FEMM-FUNDAÇÃO EDUCACIONAL “MIGUEL MOFARREJ” FIO-FACULDADES INTEGRADAS DE OURINHOS
FEMM-FUNDAÇÃO EDUCACIONAL “XXXXXX XXXXXXXX” FIO-FACULDADES INTEGRADAS DE OURINHOS
XXXXXX XXXXXXX XX XXXX
A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E A SUPERAÇÃO DO DOGMA DA AUTONOMIA DA VONTADE
OURINHOS-SP 2017
A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E A SUPERAÇÃO DO DOGMA DA AUTONOMIA DA VONTADE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito das Faculdades Integradas de Ourinhos como pré-requisito para a obtenção do Título de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Me. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx
OURINHOS-SP 2017
A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E A SUPERAÇÃO DO DOGMA DA AUTONOMIA DA VONTADE
Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do Título de Bacharel em Direito, nas Faculdades Integradas de Ourinhos.
Ourinhos, 14 de Dezembro de 2017.
Prof. Mestre Xxxxxxx Xxxxxx Coordenador do Curso de Direito
BANCA EXAMINADORA
Prof. Me. Xxxxxxx Xxxxxx Professor Orientador Me. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx
Prof. Doutor Xxxxxxxx Xxxxxx Professor
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho primeiramente a Deus. À minha família e especialmente aos meus avós Xxxxxxxx e Xxxxxxxx “In Memorian”, que apesar de não estarem presente fisicamente, sei que estão apreciando esta conquista de onde estão.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus por mais essa etapa concluída. A minha família por todo apoio. Aos meus companheiros de trabalho, por toda compreensão durante a elaboração deste trabalho. A um grande amigo, Xxxxxx Xxxxxx que incentivou e possibilitou o início deste grande sonho. Por último, mas não menos importante, meus caros companheiros de sala: Xxx Xxxxxxxx, Xxxxxxxx, Xxxxx, Xxxx, Xxxxxxxxx, Xxxxx, Xxxxxxxxx, Xxxx, Xxxx, Xxxxxx e Xxxx pela amizade e companheirismo que construímos durante essa caminhada que levaremos por toda a vida. E claro, ao meu orientador Me. Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, por toda paciência despendida e ensinamentos.
A sociedade em constante evolução exigiu do direito várias mudanças ao decorrer dos séculos. Para acompanhar tal evolução, o direito contratual sofreu uma completa transformação, partindo de um liberalismo total, onde o Estado não interferia nas relações contratuais, já nos dias atuais o contrato sofre limitações impostas por sua função social, decorrente de direitos sociais, como o da dignidade da pessoa humana, resguardados pela atual Constituição Federal de 1988. No decorrer do trabalho foi analisada cada etapa do direito contratual, desde seu início até os tempos contemporâneos, quando começou sofrer a interferência estatal. O legislador ao elaborar o Código Civil de 2002, buscou harmonizar o princípio da autonomia da vontade com a função social do contrato previsto na Constituição de 1988, surgindo o aspecto de constitucionalização do direito civil. Diante dos fatos apresentados no presente trabalho, percebe-se a extrema importância da atuação do princípio da função social nos contratos e a intervenção estatal nas relações particulares, relativizando, desta forma, o princípio da força obrigacional dos contratos, com a finalidade de promover o bem social e o equilíbrio socioeconômico da sociedade contemporânea, evitando um retrocesso social ao capitalismo selvagem, onde as classes com maior poder econômico possam fazer prevalecer seus interesses sem respeitar os direitos fundamentais da coletividade previstos constitucionalmente. Portanto, não há o que se falar em completa mitigação do princípio da autonomia da vontade, mas sim em uma relativização, onde prevaleça o Estado Social de Direito com suas normas infraconstitucionais de acordo com a respectiva Constituição, resguardando os valores da pessoa humana.
Palavras Chave: Dirigismo Contratual; Função Social do Contrato; Neoconstitucionalismo.
The society in constant evolution demanded of the law several changes over the centuries. To follow up this evolution, contractual law underwent a complete transformation, starting from a total liberalism, where the State did not interfere in the contractual relations, until the present day, where the contract suffers limitations imposed by the social function of the contract, resulting from social rights as the dignity of the human person, protected by the current Federal Constitution of 1988. Each stage of contractual law was analyzed, from its beginning to the present times, when it began to suffer state interference. The legislator, in drafting the Civil Code of 2002, sought to harmonize the principle of autonomy of the will with the social function of the contract provided for in the 1988 Constitution, with the aspect of constitutionalisation of civil law. In view of the facts presented in the present study, one can see the extreme importance of the performance of the principle of social function in contracts and state intervention in private relations, thus relativizing the principle of the obligatory force of contracts, with the purpose of promoting the social welfare and the socioeconomic balance of contemporary society, avoiding a social retrogression to the wild capitalism, where the classes with greater economic power can make their interests prevail without respecting the fundamental rights of the collectivity provisionally foreseen. Therefore, it is not necessary to speak in complete mitigation of the principle of autonomy of the will, but rather in a relativization, where the Social State of Law prevails with its infraconstitutional norms according to the respective Constitution, safeguarding the values of the human person.
Keywords: Contractual Management; Neo-constitutionalism; Social Function of the Contract.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 08
2 BREVE HISTÓRICO DO DIREITO CONTRATUAL 10
2.1 No Mundo 10
2.2 No Brasil 15
3 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL 21
4 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO 26
5 CONCLUSÃO 35
REFERÊNCIAS 36
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo analisar o princípio da função social nos contratos e a superação do dogma da autonomia da vontade existente nos Códigos Civis anteriores ao Código Civil de 2002.
No segundo capítulo será analisado o surgimento do contrato no Brasil e no Mundo e seus reflexos na sociedade, desde o período do Iluminismo Francês no século XVII até os tempos contemporâneos.
No que se refere ao Brasil, serão apresentadas as codificações civis pelo qual passou desde a sua independência até os tempos atuais, passando pelo Código Civil de 1916, o qual tinha um aspecto patrimonialista e sua base era o Liberalismo, portanto, seu maior enfoque era regular a transmissão de propriedades entre os indivíduos.
Tal aspecto liberalista contribuiu para o surgimento de grandes diferenças socioeconômicas e deixou as classes com menor poder aquisitivo e refém das vontades daqueles que detinham o maior poder econômico. Desta forma, o contrato era utilizado como uma ferramenta de efetivação dos interesses da burguesia.
No terceiro capítulo será analisada a Constitucionalização do Direito Civil e a interpretação do Código Civil de 2002 de acordo com a Constituição Federal de 1988, respeitando os direitos fundamentais da pessoa humana, elencados e protegidos constitucionalmente, surgindo desta forma o fenômeno do neoconstitucionalismo.
Por conseguinte, no quarto capítulo será abordado o princípio da função social do contrato proveniente da característica intervencionista do Estado nas relações particulares, com o intuito de equilibrar as partes no negócio e evitar desequilíbrios econômicos gerados pelo capitalismo e pela globalização.
Também será analisado o princípio da autonomia da vontade presente nos contratos e sua relativização perante o princípio da função social, influenciado pelo dirigismo contratual, onde se busca preservar o bem coletivo por meio da intervenção do Estado.
Tais aspectos influenciam diretamente na sociedade e em sua economia. Desse modo, entender tais princípios e sua aplicação, desde os tempos antigos até a contemporaneidade, se faz mister para que não sejam cometidos os abusos que ocorreram na época do Liberalismo, onde a parte mais fraca ficava refém das
vontades das classes com maiores poderes econômicos e não se tinha uma proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana.
2 BREVE HISTÓRICO DO DIREITO CONTRATUAL
O Código Civil vigente, apesar de definir as figuras contratuais em espécie, não conceituou tecnicamente o termo “contrato”. No entanto, a doutrina é pacífica no tocante ao seu conceito, como assim o define Xxxxxx Xxxxxxx (2014, p. 19) “um ato jurídico bilateral, dependente de pelo menos duas declarações de vontade, cujo objetivo é a criação, a alteração ou até mesmo a extinção de direitos e deveres de conteúdo patrimonial”.
