprestado (cfr. art. 1144.º do Código civil). Pode afirmar-se, pois, que uma operação de empréstimo envolve a transferência efectiva, embora temporária, da propriedade dos valores mobiliários objecto do empréstimo com todos os direitos associados aos mesmos, nomeadamente cupões, dividendos e direitos de voto o que determina que na hipótese de ocorrer distribuição de dividendos ou pagamento de juros durante o período do empréstimo, o mutuário poderá ser chamado a compensar o mutuante por um montante equivalente aos direitos a título de compensação em função do que ambos tiverem acordado entre si. Analogamente, se houver um pagamento de dividendos ou de juros relativamente aos valores cedidos como garantia (colateral) o mutuário terá direito aos mesmos43.
A razão de ser da transferência da propriedade prende-se com a impossibilidade prática de distinguir, no património do mutuário (tratando-se designadamente de dinheiro mas o mesmo valerá para os valores mobiliários) aquilo que representa a coisa entregue e a coisa que deve ser restituída – como sabemos, meramente equivalente. A individualização da coisa não se mantém, como acontece com o comodato, durante a vida do negócio44. O empréstimo representa, pois, o ingresso de um direito de propriedade na esfera patrimonial do mutuário ocorrendo, esse ingresso, por via da entrega.
Contudo, é este um elemento não integrante da estrutura típica da operação pois repare-se como nos termos do art. 350.º do Cód.VM se consagra como regra a transferência da titularidade dos valores mobiliários para o mutuário ressalvando-se, no entanto, a possibilidade de as partes convencionarem um regime contrário. Esse regime contrário era, aliás, o típico no anterior Cód.MVM que, no art. 66.º, consagrava que a propriedade dos valores pertenceria ao mutante até á sua eventual alienação. contrai a obrigação de devolver valores mobiliários O vencimento do empréstimo produzir-se-á no termo do prazo para o efeito estabelecido.
Questão diversa é a de saber se o mutuante tem de ser o titular dos valores emprestados ou se pode emprestar valores mobiliários de um terceiro. A resposta é afirmativa nos casos em que se pretende convencionar um empréstimo com transmissão típica do direito de propriedade pois só tem legitimidade para o fazer
43
Cfr. ASSOCIAÇÃO DA BOLSA DE DERIVADOS DO PORTO, ob. cit., página 3.
44
Cfr. XXXXX XX XXXX e XXXXXXX XXXXXX, Código Civil Anotado, Vol. II, pág. 685.
45
Esta regra é idêntica à vigente no ordenamento jurídico espanhol. Cfr. XXXXX XXXXXXXX/XXXXXX XXXXXXX, La Reforma de la Ley del Mercado de Valores, (Tirant lo Blanch), Valencia, 1999, pág. 121.
46
Cfr. XXXXXX, XXXXX, “Aspetti Giuridici delle …” ob. e loc. cits., pág. 393.
quem for titular desses valores. A resposta é também afirmativa, independentemente da transmissão do direito de propriedade, nas operações de empréstimo realizadas em mercado de bolsa já que para essas o legislador consagrou, como regra, a necessidade de o mutuante ser efectivamente o titular dos valores mobiliários (cfr. artigo 356.º, al. b))45. Ora , nos termos das regras sobre aquisição da propriedade de valores mobiliários escriturais, estes só se tornarão propriedade do cessionário quando a favor deste for realizado um registo de titularidade. (Cfr. artigo 80.º)
Relativamente ao empréstimo realizado por intermediário financeiro e à questão de saber se este pode emprestar valores do cliente, a resposta será afirmativa ainda que condicionada a autorização escrita dos respectivos titulares (cfr. artigo 306.º, n.º 3).
II. As operações de empréstimo podem traduzir um risco para os sujeitos envolvidos: em particular, o cedente de valores é exposto ao risco de contraparte relativo à possibilidade de o cessionário se tornar inadimplente da obrigação de restituição dos valores objecto da operação. Neste contexto, o risco implicado na transferência da disponibilidade dos valores é atenuado com a contextual constituição de uma garantia (colateral), em dinheiro ou valores mobiliários, de valor superior ao dos valores objecto da operação. A fim de se manter constantemente a diferença originária entre os valores cedidos e a garantia e evitar o risco de posições ao qual o cedente é exposto, prevê-
-se usualmente um mecanismo de contínuo ajustamento dos valores por forma a compensar as eventuais oscilações destes verificadas nos mercados46.
