A indemnização de clientela no âmbito dos contratos de distribuição
A indemnização de clientela no âmbito dos contratos de distribuição
Xxxxxxxx X. Ferreira Pinto1
1. Pediram-me que viesse aqui hoje falar sobre uma figura um tanto ou quanto bizarra: a indemnização de clientela. Procurarei respeitar o limitado período de tempo de que disponho, advertindo, desde já, que muito mais ficará por dizer, atenta a circunstância de se tratar de um instituto cheio de sombras, respeitantes, umas, ao seu fundamento e natureza, incidindo outras sobre os seus requisitos positivos e negativos e manifestando-se outras, ainda, quanto aos seus modo de cálculo e âmbito subjetivo de aplicação.
2. Antes de avançar, importa fazer algumas advertências preliminares:
— Uma primeira destina-se a sublinhar que, nos seus aspetos essenciais, a presente intervenção segue de
* Texto que serviu de base à intervenção do autor no âmbito do Congresso de Direito Comercial, organizado conjuntamente pelo Centro de Estudos Judiciários e pela Revista de Direito Comercial (16 de Novembro de 2018). O presente trabalho irá ser também publicado num ebook conjunto do Centro de Estudos Judiciários e Revisa de Direito Comercial.
1 Doutor em Direito; Professor da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa; membro do Católica Research Centre for the Future of Law.
perto a minha dissertação de doutoramento2;
— Em segundo lugar – e foi certamente para isso que me convidaram – aludirei apenas à indemnização de clientela no âmbito dos contratos de distribuição, deixando de lado outras manifestações da figura;
— Em terceiro lugar, irei utilizar aqui a expressão “contratos de distribuição” no sentido que lhe é geralmente atribuído pela doutrina nacional, nesse como noutros aspectos decisivamente influenciada pelos autores germânicos3.
3. Dividirei a minha intervenção em três partes:
— Começarei por uma introdução geral ao instituto, fazendo ressaltar algumas sombras que pairam sobre ele;
— Aludirei seguidamente àqueles que penso serem o
fundamento e os objetivos da figura;
— Xxxxx, depois, sucinta conta das razões por que considero que a mesma não deverá ser aplicada a situações em que não esteja em causa um autêntico
2 XXXXXXXX X. XXXXXXXX XXXXX, Contratos de Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2013, pp. 542 ss.
3 De acordo com esta orientação, filiam-se na categoria, fundamentalmente, os contratos de agência, de concessão e de franquia (subordinativa, de distribuição e de serviços). Mas convém, advertir que, mesmo cingindo-nos ao espaço europeu, a conceção germânica sobre os contratos de distribuição está longe de ser consensual.
contrato de agência.
I – Aspetos introdutórios
4. O primeiro dos equívocos que ensombrece a indemnização de clientela reside logo na consagração original de um instituto sem propósitos inteiramente claros e perceptíveis.
Relembro aqui que não se trata de uma “invenção alemã”: as primeiras consagrações aconteceram nos direitos austríaco (1921), suíço (1949), francês (1937) e italiano (1935). Não se trata, de resto, de uma figura “exclusiva” do contrato de agência: no direito português, como em outras paragens, foram, por exemplo, consagradas indemnizações de clientela a favor dos arrendatários comerciais: inicialmente prevista pelo art. 33 do Decreto de 12.11.1910, perdurou, embora com modificações, no Código Civil de 1966 (art. 1114), vindo, mais tarde, a desaparecer.
Xxxxxx, no entanto, especial notoriedade após a sua consagração no HGB, através da «Handelsvertreternovelle» de 6.08.1953, que acrescentou o § 89b aquele Código.
5. Convém referir que o HGB (1897/1900) foi o primeiro corpo legislativo a instituir uma regulamentação específica para o contrato de agência. Os §§ 84 a 92 deste diploma tratavam os então denominados «Handlungsagenten» como uma classe de auxiliares comerciais autónomos, conferindo-lhes o estatuto de comerciante («Kaufmann») e limitando-se a regular, em termos predominantemente dispositivos, alguns aspectos da relação contratual. Em 1953, o regime normativo foi submetido a uma
revisão global (consumada através da referida
«Handelsvertreter-novelle»), que alterou completamente o paradigma sociológico em que se baseava. O objectivo central da reforma foi o de introduzir medidas tendentes à proteção social do agente, passando o núcleo da disciplina legal a orientar-se pelo arquétipo do agente-assalariado – privado de organização própria e economicamente dependente da contraparte –, dialeticamente contraposto ao modelo do agente-comerciante que presidira à sua conformação inicial. O regime legal passou então a integrar um conjunto de regras inderrogáveis em prejuízo do agente comercial, erguendo-se como autêntica bandeira da reforma o reconhecimento a este último do direito a receber uma «indemnização de clientela» aquando da cessação do vínculo (§ 89b do HGB).
6. As dificuldades em descortinar um fundamento sólido para a indemnização de clientela decorrem, precisamente, desta restrição do tipo sociológico – o do agente «proletaróide», economicamente dependente da contraparte – que presidiu à consagração do modelo normativo da figura no direito alemão e que, mercê da complacência dos tribunais – que poderiam (e deveriam) ter restringido a sua aplicação apenas às hipóteses que se subsumissem àquele paradigma – conduziu a uma hipertrofia aplicativa que inquinou a sua compreensão posterior. Efetivamente, ao «tomar a nuvem por Xxxx», o legislador alemão determinou a aplicação à generalidade dos agentes comerciais de um regime tuitivo que, para muitos deles, não apresentava real justificação. Ainda assim, importa ter bem presente que, no direito alemão, nem todos os agentes comerciais têm direito a receber uma indemnização de clientela.
