Parecer: MPC/DRR/2483/2022 Processo: @DEN 22/80029310
Parecer: MPC/DRR/2483/2022 Processo: @DEN 22/80029310
Origem: Gabinete do Governador do Estado e outras
Supostas irregularidades referentes aos convênios e/ou
Assunto:
contratos que envolvam serviços de saneamento básico celebrados entre a Casan e os municípios de Santa Catarina após a publicação da Lei 14.026/2020
Número Unificado: MPC-SC 2.3/2022.2362
Trata-se de denúncia decorrente da conversão de procedimento apuratório preliminar oriundo de petição protocolizada pelos Srs. Xxxxxxxx xx Xxxxx, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, apontando possíveis irregularidades na assunção de compromissos, convênios e contratos realizados entre a Companhia de Águas de Santa Catarina – CASAN e os municípios de Rancho Queimado, Faxinal dos Guedes e Bom Jardim da Serra relativos ao novo Marco Legal de Saneamento, Lei n. 14.026/2020.
Após analisar a exordial e os documentos encaminhados, a diretoria técnica, sob o relatório de nº 401/2022 (fls. 32-40), manifestou-se pelo arquivamento dos autos ante o não atendimento do critério de seletividade.
O Relator, no entanto, divergiu da área técnica, decidindo mediante a Decisão Singular nº GAC/LRH 489/2022: a) converter o procedimento apuratório preliminar em representação; b) conhecer da representação; c) indeferir a cautelar pleiteada e; d) determinar o retorno dos autos à Diretoria Licitações e Contratações para que fossem adotadas providências, inclusive auditoria, inspeção ou diligências, que se fizessem necessárias à apuração dos fatos apontados como irregulares.
A medida cautelar foi ratificada pelo Tribunal Pleno (fl. 58).
Em seguida, através do relatório de nº 628/2022, a DLC realizou diligência à CASAN, solicitando:
3.1.1. Situação de todos os termos de Convênios/Contratos de Programa para todos os Municípios que a Casan opera, indicando as datas de vencimento dos
termos, inclusive aqueles que já foram prorrogados após o dia 15.07.2020 (vigência do novo marco legal), demonstrando a motivação da prorrogação; e
3.1.2. Embasamento jurídico e técnico que possam permitir a prorrogação de contratos de programa sob a égide do novo marco do saneamento básico.
Realizado o ato processual, a Unidade Gestora encaminhou esclarecimentos acompanhados de documentos (fls. 87-121).
Sob o relatório de nº 896/2022, a Diretoria de Licitações e Contratações reanalisou o caderno processual e considerou improcedente a presente denúncia, bem como sugeriu dar ciência do relatório e da decisão aos denunciantes, ao órgão de controle interno da CASAN e à sua Procuradoria Jurídica.
É o relatório.
1. Seletividade
Através da Resolução nº 165/2020, o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina instituiu o procedimento de seletividade, que alterou as regras procedimentais para análise dos expedientes1 recepcionados pela Corte com informações de irregularidades, visando assegurar maior eficiência e efetividade ao exercício do controle externo, priorizando os esforços em ações de maior impacto em termos sociais, financeiros e orçamentários.