Na maioria dos países, a solução adoptada não foi tanto a de regulamentar um mercado centralizado com contratos de empréstimo estandardizados mas antes a predisposição de modelos contratuais que possam se utilizados para satisfação das exigências de financiamento em valores mobiliários.
III. No tocante às operações de empréstimo de valores mobiliários realizadas em bolsa, tal como se encontram previstas no título dos mercados, optou o legislador por, no artigo 256.º, através de técnica diferente da escolhida para as operações de reporte, permitir a sua realização em bolsa, desde que o mutuante seja titular dos valores mobiliários a emprestar; a entrega dos valores mobiliários ao mutuário seja
efectuada no prazo estabelecido para a liquidação das operações a contado e a devolução ao mutuante dos valores mobiliários emprestados seja efectuada através da bolsa.
8. Comparação enyre o reporye e o emprésyimo
I. São vários os autores que reconduzem o reporte a um empréstimo de valores mobiliários47. Pretendem os defensores desta teoria que aquele que recebe, na pendência de um reporte, os valores mobiliários visa obter valores mobiliários durante um certo período de tempo, surgindo o reportador, proprietário do capital, a colocá-los à disposição daquele. Nesta perspectiva da operação de reporte, os valores que se transferem ao reportador desempenhariam a função de garantia, gozando este, consequentemente, de uma posição particularmente acautelada contra o risco de um eventual incumprimento por parte do reportado.
De entre as teorias do reporte como um empréstimo que se foram delineando ao longo dos tempos – teoria da usura, teoria do duplo empréstimo, enraizada na concepção do reporte como operação de troca, e teoria do empréstimo sobre penhor
– importa analisar aqui, com maior detalhe, a eventual recondução do reporte a um empréstimo caucionado ou sobre penhor pois é com este modelo contratual que mais frequentemente se confunde o reporte.
Para quem vê no reporte um empréstimo garantido com penhor, o reportado representa o papel de mutuário, o reportador intervém como mutuante, os valores mobiliários dados em reporte desempenham a função de garantia que cabe ao penhor, e o preço do reporte é constituído pelo juro convencionado entre as partes. Todavia, ao nível dos respectivos regimes jurídicos, as diferenças entre ambos são de tal modo notáveis, que conduzem à total improcedência dessa teoria.
II. Em primeiro lugar, não há dúvida que, por via do reporte, se opera uma efectiva transmissão de propriedade de valores mobiliários em virtude da qual o reportador se torna seu proprietário durante a vigência da operação. Reside aqui o primeiro aspecto
47
Para uma ilustração, vd., entre outros, XXXXXXX XXXXXXXX, Do Reporte…, ob. cit., pág. 000, XXXXXXX XXXXXXX, Xxx Xxxxxxx…, ob. cit., pág. 12; XXXXXXX XXXXX, Los repos celebrados entre las entidades de crédito y sus clientes, in RDBB, n.º 60, 1995, pág. 957.
48
Vd. artigos 666.º, 670.º e 671.º do Código civil.
49
Vd. art. 670.º, al. c), Código civil.
50
Vd. artigo 447.º do Código comercial.
51
Vd. artigo 671.º, alínea c) do Código civil.
diferenciador do reporte face ao empréstimo sobre penhor. Neste negócio jurídico, o mutuante, enquanto credor pignoratício, nunca adquire o direito de propriedade sobre a coisa empenhada, gozando apenas do direito a ver satisfeito o seu crédito com preferência sobre os demais credores, de defender a posse sobre a coisa empenhada ainda que contra o próprio dono, e de a administrar e gozar como um proprietário diligente o faria48.