Tal não acontece com os que exerçam a atividade a título acessório.
7. Permito-me fazer ressaltar, neste passo da exposição, algumas
perplexidades que a figura suscita:
— Desde logo, a copiosa literatura que versa sobre o tema e a inusitada extensão dos tratamentos monográficos e dos comentários legislativos – chega-se, mesmo, ao ponto de insinuar que já deu já origem a um autónomo ramo do direito;
— Por outro lado, apesar de contar com mais de cinco décadas de existência legal, dificilmente se encontra instituição mais controversa, pela enorme imprecisão e limitada operacionalidade dos seus pressupostos, pelas dificuldades que encerra o seu método de cálculo e pela própria indefinição do respetivo fundamento;
— O passar dos anos não acrescentou certeza e segurança na sua aplicação, como é inequivocamente atestado pela frequência com que é objeto da atenção dos tribunais, dado implicar um modelo de decisão extremamente complexo e exigente, que estimula a litigiosidade e obriga os interessados a percorrer um verdadeiro calvário judicial, cujos resultados dificilmente conseguem antecipar;
— Provoca, por tudo isso, apreciações ambivalentes ou mesmo antitéticas e reações emocionais. Afirma-se, nomeadamente, que
— Se trata de um corpo estranho (D. BRÜGGEMANN) ou
manifestação incomum (F.-J. SEMLER) na ordem jurídica;
— Consiste numa pretensão sui generis (P. XXXXX), acolhida por disposições intrigantes e complexas (K.-
H. THUME), constituindo uma autêntica obra-prima de engenharia jurídica (R. PARDOLESI);
— O instituto é um tormento («Ärgernis») que se converteu numa verdadeira «moléstia da justiça» («Justizübel»), um «gato no saco» («die Katze im Sack») que a Alemanha exportou para os seus vizinhos europeus, chegando ao ponto de se afirmar que a designação «Ausgleichsprozeß» assinala para os entendidos uma «vielbeklagte Misere» (M. MARTINEK).
II – Fundamento e objetivos do instituto
8. A respeito do fundamento do instituto, tendem, na atualidade, a impor-se duas linhas básicas de orientação, partindo ambas da genérica constatação de que, ao longo da execução do contrato e mercê do cumprimento das respetivas obrigações, o agente vai fidelizando uma base de clientela para os produtos ou serviços fornecidos pelo comitente, contribuindo, deste modo para incrementar o «goodwill» da respetiva empresa, e, uma vez finda a relação entre as partes, deixa nas mãos do principal um benefício ou vantagem que se presume não ter sido (ainda) devidamente compensado ou retribuído.
9. A primeira das referidas teses concebe a indemnização de clientela como uma pretensão retributiva ou remuneratória
(«Vergütungs-anspruch»), considerando estar em causa o pagamento de uma retribuição suplementar a que o agente faz jus pela atividade que anteriormente exerceu.
10. A segunda linha de orientação tende a aproximar a indemnização de clientela do princípio da compensação do enriquecimento sem causa, quando não mesmo a considerar que se trata de uma manifestação direta deste instituto. Para o efeito, faz-se ressaltar que, no termo do contrato, o principal sai injustamente beneficiado com as vantagens económicas associadas à prossecução dos contactos negociais com os clientes fidelizados pelo anterior agente, acrescentando-se, por vezes, que este fica, por seu turno, empobrecido na medida das comissões que lhe caberia receber se o vínculo de agência não se houvesse extinguido. Ocorrerá, por conseguinte, um aproveitamento da referida clientela ou uma apropriação da mais-valia que se presume não ter sido compensada em vida do contrato, cabendo à indemnização de clientela remover essa deslocação ou acréscimo patrimonial.
11. Esta última perspectiva é frequentemente acolhida nos ordenamentos latinos, como o espanhol e o português, e fez igualmente curso na Alemanha, no período que se seguiu à consagração legal da figura, vindo posteriormente a ser abandonada. Ressurgiu, no entanto, em época mais recente, pela autorizada pena de XXXXX-XXXXXXX XXXXXXX, numa versão mais sofisticada, preconizando este autor uma aproximação do instituto à doutrina da «condictio ob causam finitam», muito embora reconheça que a formulação do § 89b do HGB não se compatibiliza inteiramente com uma previsão normativa de enriquecimento sem causa e que, no âmbito da indemnização
de clientela, entra também em jogo um «elemento de proteção social».
12. As duas orientações que tendem a prevalecer não se revelam incompatíveis entre si. Pode mesmo dizer-se que se trata de explicações complementares para o instituto. Nenhuma delas se mostra, porém, capaz de fornecer uma justificação inteiramente satisfatória para a consagração da figura, sendo geralmente reconhecido que ambas apresentam problemas de compatibilização com aspetos fulcrais do regime da indemnização de clientela.
— Assim, qualquer das referidas orientações revela-se dificilmente compaginável com a circunstância de a indemnização não ser devida quando o contrato venha a cessar por impulso discricionário do agente ou por motivo que lhe seja imputável. Não só tal não acontece quando esteja em causa uma verdadeira remuneração, como o regime do enriquecimento sem causa não se mostra sensível à «culpa» da parte que suporta o empobrecimento. Da mesma maneira, partindo-se da ideia de retribuição ou de compensação de uma deslocação patrimonial, não se torna fácil compreender porque é que a indemnização há-de ficar sujeita a um limite máximo e ser calculada segundo juízos de equidade.