Diante desta definição de contratos supracitada, pode-se afirmar que o contrato também é um meio de efetivação do direito de propriedade, o qual regula a transmissão e circulação de bens e serviços atualmente, seja de modo oneroso ou gratuito.
Entre os contratos onerosos, podem-se citar contratos de compra, venda, contratos de serviços e demais que exigem uma contraprestação em troca, ou seja, obriga as duas partes. Já, nos contratos gratuitos, apenas uma parte é onerada, um exemplo de contrato gratuito é a doação, a qual somente o doador é onerado com o objeto de doação e o donatário recebe o bem sem precisar prestar uma contraprestação.
Segundo Xxxxx Xxxxxx Xxxxx (2013, p.49), mesmo que o doador imponha algum encargo ao donatário para que a doação seja efetivada, o que aparentemente pode nos levar a uma linha de raciocínio de contrato oneroso, pelo fato de impor uma espécie de contraprestação ao donatário, este ainda continua sendo um contrato gratuito, devido à manutenção do caráter liberal da vontade por parte do doador.
2.1 NO MUNDO
O surgimento dos meios contratuais se deu em virtude da evolução social e das necessidades sociais decorrentes desse progresso. Porém, não há como estabelecer uma origem específica do ato jurídico contratual, levando em consideração que cada sociedade contribuiu para a definição jurídica do contrato, destacando-se determinados eventos como o iluminismo francês, conforme evidenciado por Xxxxxxxx e Pamplona Filho (2015, p. 42):
Mas, sem dúvida, contribuição inegável seria dada pelo movimento iluminista francês, o qual, segundo uma escancarada vocação antropocêntrica, firmara a vontade racional do homem como o centro do universo, determinando, assim, uma super valorização da força normativa do contrato – levada ás suas últimas consequências pela consagração fervorosa do pacta sunt servanda.
Houve nesse período, a importância elevada da autonomia privada que colocavam em desigualdade as partes oriundas do negócio jurídico, ficando o credor sempre em posição hierárquica superior quanto ao devedor.
Essas características de supremacia do direito privado e menor interferência do Estado nas relações particulares se deram pelo movimento iluminista francês e, posteriormente, reforçado pela Revolução Francesa, de onde surge uma ideia de liberalismo como base para o Estado, desenvolvida entre os séculos XVII a XX, conforme descrito por Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxx (2014).
Retirando a interferência do governo sobre a economia, por meio de um Estado Liberal, a burguesia encontrava um meio de efetivar a supremacia de suas vontades nos negócios jurídicos, sob a justificativa que o mercado se autorregulava, não sendo necessária a intervenção do governo.
As limitações ao poder do soberano impostas pelo modelo de Estado Liberal são um ponto fundamental de sua natureza. Tais limitações constituem o objetivo primeiro do movimento que culminou no Estado Liberal, pois a corrente ideológica que ao fim prevaleceu no seio da Revolução Francesa3 objetivava a criação de um mercado autorregulado imune a interferências estatais de qualquer gênero (XXXXXX, 2014, p. 272).
Situação que permaneceu até o início do século XX, quando o contrato começou a se moldar à sociedade a qual era formada, surgindo então o Estado Social, pois com o crescimento da economia e a consequente evolução das empresas, houve uma grande reinvindicação por parte da massa trabalhadora, no tocante a seus direitos trabalhistas, previdenciários e sociais, conforme elenca Xxxxx Xxxxx (2016, p. 54):
Em outro momento, além da classificação dicotômica em ramo de direito público e de direito privado, a evolução do Estado liberal para o Estado social de direito faz surgir a necessidade de se reconhecer, ao lado da dicotomia, a categoria dos direitos sociais, cujas normas de direito do trabalho e de direito previdenciário expressam a manifestação de um Estado prestacionista, intervencionista e realizador da chamada justiça distributiva (esses novos direitos, chamados de segunda geração ou
dimensão, surgem, pela primeira vez, na Constituição brasileira de 1934), tendo como marco a Revolução Industrial.
Esses fatos foram de grande importância para a evolução do Direito no que tange aos contratos, refletindo seu resultado ainda na atualidade, onde é possível se identificar no princípio da igualdade formal entre as partes contratantes a aplicação da relativização do termo pacta sunt servanda1 nos casos onde a aplicação da regra cause evidente e manifesta injustiça, consequentemente, obedecendo também o princípio da dignidade humana.
Essa excessiva força da autonomia da vontade nos contratos existente à época do Liberalismo desfavorecia ainda mais as partes mais fracas, deixando-os reféns de um sistema onde quem vencia eram os mais fortes, ou seja, aqueles com maior potencial econômico e maior influência no meio em que as partes contratantes conviviam.
De acordo com Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx (2014, p. 17) já existia o instrumento denominado contrato no direito romano, porém este era apenas uma espécie do gênero convenção. O Código de Napoleão de 1804 foi à primeira codificação moderna, a qual elencou o contrato também como uma espécie do gênero convenção, assim como o fez o direito romano.
Posteriormente, foi promulgado o Código Civil alemão em 1900, responsável por classificar o contrato como sendo uma espécie de negócio jurídico, o qual apenas por si não tinha o pleno poder de transferir a propriedade, fundamento este utilizado em nosso Código Civil vigente, onde a força contratual é importante, mas não soberana a todos os fatos e ao bem comum, de acordo com Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx (2014, p. 17).
Com a constante evolução do capitalismo e dos mercados financeiros, eis que surge a necessidade de um novo modelo de contrato, os contratos de massa, muito utilizados atualmente, principalmente por empresas de telefonia móvel, instituições financeiras, destacando-se entre essas últimas, os bancos, onde não se permite a discussão e o ajuste do contrato pelas partes e que, automaticamente, entram em confronto com o princípio da autonomia da vontade.
Assim evidencia Xxxxxx Xxxxxxx (2014, p. 101):
1 Pacta Sunt Servanda: Termo derivado do latim, que significa: Os pactos assumidos devem ser respeitados.
Entretanto, a realidade jurídica e fática do mundo capitalista e pósmoderno não possibilitam mais a concepção estanque do contrato. O mundo globalizado, a livre concorrência, o domínio do crédito por grandes grupos econômicos e a manipulação dos meios de marketing geraram um grande impacto no Direito Contratual.
Surgiu, então, a necessidade de intervenção do Estado perante essas relações, para equilibrar o contrato e fazer com que o objetivo das partes seja atingido, desde que não sejam desrespeitados os direitos da coletividade, objetivando e priorizando o bem comum. Essa intervenção do Estado é chamado dirigismo contratual.
A economia de massa exige contratos impessoais e padronizados (contratos-tipo ou de massa), que não mais se coadunam com o princípio da autonomia da vontade. O Estado intervém, constantemente, na relação contratual privada, para assegurar a supremacia da ordem pública, relegando o individualismo a um plano secundário. Essa situação tem sugerido a existência de um dirigismo contratual, em certos setores que interessam a toda a coletividade. Pode-se afirmar que a força obrigatória dos contratos não se afere mais sob a ótica do dever moral de manutenção da palavra empenhada, mas da realização do bem comum (GONÇALVES, 2014, p. 18).
Esse dirigismo contratual surgiu com o intuito de relativizar a força de lei que os contratos têm, decorrente do princípio da força obrigatória dos contratos, que acabava por constranger as partes ao seu incondicional cumprimento, independente de quaisquer outros fatores que pudessem influenciar no negócio jurídico, restringindo a liberdade contratual entre as partes e o poder de discutirem sobre o contrato e o adequarem de forma equilibrada para ambos.
O princípio da força obrigatória dos contratos tem como fundamento “o que foi tratado, deve ser executado”, independentemente de qualquer fator, novo ou não, que possa intervir e recair sobre alguma das partes, conforme mostra Xxxxxx Xxxxxxx (2014, p. 100):
Decorrente do princípio da autonomia privada, a força obrigatória dos contratos prevê que tem força de lei o estipulado pelas partes na avença, constrangendo os contratantes ao cumprimento do conteúdo completo do negócio jurídico. Esse princípio importa em autêntica restrição da liberdade, que se tornou limitada para aqueles que contrataram a partir do momento em que vieram a formar o contrato consensualmente e dotados de vontade autônoma.
