CONTRATO Nº 049/2022
Fundação Instituto de Administração
Consultorias
Produto 3: Relatório contendo a avaliação econômico-financeira e jurídica dos arranjos analisados.
CONTRATO Nº 049/2022
Contratação de serviços técnicos especializados para suporte ao planejamento estratégico e reestruturação funcional e organizacional do DAEV (Departamento de Águas e Esgotos de Valinhos), incluindo a elaboração de Estudos Técnicos e Econômico-Financeiros para a estruturação de novos modelos de negócios, revisão da estrutura tarifária, avaliação econômico-financeira do DAEV e proposição de novos arranjos contratuais e suporte técnico para sua implementação, visando a melhoria dos serviços prestados aos usuários dos serviços de água e esgoto do município e ampliação necessária para a universalização da cobertura destes serviços para o município de Valinhos.
FUNDAÇÃO INSTITUTO DE ADMINISTRAÇÃO (FIA)
Data 16 de outubro de 2022.
Versão: 01
SUMÁRIO
Introdução 4
Regulação do setor de saneamento básico 9
Distribuição de competências 10
Serviços de Saneamento Básico 11
Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico 12
Parcerias público-privadas (lato sensu) no setor de saneamento básico 15
Concessões comuns 16
Concessões patrocinadas e administrativas (parcerias público-privadas em sentido estrito)
23
Empresas estatais 26
Análise comparativa 33
econômico-financeira 33
Jurídico-institucional 39
Identificação de players e competências 43
Departamento de Águas e Esgotos de Valinhos – DAEV 44
SANASA 44
Agência Reguladora dos Serviços de Saneamento das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – ARES-PCJ 45
ANA 46
Impactos do Novo Marco Regulatório sobre o desenho jurídico-institucional da prestação dos serviços públicos de saneamento no Município de Valinhos 47
Irregularidade do instrumento de prestação do serviço de esgotamento sanitário 48
Incorporação das metas do Novo Marco Regulatório 50
Impactos do modelo proposto sobre o desenho jurídico-institucional da prestação do serviços públicos no Município de Valinhos 51
Constituição de sociedade de economia mista pelo Município de Valinhos 52
Revisão do TAC e Extinção do Convênio de Cooperação Técnica 53
Conclusão 55
INTRODUÇÃO
Os recursos públicos precisam ser administrados com competência e bom senso, sendo assim, um projeto deve ser elaborado atendendo fatores qualitativos (benefícios proporcionados para a população) e quantitativos (uso adequado das finanças dos órgãos governamentais).
Nesse cenário, a avaliação dos arranjos contratuais apresenta grande relevância, pois se trata de uma metodologia que utiliza critérios objetivos e técnicos, propiciando à administração pública condições de decidir adequadamente qual o modelo contratual a ser adotado para o desenvolvimento de um projeto.
Para chegar na avaliação dos arranjos contratuais, devem ser realizadas análises financeiras e jurídicas para projetar os impactos no orçamento da Administração Pública com os modelos analisados para a realização do projeto. Além disso, deverão ser verificados os riscos da transferência das responsabilidades da Administração Pública na prestação direta dos serviços públicos por meio de contrato de parceria público-privada (lato sensu).
Dessa forma, para chegar à avaliação dos arranjos contratuais, é necessário verificar os aspectos relevantes de cada modelo de contratação, dentre os quais, são citados:
● alocação ótima de recursos;
● velocidade de implantação;
● viabilidade da competição;
● sustentação dos mecanismos de pagamentos;
● manutenção de padrões de qualidade;
● transferência de riscos;
● disponibilidade do serviço ao Poder Concedente e cidadãos; e
● reversão dos ativos constituídos ao final dos contratos.
Ao se avaliar um portfólio de projetos sob esses aspectos, para que seja coerente e exequível e que proporcione ao Ente Público as capacidades necessárias ao atingimento sustentável das necessidades dos cidadãos, é essencial que sejam estruturadas propostas de obtenção de capacidades operacionais, ou seja, criação de habilidade(s) para alcançar os efeitos desejados, sob padrões e condições específicas, pela combinação de recursos e maneiras de executar conjuntos de tarefas.
A base comum do planejamento explicita que as lacunas de capacidades operacionais (capability) identificadas na elaboração do planejamento estratégico do Ente Público, uma vez organizadas e priorizadas, devem ser objeto de programas e respectivos projetos de obtenção de capacidade específicos.
Em um ambiente de multiprojetos, como no caso do Município de Valinhos, as decisões referentes a projetos devem ser baseadas em um modelo estruturado de:
i. concepção, submissão e análise de projetos/capacidades;
ii. decisão, priorização e monitoramento de projetos/capacidades; e
iii. decisão dos correspondentes processos de seleção (realizar ou não licitação) e contratação (celebrar ou não os contratos) de fornecedores e de gestão dos respectivos contratos, até a entrada em operação da respectiva capacidade operacional.
A relação com as diretrizes estratégicas, sob a ótica da indicação das lacunas de capacidade identificadas no planejamento que pretende atender o mapa de desejos do Ente Público, deve compreender:
i. eventuais dependências com outros processos de obtenção de capacidades operacionais, propostos ou em andamento;
ii. a capacidade do município para a implantação do projeto, com possível demonstração de necessidades de adequação e capacitação;
iii. disponibilidade de recursos financeiros, humanos e materiais necessários ao projeto, inclusive para sua modelagem.;
iv. possíveis alternativas de implantação, como articulação com outros projetos em andamento ou propostos, a fim de facilitar a organização do portfólio de programas e projetos do município;
v. os riscos e os fatores críticos de implantação nas suas diversas fases (acompanhados de eventuais medidas de mitigação), o detalhamento e a profundidade dos fatores críticos mapeados devem ser apresentados de forma genérica, de acordo com os tipos de projeto, podendo ser aprofundados especificamente no planejamento de cada projeto na etapa de obtenção de capacidade de acordo com a relevância acordada;
vi. os prazos ou o lead time das grandes atividades de execução inicialmente avaliados até que a capacidade projetada seja obtida pelo município;
vii. a composição da equipe de projeto que deverá conduzi-lo nas etapas seguintes de modelagem até sua execução/implantação;
viii. a necessidade de auxílio externo ao município para a realização da modelagem do projeto; e
ix. outros elementos relevantes à obtenção da capacidade pelo município.
Ou seja, as análises técnicas, operacionais, econômico-financeira, regulatórias, ambientais e sociais são necessárias para estabelecer os limites de factibilidade dos projetos e, a partir daí, para estabelecer quais são os possíveis contornos para determinar a proporção viável de investimentos a serem realizados, de forma direta ou indireta, para que o portfólio do Ente Público seja sempre o mais viável e factível. A figura abaixo apresenta, de forma simplificada, quais são os principais contornos que determinam a forma de estruturar os projetos, no que é factível.
Figura 1 – Esquema de decisão de estruturação de projetos de parceria público-privada
Os cenários estruturados sempre dependerão da definição, projeto a projeto, das componentes de:
● Riscos (de operação, de construção, comerciais, de financiamento, entre outros). É mais vantajoso que os riscos, ou parte deles, sejam alocados ao Parceiro Público ou que sejam transferidos ao Parceiro Privado? Quais riscos que devem ser transferidos?
● Escopo. Qual escopo de atividades deve ser alocado ao Parceiro Público, qual deve ser executado por contratados e executados sob risco e responsabilidade do Parceiro Público, e qual deve ser executado/operado por Parceiros Privados, sob seu risco e responsabilidade?
● Arranjo. Avaliar os possíveis arranjos contratuais ou modelos de negócio, com o objetivo de gerir as restrições e as possibilidades de alocação de escopo e de riscos.
Os filtros e critérios que subsidiarão o modelo de decisão dependerão da melhor alocação dos recursos (materiais, financeiros e humanos), impacto financeiro (melhor relação de investimento e retorno ao Ente Público) e factibilidade da execução nos prazos determinados.
Destaca-se que, para decisão da proporção factível de investimentos sob responsabilidade e risco exclusivo do Ente Público, deverão ser consideradas as opções possíveis e as premissas de capacidade financeira do Ente Público.
Em relação às opções de arranjos contratuais, que podem ser avaliados do ponto de vista de formas de financiamento (alavancagem e encargos financeiros), deverá ser avaliado o impacto desses modelos como resultado econômico-financeiro, sendo destacados os arranjos tradicionais de:
i. Execução direta;
ii. Execução indireta (empreitas tradicionais, contratações integradas e semi-integradas);
iii. Locação de Ativos;
iv. Concessões: plena administrativas e patrocinadas;
v. Empresa pública, etc. vi.
A avaliação dos arranjos possíveis ou combinações é realizada, em um primeiro momento, a partir de variáveis exógenas (regulatórias, contratuais e sociais), buscando identificar os atributos de cada um dos modelos de negócio. Após essa definição, são consideradas também as restrições impostas pelas variáveis endógenas, que são ligadas à capacidade de aporte de recursos e a restrições técnico-operacionais.
Com base nas limitações ou possibilidades apresentadas, a composição de possíveis portfólios de projetos para obtenção de capacidades devem ser vistas como as atividades ou atribuições necessárias para atingir metas em determinados períodos, ou seja, as combinações entre projetos e plano de capacidades deverão ser utilizadas no processo de planejamento e decisão sobre o portfólio a ser implementado.
A premissa base do portfólio é buscar estabelecer um plano de execução que contemple o máximo de investimentos, utilizando o mínimo de recursos (materiais, humanos e financeiros) próprios.
Dentre os benefícios da abordagem proposta, resultam-se os seguintes:
i. planejamento do atendimento das metas estabelecidas pelo Ente Público de forma precisa, com clara indicação, com razoável antecedência, da forma de obtenção da respectiva capacidade operacional;
ii. elencar e determinar os projetos prioritários;
iii. determinar a priorização dos projetos considerando as bases econômico-financeiras;
iv. determinar a elaboração e/ou ajuste de projetos de engenharia a serem conduzidos;
v. indicar bases precisas de investimento para a elaboração de um plano de captação de recursos abrangente e fundamentado, considerando as opções, buscando minimizar os custos de médio e longo prazo, o atendimento das restrições atuais e futuras, etc.
Para que o planejamento dos projetos de obtenção das capacidades seja efetivo, é necessário estabelecer as estratégias de seleção e de contratação, que terão seus objetivos atingidos através das seguintes ações:
i. assegurar que o resultado da contratação colabore com a obtenção da respectiva capacidade operacional;
ii. minimizar o tempo do processo de obtenção, em conformidade com as leis e os regulamentos, o senso comum e as práticas de mercado adequadas;
iii. alocar os recursos (humanos, materiais e financeiros) corretos durante o processo de aquisição;
iv. contribuir com o melhor entendimento do mercado provedor, reduzindo a assimetria de informação; e
v. permitir que a obtenção da capacidade chegue a um bom termo no que diz respeito ao melhor uso dos recursos públicos.
Adicionalmente, as estratégias de seleção e de contratação devem levar em consideração:
i. o contexto e as características principais da capacidade a ser obtida;
ii. os principais conflitos de escolha envolvidos (tempo, orçamento, caráter competitivo, necessidade operacional, estipulação de requisitos sensíveis, ajustes de conduta etc.); e
iii. as principais atividades concretas a serem desempenhadas, bem como o plano de mitigação de riscos envolvidos na obtenção da capacidade, até que o processo se
encerre com a celebração do(s) contrato(s) suficiente(s) e necessário(s) para que se obtenham as capacidades necessárias.
Importante ressaltar que se sugere a adoção de critérios que representem ou sejam assemelhados aos seguintes:
● Alinhamento com diretrizes superiores. O primeiro e mais importante critério de seleção e priorização dos projetos de obtenção de capacidades de grande vulto consiste em seu alinhamento com as diretrizes superiores do Novo Marco Regulatório do Saneamento, do Poder Executivo e da Prefeitura do Município de Valinhos.
● Consistência da alternativa. O critério de consistência interna do projeto é elemento de apoio adicional à decisão, contudo, será natural que os projetos mais consistentes e que, por essa razão, demandam menor esforço de modelagem.
● Viabilidade financeira do portfólio. O portfólio de programas e projetos de obtenção de capacidades deve ser analisado tendo em vista a viabilidade de sua execução conforme a realidade orçamentária da Prefeitura do Município de Valinhos e/ou do Departamento de Águas e Esgotos de Valinhos (“DAEV”).
Desta forma, as seguintes seções apresentam as conclusões dos estudos preliminares da modelagem jurídica, abarcando aspectos normativos, regulatórios, institucionais e contratuais referentes à prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e tratamento de esgotos sanitários, bem como outros aspectos considerados relevantes.
REGULAÇÃO DO SETOR DE SANEAMENTO BÁSICO
Para a análise adequada do modelo de prestação dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto sanitário no Município de Valinhos, faz-se necessária a compreensão da regulação do setor de saneamento básico e das normas referentes à participação da iniciativa privada na prestação de serviços públicos.
Dessa forma, os tópicos abaixo expõem (i) a distribuição de competências entre os entes federativos acerca dos serviços de saneamento básico; e (ii) a definição desses serviços e de suas modalidades. Adicionalmente, aborda-se também (iii) os principais aspectos da Lei Federal nº 14.026, de 15 de julho de 2020 (“Lei nº 14.026/2020”), que alterou a Lei Federal nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007 (“Lei nº 11.445/2007”) e atualizou o marco legal do saneamento, ficando conhecida como o Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico (aqui referido também apenas como “Novo Marco Regulatório”).
Distribuição de competências
Enquanto serviços de interesse local, cabe aos Municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de saneamento básico, bem como legislar sobre o tema, nos termos da Constituição Federal1. Tratam-se de serviços de titularidade dos Municípios, o que os torna competentes por escolher o modelo de prestação e organização de tais serviços.
A Constituição Federal admite a formação de consórcios públicos e convênios de cooperação para a gestão associada de tais serviços e a transferência (total ou parcial) de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos2, sem que isso implique a alteração da titularidade dos serviços (que permanece sendo dos Municípios).
Há, ainda, a possibilidade de que os Estados instituam regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum3. Nesse caso, pelo fato de o serviço deixar de ter abrangência exclusivamente local, a titularidade passa a ser exercida pelo Estado conjuntamente com os Municípios.
Além disso, também de acordo com o pacto federativo constante da Constituição Federal, cabe:
(i) à União instituir diretrizes para o desenvolvimento do saneamento básico4; e (ii) em conjunto, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, promover programas de melhoria das condições de saneamento básico5.
No exercício de sua competência, a União editou a Lei nº 11.445/2007 e estabeleceu, por meio dessa, as diretrizes nacionais para o saneamento básico, exploradas ao longo deste relatório.
A nível infraconstitucional, portanto, a Lei nº 11.445/2007 também admite expressamente o exercício da titularidade dos serviços de saneamento na hipótese de interesse comum, por meio da instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. Nesse sentido, a titularidade desses serviços pode ser exercida: (i) pelos Municípios e pelo Distrito Federal, no caso de interesse local; (ii) pelo Estado, em conjunto com os Municípios, no caso de interesse
1 Constituição Federal, art. 30, I e V.
2 Constituição Federal, art. 241.
3 Constituição Federal, art. 25, § 3º.
4 Constituição Federal, art. 21, XX.
5 Constituição Federal, art. 23, IX.
comum; (iii) por consórcio público ou conjunto de entes reunidos por convênio de cooperação, no caso de gestão associada6.