— Acresce, no que respeita, em particular, à perspetiva que vê na indemnização de clientela uma pura manifestação do direito à retribuição, que se projeta para além da cessação do contrato, constituindo uma
espécie de sucedâneo das comissões esperadas pelo agente, que tal conceção não tem hoje qualquer suporte legal, pois a indemnização de clientela pode ser atribuída mesmo que o agente não perca quaisquer comissões com a cessação do contrato.
— Por sua vez, às teses que filiam a indemnização na doutrina do enriquecimento sem causa pode contrapor- se, adicionalmente, não apenas a circunstância de que a lei se bastaria aqui com uma situação de vantagem meramente potencial, como também e sobretudo a ideia de que, a ocorrer um incremento patrimonial na esfera jurídica do comitente, não se afigura que o mesmo se encontre desprovido de causa que o legitime. Com efeito, bem vistas as coisas, o enriquecimento que se pretexta existir em tais situações decorre, singelamente, do estrito cumprimento da obrigação típica que, nos termos da própria lei, impende sobre o agente, podendo consolidar-se ainda em vida do contrato e não apenas no seu termo.
13. Numa breve síntese podemos afirmar que, no que toca à
natureza da indemnização de clientela:
— A generalidade dos autores portugueses segue as orientações dominantes na doutrina alemã.
— O Prof. XXXXX XXXXXXXX tem oscilado entre a conceção retributiva e a que filia o instituto no enriquecimento sem causa.
— Recentemente, o Prof. MENEZES LEITÃO aderiu
explicitamente à posição de C.-W. CANARIS.
14. Parafraseando XXXXXXX XXXXXXXX, direi que o art. 17 da Diretiva 86/653/CEE4 – que constitui a fonte normativa do instituto em todos os países da União Europeia – serviu de veículo à exportação de um “saco de gatos” para toda a Europa. Acrescento que o referido preceito é, com toda a probabilidade, fruto de um caso feliz de dislexia jurídica, que conduziu a uma inconsciente dissidência do legislador comunitário relativamente ao paradigma alemão. Com efeito, da Diretiva emerge uma variante particular do modelo alemão da indemnização de clientela, pelo menos no que tange à definição dos seus pressupostos (com naturais reflexos no perfil do instituto). Aspecto fundamental dessa variante é o acrescido papel conferido à ponderação de equidade e, por conseguinte, a atribuição ao julgador de uma maior latitude no juízo sobre a procedência e o montante da indemnização. Os legisladores nacionais (incluindo o alemão) tardaram a aperceber-se disso, o que não ajudou à harmonização.
15. Concebida e promulgada em momento anterior à publicação da versão final da Diretiva, a lei portuguesa sobre o contrato de agência (Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho) antecipou, na sua formulação original, as linhas essenciais do instituto, tomando por base o modelo alemão da indemnização de clientela, a Proposta de diretiva de 1979 (que o adoptou) e outros subsídios de direito comparado. Daí que, ao efetuar a transposição do regime comunitário da indemnização de
4 Diretiva do Conselho de 18 de Dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados-membros sobre os agentes comerciais (86/653/CEE).
clientela (através do Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril), o legislador apenas tenha entrevisto a necessidade de aditar os n.ºs 3 e 4 ao artigo 33.º – para dar cumprimento ao disposto nos arts. 18.º e 17.º/5 da Diretiva, respetivamente – e de reformular integralmente o artigo 34.º.
16. Todavia, afigura-se claro que o legislador português não transpôs corretamente as regras da Diretiva, evidenciando-se, como aspetos mais notórios os seguintes:
— À semelhança do que acontecia no direito alemão, anteriormente à alteração do HGB promovida em 2009, o legislador português autonomizou, de entre os requisitos da indemnização de clientela, a «perda de comissões» pelo agente. É manifestamente outro o caminho seguido pela Diretiva.
— Não se descobre, também, no art. 33.º da lei portuguesa a mínima alusão à necessidade de a pretensão do agente se revelar equitativa, tendo em conta todas as circunstâncias do caso decidendo. A equidade, segundo a lei nacional, constitui apenas um critério de aferição da medida da indemnização (art. 34.º), não assumindo relevância explícita na definição dos pressupostos da constituição do direito. E nisto se afasta a ordem jurídica nacional, tanto do diploma comunitário, como do regime consagrado no ordenamento matricial deste último.
17. Xxxxxxx me perdoem a imodéstia, julgo que a conceção sobre a indemnização de clientela que perfilho, não só é a única que faz inteiro jus ao regime positivo da figura como é
aquela que melhor evidencia as virtualidades do instituto. Passo a explicar porquê.
Numa breve síntese direi que constituem traços essenciais da tese que subscrevo os seguintes:
— A indemnização de clientela não é uma fatalidade, nem pode ser aplicada levianamente, sob pena, não apenas de se ferirem os pressupostos da figura, mas também de se vulnerar a função e a própria existência dos agentes enquanto colaboradores autónomos do produtores;
— Trata-se, fundamentalmente, de uma manifestação excecional de imposição externa da justiça comutativa e de um instrumento de proteção dos investimentos feitos pelo agente face aos comportamentos oportunistas do principal;
— A equidade desempenha um papel fundamental na determinação do “se” e do “quanto” da indemnização de clientela;
— O instituto não deverá ser estendido, por analogia, aos demais distribuidores integrados.