A força obrigatória dos contratos, princípio este tão importante quando analisamos os contratos historicamente, embora tenha sido relativizado no atual
Código Civil, era frequentemente utilizado nas codificações anteriores aos Códigos Francês e Alemão.
A ideia de um contrato com predominância da autonomia da vontade, em que as partes discutem livremente as suas condições em situação de igualdade, deve-se aos conceitos traçados para o contrato nos Códigos francês e alemão (GONÇALVES, 2014, p. 18).
A aplicabilidade do pacta sunt servanda era injusta do ponto de vista social, pois quem detinha melhores condições financeiras, econômicas ou até mesmo de influência na sociedade, conseguiam fazer prevalecer seus interesses sobre a parte contrária, menos favorecida.
Não eram permitidas discussões posteriores ao pacto e também não tinham a previsão da possibilidade de se ocorrer casos fortuitos ou de força maior durante a vigência dos contratos, o que dificultava ainda mais a implantação de um modelo de contrato justo e socialmente responsável, visando o bem coletivo.
Bastando somente a vontade das partes para a implantação dos contratos, este foi utilizado também como uma eficaz ferramenta de controle social, por levar as últimas consequências o seu cumprimento, deixando interesses da coletividade e o bem comum em segundo plano.
Isso não significa que atualmente, o contrato perdeu sua força de lei, porém foi relativizado com a finalidade de promover o bem social comum, segundo Xxxxxx Xxxxxxx (2014, p.101):
Dentro dessa realidade, o princípio da força obrigatória ou da obrigatoriedade das convenções continua previsto em nosso ordenamento jurídico, mas não mais como regra geral, como antes era concebido. A força obrigatória constitui exceção à regra geral da socialidade, secundária à função social do contrato, princípio que impera dentro da nova realidade do direito privado contemporâneo. Certo é, portanto, que o princípio da força obrigatória não tem mais encontrado a predominância e a prevalência que exercia no passado. O princípio em questão está, portanto, mitigado ou relativizado.
O autor também ressalta a importância do princípio da obrigatoriedade, sua relevância para manutenção da segurança jurídica e as consequências de sua completa mitigação, devido ao não cumprimento dos contratos, pois, desta forma, poderiam ser descumpridos sem um motivo razoável:
O princípio da obrigatoriedade não foi completamente extinto, mas sim relativizado ou mitigado em nosso atual Código Civil. Sua completa mitigação poderia trazer determinada insegurança jurídica, pois desta forma, os contratos poderiam ser descumpridos a qualquer hora e por qualquer motivo, o que não atenderia à constante busca da justiça que é almejada pelo Direito (TARTUCE, 2014, p.102).
Já, o referido princípio, mesmo que relativizado atualmente, dá plena segurança e condição para que as partes possam acordar, e assim ter a certeza de que terão seus objetivos concretizados, ou caso não se concretizem que não seja por má-fé da parte inadimplente, estimulando, desta forma, a economia, os negócios entre as partes, a circulação de riquezas, entre tantos outros benefícios essenciais à sociedade atual.
2.2 NO BRASIL
Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx (2001, p.85) considera que um ano depois de proclamada a Independência do Brasil, a Lei de 23 de Outubro de 1823 impôs que fosse continuada a vigência das legislações portuguesas, com a finalidade de se manter a continuidade e a ordem jurídica, até que um Novo Código fosse elaborado, para então substituir as legislações de Portugal.
Com a promulgação da Constituição Imperial de 1824 foi estabelecido que fosse criado um Novo Código Civil e um Novo Código Penal o quanto antes, e que fossem estes moldados em conformidade à necessidade brasileira da época, conforme evidenciado por Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx (2001, p. 85):
Proclamada a independência, logo no ano seguinte a lei de 23 de outubro de 1823 mandou que continuassem em vigor as Ordenações e demais legislações portuguesas, pela necessidade de se manter a continuidade da ordem jurídica, com a ressalva de que vigorariam até o momento em que fosse elaborado o Código. Promulgada a Constituição imperial de 1824, recomendou ela (art. 179, ns 18) que se organizasse quanto antes um Código Civil e um Criminal, que atendessem às necessidades brasileiras e se sujeitassem ao estado da ciência jurídica.
Em 1855 Xxxxxx xx Xxxxxx foi cotado para elaboração da codificação das Leis Civis, porém este indicou Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, responsável por elaborar a “Consolidação das Leis Civis”, esta foi aprovada e elogiada pelo atual governo, suprindo a lacuna deixada pela inexistência de um Código Civil no Brasil, conforme Sílvio de Salvo Venosa (2016, p.98).
Após elaborar a Consolidação as Xxxx Xxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx foi incumbido de elaborar o projeto de um Código Civil. O projeto era chamado de Esboço e era apresentado em partes, conforme a sua elaboração. Porém, ao verificar a necessidade de se rever o projeto, comunicou ao Governo, que lhe apressava para a finalização do projeto, causando determinada insatisfação. Diante deste impasse, Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx decide renunciar ao desafio que tinha aceitado, de acordo com Sílvio de Xxxxx Xxxxxx (2016, p. 98):
A Constituição de 25 de março de 1824 referira-se expressamente á organização de um Código Civil e Criminal (art. 179, XVIII). Uma vez feita a Consolidação, foi o próprio Xxxxxxxx xx Xxxxxxx encarregado de redigir o projeto. Esse jurista ofereceu um trabalho preparatório, denominado Esboço, que era publicado parcialmente, à medida que o elaborava. Foram publicados 1.702 artigos em 1865, enquanto posteriormente deveriam ser publicados 1.314 artigos, relativos aos direitos reais. O governo imperial começou a apressar a tarefa do jurista. Xxxxxxx envia uma carta ao Governo em que expõe a necessidade de rever o projeto. Como as reclamações prosseguissem, o autor renuncia à tarefa e ao encargo, em 1866.
Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx não se conformava com a ideia de um Código Civil que fosse subordinado ao Código Comercial de 1850, pois ele almejava um Código que abrangesse todo o direito privado (VENOSA, 2016, p.98).
Após a renúncia de Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, Xxxxxx xx Xxxxxx foi novamente cotado para assumir o projeto de codificação das Leis Civis, porém faleceu sem dar grande andamento ao processo. Posteriormente, indica-se o jurista Xxxxxxx Xxxxxxx xxx Xxxxxx, o qual teve seu projeto rejeitado em 1881 pela comissão a que foi submetida (VENOSA, 2016, p. 99).
Xxxxxxxx-se então, após a tentativa frustrada de Xxxxxxx Xxxxxxx xxx Xxxxxx, o jurista Xxxxxx Xxxxxxxxx que também teve seu projeto rejeitado pelo Governo. Em 1895 foi criada uma comissão para analisar qual dos projetos poderia servir de base para o Novo Código Civil. Autoriza-se então a contratação de um jurisconsulto, o escolhido foi Xxxxxx Xxxxxxxxx (VENOSA, 2016, p. 99).
Xxxxxx Xxxxxxxxx, jurista cearense e professor, optou por aproveitar ao máximo o projeto de Xxxxxx Xxxxxxxxx. Terminou o Código em seis meses e o enviou à Câmara dos Deputados. Em 1902 o projeto foi para o Senado, e, posteriormente retornando à Câmara, as Comissões da Câmara e do Senado aprovaram o Código Civil em dezembro de 1915, o qual foi sancionado e
promulgado em 01/01/1916, convertido na Lei nº 3.071/60 e que entraria em vigor em 01/01/1917, conforme Sílvio de Salvo Venosa (2016, p.100):
Só em 1912 concluiu o Senado sua tarefa e remeteu o Projeto à Câmara, com grande número de emendas. Tais emendas foram na maior parte de redação; apenas 186 modificaram a substância do Projeto (Espínola, 1977:20). Finalmente, não sem atravessas outro período de vicissitudes, as comissões reunidas da Cãmara e do Senado prepararam redação definitiva, sendo o Projeto aprovado em dezembro de 1915, sancionado e promulgado em 1º-1-16, convertendo-se na Lei nº 3.071/60, para entrar em vigor no dia 1º-1-17. Como vários de seus dispositivos haviam sido publicado com incorreções, o Congresso resolveu repará-las, o que foi feito com a Lei nº 3.725/17, que corrigiu principalmente a redação.