De acordo com a referida norma, faz-se necessário o preenchimento de alguns requisitos prévios para análise da seletividade, quais
1 Art. 4º - Para os fins desta Resolução, entende-se por informação de irregularidade toda e
qualquer notícia de irregularidade, tais como:
I – denúncia: documento formal contendo comunicação de irregularidade ao TCE/SC, com necessário atendimento aos requisitos legais aplicáveis, em especial àqueles contidos no Regimento Interno do TCE/SC;
II – representação: documento formal subscrito por órgãos e agentes públicos legitimados a comunicarem a ocorrência de irregularidades ou apresentado por qualquer licitante, contratado, pessoa física ou jurídica, em face de irregularidades em licitações, contratos e instrumentos congêneres, sujeitos à fiscalização do TCE/SC, com necessário atendimento aos requisitos legais aplicáveis, em especial àqueles contidos no Regimento Interno do TCE/SC;
III – demanda de fiscalização: comunicação de irregularidade feita ao TCE/SC, por meio da Ouvidoria, do relator, do presidente ou dos órgãos de controle, que possa dar início à atividade de fiscalização e que não se caracterize como consulta, denúncia, representação ou qualquer das espécies processuais previstas no Regimento Interno do TCE/SC; e
IV – comunicado de irregularidade: dados contidos em qualquer meio, processados ou não, inclusive mediante divulgação na imprensa ou obtidos por atividades de inteligência, que possam dar início, de ofício, à atividade de fiscalização ou subsidiar a seleção de objetos de controle e o planejamento das ações de controle externo
sejam: competência do TCE/SC, referência a um objeto determinado e uma situação problema específica e, ainda, a existência de elementos de convicção razoáveis quanto a possíveis irregularidades.
Aliado a isso, editou-se também a Portaria nº TC-156/2021, a qual definiu os critérios e os pesos do procedimento de análise de seletividade, com indicadores dos critérios de relevância, risco, oportunidade e materialidade (art. 3º). Outrossim, previu-se a necessidade de considerar a gravidade, a urgência e a tendência (art. 5º).
Na análise inicial, ao aplicar as normas supracitadas aos presentes autos, a diretoria técnica entendeu que o processo não atendeu ao critério de seletividade constante da Resolução nº 0165/2020 por ter obtido 60 pontos no índice RROMa e 3 pontos na Matriz GUT.
O Relator, no entanto, diferentemente da área técnica, entendeu que foi atendido o critério de seletividade, razão pela qual o processo retornou à DLC para análise do mérito.
2. Mérito
Diante do novo marco legal do saneamento básico - Lei nº 14/026/2020 - e da manutenção do veto do Presidente, o qual extinguiu a possibilidade de novos contratos de programa pactuados entre os municípios e as empresas públicas de saneamento sem licitação, os denunciantes alegaram a ocorrência de supostas irregularidades nos contratos celebrados entre a CASAN e alguns municípios de Santa Catarina para prestação de serviços de água e esgoto após a publicação da referida Lei.
Alegaram que “o próprio sítio eletrônico da CASAN quer fazer crer que Santa Catarina teria um marco regulatório próprio do saneamento divorciado da determinação federal que exige prévio procedimento licitatório, ao elencar, a exemplo, novos convênios (sem a necessária e prévia licitação), nos Municípios de Rancho Queimado, Faxinal dos Guedes e Bom Jardim da Serra”.
Ao final pleitearam para que fosse determinado: a) a suspensão de todas as contratações e convênios realizados pela CASAN com o Municípios do
Estado que não tenham passado pela prévia licitação a contar da data do novo marco regulatório do saneamento básico nacional (15/07/2020); b) aos Municípios a abertura de processo licitatório; c) à CASAN para que garanta a continuidade do serviço público até o final dos certames licitatórios.
Consoante exposto pelo Relator, o Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020) tem como finalidade universalizar os serviços de saneamento, dispondo sobre as metas de atendimento de 99% de água potável para a população e 90% de coleta e tratamento de esgotos, até 31 de dezembro de 2033. Nesse intuito trouxe várias exigências e inovações, dentre as quais a vedação à continuidade de contratos de natureza precária sob a determinação de concessão dos serviços de saneamento mediante prévia licitação (art. 16 da referida norma).
A diretoria técnica, a seu turno, acrescentou que embora o art. 10 da Lei nº 14.026/2020 vede os instrumentos de natureza precária e determine a celebração de contratos de concessão mediante prévia licitação para a prestação de serviço público de saneamento básico, o art. 10-B2 estabelece que os contratos em vigor, incluídos aditivos e renovações, estarão condicionados à comprovação da capacidade econômico-financeira da contratada, por recursos próprios ou por contratação de dívida.