De acordo com o Supremo Tribunal Federal (“STF”), a integração municipal do serviço de saneamento básico pode ocorrer voluntariamente, por meio de gestão associada, na forma convênios de cooperação ou consórcios públicos, ou compulsoriamente, no caso de determinação por lei complementar estadual. No entanto, mesmo no caso de integração de estruturas regionais, a autonomia municipal não é esvaziada7.
Serviços de Saneamento Básico
Os serviços de saneamento básico são regulados pela Lei nº 11.445/2007. Esta define o saneamento básico como o conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas8. Seguindo essa concepção, os serviços de saneamento básico são subdivididos em: (i) abastecimento de água potável; (ii) esgotamento sanitário; (iii) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; e (iv) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.
Extrai-se da referida norma o conceito individualizado de cada um desses serviços da seguinte forma:
(i) O abastecimento de água potável é constituído pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e seus instrumentos de medição;
(ii) O esgotamento sanitário é constituído pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais necessárias à coleta, ao transporte, ao tratamento e à disposição final adequados dos esgotos sanitários,
6 Lei nº 11.445/2007, art. 8º, I, II e § 1º.
7 STF, ADI 1842, Min. Rel. Xxxx Xxx, Min. Rel. p/ Xxxxxxx: Xxxxxx Xxxxxx, Tribunal Pleno, julgado em 06/03/2013, DJe-181, DIVULG 13-09-2013, EMENT VOL-02701-01, PP-00001. No mesmo caso, referindo-se à criação de regiões metropolitanas, o STF registrou que “o estabelecimento de região metropolitana não significa simples transferência de competências para o estado”, uma vez que o interesse comum é mais amplo do que a soma de cada interesse local envolvido. Diante disso, haveria a necessidade de se evitar a concentração do poder decisório e do poder concedente nas mãos de um único ente, a fim de se preservar o autogoverno e a autoadministração dos municípios.
8 Lei nº 11.445/2007, art. 3º, I.
desde as ligações prediais até sua destinação final para produção de água de reuso ou seu lançamento de forma adequada no meio ambiente;
(iii) A limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos são constituídos pelas atividades e pela disponibilização e manutenção de infraestruturas e instalações operacionais de coleta, varrição manual e mecanizada, asseio e conservação urbana, transporte, transbordo, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos domiciliares e dos resíduos de limpeza urbana; e
(iv) A drenagem e o manejo das águas pluviais urbanas são constituídos pelas atividades, pela infraestrutura e pelas instalações operacionais de drenagem de águas pluviais, transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas, contempladas a limpeza e a fiscalização preventiva das redes.
Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico
Instituído pela Lei nº 14.026/2020, o Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico alterou, entre outras, a Lei nº 11.445/2007 e impôs nova ordem para a prestação dos serviços públicos de saneamento, fundada na busca pela prestação efetiva e eficiente, pela universalização e pelo aumento da qualidade de tais serviços, bem como na proteção do meio ambiente.
Entre outras intervenções, o Novo Xxxxx Xxxxxxxxxxx estabeleceu (i) data limite para o atendimento de 99% da população com acesso à água potável e de 90% da população com coleta e tratamento do esgoto até 31 de dezembro de 20339; (ii) condicionantes de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria nos processos de tratamento de água e esgoto; (iii) novas atribuições à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (“ANA”); (iv) comandos para a regionalização dos serviços; (v) estímulos à concorrência e à competitividade; e (vi) a regularização e a formalização dos instrumentos contratuais.
A seguir, são descritas as principais alterações do Novo Marco Regulatório que devem ser observadas para a definição do modelo de prestação dos serviços de saneamento básico.
Novas atribuições da ANA
9 Lei nº 11.445/2007, art. 11-B, caput e § 1º.
Sob o Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, a ANA possui o papel de editar normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico, as quais deverão dispor sobre, entre outros temas afetos: (i) padronização dos instrumentos negociais de prestação de serviços públicos de saneamento básico firmados entre o titular do serviço público e o delegatário; (ii) metodologia do cálculo das indenizações devidas em razão dos investimentos realizados e não amortizados ou depreciados; (iii) governança das entidades reguladoras; e (iv) conteúdo mínimo dos contratos de concessão para a prestação universalizada e para a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços de saneamento10.
No exercício dessas competências, a ANA deverá avaliar as melhores práticas regulatórias do setor, realizar consultas e audiências públicas e reunir grupos de trabalho com a participação das entidades reguladoras, fiscalizadoras e representativas municipais11.
Regionalização
Como apontado, uma das premissas do Novo Marco Regulatório do Saneamento é a regionalização da prestação dos serviços de saneamento básico, materializada por meio de estímulos para a adoção de estruturas de gestão associada ou prestação regionalizada, preservada a autonomia dos entes federativos titulares desses serviços.
A gestão associada consiste na associação voluntária entre os entes, por meio de consórcios públicos e convênios de cooperação. A prestação regionalizada, por sua vez, visa a gerar ganhos de escala e viabilizar os investimentos necessários à universalização dos serviços, traduzindo- se na prestação integrada em regiões que abrangem mais de um Município, estruturada por meio de: (i) região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião, instituída por lei complementar estadual e formada por Municípios limítrofes, (ii) unidade regional de saneamento básico, instituída por lei ordinária estadual e formada Municípios não necessariamente limítrofes, e (iii) bloco de referência, formado também por Municípios não necessariamente limítrofes e instituído por lei federal, de forma subsidiária aos Estados.
Regularização e formalização de instrumentos contratuais
No que diz respeito aos instrumentos contratuais de prestação dos serviços de saneamento, o Novo Marco Regulatório veda o uso de contratos de programa e instrumentos de natureza
10 Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000 (“Lei nº 9.984/2000”), art. 4º-A.
11 Lei nº 9.984/2000, art. 4º-A. § 4º.
precária, o que inclui convênios e termos de parceria, por exemplo, e determina o uso de contratos de concessão sempre que os serviços forem prestados por entidade que não integre a administração do titular.
Assim, os contratos provisórios não formalizados e os vigentes prorrogados em desconformidade com os regramentos estabelecidos no Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico passam a ser considerados irregulares e precários12.
Avançando sobre o tema, o Novo Marco Regulatório ampliou o conteúdo mínimo dos contratos de concessão. Em adição àquelas previstas pela Lei Federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 (“Lei nº 8.987/1995”)13, tornaram-se cláusulas essenciais dos contratos de concessão dos serviços de saneamento básico aquelas que disponham sobre14:
(i) metas de expansão dos serviços, de redução de perdas na distribuição de água tratada, de qualidade na prestação dos serviços, de eficiência e de uso racional da água, da energia e de outros recursos naturais, do reuso de efluentes sanitários e do aproveitamento de águas de chuva;
(ii) possíveis fontes de receitas alternativas, complementares ou acessórias, bem como as provenientes de projetos associados, com possibilidade de as receitas serem compartilhadas entre o contratante e o contratado, se aplicável;
(iii) metodologia de cálculo de eventual indenização relativa aos bens reversíveis não amortizados por ocasião da extinção do contrato; e
(iv) repartição de riscos entre as partes, incluindo os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária.
Além disso, é ainda o comando do Novo Xxxxx Xxxxxxxxxxx que os contratos de prestação dos serviços públicos de saneamento básico, inclusive aqueles já vigentes quando da publicação da Lei nº 14.026/2020, contenham metas de universalização do acesso à água potável, da coleta e do tratamento do esgoto.
12 Lei nº 11.445/2007, art. 11-B, § 8º.
13 Lei nº 8.987/1995, art. 23.
14 Lei nº 8.987/1995, art. 10-A.
PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS (LATO SENSU) NO SETOR DE SANEAMENTO BÁSICO
A Constituição Federal admite que os serviços públicos sejam prestados direta ou indiretamente pelo Poder Público15, disposição constante também da Lei Orgânica do Município de Valinhos16. Na prestação direta, a prestação pode se dar pela administração centralizada ou descentralizada, sendo mais comum a descentralização, por meio de autarquias e empresas estatais. Na prestação indireta, os serviços públicos são prestados por agentes privados mediante delegação do Poder Público, a qual deve ser sempre precedida de licitação.
Não obstante essa distinção tradicional, há diferentes formas de participação da iniciativa privada na prestação de serviços públicos. Não há, portanto, um modelo contratual único nem uma estrutura jurídico-institucional estanque para a participação da iniciativa privada na prestação de serviços públicos.
Em sentido amplo, as “parcerias público-privadas” compreendem qualquer mecanismo de relação entre o Poder Público e a iniciativa privada em que haja (i) combinação de recursos e expertise e (ii) compartilhamento de riscos e responsabilidades17, incluindo, mas não se limitando a, contratos de concessão comum, contratos de concessão patrocinada ou administrativa (parcerias público-privadas em sentido estrito, conforme denominação dada pela Lei Federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 – “Lei nº 11.079/2004”) e formas de associação societária.
No setor de saneamento básico, a participação da iniciativa privada por meio de mecanismos como esses, seja a nível global18 ou nacional, não é novidade e tende a se intensificar nos próximos anos no cenário pátrio em decorrência da edição do Novo Xxxxx Xxxxxxxxxxx, tendo em vista a ordem de grandeza dos investimentos necessários para se atingir as metas de universalização. Segundo estudos da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (“ABCON SINDCON”), em 2021, houve o maior
15 Constituição Federal, art. 175, caput.
16 Lei Orgânica do Município de Valinhos, art. 105, caput.
17 É a definição adotada pelo Public-Private Partnership Legal Resource Center (departamento especializado em participações público-privadas do Banco Mundial): “Public-private partnerships (PPPs) are a mechanism for government to procure and implement public infrastructure and/or services using the resources and expertise of the private sector. (…) PPPs combine the skills and resources of both the public and private sectors through sharing of risks and responsibilities. This enables governments to benefit from the expertise of the private sector, and allows them to focus instead on policy, planning and regulation by delegating day-to-day operations”. Disponível em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx/xxxxxx-xxxxxxx-xxxxxxxxxxx/xxxxx-xxxxxx-xxxxxxx-xxxxxxxxxxxx. Acesso em: 05.09.2022.
18 A respeito da participação de agentes privados na prestação de serviços de saneamento básico a nível global, ver: XXXXXX, Xxxxxx. Public–private partnerships for water in Asia: a review of two decades of experience. International Journal of Water Resources Development, v. 33 n. 1, pp. 4-30, 2017. Disponível em: xxxxx://xxx.xxx/00.0000/00000000.0000.0000000. Acesso em: 05.09.2022.
incremento de municípios com atuação privada nos serviços de água e esgoto desde 2007, com a inclusão de 120 (cento e vinte) cidades19.
Diante disso, analisamos a seguir as três principais formas de participação público-privada consideradas para a prestação dos serviços de saneamento básico no Município de Valinhos.
Concessões comuns
Como destacado, os serviços públicos podem ser prestados pela iniciativa privada por meio de concessão. Para tanto, a Constituição Federal exige a realização prévia de licitação, nos termos do seu art. 17520. No mesmo sentido dispõe a Lei Orgânica do Município de Valinhos, que exige também que a concessão de serviço público seja precedida de autorização legislativa21.
A nível federal, as concessões comuns são regidas primordialmente pela Lei nº 8.987/1995, que as define como a delegação, pelo Poder Concedente, da prestação de serviços públicos (precedida ou não de obra pública) a pessoa jurídica ou consórcio de empresas, por sua conta e risco e por prazo determinado, mediante licitação22.
Não são objeto de delegação funções que norteiam a política de serviços (planejamento, regulação, fiscalização e controle), as quais permanecem a cargo do ente público que exerce a titularidade dos serviços.
É também característica definidora dessa modalidade de outorga a garantia da preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão durante toda a sua vigência.
De acordo com a Lei nº 8.987/1995, a concessão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, assim entendido como aquele que satisfaz as condições de
19 Panorama da participação privada no saneamento 2022 – ABCON
20 No que se refere à necessidade de lei autorizativa para a concessão de serviços públicos, vale mencionar: (i) a Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, que prevê expressamente em seu art. 2º a dispensa de lei autorizativa para a execução de obras e serviços públicos de saneamento básico; e (ii) a jurisprudência do STF acerca da inconstitucionalidade de dispositivos de constituições estaduais que conferem competência privativa ao Poder Legislativo para a autorização de convênios, convenções e acordos a ser celebrados pelo Poder Executivo, por ofensa ao princípio da independência dos Poderes. A respeito da jurisprudência do STF, cf.: “Ação direta de inconstitucionalidade. Incisos XIII, XXIX e XXX do artigo 71 e § 1º do artigo 15, todos da Constituição do Estado da Bahia, promulgada em 05 de outubro de 1989. - Os incisos XIII e XIX do artigo 71 da Constituição do Estado da Bahia são ofensivos ao princípio da independência e harmonia dos Poderes (artigo 2º da Constituição Federal) ao darem à Assembleia Legislativa competência privativa para a autorização de convênios, convenções ou acordos a ser celebrados pelo Governo do Estado ou a aprovação dos efetivados sem autorização por motivo de urgência ou de interesse público, bem como para deliberar sobre censura a Secretaria de Estado. - Violam o mesmo dispositivo constitucional federal o inciso XXX do artigo 71 (competência privativa à Assembleia Legislativa para aprovar previamente contratos a ser firmados pelo Poder Executivo e destinados a concessão e permissão para exploração de serviços públicos) e a expressão "dependerá de prévia autorização legislativa e" do § 1º do artigo 25 (relativa à concessão de serviços públicos), ambos da Constituição do Estado da Bahia. Ação julgada procedente em parte, para declarar a inconstitucionalidade dos incisos XIII, XXIX e XXX do artigo 71 e a expressão "dependerá de prévia autorização legislativa e" do § 1º do artigo 25, todos da Constituição do Estado da Bahia, promulgada em 05 de outubro de 1989”. (ADI nº 462, Pleno, Rel. Min. Xxxxxxx Xxxxx, DJ 18.02.2000). No mesmo sentido: RE 614963, Rel. Min. XXXXX XXXXXXX, DJ 20.03.2020; AI 755058, Rel. Min. XXXXXX XXXXXX, DJ 11.03.2013.
21 Lei Orgânica do Município de Valinhos, art. 105, § 2º.
22 Lei nº 8.987/1995, art. 2º, II.
regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade tarifária23.
Para além da Lei nº 8.987/1995, a Lei nº 11.445/2007 contém normas específicas para concessões dos serviços de saneamento básico, as quais se referem não só à forma de prestação dos serviços e ao conteúdo mínimo dos contratos de concessão, como também à política tarifária.
A seguir, destacamos os principais aspectos que regem os contratos de concessão de serviços de saneamento básico.
Licitação e outras condições de validade
A outorga do direito de exploração do serviço público concedido a parceiros privados, por meio da assinatura do contrato de concessão, deve ser precedida de licitação, conforme preveem o art. 175 da Constituição Federal e o art. 105 da Lei Orgânica do Município de Valinhos.