O Código Civil de 1916, apesar de eficiente na época em que fora criado, começou a não atender as necessidades da sociedade devido à sua constante evolução, conforme mostra Xxxxxx Xxxxxxx (2014, p. 75):
Nosso País trilhou esse mesmo caminho, com a promulgação do primeiro Código Civil, no ano de 1916, tendo como principal idealizador Clóvis Beviláqua. Não se pode negar que o Código anterior constitui uma grande obra técnica, tendo como conteúdo um texto extraordinário, de primeira qualidade. Todavia, esse Código há muito tempo se encontrava desatualizado, eis que inspirado na visão burguesa do Código Civil Francês de 1804. Nosso Código Civil anterior era, assim, uma lei individualista, patrimonialista e egoísta, não preocupada com os valores sociais e com os interesses da coletividade. Eis a principal crítica que se pode fazer à codificação anterior.
Segundo Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx (2016, p. 37), este referido Código Civil de 1916 era baseado nas relações essencialmente privadas, com enfoque ao direito de propriedade e na liberdade contratual. Isto significa que a base do Código Civil de 1916 tinha uma concepção patrimonialista, a qual serviu ao país durante alguns anos, mas com a evolução do Direito e da sociedade, não mais satisfazia plenamente as relações contratuais como também poderia causar manifesta injustiça, devido a esta sua concepção com que foi criada.
Surge-se, então, a necessidade de criar um novo Código Civil, para que assim pudesse ser interpretado com maior enfoque na Constituição Federal do Brasil de 1988, consequentemente cria-se o denominado Direito Civil Constitucional, tema que será abordado com maior profundidade e clareza no próximo capítulo.
Conforme Xxxxxx Xxxxxxx (2014, p. 74) elenca o Código Civil de 2002 foi criado para atender aos anseios de uma interpretação diferenciada em conjunto das outras normas preexistentes.
O Código Civil de 2002 foi elaborado por uma comissão de sete membros, coordenada por Xxxxxx Xxxxx, proposto em 1975, na Câmara dos Deputados, pelo presidente à época Xxxxxxx Xxxxxx, mantendo, sempre que houvesse possibilidade, o texto do código Civil de 1916, conforme demonstra o autor acima mencionado (2014, p. 76):
O atual Código Civil foi instituído pela Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, entrando em vigor após um ano de vacatio legis, para a maioria da doutrina, em 11 de janeiro de 2003. A novel codificação civil teve uma lo1nga tramitação no Congresso Nacional, com seu embrião no ano de 1975, ocasião em que o então Presidente da República Xxxxxxx Xxxxxx submeteu à apreciação da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 634-D, com base em trabalho elaborado por uma Comissão de sete membros, coordenada por Xxxxxx Xxxxx. Como se nota, portanto, o projeto legislativo surgiu no “ápice” da ditadura militar que imperava no Brasil. Assim, foi concebida a estrutura básica do projeto que gerou a nova codificação, com uma Parte Geral e cinco livros na Parte Especial, tendo sido convidado para cada uma delas um jurista de renome e notório saber, todos com as mesmas ideias gerais sobre as diretrizes a serem seguidas.
Os idealizadores tinham grande apreço pelo Código Civil de 1916, devido a sua tecnicidade, apesar de não satisfazer por completo as necessidades decorrentes da evolução da sociedade brasileira.
Ainda de acordo com o autor supracitado (2014, p.78), o intenso debate entre os juristas idealizadores do projeto aliado a vontade de preservar a maior quantidade de elementos possíveis do antigo código, os mesmos parâmetros e objetivos, resultou em um excelente, estruturado e técnico trabalho, utilizado atualmente. Este código permite ser interpretado não somente por si mesmo, mas também em consonância com as demais codificações.
O Código Civil de 2002 trouxe muitas inovações, como novas formas de se interpretar o direito, dando determinada subjetividade, realçando o poder discricionário que o juiz possui ao analisar o caso concreto.
O forte positivismo oriundo do Direito Romano foi deixado um pouco de lado, dando, desta forma, maior poder de análise e tomada de decisão fundamentada em normas genéricas ao agente aplicador do direito, conforme elenca Xxxxxx Xxxxxxx (2014, p. 82):
O Código Civil de 2002 se distancia do tecnicismo institucional advindo da experiência do Direito Romano, procurando, em vez de valorizar formalidades, reconhecer a participação dos valores éticos em todo o Direito Privado. Por isso muitas vezes se percebe a previsão de preceitos
genéricos e cláusulas gerais, sem a preocupação do encaixe perfeito entre normas e fatos.
É claro que o legislador ao elaborá-lo, deixou o excessivo rigor como segundo plano, atingindo seu objetivo de que suas lacunas poderiam ser complementadas e interpretadas por outras normas. Esta intenção do autor se deu devido ao princípio da operabilidade incorporado em sua elaboração, o que naturalmente norteia as relações contratuais contemporâneas, conforme Xxxxxx Xxxxxxx (2014, p. 87):
O Código Civil de 2002 segue tendência de facilitar a interpretação e a aplicação dos institutos nele previstos. Procurou-se assim eliminar as dúvidas que imperavam na codificação anterior, fundada em exagerado tecnicismo jurídico. Nesse ponto, visando à facilitação, a operabilidade é denotada com o intuito de simplicidade.
Segundo o autor supracitado (2014, p. 84), o princípio da operabilidade gerou muitas críticas por parte de alguns doutrinadores, pois contribui de forma a dar maior autonomia ao magistrado, dando margens para que possam ser criadas leis pelo aplicador do direito.
Ao elaborar o Código Civil de 2002 foi incorporado também o princípio da eticidade, o qual é composto essencialmente pela boa-fé, além da moral, ética, bons costumes. Estes itens devem prevalecer em todas as fases do contrato, desde o seu nascimento até a sua fase pós-contratual e a não observância destes preceitos acarreta em ato ilícito, conforme elencado mais uma vez por Xxxxxx Xxxxxxx (2014, p. 84):
O princípio da eticidade pode ser percebido pela leitura de vários dispositivos da atual codificação privada. Inicialmente, nota-se a valorização de condutas éticas, de boa-fé objetiva – aquela relacionada com a conduta de lealdade das partes negociais –, pelo conteúdo da norma do art. 113, segundo o qual “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Esse dispositivo repercute profundamente nos contratos, mantendo relação direta com o princípio da função social dos contratos e reconhecendo a função interpretativa da boa- fé objetiva.
No mesmo sentido, Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx reforça o poder de interpretação conferido ao magistrado pelo princípio da eticidade no Novo Código Civil de 2002, inclusive prevendo a possibilidade de resolução de um contrato que não observe o referido princípio da eticidade:
O princípio da eticidade funda-se no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores. Prioriza a equidade, a boa-fé, a justa causa e demais critérios éticos. Confere maior poder ao juiz para encontrar a solução mais justa ou equitativa. Nesse sentido, é posto o princípio do equilíbrio econômico dos contratos como base ética de todo o direito obrigacional. Reconhece-se, assim, a possibilidade de se resolver um contrato em virtude do advento de situações imprevisíveis, que inesperadamente venham alterar os dados do problema, tornando a posição de um dos contratantes excessivamente onerosa. (XXXXXXXXX, 2016, p. 41).
