Universidade do Minho
Universidade do Minho
Escola de Economia e Gestão
O Mercado da Tradução em Portugal e a Contratação deste Serviço pelas Grandes Empresas
Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx
Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx
O Mercado da Tradução em Portugal e a Contratação deste Serviço pelas Grandes Empresas
UMinho|2012
Janeiro de 2012
Escola de Economia e Gestão
Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx
O Mercado da Tradução em Portugal e a Contratação deste Serviço pelas Grandes Empresas
Dissertação de Mestrado
Mestrado em Economia Industrial e da Empresa
Trabalho realizado sob a orientação do
Doutor Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx
e do
Doutor Xxxxxxxx Xxxxxxxx-Xxxxx
Janeiro de 2012
DECLARAÇÃO
Nome: Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxx
Endereço eletrónico: xxxxxxxxx.xxxxxx@xxxxx.xxx Telemóvel: 969 046 263
Número de Bilhete de Identidade: 13307236
Título da tese de Mestrado: O Mercado da Tradução em Portugal e a Contratação deste Serviço pelas Grandes Empresas
Orientadores:
Doutor Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Doutor Xxxxxxxx Xxxxxxxx-Xxxxx
Ano de conclusão: 2012
Designação do Mestrado: Mestrado em Economia Industrial e da Empresa
É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA TESE APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE
Universidade do Minho, 30 de Janeiro de 2012
Assinatura:
AGRADECIMENTOS
As primeiras palavras desta dissertação servem para agradecer a todos aqueles que, de alguma forma, deram o seu contributo ao trabalho realizado ao longo de dois anos no âmbito do Mestrado em Economia Industrial e da Empresa.
Aos meus orientadores, os Doutores Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxxx-Xxxxx pelo apoio incondicional, disponibilidade total e orientação que demonstraram ao longo deste trabalho.
À Doutora Xxxxxx Xxxxxxx pelas dicas experientes que teve a simpatia de partilhar comigo.
Aos profissionais do setor da tradução que responderam com entusiasmo ao meu convite e colaboraram neste projeto.
À Dra. Xxxxxx Xxxxxxx e à ALERT por me terem aberto as portas da empresa e do departamento de tradução.
Aos meus colegas de Mestrado pelo companheirismo e pelas palavras de incentivo.
Aos meus Amigos Xxxx, Xxxxx e Xxxxx por terem estado sempre ao meu lado durante a elaboração desta dissertação.
A todos, o meu mais sincero obrigado.
O MERCADO DA TRADUÇÃO EM PORTUGAL E A CONTRATAÇÃO DESTE SERVIÇO PELAS GRANDES EMPRESAS
RESUMO
A comunicação é um ato essencial para os indivíduos como para as empresas. Este aspeto foi reforçado nos últimos anos no âmbito de uma economia cada vez mais globalizada e desafiante, onde as empresas provenientes de vários países e culturas lutam entre elas para alcançar os seus objetivos. Neste contexto, a questão da tradução adquire uma importância estratégica para estes atores e, em última análise, para o desenvolvimento socioeconómico dos países. Neste sentido, quisemos determinar se o mercado português da tradução estava corretamente estruturado para se desenvolver de forma sustentável. Assim, questionámos uma possível intervenção do Estado, bem como o papel das associações sectoriais. No seguimento das sugestões de regulação do mercado onde se destacou a relevância de se reconhecer a importância económica e social da tradução decidimos aferir a forma como as grandes empresas atuavam em Portugal, relativamente à contratação deste tipo de serviços a partir de um questionário. A partir destes resultados, realizámos, num segundo tempo, um estudo de caso junto de uma empresa que optou por criar um departamento interno de tradução. Os objetivos gerais desta iniciativa pretendiam averiguar quais os fatores que estiveram na base da criação daquele departamento assim como a tipologia da sua organização, e qual a sua importância económica para a empresa. Por fim, decidimos contactar profissionais que integram empresas de tradução através da realização de entrevistas. O objetivo das mesmas prendia-se essencialmente com o facto de obtermos feedback por parte das empresas que oferecem este tipo de serviço, a partir dos contactos que estas realizam junto dos seus clientes. Desta forma, poderíamos reforçar a ideia de que o mercado da tradução necessitava de ser regulado para corresponder a exigências de elevado valor que os clientes que atuam em Portugal solicitam.
Palavras-chave:
Mercado, Tradução, Regulação económica, Ordem profissional, Formação, Competências
THE PORTUGUESE TRANSLATION MARKET AND THE NEEDS OF TRANSLATION SERVICES BY LARGE COMPANIES
ABSTRACT
The act of communicating is essential both for individuals and for companies. This has been highlighted over the last few years as the economy becomes more and more global and challenging and companies from different countries and backgrounds struggle among themselves to reach their goals. It is in this context that translation becomes strategically important for these intervenients, and ultimately, for the socioeconomic development of countries. As such, we looked to determine if the Portuguese translation marketplace was structured correctly in order to develop in a sustainable way. For this we analysed a possible intervention from the State as well as the role played by the industry associations. Following the suggestions to regulate the market, which highlighted the need to recognise the economic and social importance of translation, we surveyed the way large companies operating in Portugal regarding their use of translation services. We built on these results to perform a case study of a company which opted to create an internal translation department. This initiative was mainly focused in assessing which factors support the creation of such department as well as looking at how it would be organised and what its economic impact would be to the company. In the end we decided to conduct interviews with professionals in translation companies. These interviews were focused getting feedback from these companies regarding their interactions with clients. This would allow us to underpin the idea the translation market was in need of regulation if it was to correspond to the high value demands requested by clients in Portugal.
Keywords:
Market, Translation, Economic regulation, Professional body, Professional Formation, Competences
ÍNDICE GERAL
JUSTIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO DO TRABALHO | 23 |
1.1. Apresentação | 25 |
1.2. Hipótese e objectivos | 26 |
1.3. Metodologia | 27 |
1.4. Organização do trabalho | 29 |
CAPÍTULO I: Enquadramento económico | 31 |
1.1.Introdução | 33 |
1.2.Economia da linguagem | 33 |
1.3.Economia da informação | 36 |
1.4.Natureza do mercado da tradução | 37 |
1.4.1. Caracterização do mercado, informação perfeita, imperfeita e assimétrica | 37 |
1.4.2. Segmentação e heterogeneidade do mercado da tradução | 39 |
1.5. Estudos económicos dedicados à tradução | 41 |
1.6. Conclusão | 42 |
CAPÍTULO II: ANÁLISE DE MERCADO | 43 |
2.1. Introdução | 45 |
2.2. Análise da Oferta | 46 |
2.2.1 Caracterização do mercado internacional da tradução | 46 |
2.2.2. Tendência geral do mercado | 48 |
2.2.3. Concentração e fragmentação do mercado da tradução | 51 |
2.2.4. Dimensão das empresas | 52 |
2.2.5. Faturação | 53 |
2.2.6. Mercado virtual | 55 |
2.2.7. A oportunidade E-business | 56 |
2.2.8. O mercado português | 57 |
2.3. Análise da Procura | 60 |
2.3.1. Natureza económica do bem “tradução” | 60 |
2.3.2. Valores da tradução, por país, na Europa | 60 |
2.3.3. A Procura no mercado português | 62 |
2.3.4. Perceção dos serviços de tradução | 64 |
2.4. Conclusão | 66 |
CAPÍTULO III: FORMAÇÃO ACADÉMICA DO TRADUTOR | 67 |
3.1. Introdução | 69 |
3.2. Considerações gerais | 69 |
3.3. Competências | 70 |
3.4. Competências atuais | 72 |
3.5. Competências futuras | 75 |
3.6. Formação universitária | 76 |
3.7. Tecnologia e competências do tradutor | 77 |
3.8. Conclusão | 79 |
CAPÍTULO IV: ESFORÇOS PARA A ESTRUTURAÇÃO DO SETOR | 81 |
4.1. Introdução | 83 |
4.2. Associações sectoriais | 83 |
4.2.1. Textos de referência | 83 |
4.2.2 Importância e limitações das associações sectoriais | 84 |
4.2.3. Associações sectoriais portuguesas | 85 |
4.3. Intervenção do Estado no mercado da tradução | 86 |
4.4. Sugestões para a regulação do mercado português | 88 |
4.4.1. Considerações | 88 |
4.4.2. Sugestões para a regulação e consequências prováveis | 89 |
4.5. Conclusão | 93 |
CAPÍTULO V: A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS de tradução PELAS GRANDES EMPRESAS EM PORTUGAL | 95 |
5.1. Introdução | 97 |
5.2. Metodologia | 98 |
5.3. A amostra | 99 |
5.4. O questionário | 103 |
5.5. O pré-teste | 105 |
5.6. Os dados | 107 |
5.7. Apresentação dos resultados | 109 |
5.7.1. Serviços contratados | 109 |
5.7.2. Línguas de Trabalho | 112 |
5.7.3. Grau de satisfação | 113 |
5.7.4. Importância estratégica para o desenvolvimento | 115 |
5.8. Conclusão | 121 |
CAPÍTULO VI: ESTUDO DE CASO | 123 |
6.1. Introdução | 125 |
6.2. Metodologia | 126 |
6.3. Seleção e apresentação da empresa | 128 |
6.4. Pré-teste | 130 |
6.5. A entrevista | 131 |
6.6. Respostas da entrevistada | 133 |
6.7. Análise SWOT | 140 |
6.8. Conclusão | 141 |
CAPÍTULO VII: ENTREVISTAS | 145 |
7.1. Introdução | 147 |
7.2. Metodologia | 147 |
7.3. Amostra | 149 |
7.4. Pré-teste | 151 |
7.5. A entrevista | 151 |
7.6. Respostas dos entrevistados | 153 |
7.7. Análise SWOT das respostas | 161 |
7.8. Conclusão | 162 |
CAPÍTULO VIII: REFLEXÃO FINAL | 163 |
CONCLUSÃO FINAL | 169 |
BIBLIOGRAFIA | 175 |
APÊNDICES | 187 |
Apêndice 1: The Top 35 Global Language Service Providers | 189 |
Apêndice 2: Questionário | 193 |
Apêndice 3: Email 1 | 197 |
Apêndice 4: Email 2 | 199 |
Apêndice 5: Email 3 | 201 |
Apêndice 6: Resultados do questionário | 203 |
Apêndice 7: Classificação de países exportadores | 215 |
Apêndice 8: Email de solicitação de entrevista junto da empresa ALERT | 217 |
Apêndice 9: Guião da entrevista junto da empresa ALERT | 219 |
Apêndice 10: Entrevista | 221 |
Apêndice 11: Respostas do Departamento Financeiro da empresa ALERT | 223 |
Apêndice 12: Email de solicitação de entrevista (em Português) | 225 |
Apêndice 13: Email de solicitação de entrevista (em Inglês) | 227 |
Apêndice 14: Guião das entrevistas | 229 |
Apêndice 15: Transcrição das entrevistas | 231 |
ANEXOS | 247 |
Anexo 1: Os dez requisitos do tradutor profissional | 249 |
Anexo 2: Norma EN-15038 | 253 |
Anexo 3: La Charte du Traducteur | 271 |
Anexo 4: Recomendação de Nairobi | 275 |
Anexo 5: Base de Dados “Empresas em Portugal – 2008” | 283 |
Anexo 6: Listagem 2008 | 285 |
Anexo 7: Exportações de bens por Local de destino e Tipo de bens | 287 |
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 | Projected Language Services Revenues for 2009-2013 in U.S. Millions of Dollars |
Tabela 2 | Projected Language Services Revenues and Regional Distribution |
Tabela 3 | Comparação de resultados entre três zonas |
Tabela 4 | LTC’s estimate for 2008 and forecasts until 2015 of the value of the language industry |
Tabela 5 | Evolução do número de empresas e da faturação anual média do setor |
Tabela 6 | Estimated amount spent on language services in 2009 |
Tabela 7 | Top Five Language Pairs |
Tabela 8 | Which industries matter most in Europe? |
Tabela 9 | Requisitos exigidos |
Tabela 10 | Número de empresas de tradução segundo vários organismos |
Tabela 11 | Classificação das empresas mais significativas em função do CAE |
Tabela 12 | Setores de atividade das empresas respondentes |
Tabela 13 | Análise de perguntas (I) |
Tabela 14 | Análise de perguntas (II) |
Tabela 15 | Análise de perguntas (III) |
Tabela 16 | Tipo de empresas inquiridas |
Tabela 17 | Origem geográfica das empresas inquiridas |
Tabela 18 | Número de colaboradores das empresas inquiridas |
Tabela 19 | Distribuição de contratação de serviços de profissionais vs soluções alternativas |