18. O legislador comunitário intuiu – e bem – que, na relação de agência, o equilíbrio entre as atribuições patrimoniais realizadas por cada uma das partes revela-se especialmente problemático. E não deixou de estabelecer, nas disposições supletivas que dedicou à remuneração do agente, alguns dos parâmetros que permitirão aferir da consumação (ou não) desse equilíbrio contratual.
Julgamos que a ideia-chave que inspirou o legislador ao consagrar este original instrumento de engenharia jurídica foi, na realidade, a de procurar compensar o desnível que, uma vez que o vínculo se extinga, muitas vezes se verificará entre as vantagens proporcionadas pelo contrato a cada uma das partes, com acentuado proveito para o principal. A intenção básica que subjaz ao instituto é, pois, a da compensação de vantagens («Vorteilsausgleich»), isto é, a de procurar restabelecer o equilíbrio rompido com a cessação do vínculo, quando se torne manifesto que, ou por virtude do modelo de remuneração adotado pelas partes, ou em consequência do modo como a relação se desenrolou e veio a findar, os benefícios proporcionados ao comitente através da futura manutenção de relações de negócios com clientes captados ou incentivados pelo agente, não foram espontaneamente compensados, em vida do contrato, mediante os pagamentos que aquele haja efetuado a este último, tendo presente o padrão (objetivo) de justiça contratual que inere ao modelo retributivo consagrado (a título supletivo) na própria lei. A indemnização de clientela visa, precisamente, remover o diferencial de ganho decorrente da falta de equivalência entre as atribuições patrimoniais recíprocas dos intervenientes, sempre que ele se revele impressivo e se traduza num acrescido potencial de ganho futuro para a empresa do principal, procurando assegurar a tendencial paridade de valor entre essas atribuições, mesmo para além do período de vigência da relação contratual.
19. Assente este propósito essencial, a tentação é grande de filiar a figura em institutos civis gerais que têm na sua base
preocupações paralelas, senão mesmo idênticas. A começar pelo que intenta reprimir enriquecimentos indevidos ou injustos. Em nosso entender, porém, nada se ganha com a direta recondução da indemnização de clientela a essas outras categorias doutrinais, pese embora a sua inspiração em valores jurídicos comuns.
Com efeito, a ideia de equivalência de prestações está longe de constituir uma explicação cabal para o instituto: fica por saber porque é que, estando em causa uma relação entre dois empresários independentes e formalmente autónomos, o legislador adotou a insólita posição de reagir contra esse desnível (impondo uma solução compensatória), em lugar de, como normalmente acontece, aceitar que ele tenha sido admitido e querido pelas partes, desde que, naturalmente, estas hajam tido oportunidade de se vincular de modo livre e esclarecido. Cabe, por isso, ir um pouco mais longe e questionar porque é que o legislador resolveu interferir com o plano de justiça contratual desenhado pelas próprias partes, sobrepondo-lhe um plano de justiça objetivo.
20. Ora, se não nos equivocamos, a explicação encontra-se na circunstância de as características da atividade empresarial do agente e a estrutura típica da sua retribuição o exporem a um risco anormal de aproveitamento ilegítimo ou injusto da situação de vantagem que a cessação do contrato pode proporcionar ao principal. Dito por outras palavras: a função prototípica do agente – que se traduz em promover negócios e em captar clientes estáveis, diretamente para a contraparte
–, o perfil jurídico da respetiva atuação – agindo no interesse e por conta do principal e sujeitando-se às instruções que dele
receba no que toca à política comercial a implementar –, a variabilidade das modalidades que pode revestir a sua remuneração e o carácter contingente da que se encontra prevista na lei – ontologicamente dependente da obtenção de um resultado, cuja consecução é afetada por múltiplas condicionantes – e, como corolário de tudo isso, as características da sua empresa – em que o fator trabalho prepondera sobre todos os demais – e a natureza imaterial do ativo em que se corporiza o essencial do seu investimento – a clientela que logrou fidelizar –, expõem-no a uma situação de grande vulnerabilidade, que pode ser facilmente explorada pela contraparte, na medida em que os próprios mecanismos do contrato, conjugados com a racionalidade empresarial do comitente, estimulam o aproveitamento dessa situação de debilidade estrutural.
21. Trata-se, pois, de uma intervenção legislativa destinada a contrabalançar o risco excessivo de uma turbação do equilíbrio económico do contrato e que se justifica pelas próprias características da atividade do agente, pelo modo como ele é remunerado e pela falta de incentivos adequados à detenção do oportunismo do principal.
22. Segue-se o problema de saber quando é que se pode afirmar que existe o risco de aproveitamento injustificado, por parte do principal, de uma situação de vantagem que lhe é proporcionada pela cessação do vínculo. De acordo com as indicações resultantes da própria lei, tal acontece quando ele
mobiliza de forma oportunista5 os mecanismos de cessação do contrato ao seu dispor ou quando simplesmente se aproveita da extinção do vínculo (em especial, se for devida a circunstâncias não imputáveis a qualquer das partes) para capturar essas vantagens, as quais persistem por a duração do vínculo ou o modo como ele se desenvolveu não terem permitido que o equilíbrio entre as atribuições patrimoniais respetivas se concretizasse até esse momento.