Não obstante, os princípios da operabilidade e eticidade supracitados, o princípio da socialidade ou função social do contrato também funcionou como um norteador na elaboração do Código Civil de 2002, de forma a preservar o interesse da coletividade em detrimento da concepção individualista que prevalecia no Código Civil de 1916, segundo Xxxxxxxx e Pamplona Filho (2016, p.79):
Já o Princípio da Socialidade surge em contraposição à ideologia individualista e patrimonialista do sistema de 1916. Por ele, busca-se preservar o sentido de coletividade, muitas vezes em detrimento de interesses individuais. Por isso, valores foram positivados no prestígio à função social do contrato (art. 421) e à natureza social da posse (art. 1.239 e s.).
Tal princípio foi uma inovação no Código Civil de 2002, consequentemente gerando reflexos no Direito Contratual. Todo contrato, quando firmado, pode refletir negativamente ou positivamente na sociedade a qual as partes estão inseridas. Desta forma, o legislador foi inovador em relação a sua pretensão de que os direitos da coletividade deveriam prevalecer sobre os interesses individuais das partes contratantes.
À medida que a sociedade brasileira foi evoluindo, foi indispensável que os legisladores elaborassem institutos capazes de frear a ganância e o individualismo. Neste caso, o princípio da função social do contrato obteve êxito ao exercer papel importante como ferramenta para evitar esse desenvolvimento desenfreado, cujo capitalismo contemporâneo incentiva.
3 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL
Podemos entender por Constituição, em seu conceito material, o conjunto de normas que regem uma determinada nação, estabelecendo diretrizes, regras gerais, competências entre seus entes, além da relação do poder público para com sua nação, conforme evidenciado pelo atual ministro do Supremo Tribunal Federal, Xxxxxx Xxxxxx em coautoria com Xxxxx Xxxxxx:
A Constituição será, assim, o conjunto de normas que instituem e fixam as competências dos principais órgãos do Estado, estabelecendo como serão dirigidos e por quem, além de disciplinar as interações e controles recípro cos entre tais órgãos. Compõem a Constituição também, sob esse ponto de vista, as normas que limitam a ação dos órgãos estatais, em benefício da preservação da esfera de autodeterminação dos indivíduos e grupos que se encontram sob a regência desse Estatuto Político. Essas normas garantem às pessoas uma posição fundamental ante o poder público (direitos fundamentais). (XXXXXX; BRANCO, 2015, p. 56).
Já em seu conceito formal, pode-se entender por Constituição enquanto um documento escrito, solene, elaborado pelo Poder Constituinte Originário, o qual visa positivar todas as normas jurídicas superiores que o Estado entende que devem servir de base para todas as outras normas posteriormente advindas, conforme evidencia os autores acima supracitados:
Outro modo de se conceituar a Constituição centra-se em um critério de forma, que também é devedor das postulações do constitucionalismo, no ponto em que enaltece os méritos da Constituição documentada, escrita como forma, não somente de melhor acesso aos seus comandos, como de estabilidade e racionalização do poder. A Constituição, em sentido formal, é o documento escrito e solene que positiva as normas jurídicas superiores da comunidade do Estado, elaboradas por um processo constituinte específico. (XXXXXX; BRANCO, 2015, p. 58).
Fica clara a importância de uma Constituição para a sociedade, visto que a mesma busca, em suma, garantir o mínimo de ordem e resguardo às leis, assim como também busca proteger e garantir os direitos fundamentais da sociedade, a qual foi instituída, além de organizar o Estado, seus entes e o relacionamento entre estes.
Desde há muito já existiam indícios do constitucionalismo por meio de documentos escritos, entre estes ganham destaque a Magna Carta de 1215, conforme cita Xxxxxx Xxxxxx:
Nesse período, surgiram vários documentos que continham normas de natureza constitucional, tais como a Magna Carta (1215), a Petição de Direito (1628) e a Lei do Habeas Corpus (1679). O principal deles foi a Magna Carta, editada na Inglaterra pelo rei Xxxx-Xxx-Xxxxx em favor dos senhores feudais e barões. Os barões e os senhores feudais estavam insatisfeitos com a política autoritária do rei. (FACHIN, 2015, p.36).
Ainda de acordo com Xxxxxx (2015, p.36), “a Magna Carta é uma fonte histórica das Constituições vigentes até hoje, uma espécie de símbolo das liberdades públicas e da limitação do poder dos governantes”.
Xxxxx Xxxxx (2016, p. 72) descreve indícios do constitucionalismo entre os hebreus na antiguidade, limitando o poder político, dando aos profetas o poder de fiscalização dos atos do governo. Posteriormente, no século V a.C. na forma de um poder político igualmente distribuído entre a sociedade.
O constitucionalismo moderno foi desenvolvido no ocidente, tendo como principal característica a legitimação do poder político com enfoque na manutenção e garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos. Desta forma, o Estado tem o poder de interferir nas relações privadas para que os direitos fundamentais dos que por ele são governados sejam efetivados. Neste sentido, escreve Xxxxxx Xxxxxx (2015, p. 36):
O constitucionalismo moderno, assim como a teoria do poder constituinte, é produto da cultura ocidental. Trata-se, portanto, de uma construção que caracteriza os valores cultivados pelo Ocidente. Carregado de intenso sentimento nacional, surgiu para legitimar o poder político e assegurar as liberdades fundamentais da pessoa humana.
De acordo com Xxxxx Xxxxx, o constitucionalismo adquiriu força com o tempo e também esteve presente na Idade Moderna, porém voltado à garantia de direitos individuais apenas para determinados indivíduos:
Na Idade Moderna, destacam-se: o Petition of Rights, de 1628; o Habeas Corpus Act, de 1679; o Bill of Rights, de 1689; e o Act of Settlement, de 1701. Nessa linha, além dos pactos, há o que a doutrina chamou de forais ou cartas de franquia, também voltados para a proteção dos direitos individuais. Diferenciam-se dos pactos por admitir a participação dos súditos no governo local (elemento político). Os pactos e forais ou cartas de franquia, documentos marcantes durante a Idade Média, buscavam resguardar direitos individuais. Alerta-se, contudo, que se tratava de direitos direcionados a determinados homens, e não sob a perspectiva da universalidade. (LENZA, 2016, p. 72).
Em uma visão contemporânea do Constitucionalismo, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx (2015, p. 29) assim o classifica: “Constitucionalismo significa, em essência, limitação do poder e supremacia da lei (Estado de direito, rule of the law, Rechtsstaat)” (sic). Diante deste conceito, o próprio poder do Estado ficaria condicionado e limitado por uma lei geral que seria esta última, a Constituição, impedindo que o poder do Estado sobre os particulares seja soberano. Isto significa que, ainda figura o aspecto de soberania do Estado, desde que o mesmo respeite os preceitos da Constituição, desta forma, afastando a antiga ideia de um constitucionalismo liberal.
Ainda sobre a visão contemporânea do constitucionalismo, Xxxxx Xxxxx reforça a ideia de uma Constituição com enfoque na garantia dos direitos fundamentais:
Partindo, então, da ideia de que todo Estado deva possuir uma Constituição, avança-se no sentido de que os textos constitucionais contêm regras de limitação ao poder autoritário e de prevalência dos direitos fundamentais, afastando-se a visão opressora do antigo regime. (LENZA, 2016, p. 71).
Após o constitucionalismo moderno, eis que surge o Neoconstitucionalismo, que passa a ser desenvolvido no século XXI. Sua principal característica é buscar não somente a limitação do poder político por meio da Constituição, mas também a garantia e a concretização dos direitos fundamentais dos indivíduos que estão sob sua jurisdição. Nesse sentido, ensina Xxxxx Xxxxx:
Visa-se, dentro dessa nova realidade, não mais apenas atrelar o constitucionalismo à ideia de limitação do poder político, mas, acima de tudo, busca-se a eficácia da Constituição, deixando o texto de ter um caráter meramente retórico e passando a ser mais efetivo, sobretudo diante da expectativa de concretização dos direitos fundamentais. (XXXXX, 2016, p.77).
Desta forma, ocorre uma transição para o Estado constitucional de direito, onde a Constituição é o centro do ordenamento, onde todas as leis infraconstitucionais devam observá-la e ir de acordo com seus valores, visando garantir os valores fundamentais da pessoa humana, sem fazer distinção entre os indivíduos.