Tabela 20 | Grau de satisfação |
Tabela 21 | Importância das vendas (Europa) |
Tabela 22 | Exportações nacionais por países (em Euros) & Quota de tradução |
Tabela 23 | Características mais procuradas na contratação de serviços de tradução |
Tabela 24 | Soluções Internas vs Soluções Externas |
Tabela 25 | Evolução do volume de faturação da empresa ALERT |
Tabela 26 | Apresentação do departamento de tradução |
Tabela 27 | Tradução & Estratégia empresarial |
Tabela 28 | Aspetos económicos |
Tabela 29 | Tradução & Gestão de Recursos Humanos |
Tabela 30 | Mercado da tradução |
Tabela 31 | Peso médio da exportação na faturação total da empresa ALERT |
Tabela 32 | Evolução do número de colaboradores no departamento de tradução da empresa ALERT |
Tabela 33 | Análise SWOT do departamento de tradução da ALERT |
Tabela 34 | Comparação dos dados da empresa ALERT |
Tabela 35 | Ethical issues of the Seven Research Stages |
Tabela 36 | Perguntas de caracterização |
Tabela 37 | Perguntas sobre a importância económica |
Tabela 38 | Crítica ao mercado português |
Tabela 39 | Competências e formação académica |
Tabela 40 | Oportunidades e ameaças do mercado da tradução em Portugal |
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1 | Geographic Distribution Top 30 Language Services Providers in Total Revenues Earned in U.S. Dollars |
Gráfico 2 | Recursos Humanos & Volume de produção |
Gráfico 3 | Language Service Provider Population Density |
Gráfico 4 | Global Language Services Market Share by Region |
Gráfico 5 | How big (or small) are LSPs? |
Gráfico 6 | Annual revenue of LSPs (2007-2009)? |
Gráfico 7 | Turnover (in million €) of translation and interpreting by Member State |
Gráfico 8 | What are the top sectors for language services? |
Gráfico 9 | Áreas de especialização |
Gráfico 10 | Subáreas das ciências tecnológicas com maior volume de trabalho |
Gráfico 11 | Tipo de empresas inquiridas |
Gráfico 12 | Número de colaboradores das empresas inquiridas |
Gráfico 13 | Percentagem de empresas clientes de serviços de tradução |
Gráfico 14 | Frequência de contratação de serviços de tradução |
Gráfico 15 | Áreas mais procuradas |
Gráfico 16 | Línguas mais procuradas |
Gráfico 17 | Sentido de tradução |
Gráfico 18 | Importância económica da tradução |
Gráfico 19 | Despesa em contratação de serviços de tradução |
Gráfico 20 | Implementação do software ALERT® no mundo |
Gráfico 21 | Volume de faturação da empresa ALERT |
Gráfico 22 | Repartição das exportações da empresa ALERT |
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 | Segmentação do mercado da tradução em Espanha, segundo Xxxxxxx Xxx |
Figura 2 | Importância das vendas (Europa) |
Figura 3 | Classificação dos sentidos de línguas mais procurados na empresa ALERT |
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APET | Associação Portuguesa de Empresas de Tradução |
APT | Associação Portuguesa de Tradutores |
ATA | American Translators Association |
CAE | Classificação de Atividades Económicas |
CAT | Computer-Assisted Translation |
CNT | Conselho Nacional da Tradução |
CTINB | Corporation of Translators, Terminologists and Interpreters from New Brunswick |
DPC | Desenvolvimento Profissional Contínuo |
EU | European Union |
EUA | Estados Unidos da América |
EUATC | European Union of Associations of Translation Companies |
FIT | Fédération Internationale des Traducteurs |
I&D | Investigação e Desenvolvimento |
IHH | Índice de Xxxxxxxxxx-Xxxxxxxxx |
INE | Instituto Nacional de Estatística |
IoL | Institute of Linguists |
ISLA | Instituto Superior de Línguas e Administração |
IT | Information Technology |
ITI | Institute of Translation & Interpreting |
LSP | Language Service Provider |
LTC | Language Technology Centre |
NACE | Nomenclatura de Atividades Económicas da Comunidade Europeia |
PACTE | Procés d’Adquisició de la Competència Traductora i Avaluació |
PALOP | Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa |
PIB | Produto Interno Bruto |
PME | Pequenas e Médias Empresas |
ROW | Rest Of the World |
SWOT | Strengths, Weaknesses, Opportunities and Threats |
TIC | Tecnologias de Informação e Comunicação |
USA | United States of America |
JUSTIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO DO TRABALHO
1.1. Apresentação
O tema da comunicação tem sido constantemente tratado ao longo dos últimos anos, essencialmente sob a impulsão das questões que levantou a globalização, nomeadamente em termos de difusão do conhecimento e das tecnologias de informação. Neste processo, parece- nos que existem duas vertentes interligadas, uma económica e uma tecnológica. Assim, parece- nos que o desenvolvimento económico e tecnológico, bem como os processos de inovação são motores que impulsionam as trocas comerciais entre países e empresas, para além dos seus benefícios que são derramados sobre a sociedade e a economia.
Historicamente, embora este processo tenha as suas raízes na época dos Descobrimentos e, mais tarde, na Revolução Industrial, verificamos que o ato primário de comunicar é mais velho e inerente ao desenvolvimento humano. Porém, e a par destas observações, parece-nos consensual afirmar que o Homem nunca partilhou, simultaneamente, o mesmo idioma. Assim, neste contexto, o encontro entre duas culturas encontrou sempre um obstáculo que se prendia com a comunicação. Para superar este constrangimento, foi necessário educar indivíduos que possuíssem a capacidade de comunicar em vários idiomas. Esta estratégia possibilitou que o uso e o domínio de línguas estrangeiras se tornasse num instrumento intermediário de troca de elevado relevo para o desenvolvimento económico dos povos. E, atualmente, com o uso cada vez mais intensivo das tecnologias de informação, este fenómeno torna-se cada vez mais vivo e significativo. Assim, as línguas estrangeiras devem ser vistas como bens transacionáveis que, por si, possuem um determinado valor ou que, graças ao seu uso, vão acrescentar valor a outro bem.
No caso da língua portuguesa, o Instituto Camões avaliou o idioma Português em 17% do PIB nacional 1 . Logo, parece legítimo questionar a importância das línguas estrangeiras e, mais concretamente, da tradução na atividade económica e empresarial em Portugal. Vários organismos públicos e privados já estudaram este tema. A Comissão Europeia (2009), por exemplo, estima que a indústria das línguas na Europa alcance um valor de 16,5 mil milhões de euros em 2015. A Common Sense Advisory (2010), por sua vez, apurou que o mercado de serviços linguísticos mundial alcançará 38,13 mil milhões de dólares em 2013. Contudo, a importância da tradução não é apenas económica, mas também social. De facto, estima-se que
1 Informação disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxx-xxxxxx.xx/xxxxxxx-xx/xxxxxx-xxxxxxxxxx-xxxxxxxxxx00-xx-xxx.xxxx [consultado a 24/11/2009]
existam cerca de 700.000 profissionais da tradução no mundo. Nesta perspetiva e no âmbito da globalização, parece-nos que o papel do tradutor surge cada vez mais como essencial no desenvolvimento socioeconómico e empresarial dos países.
Assim, acreditamos que este tema que combina duas áreas de saber distintas, as Letras e as Ciências Económicas e Empresariais, tem um elevado interesse, tanto a nível empresarial como industrial. Neste contexto, este trabalho pretende ser a demonstração que existe interdisciplinaridade entre estas áreas e que, em conjunto, permitem levantar o desempenho individual, organizacional e regional. Para além disso, parece-nos que é importante refletir sobre esta questão porque, se o setor for dinamizado e, atendendo ao potencial de crescimento da língua portuguesa, podemos esperar oportunidades de colocação de mão de obra o que, em última análise, se traduz num aumento geral do bem-estar.
1.2. Hipótese e objetivos
Neste trabalho, pretendemos explorar o tema do mercado da tradução em Portugal que, na nossa opinião, parece estar desregulado e apresenta uma falta de estrutura capaz de fomentar o desenvolvimento da profissão. De facto, verificamos que apesar de se tratar de uma área técnica, qualquer indivíduo pode exercer a profissão de tradutor, o que conduz a comportamentos pouco éticos. Esta falta de ética pode ser observada junto dos clientes quando um tradutor não profissional entrega um trabalho de qualidade duvidosa que poderá vir a ter repercussões negativas não só junto do seu cliente, como também no seio deste grupo profissional, uma vez que é possível observar uma grande heterogeneidade nos preços praticados.
Assim, a nossa hipótese consiste em afirmar que o mercado da tradução em Portugal encontra- se desregulado e que, neste sentido, consideramos que o mesmo merece uma intervenção pública.
Neste contexto, os nossos objetivos pretendem i) fazer um ponto de situação do mercado da tradução em Portugal, ii) exibir a sua importância na atividade económica, iii) determinar as limitações do mercado, e iv) apresentar possíveis soluções.
1.3. Metodologia
Com este trabalho, pretendemos ainda, em termos metodológicos, evidenciar as limitações do mercado português e contribuir para uma melhoria do setor que, pela sua natureza, contempla todas as áreas da economia. Dada a limitação de trabalhos nesta área, iremos conciliar dados primários com secundários. Conscientes das nossas limitações devido à escassez de dados, este aspeto orientou-nos para uma tese mais descritiva apesar de estar entrecortada com tratamentos de dados.
Relativamente aos dados primários, elaborámos três instrumentos de estudo, i) um questionário,
ii) um estudo de caso e iii) entrevistas junto de tradutores profissionais. Assim, de forma a determinar a importância da comunicação multilingue e dos serviços de tradução nas grandes empresas presentes em Portugal, optámos por realizar um questionário cuja metodologia está detalhada na página 98. Por considerarmos estes agentes económicos como os motores da inovação, devido ao facto de investirem na investigação e no desenvolvimento tecnológico, quisemos determinar se a comunicação multilingue e a tradução eram, de facto, importantes num processo de internacionalização. Com este contributo, e atendendo ao facto de que este conjunto de empresas aposta na Investigação e Desenvolvimento (I&D) e na exportação dos seus produtos, acreditamos que será possível evidenciar lacunas no mercado que possam ser corrigidas. Para alcançar este objetivo, trabalhámos dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), a partir da base de dados “Empresas em Portugal – 2008”. Esta fonte de informação meramente estatística foi, a seguir, modificada por aqueles serviços e enriquecida por nós num segundo momento de forma a responder às nossas exigências, nomeadamente em termos de contactos telefónicos e de correio eletrónico. O conjunto destas medidas permitiu-nos constituir a nossa amostra e facilitar os nossos contactos junto daquele universo empresarial.
Em função das respostas recebidas, conseguimos evidenciar algumas limitações que surgiram ao longo da análise das respostas. Para corrigir esta falha decidimos realizar um estudo de caso junto da empresa ALERT que possui um departamento interno de tradução. A metodologia deste item de análise está desenvolvida na página 126. Por se tratar de um caso pouco comum e talvez único em Portugal, quisemos determinar quais as razões que motivaram a criação daquela estrutura e qual a sua importância no âmbito da estratégia da empresa. Para tal, um
primeiro contacto foi estabelecido para sensibilizar a empresa e o departamento de tradução sobre as nossas motivações. A seguir, e com o consentimento do departamento jurídico daquela empresa, trabalhámos os dados presentes no Website institucional da ALERT para tentarmos conhecer melhor esta organização. A partir desta pesquisa, realizámos o guião da entrevista, a qual pretendia enfatizar a importância e o papel das línguas e do departamento de tradução, no âmbito da gestão comercial e estratégica da empresa.