Só admitindo esta efectiva transferência de propriedade a favor do reportador que não existe no penhor é que se compreendem as diferenças de regime entre ambos. Pense- se, desde logo, no facto de, no penhor, o credor não poder dispor da coisa empenhada (vd. artigo 670.º). Nos termos dos art. 674.º do Código civil a eventualidade de uma venda da coisa empenhada antes do vencimento da relação pignoratícia apenas se encontra contemplada excepcionalmente, na hipótese de haver fundado receio de que a coisa empenhada se perca ou deteriore, exigindo-se em qualquer caso prévia autorização judicial.) face à possibilidade de o reportador poder livremente dispor dos valores mobiliários reportados. Atenda-se, depois, na circunstância de, no reporte, o reportador ser responsável pelos riscos da deterioração, perda ou desvalorização inerentes à propriedade dos valores mobiliários em contraste com a possibilidade de, no penhor, o credor pignoratício exigir a substituição ou reforço do penhor e, inclusivamente, o imediato cumprimento da obrigação em dívida, se a desvalorização ou deterioração da coisa empenhada prejudicar a garantia que ela representa49.
Considere-se, ainda, o facto de, findo o prazo do reporte e chegada a data da sua liquidação, impender sobre o reportador o dever de restituir ao reportado valores mobiliários da mesma espécie daqueles que inicialmente adquiriu em propriedade50 enquanto no penhor, diferentemente, extinta a obrigação cujo cumprimento a coisa emprenhada visa acautelar, tem o credor pignoratício o dever de a restituir ao autor do penhor51.
Finalmente, assumindo-se o reportador como o efectivo proprietário dos valores mobiliários, forçosamente que estes não podem figurar como a coisa empenhada (o objecto do penhor) pois está afastada a hipótese de haver penhor sobre uma coisa própria. Constatamos, portanto, que a transmissão da propriedade, inequívoca no reporte, não é uma pura construção doutrinal, tendo profundas implicações práticas ao nível do seu regime e natureza jurídica.
III. Em segundo lugar, outra das diferenças entre o reporte e o empréstimo sobre penhor encontra-se ao nível da inexistência no primeiro e verificação no segundo de uma correspondência necessária entre o valor da dívida e o montante dos valores dados em garantia. Efectivamente, se no penhor se pode afirmar que, em princípio, a garantia afecta ao cumprimento da dívida corresponde ao montante de capital
mutuado, no reporte, a multiplicidade e a diversidade dos interesses em jogo, não nos permitem afirmar nem negar uma equivalência entre os dois valores. Tudo dependerá, em cada caso, do interesse do reportado numa determinada soma de dinheiro ou o do reportador na obtenção temporária da efectiva disponibilidade dos valores que o reportado possui, bem como, tratando-se de uma operação de mercado, do funcionamento deste em função, designadamente, da oferta e da procura.
IV. Em terceiro lugar, marca também a diferença entre estes negócios a situação em que, o reportado, chegada a data da execução da retransmissão, se recusa a receber os valores e a restituir o capital inicialmente acordado. Neste caso, pode o reportador não só ficar com os valores (e não fazê-los seus, pois estes já lhe pertencem verdadeiramente) como também proceder validamente à sua alienação, estando ainda legitimado a exigir do reportado o pagamento de alguma diferença que, eventualmente, exista em seu prejuízo. A cláusula pela qual as partes convencionassem impedir o reportador de dispor dos valores não só durante o prazo de vida” do reporte mas também em caso de incumprimento por parte do reportado, assimilar- se-ia, em nosso entender, a uma estipulação comissória, confinando-se o sentido da transmissão desses valores exclusivamente à faculdade de o reportador os fazer seus, cobrindo-se do incumprimento. Ora, não tem definitivamente sentido transpor a lógica inerente à proibição do pacto comissório, vigente em matéria de penhor, ao domínio do reporte. Pelo contrário, no penhor, a obrigação que a coisa visa garantir não dá ao credor o direito de a reter ou de proceder à sua venda para se pagar à custa do respectivo produto, mas terá de aguardar a venda judicial cujo produto lhe será adjudicado para satisfação do seu crédito (vd. artigo 675.º do Código civil) salvaguardando-se, contudo, a hipótese admitida naquele preceito de as partes convencionarem a venda extrajudicial.
52
Vd. artigo 1143.º do Código civil.
V. Em quarto lugar, é o próprio funcionamento do mercado financeiro, em cujo ambiente predomina a celebração de reportes, que se opõe à identificação deste com o instituto do empréstimo sobre penhor. As exigências de rapidez, simplicidade e celeridade em que assenta a operacionalidade do mercado financeiro seriam inconciliáveis com mecanismo do penhor, designadamente com a proibição do credor pignoratício usar a coisa empenhada sem consentimento do autor do penhor, a exigência àquele credor que extinga a obrigação que se visava caucionar entregando ao devedor a própria coisa dada em penhor, bem como a estipulação de que a execução coactiva da prestação do devedor, em caso de incumprimento, pressupõe a
venda judicial do objecto empenhado. Face a estas considerações, é manifesta a insustentabilidade prática da teoria em apreço.