O Decreto Federal nº 10.710/20213, que regulamenta o art. 10-B da referida norma, estabelece a metodologia para a comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços públicos de abastecimento de água potável ou esgotamento sanitário que detenham contratos regulares em vigor, e as agências reguladoras (ANA – Agência Nacional de Água e Saneamento Básico) é que farão a avaliação dos prestadores dos referidos serviços, considerando as novas exigências.
2 Art. 10-B. Os contratos em vigor, incluídos aditivos e renovações, autorizados nos termos desta Lei, bem como aqueles provenientes de licitação para prestação ou concessão dos serviços públicos de saneamento básico, estarão condicionados à comprovação da capacidade econômico- financeira da contratada, por recursos próprios ou por contratação de dívida, com vistas a viabilizar a universalização dos serviços na área licitada até 31 de dezembro de 2033, nos termos do § 2º do art. 11-B desta Lei.
3 Art. 1º Este Decreto regulamenta o art. 10-B da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para estabelecer a metodologia para comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços públicos de abastecimento de água potável ou de esgotamento sanitário que detenham contratos regulares em vigor, com vistas a viabilizar o cumprimento das metas de universalização previstas no caput do art. 11-B da Lei nº 11.445, de 2007.
Em pesquisa realizada no sítio eletrônico da ANA4, o corpo técnico verificou que consta a relação dos prestadores de serviço que apresentaram requerimento de comprovação de capacidade econômico-financeira com a respectiva documentação, entre as quais consta a CASAN, com parecer favorável, inclusive quanto aos municípios de Rancho Queimado, Faxinal dos Guedes e Bom Jardim da Serra, destacados pelos denunciantes.
Ainda no referido endereço, a instrução técnica verificou que consta o parecer das agências reguladoras do Estado CISAM-SUL, ARESC, AGIR e ARIS, datado de 28/01/2022, com a avaliação econômico-financeira da CASAN e a aprovação dos serviços. A propósito destaca-se:
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O grupo de trabalho formado pelo Acordo de Cooperação Técnica firmado entre as agências ARESC, AGIR e ARIS, realizaram para esta primeira etapa dos trabalhos 02 reuniões técnicas, além de estudos e trabalhos em suas próprias sedes, com vistas a concluir esta primeira etapa da avaliação da capacidade econômico-financeira da CASAN de forma célere e objetiva.
Concluiu-se que, após discussões e análises técnicas, as medianas dos índices econômico financeiros calculados para os anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020 ATENDEM ao referencial mínimo previsto e exigido no Decreto Federal nº 10.710, de 31 de maio de 2021, ratificando, portanto, a conclusão obtida pela CASAN e seus auditores independentes. (Grifado) Ato contínuo, o parecer nº MT16487807999577013312 de elaboração conjunta entre a ARESC, AGIR e ARIS, assinado em 25/03/2022, da mesma forma aprova a prestadora de serviço na segunda etapa, conforme segue:
Após discussões, testes e análises realizadas em conjunto pelos reguladores ARESC, AGIR e ARIS, observou-se que os estudos de viabilidade e os planos de captação atendem ao exigido no Decreto Federal nº 10.710, de 31 de maio de 2021, ratificando a conclusão obtida pela CASAN e seus certificadores independentes.
Desta forma, e buscando atender ao definido em Lei Federal 11.445/2007, e também no Decreto que regulamenta o art. 10-B da mesma Lei, o Acordo de Cooperação Técnica – ACT firmado entre ARESC, AGIR e ARIS atesta que a Companhia Estadual de Águas e Saneamento – CASAN restou APROVADA pelo grupo técnico formado para este fim. (Grifado)
Para o corpo técnico, as agências reguladoras estaduais, assim como a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, vêm acompanhando as ações voltadas ao cumprimento da legislação vigente.
4 Endereço eletrônico: Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA)1 a relação dos prestadores de serviço que apresentaram cópia do protocolo do requerimento de comprovação de capacidade econômico-financeira com a respectiva documentação, entre as quais consta a CASAN Acesso em: 17/03/2023.
O Relator, com base em documentos acostados aos autos pelos denunciantes, evidenciou a existência de possível prorrogação pela CASAN da vigência de contratos já em vigor.