Para reforçar este estudo, realizámos também entrevistas junto de tradutores profissionais para percebermos quais são as preocupações do setor e quais as soluções que poderiam ser aplicadas para estruturar a profissão. A metodologia deste instrumento de análise está desenvolvida na página 147. O objetivo desta iniciativa prendia-se essencialmente com o facto de obtermos feedback por parte das empresas que oferecem este tipo de serviço para podermos, eventualmente, reforçar a ideia de que o mercado da tradução necessita de ser regulado de forma a corresponder a exigências de elevado valor que os clientes que atuam em Portugal solicitam. Assim, num primeiro momento, contactámos empresas de tradução em Portugal e no estrangeiro para as sensibilizar sobre o propósito da nossa investigação. A partir desta diligência, conseguimos comunicar com quatro tradutores. Dois destes trabalham em Portugal e estão inseridos na realidade do nosso mercado, enquanto os restantes exercem a sua atividade no estrangeiro, em duas das maiores empresas mundiais do setor. Relativamente a este último aspeto, e embora se possa pensar que estes profissionais se encontrem descontextualizados da realidade do mercado português, é importante realçar o facto de que estes estão claramente inseridos na nossa realidade. Para além de uma formação académica realizada em Portugal, estes profissionais trabalham frequentemente com empresas de tradução portuguesas, no âmbito de uma política de outsourcing.
Relativamente aos dados secundários, utilizámos estudos nacionais e internacionais que se debruçaram sobre a questão do mercado da tradução e das suas diversas vertentes. Assim, destacamos o contributo de Xxxx (2008) e Pym (1999; 2000; 2004a, 2004b, 2004c, 2011) relativamente à questão da profissão e do mercado, Cronin (2003) sobre a tradução e a localização, Xxxxxxxx-Xxxxx (2005; 2006) e Mansfield (2004) no que diz respeito às questões de profissionalização e das competências dos tradutores e, por fim, Xx & Xxxx (1997), Grin (1999; 2002), Xxxxxxxxxx (2000), e Xxxx & Xx (2001) relativamente à economia das línguas.
Para além destes autores que constituem uma parte significativa da nossa revisão da literatura, procurámos obter informações estatísticas sobre o mercado da tradução em Portugal. Assim, recorremos a várias fontes mas, devido à apresentação de dados divergentes e não consensuais provenientes de fontes não oficiais, decidimos caracterizar a Oferta a partir dos dados do Banco de Portugal que apresenta, anualmente, um quadro dos setores de atividade em função da Classificação portuguesa de Atividades Económicas (CAE).
1.4. Organização do trabalho
Assim sendo, este trabalho seguirá uma estrutura assente em sete pontos. O primeiro irá enquadrar economicamente o setor da tradução, apresentando tópicos sobre a economia da linguagem e da informação e sobre a natureza do mercado da tradução. Num segundo momento, realizaremos uma análise do mercado, confrontando dados relativos à oferta e à procura, tanto a nível nacional como internacional. O terceiro ponto interessa-se pela questão da formação académica do tradutor profissional e as suas competências. A seguir e em função dos nossos conhecimentos, apresentaremos possíveis esforços a serem realizados para estruturar o mercado da tradução em Portugal. No quinto ponto estudar-se-á empiricamente a questão da contratação de serviços de tradução por parte das grandes empresas presentes em Portugal para evidenciar de que forma a tradução é encarada como um processo estratégico. No sexto, apresentaremos os resultados do estudo de caso que realizámos junto da empresa ALERT. Por fim, no sétimo e último ponto, apresentaremos os resultados das entrevistas realizadas junto de tradutores profissionais.
CAPÍTULO I: ENQUADRAMENTO ECONÓMICO
1.1. Introdução
Este primeiro capítulo tem como objetivo enquadrar economicamente o setor da tradução. Neste sentido, apresentaremos, por um lado, as visões de diferentes autores sobre questões relacionadas com a economia da linguagem e a economia da informação. Por outro lado, daremos os primeiros passos para compreendermos a natureza do mercado da tradução e, para tal, basearemos o nosso discurso em função de alguns estudos económicos que abordaram este tema. Com o intuito de apresentar estes elementos de forma clara, seguiremos a seguinte estrutura:
1.2. Economia da linguagem
1.3. Economia da informação
1.4. Natureza do mercado da tradução
1.5. Estudos económicos dedicados à tradução
1.6. Conclusão
1.2. Economia da linguagem
Embora o estudo da Economia tenha as suas origens no tempo de Xxxxxxxxxxx (384-322 A.C.), nomeadamente com o livro “Politics and Nichomachean Ethics”, foi necessário aguardar vários séculos para vermos pela primeira vez um autor debruçar-se sobre a questão da relação que existe entre as Línguas e a Economia. Assim, Xxxx Xxxxx (1776) afirmou que ambos os objetos de estudo faziam parte de um só e mesmo processo ligado ao comércio. Xxxxxxx Xxxxx, citado por Xxxx (2008:7), é porque o Homem tem uma linguagem que existem trocas comerciais. Mais recentemente, Xxxxx Xxxxxxxxxx (2004:4), reconhecido economista cujos trabalhos se reportam à teoria da racionalidade limitada (bounded rationality), observou que os agentes económicos são seres humanos cuja linguagem é uma ferramenta essencial no processo de decisão e para formar opiniões.
No seguimento desta linha de pensamento observamos que, do ponto de vista neo-clássico, o estudo da linguagem analisado a partir de um ponto de vista económico é algo recente. Tal como o refere Xxxx (2008), alguns académicos como Xxxx (2002), argumentam que a economia da linguagem, enquanto campo de pesquisa, pode ser datada de meados dos anos 1960. Contudo, e observando rapidamente documentos ligados ao estudo da linguagem, verificamos
que os princípios económicos são raramente mencionados, à exceção dos textos de Xxxx (1949) e Xxxxxx (1983), onde podemos encontrar respetivamente os conceitos da “economia dos falantes” (speaker’s economy) e do “princípio económico” (economy principle).
Por sua vez, na teoria Marxista, Xxxx (2008) indica que os estudos económicos sobre a linguagem são datados do final dos anos 1920, salientando por exemplo o contributo de Xxxxxxxxx. De acordo com este autor, a língua pertence à sociedade tornando-se assim numa realidade material. Uma vez que cada palavra é um sinal retirado de um repertório de sinais disponíveis, a manipulação das palavras contidas num ato discursivo é regulamentada por relações sociais. Por sua vez, o filósofo italiano Xxxxx-Xxxxx, citado por Israel (2002), afirma que a produção de artefactos linguísticos é homóloga à produção de ferramentas e outros artefactos, podendo estes ser considerados matérias-primas.
Assim sendo e para resumir, segundo Xxxx (1999:13), a economia da linguagem enquanto campo de estudo pode ser definida como o paradigma decorrendo de teorias económicas e (…) que aplica os conceitos e as ferramentas comuns da economia no estudo das relações onde surgem variáveis linguísticas (…); focando-se principalmente mas não exclusivamente, nas relações nas quais as variáveis tradicionalmente económicas têm também a sua importância. Segundo esta perspetiva, Grin (2002) afirma que existem três “gerações” de trabalhos que marcaram o início do estudo da economia das línguas. A primeira considerava a língua como um atributo étnico que relacionava um falante com um grupo. Nesta abordagem, verificou-se, por exemplo, que a pertença a um determinado grupo étnico trazia consequências discriminatórias, nomeadamente em termos de vencimento, tal como foi comprovado em estudos sobre a disparidade de remunerações entre a comunidade negra e branca nos Estados Unidos, ou ainda entre a comunidade anglófona e francófona no Canadá. A segunda considerava a língua como um elemento do capital humano em que as competências linguísticas eram consideradas como outras competências. Neste sentido, estas eram vistas como uma fonte de vantagem económica. Por fim, a terceira geração, interligava as duas anteriores ao encarar as línguas como um conjunto de atributos linguísticos que exercem simultaneamente uma influência sobre o estatuto socioeconómico dos atores.
À margem destes estudos, e mais recentemente, vários autores quiseram analisar as línguas como uma forma de troca comercial. Porém, segundo Grin (2002:14), a economia da linguagem é um domínio de especialização marginal. O autor defende esta teoria ao argumentar que a economia da linguagem é uma área interdisciplinar e que a economia dita “ortodoxa” está fechada à interdisciplinaridade. Acrescenta ainda que a modelização económica teórica e o conjunto dos conceitos sobre os quais está assente exige o uso de variáveis quantitativas. Ora, o estudo das questões sobre a linguagem pede habitualmente que se estudem variáveis que são dificilmente quantificáveis, tornando assim menos pertinente a modelização. No âmbito do nosso trabalho, este aspeto deve ser realçado, pois a tradução é um bem incorpóreo.
Em termos macroeconómicos, Xxxx (2008) apresenta a teoria desenvolvida por Xx e Xxxx (1997) e Xxxx x Xx (2001), que foram os protagonistas de uma das poucas tentativas de investigar a economia da linguagem na última década. Assim, os autores afirmam que uma sociedade tem mais oportunidades de produção e de consumo quando todos os membros partilham uma mesma língua (Xx e Xxxx, 1997:1). Neste contexto, a hegemonia da língua francesa nos séculos passados e, hoje em dia, o auge da língua inglesa são bons exemplos. Contudo, Xx e Xxxx (1997) acreditam que é curioso não se ter verificado mais assimilação de línguas entre países, principalmente no caso daqueles que são próximos. Pym (1995) apresenta uma possível explicação, argumentando que existem diferenças de custo entre a tradução e a aprendizagem de uma língua em termos temporais. Assim, segundo este autor, existem vantagens a curto prazo no que diz respeito a uma estratégia ligada à tradução, tal como existem vantagens numa estratégia de aprendizagem de uma língua a longo prazo. Consequentemente, a assimilação de uma língua pode ocorrer quando existe uma estratégia a longo prazo entre todos os intervenientes de um sistema económico.
Em termos microeconómicos, Dalmazzone (2005), citado por Xxxx (2008), afirma que os benefícios associados à difusão de uma língua comum têm as suas origens em três fontes distintas. A primeira tem a ver com o benefício obtido por cada indivíduo que se junta a uma comunidade linguística, ao obter um maior potencial de comunicação. A segunda prende-se com o benefício que os membros de uma comunidade adquirem quando esta se expande, proporcionando a possibilidade de criar redes e conferindo assim o estatuto de bem público a uma língua. Por fim, a difusão de uma língua comum permite destruir as fronteiras de uma
comunidade linguística. Em consequência permite trocas comerciais, a partilha do conhecimento e a criação/difusão de inovações, assim como facilita a organização, a coordenação e a gestão em várias atividades económicas e sociais de relevância.
1.3. Economia da informação
Num contexto económico cada vez mais assente na inovação e na tecnologia, o conhecimento passou a ocupar um lugar fulcral na economia moderna. Segundo Xxxxxx (2001:28), numa economia onda a única certeza é a incerteza, apenas o conhecimento é fonte segura de vantagem competitiva. Quando os mercados mudam, as tecnologias proliferam, os concorrentes multiplicam-se e os produtos tornam-se obsoletos quase da noite para o dia as empresas de sucesso são aquelas que, de forma consistente, criam novos conhecimentos, disseminam-nos profusamente em toda a organização e rapidamente os incorporam em novas tecnologias e produtos. Esta noção está, então, assente na ideia de que o principal fator de produção é o conhecimento e a criatividade.