A licitação, nos termos da Lei nº 8.987/1995, pode ser processada nas modalidades de concorrência e diálogo competitivo (consoante alteração feita pela Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, a “Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos”), e poderá ter como critérios de julgamento: (i) o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado; (ii) a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão; (iii) a combinação, dois a dois, dos critérios referidos nos incisos de menor valor da tarifa, maior oferta e melhor oferta de pagamento pela outorga; (iv) melhor proposta técnica, com preço fixado no edital; (v) melhor proposta em razão da combinação dos critérios de menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado com o de melhor técnica; (vi) melhor proposta em razão da combinação dos critérios de maior oferta pela outorga da concessão com o de melhor técnica; ou (vii) melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação de propostas técnicas.
Além da realização de licitação, a Lei nº 11.445/2007 estabelece ainda que a validade dos contratos de concessão de serviços públicos de saneamento básico se sujeita às seguintes condições:
(i) existência de plano de saneamento básico;
(ii) existência de estudo que comprove a viabilidade técnica e econômico-financeira
da prestação dos serviços;
(iii) existência de normas de regulação que prevejam os meios para o cumprimento das diretrizes da Lei nº 11.445/2007;
23 Lei nº 8.987/1995, art. 6º.
(iv) realização prévia de audiência e de consulta públicas sobre o edital de licitação, no caso de concessão, e sobre a minuta do contrato; e
(v) existência de metas e cronograma de universalização dos serviços de saneamento.
Em linha com o que será exposto abaixo, é de se destacar que a licitação é dispensada no caso de prestação direta dos serviços de saneamento por entes da administração do titular desses serviços, entre os quais se incluem as empresas estatais24.
Remuneração e política tarifária
No que diz respeito à remuneração da concessionária, esta se dá em especial por meio da cobrança de tarifa dos usuários do serviço, permitida, porém, a exploração de outras fontes de receita acessória25.
No que tange às diretrizes da regulação, a Lei nº 11.445/2007 determina como um de seus objetivos a definição de tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos quanto a modicidade tarifária26, cabendo ao órgão regulador estabelecer o regime, a estrutura e os níveis tarifários, os procedimentos e prazos de fixação, reajuste e revisão das tarifas, bem como dispor sobre subsídios tarifários (ou não tarifários)27.
De maneira mais específica, a Lei nº 11.445/2007 prevê rol de diretrizes que a instituição de tarifas, preços públicos e taxas referentes aos serviços de saneamento básico deve observar28. A preocupação se justifica à medida que a tarifa a ser cobrada dos usuários é fator sensível sob diversos aspectos: condições socioeconômicas de acesso aos serviços, sustentabilidade econômico-financeira da prestação dos serviços, capacidade de realização de investimentos para a ampliação dos serviços e o aprimoramento do nível de qualidade, bem como o uso racional dos recursos, por exemplo.
A primeira diretriz a ser observada no momento de definição das tarifas, dos preços públicos e/ou das taxas é a prioridade dos serviços para atendimento das funções essenciais relacionadas à saúde.
24 Lei nº 11.445/2007, art. 10, caput. 25 Lei nº 8.987/1995, art. 11, caput. 26 Lei nº 11.445/2007, art. 22, IV.
27 Lei nº 11.445/2007, art. 23, IV e IX.
28 Lei nº 8.987/1995, art. 29, § 1º.
A segunda diretriz, relacionada à universalização do acesso, consiste na ampliação do acesso aos serviços pelos cidadãos e localidades de baixa renda. Para tanto, não só a tarifa deve ser definida de modo a possibilitar o acesso pela população e pelas regiões de baixa-renda, como também será possível a previsão de subsídios tarifários e não tarifários para os usuários que não tenham capacidade de pagamento suficiente para cobrir o custo integral dos serviços29.
No que se refere aos demais aspectos, a Lei nº 11.445/2007 prevê como diretrizes para a instituição da tarifa: (i) a geração dos recursos necessários para realização dos investimentos e o cumprimento das metas e objetivos do serviço; (ii) a recuperação dos custos incorridos na prestação do serviço, em regime de eficiência; (iii) remuneração adequada do capital investido pelos prestadores dos serviços; (iv) incentivo à eficiência dos prestadores dos serviços; (v) a inibição do consumo supérfluo e do desperdício de recursos; e (vi) o estímulo ao uso de tecnologias compatíveis com os níveis exigidos de qualidade, continuidade e segurança na prestação dos serviços30.
A Lei nº 11.445/2007 prevê ainda que, sem prejuízo das diretrizes fixadas para a definição da tarifa dos serviços de saneamento, “a estrutura de remuneração e de cobrança” desses serviços também deve considerar fatores mínimos, os quais compreendem: (i) as categorias de usuários, baseadas em faixas ou quantidades crescentes de utilização ou de consumo; (ii) padrões de uso ou de qualidade exigidos; (iii) a quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço, para garantir objetivos sociais, como a preservação da saúde pública, o adequado atendimento dos usuários de menor renda e a proteção do meio ambiente; (iv) custo mínimo necessário para disponibilidade do serviço; (v) ciclos significativos de aumento da demanda dos serviços; e (vi) a capacidade de pagamento dos consumidores31.
Em face de tais dispositivos, são práticas comuns no setor a instituição de tarifas sociais, para usuários de baixa renda, e a progressividade da tarifa a depender do nível de consumo dos serviços do usuário.
Vale destacar, nesse sentido, a Resolução nº 251, de 05 de setembro de 2018, da Agência Reguladora dos Serviços de Saneamento das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (“ARES-PCJ”), entidade competente por regular os serviços de saneamento do Município de Valinhos. A Resolução estabelece critérios mínimos para a aplicação de Tarifa Residencial.
29 Lei nº 8.987/1995, art. 29, § 2º.
30 Lei nº 8.987/1995, art. 29, § 1º.
31 Lei nº 11.445/2007, art. 30.
Além desta, destaca-se também a Súmula nº 407 do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), segundo a qual “[é] legítima a cobrança da tarifa de água fixada de acordo com as categorias de usuários e as faixas de consumo”.
Por fim, note-se que, de acordo com a Lei nº 11.445/2007, em se tratando de concessão, a tarifa deve ser cobrada pela concessionária diretamente do usuário32.
Atribuições do Poder Concedente e regulação
Como destacado, a concessão de serviços públicos não implica a delegação de funções referentes ao planejamento, à regulação, à fiscalização e ao controle de tais serviços, de modo que cabe ao Poder Público exercê-las. Isso não significa, todavia, que o titular dos serviços não poderá delegar tais funções a outro ente da administração.
Em geral, cabe ao Poder Concedente regulamentar o serviço concedido e fiscalizar a sua prestação, podendo e devendo aplicar à concessionária as penalidades regulamentares e contratuais, cumprir e fazer cumprir a regulamentação aplicável e o contrato de concessão, homologar reajustes e proceder à revisão das tarifas, zelar pela boa qualidade do serviço, estimulando o aumento da qualidade, a produtividade e a preservação do meio-ambiente, assim como intervir na prestação do serviço e extingui-la, nos termos da legislação.
A Lei nº 11.445/2007 é expressa ao prever que o titular dos serviços, ao formular a política pública de saneamento básico, deve definir a entidade responsável pela regulação e pela fiscalização desses serviços.
A Lei também exige que, nos casos em que os serviços de saneamento forem prestados mediante contratos de concessão ou de programa, a regulação preveja:
(i) autorização para a contratação dos serviços;
(ii) inclusão, no contrato, das metas progressivas e graduais de expansão dos serviços, de redução progressiva e controle de perdas na distribuição de água tratada, de qualidade, de eficiência e de uso racional da água, da energia e de outros recursos naturais;
(iii) prioridades de ação;
(iv) condições de sustentabilidade e equilíbrio econômico-financeiro da prestação dos serviços, incluindo o sistema de cobrança e a composição de taxas e tarifas, a sistemática de reajustes e de revisões de taxas e tarifas e a política de subsídios;
32 Lei nº 11.445/2007, art. 29, § 4º.
(v) mecanismos de controle social nas atividades de planejamento, regulação e fiscalização dos serviços; e
(vi) as hipóteses de intervenção e de retomada dos serviços.
Há duas formas principais de regulação: (i) a regulação por contrato, que estabelece previamente as principais regras que irão reger a concessão, tanto com relação às cláusulas que dispõem sobre os aspectos econômico-financeiros quanto àquelas que regulam a prestação do serviço, incluindo o procedimento de reajuste e revisão da tarifa e de reequilíbrio econômico- financeiro, bem como investimentos e níveis de qualidade do serviço33; e (ii) a regulação discricionária, que concede maior flexibilidade à administração para alterar as normas aplicáveis ao contrato, o que ocorre, via de regra, de maneira unilateral e não individualizada (i.e., a alteração das normas alcança outros agentes para além da concessionária), preservado o equilíbrio econômico-financeiro do contrato34.
É possível (e comum) que o Poder Público adote um modelo de regulação que combine as características de ambas as formas, dada a possibilidade de convivência entre regulação contratual e regulação discricionária. Neste caso, as regras previstas no contrato impõem limites à discricionariedade do órgão regulador35.
De todo modo, para garantir que os serviços sejam prestados com a qualidade esperada e de acordo com a política pública definida, o Poder Concedente e o órgão regulador terão à disposição instrumentos limitados, definidos especialmente pela fixação de regras (contratuais ou regulamentares), pela fiscalização de seu cumprimento, pela aplicação de sanções e pela previsão de incentivos (como, por exemplo, o aumento da remuneração da concessionária no caso de atingimento de metas de qualidade).
Para a concessionária, em regra, quanto maior a previsibilidade, tanto melhor, o que é propiciado especialmente pela regulação contratual. Não obstante, poderá ser igualmente (ou ainda mais) vantajosa a figura de um órgão regulador especializado, com estrutura capacitada, regime claro, instituições firmes e mecanismos de diálogo e de regulação responsiva, notadamente na ocorrência de fatores extraordinários que impactem a concessão.
33 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxx xx Xxxxx Xxxxx. Regulação econômica de infraestruturas: como escolher o modelo mais adequado? s.l. Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), 2014.
34 XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx. O conceito jurídico de regulação da economia. Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Curitiba, n. 6, 2001.
35 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxx. Regulação de infraestrutura por contrato. Revista Digital de Direito Administrativo, v. 2, n. 1, p. 238-256, 2015.
Aspectos tributários
A concessionária deve recolher os seguintes tributos:
(i) Contribuições para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (“PIS/PASEP”) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, no regime cumulativo ou não-cumulativo.
a. No regime cumulativo, as alíquotas aplicadas são de 0,65% para PIS/PASEP e 3% para COFINS sobre a receita bruta auferida pela concessionária, nos termos da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998 (“Lei nº 9.718/1998”).
b. No regime não-cumulativo, as alíquotas são 1,65% para PIS/PASEP e 7,60% para COFINS, sendo essas alíquotas também utilizadas para a tomada de créditos sobre determinados dispêndios, nos termos das Leis Federais nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002 (“Lei nº 10.637/2002”) e nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003 (“Lei nº 10.833/2003”);
(ii) Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (“IRPJ”), nos termos dos arts. 43 e ss. da Lei Federal nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (“Código Tributário Nacional”);
(iii) Contribuição Social Sobre Xxxxx Xxxxxxx (“CSLL”), nos termos da Lei Federal nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988; e
(iv) Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (“ISS”), incidente apenas sobre serviços não relacionados aos serviços de água e esgoto36, nos termos da Lei Complementar Federal nº 116, de 31 de julho de 2003 (“Lei Complementar nº 116/2003”), e da respectiva legislação municipal.
Vale mencionar ainda que, de acordo com a Lei nº 11.445/2007, prestadoras de serviços públicos de saneamento básico, atendidos os requisitos legais, podem aderir também ao Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento do Saneamento Básico (“REISB”), programa de concessão de créditos tributários que visa a propiciar o volume de investimentos em saneamento, cuja vigência se estende até o ano de 202637.
36 De acordo com a Mensagem nº 362, de 31 de julho de 2003, os itens que incluíam os serviços de saneamento básico na lista de serviços sujeitos ao ISS foram vetados do projeto da Lei Complementar nº 116/2003, pois: “[a] incidência do imposto sobre serviços de saneamento ambiental, inclusive purificação, tratamento, esgotamento sanitários e congêneres, bem como sobre serviços de tratamento e purificação de água, não atende ao interesse público. A tributação poderia comprometer o objetivo do Governo em universalizar o acesso a tais serviços básicos. O desincentivo que a tributação acarretaria ao setor teria como consequência de longo prazo aumento nas despesas no atendimento da população atingida pela falta de acesso a saneamento básico e água tratada”.
37 Lei nº 11.445/2007, art. 54-A.
Concessões patrocinadas e administrativas (parcerias público-privadas em sentido estrito)
Em adição à modalidade de concessão comum, a Lei nº 11.079/2004 instituiu duas novas modalidades de contratos de concessão de “parceria público-privada” (o que neste estudo consideramos como parceria público-privada em sentido estrito): (i) a concessão patrocinada e (ii) a concessão administrativa.
A concessão patrocinada consiste na concessão de serviços públicos ou de obras públicas em que, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, há contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado,
A concessão administrativa, por sua vez, consiste em contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública é a usuária (direta ou indireta), podendo envolver inclusive a execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. Nessa modalidade, não há cobrança de tarifa dos usuários, mas apenas o pagamento de contraprestação pelo parceiro público, o que pode ser feito, inclusive, por razões de política tarifária.
Posto isso, a seguir são expostos os principais aspectos referentes a essas modalidades de contratação. Ressalta-se, desde já, que as mesmas considerações referentes à política tarifária e à incidência de tributos feitas acima são válidas para esta seção, razão pela qual não serão repetidas.
De igual modo, tampouco serão objeto de tópico específico as características da remuneração das concessionárias, dado que também será admitida, nessas modalidades de contratação, a obtenção de receitas acessórias e que as principais diferenças quanto à remuneração, enquanto definidoras das modalidades, foram expostas nos parágrafos anteriores.
Licitação e outras condições de validade
Assim como no caso das concessões comuns, os contratos de concessão patrocinada ou administrativa também devem ser precedidos de licitação na modalidade de concorrência ou diálogo competitivo e autorização da autoridade competente, a qual deverá ser fundamentada em estudo técnico que demonstre, entre outros aspectos, a conveniência e a oportunidade da contratação. Tendo em vista que as parcerias público-privadas em sentido estrito implicam o pagamento de contraprestação por parte do parceiro público, as despesas criadas ou
aumentadas pela contratação não afetarão as metas de resultados fiscais previstas na Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 200038.
Outras condições para a contratação das parcerias público-privadas em sentido estrito envolvem ainda: (i) a elaboração de estimativa do impacto orçamentário-financeiro nos exercícios em que o contrato estará vigente; (ii) a declaração do ordenador da despesa de que as obrigações contraídas pela Administração Pública no decorrer do contrato são compatíveis com a lei de diretrizes orçamentárias e estão previstas na lei orçamentária anual; (iii) a estimativa do fluxo de recursos públicos suficientes para o cumprimento das obrigações contraídas pela Administração; e (iv) a obtenção de licença ambiental prévia ou expedição das diretrizes para o licenciamento ambiental do empreendimento, se aplicável39.
No caso das concessões patrocinadas, haverá também a necessidade de obtenção de autorização legislativa específica na hipótese em que mais de 70% (setenta por cento) da remuneração do parceiro privado seja paga pela Administração Pública40.