Quanto à possibilidade de extensão dos contratos em vigor e suas condições, o Relator registrou (fls. 46-47):
[...], há expressiva divergência na doutrina, especialmente porque a Lei n. 14.026/2020 é apresentada como um marco legal para a extinção do modelo contratual utilizado, buscando dessa forma ultimar os objetivos colimados na norma de universalização dos serviços através de novas contratações via licitação, com adequação às exigências e comprometimento de realização das metas voltadas ao saneamento básico.
Apenas a título exemplificativo destacam-se os excertos de artigos com posicionamentos divergentes publicados em revistas e periódicos sobre o tema. Veja-se:
- Contra a possibilidade de prorrogações:
A ilegalidade das prorrogações, inclusive as “de reequilíbrio”
6. Como se sabe, uma das formas de se reequilibrar contratos de concessão é por meio de prorrogações. Ao invés de se indenizar o concessionário ou de se atenuar os custos de investimentos ou ainda aumentar a tarifa, o poder concedente estenderia o prazo dos contratos. Todavia, essa solução, que é prestigiada pelo Ordenamento Jurídico brasileiro, encontra uma barreira explícita no caso dos contratos de programa.
(...)
7. Em primeiro lugar, não se pode atuar em desvio de finalidade (ou abuso de poder), a fim de promover a aplicação do inciso III do § 2º do art. 11-B do Novo Marco, com o intuito de transformar o “aditamento de contratos já licitados, incluindo eventual reequilíbrio econômico-financeiro” numa sobrevida a um contrato proibido em lei.
A interpretação do Novo Xxxxx deve-se dar a partir dele próprio, sobretudo em vista do parâmetro estatuído em seu artigo 1º. As normas explicam-se umas às outras, proibindo que o intérprete acrescente o significado de “prorrogação” à palavra “aditamento”.
Os contratos antigos, inclusive os de programa, devem ter o seu equilíbrio econômico-financeiro respeitado. Quanto a isso não pode haver qualquer dúvida. Todavia, isso não importa dizer que a solução de reequilíbrio possa ser contrária ao Novo Marco, reequilibrando-se o contrato de modo ilícito (seria o mesmo que, por exemplo, se pretendesse reequilibrar por meio da transferência dos bens públicos da infraestrutura da concessão).
Em suma, são contrárias ao princípio da legalidade as manobras hermenêuticas que porventura pretendam alongar contratos que não podem ter qualquer sobrevida: os de programa, eis que “não-licitados”. Por isso que o art. 11-B, § 2º, inc. III, faz referência ao reequilíbrio – e assim limita a sua validade – pela inclusão de metas só aos contratos “já licitados” (e assim veda aditamento a contratos “não-licitados”). O que se reforça com a lógica da Lei Complementar 95/1998: os incisos referem-se ao comando estampado no parágrafo, que trata de “Contratos firmados por meio de procedimentos licitatórios que possuam metas diversas (…)”. Ao definir, o preceito limita sua aplicação aos “já licitados” e exclui os “de programa” (“não-licitados”).
No caso do aditamento a contratos licitados, com vistas às metas preceituadas e/ ou reequilíbrios, a prorrogação está dentre as alternativas permitidas em lei, eis
- A favor da possibilidade de prorrogação:
5.1. Possibilidade de prorrogação como instrumento de reequilíbrio Primeiro, é cabível que o aditamento adote como medida de reequilíbrio a prorrogação do prazo do contrato de concessão em vigor.
A prorrogação dos contratos de concessão é comumente uma medida útil e vantajosa ao próprio poder concedente e aos usuários. Por meio da concessão de prazo adicional ao contrato, permite-se que haja tempo hábil para a amortização dos novos investimentos necessários ao atingimento das metas do Novo Marco.