Neste sentido, a troca de informação surge como um elemento essencial. A partir dos anos 90 do século XX, com os desenvolvimentos da informática, da Internet, das redes e dos softwares, as nossas sociedades evoluíram de tal forma que é comum falarmos em economia da informação. Trata-se de uma vertente da Economia em que o conhecimento é a principal fonte de valor e onde este conhecimento é considerado como um input no processo produtivo. Assim, Porat (1977) afirma que a Economia pode ser divida em dois domínios que estão interligados. Enquanto o primeiro está relacionado com a transformação da matéria e da energia (indústria, agricultura), o segundo prende-se com a transformação da informação. Esta visão implica que o conhecimento seja a principal matéria-prima em setores onde as tecnologias estão cada vez mais presentes como, por exemplo, nas tecnologias de informação e comunicação (TIC) que surgem tanto em contextos profissionais (softwares, e-learning, etc.) como pessoais (partilha de conteúdos, etc.). Neste sentido, autores como Xxxxxxx (1999) acreditam que ocorreu uma revolução informacional, que se opõe a revolução industrial. Enquanto a revolução industrial se aplica apenas ao setor industrial, ao caracterizar-se por uma mudança radical, não só na utilização de tecnologias mas também na organização laboral, a revolução informacional atinge todos os setores da economia. Ainda sobre este tema, Castells (1999) indica que a revolução informacional acompanhou a revolução tecnológica que ocorreu na área das tecnologias de
informação a partir dos anos 1970. E é neste contexto que as línguas e, mais particularmente a tradução, surgem como criadores de riqueza ao criar e distribuir as informações.
É ainda importante salientar que a economia da informação é um ramo da Economia que estuda de que forma a informação influencia a tomada de decisões económicas. Aqui, estas decisões não se limitam apenas às finanças, orçamentos de Estado e comércio internacional. Trata-se também de perceber de que forma são tomadas as decisões em função de determinadas limitações. Nesta perspetiva, um conceito chave para este estudo é a assimetria da informação.
1.4. Natureza do mercado da tradução
1.4.1. Caracterização do mercado, informação perfeita, imperfeita e assimétrica
Antes de nos debruçarmos sobre os conceitos de informação perfeita, perfeita e assimétrica, que serão úteis para este trabalho, é conveniente observar o mercado da tradução de forma geral. Segundo Xxxxxx (2001:66), trata-se de um mercado competitivo, ou seja, um mercado em que há muitos compradores e muitos vendedores de modo que cada um deles exerce um impacto negligenciável sobre os preços do mercado. Por outros termos, cada ator do lado da oferta tem um impacto limitado sobre o preço a que os seus concorrentes vendem um bem similar. Por sua vez, o mesmo acontece com os atores que constituem o lado da procura. Nenhum deles pode influenciar os preços porque cada um compra uma parte insignificante da fração total. Neste contexto, o mercado da tradução aparece como perfeitamente competitivo, pois segundo Xxxxxx (2001:66), este tipo de mercado refere-se a um estado em que os bens oferecidos à venda são todos iguais, e os compradores e vendedores são tão numerosos que nenhum único comprador ou vendedor pode influir no preço de mercado. Em consequência, estes intervenientes devem aceitar o preço definido pelo encontro da oferta e da procura. E, num mercado perfeitamente competitivo, pressupõe-se ainda que todos os agentes sejam racionais e beneficiem de informação perfeita, o que possibilita a compra dos melhores bens ou serviços. Neste caso, o mercado beneficia os atores com os melhores produtos.
Por oposição, a informação imperfeita apresenta ausência de conhecimento e este tipo de contexto é essencialmente estudado no âmbito da Teoria dos Jogos. Dentro deste tipo de informação, encontramos o caso da assimetria da informação que envolve dois ou mais intervenientes e que ocorre quando estes estabelecem uma relação económica na qual uma das
partes envolvidas no processo de transação tem mais ou melhores informações que a outra parte para tomar uma decisão. Este tipo de informação impede o bom funcionamento do mercado, tal como visto anteriormente no caso da informação perfeita e, consequentemente, impede os agentes económicos de tomar decisões ótimas.
No caso do mercado da tradução, é difícil para as empresas ou para os clientes terem conhecimento das competências de um tradutor antes de iniciar uma negociação. Na maior parte das vezes, os clientes só podem comprovar a qualidade do serviço prestado aquando da receção da tradução. Consequentemente, tal como apontam Moav e Xxxxxx (2004:1), a tradução é um serviço que se distingue pelo facto de a sua qualidade e valor para os consumidores não poder ser determinados de forma pormenorizada pelos consumidores na ato de compra.
Na prática, os clientes podem pedir a potenciais tradutores para traduzirem uma amostra. Contudo, no que diz respeito aos tradutores mais experientes, estes são relutantes em realizar testes de avaliação. E, em termos gerais, os tradutores não acreditam que realizar um teste seja sinónimo de qualidade, porque estimam que os resultados de um teste podem ser adulterados. Em consequência, para Xxxx (2008:29), os clientes não conseguem claramente distinguir entre os “bons” e os “maus” tradutores por causa do problema da assimetria da informação. Nesta visão, entende-se por “bons tradutores” aqueles que possuem habilitações literárias adequadas para exercer a profissão e por “maus tradutores” aqueles que se autodeclaram tradutores. Estes, geralmente, praticam preços abaixo da média e, à partida, não apresentam um produto de qualidade.
Para explicar esta tese, Xxxx (2008) recorre a um exemplo onde se assume que, para a tradução de um texto com um determinado número de palavras, um “bom tradutor” cobra 10€ enquanto um “mau tradutor” cobra 5€. Dado que os clientes não estão na posse de todas as informações em relação à qualidade do trabalho destes tradutores, eles estarão apenas dispostos a pagar o serviço em função de uma distribuição de probabilidades. Assumindo a probabilidade de existirem 50% de “bons tradutores” e 50% de “maus tradutores”, os clientes tencionarão apenas pagar: (10€ x (1/2)) + (5€ x (1/2)) = 7,5€. No caso da probabilidade de os clientes anteciparem trabalhar com um “mau tradutor” ser superior a 50%, o preço a pagar
poderá então ser ainda mais baixo, como por exemplo: (10€ x (1/4)) + (5€ x (3/4)) = 6,25€. Uma das consequências deste fenómeno é a saída de “bons tradutores” do mercado. Este fenómeno económico é conhecido por “seleção adversa” (Xxxxxxxx e Xxxxx, 2000). No exemplo dado, os “bons tradutores” deveriam ser pagos a 10€ mas iriam receber apenas 7,5€ devido ao problema da informação assimétrica. Esta diferença determina que, para Xxxx (2008), os “bons tradutores” decidem abrir as suas próprias agências de tradução, dedicando-se mais à gestão de projetos do que à tradução em si.
1.4.2. Segmentação e heterogeneidade do mercado da tradução
Ainda a nível da observação geral do mercado da tradução, observamos tal como Pym (2000:10) o referiu, que a globalização originou um mercado dos serviços linguísticos mais segmentado. Para Xxxxx Xxxxxx (2003:1), tradutora reconhecida pelo seu contributo no âmbito da profissionalização da profissão de tradutor, não existe apenas um mercado da tradução, mas sim uma variedade de segmentos. Esta observação pode ser entendida tanto da perspetiva da oferta como da procura. Para Xxxx (2008), com a globalização e com o papel cada vez mais importante desempenhado pelas tecnologias da comunicação e da informação, a procura de serviços de tradução cresceu rapidamente nos domínios político, económico, técnico e cultural.
De acordo com esta perspetiva, observamos que as grandes empresas multinacionais perceberam a importância da comunicação multilingue e da tradução, em particular. A página Internet destas empresas é um excelente exemplo. De acordo com uma pesquisa desenvolvida pela empresa de tradução The Big Word (2008), 58% das maiores empresas americanas têm os seus sites traduzidos para várias línguas e o estudo apresenta uma correlação entre a dimensão das empresas e as suas necessidades de tradução. Esta necessidade de traduzir pode ser resumida numa palavra: localização. Trata-se de um ramo da tradução que consiste em traduzir os conteúdos de um texto, de um software, ou de um site Internet, adaptando a tradução para a cultura do país ao qual se destina, considerando costumes, religião, sistemas métricos, moedas, legislação e outras variáveis que possam afetar o produto. Em consequência, Xxxx (2008) prevê uma grande procura de serviços de tradução no futuro onde os compradores terão um grande problema, pois estes não irão possuir conhecimentos suficientes sobre o mercado da tradução. Assim sendo, Xxxx (2008:188) alerta para o facto de que ao existir uma grande diversidade de tradutores, o custo de procura de um tradutor qualificado vai ser cada vez mais proibitivo. Para
além disso, e atendendo ao facto de que os clientes podem recorrer a tradutores estrangeiros e que existem mercados virtuais, a segmentação do mercado tornou-se cada vez mais acentuada. Assim, para este autor, existe uma grande necessidade em os clientes poderem contratar tradutores qualificados e distinguir os “bons” dos “maus”.
Do ponto de vista da oferta, Xxxx (2008:186), citando Xxxx (1995), observa que o mercado da tradução é constituído por uma grande variedade de tradutores, desde estudantes até peritos na tradução de documentos técnicos. No seguimento deste trabalho, Pym (1999) reforçou esta ideia ao apresentar a segmentação do mercado de trabalho da tradução em Espanha. Para tal, recorre à imagem de uma pirâmide, conforme a figura 1.
Figura 1: Segmentação do mercado da tradução em Espanha, segundo Xxxxxxx Xxx (1999) Fonte: Elaboração própria
Na base desta figura encontramos uma grande quantidade de trabalhos de tradução realizados por amadores ou tradutores sem experiência, como é o caso dos estudantes, ou ainda “amigos de amigos”, que não têm obrigatoriamente uma formação universitária na língua em causa. Em termos de remuneração, esta primeira classe ganha, segundo Pym (1999), o suficiente para pagar os estudos. A segunda categoria inclui pessoas que realizam traduções por conta própria ou ainda em part-time. Trata-se essencialmente de tradutores não especializados e cuja remuneração é variável, em função do volume de negócio. Por fim, o terceiro e último nível engloba os profissionais de topo e não necessariamente tradutores. Esta categoria inclui profissionais que possuem capacidades linguísticas em conjunto com outras, nomeadamente em termos de IT (Information Technology), economia, marketing, etc. Segundo o mesmo autor,
estes profissionais trabalham geralmente para empresas multinacionais que estão dispostas a oferecer uma alta remuneração em troca dos seus serviços.
1.5. Estudos económicos dedicados à tradução
A aplicação de princípios económicos ao campo de estudo da tradução pode ser vista, segundo Xxxx (2008), na obra de Xxxx (1967), na qual o autor utiliza a teoria do processo de decisão para estudar o processo de tradução. Nesta obra, o ato de traduzir é visto como uma forma de tomada de decisão, por se tratar de uma série de situações consecutivas que impõe ao tradutor a necessidade de escolher entre várias opções (Levy, 1967:38). O autor acrescenta que a tradução se aparenta a um jogo de xadrez em que cada movimento é influenciado pelo conhecimento das decisões tomadas anteriormente e pela situação daí resultante. Neste sentido, cada vez que uma decisão é tomada, o tradutor cria um contexto para uma série de sub- decisões. Embora este modelo tenha sido citado em estudos na área da tradução, nomeadamente por Xxxxxxxxxxxx e Cowie (1997) e Baker (2001), é importante alertar para o facto de nenhum estudo empírico ter sido realizado de forma a validá-lo.
Para além de Xxxx, Xxx tentou por várias ocasiões investigar o tema da tradução do ponto de vista económico e, principalmente, em termos de processo de tomada de decisão. Para tal, o autor utilizou a análise do custo da tradução (Pym, 1995; Pym, 2004a, 2004b) de forma a fornecer uma explicação para alguns aspetos associados à tradução. Nesta reflexão, os custos de transação incluem a produção, a localização, a transferência, a tradução e a avaliação da informação. O autor aponta que o principal fator-chave para todos os atos de comunicação reside nos ganhos mútuos. Mais recentemente, Pym (2004a, 2004c) utilizou também o conceito de “risco” para analisar a forma como os tradutores tomam decisões quando traduzem. Neste campo, o termo “risco” pode ser entendido como a probabilidade de uma opção de tradução não ser bem sucedida.