É esta a ideia que explica cabalmente as situações em que a lei exclui o direito à indemnização de clientela (bem como aquelas em que, simetricamente, confirma a sua constituição) e é também ela que permite acomodar os requisitos a que, positivamente, sujeita a procedência da pretensão do agente. Na realidade, nas situações em que a lei exclui, a priori, a atribuição da indemnização ao agente, parece óbvio que a cessação do contrato não poderá nunca ter como móbil a expropriação da respetiva carteira de clientes por banda do principal. Nas restantes situações, não está afastado o risco de aproveitamento censurável ou ilegítimo da situação de vantagem proporcionada ao principal, pelo que se deverá indagar se, em termos de equidade, a pretensão do agente deve realmente proceder, tendo em conta todas as circunstâncias que caracterizam a factispécie e, nomeadamente, o modo como a relação cessou.
23. Em suma, a indemnização de clientela é, de facto, uma
5 Mas não, necessariamente, agindo em abuso do direito. Xxxxx, para esse efeito, que ele manifeste o propósito de beneficiar egoisticamente da situação, desconsiderando os interesses patrimoniais do agente.
instituição jurídica peculiar, em que se divisa uma manifestação tópica de valores jurídicos estruturantes, e em cujo fundamento se entrecruzam duas ideias regulativas fundamentais: por um lado, a realização da justiça comutativa
– ou seja, a preservação de uma relação de troca justa e equilibrada, que salvaguarde a rentabilidade económica do investimento levado a cabo pelo agente – e, por outro lado, a prevenção do abuso – impedindo que o principal se aproveite oportunisticamente de uma situação de vantagem que, a certa altura da execução do contrato, lhe seja proporcionada, mercê de um desajustamento que se verifique no funcionamento do sinalagma que deveria interceder entre as prestações das partes. Daí que, do ponto de vista económico, a indemnização de clientela constitua um poderoso estímulo à realização do investimento específico que é característico da atividade dos agentes: a captação e fixação de uma base de clientela para os produtos do principal.
III - Problema da extensão analógica a outros contratos de distribuição
24. Quanto à susceptibilidade de extensão do instituto aos restantes distribuidores integrados:
— A tendência maioritária na doutrina portuguesa vai no sentido de uma posição de princípio favorável à aplicação analógica do regime da indemnização de clientela a figuras contratuais distintas da agência, mas que se compreendam dentro do perímetro das realidades negociais que se convencionou apelidar de
contratos de distribuição.
— Todavia, alguns autores negam a atribuição da indemnização aos franquiados (assim, em princípio, O Prof. MENEZES LEITÃO e a Prof. XXXXX XX XXXXXX XXXXXXX).
25. Ponho aqui em evidência que:
1.º Mesmo no âmbito da agência, o direito comparado revela hesitações quanto à consagração do direito à indemnização de clientela; o direito norte-americano, por exemplo, desconhece-a completamente;
2.º Ao contrário do que vemos muitas vezes sugerido, é falsa a ideia de que no direito comparado exista uma tendência firme no sentido da extensão analógica da figura a outros distribuidores: ela não é atribuída aos concessionários em países como a França, a Bulgária, o Reino Unido, a Itália, a Irlanda, o Luxemburgo, a Holanda, a Roménia, a Rússia, a Suécia e a Hungria;
3.º No direito alemão, apesar de o panorama global revelar uma tendência maioritária claramente favorável à extensão, persistem, ainda hoje, algumas hesitações doutrinais, quer na constatação da analogia, quer nos pressupostos da extensão; revelam-se a este respeito paradigmáticas as posições de XXXXX XXXXX, quanto aos concessionários, e de C.-W. CANARIS, relativamente aos franquiados;
4.º Verifica-se, além disso, no direito alemão, o cuidado de, a respeito dos métodos de cálculo da indemnização de clientela dos restantes distribuidores, ponderar
devidamente a circunstância de esses distribuidores, ao contrário do agente, não terem por única função angariar clientes e fidelizá-los aos produtos e serviços da contraparte; daí que, no que toca, quer à atribuição da compensação, quer ao quantitativo da mesma, o sistema alemão seja globalmente muito menos favorável aos distribuidores do que o português.
26. Pela nossa parte, inclinamo-nos decisivamente contra a extensão deste mecanismo compensatório aos restantes contratos de distribuição, tendo presente o que acima referimos, maxime a propósito da natureza e finalidades da indemnização de clientela. Mas, antes disso, convém começar por dizer que a ordem jurídica portuguesa não consagra um princípio geral de compensação das vantagens ou chances económicas que, de forma oblíqua ou reflexa, possam advir a um sujeito de direito por virtude do anterior cumprimento, por outro, das obrigações típicas decorrentes de uma relação contratual em que ambos tenham estado envolvidos. Por essa razão se defende, tanto entre nós como lá fora, que não cabe atribuir qualquer compensação ao mero locatário ou cessionário da exploração de um estabelecimento comercial, pela circunstância de haver incrementado o respetivo aviamento ou clientela e de, portanto, o seu titular, finda a relação entre as partes e consumada a restituição, gozar de acrescidas oportunidades de negócio. E o mesmo se dirá dos benefícios acessórios que sejam proporcionados, pós- contratualmente, por qualquer outra modalidade de contrato, seja ele de arrendamento, de instalação de lojista em centro comercial, de trabalho, de gestão de empresas ou
outra espécie de prestação de serviços.