Para além de tais exigências, a Lei nº 11.079/2004 limita as despesas da administração pública (direta e indireta) decorrentes de concessões administrativas e patrocinadas. Pelo texto legal, a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas, no ano anterior, não deve exceder 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida do exercício, e as despesas anuais dos contratos vigentes nos 10 (dez) anos subsequentes não devem exceder 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios41.
Caso tais limites não sejam observados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, tais entes não poderão se beneficiar da concessão de garantias pela União nem de transferências voluntárias42.
Para fiscalizar o cumprimento dessa norma, a Lei nº 11.079/2004 também exige que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios encaminhem ao Senado Federal e à Secretaria do Tesouro Nacional, previamente à assinatura dos contratos de concessão administrativa ou patrocinada, as informações necessárias para que se possa avaliar o cumprimento dos limites financeiros43.
A licitação poderá ter como critérios de julgamento aqueles aplicáveis às concessões comuns e, ainda, o menor valor da contraprestação a ser paga pela Administração Pública e a melhor
38 Lei nº 11.079/2004, art. 10, I.
39 Lei nº 11.079/2004, art. 10, II a VII.
40 Lei nº 11.079/2004, art. 10, § 3º.
41 Lei nº 11.079/2004, art. 28, caput. 42 Lei nº 11.079/2004, art. 28, caput. 43 Lei nº 11.079/2004, art. 28, § 1º.
proposta em razão da combinação da melhor técnica e do menor valor da contraprestação pública44.
De acordo com a Lei nº 11.079/2004, os contratos de concessão patrocinada ou administrativa devem ter valor de contrato igual ou superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e período de prestação de serviço igual ou superior a 5 (cinco) anos e inferior a 35 (trinta e cinco) anos, sendo vedados, ainda, contratos que tenham como objeto único o fornecimento de mão- de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.
Para além das cláusulas essenciais dos contratos de concessão comum previstas na Lei nº 8.987/1995 (no que couber) e na Lei nº 11.445/2007, expostas acima, os contratos de concessão patrocinada ou administrativas também devem conter cláusulas referentes ao seguinte45:
(i) prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, e eventuais hipóteses de prorrogação;
(ii) sanções aplicáveis à Administração Pública e ao parceiro privado em caso de inadimplemento contratual;
(iii) alocação de riscos entre as partes;
(iv) formas de remuneração e atualização dos valores contratuais;
(v) mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos serviços;
(vi) hipóteses de inadimplência pecuniária do parceiro público, assim como o modo e o prazo de regularização (e, quando houver, a forma de acionamento da garantia pública);
(vii) critérios objetivos de avaliação do desempenho do parceiro privado;
(viii) prestação, pelo parceiro privado, de garantias de execução suficientes e compatíveis com os ônus e riscos envolvidos no contrato;
(ix) compartilhamento com a Administração Pública de ganhos econômicos do parceiro privado decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado;
(x) realização de vistoria dos bens reversíveis e possibilidade de retenção, pelo parceiro público, dos pagamentos ao parceiro privado no valor necessário para reparar eventuais irregularidades; e
44 Lei nº 11.079/2004, art. 12, II.
45 Lei nº 11.079/2004, art. 5º, I a XI.
(xi) cronograma e xxxxxx para o repasse ao parceiro privado das parcelas do aporte de recursos, na fase de investimentos do projeto e/ou após a disponibilização dos serviço.
Atribuições do Poder Concedente e regulação
No caso de concessões patrocinadas ou administrativas, o Poder Concedente terá as mesmas atribuições que foram expostas na seção referente às concessões comuns. A principal diferença entre tais modalidades, com referência ao papel assumido pelo Poder Concedente, será a responsabilidade pelo pagamento, parcial ou integral, da remuneração devida ao prestador de serviços, pelo que a prestação de garantia se faz necessária. A garantia poderá assumir as seguintes formas (sem prejuízo de outros mecanismos admitidos em lei): (i) vinculação de receitas; (ii) instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; (iii) seguro-garantia;
(iv) garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras; e (v) garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade46.
Em havendo cláusulas contratuais de atualização automática de valores baseadas em índices e fórmulas matemáticas, não há necessidade de homologação pela Administração Pública para a aplicação destas, reservada a possibilidade de rejeição da atualização pela Administração mediante publicação de ato que contenha a devida motivação, a qual deverá ser baseada na Lei nº 11.079/2004 ou no contrato de concessão47.
Empresas estatais
Conforme mencionado, o Ente Público pode prestar os serviços públicos de sua titularidade de forma direta, sendo o mais comum fazê-lo por meio de empresas estatais, por se tratar de intervenção direta na atividade econômica.
A constituição de empresas estatais, sejam empresas públicas ou sociedades de economia mista, depende de prévia autorização legislativa da esfera do ente federativo a que pertence. De acordo com a Constituição Federal e com a Lei Orgânica do Município de Valinhos, a lei autorizativa deve expor de forma clara a motivação dessa iniciativa, a qual deve estar intimamente atrelada a relevante interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional48-49.
46 Lei nº 11.079/2004, art. 8º.
47 Lei nº 11.079/2004, art. 5º, § 1º.
48 Constituição Federal, art. 173.
49 Lei Orgânica do Município de Valinhos, art. 93.
No que tange às categorias de empresas estatais, estas se dividem em duas: (i) as empresas públicas, que têm seu capital social integralmente detido pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios50; e (ii) as sociedades de economia mista, que assumem a forma de sociedade anônima e cujas ações com direito a voto pertencem, em sua maioria, à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade da administração indireta51.
As empresas estatais são regidas por legislação própria, que estabelece normas especiais para contratação e outros aspectos, distintas das regras aplicáveis a outros entes da administração pública. A nível infraconstitucional, tais empresas são regidas pela Lei Federal nº 13.303, de 30 de junho de 2016 (“Lei nº 13.303/2016” ou “Lei das Empresas Estatais”), que dispõe sobre o estatuto jurídico de tais empresas e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Diferentemente de outros entes da administração pública direta ou indireta, as empresas estatais se sujeitam ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (embora existam regras especiais), e a regime próprio de contratação52. Conforme será visto abaixo, a Lei nº 13.303/2016 concede maior flexibilidade para o funcionamento das empresas estatais em comparação com as normas que regem o restante da administração pública. Esse aspecto se mostra essencial para conduzirem seus negócios, especialmente aquelas que atuam em regimes de concorrência.
Feitas essas considerações iniciais, nos itens a seguir, são expostos os principais aspectos que concernem à prestação de serviços públicos de saneamento básico através das alternativas mencionadas.
Desnecessidade de licitação
A Lei nº 11.445/2007 prevê que os serviços públicos de saneamento básico podem ser prestados diretamente pela administração pública do ente titular dos serviços ou, indiretamente, por entidades que não integrem a administração. Neste último caso, conforme redação expressa, os serviços devem ser objeto de concessão, cuja outorga deve ser precedida de licitação53.
No caso de empresas estatais, enquanto entes da administração pública indireta, a prestação dos serviços públicos de saneamento, portanto, dispensa a realização de licitação – a menos
50 Lei nº 13.303, art. 3º.
51 Lei nº 13.303, art. 4º.
52 Constituição Federal, art. 173, § 1º.
53 Lei nº 11.445/2007, art. 10.
que essas empresas visem a prestar serviços que não sejam de titularidade da administração pública a qual pertencem (hipótese de prestação indireta).
Como ressaltado anteriormente, o Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico também vedou a disciplina da prestação dos serviços públicos de saneamento por meio de contratos de programa e instrumentos de natureza precária, como termos de parceria. Diante disso, embora os contratos de programa tenham sido o instrumento mais utilizado para disciplinar a prestação de serviços públicos por empresas estatais, atualmente a disciplina desses serviços deverá ser feita mediante outro instrumento, de natureza não precária.
Nesse contexto, tem-se como o mais recomendado que a prestação dos serviços de saneamento por empresas estatais seja disciplinada também por contrato de concessão, haja vista a existência de vasta regulação acerca desse tipo de contrato, capaz de propiciar maior segurança jurídica e estabilidade. No entanto, diferentemente das hipóteses de prestação indireta, a assinatura do contrato de concessão neste caso dispensa a realização prévia de licitação, como mencionado.
Com relação às condições de validade desse contrato, excetuada a realização de licitação, aplicam-se as mesmas condições presentes no caso de concessões comuns.
Procedimento para a formação de parceria público-privada (em sentido amplo) envolvendo empresas estatais
Conforme destacado, a formação de parcerias entre o Poder Público e a iniciativa privada pode se dar por meio de estruturas societárias, refletida em sociedades de economia mista ou, ainda, sociedades privadas das quais a Administração será acionista minoritária.
Em todo caso, a escolha do parceiro acionista poderá envolver diversos critérios, inclusive subjetivos. Nesse sentido, na hipótese de formação de parcerias para “oportunidades de negócio”, a Lei nº 13.303/2016 dispensa a realização de licitação por empresas estatais para a escolha do parceiro privado quando esta é associada a características particulares, desde que justificada a inviabilidade de procedimento competitivo54.
As oportunidades de negócio, para fins de dispensa de licitação, são definidas pela Lei nº 13.303/2016 como “a formação e a extinção de parcerias e outras formas associativas, societárias ou contratuais, a aquisição e a alienação de participação em sociedades e outras
54 Lei nº 13.303/2016, art. 28, § 3º, II.
formas associativas, societárias ou contratuais e as operações realizadas no âmbito do mercado de capitais" (grifou-se)55.
A regra se justifica à medida que a escolha do parceiro poderá depender de critérios difíceis de serem avaliados de forma objetiva e por meio de um processo formal e rígido (como uma licitação)56.
Apesar disso, a experiência tem apontado para a realização de outros procedimentos de competição, mais flexíveis, para a efetivação de tais parcerias. O principal exemplo é a realização de procedimento de chamamento público, que, também divulgado ao público em geral, é permeado de flexibilidade quanto às suas etapas e prescinde de julgamento puramente objetivo.
Procedimentos de seleção alternativos, no entanto, serão afastados quando um processo competitivo (a licitação) for viável. Caso a parceria seja formada por meio do aumento do capital social de empresa estatal já constituída, a empresa poderá realizar processo licitatório para selecionar o parceiro privado que irá subscrever as ações a serem emitidas seguindo o regime da Lei nº 13.303/2016 e seu próprio regulamento interno.
Na hipótese em que a entrada do capital privado se dê por meio da venda de parte das ações detidas pelo ente da administração titular dos serviços de saneamento, a licitação do contrato de compra e venda de ações será regida pelas normas comuns de contratação pública, não se aplicando a Lei nº 13.303/2016.
Receita e distribuição de dividendos
Enquanto concessionária e efetiva prestadora dos serviços de saneamento básico, a empresa estatal receberá a tarifa paga pelos usuários e poderá obter outras fontes de receita por meio da exploração de atividades acessórias. Tanto o acionista privado quanto o acionista público, por sua vez, terão direito à distribuição de lucros da companhia, de acordo com a classe de suas ações e com a política de distribuição de dividendos da empresa.
Mecanismos de regulação
55 Lei nº 13.303/2016, art. 28, § 4º.
56 XXXXXXX, Xxxxxxxx X.; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Parcerias estratégicas entre empresas públicas e privadas no setor de infraestrutura. In: XXXXX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx; MARCATO, Xxxxxxxx X. Direito da Infraestrutura: volume 1. São Paulo: Saraiva, 2017.
Nos casos em que os serviços públicos são prestados por empresas controladas pela administração pública, o Poder Público terá à sua disposição mais mecanismos para garantir a conformidade da prestação dos serviços e o alcance de objetivos de políticas públicas.
Tratando-se de sociedades de economia mista, o Poder Público, enquanto acionista controlador da companhia, poderá: (i) tomar decisões estratégicas na condução dos negócios da empresa, atuando de forma ordenada com o acionista privado, conforme estrutura de governança escolhida; (ii) ter acesso direto às informações da companhia, incluindo os custos efetivos da prestadora; (iii) avaliar com mais precisão a adequação da política tarifária e as condições necessárias para a manutenção da sustentabilidade econômico-financeira da concessão; (iv) garantir a continuidade e a universalização dos serviços; e (v) apropriar-se da expertise técnico- operacional, tecnológica e de negócios do acionista privado57.
Neste caso, remanescem as atribuições da administração do titular dos serviços públicos referentes a fiscalização, aplicação de sanções, etc., as quais poderão ser exercidas por outros entes da administração, como secretarias ou autarquias. Os mecanismos acima, no entanto, mostram-se presentes apenas no caso de formação de parcerias por meio sociedade de economia mista, afastando-se do regime das concessões de empresas privadas.
Para os parceiros privados, a formação de parceria por meio de participação em sociedade de economia mista também apresenta vantagens quando comparada com as concessões comuns, administrativas e patrocinadas, especialmente quanto à redução do risco político, às formas de capitalização e à proteção na ocorrência de fatores extraordinários.
Aspectos tributários
No que tange à tributação, o regime das empresas estatais poderá variar a depender de cada caso concreto, conforme jurisprudência do STF.
Conforme expressamente disposto na Constituição Federal, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são impedidos de instituir impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços, uns dos outros, regra que faz surgir a imunidade tributária dos entes da Administração Pública58.
57 A respeito do tema, ver: XXXXX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Empresa estatal: função econômica e dilemas societários. São Paulo: Atlas, 2010; e XXXXXXX, Xxxxxxxx X.; SARAGOÇA, Mariana. Parcerias estratégicas entre empresas públicas e privadas no setor de infraestrutura. In: XXXXX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx; MARCATO, Xxxxxxxx X. Direito da Infraestrutura: volume 1. São Paulo: Saraiva, 2017.
58 Constituição Federal, art. 150, VI, "a".
A Constituição, porém, igualmente estabelece que essa vedação não se aplica “ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário”.
Costuma-se apontar que a imunidade tributária recíproca trata da confluência de três importantes fundamentos constitucionais: (i) o pacto federativo, evitando que um ente federativo utilize a tributação como instrumento de coerção ou indução dos outros entes federados; (ii) ausência de capacidade contributiva, porque o Poder Público (e suas entidades) executam atividades públicas em sentido estrito, sem intuito de lucro; e (iii) a neutralidade concorrencial, porque não deve beneficiar a expressão econômica de interesses particulares nem afetar intensamente a livre-iniciativa e a livre concorrência.
Assim, como há uma multiplicidade de casos envolvendo empresas estatais, algumas com intuito de lucro e que concorrem diretamente com empresas privadas, o STF já se manifestou em diversas oportunidades sobre a aplicabilidade da imunidade tributária recíproca em tais casos. Para fins do presente trabalho, destacam-se as seguintes decisões proferidas pelo STF em regime de repercussão geral:
TEMA: 412 (aprovado em 10.06.2011): A Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária - INFRAERO, empresa pública prestadora de serviço público, faz jus à imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal.59
TEMA: 235 (aprovado em 01.03.2012): Os serviços prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, inclusive aqueles em que a empresa não age em regime de monopólio, estão abrangidos pela imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, “a”, e §§ 2º e 3º).60
TEMA 644 (aprovado em 15.10.2014): A imunidade tributária recíproca reconhecida à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos — ECT alcança o IPTU incidente sobre imóveis de sua propriedade e por ela utilizados, não se podendo estabelecer, a priori, nenhuma distinção entre os imóveis afetados ao serviço postal e aqueles afetados à atividade econômica.61
59 STF, ARE 638315 RG, Relator Min. Xxxxx Xxxxxx, Tribunal Pleno, julgado em 09/06/2011, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito, DJe-167 DIVULG 30-08-2011 PUBLIC 31-08-2011. Caso envolvendo a Infraero.