Ainda em relação a este tema, podemos destacar o contributo de Xxxxxxxx e Xxxxxxxx (1997) como uma das mais recentes tentativas de analisar o papel das línguas e da tradução no contexto dos negócios internacionais. Os autores acreditam que a tradução não deve ser vista como um ato neutro e a aprendizagem da língua como uma competência técnica. Para estes, a tradução deve ser entendida como um ato managerial e a aprendizagem de uma língua como
uma forma de produção cultural. E, no seguimento deste trabalho, surge o contributo de Xxxxxx Xxxxxx (2001) que propõe um estudo teórico sobre o papel dos tradutores no âmbito dos negócios entre duas regiões cujas línguas são diferentes. Uma das conclusões é que, quando a associação das duas ocorre, ambas poupam no número de tradutores. Esta análise teórica parece ser muito abstrata e revela pouco sobre a natureza da tradução, sendo impossível testá-la de forma empírica. Tal como Grin (1996) o destacou, a linguagem é uma área muito evasiva, onde as ferramentas matemáticas não apresentam resultados. No artigo de Xxxxxx (2001), é ainda importante salientar que os tradutores são pessoas bilingues. Estas podem ser utilizadas trocando uma por outra, o que não é exato e corresponde a uma visão ingénua da profissão.
Por fim, e atendendo ao facto de que a procura em serviços de tradução tem aumentado de forma constante devido à globalização, Chan (2008) indica que foram disponibilizados mais dados sobre esta área de estudo. Assim, de acordo com o site Euractiv (2008), citando Xxxxxx Xxxxxxxx, Diretor Geral Europeu para a tradução, as instituições da União Europeia gastaram cerca de 1.000 milhões de euros em serviços de tradução e interpretação, o que representa 1% do orçamento da UE (orçamento total da UE = 133,8 mil milhões de euros), o que equivale a 2,50€ por cidadão. E prevê-se que esta quantia ultrapasse os 5% por ano2.
Consequentemente, dada a importância destes valores e das suas recaídas em termos de emprego, de dinamização das economias e de estímulo ao conhecimento e à inovação, a análise económica do mercado da tradução, dentro ou fora da União Europeia, surge cada vez mais como um objeto de estudo legítimo.
1.6. Conclusão
De acordo com o conjunto destes dados, parece-nos que a utilização cada vez mais habitual das línguas estrangeiras constitui uma fonte de despesa cada vez mais importante nas economias nacionais. O que se observa junto das instituições europeias, fruto de um processo de incorporação de novos países na União pode, na nossa opinião, também ser verificado no universo empresarial, no âmbito de uma economia globalizada. Nesta perspetiva, e focando a nossa atenção sobre o mercado português, debruçar-nos-emos sobre esta temática ao longo dos próximos capítulos.
2 Informação disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx/xx/xxxxxxx/xxxxxxx-xxxxxxxxx-xxxxxxxxx-xxxxxx-xxxxxxxxxx-xxxxxxxx/xxxxxxx-000000
CAPÍTULO II: ANÁLISE DE MERCADO
2.1. Introdução
Tendo enquadrado e caracterizado economicamente a natureza do mercado da tradução, iremos, neste segundo capítulo, focar a nossa atenção sobre a Oferta e a Procura deste serviço.
Para tal, relativamente à Oferta, analisaremos este aspeto em função de várias variáveis. Assim, num primeiro momento, caracterizaremos o mercado internacional da tradução para percebermos como este evolui. Em seguida, e de acordo com vários estudos, apresentaremos a tendência geral do mercado. Numa terceira etapa, verificaremos o grau de concentração e fragmentação do mercado da tradução antes de nos debruçarmos, num quarto e quinto momento, sobre as questões da dimensão e da faturação das empresas a nível mundial. A partir do conjunto destas observações, verificaremos, num sexto ponto, a existência de um mercado virtual, o que nos levará a refletir, de seguida, sobre a oportunidade que representa a Internet. Por fim, e atendendo ao conjunto de dados anteriores, analisaremos o mercado português.
No que diz respeito à Xxxxxxx, iremos, num primeiro momento, caracterizar economicamente o bem tradução para, de seguida, identificarmos os países que adquirem este bem na Europa. Depois de analisados estes dados, iremos, num terceiro ponto, estudar a Procura em Portugal e, logo de seguida, refletir sobre a perceção deste bem por parte dos consumidores.
De forma a tornar esta análise de fácil leitura e compreensão, decidimos dividir este capítulo em duas partes. A primeira debruçar-se-á sobre a Oferta e encontra-se organizada da forma seguinte:
2.2. Análise da Oferta
2.2.1. Caracterização do mercado internacional da tradução
2.2.2. Tendência geral do mercado
2.2.3. Concentração e fragmentação do mercado da tradução
2.2.4. Dimensão das empresas
2.2.5. Faturação
2.2.6. Mercado virtual
2.2.7. A oportunidade E-business
2.2.8. O mercado português
A segunda parte, por sua vez, debruçar-se-á sobre a Procura e encontra-se estruturada da forma seguinte:
2.3. Análise da Procura
2.3.1. Natureza económica do bem “tradução”
2.3.2. Valores da tradução, por país, na Europa
2.3.3. A Procura no mercado português
2.3.4. Perceção dos serviços de tradução
2.4. Conclusão
2.2. Análise da Oferta
2.2.1 Caracterização do mercado internacional da tradução
De acordo com um estudo realizado para a Common Sense Advisory e liderado por Xxxxxxxxx (2009:1), prevê-se um volume de faturação de 25.000 milhões de dólares em 2013 para o mercado mundial, conforme a tabela 1.
Region | Market Share | 2009 US$ M | 2010 US$ M | Δ (1) | 2011 US$ M | Δ (2) | 2012 US$ M | Δ (3) | 2013 US$ M | Δ (4) | Δ total |
Europe | 43% | 6.468 | 7.331 | 13% | 8.409 | 15% | 9.703 | 15% | 10.781 | 11% | 67% |
USA | 40% | 6.074 | 6.884 | 13% | 7.896 | 15% | 9.111 | 15% | 10.123 | 11% | 67% |
Asia | 12% | 1.735 | 1.965 | 13% | 2.255 | 15% | 2.601 | 15% | 2.891 | 11% | 67% |
ROW | 5% | 722 | 818 | 13% | 939 | 15% | 1.083 | 15% | 1.203 | 11% | 67% |
Total | 100% | 15.000 | 17.000 | 13% | 19.500 | 15% | 22.500 | 15% | 25.000 | 11% | 67% |
Tabela 1: Projected Language Services Revenues for 2009-2013 in U.S. Millions of Dollars Fonte: Common Sense Advisory (2009:1)
Legenda:
(1): variação entre 2010 e 2009 (2): variação entre 2011 e 2010
(3): variação entre 2012 e 2011 (4): variação entre 2013 e 2012
Noutro estudo realizado pela mesma organização, Kelly (2010) apurou que o mercado de serviços linguísticos foi, em 2009, de 23.267 milhões de dólares. E de acordo com as mudanças anuais associadas à faturação e aos lucros esperados apresentados pelas empresas que foram analisadas, o mercado dos serviços linguísticos cresce anualmente, e em média, cerca de
13,15%. Assim, nos próximos cinco anos, espera-se que o mercado mundial atinja os 38,13 mil milhões de dólares, conforme a tabela 2.
Region | Market Share | 2009 US$ M | 2010 US$ M | Δ (1) | 2011 US$ M | Δ (2) | 2012 US$ M | Δ (3) | 2013 US$ M | Δ (4) | Δ total |
North America | 48,50% | 11.284 | 12.769 | 13% | 14.448 | 13% | 16.347 | 13% | 18.497 | 13% | 64% |
North. Europe | 19% | 4.421 | 5.002 | 13% | 5.660 | 13% | 6.404 | 13% | 7.246 | 13% | 64% |
West. Europe | 11,10% | 2.583 | 2.922 | 13% | 3.307 | 13% | 3.741 | 13% | 4.233 | 13% | 64% |
South. Europe | 8,59% | 1.999 | 2.264 | 13% | 2.559 | 13% | 2.895 | 13% | 3.276 | 13% | 64% |
Asia | 7,67% | 1.785 | 2.019 | 13% | 2.285 | 13% | 2.585 | 13% | 2.925 | 13% | 64% |
East. Europe | 4,49% | 1.045 | 1.182 | 13% | 1.338 | 13% | 1.513 | 13% | 1.712 | 13% | 64% |
Latin America | 0,35% | 81 | 92 | 13% | 104 | 13% | 118 | 13% | 133 | 13% | 64% |
Africa | 0,18% | 42 | 47 | 13% | 54 | 13% | 61 | 13% | 69 | 13% | 64% |
Oceania | 0,13% | 30 | 34 | 13% | 39 | 13% | 44 | 13% | 50 | 13% | 64% |
Total | 100% | 23.267 | 26.327 | 13% | 29.789 | 13% | 33.706 | 13% | 38.138 | 13% | 64% |
Tabela 2: Projected Language Services Revenues and Regional Distribution Fonte: Common Sense Advisory (2010:4)
Legenda:
(1): variação entre 2010 e 2009 (2): variação entre 2011 e 2010
(3): variação entre 2012 e 2011 (4): variação entre 2013 e 2012
A partir das tabelas acima apresentadas, conseguimos evidenciar uma importante limitação da parte destes estudos. De facto, aparece como pouco exequível observarmos uma variação idêntica entre as diferentes regiões nos diferentes anos. Assim sendo, e na impossibilidade de recorrer à ficha metodológica da realização destes estudos, os números apresentados devem ser analisados com precaução e não podem ser assumidos como representativos do mercado em causa. Embora a Common Sense Adivsory seja um organismo conceituado, este facto parece ser pouco plausível, pois implicaria que o crescimento do mercado da tradução a nível internacional fosse homogéneo, independentemente da localização geográfica.
Esta questão da veracidade dos dados foi um problema identificado por Xxxxxxx (2009:6), no âmbito de um estudo encomendado pela Comissão Europeia. De facto, o maior problema deste estudo reside na heterogeneidade dos dados recolhidos, pois a Nomenclatura de Atividades
Económicas da Comunidade Europeia (NACE) não é respeitada em todos os países europeus. Esta falta de consistência conduz a dificuldades consideráveis para uma análise de dados e uma comparação objetiva. Ainda neste tema, Beninatto (2009) acrescenta que existe uma diferença na recolha dos dados em função da tipologia da empresa estudada. Assim, enquanto empresas públicas são obrigadas a fornecer relatórios anuais oficiais, o mesmo não se aplica no caso das empresas privadas. Em consequência, aquele estudo pode sofrer de uma falta de dados fiáveis e assentar em números voluntariamente incorretos.
2.2.2. Tendência geral do mercado
Em termos gerais, Beninatto (2009:2) observa a repartição geográfica das 30 maiores empresas de tradução no mundo em termos de receitas. Enquanto as empresas americanas e britânicas continuam a dominar a classificação, observamos que a Ásia conhece um forte crescimento de quota de mercado com três empresas presentes, entre a China e o Japão, conforme o gráfico 1.
Gráfico 1: Geographic Distribution Top 30 Language Services Providers in Total Revenues Earned in U.S. Dollars Fonte: Comnon Sense Advisory (2009:3)
Segundo Xxxxxxx (2009), e de acordo com a European Union of Associations of Translation Companies (EUATC) (2006), existe uma tendência que revela um rápido crescimento do número e da dimensão das empresas de tradução, nomeadamente pela via de aquisições, fenómeno que se verificou mais entre os anos 1995 e 2005. Consequentemente, para este autor, esta consolidação do mercado que se vai observar cada vez mais no futuro representa uma ameaça para as pequenas empresas e para os tradutores por conta própria, levando, em última análise, a uma maior monopolização do mercado. Para Xxxxxxx (2009), este problema tem como principal origem a falta de barreiras à entrada, pois estas são consideradas como muito fracas.