27. Deve observar-se, por outro lado, que, de acordo com o sistema de fontes das obrigações vigente no direito português e, em especial o paradigma do contrato que a ele subjaz, o ordenamento jurídico não sujeita, como regra, a justiça intrínseca ou o equilíbrio económico de cada concreto negócio celebrado à fiscalização por terceiros, exercida por referência a parâmetros exteriores pré-estabelecidos.
Facilmente se depreende, por conseguinte, que a indemnização de clientela é um instituto deveras peculiar, de cariz marcadamente excecional. Daí que a possibilidade da sua projeção para lá das fronteiras naturais recortadas pela lei do contrato de agência deva ser encarada com ceticismo e com cautela.
28. Atenta a ratio (ou rationes) que considerámos estar(em) na base da sua consagração, não só não se descobre qualquer situação de xxxxxx contrária à intenção regulativa que preside à conformação da disciplina dos restantes contratos de distribuição (e que careça, por isso, de ser colmatada por recurso ao disposto nos artigos 33.º e 34.º da lei do contrato de agência), como também não há equivalência entre a situação típica de interesses que ocorre aquando da cessação de um contrato de agência e a que se verifica por ocasião da extinção dos restantes vínculos distributivos. Em consequência, pensamos não ser possível mobilizar o argumentum a simile para fundamentar a extensão desse segmento do regime jurídico do contrato de agência, assim como não divisamos qualquer aspeto que, segundo o plano
regulativo adotado pelos próprios contraentes, deva ser integrado através das prescrições que o compõem.
29. Com efeito, a específica ordenação de interesses que a indemnização de clientela tem em vista realizar relaciona-se, intimamente, com as características do conflito que, não raro, eclode aquando da cessação de um contrato de agência. E a chave do problema relativo à aplicação analógica do instituto aos contratos de concessão e de franquia passa, exatamente, por aí.
A existência da referida compensação deve-se, como vimos, à especial situação de vulnerabilidade a que o agente se expõe e que se prende com a natureza da atividade que exerce, com o tipo de investimento que realiza e com o modelo remuneratório característico do contrato que celebra. É, na realidade, a conjugação destes ingredientes que potencia o surgimento de situações em que o principal beneficia da oportunidade de se apoderar, sem contrapartida, da mais- valia que lhe é proporcionada pelo agente, consubstanciada na chance de efetuar futuras transações com a clientela que aquele ajudou a fidelizar. E o principal é mesmo impelido a adotar esse comportamento predatório, que se consuma através da cessação do vínculo, por puras razões de ordem económica e empresarial.
A consagração da indemnização de clientela constitui um contra-estímulo adequado à detenção do oportunismo do principal, procurando assegurar o equilíbrio patrimonial do contrato e anular, por essa forma, a vantagem que o comitente pudesse pretender extrair da sua cessação. O
escopo da indemnização de clientela não é, simplesmente, o de premiar ex post a atração e a fixação da clientela levadas a cabo pelo agente. Ela constitui, antes, um mecanismo de realização da justiça contratual e de prevenção do abuso. A preocupação legislativa que lhe subjaz é a de responder às necessidades específicas de tutela de uma categoria de empresários sui generis, revelando-se uma medida adequada ao ethos da respetiva empresa e às características do negócio jurídico que a liga à contraparte.
30. Afigura-se evidente que nada de comparável ocorre nos restantes contratos de distribuição e que, por isso, não tem real fundamento jurídico a pretensão de se lhes aplicar aquele mecanismo compensatório. Efetivamente, não se vislumbra a possibilidade de se desencadear, no seio das relações jurídicas que deles emanam, um conflito de interesses semelhante ao acima descrito, que justifique a aplicação de idêntico remédio. E não corresponde também à realidade conceber que nos referidos contratos se deteta uma lacuna que, de acordo com a vontade conjetural dos interessados, devesse ser preenchida por recurso às regras sobre a indemnização de clientela. Xxxxx pensar nas hipóteses em que ela é expressamente afastada pelas partes.
31. As necessidades de tutela de concessionários e franquiados passam antes pela adoção de medidas de outra índole (de que constitui exemplo a chamada indemnização por investimentos de confiança6).
Tais medidas, por um lado, têm de se ajustar ao perfil típico
6 Cfr., sobre esta figura, XXXXXXXX X. XXXXXXXX XXXXX, ob. cit., pp. 737 ss.
das atividades empresariais que desenvolvem esses outros distribuidores – cuja natureza gestória é muito menos acentuada do que a que se verifica na relação de agência, uma vez que atuam por sua própria conta e, primordialmente, também no seu próprio interesse e desempenham funções económicas muito diversas, tudo fazendo com que a estrutura organizativa das respetivas empresas assente em bases completamente diferentes.
Por outro lado, faz-se mister que essas medidas tenham em consideração as características paradigmáticas desses outros contratos de distribuição, cuja onerosidade apresenta expressão muito diferente da que assume no contrato de agência e em que os ganhos que o distribuidor almeja conquistar não se encontram sujeitos a fatores de risco idênticos aos que pairam sobre a remuneração dos agentes, imprimindo a esta última um carácter fortemente precário. Tais contratos comportam, além disso, mecanismos de incentivo e de controlo muito diferentes dos implicados por um contrato de agência. Na realidade, neste último, como antes se observou, o próprio funcionamento do mecanismo do contrato conduz, facilmente, a situações em que o principal, com base na mera racionalidade económica, se vê estimulado a promover a cessação do vínculo (ou, o que dá no mesmo, a não assentir na sua prorrogação), porque os benefícios que, a partir desse momento, poderá retirar da continuidade da colaboração do agente são (largamente) superados pelos ganhos decorrentes da poupança das comissões que deixará de lhe pagar. O mesmo não acontece no âmbito das relações de concessão e de franquia, pelas
razões económicas que justificam a instauração de vínculos dessa natureza, pela configuração das obrigações contratuais que deles emergem, pelos mecanismos de incentivo que o contrato incorpora, e, muito em particular, pela circunstância de o distribuidor não ser diretamente remunerado pelo fornecedor, nem ter direito a qualquer retribuição que se assemelhe às comissões indiretas e por pedidos ulteriores de que o agente, em regra, beneficia.