Uma clara vantagem da prorrogação é a viabilização de investimentos sem o aumento de tarifas para os usuários e sem a redução ou exclusão de outros ônus que caibam ao concessionário e que eventualmente não podem ser simplesmente alterados. Prorrogações dotadas exatamente da mesma lógica têm sido adotadas no setor portuário. Diversos contratos de arrendamento portuário já foram prorrogados antecipadamente como medida necessária à viabilização de investimentos novos cuja necessidade foi identificada supervenientemente à celebração daquelas avenças. A solução foi positivada no art. 57 da lei 12.815 (lei de Portos), mas já era possível - e efetivamente aplicada
- antes².
Caberá, em cada caso concreto, definir se a prorrogação é a medida mais adequada de reequilíbrio e se ela eventualmente poderá ser adotada em conjunto com outras medidas de recomposição da equação econômico- financeira. Não é obrigatório que o reequilíbrio se restrinja a uma medida específica.
Conclusão: O aditamento aos contratos de concessão atuais de saneamento é uma medida útil à consecução das metas de universalização e de qualidade impostas pelo Novo Marco. Pode inclusive ser uma solução mais rápida e eficiente do que as demais. Essa possibilidade tem aplicação ampla. As cautelas cabíveis para a sua adoção são necessárias, mas não se deve ter uma intepretação restrita sobre o cabimento dessa solução. (Xxxxxx Xxxxxxxx Schwind, disponibilizado no periódico Migalhas).
Diante da importância da CASAN para a prestação dos serviços de água e esgoto em Santa Catarina, o Relator entendeu necessário avaliar as renovações de contrato, em especial as “extensões contratuais”, firmadas na necessidade de “reequilíbrio financeiro” que pretendem a renovação por períodos extensos, a fim de evitar prejuízos ao erário e à continuidade da prestação de serviços essenciais (saneamento básico e distribuição de água potável), ou criar dificuldades ao atingimento das metas implementadas pela legislação, especialmente o fomento do saneamento básico nos municípios catarinenses.
A diretoria técnica, ao analisar os exemplos trazidos pelo Relator, verificou que um dos casos aborda a hipótese da existência de uma concessão em
5 Endereço eletrônico: xxxxx://xxxxxx.xxxx.xx/xxxxx/xxxx-xxxxxxx/
curso em que haveria a necessidade de reequilíbrio, podendo, portanto, ser efetuado um aditamento de prazo visando o seu alcance.
Segundo o corpo técnico, a prorrogação contratual como forma de reequilíbrio financeiro é possível em determinadas situações, conforme entendimento manifestado pelo Tribunal de Contas nos Acórdãos nº 774/20166 e nº 738/20177 (ambos do Plenário).
Ainda sobre prorrogação contratual como forma de reequilíbrio, na instrução inicial os auditores trouxeram a seguinte explicação (fl. 68):
6 [...]
O art. 16 da Lei Federal n.º 14.026/2020, que acabou sendo vetado pela Presidência da República e não derrubado pelo Congresso Nacional, assim versava:
Art. 16. Os contratos de programa vigentes e as situações de fato de prestação dos serviços públicos de saneamento básico por empresa pública ou sociedade de economia mista, assim consideradas aquelas em que tal prestação ocorra sem a assinatura, a qualquer tempo, de contrato
9.2.4. a ampliação de prazo de vigência de arrendamentos portuários para fins de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato estaria adstrita aos casos em que seja possível promover a prorrogação ordinária e observado o limite temporal previsto contratualmente?