60 STF, RE 601392 RG, Relator Min. Xxxxxxx Xxxxxxx, Tribunal Pleno, julgado em 12/11/2009, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito, DJe-228 DIVULG 03-12-2009 PUBLIC 04-12-2009. Caso envolvendo a Empresa de Correios e Telégrafos.
61 STF, RE 773992 RG, Relator Min. Xxxx Xxxxxxx, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2020, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito, DJe-239 DIVULG 29-09-2020 PUBLIC 30-09-2020. Caso envolvendo a Empresa de Correios e Telégrafos.
TEMA 508 (aprovada em 29.06.2020): Sociedade de economia mista, cuja participação acionária é negociada em Bolsas de Valores, e que, inequivocamente, está voltada à remuneração do capital de seus controladores ou acionistas, não está abrangida pela regra de imunidade tributária prevista no art. 150, VI, ‘a’, da Constituição, unicamente em razão das atividades desempenhadas.62
TEMA 1140 (aprovado em 07.05.2021): As empresas públicas e as sociedades de economia mista delegatárias de serviços públicos essenciais, que não distribuam lucros a acionistas privados nem ofereçam risco ao equilíbrio concorrencial, são beneficiárias da imunidade tributária recíproca prevista no artigo 150, VI, a, da Constituição Federal, independentemente de cobrança de tarifa como contraprestação do serviço63.
Apesar de ser um tema complexo e com peculiaridades, é possível fazer as seguintes afirmações sobre a jurisprudência do STF: (i) a imunidade tributária recíproca somente alcança impostos, mas não alcança contribuições sociais (e.g., PIS, COFINS, CSLL); (ii) três empresas estatais (a Empresa de Correios e Telégrafos, a INFRAERO e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos
– CPTM-SP) tiveram a imunidade tributária reconhecida, mesmo exercendo atividades que competem com a iniciativa privada (i.e., mesmo não havendo “neutralidade concorrencial”)64;
(iii) uma sociedade de economia mista (a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP) não teve a imunidade tributária reconhecida ao argumento de que estava inequivocamente voltada à remuneração de capital (distribuindo lucros aos acionistas); e (iv) não obsta o reconhecimento da imunidade tributária a obtenção de lucros (i.e., receitas que superam os custos), desde que tais lucros sejam revertidos em investimentos (e não distribuídos aos acionistas).
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”) tratou do tema no PARECER SEI nº 15935/2021/ME, apresentando conclusões compatíveis com o exposto acima65, especialmente
62 STF, RE 600867 RG, Relator Min. Xxxxxxx Xxxxxxx, Red. p/ Xxxxxxx Xxx. Xxxx Xxx, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2020, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito, DJe-239 DIVULG 29-09-2020 PUBLIC 30-09-2020. Caso envolvendo a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP. 63 STF, RE 1320054 RG, Relator Min. Presidente Xxxx Xxx, Tribunal Pleno, julgado em 06/05/2021, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito, DJe-092 DIVULG 13-05-2021 PUBLIC 14-05-2021.
64 Os três casos analisados pelo STF possuíam uma série de particularidades, de modo que não é possível, ainda, extrair um critério preciso da jurisprudência do STF sobre qual seria a agressão à “neutralidade concorrencial” que deflagraria a perda da imunidade tributária recíproca, se aplicável.
65 “61. Ante o exposto, é possível lançar as seguintes conclusões acerca da temática decidida no RE º 1.320.054/SP:
a) No aludido julgamento, o STF reiterou sua jurisprudência sedimentada no RE nº 253.472/SP e trouxe importantes esclarecimentos a respeito de algumas etapas do teste constitucional nele idealizado, a saber: distribuição de lucros aos acionistas e cobrança tarifária dos usuários;
b) A imunidade tributária recíproca de que trata o art. 150, VI, “a”, CF estende-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista que preencham os seguintes requisitos: (i) prestar serviço público, (ii) não distribuir lucros aos acionistas privados e (iii) não atuar em ambiente concorrencial;
no sentido de que a existência de finalidade lucrativa com o intuito de remunerar os acionistas implica a não-aplicação da imunidade tributária recíproca, conforme precedentes do STF.
No caso sob análise, a remuneração dos parceiros privados será condição de atratividade essencial, de modo que não será aplicável a imunidade tributária. Assim, é de se ver que incidirão no caso os mesmos tributos que devem ser recolhidos por concessionárias, citados anteriormente (IRPJ, PIS/COFINS, CSLL e ISS sobre serviços não relacionados aos serviços de água e esgoto).
Análise comparativa
ECONÔMICO-FINANCEIRA
Do ponto de vista econômico-financeiro, as soluções de projeto vinculadas a parcerias público- privada, em seu amplo aspecto, são preteridas para solucionar vultuosos valores de investimentos, onde o Ente Público, de forma direta, não tem capacidade executar.
No caso em questão, para a prestação de seus serviços, o DAEV dispõe, conforme os dados apresentados pelo SNIS no ano de 2020:
● 709,81 km de extensão de rede de abastecimento de água (AG005) e 624,31 km de rede de esgotamento sanitário (ES004);
● 39.399 ligações totais de água (AG021), sendo 38.777 de ligações ativas (AG002);
● 37.555 ligações totais de esgoto (ES009), sendo 36.933 (ES002) de ligações ativas;
● cobertura total de água de 94% (IN005) e de esgoto de 90%; e
● cobertura urbana de água de 98,78% (IN023) e de esgoto 94,58% (IN024), sendo que 100,0% deste esgoto é coletado e tratado (IN016).
Ou seja, o Município de Valinhos já atende às metas de atendimento do Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico referentes aos percentuais de cobertura dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário. O que aparenta ser necessário ao Município são investimentos
c) A positivação da exigência de ausência de ambiente concorrencial no corpo da tese realça a necessidade de se verificá-la cuidadosamente no caso concreto, sendo certo que, a partir do precedente examinado, não é possível extrair parâmetros objetivos e genéricos que possam se espraiar com vistas a atestá-la quando em jogo outros tipos de serviços públicos; e
d) A cobrança tarifária isoladamente considerada é irrelevante para os fins de reconhecer ou negar a extensão da imunidade tributária às estatais e para qualificar a sua atividade como de natureza econômica a teor do art. 150, §3º, CF. Desse modo, recomenda-se aos Procuradores a não fazerem mais uso desse argumento em suas peças processuais, diante da insignificância a ele relegada pelo STF, para os fins pretendidos pela Fazenda Nacional.”
voltados a melhorias da forma de tratamento de água e esgoto e ao combate de perdas físicas e aparentes.
O maior investimento, de acordo com as informações disponibilizadas pelo DAEV, está vinculado à construção da Estação de Tratamento de Esgoto de Capuava (“ETE Capuava”), estimada em um valor acima de R$ 200 milhões.
É necessário ressaltar que a ETE Capuava, estimada em uma capacidade nominal de 400 l/s, foi projetada para o tratamento dos efluentes do Município de Valinhos (75% da capacidade) e de efluentes do Município de Campinas. Todavia, caso não haja o compartilhamento da unidade de tratamento entre os dois Municípios, é necessário reavaliar o dimensionamento da capacidade de tratamento da estação e, consequentemente, os valores totais de investimentos.
Após este relevante investimento, o nível de infraestrutura adicional necessária para os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário é relativamente baixo frente aos custos operacionais, dentre os quais podemos citar: renovação do parque de hidrômetros, substituição de redes de água e melhorias na captação de água.
Diante desta característica do fluxo dos investimentos, é necessário que se compare os arranjos contratuais desta natureza, ou seja, que proporcionem capital no curto prazo e incentivem a redução de custos no longo prazo.
Como comparativo, são selecionados quatro arranjos, que foram considerados como possíveis soluções de projeto:
● o DAEV contratar uma locação de ativos para construção do sistema de esgotamento sanitário;
● o DAEV contratar uma concessão administrativa para construção do sistema de esgotamento sanitário;
● o Município de Valinhos conceder o sistema de saneamento através de uma concessão comum;
● o Município de Valinhos conceder o sistema de saneamento através de uma empresa pública municipal, onde o próprio seria o acionista desta estatal.
Abaixo, é detalhado os pontos de comparação entre os arranjos:
XXXX XXXX (principal) (Principal) Concessão Empresa DAEV com Locação com Comum Pública Atual de Ativos Concessão (Principal) Municipal (Auxiliar) Administrativ (Principal) a (Auxiliar) |
Arranjo | Modelo institucional Modelo de Gestão Principal | Operação Direta Descentraliza da através da Autarquia | Operação Direta Descentraliza da através da Autarquia | Operação Direta Descentraliza da através da Autarquia | Operação Indireta através de Concessão Plena | Operação Direta Descentraliza da através da Empresa Pública Municipal |
Modelo de Gestão Auxiliar | com execução direta dos investimentos através de licitação | com arranjo de locação de ativos para execução dos investimentos | com arranjo de concessão administrativ a para operação parcial do sistema e execução dos investimentos | n/a | n/a | |
Modelo de gestão Por quem será realizada a operação do sistema físico para se atingir os objetivos a capacidade de investimento a garantia do serviço adequado a definição da política tarifária o potencial de sucesso dos serviços conforme os objetivos propostos | Pela autarquia Não tem Não tem Prefeitura / ARES PCJ Baixo | Pela autarquia Não tem Não tem Prefeitura / ARES PCJ Baixo | Pelo público (água) e privado (esgoto) Não tem Não tem Prefeitura / ARES PCJ Baixo | Pelo público Tem Tem Contrato de Concessão Alto | Pela empresa pública Tem Tem Contrato de Concessão Médio | |
Escopo | Modelo de contrato Arranjo Contratual | subdelegação da operação | subdelegação da execução dos investimentos | subdelegação da operação do sistema e execução dos investimentos | delegação integral | delegação integral |
Vínculo Direto com o Poder Concedente | Autarquia | Autarquia | Autarquia | Concessionári o | Empresa 100% Pública |
Instrumento Jurídico Vínculo Indireto com o Poder Concedente Instrumento Jurídico Objeto | Lei autorizativa Autarquia Contrato de Serviços e Obras terceirização de serviços e obras | Lei autorizativa Autarquia Contrato de Cessão de Uso Real subdelegação através do DAEV | Lei autorizativa Autarquia Contrato de Concessão Administrativ a subdelegação através do DAEV | Contrato de Concessão Não existe delegação direta do município | Contrato de Concessão Não existe delegação direta do município | |
Riscos | Modelo de remuneração Valor da Tarifa Revisão da Tarifa Quem regula a tarifa? | Ressarciment o de custos a cada 2 anos ARES-PCJ | Ressarciment o de custos a cada 2 anos ARES-PCJ | Ressarciment o de custos a cada 2 anos ARES-PCJ | Tarifa Contratual somente em revisões ordinárias ou extraordinári as Próprio contrato | Tarifa Contratual somente em revisões ordinárias ou extraordinári as Próprio contrato |
Modelo de tributação Benefícios Fiscais (vínculo principal) Impostos Diretos sobre receita, PIS Cofins sobre receita, ISS Impostos Indiretos sobre resultado, IR sobre resultado, CSLL | Isenção de impostos diretos e indiretos | Isenção de impostos diretos e indiretos | Isenção de impostos diretos e indiretos | Nenhum | Isenção de IR | |
Isento | Isento | Isento | 9,25% | 3,65% | ||
Isento | Isento | Isento | Isento | Isento | ||
Isento | Isento | Isento | 25% | Isento | ||
Isento | Isento | Isento | 9% | 9% | ||
Modelo de riscos | ||||||
Demanda | Público | Público | Público | Privado | Público | |
Tarifa | Público | Público | Público | Privado | Público | |
Capex | Privado | Privado | Privado | Privado | Público | |
Opex | Público | Público | Público | Privado | Público | |
Financiament o | Público | Público | Público | Privado | Público |
Modelo de gestão de RH Flexibilidade de ampliação e redução do quadro de pessoal Limites de remuneração ? Previdência | Existe através de cargos comissionado s. Existe restrições com cargos de carreira devido a estabilidade Limitado aos salários públicos Regramento municipal | Existe através de cargos comissionado s. Existe restrições com cargos de carreira devido a estabilidade Limitado aos salários públicos Regramento municipal | Existe através de cargos comissionado Flexibilidade s. Existe parcial de restrições aumento e com cargos reduções, de carreira devido aos devido a concursados estabilidade Limitado aos salários Não tem públicos Regramento Regramento da municipal concessionári a | Flexibilidade parcial de aumento e reduções, devido aos concursados Não tem Regramento da empresa pública |
Modelo de Capital Rentabilidade esperada Lucratividade /Rentabilidad e | Não tem Não tem | Não tem Não tem | Não tem WACC Através de Não tem outorga (fixa ou variável) | WACC Distribuição de dividendos |
Modelo de | ||||
garantia | ||||
Titular | ||||
das garantias | ||||
principais | Prefeitura | Prefeitura | Prefeitura Concessionári | Empresa |
(contas de | Municipal | Municipal | Municipal a Privada | Pública |
água e | ||||
esgoto) | ||||
É possível | ||||
estruturar as | ||||
garantias do | ||||
projeto | Não | Não | Não Sim | Sim |
vinculado as | ||||
contas de | ||||
água e | ||||
esgoto? | ||||
Modelo de incentivos Incentivos na Gestão Principal Operacio nais e Financeiros | Não tem | Não tem | Quando menor o Não tem custo, maior a rentabilidade | Quando menor o custo, maior a rentabilidade |
Incentivos na Gestão Auxiliar Operacio nais e Financeiros | Pagamento das contraprestaç ões fixas, após a disponibilidade do ativo. Quanto menor o capex, maior a rentabilidade da locação de ativos | Pagamento das contraprestaç ões fixas, após a disponibilidade do ativo. Quanto menor o capex, maior a rentabilidade da locação de ativos | Pagamento das contraprestaç ões fixas, após a disponibilidade do ativo. Quanto menor o capex, maior a rentabilidade da locação de ativos | Não tem | Não tem | |
Outros aspectos Depende de Orçamento Municipal? Possibilid ade de financiament os subsidiados? Consegue capturar os ganhos econômico do setor privado? | Sim | Sim | Sim | Não | Não | |
Alta | Alta | Alta | Baixa | Média | ||
Não | Não | Sim, parcialmente | Sim | Não |
Do ponto de vista econômico-financeiro, o melhor arranjo contratual a ser escolhido está vinculado ao menor impacto na tarifa, ou seja, a que resultaria na menor tarifa.
Desta forma, é necessário destacar que:
● os arranjos vinculados diretamente ao DAEV (locação de ativos e concessão administrativa) passam por: problemas de estrutura de garantia, uma vez que o DAEV não produz excedente tarifário (o que daria cobertura ao pagamento das contraprestações) e trazem eficiência a somente uma parte dos serviços de saneamento (construção no caso de locação de ativos e construção e operação no sistema de esgotamento sanitário no caso de concessão administrativa).