VI. Em quinto lugar, a teoria que reconduz o reporte ao empréstimo sobre penhor também cai por terra face à análise da posição que cada um dos intervenientes pode assumir nesta operação e ao modo de determinação do preço respectivo. Com efeito, o próprio reportador tem também interesses susceptíveis de o moverem a intervir na operação, não enquanto garante mas na qualidade de parte que motiva a celebração da operação. Assim, chegamos à conclusão que o reporte nem sempre tem por fim a concessão de capitais, faltando a intenção de o contrair com esta configuração quando é o reportador quem tem interesse em dispor de valores mobiliários para desta forma alcançar, por exemplo, o direito de participação numa sociedade ou para garantir a maioria de votação numa assembleia geral. Nestes casos, quando o reportador disponibiliza ao reportado uma certa soma em dinheiro, pretende obter a disponibilidade dos valores em ordem à consecução de interesses pessoais susceptíveis de satisfação pelo exercício dos direitos inerentes. Aliás, é também o facto de o reportador, no decurso do prazo do reporte, poder exercer o direito de propriedade sobre os valores que igualmente nos faz ver que o seu interesse em ser parte numa tal transacção poderá em mito ultrapassar o da obtenção de um lucro pela cedência de capitais ao reportado.
VII. Em sexto lugar, acresce o facto de, também formalmente, as duas figuras se afastarem uma da outra: enquanto o contrato de mútuo está sujeito à observância de forma legal imperativamente imposta52 em relação ao reporte há inteira liberdade de forma o que, em última análise, nos levaria a aceitar como válido um empréstimo que, por inobservância de um requisito legal, seria necessariamente nulo.
53
É a definição proposta por XXXXXX XXXXXXXX, La Causa de Finanziamento, BBTC, (1982), pág. 616, nota 93, coincidente com a de XXXXXX XXXXX, Autonomia Privata e Causa di Finanziamento, Milano, (1990), pág. 4. Entre nós, ROGÉRIO F. XXXXXXXX, Financiamento, Enciclopédia Pólis, II, Lisboa, (1985), pág. 1478, esclarece que “financiamento é a designação que se dá a todas as operações com vista a dotar uma empresa ou qualquer instituição com mais recursos financeiros.”.
54
Neste último sentido, encontra-se na doutrina a ideia mediação e funcionalização da operação de financiamento no sentido em que o destino dada ao instrumento financeiro empregue constitui objecto de uma obrigação de fim por parte do financiado. Neste sentido cf. XXXXXX XXXXX, Autonomia Privata..., ob. cit., pág. 5. Em todo o caso, e à semelhança da ideia que predomina relativamente à concessão de crédito, mais do que o meio jurídico empregue no financiamento o que conta é o resultado alcançado. Esta ideia é expressa para o crédito por se CONCEIÇÃO NUNES, Direito Bancário, I, Lisboa, (1994), pág. 175.
Em sétimo lugar, em face da posição doutrinária que defende ser essencial à validade do reporte a entrega real dos valores, e que a entrega do dinheiro no momento da liquidação da operação a contado já não se afirma como condição de validade do
contrato, em face desta posição, dizíamos, teríamos de nos interrogar sobre a possibilidade de se entender o fim último do reporte na disponibilidade ao mutuário-reportado da cedência de capitais pelo mutuante-reportador. Aquela concepção, equivaleria a afirmar que o reporte existirá sem que tenha havido a efectiva disponibilização de capitais a favor do reportado no momento da operação a contado o que, a ser aceite, faria perder o sentido em pretender ver o reporte apenas um modo de concessão de crédito.
O afastamento do reporte face ao mútuo permite-nos concluir que a função financeira que, no essencial, cabe ao reporte não pode sobrepor-se aos originais traços da sua estrutura jurídica.