De acordo com o autor supracitado, foram três os fatos determinantes que contribuíram para o surgimento do neoconstitucionalismo:
Conclui-se que “o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito”. (LENZA, 2016, p. 80).
Esse conjunto de fatores contribuiu de forma direta para a nova concepção de interpretação da constituição, denominado neoconstitucionalismo. A formação do Estado constitucional de direito no final do século XX, a centralização dos direitos fundamentais aliada a ética e as mudanças que concederam força normativa a Constituição de 1988 permitiram esta nova visão da constituição com enfoque nos direitos fundamentais da pessoa humana, assim como também o dever de observância das normas infraconstitucionais para com a Constituição de 1988.
Sendo a Constituição o centro de todo o atual sistema jurídico brasileiro, a constitucionalização do direito civil ou direito civil constitucional, é a interpretação acerca dos dispositivos localizados no Código Civil de 2002, baseada na aplicação de princípios advindos da própria Constituição Federal. A norma continua sendo de Direito Privado, porém sua interpretação deve ser em conformidade com a Lei Maior. Baseia-se no sentido de que, quando a legislação civil for incompatível com os princípios e fundamentos constitucionais, esta não deve ser recepcionada (caso seja anterior a Constituição Federal), ou considerada inconstitucional (se posterior a Constituição).
O Código Civil Brasileiro de 1916 tinha uma concepção patrimonialista e individualista, ocupando, assim, o centro das relações patrimoniais e do ordenamento jurídico, evidenciando e dando força a repleta autonomia de vontade. As primeiras Constituições não tratavam em seu conteúdo matérias relacionadas ao Direito Privado, o que tornava o Código Civil, a própria “Constituição” dessas relações, ou seja, a matéria tratada pelo Código Civil e a abordada pelo texto constitucional não tinham relação alguma, causando então, sérios desequilíbrios sociais, conforme demonstrado abaixo:
A elevação da autonomia privada, à categoria de dogma, calcada na mencionada visão antropocêntrica e patrimonialista, refletiu-se amplamente
em toda a concepção dos contratos, até o final do século XIX e início do seguinte. Essa tendência individualista, entretanto, acabaria por gerar sérios desequilíbrios sociais somente contornados pelo dirigismo contratual do século 20, reflexo dos movimentos sociais desencadeados na Europa Ocidenta, e que recolocariam o homem na sociedade, retirando-o do pedestal a que ascendera, após a derrocada do antigo regime, quando pretendeu assumir o lugar de Deus. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 42).
Ao entrar em vigor a Carta Magna abordando os temas que a princípio eram tratados somente pela legislação de âmbito privado, essa legislação passou a ser obrigatoriamente interpretada em conformidade com a Constituição Federal, dando relevância a alguns princípios fundamentais como a dignidade da pessoa humana, além da justiça distributiva, desenvolvimento da personalidade e do princípio de igualdade entre as partes contratantes.
A constitucionalização do Direito Civil deu ao Direito Privado uma nova personalidade, fazendo com que ele deixasse de ser o centro do ordenamento que norteava as relações particulares, para ser o espelho dos princípios em face da Constituição atualmente vigente, a qual deve atuar como direcionamento a todas as leis infraconstitucionais.
4 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
No período do Liberalismo, a força obrigacional nos contratos decorrente da não intervenção do Estado nas relações particulares favorecia a liberdade contratual, impedindo que houvesse um equilíbrio econômico nos negócios realizados. Neste sentido, destaca Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx (2017, p. 421), “A ideia-força do contrato, tal como o recebemos do passado e tal como sobreviveu no Código Civil de 1916, é o individualismo liberal”.
A concepção de um contrato justo era analisada sob a ótica da liberdade no momento de contratar, tendo como único pressuposto de validade que as partes estivessem livres quando firmassem o contrato. Neste mesmo sentido, destaca Xxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxx (2017, p. 15):
O Código Civil de 1916 tinha uma visão individualista do direito e era baseado nos dogmas do Estado Liberal clássico. O princípio da autonomia da vontade era o alicerce de sustentação do Estado Liberal. Nessa época, o paradigma era a liberdade. Daí o contrato era considerado justo, desde que firmado sob a égide da autonomia e liberdade das partes. O Estado Liberal não interferia no conteúdo dos contratos.
A supremacia do princípio da autonomia da vontade presente nos contratos, decorrente de um aspecto liberal das codificações anteriores passa então, a não atender mais às necessidades da sociedade contemporânea. A liberdade total no momento de contratar estava contribuindo em grande escala para os desníveis socioeconômicos e a noção de contrato justo começou a ser vista de um ponto de vista diferente, conforme cita Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxx (2017, p. 124):
A concepção fundada no individualismo jurídico, que possibilitou o desenvolvimento e a consolidação do capitalismo, provocou um cada vez maior desnível econômico entre os homens, concentrando-se, ainda mais, o poder econômico nas mãos de uns poucos afortunados. As relações contratuais entre a imensa massa dos economicamente débeis e o pequeno número dos economicamente poderosos não poderiam mais sustentar-se na ficção da igualdade entre os contratantes e ao Estado não mais poderia ser indiferente a sorte daqueles que, contratando, eram arrastados à miséria e ao desespêro. (sic).
Para que o contrato fosse considerado justo, não era mais suficiente apenas a livre vontade das partes, pois se observou que geralmente, a parte menos favorecida economicamente não exercia sua liberdade no momento de contratar,
sendo impossibilitado de manifestar sua vontade no negócio. Tais impossibilidades se davam devido a sua necessidade de contratar, não havendo outro recurso, senão aceitar o que lhe era imposto. Neste sentido, explica Xxxxx:
A liberdade de contratar é erigida em princípio fundamental do direito contratual, mas para o pobre é uma liberdade colocada ao lado da guilhotina, uma vez que não tem êle condição de impor a sua vontade, sendo obrigado a contratar sob o império da necessidade, para não morrer de fome. (SILVA, 2017, p. 124).
Diante desta problemática trazida pelo modernismo, surge a necessidade de intervenção estatal nos negócios particulares, com a finalidade de estabelecer o equilíbrio socioeconômico entre as partes contratantes e garantir a supremacia dos direitos fundamentais dos indivíduos nos negócios. Esse fenômeno é chamado de dirigismo contratual, como define o autor supracitado:
Entendemos por dirigismo contratual tôda e qualquer forma de intervenção estatal na vida dos contratos, quer sob a forma de intervenção legislativa, quer sob a de intervenção jurisprudencial, que vise a reformular os princípios tradicionais da doutrina contratual, tornando-os mais acordes com a socialização do direito moderno, que é seu aspecto mais marcante em nossos dias. (sic) (XXXXX, 2017, p. 127).
No Brasil, tal fato ocorreu a partir da criação da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), na qual o consumidor é colocado como parte hipossuficiente na relação de consumo, revestido de maiores proteções, tais como a inversão do ônus da prova previsto em seu artigo 6º, para que haja equilíbrio entre as partes. Neste sentido, esclarece Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxxxxx (2016, p. 241):
Percebeu-se, a partir disso, a necessidade de reforma da teoria contratual clássica, baseada puramente na autonomia da vontade, já inteiramente defasada diante do novo sistema constitucional. Assim é que o legislador nacional provocou um grande avanço com a criação da lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, e anos mais tarde – em 2002 – com a chegada do atual Código Civil em vigor, traçando novos pilares à teoria contratual.
Posteriormente ao Código de Defesa do Consumidor de 1990, veio o Código Civil de 2002, o qual reforçou a ideia de um Estado intervencionista sobre os negócios particulares, devido a sua nova interpretação em consonância com a
Constituição Federal de 1988, o chamado Direito Civil Constitucional, como já estudamos no capítulo anterior. Neste sentido esclarece o autor supracitado:
O Código Civil, influenciado pelo sucesso do microssistema instituído pela Lei n.º 8.078/90 e atendendo às premissas elencadas pela Constituição Federal, trouxe ao campo obrigacional princípios igualmente protetores da parte vulnerável, previstos no Código de Defesa do Consumidor. (XXXXXXXX, 2016, p. 250).