● os arranjos vinculados ao Município (concessão plena e empresa estatal), mesmo que sujeitos a carga tributária, o que atualmente não ocorre, possibilitam a inserção de mecanismos de incentivos e eficiências atrelados ao contrato de concessão;
Adicionalmente, o arranjo através de uma empresa estatal permite ao Município criar um sistema de saneamento que consiga estruturar seu próprio capital, dar garantias, melhorar seus modelos de contratação, ou seja, trazer a eficiência do capital privado, sem que haja transferência da decisão estratégica do saneamento municipal.
Além disto, a permanência do município como sócio da estatal permite que ganhos futuros que atualmente são difíceis de serem estimados possam ser capturados através da distribuição dos resultados econômicos. Em um contrato de concessão plena, os ganhos seriam estimados pelo mercado com base nas informações atuais, sem a consideração de futuras evoluções tecnológicas.
JURÍDICO-INSTITUCIONAL
Sob o ponto de vista jurídico-institucional, diante das características centrais dos modelos apresentados anteriormente, nota-se que o juízo quanto à vantajosidade de cada um dependerá das características de cada caso concreto. Assim, por exemplo, o modelo de sociedade de economia mista poderá ser o mais benéfico para um município com baixo nível de investimentos nos serviços públicos de saneamento básico e carente de órgão já devidamente estruturado para fiscalizar a prestação dos serviços ou entidade apta a prestar os serviços diretamente, e menos benéfico em outras situações.
Vale destacar que a prestação de serviços públicos por sociedades de economia mista também se mostra vantajosa em comparação com a prestação por outros entes da administração pública, como autarquias. Para além de propiciar mais investimentos e apropriação da expertise do parceiro privado, a prestação dos serviços pelas sociedades de economia mista ocorre de modo mais eficiente em decorrência da maior flexibilização do regime de contratação e de gestão das empresas estatais, como apontado acima.
A tabela abaixo consolida as principais características e vantagens e desvantagens de cada um dos modelos expostos.
Concessões comuns | Concessões administrativas ou patrocinadas | Sociedades de economia mista | Empresas públicas | |
PRESTADORA | Sociedade de propósito específico | Sociedade de propósito específico | Sociedade de economia mista cuja maioria das | Sociedade cujas ações pertençam exclusivamente à |
constituída (como subsidiária integral) da licitante vencedora66 | constituída (como subsidiária integral) da licitante vencedora67 | ações com direito de voto será detida pela administração (direta ou indireta) e demais ações poderão ser detidas por parceiro privado selecionado68 | administração (direta ou indireta) | |
AUTORIZAÇÕES LEGISLATIVAS | Necessidade de autorização legislativa69 | Necessidade de autorização legislativa70 | Necessidade de autorização legislativa para criação | Necessidade de autorização legislativa para criação |
INSTRUMENTO CONTRATUAL | Contrato de concessão | Contrato de concessão | Contrato de concessão (opcional) | Contrato de concessão (opcional) |
SELEÇÃO DO PARCEIRO PRIVADO | Licitação para outorga do contrato de concessão | Licitação para outorga do contrato de concessão | Procedimento para seleção pode assumir diferentes formas (p. ex., licitação ou chamamento público) | Não aplicável |
REMUNERAÇÃO PELOS SERVIÇOS | Tarifa (subsidiada ou não) paga pelo usuário | Contraprestação paga integral ou parcialmente pelo poder público Tarifa (subsidiada ou não) paga pelo usuário (no caso de concessão patrocinada) | Tarifa (subsidiada ou não) paga pelo usuário | Tarifa (subsidiada ou não) paga pelo usuário |
RECEITAS DO PARCEIRO PRIVADO | Tarifas e receitas acessórias e/ou alternativas | Contraprestação, tarifas e receitas acessórias e/ou alternativas | Receitas serão percebidas indiretamente pelo parceiro privado, pela distribuição de dividendos, | Não aplicável |
66 Caso a licitante vencedora seja um consórcio formado por diferentes pessoas jurídicas, as ações da sociedade de propósito específico serão detidas pelas consorciadas na mesma proporção da participação de cada uma delas no consórcio.
67 Aplica-se a mesma observação feita na nota de rodapé acima.
68 Uma vez garantido que a administração pública detém a maioria das ações com direito a voto, a legislação não prevê regra quanto à distribuição do capital (sendo possíveis tanto a divisão de 80% de ações detidas pela administração e 20% pelo parceiro privado quanto a divisão de 60% e 40%).
69 A necessidade de autorização legislativa poderá ser contestada tendo em vista a jurisprudência do STF a respeito da inconstitucionalidade de dispositivos que condicionam a assinatura de contratos pela administração pública à autorização pelo Poder Legislativo.
70 Aplica-se a mesma observação feita na nota de rodapé acima.
enquanto acionista minoritário | ||||
VANTAGENS E DESVANTAGENS DO PODER PÚBLICO | Elaboração de políticas públicas | Elaboração de políticas públicas | Elaboração de políticas públicas | Elaboração de políticas públicas |
Regulação tarifária | Regulação tarifária | Regulação tarifária | Regulação tarifária | |
Assume custos com regulação, fiscalização71 e subsídios (se existentes) | Assume custos com regulação, fiscalização72, contraprestação da concessionária e subsídios (se existentes) | Assume custos com regulação, fiscalização e subsídios (se existentes) Compartilha custos da operação com acionista privado | Assume totalidade dos custos e subsídios (se existentes) | |
Transfere obrigações de investimento | Transfere obrigações de investimento | Compartilha obrigações de investimento | Assume totalidade das obrigações de investimentos | |
Não participa dos lucros da prestadora | Não participa dos lucros da prestadora | Participa dos lucros da prestadora (se existentes) | Participa exclusivamente dos lucros da prestadora (se existentes) | |
Acesso às informações da operação prestadas pela concessionária | Acesso às informações da operação prestadas pela concessionária | Acesso direto a todas as informações da operação | Acesso direto a todas as informações da operação | |
Não adquire expertise do parceiro privado | Não adquire expertise do parceiro privado | Adquire expertise do parceiro privado (acionista) | Não adquire expertise do parceiro privado | |
VANTAGENS E DESVANTAGENS PARA O PARCEIRO PRIVADO | Manutenção do equilíbrio econômico- financeiro inicial do contrato | Manutenção do equilíbrio econômico- financeiro inicial do contrato | Não há garantia à Manutenção do equilíbrio econômico- financeiro inicial do contrato | Não aplicável |
Ausência de risco de inadimplência do Poder Público (exceto em casos de subsídio tarifário, a | Mitigação do risco de inadimplência do Poder Público por meio de garantia pública | Mitigação de riscos de inadimplência do Poder Público por meio de mecanismos de proteção de |
71 É possível que os contratos de concessão prevejam o pagamento de taxa de fiscalização.
72 Aplica-se a mesma observação feita acima.
depender do modelo adotado) | acionista minoritário | |||
Acesso a linhas de crédito para agentes privados | Acesso a linhas de crédito para agentes privados | Acesso a linhas de crédito exclusivas para a administração pública73 | ||
Exposição a riscos políticos reduzida pela matriz de riscos | Exposição a riscos políticos reduzida pela matriz de riscos | Proteção contra riscos políticos por meio de mecanismos de proteção de acionista minoritário e regras de governança corporativa | ||
Regulação tarifária previamente conhecida e proteção contra mudanças em razão da imutabilidade das cláusulas econômico- financeiras do contrato | Regulação tarifária previamente conhecida e proteção contra mudanças em razão da imutabilidade das cláusulas econômico- financeiras do contrato | Regulação tarifária previamente conhecida e mitigação do risco de mutabilidade da estrutura da tarifa em razão da redução da assimetria de informações (estrutura e componentes do cálculo da tarifa necessária para manter a sustentabilidade da operação) | ||
Risco de revisão tarifária insuficiente para assegurar a sustentabilidade da operação a depender do método de cálculo adotado | Risco de revisão da contraprestação e/ou da tarifa insuficiente para assegurar a sustentabilidade da operação a depender do método de cálculo adotado | Mitigação do risco de revisão tarifária insuficiente para assegurar a sustentabilidade da operação em razão da redução da assimetria de informações (estrutura e componentes do cálculo da tarifa plenamente conhecidos pela administração) e das regras de |
73 Cite-se como exemplo o BB Financiamento Setor Público, do Banco do Brasil. Mais informações disponíveis em: xxxxx://xxx.xx.xxx.xx/xxx/xxxxxx-xxxxxxx/xxxxx-xxxxxxx/xxxxxxx/xx-xxxxxxxxxxxxx-xxxxx-xxxxxxx#/. Acesso em: 27.09.2022.
governança corporativa | ||||
Reajuste dependente de homologação | Possibilidade de reajuste automático (contestável pela administração)74 | Mitigação do risco de reajuste tarifário abaixo do valor devido em razão da redução da assimetria de informações (estrutura e componentes do cálculo da tarifa plenamente conhecidos pela administração) e das regras de governança corporativa | ||
ASPECTOS TRIBUTÁRIOS | PIS/COFINS | PIS/COFINS | PIS/COFINS | PIS/COFINS |
Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) | Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) | Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) | Imunidade tributária do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) | |
Contribuição Social Sobre Xxxxx Xxxxxxx (CSLL) | Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL) | Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL) | Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL) | |
ISS (serviços não relacionados à atividade de água e esgoto) | ISS (serviços não relacionados à atividade de água e esgoto) | ISS (serviços não relacionados à atividade de água e esgoto) | Imunidade tributária do ISS |
IDENTIFICAÇÃO DE PLAYERS E COMPETÊNCIAS
Na presente seção, são identificados os principais agentes que definem e interferem no modelo de prestação dos serviços de água e esgoto do Município de Valinhos e suas competências. O intuito é aprofundar as características do modelo identificadas no Produto 1 e, assim, estimar propriamente os impactos do Novo Xxxxx Xxxxxxxxxxx e do modelo proposto por estes estudos sobre a atual estrutura jurídico-institucional.
74 Lei nº 11.079/2004, art. 5º, § 1º.
Departamento de Águas e Esgotos de Valinhos – DAEV
O Município de Valinhos é o titular dos serviços públicos de saneamento básico, podendo adotar diferentes configurações de delegação das competências relacionadas aos serviços de sua titularidade. Nesse passo, o Município de Valinhos criou em 1970 o DAEV, autarquia municipal ora responsável por operar, manter, conservar e explorar os serviços de fornecimento de água potável, regular e fiscalizar a prestação dos serviços e exercer quaisquer outras atividades relacionadas com os sistemas municipais de águas e esgotos75. Registra-se que os serviços de saneamento básico operados pelo município de Valinhos por meio do DAEV atualmente englobam somente o fornecimento de água potável e o manejo e tratamento de esgotos sanitários, de forma que outros serviços de saneamento básico como limpeza urbana e drenagem permanecem operados pela administração pública direta do Município.
SANASA
A Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S.A. (“SANASA”) é uma sociedade de economia mista criada em 1974 pelo Município de Campinas cuja finalidade é a prestação dos serviços públicos de saneamento básico.
Em 19 de dezembro de 2018, o Município de Valinhos, o DAEV, o Município de Campinas e a SANASA celebraram com o Ministério Público do Estado de São Paulo (“MP-SP”) Termo de Ajustamento de Conduta (“TAC”) com o objetivo de reparar ou minimizados danos ambientais na bacia hidrográfica do Ribeirão Pinheiros, em que se localizavam estações de tratamento de esgoto operadas pelo DAEV e pela SANASA. Os danos, conforme conclusões do inquérito civil promovido pelo MP-SP, seriam decorrentes, principalmente, da atuação ineficiente do DAEV.
No TAC, foram estabelecidas obrigações de cooperação operacional, técnica e financeira entre o DAEV e a SANASA, assim como outras ações de controle do lançamento clandestino de esgoto sanitário nas redes de esgotamento sanitário, de fiscalização preventiva e despoluição dos corpos d’água e de redução de perdas de água para vazamentos e ligações irregulares ou fraudulentas.
Em cumprimento ao acordo, em março de 2019, o DAEV firmou com a SANASA um Convênio de Cooperação Técnica, que, nos termos acordados no referido TAC, delegou a prestação dos serviços de tratamento de esgoto no Município de Valinhos à SANASA pelo período de 30 (trinta) anos e fixou obrigações de investimentos para a autarquia e para a Companhia, incluindo a
75 Lei Municipal nº 833, de 12 de agosto de 1970.
obrigação de execução do retrofit da ETE Capuava e construção de emissário pela SANASA. Por meio desse Convênio, o DAEV se comprometeu a arcar com 57,89% dos investimentos necessários e a SANASA, a realizar 42,11% destes.
À época, entendeu-se que esse arranjo jurídico-institucional seria o mais adequado para promover os investimentos e ações necessários à resolução dos problemas ambientais identificados na bacia hidrográfica do Ribeirão Pinheiros, diante da ausência de capacidade econômico-financeira do Município de Valinhos para realizar todos os investimentos e ações necessários.
No entanto, decorridos mais de 3 (três) anos da assinatura do Convênio de Cooperação Técnica entre o DAEV e a SANASA, o objeto deste não foi ainda implementado. De acordo com informações recebidas, até o momento aguarda-se o lançamento da licitação, por parte da SANASA, para realização do retrofit da ETE Capuava.
Entre os problemas já identificados nesse instrumento, está a divisão do volume de investimentos entre o DAEV e a SANASA, que: (i) não considera a possibilidade de apropriação de benefícios fiscais pela SANASA em virtude do financiamento; (ii) não prevê ajustes no valor frente ao valor real dos investimentos; (iii) não considera adequadamente os ativos já existentes; e (iv) não prevê a possibilidade de liquidação antecipada do financiamento caso a opção se mostre viável e vantajosa ao DAEV.
Agência Reguladora dos Serviços de Saneamento das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí – ARES-PCJ
Em 2011, o município de Valinhos ratificou o Protocolo de Intenções da ARES-PCJ para delegar a esta as competências municipais de regulação e fiscalização da qualidade dos serviços da prestação dos serviços a públicos de saneamento básico76.
A ARES-PCJ é uma associação pública, na forma de consórcio público, conforme a Lei Federal nº 11.107, de 6 de abril de 2005 (“Lei de Consórcios Públicos”), constituída por diversos municípios paulistas integrantes das bacias hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Trata-se de pessoa jurídica de direito público interna, de natureza autárquica e que integra a administração indireta de todos os municípios consorciados – entre estes, Valinhos.
76 Lei Municipal nº 4.671/2011.
A atuação da Agência é regida pelo protocolo de intenções assinado pelos municípios consorciados em 20 de agosto de 2010 (“Protocolo de Intenções”)77. Por meio deste instrumento, os municípios consorciados delegaram à Agência a competência para realizar a gestão associada dos serviços de saneamento básico, no que se refere à regulação e à fiscalização, quando prestados diretamente pelos municípios ou por meio de concessão, autorização, contrato de programa e outros atos de delegação78.