Aliás, também no empréstimo ocorre a transmissão da propriedade para o mutuário e essa propriedade, seguindo a mesma ordem de ideias, não é temporária nem condicionada pois o mutuário não está obrigado a restituir o bem mutuado ao mutuante mas sim bem equivalente. A diferença entre ambos parece residir em que, celebrando-se logo uma operação de revenda a termo, o reportado passa a ser, de imediato, proprietário sujeito a condição suspensiva ao passo que, no empréstimo, o mutuante mantém apenas a expectativa – melhor, o direito – de lhe ver restituído bem equivalente ao mutuado. Deste modo, diríamos que o reporte garante não só o reportador contra
o incumprimento por parte do reportado ao pressupor a transmissão da propriedade de valores, mas garante igualmente o reportado contra o incumprimento do reportador ao conciliar, com a venda a contado, a revenda a termo. Por via da retransmissão a termo, as partes passam a encontrar-se numa situação análoga à da compra e venda de coisa genérica, venda perfeita com o consenso mas de efeitos puramente obrigacionais.
9. O reporye e o emprésyimo como conyrayos de financiamenyo
I. Quer na sua estrutura clássica, quer no âmbito de contextos actuais mais complexos que acolheram estes contratos, designadamente o mercado de bolsa a prazo, tem sido
55
XXXXXX XXXXXXXX, La Causa de Finanziamento..., ob. cit., pág. 617-618.
56
Destacando tal ideia não genericamente para os contratos de financiamento mas individualmente para o contrato de locação financeira, LEITE DE CAMPOS, A Locação Financeira, Lex, Lisboa, (1994), pág. 23.
57
Expressamente neste sentido, XXXXXX XXXXXXXX, La Causa de Finanziamento..., ob. cit., pág. 618.
unanimemente atribuída ao reporte e ao empréstimo de valores mobiliários a função de financiamento. Mas embora se venha tornando usual o apelo a esta ideia não tem sido tentada a delimitação e construção jurídica de tal categoria contratual.
Na noção económica de financiamento inserem-se as operações mediante as quais uma parte concede a outra meios financeiros de que esta necessita para a realização de um investimento associado, por regra, à constituição e ao funcionamento de uma empresa, instituição ou sociedade53. A definição económica de financiamento tem, na essência, duas ideias centrais: de um lado, focaliza o instrumento subjacente à operação nos meios financeiros concedidos; de outro, considera um pressuposto teleológico associado à necessidade de tais meios financeiros visarem a realização de um fim determinado54.
Na transposição desta noção económica para o campo jurídico, o primeiro dado clarificador do que seja o financiamento deve partir do instrumento financeiro subjacente à operação associando-o, enquanto bem jurídico, à ideia de utilidade55. Com efeito, a operação de financiamento não traduz necessariamente um enriquecimento pecuniário a favor do financiado, bastando em rigor que proporcione uma utilidade. O financiamento pode basear-se na transmissão ao financiado de capitais mas pode também representar apenas a concessão da utilidade de um bem que, inserido numa estrutura empresarial ou societária, permite desenvolver a actividade desta por via da aplicação produtiva da riqueza obtida.
A utilidade proporcionada por um bem objecto de contrato de financiamento significa, desde logo, não só a susceptibilidade de esse bem satisfazer específicas necessidades mas também a possibilidade jurídica de, mediante o financiamento, o financiado poder desfrutar plenamente de todos os poderes e faculdades inerentes ao bem. Por outras palavras, os bens sobre que incidem os contratos de financiamento não são vistos como meros objectos, sendo antes considerados numa perspectiva dinâmica enquanto aptos a fornecer utilidades. O financiado recebe a coisa para dela retirar todo o proveito que a mesma proporciona56.
II. Mas sendo certo que a celebração de um negócio de financiamento não reflecte apenas a concessão do mero uso ou gozo de um bem, também não é necessária a transmissão da propriedade deste ao financiado, sendo antes suficiente a cedência da disponibilidade efectiva sobre o respectivo objecto57. O acolhimento desta perspectiva centrada no conceito de utilidade económica confessa a falta de influência, para efeitos de concreta individualização de um contrato de financiamento, da transmissão da propriedade do bem. O que interessa é que a entrega deste ao financiado seja proporcionada e não exactamente que ocorra o efeito translativo da propriedade que faz adquirir a sua titularidade jurídica. Nesta medida, a verificação do efeito de transmissão da propriedade, no contexto dos contratos de financiamento, sendo tendencialmente temporária ou, ao mesmo, instrumental, assume o papel de meio e não de fim em si mesmo.