Desta forma, o dirigismo contratual foi incorporado em nossa legislação, a partir da Constituição Federal de 1988, quando tratou dos direitos fundamentais, refletindo nas leis posteriores, inclusive o Código Civil de 2002.
Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, o contrato que antes era visto como reflexo de desigualdade e plena autonomia passou a comportar institutos com a função social que limita a autonomia das partes, ficando elas impossibilitadas de celebrá-lo quando seu interesse se chocar com o interesse social, que deve prevalecer acima de tudo. Não se pode atender a determinadas vontades dos contratantes em detrimento ao meio social ao qual convivem.
No mesmo sentido, se faz mister abordar a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, os quais determinam a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares nas atividades que reflitam na sociedade, conforme elencado por Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx (2016, p. 43):
Tem-se observado um crescimento da teoria da eficácia horizontal (ou irradiante) dos direitos fundamentais, ou seja, da teoria da aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas, especialmente em face de atividades privadas que tenham certo “caráter público”, por exemplo, matrículas em escolas, clubes associativos, relações de trabalho etc. O entendimento é que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (eficácia horizontal imediata). Certamente essa eficácia horizontal ou irradiante traz uma nova visão da matéria, uma vez que as normas de proteção da pessoa, previstas na Constituição Federal, sempre foram tidas como dirigidas ao legislador e ao Estado (normas programáticas). Essa concepção não mais prevalece, pois a eficácia horizontal torna mais evidente e concreta a proteção da dignidade da pessoa humana e de outros valores constitucionais. (sic).
A partir do momento em que o Estado passou a intervir no âmbito econômico das relações sociais, o contrato passou a ter a sua função social, assim como determinadas especificações.
A ideia de pacificação do confronto de interesses das partes é considerada a função social do contrato mais destacada. Pode-se observar a intenção do legislador
expressa no artigo 421 do Código Civil de 2002: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social” e também no artigo 2.035, parágrafo único, deste mesmo código: “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os obedecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”.
Dentre os requisitos de cumprimento da função social estão o respeito à dignidade da pessoa humana, a consagração de uma cláusula explícita de boa-fé objetiva, o respeito ao valor social do trabalho e ao meio ambiente.
Diante da situação onde uma das partes contraentes tenta obter domínio da relação contratual em virtude do seu maior poder econômico, é manifesto o desrespeito à função social do contrato, aspecto que não pode ser considerado apenas como objeto de circulação de bens, mas o desenvolvimento social também é relevante para a sua definição.
Logo, diante da análise histórica da constitucionalização do direito civil e os reflexos no contrato, Xxxxxxxx e Pamplona Filho o definem da seguinte forma:
Portanto, á vista do exposto, poderíamos, sem prejuízo da definição supra apresentada, e já sob uma perspectiva mais estrutural, reconceituarmos o contrato, genericamente, como sendo um negócio jurídico bilateral, por meio do qual as partes, visando atingir determinados interesses patrimoniais, convergem as suas vontades, criando um dever jurídico principal (de dar, fazer ou não fazer), e, bem assim, deveres jurídicos anexos, decorrentes da boa-fé objetiva e do superior princípio da função social. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 52)
Com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 e do atual Código Civil, diversos princípios passaram a ser tutelados, gerando reflexos na liberdade das partes no contrato. No entanto, os direitos fundamentais passaram a ser tutelados a partir de sua função social. Isto não significa que a autonomia da vontade foi completamente mitigada pela efetivação destes direitos no contrato, mas sofrera uma determinada relativização para buscar um equilíbrio entre as partes e o meio com o qual estão inseridos. Nesse sentido, leciona Gagliano e Pamplona Filho em sua obra:
Com isso, repita-se, não se está pretendendo aniquilar os princípios da autonomia da vontade (ou autonomia privada) ou da pacta sunt servanda, mas, apenas temperá-los tornando-os mais vocacionados ao bem-estar comum, sem prejuízo do progresso patrimonial pretendido pelos contratantes. Como já diziam os antigos, em conhecido ditado, “nem tanto ao mar, nem tanto á terra”, ou seja, não pode ser considerado justo o
contrato que só contemple a manifestação de vontade da parte declarante, seguindo diretriz tipicamente liberal, impondo-se outrossim, a observância dos limites traçados pela própria ordem social, a fim de que a perseguição dos interesses das partes contratantes não esbarre em valores constitucionais superiores, condensados sinteticamente no princípio da dignidade humana. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 84).
Quando mencionada a função social do contrato, não se refere à ideia de socializar, compartilhar os bens privados, mas de subordiná-los a determinadas políticas públicas e sociais indispensáveis ao desenvolvimento e evolução do ser humano como pessoa, carente de necessidades básicas como a dignidade da pessoa humana, ou seja, o contrato é também um meio de desenvolvimento social.
Essa função social é extremamente importante para o desenvolvimento da atual sociedade. Sem essa função, maiores são as possibilidades dos indivíduos cometerem injustiças, abusos de poderes, entre outras injustiças sociais que nada colaboram para o desenvolvimento de uma sociedade justa e saudável, do ponto de vista econômico e social.
Com a globalização, ficou mais evidenciada ainda a importância do contrato respeitar essas determinadas funções, visto a ganância pelos bens materiais do ser humano, que se tornou mais nítida e a facilidade atual de se contratar com qualquer pessoa, de qualquer canto do planeta.
O desenvolvimento social, sendo este responsável e controlado, auxilia diretamente na vida do ser humano, uma vez que define limites para se contratar, sempre protegendo o bem comum, seja esta uma área de preservação ambiental, valores morais, éticos ou religiosos. Sem essa função, o contrato seria apenas uma forma de transmissão de bens, de pactuar obrigações, de fazer ou não fazer, sem observar os requisitos mínimos da dignidade da pessoa humana devidamente estipulada na Carta Magna.
Os autores supracitados, em sua obra, destacam perfeitamente a importância do contrato para o desenvolvimento social:
Sem o contrato, a economia e a sociedade se estagnariam por completo, fazendo com que retornássemos a estágios menos evoluídos da civilização humana. Ocorre que todo desenvolvimento deve ser sustentado, racionalizado e equilibrado. Por isso, ao concebermos a figura do contrato – quer seja o firmado entre particulares, quer seja o pactuado com a própria Administração Pública – não poderíamos desloca-lo da conjuntura social que lhe dá ambiência. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 83).
Fica nítido nesta passagem que caso não houvesse a figura do contrato, o homem retrocederia toda sua evolução conquistada por ele até o momento, onde prevaleceria o desejo do mais forte e de quem detenha o maior poder econômico, causando demasiadas injustiças e desequilibrando completamente o modelo de sociedade atual, desrespeitando completamente nossa Constituição e criando um vasto mundo jurídico de incertezas.
Portanto, não é exagero dizer que o contrato é indispensável ao homem e o meio a qual convive, pois se trata de uma ferramenta de suma importância para a implantação de políticas públicas e sociais. Um exemplo de relativização do pacta sunt servanda atualmente seria no Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º:
São direitos básicos do consumidor: V – A modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão dos fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
Ao elaborar esta norma, é evidente a preocupação do legislador referente à relativização das normas contratuais. Em alguns ramos do direito, fica ainda mais nítida a relativização que serve como ferramenta para equilibrar o contrato, deixando as partes em situação de igualdade, cumprindo assim sua função social, respeitando o princípio da isonomia entre as partes, onde não existe uma parte mais fraca e a outra mais forte, ambas estão na mesma altura e devem proceder conforme o contrato, porém respeitando determinadas normas e garantias e principalmente mantendo a dignidade da pessoa humana das partes.
Xxxxxxxx e Pamplona Filho ainda dizem o seguinte sobre a função social do contrato:
De fato, os princípios vetores de uma ordem econômica sustentada e equilibrada, em que haja respeito ao direito do consumidor, ao meio ambiente e, como já observamos, à própria função social da propriedade, todos eles, reunidos e interligados, dão sustentação constitucional à função social do contrato. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 89).