A Agência é competente para (i) editar regulamentos que abrangem normas relativas às dimensões técnica, econômica e social da prestação dos serviços, a que se refere o art. 23 da Lei Federal nº 11.445/2007; (ii) fiscalizar e exercer o poder de polícia relativo aos referidos serviços públicos; (iii) analisar, fixar, rever e reajustar os valores de taxas, tarifas e outros preços públicos atinentes à prestação dos serviços; e (iv) estabelecer e operar sistema de informação sobre os serviços de saneamento básico79.
A competência delegada de regulação e fiscalização engloba todo o conjunto de serviços públicos de manejo de resíduos sólidos, de limpeza urbana, de abastecimento de água potável, de esgotamento sanitário e de drenagem e manejo de águas pluviais.
ANA
A ANA é uma autarquia federal, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, criada pela Lei nº 9.984/2000. Diante das novas funções delegadas a essa Agência pelo Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, a ANA encontra-se no rol de agentes que podem intervir na prestação dos serviços de saneamento básico do Município de Valinhos, ainda que potencial e indiretamente.
Conforme ressaltado anteriormente, o Novo Marco Regulatório delegou à ANA a competência para regular da prestação dos serviços de saneamento por meio da edição de normas de referência, sem prejuízo da regulação realizada nos âmbitos local e regional junto aos municípios e/ou estados.
De acordo com a Lei nº 14.026/2020, a ANA deve instituir arcabouço regulatório que vincule a prestação dos serviços de saneamento básico em todo o país às diretrizes gerais referentes a padrões de qualidade e eficiência, regulação tarifária padronização dos instrumentos negociais
77 Protocolo de Intenções disponível no sítio eletrônico da ARES-PCJ em: xxxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxx/xxxxxxxx/0000000000-xxxxxxxxx_xx_xxxxxxxxx.xxx.
78 Protocolo de Intenções, Cl. 10ª.
79 Protocolo de Intenções, Cl. 10ª e ss., Cl. 69ª.
firmados entre o titular do serviço público e o delegatário, metas de universalização, critérios de contabilidade regulatória e outros parâmetros técnicos e econômico-financeiros que envolvem a prestação dos serviços.
As normas editadas pela ANA, no entanto, não produzem efeitos de modo imediato. Cabe aos titulares dos serviços de saneamento básico aderir a essas, medida que é condição para que tenha acesso a recursos e financiamento federais.
Vale mencionar que, no biênio de 2021-2022, a ANA já editou duas normas de referência acerca da prestação dos serviços de saneamento básico, entre outros esforços envidados nesse sentido.
A primeira delas foi a Norma de Referência nº 1, que dispõe sobre o regime, a estrutura e os parâmetros da cobrança pela prestação do serviço público de manejo de resíduos sólidos urbanos, bem como os procedimentos e prazos de fixação, reajuste e revisões tarifárias.
A segunda delas foi a Norma de Referência nº 2, que dispõe sobre a padronização dos aditivos aos Contratos de Programa e de Concessão de serviços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário para a incorporação das metas de universalização desses serviços, previstas no art. 11-B da Lei nº 11.445/2007.
IMPACTOS DO NOVO MARCO REGULATÓRIO SOBRE O DESENHO JURÍDICO- INSTITUCIONAL DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SANEAMENTO NO MUNICÍPIO DE VALINHOS
Como apontado, o Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico implementou mudanças significativas no setor, tendo não apenas estabelecido metas de universalização e novas diretrizes, mas também disposto sobre medidas concretas a serem implementadas para o alcance efetivo de seus objetivos.
Nesse cenário, algumas alterações em especial impactam diretamente o atual modelo de prestação de serviços de água e esgoto no Município de Valinhos, quais sejam: (i) a irregularidade da prestação desses serviços por meio de instrumentos de natureza precária; e
(ii) a exigência de alteração dos instrumentos contratuais para a inclusão de metas de universalização e de redução de perdas.
Abaixo, são feitas considerações sobre os impactos de tais alterações sob o modelo de prestação dos serviços de esgotamento sanitário, tendo em vista que tal serviço atualmente não é prestado diretamente pelo Município de Valinhos. A revisão do TAC e, principalmente, do
Convênio são medidas necessárias para que o Município de Valinhos possa se adequar plenamente ao Novo Marco Regulatório.
Todavia, deve-se destacar que a prestação dos demais serviços de saneamento básico também deve se adequar ao Novo Marco Regulatório, sendo essencial que o Município promova as ações necessárias para o atingimento das metas constantes do art. 11-B da Lei nº 11.445/2007.
Irregularidade do instrumento de prestação do serviço de esgotamento sanitário
Conforme detalhado nas seções anteriores, após a publicação da Lei nº 14.026/2020, a Lei nº 11.445/2007 passou a vedar a prestação dos serviços públicos de saneamento básico por meio de contratos de programa, convênios, termos de parceria e outros instrumentos de natureza precária.
No mesmo sentido, a Lei nº 11.445/2007 foi alterada para estabelecer que se tornariam irregulares e precários também (i) os contratos provisórios não formalizados e (ii) os contratos vigentes prorrogados em desacordo com as disposições legais alteradas80. Apesar disso, a fim de preservar a segurança jurídica, a Lei nº 14.026/2020, por exemplo, manteve a vigência dos contratos de programa regulares até o término do prazo contratual81.
O Decreto nº 10.588/2022 também estabelece regras acerca da regularidade dos instrumentos de prestação de serviço. Em seu art. 4º-A, acrescido pelo Decreto nº 11.030/2022, o Decreto nº 10.588/2022 estabelece que a irregularidade do contrato implica a irregularidade da operação, cabendo ao titular dos serviços – isto é, o Município – avaliar e identificar as providências cabíveis para os casos em que o contrato não puder ser regularizado, como, por exemplo, nos casos de contratos de programa que não tenham internalizado, até o dia 31 de março de 2022, as metas de expansão e atendimento e outras hipóteses conforme entendimento do titular do serviço público de saneamento básico ou da entidade reguladora e fiscalizadora.
Na hipótese de se entender pela transição, a norma impõe ao titular o dever de imediata adoção de providências para transição para uma forma de operação regular, incluindo a extinção antecipada dos contratos irregulares, o cálculo de indenizações, quando cabíveis, e, no caso da estruturação de novos contratos de concessão, a elaboração dos estudos e avaliações indispensáveis aos procedimentos licitatórios. O Decreto nº 10.588/2022 determina, ainda, que
80 Lei nº 11.445/2007, art. 11-B, § 8º.
81 Lei nº 11.445/2007, art. 10, § 3º.
as providências para extinção antecipada de contratos irregulares devem considerar os conceitos e os procedimentos aplicáveis aos contratos de concessão, no que for cabível.
No Município de Valinhos, o Convênio de Cooperação Técnica determina que a SANASA deve executar os serviços de tratamento de esgoto mediante a assunção da ETE Capuava82. O Convênio, como apontado, foi assinado em março de 2019, e tem prazo de vigência de 30 (trinta) anos83.
No entanto, embora o instrumento em questão assuma a forma de convênio de cooperação, é de se destacar que seu conteúdo abrange mais do que a obrigação da SANASA de executar os serviços. O Convênio de Cooperação Técnica prevê, por exemplo, o pagamento de contraprestação mensal à SANASA pelo DAEV por meio de crédito84, garantida por sistema de contas85 (estrutura similar à que contratos de concessão administrativa ou patrocinada podem prever), obrigação de obtenção de financiamento pela SANASA86 e a constituição de Comissão Mista pelas partes para gerir, promover, supervisionar e acompanhar o Convênio, bem como dirimir dúvidas acerca de sua execução87.
Diante disso, há duas interpretações possíveis acerca do impacto do Novo Xxxxx Xxxxxxxxxxx sobre o Convênio de Cooperação Técnica. A primeira é que, por não se tratar formalmente de um contrato de programa, estaria fora da exceção feita pela Lei nº 14.026/2020 que manteve a vigência de tal instrumento até o fim de seu prazo. Dessa forma, considerando que o Novo Marco Regulatório veda a prestação de serviços de saneamento básico por meio de convênios de cooperação e outros instrumentos de natureza precária, o Convênio de Cooperação Técnica teria se tornado irregular.
A segunda interpretação é que, dada a complexidade do Convênio de Cooperação, seria possível equivaler o Convênio a um contrato de programa e concluir por sua vigência até o final do prazo de 30 (trinta) anos.
Em que pese a diferenciação entre contratos de programa e convênios de cooperação, a Norma de Referência nº 2 da ANA, ao padronizar os termos aditivos para incorporação das metas do Novo Xxxxx Xxxxxxxxxxx, estabeleceu equivalência dos convênios de cooperação e instrumentos congêneres aos contratos de programas, prevendo que: “[a]plicam-se aos contratos, aos convênios e aos instrumentos congêneres mencionados no inciso II do §1º do art.
82 Convênio de Cooperação Técnica, cláusula 2.2, “a”.
83 Convênio de Cooperação Técnica, cláusula 10. 84 Convênio de Cooperação Técnica, cláusula 4.3.1. 85 Convênio de Cooperação Técnica, cláusula 4.4. 86 Convênio de Cooperação Técnica, cláusula 4.1. 87 Convênio de Cooperação Técnica, cláusula 11.1.
1º desta Norma de Referência as regras aplicáveis aos Contratos de Programa”88. A Norma, portanto, corroboraria a interpretação de que o Convênio de Cooperação Técnica permanece em vigor.
Nesse caso, cabe ao Município, em conjunto com a ARES-PCJ, avaliar a regularidade e/ou possibilidade de regularização do Convênio de Cooperação Técnica, nos termos do art. 4º-A, §1º do Decreto nº 10.588/2022, ou, ao contrário, adotar as providências necessárias à transição para um novo modelo. Destaca-se que, em se constatando a impossibilidade de regularização, nas hipóteses elencadas no referido decreto ou, ainda, conforme entendimento do titular do serviço ou da entidade reguladora, determina-se a imediata adoção de providências para a transição para uma forma de operação regular, inclusive mediante o cálculo de indenizações, quando cabíveis, e, no caso estruturação de novos contratos de concessão, a elaboração dos estudos e avaliações indispensáveis aos procedimentos licitatórios.
Em que pese a margem de discricionariedade conferida pela nova legislação, pode-se afirmar que a continuidade da prestação do serviço de esgotamento sanitário do Município de Valinhos pela SANASA, por meio do Convênio de Cooperação Técnica, cria um cenário de insegurança jurídica. Este é um dos principais impactos do Novo Xxxxx Xxxxxxxxxxx sobre o atual modelo.
Essa conclusão também atinge o TAC, à medida que a assinatura do Convênio de Cooperação Técnica se deu para possibilitar a unificação dos investimentos do DAEV e da SANASA para atender ao objetivo de reparar ou minimizar os danos ambientais constatados pelo MP-SP. Nesse cenário, tendo em vista que os objetivos do TAC podem ser atingidos por outros meios que não o Convênio de Cooperação Técnica e que o termo deve estar de acordo com a legislação em vigor, caso se opte pela adoção de um novo modelo de prestação de serviços, faz-se necessária a sua revisão.
Incorporação das metas do Novo Marco Regulatório
O Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico prevê que os contratos de prestação de serviços de saneamento básico devem prever metas de: (i) universalização que garantam o atendimento de 99% (noventa e nove por cento) da população com água potável e de 90% (noventa por cento) da população com coleta e tratamento de esgotos até 31.12.2033; (ii) não intermitência do abastecimento; e (iii) redução de perdas.
88 Norma de Referência nº 2, art. 1º, § 3º.
Os contratos já em vigor à época da publicação da Lei nº 14.026/2020 devem ser aditados até 31.12.2022 para incluir tais metas, caso não tenham sido precedidos de licitação89. De toda forma, determinou o Novo Marco Regulatório que os contratos provisórios não formalizados e os vigentes prorrogados em desconformidade com a Lei seriam considerados irregulares e precários, como mencionado acima90.
De acordo com as alterações do Novo Xxxxx Xxxxxxxxxxx, mesmo os contratos de programa e concessão vigentes e aptos a serem preservados até seu termo contratual devem ser alterados para receber (i) metas progressivas e graduais de expansão dos serviços; (ii) de redução progressiva e controle de perdas na distribuição de água tratada; (iii) de qualidade; e (iv) de eficiência e de uso racional da água, da energia e de outros recursos naturais91.
Ainda que se entenda que o Convênio de Cooperação Técnica permanece plenamente em vigor, o atual modelo de prestação de serviços de saneamento básico no Município de Valinhos permaneceria em desconformidade com o Novo Marco Regulatório, caso não fossem feitos os ajustes necessários à integração das metas acima referidas.
IMPACTOS DO MODELO PROPOSTO SOBRE O DESENHO JURÍDICO-INSTITUCIONAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇOS PÚBLICOS NO MUNICÍPIO DE VALINHOS
Diante dos modelos de parcerias público-privadas para a prestação dos serviços de saneamento básico expostas anteriormente e da realidade institucional e da prestação dos serviços, conclui- se que a alternativa mais adequada para o Município de Valinhos é a prestação dos serviços por meio de sociedade de economia mista, controlada pelo Município e com participação societária de agente privado com capacidade econômico-financeira e experiência na prestação de tais serviços.
Para além das justificativas de caráter econômico-financeiro, o modelo em questão se justifica tendo em vista: (i) o baixo nível de investimentos nos serviços públicos de saneamento básico constatado atualmente no Município de Valinhos; (ii) a possibilidade de apropriação da expertise do parceiro privado; (iii) a flexibilização do regime de contratação e de gestão das empresas estatais, em comparação com o regime aplicável ao DAEV; (iv) a maior facilidade para a implementação de objetivos de políticas públicas, em comparação com a concessão dos
89 Lei nº 11.445/2007, art. 11-B, § 1º.
90 Lei nº 11.445/2007, art. 11-B, § 8º.
91 Lei nº 11.445/2007, art. 11, § 2º.
serviços; (v) o potencial aumento da qualidade dos serviços e da eficiência na prestação destes; e (vi) o recebimento de dividendos da companhia, na forma de distribuição de lucros.
No que diz respeito aos impactos gerados por esse modelo sobre a atual estrutura dos serviços de saneamento básico do Município de Valinhos, para além da necessidade de constituição de empresa estatal, os principais deles também recaem sobre os instrumentos atualmente existentes para a prestação do serviço de esgotamento sanitário que a delegam a pessoa jurídica que não integra a administração pública do Município – quais sejam, o TAC e o Convênio de Cooperação Técnica.
Diante disso, exploramos a seguir a necessidade de: (i) constituição de sociedade de economia mista pelo Município de Valinhos; (ii) revisão do TAC para ajustar os meios admitidos para o alcance de seu objetivo; e (iii) extinção do Convênio de Cooperação Técnica, a fim de possibilitar que o serviço de esgotamento sanitário seja prestado diretamente pelo Município de Valinhos.
Conforme apontado, a estrutura jurídica não tem sido suficiente para a realização dos investimentos necessários na infraestrutura dos serviços de esgotamento e tem amarrado o Município a um modelo que impede a adoção de alternativas eficientes, impedindo inclusive o alcance dos objetivos do TAC.
Constituição de sociedade de economia mista pelo Município de Valinhos
O mais claro impacto do modelo proposto consiste na necessidade de constituição da sociedade de economia mista que será a prestadora dos serviços de saneamento básico, dada a inexistência desse veículo na atual estrutura da administração pública do Município de Valinhos. Para tanto, como destacado neste Relatório, deverá ser publicada lei municipal que autorize a constituição da empresa.