III. Assente a ideia de concessão da utilidade de um bem e de não essencialidade ou instrumentalização do direito de propriedade constituída temporariamente, pode extrair-se o terceiro elemento característico das operações de financiamento consistente no direito à restituição por equivalente por parte do financiador. Finda a utilização do bem, o financiado assume, via de regra, o compromisso de restituir, em certa data ou num prazo determinado, outro bem semelhante. A restituição de um bem meramente equivalente só se compreende face à transmissão da propriedade do bem utilizado e significa que este perde autonomia quando transferido para o património do financiado. Neste sentido, mais do que a cedência de um valor patrimonial, opera-se a translação de riqueza.
da noção de financiamento baseada no seu carácter duradouro mas sujeito a termo. Podemos assim afirmar que o financiamento se obtém, em regra, por contratos de duração continuada58. A ratio deste qualificativo não está tanto no facto de a função negocial se concretizar mediante o cumprimento de uma prestação continuada mas sim no sentido de que a própria função negocial se realiza continuamente, de forma protraída, segundo o modelo de uma utilidade que se distribuí e perdura no tempo59. Acresce referir que o factor tempo intervém nos negócios de financiamento, à semelhança do que ocorre no crédito, a mediar entre uma prestação e outra prestação. Nesse sentido, há no financiamento uma “troca diferida no tempo” pois uma
Assim, utilidade do bem, instrumentalização da propriedade e restituição de bem equivalente são as primeiras conclusões a que chegamos na qualificação do financiamento em sentido jurídico. Utilidade, propriedade e restituição estão entre si interligadas no sentido de que, aquilo que o financiado deve restituir, é determinado pela valoração económica das vantagens que retira com a utilização do bem.
58
Vd., por todos, XXXXXX XXXXXX, Manual dos Contratos em Geral, Reprint, 3.9 ed., Lisboa, (LEX), 1965, pág. 408-409; XXXXXXXX XXXXXXXXXX, Derecho del Mercado Financiero, Madrid, (XXXXXXX XXXX), 1997, pág. 335; XXXXXX XXXXXXXX, La Causa de Finanziamento..., ob. cit., pág. 620.
59
XXXXXX XXXXXXXXXX/XXXXXXX XXXXX, Diritto Bancario, Milano, (1960), pág. 33 e 34.
60
A característica do aprazamento é predominantemente apontada aos fenómenos de crédito. Cf. XXXXXX XXXXXXXX, Direito do Crédito.Introdução,(LEX), Lisboa, 1994, pág. 16; XXXXX XXXXXX XXXXXXX, Do Contrato de Xxxxxxxx Xxxxxxxx, (Almedina), Coimbra, 1998, pág. 20 e segs.; XXXXXX XXXXXXXX, Economia Política, (Almedida), Xxxxxxx, 0000, pág. 662.
IV. O dever de restituição por parte do financiado reflecte uma quarta característica
61
Cf. XXXXXX XXXXXXXX, La Causa de Finanziamento…, ob. cit., pág. 619 e segs.; XXXXXX XXXXX, Autonomia Privata…, ob. cit., pág. 32 e segs.; Para o negócio de crédito SIMÕES PATRÍCIO, Direito do Crédito…, ob. cit., pág. 16 e 40: XXXXX XXXXXX XXXXXXX, Do Contrato de Depósito bancário…, ob. cit., pág. 20-21; XXXX XXXXXXX XXXXX XXXXXX, Operações de Banco. Depósito Bancário. Abertura de Crédito, (PETRONY), Lisboa, 1962, pág. 18.
62
Segundo XXXXXX XXXXXXXX, Direito do Crédito..., ob. cit., pág. 47, a confiança que está, sem dúvida, na génese do crédito, não modela a relação creditícia como necessariamente fiduciária, em sentido jurídico.
63
Neste sentido vd., entre outros, SIMONETTO, I Contratti di Credito, Padova, (1953), pág. 67 e segs.; XXXX XXXXXXX, Contrato de Mútuo, “Direito das Obrigações”, Vol. III, Contratos em Especial, sob a coordenação de A. XXXXXXX XXXXXXXX, em especial págs. 188-189; XXXXXX XXXXXXXX, Direito de Crédito, ob. cit., pág. 17.
prestação – a do financiador – realiza-se no presente sendo a outra – a do financiado
– aprazada60.