O aumento constante de empresas de tradução resulta do facto de o mercado apresentar uma oferta permanentemente superior à procura, no que diz respeito às empresas recém-chegadas. Por sua vez, o número de linguistas qualificados é demasiado pequeno para responder à procura crescente. Em suma, observamos um bi-mercado constituído por empresas recentes que adotam estratégias ofensivas em termos de preço para conquistar uma pequena quota de mercado e, por outro lado, empresas implantadas há muitos anos que apostam essencialmente na qualidade do produto. Este aspeto traduz-se numa margem de lucro cada vez mais pequena para os fornecedores de serviços de tradução e numa qualidade do serviço prestado cada vez mais baixa, resultante de uma concorrência focalizada em dois vetores distintos.
Relativamente aos preços, Rinsche (2009:25), citando um estudo realizado a nível mundial por XxXxxxx (2008) dedicado aos preços praticados no setor da tradução, aponta para preços relativamente estáveis entre 2004 e 2008. Durante este período, verificou-se uma flutuação inferior a 10%. Um fator importante capaz de ter um papel decisivo no estabelecimento de preços é a taxa de câmbio. Assim, esta observação explica o aumento do crescimento da indústria das línguas na Europa de Leste. De facto, de entre os onze países que não pertenciam à zona Euro na data de conclusão do estudo, oito fazem parte do mercado da Europa de Leste: Bulgária, República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia e Roménia. Nestas circunstâncias, estes países podem usar as suas moedas fracas e os seus salários mais baixos para praticar preços mais atrativos e desequilibrar o mercado.
Por seu lado, Xxxxx (2010:1) debruça-se sobre o estudo das 35 maiores empresas de tradução a nível mundial. Ao analisarmos aqueles dados, observamos que estas empresas são essencialmente privadas e que existem quatro grupos de empresas. As três primeiras gerem, cada uma, cerca de ou mais de 400 milhões de dólares. As sete empresas seguintes gerem entre 100 e 300 milhões de dólares. A seguir a este top 10, verificamos que existe uma grande disparidade nos ganhos, pois as quinze empresas seguintes gerem entre 30 e 85 milhões de dólares e, por fim, as empresas presentes no último grupo gerem entre 18 e 30 milhões de dólares. Somando a riqueza criada por estas empresas (apêndice 1), o número de colaboradores e o número de escritórios, verificamos que as 35 maiores empresas de tradução a nível mundial gerem 3.492,18 milhões de dólares. Este valor é alcançado pelo intermédio de 38.970 colaboradores, num intervalo de 35 a 7750 empregados, espalhados por 582 escritórios.
Ao estudar os dados de forma mais aprofundada, observamos, por um lado, que a grande maioria destas empresas se situa na Europa (18) e nos Estados-Unidos (12), contra 5 no continente asiático. Por outro lado, em termos de recursos humanos e de volume de produção, observamos a relação exemplificada pelo gráfico 2.
Asia
Europe
Employees Revenue
USA
0 5000 10000 15000 20000 25000
Gráfico 2: Recursos Humanos vs Volume de produção Fonte: Elaboração própria
No gráfico acima associado à tabela 3, evidenciamos a produtividade por colaborador e por região geográfica.
Faturação 2009 (em US$M) | Colaboradores | Produtividade | |
EUA | 1908,1 | 21701 | 9% |
Europa | 1425,97 | 11591 | 12% |
Ásia | 158,11 | 5678 | 3% |
Tabela 3: Comparação de resultados entre três zonas Fonte: Elaboração própria
Verificamos que, de acordo com os dados, as empresas europeias são mais produtivas do que as norte-americanas e as asiáticas. A partir destes números podemos levantar várias questões. A primeira tem a ver com os modelos de gestão aplicados em cada uma destas regiões para saber o que distingue estas empresas que atuam num mesmo setor e sobre o que as torna mais eficientes. A segunda foca-se nos respetivos mercados e prende-se em saber se existem
diferenças políticas e estruturais que possam explicar este fenómeno. A terceira debruça-se sobre as línguas trabalhadas nestes mercados e sobre o crescimento económico de cada região.
2.2.3. Concentração e fragmentação do mercado da tradução
De acordo com Xxxxxxx (2009), o mercado da tradução é um dos mais fragmentados do mundo devido ao grande número de tradutores freelancers. Contudo, Beninatto (2009) observou num estudo anterior que grande parte da riqueza criada pelo mercado é ganha pelas maiores empresas de tradução, com as 30 maiores empresas a terem uma quota de mercado de 26,6%. Xxxxxxxxx (2009), para verificar se a fragmentação do mercado está a ser mais ou menos elevada, aplicou o índice de Herfindhal-Hirschman (IHH) para determinar o grau de concentração do mercado. O valor zero representa um mercado em que não existem empresas e o valor 1 traduz uma situação de monopólio, na qual uma única empresa possui 100% de quota de mercado. No caso do mercado dos serviços linguísticos, Beninatto (2009), sem especificar o resultado, aponta para um mercado com um índice de Herfindhal extremamente baixo, ou seja, um mercado onde não observamos concentração.
Segundo o estudo realizado por Xxxxx (2010:3), observamos que a grande maioria do mercado está concentrado em duas regiões do mundo: a Europa e a América do Norte, conforme o gráfico 3.
Gráfico 3: Language Service Provider Population Density Fonte: Common Sense Advisory (2010:3)
E, para além disso, este mesmo estudo identifica a quota de mercado realizada para cada região. No total, Xxxxx (2010:4) avalia o mercado total de serviços linguísticos em 26.327 milhões de dólares. Estes dados reforçam a ideia observada anteriormente que apontava o mercado europeu e norte-americano como os mais importantes, conforme o gráfico 4.
Gráfico 4: Global Language Services Market Share by Region Fonte: Common Sense Advisory (2010:4)
2.2.4. Dimensão das empresas
A nível europeu, e segundo um estudo realizado pela Common Sense Advisory por XxXxxxx em 2008, a maioria das empresas de tradução emprega menos do que cinco pessoas, o que sugere a presença de uma grande proporção de tradutores freelancers no mercado. Este aspeto foi confirmado por Xxxxxxx (2009), pois na primeira parte da sua pesquisa 43% (700 inquiridos) admitiram trabalhar por conta própria e 36% afirmaram ter entre 1 e 10 empregados. Apenas os 21% restantes assumiram ter mais de 10 empregados. Por sua vez, Xxxxx (2009) determinou noutro estudo a dimensão das empresas, conforme o gráfico 5.
Gráfico 5: How big (or small) are LSPs? Fonte: Common Sense Advisory (2009:9)
A partir deste gráfico, verificamos que 59% das empresas designadas por Language Service Providers (LSP) empregam até 10 colaboradores, o que corrobora os dados apresentados anteriormente. Por sua vez, apenas 10% destas empresas possuem mais de 101 colaboradores. Neste sentido, o mercado da tradução a nível europeu caracteriza-se por ter uma grande quantidade de empresas de pequena dimensão. E, nesta perspetiva, seria interessante determinar a nacionalidade destes respondentes, de forma a verificar se existe um padrão em função da dimensão do país, da língua falada ou, ainda, do PIB.
2.2.5 Faturação
Para além da dimensão das empresas é ainda relevante debruçarmo-nos sobre a questão da faturação. E, relativamente a este tema, Xxxxx (2009:10) apresenta o gráfico seguinte 6.
Gráfico 6: Annual revenue of LSPs (2007-2009)? Fonte: Common Sense Advisory (2009:10)
Observamos que, em 2007, cerca de 65% das empresas inquiridas faturaram menos de um milhão de dólares. Este aspeto é coerente com os dados apresentados anteriormente, segundo os quais as empresas são essencialmente de pequenas dimensões. Para além disso, é curioso verificar que, para estas empresas, a faturação em 2008 foi inferior à de 2007, enquanto se observou uma evolução positiva na maioria dos outros casos.
Por sua vez, Rinsche (2009:iii), que recorreu a vários estudos internacionais já realizados, estimou que o crescimento anual da indústria das línguas foi, no mínimo, de 10%. Também fazem crer que se prevê que a indústria das línguas alcance um valor de 16,5 mil milhões de euros em 2015. No caso da tradução/interpretação, o autor estima que o valor deste mercado,
incluindo a localização (de software e de sites Internet), foi de 5,7 mil milhões de euros em 2008 (2009:iv). O inquérito do Language Technology Centre (LTC) relativo à atividade de tradução/interpretação, localização de software e de páginas Internet determinou um crescimento anual de 10% (2009:20), conforme a tabela 4.
Total Turnover (million €) | |||||||
2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 |
5675 | 6243 | 6867 | 7554 | 8309 | 9140 | 10054 | 11059 |
Tabela 4: LTC’s estimate for 2008 and forecasts until 2015 of the value of the language industry. Fonte: LTC (2009:20)
Rinsche (2009:78) adianta ainda estimativas do volume de negócios gerados pela tradução e interpretação para todos os estados Membros da União Europeia, conforme o gráfico 7.
Gráfico 7: Turnover (in million €) of translation and interpreting by Member State Fonte: The Size of the language industry in the EU (2009:78)
Deste gráfico, construímos quatro grupos de países:
▪ O primeiro é liderado pela Itália (879 milhões de euros) e, a seguir, encontramos a França (680 milhões de euros) e a Alemanha (631 milhões de euros) que gerem, por si, metade da riqueza criada na Europa neste setor.
▪ O segundo grupo é constituído por três países que faturam mais de 300 milhões de euros. Este é composto pela Espanha (388 milhões de euros), o Reino Unido (362 milhões de euros) e a Bélgica (314 milhões de euros).
▪ O terceiro integra quatro países que faturam mais de 100 milhões por ano e que é constituído pela Dinamarca (232 milhões de euros), a Holanda (181 milhões de euros), a Finlândia (163 milhões de euros) e a República Checa (112 milhões de euros).
▪ O último grupo, composto por países que faturam menos de 100 milhões de euros é constituído, por países como a Áustria, a Suécia, a Grécia e por países da antiga Europa de Leste (Bulgária, Roménia, Hungria, Eslovénia). Neste grupo, encontramos Portugal que fatura 87 milhões de euros.
2.2.6. Mercado virtual
Paralelamente às empresas de tradução e aos tradutores freelancers que constituem o core do mercado da tradução, foram criadas comunidades virtuais onde os tradutores podem manifestar dúvidas e onde um cliente pode, inclusive, contratar os serviços de um tradutor. Neste caso, convém salientar que se trata de uma concorrência pelo preço que segue a lógica do “leilão invertido”. Assim, de acordo com a opinião de Xxxx (2008), enquanto num leilão normal existe apenas um vendedor e uma variedade de compradores que vão lutar para adquirir um bem, aumentando as suas propostas até todos desistirem, o leilão invertido é assim designado porque, neste caso, existe um comprador que vai explicar o que pretende a vários fornecedores que vão competir entre si oferecendo o preço mais baixo para o serviço.
No caso de um mercado virtual, a questão da globalização torna-se ainda mais presente, pois uma plataforma como a ProZ, uma das mais antigas neste mercado, conta com membros que vivem na América do Norte, Europa, América Latina, Austrália, Nova Zelândia e Ásia Oriental. Esta observação confirma algo que foi dito anteriormente, quando afirmámos que o mercado da tradução é global e que, neste sentido, a concorrência é mundial. Contudo, e tal como apontado por Xxxx (2008), existe ainda um grande número de clientes que preferem trabalhar com alguém que conhecem, ou alguém recomendado por outro, do que recorrer ao mercado virtual. Neste sentido, segundo Xxxxxxx (1983), para produtos cuja qualidade é difícil avaliar antes da
compra, a grande maioria dos compradores preferem incorrer a custos mais elevados e contratar alguém que possui uma boa reputação.