32. Outra é, consabidamente, a perspetiva do problema que tende a predominar, tanto entre nós como no direito alemão. Para o efeito, parte-se do princípio de que a indemnização em apreço visa, singelamente, remunerar ou compensar a atividade de captação de clientela levada a cabo pelo distribuidor, na pendência do vínculo, pressupondo-se também que a mesma não foi inteiramente compensada mediante o pagamento das retribuições acordadas. E fazem- se ressaltar as semelhanças que, sobretudo do ponto de vista económico, se verificam entre as funções desempenhadas pelos diversos tipos de distribuidores, desvalorizando, do mesmo passo, as inegáveis divergências que acabamos de apontar.
A conceção sobre a indemnização de clientela, que enforma esta tendência, revela-se, naturalmente, mais favorável à extensão do referido mecanismo compensatório às restantes categorias de distribuidores integrados. Ela defronta-se, no entanto, com dificuldades muito substanciais, (i) quer na sua compatibilização com o regime jurídico-positivo do instituto,
(ii) quer quanto à identificação e pertinência dos critérios da analogia, (iii) quer, ainda, no que respeita à operacionalização
dos pressupostos e à quantificação da indemnização, nesse âmbito alargado.
33. O primeiro aspeto já foi abordado atrás, maxime quando se referiu a dificuldade de compatibilizar essa conceção com as hipóteses em que a lei exclui a sua atribuição ao agente. Relativamente ao segundo, crê-se que o fundamental do raciocínio dos consectários da tese que se aprecia assenta em dois pilares fundamentais: por um lado, tanto os concessionários como os franquiados contribuem, igualmente, em maior ou menor medida, para atrair clientes para os produtos e serviços que disponibilizam, clientes esses que, finda a relação contratual, podem transferir-se para o fornecedor, por ser este quem detém os fatores essenciais da respetiva fixação; por outro lado, também eles se encontram de certa forma integrados na organização montada e gerida pela contraparte. A conjugação destas duas circunstâncias faz com que essas outras categorias de distribuidores sejam tão merecedoras de uma indemnização de clientela como o agente.
34. Não se duvida da exatidão da primeira premissa. Mas nem ela é, por si só, suficiente para justificar a atribuição, nem, com base na sua verificação, se torna fácil sustentar a analogia. Desde logo, porque, ainda que tal possa de facto acontecer, não se revela imediatamente compreensível que a referida circunstância possa servir para legitimar a realização de um pagamento (adicional) aos concessionários e aos franquiados. Para se poder fazer tal inferência, torna-se ainda necessário pressupor que, também no caso destes últimos, aquela atividade (de captação de clientela) e os benefícios pós-
contratuais que ela venha a proporcionar ao integrador não foram devidamente compensados, em vida do contrato. Ora, é precisamente o bem-fundado desta ideia – que se encontra inquestionavelmente na base da referida asserção – que nos suscita as maiores reservas. Isto porque, tendo em conta o perfil dos contratos de concessão e de franquia, as motivações que levam à sua celebração e as vantagens que são procuradas pelos sujeitos que neles intervêm, é mais do que duvidoso que ela tenha efetiva correspondência com a realidade.
35. Com efeito, tal asserção omite e desconsidera as importantes vantagens económicas que a mera celebração de contratos desse tipo pode trazer aos distribuidores que neles intervêm. Como é comummente advertido, por força da celebração de tais contratos, estes vêem-se colocados numa posição de privilégio, que lhes confere uma importante vantagem competitiva sobre os demais distribuidores (não integrados), sendo isso mesmo que explica que, por vezes, tenham de efetuar pagamentos iniciais mais ou menos avultados. Não se revela, por isso, muito congruente defender que as partes (ambas ou qualquer delas) contavam com a necessidade de ser retribuída a clientela que, eventualmente, no termo do contrato, o distribuidor deixe à disposição do fornecedor. Parecendo-nos antes de admitir que, de acordo com a própria racionalidade económica que preside à celebração de tais contratos, a verificação daquele resultado é uma consequência perfeitamente normal e prevista pelos próprios interessados, na medida em que são justamente as vantagens que proporcionam ao distribuidor (nomeadamente, o acesso
a informações, conhecimentos, meios publicitários, privilégios territoriais e mecanismos de assistência) que lhe permitem praticar margens de comercialização e atingir uma clientela potencial que não estão ao alcance de qualquer comerciante que se encontre excluído da cadeia de distribuição daqueles produtos. Poder-se-á mesmo sustentar que maior mérito caberia reconhecer ao distribuidor não vinculado que, sem beneficiar das referidas vantagens competitivas, consegue fidelizar novos clientes aos produtos (de marca) que comercializa. Ficando então por explicar porque é que não lhe há-de ser reconhecido o direito de receber uma indemnização de clientela quando o fabricante faça cessar a relação de fornecimento.