Assim, podemos afirmar que individualiza a característica do financiamento a utilidade do bem, a instrumentalização da propriedade, o dever de restituição do equivalente e o carácter duradouro da operação. Estas características concorrem na causa de cada contrato de financiamento singularmente considerado e assim também no reporte e no empréstimo de valores mobiliários.
Cumpre acrescentar, por fim, um quinto elemento envolvido nesta asserção de contratos de financiamento: a confiança. Os contratos de financiamento pressupõe uma relação de confiança entre as partes no negócio jurídico61 no que toca, desde logo, à solvabilidade do financiado. Reflexo desta confiança está na contrapartida assumida pelo financiado de restituir o equivalente findo o prazo acordado para a duração do contrato. O compromisso de restituir um bem equivalente ao financiado decorrido certo lapso de tempo é sustentado com base nessa confiança62.
V. A possibilidade de, tanto pelo reporte como pelo empréstimo, se obter, com carácter instrumental, a propriedade sobre valores mobiliários, a fungibilidade do objecto contratual e o dever de restituição por mero equivalente por parte do reportado e do mutuário, são características típicas do contrato de reporte e do empréstimo que, constituindo seus traços essenciais, permitem a realização da função de financiamento63. Ambos os contratos exercem uma função de financiamento ou de concessão de crédito, recordando fielmente o “velho” mecanismo, crescentemente renovado, da alienação fiduciária em garantia. A rigidez do nosso sistema jurídico respeitante às garantias reais suscita, porém, dificuldades na configuração da garantia que assiste a cada uma destas operações: falta no nosso ordenamento jurídico uma garantia de direito comum que possa ter por objecto valores mobiliários e que permita a satisfação das exigências continuamente reveladas pelos mercados no sentido da substituibilidade dos valores mobiliários.
IV. Sínyese conclusiva
1. O estudo dos contratos de reporte e de empréstimo de valores mobiliários pressupõe a aplicação das seguintes fontes clássicas: para o reporte, os artigos 477.º a 479.º do Código Comercial; para o empréstimo, os artigos 394.º a 396.º deste mesmo Código e ainda os artigos 1142.º a 1151.º do Código Civil.
2. O conceito de “operação” é essencialmente técnico e juridicamente descomprometido. Não excluiu, contudo, a realidade contratual. Falar das operações de reporte e de empréstimo significa estar perante relações negociais complexas.
3. O Código dos Valores Mobiliários representa uma novidade ao prever a figura genérica e com autonomia bem individualizada do reporte sobre valores mobiliários e um avanço ao configurá-lo quer como operação fora de mercado, quer de mercado.
4. A qualificação do reporte e do empréstimo como operações de bolsa decorrente do artigo 252.º é inovadora e pressupõe a possibilidade de estes contratos virem a ser celebrados:
4.1. Através de um sistema de negociação a cargo de uma entidade gestora de mercado regulamentado (artigo 220.º);
4.2. Nos termos das cláusulas contratuais gerais elaboradas pela entidade gestora do mercado que padronizem o respectivo objecto, quantidade, prazo, periodicidade de ajustes de ganhos e perdas e modalidade de liquidação (artigo 257.º);
4.3. A assunção da posição de contraparte pela entidade gestora de mercado ou por outra entidade por ela aceite (artigo 259.º);
4.4. A prévia prestação de caução, pelos membros do mercado, a favor da contraparte salvo quando, em função da natureza da operação, a mesma seja dispensada (artigo 260.º).
5. O artigo 265.º do Código dos Valores Mobiliários regula as situações em que o encontro das propostas relativas à celebração do reporte ou do empréstimo se concluí directamente entre os interessados, fora do sistema informático de negociação, ainda que seja solicitada a uma entidade gestora de mercado a prestação de determinados serviços.
6. Os “serviços de gestão e de liquidação” de operações a prazo fora de bolsa (artigo 265.º) abrangem não só o registo e liquidação destas mas ainda por exemplo, a criação de um sistema de difusão de ofertas de valores.
7. Relevará analisar futuramente em que medida os serviços cuja prestação venha a ser concretamente proposta pelas entidades gestoras de mercados regulamentados relativamente a operações de reporte e de empréstimo de valores mobiliários são