9.2.4.1. sim, a ampliação de vigência de arrendamentos portuários para fins de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro contratual deve observar as restrições contidas na legislação (art. 19 do Decreto 8.033/2013). E, ainda, por se tratar da forma mais gravosa de interferência no mercado regulado dos arrendamentos portuários, deve ser utilizada como meio de reequilíbrio apenas em situações excepcionais, quando demonstrada a inviabilidade de adoção de outros mecanismos que interfiram na relação entre o poder público e o regulado (e.g. alteração dos encargos devidos pelo arrendatário, estipulação de indenizações), e, subsequentemente, de mecanismos que interferiram nos serviços disponibilizados aos usuários (e.g. alteração de tarifas cobradas, modificação das obrigações contratuais), devendo, em todos os casos, estar devidamente motivada a decisão do administrador. (grifou-se)
79.3.7. abstenha-se de prorrogar contrato de concessão de serviço público sem demonstração, fundamentada, de que, com a solução adotada, será melhor atingido o interesse público, por meio da comparação com outras alternativas também apropriadas, em cumprimento aos princípios do interesse público, da motivação e da razoabilidade e aos arts. 57, I, da Lei 8.666/1993; 57, I, da Lei 8.666/1993; 20, II, “b”, da Lei 10.233/2001; 2º, II, “b”, do Decreto 4.130/2002; 2º e 50 da Lei 9.784/1999; e 10 § 1º, da Resolução ANTT 3.651/2011;
8 A CASAN atua nos municípios por meio de contratos de programas e também de convênios, que são os instrumentos legais firmados com as prefeituras municipais e concedem à Companhia o direito de prestar os serviços de gestão, operação e manutenção de sistemas de abastecimento de água, de coleta e de tratamento de esgoto. (grifou-se).
de programa, ou cuja vigência esteja expirada, poderão ser reconhecidas como contratos de programa e formalizadas ou renovados mediante acordo entre as partes, até 31 de março de 2022.
Parágrafo único. Os contratos reconhecidos e os renovados terão prazo máximo de vigência de 30 (trinta) anos e deverão conter, expressamente, sob pena de nulidade, as cláusulas essenciais previstas no art. 10-A e a comprovação prevista no art.10-B da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, sendo absolutamente vedada nova prorrogação ou adição de vigência contratual.
As razões do veto foram as seguintes:
A propositura legislativa, ao regularizar e reconhecer os contratos de programa, situações não formalizadas de prestação de serviços públicos de saneamento básico por empresa pública ou sociedade de economia mista, bem como possibilitar a prorrogação por 30 anos das atuais avenças, prolonga de forma demasiada a situação atual, de forma a postergar soluções para os impactos ambientais e de saúde pública decorrentes da falta de saneamento básico e da gestão inadequada da limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. Ademais, a proposta, além de limitar a livre iniciativa e a livre concorrência, está em descompasso com os objetivos do novo marco legal do saneamento básico que orienta a celebração de contratos de concessão, mediante prévia licitação, estimulando a competitividade da prestação desses serviços com eficiência e eficácia, o que por sua vez contribui para melhores resultados.
Acerca deste veto, extrai-se da mesma doutrina já citada pelo Exmo. Sr. Relator: Apesar de o veto não ter efeitos normativos, fato é que ele impediu o reconhecimento e a prorrogação dos contratos de programa anteriores ao Novo Marco. Quando menos, o seu efeito é proibir que a prorrogação de tais contratos seja, ao mesmo tempo, lícita e ilícita. A partir de 2020, tais contratos não atendem à legalidade – e apenas serão mantidos os ora em vigor devido à proteção constitucional ao ato jurídico perfeito.
Ou seja, haverá período de transição, quando os contratos de programa originais exaurirão os respectivos prazos e atingirão seu termo final. A partir de então, essa espécie contratual restará extinta. A constatação advém do princípio da legalidade.
Portanto, em primeira análise, caberia reequilíbrio a contratos já celebrados, advindos de licitação e não nos de programa ou convênio, conforme a Casan possui com os Municípios. E, mesmo se houvesse a prorrogação no sentindo de reequilíbrio, para evitar indenizações de ambas as partes, em contratos hígidos e não nestes em que a Casan possui atualmente, deveria ser feita a avaliação econômico-financeira da situação em cada município, para determinar qual o prazo seria dado para cada prorrogação. [grifei]
Somado a isso, ao analisar o pedido cautelar pleiteado pelos denunciantes a área técnica ponderou (fl. 70):
Mesmo se verificando a pertinência nos apontamentos dos Denunciantes, entende-se que não se pode simplesmente não renovar os contratos existentes, mesmo que irregulares à luz do novo marco legal do saneamento básico, pois os Municípios não possuem tempo hábil para a realização de estudos visando a análise de viabilidade econômico-financeira da nova concessão dos serviços de saneamento básico municipal. Nestes estudos, feitos com base no Decreto Federal n.º 10.710/2021, deveria ser abordada, entre outros aspectos, a
possibilidade de regionalização dos serviços, bem como avaliar se há algum passivo financeiro devido à Casan pelos investimentos realizados.