Conforme descrito anteriormente, o DAEV é a autarquia competente para a prestação dos serviços de água e esgoto no Município desde 1970, embora recentemente a prestação do serviço de esgotamento sanitário tenha sido delegada à SANASA. Nesse sentido, é possível o aproveitamento da estrutura atualmente existente do DAEV para a constituição da empresa estatal, a fim de tornar o processo menos custoso para o Município, por meio da transformação dessa autarquia.
Inicialmente, o DAEV deverá ser transformado em empresa pública, com capital social detido integralmente pelo Município de Valinhos. Dessa forma, após a sua transformação, será possível estruturar e realizar, da forma mais apropriada, o procedimento de escolha do parceiro privado que irá se tornar acionista minoritário, com o que a empresa pública será transformada em
sociedade de economia mista. Isso porque, uma vez transformado em empresa pública, o DAEV passará a se submeter ao regime das empresas estatais (notadamente, a Lei nº 13.303/2016) e poderá se beneficiar de regramento mais flexível, inclusive com sua integração ao mercado financeiro e de capitais e obtenção de recursos – um dos principais motivos pelos quais o Convênio de Cooperação Técnica foi celebrado com a SANASA.
É importante destacar que a prestação direta dos serviços de saneamento básico por entidade que integra a administração do titular não depende da celebração de qualquer contrato – seja de concessão, seja de prestação de serviços – para ser efetivada. Da mesma forma, a seleção de parceiro privado, quando a escolha da empresa estatal esteja diretamente associada a suas características particulares, não depende de prévia licitação, nos termos do art. 28, §§3º e 4º, da Lei nº 13.303/2016. Em nada obstante, entendemos que é igualmente possível, com ganhos relacionados à maior segurança jurídica e maior nível de atratividade para os investidores privados, que: (i) a prestação dos serviços de saneamento pela nova empresa estatal seja baseada em contrato de concessão, instrumento adequado conforme o Novo Xxxxx Xxxxxxxxxxx; e (ii) a seleção do parceiro privado ocorra por meio de licitação regida pela Lei nº 13.303/2016.
A lei autorizativa da transformação do DAEV em empresa estatal deverá atender as exigências da Lei nº 13.303/2016, sendo o mais recomendado que essa já preveja também a autorização de transformação da empresa pública em sociedade de economia mista no futuro, a fim de tornar mais eficiente o processo como um todo.
Para além disso, para possibilitar a assinatura do referido contrato de concessão, será também necessário que a prestação do serviço de esgotamento sanitário deixe de ser incumbida à SANASA, tema abordado nos tópicos a seguir.
Revisão do TAC e Extinção do Convênio de Cooperação Técnica
O modelo proposto por este estudo é incompatível com o atual modelo de prestação do serviço de esgotamento sanitário no Município de Valinhos, notadamente em razão do TAC e do Convênio de Cooperação Técnica.
Como apontado anteriormente, o TAC tem como principal objetivo reparar e/ou minimizar os danos ambientais na bacia hidrográfica do Ribeirão Pinheiros causados pela operação ineficiente da ETE Capuava. Por meio do acordo, para atingir o objetivo em questão, foram tomadas obrigações de cooperação operacional, técnica e financeira entre o DAEV e a SANASA, assim como outras ações de controle do lançamento clandestino de esgoto sanitário nas redes de
esgotamento sanitário, de fiscalização preventiva e despoluição dos corpos d’água e de redução de perdas de água para vazamentos e ligações irregulares ou fraudulentas.
Tais obrigações levaram à assinatura do Convênio de Cooperação Técnica, mas essas não têm sido suficientes para o alcance dos objetivos do TAC, transcorridos quase 4 (quatro) anos da assinatura do acordo. Destaca-se que o retrofit da ETE Capuava, etapa inicial do arranjo entabulado, ainda não foi realizado.
Os estudos ora realizados concluíram que os objetivos em questão poderão ser atendidos efetivamente por outros meios que não o referido convênio. Como mencionado, um dos principais fatores considerados para implementação do convênio foi a capacidade da SANASA de obter recursos para os investimentos necessários, dado o seu figurino privado. A transformação do DAEV em sociedade de economia mista, com a abertura do seu capital pra seleção de investidor privado, atinge o mesmo objetivo, viabilizando os investimentos nos serviços de saneamento e, consequentemente, minimizando os danos ambientais decorrentes do lançamento de esgoto clandestino na bacia hidrográfica mencionada e da operação inadequada da ETE Capuava. Somam-se aos benefícios do modelo a manutenção do controle dos serviços com o Município de Valinhos, na qualidade de titular dos serviços, e a possibilidade de se absorver a expertise do investidor privado para modernização dos serviços, podendo ser tal elemento, inclusive, critério de seleção. Do ponto de vista financeiro, a apropriação dos dividendos da empresa também são um diferencial.
Com relação aos impactos sobre o TAC, importante levar em conta que, consoante a Resolução nº 179/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (“Resolução CNMP nº 179/2019”), as partes signatárias de termos de ajustamento de conduta podem repactuar as condições originariamente definidas a fim de evitar a execução do acordo em caso de descumprimento de suas disposições92. Além disso, a regulação de tais ajustes também permite que as partes celebrem novos termos de ajustamento de conduta com objeto mais abrangente, de forma que a revisão do TAC se mostra não apenas juridicamente possível, como, ainda, necessária para que os objetivos do termo e do Novo Marco Regulatório sejam alcançados.
A extinção do Convênio de Cooperação Técnica é igualmente possível e necessária. No que diz respeito à possibilidade jurídica, o STF e o STJ já registraram entendimento acerca da faculdade dos partícipes de convênios de cooperação de denunciar ou renunciar o termo unilateralmente a qualquer tempo, uma vez que tais instrumentos não são dotados da mesma rigidez que os contratos administrativos ou de concessão, por exemplo. Além disso, o próprio Xxxxxxxx de
92 Resolução CNMP nº 179/2017, art. 11, parágrafo único,
Cooperação Técnica permite sua rescisão mediante pagamento de indenização à SANASA, por investimentos não amortizados, se existentes93. Por fim, o Decreto nº 10.588/2022 conferiu aos titulares dos serviços a discricionariedade para avaliar a viabilidade de se regularizar a prestação e, caso contrário, adotar as providências necessárias à transição de modelo, inclusive com a extinção antecipada do vínculo.
Especificamente, o Decreto nº 10.588/2022 determina que as providências para extinção antecipada de contratos irregulares devem considerar os conceitos e os procedimentos aplicáveis aos contratos de concessão, de modo que a extinção do Convênio de Cooperação Técnica poderá ser decretada mediante a edição de lei autorizativa específica, com a indenização prévia dos investimentos realizados em bens reversíveis não amortizados ou depreciados, voltados à continuidade dos serviços públicos, de forma correlata à chamada encampação. Frise-se que, na medida em que não foram realizados pela SANASA investimentos vinculados a bens reversíveis, nenhuma indenização será devida pelo Município.
Destaca-se que, na medida em que o modelo proposto requer a edição de lei autorizativa para transformação do DAEV em sociedade de economia mista, o mesmo veículo normativo poderá ser aproveitado para autorizar a extinção do Convênio de Cooperação Técnica.
CONCLUSÃO
A presente seção teve como objetivo apresentar as principais conclusões dos estudos preliminares da modelagem jurídica, considerando aspectos de aplicação abstrata e o contexto jurídico-institucional dos serviços de saneamento básico no Município de Valinhos, as quais devem nortear a escolha do modelo a ser implementado, em conjunto com os estudos econômico-financeiros.
Conforme adiantado na seção anterior, à luz das avaliações quantitativas e qualitativas acima expostas, conclui-se que a alternativa mais adequada para o Município de Valinhos é a prestação dos serviços por meio de sociedade de economia mista, controlada pelo Município e com participação societária de agente privado com capacidade econômico-financeira e experiência na prestação de tais serviços.
Para fundamentar tal conclusão, destacamos na tabela abaixo os principais aspectos de cada modelo de parceria mapeados anteriormente nesse relatório, de acordo com a sensibilidade para a escolha pelo Município: (i) em vermelho, os pontos mais sensíveis, com divergências mais
93 Convênio de Cooperação Técnica, Cláusula 4.4.3.2.
significativas entre os modelos; (ii) em azul, os pontos moderadamente sensíveis, com divergências pouco significativas entre os modelos; e (iii) em cinza, pontos pouco ou não sensíveis, com divergências pouco ou nada relevantes entre os modelos.
Observamos que a primeira coluna, referente à estrutura societária da prestadora, foi mantida em branco por se tratar de item meramente instrumental, sem divergências materiais a serem consideradas.
Concessões comuns | Sociedades de economia mista | |
PRESTADORA | Sociedade de propósito específico constituída (como subsidiária integral) da licitante vencedora94 | Sociedade de economia mista cuja maioria das ações com direito de voto será detida pela administração (direta ou indireta) e demais ações poderão ser detidas por parceiro privado selecionado95 |
AUTORIZAÇÕES LEGISLATIVAS | Necessidade de autorização legislativa96 | Necessidade de autorização legislativa para criação |
INSTRUMENTO CONTRATUAL | Contrato de concessão | Contrato de concessão (opcional) |
SELEÇÃO DO PARCEIRO PRIVADO | Licitação para outorga do contrato de concessão | Procedimento para seleção pode assumir diferentes formas (p. ex., licitação ou chamamento público) |
REMUNERAÇÃO PELOS SERVIÇOS | Tarifa (subsidiada ou não) paga pelo usuário | Tarifa (subsidiada ou não) paga pelo usuário |
RECEITAS DO PARCEIRO PRIVADO | Tarifas e receitas acessórias e/ou alternativas | Receitas serão percebidas indiretamente pelo parceiro privado, pela distribuição de dividendos, enquanto acionista minoritário |
VANTAGENS E DESVANTAGENS DO PODER PÚBLICO | Elaboração de políticas públicas | Elaboração de políticas públicas |
Regulação tarifária | Regulação tarifária |
94 Caso a licitante vencedora seja um consórcio formado por diferentes pessoas jurídicas, as ações da sociedade de propósito específico serão detidas pelas consorciadas na mesma proporção da participação de cada uma delas no consórcio.
95 Uma vez garantido que a administração pública detém a maioria das ações com direito a voto, a legislação não prevê regra quanto à distribuição do capital (sendo possíveis tanto a divisão de 80% de ações detidas pela administração e 20% pelo parceiro privado quanto a divisão de 60% e 40%).
96 A necessidade de autorização legislativa poderá ser contestada tendo em vista a jurisprudência do STF a respeito da inconstitucionalidade de dispositivos que condicionam a assinatura de contratos pela administração pública à autorização pelo Poder Legislativo.
Concessões comuns | Sociedades de economia mista | |
Assume custos com regulação, fiscalização97 e subsídios (se existentes) | Assume custos com regulação, fiscalização e subsídios (se existentes) Compartilha custos da operação com acionista privado | |
Transfere obrigações de investimento | Compartilha obrigações de investimento | |
Não participa dos lucros da prestadora | Participa dos lucros da prestadora (se existentes) | |
Acesso às informações da operação prestadas pela concessionária | Acesso direto a todas as informações da operação | |
Não adquire expertise do parceiro privado | Adquire expertise do parceiro privado (acionista) | |
VANTAGENS E DESVANTAGENS PARA O PARCEIRO PRIVADO | Manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato | Não há garantia à Manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato |
Ausência de risco de inadimplência do Poder Público (exceto em casos de subsídio tarifário, a depender do modelo adotado) | Mitigação de riscos de inadimplência do Poder Público por meio de mecanismos de proteção de acionista minoritário | |
Acesso a linhas de crédito para agentes privados | Acesso a linhas de crédito exclusivas para a administração pública98 | |
Exposição a riscos políticos reduzida pela matriz de riscos | Proteção contra riscos políticos por meio de mecanismos de proteção de acionista minoritário e regras de governança corporativa | |
Regulação tarifária previamente conhecida e proteção contra mudanças em razão da imutabilidade das cláusulas econômico-financeiras do contrato | Regulação tarifária previamente conhecida e mitigação do risco de mutabilidade da estrutura da tarifa em razão da redução da assimetria de informações (estrutura e componentes do cálculo da tarifa necessária para manter a sustentabilidade da operação) | |
Risco de revisão tarifária insuficiente para assegurar a sustentabilidade da operação a | Mitigação do risco de revisão tarifária insuficiente para assegurar a sustentabilidade da operação em |
97 É possível que os contratos de concessão prevejam o pagamento de taxa de fiscalização.
98 Cite-se como exemplo o BB Financiamento Setor Público, do Banco do Brasil. Mais informações disponíveis em: xxxxx://xxx.xx.xxx.xx/xxx/xxxxxx-xxxxxxx/xxxxx-xxxxxxx/xxxxxxx/xx-xxxxxxxxxxxxx- setor-publico#/. Acesso em: 27.09.2022.
Concessões comuns | Sociedades de economia mista | |
depender do método de cálculo adotado | razão da redução da assimetria de informações (estrutura e componentes do cálculo da tarifa plenamente conhecidos pela administração) e das regras de governança corporativa | |
Reajuste dependente de homologação | Mitigação do risco de reajuste tarifário abaixo do valor devido em razão da redução da assimetria de informações (estrutura e componentes do cálculo da tarifa plenamente conhecidos pela administração) e das regras de governança corporativa | |
ASPECTOS TRIBUTÁRIOS | PIS/COFINS | PIS/COFINS |
Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) | Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) | |
Contribuição Social Sobre Xxxxx Xxxxxxx (CSLL) | Contribuição Social Sobre Xxxxx Xxxxxxx (CSLL) | |
ISS (serviços não relacionados à atividade de água e esgoto) | ISS (serviços não relacionados à atividade de água e esgoto) |
Reforçamos que, para a implementação de qualquer das alternativas apresentadas, será necessária a revisão do TAC e extinção do Convênio de Cooperação Técnica atualmente em vigor, conforme descrito anteriormente, promovendo os seus investimentos como obrigações do arranjo definido, para que se sustente a tese de que o município está a procura do melhor arranjo contratual para realização de seus investimentos.
Com isto, partindo da manifesta vontade do município em continuar na gestão estratégica e operacional do munícipio, recomenda-se a implantação de uma sociedade de economia mista, uma vez que, somente uma empresa integralmente pública não conseguirá ter uma produtividade maior do que a atual (DAEV), necessitando da presença do capital privado seja em termos financeiros ou de gestão empresarial e operacional e que para uma regime de concessão, o município atuará como órgão regulador e fiscalizar, fato que não é de seu desejo.
Termo de Conclusão
Por estarem de acordo, a FIA e a Prefeitura Municipal de Valinhos / Departamento de Águas e Esgoto de Valinhos, com os esclarecimentos aqui apresentados, finalizamos este trabalho subscrevendo-nos.
Pela Fundação Instituto de Administração:
Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx
Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx
Xxxxxxx Xxxxxx
Pela Prefeitura Municipal de Valinhos / Departamento de Águas e Esgoto de Valinhos:
Responsável 1
Cargo 1
Responsável 2
Cargo 2