36. Além disso, conforme também já se salientou, o próprio modo de retribuição da atividade dos concessionários e franquiados impede que se estabeleça uma qualquer relação de correspetividade similar à que intercede, no contrato de agência, entre os ganhos que cada uma das partes retira da execução do programa contratual. Bastando recordar aqui que, em caso algum, recebem aqueles (concessionários ou franquiados) uma prestação sequer comparável às comissões diretas e por pedidos ulteriores, que ao agente cabem em função da sua atividade de prospeção da clientela. Não é, desta forma, possível efetuar uma rigorosa avaliação, em termos de equivalência patrimonial, das prestações efetuadas por cada um dos contraentes e dos benefícios económicos que delas retiram. A menos que se assuma, uma vez mais, como verdade apodítica, que a clientela que possa ficar para o fabricante, no fim do contrato, não se encontra nunca
retribuída pelas acrescidas possibilidades de ganho que a celebração do contrato propicia. O que já se viu não poder aceitar-se.
37. Mas há mais: é que o distinto perfil jurídico-económico e funcional dos contratos em causa, quando confrontados com o contrato de agência, suscita problemas dificilmente superáveis, no que toca à operacionalização dos pressupostos gerais da indemnização de clientela e ao cálculo do respetivo montante. A começar pelos obstáculos com que o intérprete se depara quando se trata de determinar o número ou a percentagem dos clientes do distribuidor que foram efetivamente conquistados por mérito da sua ação e a medida do seu contributo para esse resultado. Tópicos esses que têm necessariamente de ser ponderados, em sede de apreciação da procedência dos pressupostos da figura, mas que se tornam sumamente difíceis de avaliar, pelas razões anteriormente apontadas. E a essas dificuldades somam-se as relativas à determinação e mensuração dos benefícios que a contraparte poderá vir a obter com os clientes que se apure terem sido atraídos e fidelizados pelo distribuidor.
38. Por outro lado, no que toca à quantificação da compensação a atribuir, torna-se fácil perceber que a tese favorável à analogia trabalha aí com dados amplamente ficcionados e muito pouco fiáveis, uma vez que, como os seus defensores reconhecem, não se pode estabelecer uma relação de correspondência entre a margem de comercialização ou os rendimentos que o distribuidor deixa de auferir e as comissões que, nas mesmas circunstâncias, se consideram perdidas pelo agente. Mostrando-se, ainda, pertinente
observar que, partindo daqueles parâmetros, a base de cálculo e, em última instância, a determinação do montante da indemnização são deixadas completamente nas mãos do distribuidor, ou, no mínimo, ficam totalmente dependentes de fatores que, em larga medida, escapam ao controlo do fornecedor.
39. Não menos questionável que o anterior é o segundo parâmetro em que se faz assentar a eadem ratio conducente à aplicação analógica da disciplina da indemnização de clientela. Pretendemos referir-nos à ideia de «integração» do concessionário ou do franquiado, a qual se supõe ser um elemento crucial para se diferenciarem as referidas categorias de empresários dos distribuidores «independentes». Acontece, no entanto, que o conceito de «integração», quando utilizado no presente contexto, está longe de ser suficientemente preciso para se poder tornar operativo e constituir um esteio seguro para fundar o juízo de analogia. Com efeito, está bem de ver que se trata de um conceito multissignificativo e que por ele se exprime uma realidade suscetível de se afirmar em gradações diversas, tornando, por vezes, muito subtis as divergências que, desse ponto de vista, intercedem entre as diferentes categorias de distribuidores. Porém, o que se afigura decisivo para demonstrar a irrelevância desse suposto requisito da analogia é que, levando o raciocínio às últimas consequências, seria de esperar que, quanto mais «integrado» o distribuidor se revelasse, maiores fossem as possibilidades de ver acolhida a sua pretensão indemnizatória. Xxx, é justamente o contrário que sucede, como fica patente quando se discute a
problemática da atribuição de uma indemnização de clientela aos franquiados7.
40. Não é, pois, a maior ou menor integração, ou o facto de concessionários e franquiados poderem cumprir tarefas e assumir compromissos parcialmente coincidentes com os de um agente, e, bem assim, a eventualidade de ambos contribuírem para o incremento dos interessados na aquisição dos produtos e serviços oferecidos pela contraparte, que se antolha suficiente para justificar a atribuição de uma indemnização de clientela a esses distribuidores. Em nosso entender, a melhor prova do carácter pouco persuasivo da tese que vimos contestando é- nos fornecida pela circunstância de, pelo menos no direito português, um trabalhador subordinado que desempenhe funções em tudo idênticas às de um agente (um caixeiro-viajante, por ex.) e que, no exercício dessa atividade, haja aumentado substancialmente o círculo de clientes da respetiva entidade patronal, não beneficiar do direito de reclamar desta última, quando o vínculo laboral chega ao fim, qualquer compensação que se assemelhe a uma indemnização de clientela. Do mesmo modo, aliás, que o cessionário da exploração de estabelecimento alheio não pode reivindicar qualquer compensação pelo facto de, findo o contrato, deixar nas mãos do titular do estabelecimento comercial uma clientela acrescida.
Xxxxxxxx X. Xxxxxxxx Xxxxx
7 Este dilema não escapa a XXXXX-XXXXXXX XXXXXXX e, entre nós, ao Prof. A. XXXXX XXXXXXXX.