Além disso, sabe-se que a Casan presta serviços em municípios com características muito distintas, inclusive populacional, prestando serviços, por exemplo, em Florianópolis, com mais de 500.000 habitantes e vários municípios com menos de 5.000 habitantes que tendem, estes últimos, a serem deficitários
– uma concessão em um município deste pequeno porte não se sustenta financeiramente. Em função disto, a Casan pratica os “subsídios cruzados”, onde um município superavitário compensa deficitário(s).
Caso a Casan venha a perder os municípios superavitários, começa-se a inviabilizar a própria companhia, que deverá ser abastecida por recursos do Governo do Estado, em detrimento da aplicação destes recursos em outras áreas.
Então, antes mesmo da realização da uma licitação para os serviços de concessão de saneamento básico – na qual a própria Xxxxx poderia participar – haveria todos estes estudos prévios com inúmeras variáveis, conforme aqui exemplificadas.
Neste sentido, destaca-se o colocado no Decreto Federal n.º 10.588/2020, alterado pelo Decreto Federal n.º 11.030/2022:
[...]
Além desses prazos indicados no Decreto, ressalta-se que a população do Município não poderia ficar sem tais serviços, por serem essenciais
Diante da situação exposta acima, os auditores realizaram diligência junto à CASAN para que fosse demonstrada a situação de cada contrato que a Companhia possui com cada município, indicando a data de vencimento, se já houve a prorrogação após o dia 15/07/2020 e qual o motivo desta nova prorrogação.
Em resposta, a Unidade Gestora informou, incluindo a situação dos 3 (três) municípios citados na inicial, o que segue: i) os convênios mencionados na denúncia foram celebrados antes da vigência da Lei Federal nº 14.026/2020; ii) os instrumentos que regulam a prestação dos serviços foram aditados para a inclusão das metas de universalização da prestação de serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, nos termos do previsto no artigo 11-B, caput e § 1º, “d”, da Lei Federal nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, na redação da Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020 e; iii) nenhum dos três instrumentos que regem os serviços nos três Municípios elencados tiveram seu prazo prorrogado, como equivocadamente alegam os representantes.
Às fls. 97-115 foram acostados os Termos Aditivos celebrados pelos três Municípios mencionados na denúncia.
Em relação aos demais municípios do Estado em que a CASAN atua, a Unidade argumentou:
E assim o foi com os demais Municípios do Estado em que a CASAN atua, com exceção de 10 Municípios, que estavam com o prazo de vigência expirando até a data de 31 dezembro de 2023 (data limite para a CASAN manter-se na prestação em situações precárias – sem instrumento, em observância ao teor do inciso V, artigo 18, do Decreto n.º 10.7010/2021. Ou seja, trata-se de mera prorrogação para evitar a ausência de instrumento vigente no mencionado período estabelecido pela nova lei).
Às fls. 116-121 consta a listagem de todos os municípios atendidos pela Casan, com a indicação da situação, do modelo de gestão, da vigência, início e término do contrato.
Com base na referida listagem, o corpo técnico observou que não há qualquer município que teve o início do prazo contratual após a vigência da nova lei (15/07/2020).
Todavia, tanto a diretoria técnica quanto o Relator apontaram que merece maior discussão com todos os envolvidos, tais como Concessionárias Estaduais, Municípios, Agências Reguladoras, Tribunais de Contas e a própria população, por meio de suas entidades representativas, a questão da possibilidade ou não da prorrogação dos contratos que as concessionárias estaduais (incluindo a Casan) possuem com os municípios, visto que há posicionamentos contrários e a favor da prorrogação. Neste ponto merece destaque o seguinte trecho do relatório técnico (fl. 125):
Portanto, qualquer posicionamento a respeito da possibilidade ou não da prorrogação destes contratos aqui debatidos, bem como a continuidade da prestação destes serviços pela Casan, deverá ser feito após um amplo debate e estudos aprofundados.