Assim sendo, este paralelo com o comércio online, geralmente designado por e-commerce, indica que a confiança contribui para aumentar o valor profissional dos prestadores do serviço. Neste sentido, deve ser desenvolvida uma relação de confiança virtual que designaremos de e- trust, para que o mercado continue a crescer, pois na economia em geral e também na economia virtual a noção de confiança é de extrema importância. DeMaio (2001:21) define a confiança como uma interação que estabelece e mantém o respeito e a segurança entre duas ou várias entidades. E, de facto, a confiança tornou-se mais importante na medida em que a nossa sociedade se tornou mais globalizada. Por sua vez, Xxxx (2008:45), citando Xxxxxxx Xxxxxxxx (1995), filósofo americano e economista político, defende que o futuro da nossa economia e sociedade depende da organização das redes (o mercado online dos tradutores, por exemplo), e isto dará uma vantagem natural às comunidades (inclusive as virtuais) que possuem um grande nível de confiança. No caso da tradução, Xxxxxxxx x Xxxxxxxx (2007), com a ajuda de seis tradutores finlandeses, recorreram a entrevistas para determinar o papel da confiança, da lealdade e do capital social no mercado virtual da tradução e descobriram que a falta de confiança pode ser o calcanhar de Aquiles destas redes económicas.
2.2.7. A oportunidade E-business
No seguimento da ideia de mercado virtual, é importante referir que o progresso tecnológico, a troca cada vez mais rápida de informação e a difusão da Internet constituem uma oportunidade de crescimento económico. Assim, segundo Xxxxxxxxx (2009:4), ao fornecer conteúdos em Inglês, Mandarim e Espanhol, abrangemos 60% dos 1,65 mil milhões de utilizadores da Internet. Contudo, é importante apontar para o facto de existir uma grande oportunidade de negócio no que diz respeito a outras línguas que apresentam um forte crescimento, como é o caso do Árabe (530 milhões de falantes para apenas 49 milhões de pessoas online) ou do Português (490 milhões de falantes, para apenas 73 milhões de pessoas online). Para este autor, quando estas populações estiverem massivamente presentes na Internet, irão com certeza procurar conteúdos nas suas respetivas línguas.
Xxxxxxx (2009:10) reforça esta ideia ao indicar que, no seu estudo, 52% das pessoas inquiridas, que não falam Inglês, revelaram comprar apenas bens ou serviços em sites onde as informações estão presentes nas suas línguas. Este número atinge os 60% nos casos dos compradores franceses e japoneses. Por fim, neste mesmo estudo, 56,2% dos inquiridos afirmam que, no ato de tomada de decisão para a compra de um bem ou serviço, a presença de informação redigida nas suas línguas tem mais importância do que um preço mais baixo. Neste sentido, as empresas de tradução têm todo o interesse em apostar na oferta de serviços linguísticos que correspondem a países onde o uso da Internet ainda não se democratizou e onde os comportamentos de compra determinam a necessidade em ler informações nas suas diferentes línguas.
2.2.8. O mercado português
A partir dos dados disponibilizados pelo Banco de Portugal vamos debruçar-nos sobre a oferta de tradução no mercado português. Embora existam outras bases de dados, estas apresentavam dados divergentes, não consensuais e provenientes de fontes não oficiais. Dada esta limitação, utilizaremos os dados fornecidos pelo Banco de Portugal.
O Banco de Portugal apresenta anualmente um quadro dos setores de atividade3 em função do CAE e, desta forma, conseguimos observar a oferta de serviços de tradução. Neste sentido, podemos dividir esta análise descritiva em termos de distribuição geográfica, de número de empresas, de vendas e de número de pessoas ao serviço.
No que diz respeito à distribuição geográfica, observamos que 53% das empresas estão sediadas em Lisboa. A cidade do Porto aparece em segunda posição com 19% e, em terceiro lugar, encontramos Setúbal (7%). Ainda segundo o Banco de Portugal, existiam 109 empresas em 2007, 121 em 2008, 136 em 2009 e 156 em 2010. Com base nestes números, verificamos uma evolução positiva superior a 43% entre 2007 e 2010. Contudo, e apesar de um número cada vez mais elevado de empresas no setor, o Banco de Portugal aponta para uma quebra na faturação anual média do setor, conforme a tabela 5.
3 Por uma questão de confidencialidade, este quadro não será apresentado de forma a salvaguardar os dados relativos à empresa que nos disponibilizou esta informação.
2007 | 2008 | Δ 2008/07 | 2009 | Δ 2009/08 | 2010 | Δ 2010/09 | Δ total | |
Empresas (em unidades) | 109 | 121 | 11% | 136 | 12,39% | 156 | 14,7% | 43% |
Faturação anual média (em Euros) | 188 309 | 187 153 | - 0,61% | 148 111 | - 20,86% | 110 759 | - 25,21% | -41% |
Tabela 5: Evolução do número de empresas e da faturação anual média do setor Fonte: Banco de Portugal (2010) – Quadro da Empresa e do Setor
Dos dados apresentados, regista-se uma evolução negativa superior a 25% entre 2007 e 2010. Esta observação pode ser explicada por um abrandamento generalizado da economia bem como pela revisão do CAE que entrou em vigor em 2008 e que permitiu que as empresas utilizassem um CAE diferente, não estando, desta forma, abrangidas por este estudo. Para além disso, e como os dados do Banco de Portugal apenas se referem às empresas de tradução, seria pertinente ter acesso aos dados relativos ao volume de faturação médio dos tradutores freelancers no mesmo período. Desta forma, verificaríamos se esta classe de trabalhadores apresenta uma evolução similar ou diferente e qual o seu peso no setor.
Em termos de recursos humanos, o Banco de Portugal aponta para o facto de todas as empresas apresentarem uma estrutura jurídica comum (Sociedade por Quotas). Em média, estas empresas são constituídas por 3 colaboradores. Este aspeto pode ser entendido por dois prismas. O primeiro prende-se com o custo de produção do bem “tradução”, em que um número reduzido de colaboradores traz mais lucros à empresa. E, por outro lado, podemos analisar este aspeto de um ponto de vista sociológico. Assim, Xxxxxxxx-Xxxxx (2005) revela que as empresas têm geralmente dimensões pequenas e são geridas por poucas pessoas, muitas vezes unidas por laços familiares. Observamos, ainda, que a idade média dos profissionais inseridos nestas empresas é de 35 anos e, na sua grande maioria, verifica-se um predomínio do sexo feminino em termos de ocupação e práticas profissionais. Contudo, para além dos tradutores que trabalham em agências de tradução e que são designados in-house, existem os tradutores freelancers que são dificilmente contabilizáveis. Enquanto os primeiros trabalham a tempo inteiro para uma empresa de tradução, os segundos são pessoas que trabalham por conta própria. Dentro desta categoria encontramos vários tipos:
▪ os tradutores freelancers profissionais,
▪ os freelancers que traduzem em part-time e onde a tradução constitui um complemento de vencimento,
▪ os amadores que realizam traduções para ganhar experiência.
Nesta perspetiva, Xxxx (2008:152) realizou um questionário onde os inquiridos responderam que era, em geral, mais difícil recrutar um tradutor in-house do que freelancers. Por isso, cerca de 53% (35) dos inquiridos acreditam que é relativamente fácil para eles recrutar tradutores freelancers. Esta resposta parece fazer sentido na medida em que o processo de contratação de um tradutor in-house é visto como um investimento para as empresas. Para além do vencimento, acrescentam-se diversas prestações que são um custo real para a empresa. Para além disso, como existem épocas de maior/menor procura no que diz respeito à tradução, a contratação de tradutores freelancers é um processo mais flexível para as agências de tradução. E, como algumas empresas de tradução traduzem para uma dúzia de línguas, torna-se difícil ter um tradutor para cada idioma, razões pelas quais as agências contratam apenas um ou dois tradutores in-house.
Em termos de perfil, e de acordo com Xxxxx (2006), que estudou os fornecedores de serviços de tradução científica e técnica de Inglês para Português europeu, verificamos que os profissionais da tradução são maioritariamente jovens profissionais independentes que trabalham principalmente do Inglês para o Português europeu. Um terço dos inquiridos trabalha a tempo inteiro em tradução. Por fim, os inquiridos apontam ainda para uma grande consciência da importância da formação especializada, ou especializante, numa área científica ou técnica, aproveitando, em número razoável, as oportunidades de formação profissionalizante que se lhes apresentam.
2.3. Análise da Procura
2.3.1. Natureza económica do bem “tradução”
Num contexto empresarial, da mesma forma que a gasolina é o bem complementar dos automóveis, também a tradução é um bem complementar de muitos outros produtos ou serviços. Nesta perspetiva, a tradução deve ser vista como um fator de produção ou de venda. De facto, quando uma empresa vende um bem como, por exemplo, um automóvel, esta vai obrigatoriamente traduzir o manual de instruções em diversas línguas. Contudo, enquanto a empresa vai produzir n veículos, o texto será traduzido apenas uma vez.
Assim sendo, a função de procura do mercado do bem “tradução” pode ser dada da forma seguinte:
f (d) = (Qualidade, Preços relativos, Respeito pelos prazos, Tecnologia, Benefícios,…)
Nesta fórmula, optou-se por escolher as variáveis mais importantes na procura do bem “tradução”. Assim, assumimos a qualidade do produto final como um critério preponderante, tal como o preço do serviço. Nesta variável, escolhemos o termo “preços relativos” porque o preço por si só não determina a escolha dos consumidores. A ideia de preço relativo do bem i=pi/pj significa o número de unidades do bem j a que o consumidor tem de renunciar para obter mais uma unidade do bem i. Para além destas variáveis essenciais, decidimos incluir o respeito pelos prazos bem como a tecnologia utilizada por serem aspetos de qualidade quando avaliamos a prestação de serviço no seu todo. Por fim, incluímos os benefícios como variável, pois é em função da utilidade que o consumidor vai agir. Trata-se de uma variável motivacional.
2.3.2. Valores da tradução, por país, na Europa
Observamos que os cinco principais consumidores de tradução na União Europeia são, segundo Xxxxx (2009:12), a Alemanha, a França, o Reino Unido, a Itália e a Espanha, conforme a tabela 6.
Country | Estimated amount spent on language services in 2009 (in US$ millions) | |
1 | Germany | 1.041 |
2 | France | 700 |
3 | United Kingdom | 546 |
4 | Italy | 494 |
5 | Spain | 379 |
6 | Xxxxxxxxxxx | 000 |
0 | Xxxxxxx | 000 |
0 | Xxxxxxx | 169 |
9 | Xxxxxxxxxxx | 000 |
00 | Xxxxxx | 125 |
11 | Poland | 121 |
12 | Austria | 118 |
13 | Xxxxxx | 000 |
00 | Xxxxxxx | 00 |
00 | Xxxxxx | 77 |
16 | Ireland | 75 |
17 | Xxxxx Xxxxxxxx | 00 |
00 | Xxxxxxx | 63 |
19 | Portugal | 62 |
20 | Hungary | 50 |
Tabela 6: Estimated amount spent on language services in 2009 Fonte: Common Sense Advisory (2009:12)
Ainda no que diz respeito à procura, Xxxxx (2009:14) verificou que os pares de línguas mais traduzidos na União Europeia têm o Inglês em comum. As outras línguas com maior relevância são o Espanhol, o Francês e o Alemão, conforme a tabela 7.
Top Five Language Pairs | Count (n) | Estimated Average of Work Volume (%) |
English into Spanish | 98 | 45,80% |
English into French | 95 | 18,23% |
English into German | 89 | 11,16% |
German into English | 56 | 9,20% |
French into English | 55 | 7,55% |
Other Language Pairs | 7,99% |
Tabela 7: Top Five Language Pairs
Fonte: Common Sense Advisory (2009:14)
E, neste mesmo estudo, Xxxxx (2009:15) apresenta os setores de atividade mais significativos dentro da União Europeia. Verificamos que estes estão ligados às tecnologias (informática, software, ciência), conforme a tabela 8.