Os autores evidenciam que a função social do contrato é efetivada quando há a reunião de diversos fatores, entre estes é importante destacar a função social da propriedade e a dignidade da pessoa humana, pois sem estes elementos não há o que se falar em função social. No mesmo sentido, Tartuce leciona:
Fica claro que a função social do contrato é matéria de ordem pública, espécie do gênero função social da propriedade lato sensu, também com proteção constitucional, particularmente mais forte que a proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. Assim, não se pode afastar a aplicação da regra contida no art. 2035, parágrafo único, do Código Civil. (TARTUCE, 2017, p.89).
Para que essa função social seja cumprida são necessários que sejam efetivamente respeitados os preceitos estipulados na Carta Magna, para somente depois partir para uma visão mais particular do contrato, passando a figurar o princípio da autonomia da vontade.
O legislador, ao elaborar o Código, atuou com preocupação à função social do contrato, tanto que conseguiu prever alguns defeitos do negócio jurídico, dois dos quais podemos citar é a lesão e o estado de perigo, ambos refletem no contrato. Isto almeja evitar que uma das partes contratantes obtenha vantagem excessiva em detrimento da outra hipossuficiente, conforme nos mostra a obra de Xxxxxxxx e Pamplona Filho:
Na mesma linha de intelecção, entremostrando ainda mais a nítida preocupação socializante do novo Código, cuidou-se ainda de se disciplinar dois outros defeitos do negócio jurídico, intimamente conectados a ideia de solidarismo social: a lesão e o estado de perigo, que também tem reflexo na seara contratual. De fato, ao prever essas duas espécies de vício, pretendeu-se amparar um dos contraentes da esperteza ou ganância do outro, resguardando-se, assim, o propósito maior de se impedir, a todo custo, o abuso de direito. Pode-se conceituar a lesão como sendo o prejuízo resultante da desproporção existente entre as prestações de um determinado negócio jurídico, em face do abuso da inexperiência, necessidade econômica ou leviandade de um dos declarantes. Traduz, muitas vezes, o abuso de poder econômico de uma das partes, em detrimento de outra, hipossuficiente na relação jurídica. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 93).
Resta clara a preocupação do legislador em evitar onerações excessivas e desproporcionais, principalmente para a parte hipossuficiente, que no caso é a mais fraca da relação contratual. Esse é um exemplo da função social do contrato, a qual trata as partes de maneiras iguais, evitando consequentemente um enriquecimento ilícito e abusivo de uma parte em detrimento de outrem.
Um contrato contemporâneo que impede a discussão da parte hipossuficiente, por exemplo, são os contratos de adesão. Geralmente, esses contratos fornecem produtos ou serviços básicos indispensáveis ao nosso cotidiano, porém, exigem garantias, juros e condições absurdas, coagindo o consumidor e forçando-o a aceitar as condições impostas, sob pena de ficar sem o bem ou a
prestação de serviço almejado. Isto ocorre na maioria das vezes por falta de outro fornecedor ou prestador de serviços, ou até mesmo por formação de cartel. Dentre os serviços indispensáveis podem-se destacar instituições financeiras e serviços básicos como internet, televisão a cabo, serviços de telefonia, entre outras inúmeras modalidades essenciais, conforme evidencia o autor supracitado:
Os anos se passaram, mas algumas práticas abusivas persistiram com novas tonalidades a matizes. Hoje, não mais os coronéis de outrora, mas grandes indústrias, empresas e instituições financeiras, muitas delas formando cartéis, lançam no mercado produtos e serviços, alguns de primeira necessidade, os quais são adquiridos por consumidores de todas as idades, sem que possam discutir os termos do negócio que celebram, os juros que são estipulados e as garantias que lhe exigem. Vivemos a era da contratação em massa, em que o contrato de adesão é o maior veículo de circulação de riquezas, e, paradoxalmente, o mais eficaz instrumento de opressão econômica que o Direito Contratual já criou. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 94).
Esta é uma prática corriqueira atualmente, fruto da evolução da sociedade atual e o acompanhamento contratual destas evoluções. Não se pode dizer que em regra o contrato de adesão desrespeita a sua função social, mas limita a autonomia da parte adversa em discutir o contrato e ajustá-lo conforme suas necessidades, evitando assim determinado abuso por parte do credor. Esta é uma prática comum atualmente por ser prático, pois não precisa ser editado, ajustado e negociado a cada negócio realizado, apenas troca-se o nome de quem está contratando e seus dados pessoais. As cláusulas continuam exatamente as mesmas, as taxas e eventualmente alteram-se as formas de pagamento. Situação que deixa a parte hipossuficiente da relação refém da situação, pois ou ela aceita os termos do contrato ou fica sem o serviço que lhe é necessário.
É notório o favorecimento deste tipo de contrato às grandes empresas detentoras de grande poder econômico, visto a frequência de sua prática, contratos estes que em sua maioria inibem o consumidor de reclamar por seus direitos, dificultando o acesso à justiça e levando-o a crer que não tem outra opção, senão consentir e arcar com as enormes taxas que lhe são impostas, conforme evidenciado abaixo:
Vivemos a era da contratação em massa, em que o contrato de adesão é o maior veículo de circulação de riquezas, e, paradoxalmente, o mais eficaz instrumento de opressão econômica que o Direito Contratual já criou. Todo este processo, agravado pela eclosão das duas grandes guerras mundiais e, posteriormente, pela própria globalização, levou o Estado a intervir na
economia, editando leis que combatessem a usura, a eliminação da concorrência e a própria lesão nos contratos. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 94).
Diante de toda evolução a qual a sociedade passou ao longo dos séculos, o Direito passou a intervir nas relações individuais, com ênfase nos contratos a partir destes fatos históricos, uma vez que ficou mais acentuada a usura, o enriquecimento ilícito e o abuso principalmente das partes que detinham o maior poder, em detrimento de outros menos favorecidos financeiramente. Esta intervenção tem como principal intuito evitar esses abusos praticados ao longo da história dos contratos. Apesar de não conseguir prever todas as práticas, pode-se afirmar que a função social do contrato conseguiu intervir com sucesso nas relações negociais, sem afastar completamente o princípio da autonomia da vontade.
5 CONCLUSÃO
Diante do trabalho apresentado, pode-se entrar em um consenso sobre a fundamental importância do princípio da função social do contrato de regular e igualar as partes, sem que uma se sobressaia injustamente sobre a outra, evitando uma espécie de selvageria capitalista, onde a lei que prevalece é a do mais forte. Desta forma, o princípio da autonomia da vontade sofreu uma relativização, não mais prevalecendo sobre tudo e todos, pois o contrato tem que respeitar as normas de bem estar social, protegidas constitucionalmente.
A função social do contrato revelou-se essencial e indispensável para o bem estar da sociedade contemporânea e o equilíbrio das partes nos negócios. Sem a característica intervencionista do Estado nos contratos estaríamos retrocedendo toda a evolução histórica, em completo desrespeito ao hipossuficiente, onde quem detiver maior poder econômico, sempre vencerá.
Com o Neoconstitucionalismo foi reforçada a ideia de proteção dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente, intensificando o poder intervencionista do Estado nas relações particulares para garantir a efetivação e preservação dos direitos fundamentais da coletividade, conforme a Constituição Federal de 1988 determina.
A ganância do homem por dinheiro, movido pelo capitalismo selvagem, impede que a sociedade tenha um desenvolvimento socioeconômico justo para todos, sem desrespeitar os direitos coletivos. Diante deste aspecto da sociedade atual, não há outra forma de se regular a sociedade senão a intervenção do Estado em favor dos hipossuficientes nas relações privadas, garantindo a igualdade entre as partes e com a finalidade de evitar que os interesses dos mais afortunados financeiramente prevaleça em detrimento dos direitos individuais da parte mais fraca economicamente.
Diante desta análise, compreende-se que se faz mister a intervenção estatal nos negócios particulares por meio do princípio da função social do contrato para a garantia dos direitos fundamentais. Cumpre ressaltar que o princípio da autonomia não perdeu sua força contratual, porém deve observar determinados preceitos impostos pela Carta Magna.
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