Ainda, é preciso levar em consideração a questão da regionalização, determinada no art. 3º VI da Lei federal n.º 11.445/2007 (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020). De acordo com este dispositivo, coube aos Estados a estruturação dessas unidades, e foi assim que Santa Catarina procedeu a partir do Decreto n.º 1372, de 14.07.2021, que definiu a estrutura da prestação regionalizada dos serviços de saneamento no Estado.
A estrutura é composta pelas 11 (onze) regiões metropolitanas instituídas pela Lei Complementar n.º 495, de 26 de janeiro de 2010, e pela Lei Complementar n.º 636, de 9 de setembro de 2014, sob o regime de governança interfederativa, nos termos da Lei federal n.º 13.089, de 12 de janeiro de 2015, da Lei federal n.º 14.026, de 15 de julho de 2020, e do Decreto federal n.º 10.588, de 24 de
dezembro de 2020.
Essa regionalização, concebida com base no estatuto das metrópoles (Lei federal n.º 13.089), implica na adesão obrigatória dos municípios cuja prestação se configure como de interesse comum.
Porém, pendente está a operacionalização das 11 regiões metropolitanas, assim como a estrutura de governança.
[...]
No entanto, a estruturação dos estudos para integrar os procedimentos licitatórios depende da demonstração da capacidade econômico-financeira das regiões, o que também ainda não foi efetivado pelo Estado, assim como o plano regional de saneamento básico (art. 17 Lei federal n.º 14.026, de 2020).
[...]
Dessa forma, ainda que superada a questão suscitada pelo Representante, procurou-se observar que há uma série de fatores que precisam ser esclarecidos e de ações a serem efetivadas para que os objetivos do novo marco legal do setor do saneamento básico sejam, de fato, postos em prática.
Cumpre ao Estado de Santa Catarina, todavia, envidar esforços para cumprir os requisitos relativos à estruturação da regionalização, objetivo explícito da nova legislação
À vista do exposto e da documentação encaminhada pela Unidade Gestora, restou esclarecido que não houve prorrogação de prazos contratuais com os Municípios de Rancho Queimado, Faxinal dos Guedes e Bom Jardim da Serra, objeto da presente denúncia, sendo mantidos os prazos celebrados antes no novo marco legal de saneamento, datado de 15/07/2020.
Portanto, as argumentações trazidas inicialmente pelos denunciantes, de que houve prorrogação ilegal destes contratos, não merecem prosperar.
Todavia, entende-se que merece ser mais bem debatida a questão relacionada à prorrogação dos contratos que as concessionárias estaduais possuem com os diversos municípios em seus estados, incluindo a CASAN.
Assim, qualquer posicionamento a respeito da possibilidade ou não da prorrogação dos contratos aqui debatidos, bem como a continuidade da prestação destes serviços pela CASAN, deverá ser feito após um amplo debate e estudos aprofundados. Ademais, cabe ao Estado de Santa Catarina empenhar-se para cumprir os objetivos do novo marco legal do setor do saneamento básico.
Desta forma, entendo por adequado o encaminhamento sugerido pelo corpo técnico, acrescentando a necessidade de formulação de determinação à CASAN para que aprofunde os estudos acerca da possibilidade de prorrogação ou não dos contratos existentes.
Ante o exposto, o Ministério Público de Contas, com amparo na competência conferida pelo art. 108, incisos I e II, da Lei Complementar nº
202/2000, manifesta-se por acompanhar a conclusão exarada pela diretoria técnica, acrescentando a formulação de determinação à CASAN para que aprofunde os estudos acerca da possibilidade de prorrogação ou não dos contratos existentes.
Florianópolis, 20 de abril de 2023.
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Procurador de Contas