Industry | Value (in million €) | |
1 | Software publishing | 339,93 |
2 | Computer electronic, and electrical products | 258,53 |
3 | Professional, scientific, and technical services | 229,16 |
4 | Machinery and equipment manufacturing | 187,12 |
5 | Financial and insurance services | 180,91 |
6 | Pharmaceutical manufacturing | 176,96 |
7 | Health care and social services | 165,71 |
8 | Automotive and transport manufacturing | 157,84 |
9 | Public administration | 156,47 |
10 | Other services activities | 148,46 |
Tabela 8: Which industries matter most in Europe? Fonte: Common Sense Advisory (2009:15)
Para Romaine (2009:7), num relatório publicado por My Gengo citando dados da Common Sense Advisory, os principais setores/clientes de serviços linguísticos são, conforme o gráfico 8, os seguintes:
Gráfico 8: What are the top sectors for language services? Fonte: My Gengo (2009:7)
2.3.3. A Procura no mercado português
No caso português, Xxxxxxxx-Xxxxx (2005:9) indica que os principais setores interessados pelos serviços de tradução são empresas ligadas às áreas da informática, economia, engenharia mecânica, medicina, farmácia, direito e indústria automóvel. Xxxxx (2006), por sua vez, vai ao encontro destas informações, ao apresentar os dados seguintes, conforme os gráficos 9 e 10:
Gráfico 9: Áreas de especialização
Fonte: Durão (2006) - Primeiro Relatório de um Inquérito a Fornecedores de Serviços de Tradução Científica e Técnica de Inglês Para Português Europeu
Gráfico 10: Subáreas das ciências tecnológicas com maior volume de trabalho
Fonte: Durão (2006) - Primeiro Relatório de um Inquérito a Fornecedores de Serviços de Tradução Científica e Técnica de Inglês Para Português Europeu
Ao recorrer a estes gráficos, evidenciamos o domínio das ciências tecnológicas e a existência de vários nichos de mercado (física, astronomia, matemática, etc.). E, dentro da categoria “Ciências Tecnológicas”, observamos o domínio da informática e das telecomunicações. A partir desta observação, deduzimos que o mercado da tradução acompanha o desenvolvimento económico de atividades ligadas às comunicações, às redes, etc.
Por fim, o estudo de Xxxx (2006) vai ao encontro dos gráficos citados acima. De facto, o trabalho desta autora tinha como objetivo determinar se existia uma maior procura nos tradutores técnicos, literários ou generalistas. Assim sendo, verificou-se que 40% dos anúncios publicados, requeriam um tradutor técnico, apenas 5% pretendiam contratar tradutores literários e, nos restantes 55% não havia qualquer indicação quanto à área de tradução, pelo que se conclui que se procurava um tradutor generalista.
A procura dos serviços de tradução na economia portuguesa não está explorada dado que, no presente, ainda não existem dados nem trabalhos com uma qualidade considerada mínima para sustentar o nosso trabalho. Daí a limitação do desenvolvimento deste item.
2.3.4. Perceção dos serviços de tradução
No estudo realizado pela instituição My Gengo em 2009, tenta-se perceber a forma como o mundo virtual avaliava os serviços de tradução ao divulgar um inquérito junto de utilizadores de duas redes sociais. O objetivo era determinar quais as opiniões daqueles que utilizam serviços de tradução no dia a dia e, deste estudo, destacam-se vários pontos que caracterizam a profissão. Os autores sublinham o facto de a tradução profissional ser utilizada apenas quando se trata de assuntos profissionais (redação/leitura de documentos, publicação de informação online), numa perspetiva de beneficiar os negócios da empresa. Outro aspeto evidenciado por este trabalho tem a ver com as características que prejudicam a contratação de serviços de tradução e, neste domínio, a questão do preço e da velocidade de resposta são claramente os principais entraves. Contudo, a grande maioria dos inquiridos revelou estar interessada em ler artigos provenientes de outros países ou fazer compras em sites estrangeiros mas, poucos se mostraram dispostos a pagar por este serviço.
Conforme o pensamento de Xxxxxxx Xxxxxx (2005), a imagem da tradução “não é positiva”, sendo apenas vista como algo útil. Os elevados custos associados a este serviço são mais importantes do que a qualidade aquando do processo de tomada de decisão junto das empresas. Boucau acrescenta que as empresas não veem a tradução como sendo um elemento estratégico e não percebem a complexidade do processo, sendo ela uma forma cara de comunicar e não um investimento.
Para a TC World4, torna-se claro que as grandes empresas internacionais esperam mais das agências de tradução. Para estas empresas, traduzir um documento já não é suficiente, pelo que se tornaram mais ambiciosas, pedindo um melhor serviço capaz de acompanhar os seus planos de globalização. Esta observação foi sublinhada pelo relatório da Common Sense Advisory, intitulado “Buyer-Defined Translation Quality”5, que estudou o comportamento de empresas (com 500 ou mais empregados e que gastam mais de um milhão de dólares em serviços de tradução por ano) e pagam a agências de tradução para traduzir centenas de milhões de palavras numa média de 30 idiomas. Paralelamente, este mesmo estudo decidiu debruçar-se sobre 55 agências de tradução de topo. A partir deste estudo, sublinhamos que os dois principais elementos de qualidade citados pelos compradores são o rigor técnico e o empenho do fornecedor em receber feedback. Estes aspetos são mais importantes do que a própria qualidade linguística. E, por sua vez, as empresas inquiridas apontaram as áreas do Marketing, documentação técnica, software e páginas Internet como sendo as mais críticas em relação à qualidade da tradução. Assim, de acordo com Xxxxx (2008), as grandes empresas pensam na forma como a qualidade das traduções poderá ser uma ajuda para alcançar determinados objetivos comerciais, na conquista de mercados no estrangeiro e no aumento da quota de mercado a nível nacional. Acrescenta ainda que as empresas de sucesso que vendem os seus produtos no mundo inteiro têm ideias muito específicas no que diz respeito às características de uma boa tradução. De facto verificamos que este relatório aponta para uma forte correlação entre as perceções de qualidade por parte do comprador e elementos tais como a cultura da empresa, a marca, e ouros elementos que conferem um estatuto e uma imagem à instituição.
4 Informação disponível online em: xxxx://xxx.xxxxx.xx/xxxxx_xxx.xxx?xxxx/xxxxxxx/XxxxxxxxxxXXX?xxxxxxxxxxx&xxx0000 (consultado a 8 de novembro de 2010)
5 Informação disponível online em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx/XxxxxxxxXxxx.xxxx?XxxxxxxXXx000 (consultado a 27/09/2010)
2.4. Conclusão
Os dados apresentados neste capítulo apontam para vários aspetos. Assim, num primeiro momento, no que diz respeito à Oferta a nível internacional, verificamos que todas as fontes são unânimes em afirmar que o mercado da tradução está em crescimento. Este fenómeno é maioritariamente impulsionado por três zonas económicas que lideram as quotas de mercado. Trata-se dos Estados Unidos, a União Europeia e a Ásia. Porém, num segundo momento, verificamos que existem divergências relativamente a estes dados dentro do mesmo organismo. De facto, a Common Sense Advisory afirma num estudo publicado em 2009 que o mercado irá crescer até 25.000 milhões de dólares em 2013. Por sua vez, em 2010, o valor apresentado por esta instituição é de 38.000 milhões de dólares. Atendendo a este aspeto bem como a outros que já foram evidenciados até agora, parece-nos que estes dados carecem de fiabilidade.
Esta questão repete-se no que diz respeito aos dados apresentados pelos fornecedores de serviços linguísticos. Assim, o estudo da Comissão Europeia evidenciou problemas de incumprimento relativamente à Nomenclatura de Atividades Económicas da Comunidade Europeia (NACE). O mesmo pode ser verificado no mercado português, onde a nomenclatura CAE não é respeitada. Consequentemente, aparece difícil realizar um estudo que apresente a realidade do mercado internacional, comunitário e nacional. Neste sentido, é importante olharmos para o conjunto destes dados com alguma prudência e com pensamento crítico.
Por sua vez, a nível da Procura europeia, observamos que os países mais representativos são a Alemanha, a França e o Reino Unido. Este aspeto parece consistente com os três pares de línguas mais frequentemente solicitados, pois todos incluem a língua inglesa como língua de base. A partir deste idioma, os pedidos de tradução são realizados para os idiomas dos três países mais ricos. Trata-se do Espanhol, o Francês e o Alemão, respetivamente. E, por fim, em termos de setores de atividade mais significativos, existe consenso na literatura europeia e nacional. Assim, a indústria informática e de software, bem como a indústria da ciência, são os três principais setores de atividade que mais recorrem aos serviços de tradução.
Atendendo ao crescimento do mercado da tradução e perante a constatação feita por Xxxxxxx (2009) relativamente á falta de linguistas qualificados, parece-nos oportuno debruçarmo-nos sobre a questão da formação do tradutor.
CAPÍTULO III:
FORMAÇÃO ACADÉMICA DO TRADUTOR
3.1. Introdução
Nesta terceira etapa do nosso trabalho, decidimos orientar a nossa reflexão sobre a questão da formação académica do tradutor. De facto, parece-nos que é no ensino que o aspirante a tradutor irá adquirir um conjunto de competências técnicas, éticas e sociais, que lhe permitirão ser bem sucedido no seu futuro profissional. Assim, neste capítulo, abordaremos num primeiro momento alguns aspetos generalistas sobre o tema da formação académica antes de tratar, num segundo tempo, as questões ligadas às competências. A seguir, refletiremos sobre as competências atuais e futuras dos tradutores, num quarto e quinto momento, respetivamente. Como o conjunto destas competências, bem como a questão do uso das tecnologias são lecionadas em contexto universitário, decidimos refletir sobre esta questão nos pontos seis e sete deste capítulo. Para tal, o presente capítulo seguirá a estrutura seguinte:
3.2. Considerações gerais
3.3. Competências
3.4. Competências atuais
3.5. Competências futuras
3.6. Formação universitária
3.7. Tecnologia e competências do tradutor
3.8. Conclusão
3.2. Considerações gerais
De forma geral, a formação académica é uma condição essencial para aceder ao mercado de trabalho, e tal como argumenta Xxxxx (2009:5), o mesmo sucede na tradução. De facto, é através da formação académica que o futuro tradutor adquire conhecimento e domínio de ferramentas de tradução, que se transmite em normas de conduta e valores éticos para a profissão e que se adquire uma plataforma teórica e prática para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de competências específicas para o desempenho profissional. Esta ideia conduz ao desaparecimento de tradutores autodidatas em favor de profissionais formados para traduzir mas também para evoluir num contexto socioeconómico cada vez mais competitivo. Neste sentido, segundo Xxxx (1995:3), a formação académica tem como missão dotar os alunos de competências empíricas importantes assim como de competências intelectuais fortes, para que os alunos sejam capazes de questionar práticas e sugerir novas metodologias de trabalho. O
autor acrescenta ainda a importância do conceito de progress under supervision (1995:3) que, de acordo com o espírito de Xxxxx (2009), pode ser explicado como sendo uma evolução académica controlada e orientada em função de cada aluno, em que os conhecimentos e competências progridem continuamente à medida que vai completando unidades curriculares, acabando por permitir a criação de relações entre conceitos e tornando o aluno capaz de desenvolver metodologias práticas assentes na sua experiência empírica. Com o Processo de Bolonha e o conceito de aprendizagem ao longo da vida, a ideia de progress under supervision tornou-se ainda mais importante. Tal como realçou Xxxxx (2009:7) o grau académico é determinante na corrida ao mundo profissional e o diploma é a derradeira prova de aptidão de qualquer profissional para o exercício da sua atividade.
Face a esta problemática, abordamos aqui as competências para tentar aferir quais as que deveriam ser as do tradutor, conforme passamos a referir.
3.3. Competências
A sociedade moderna apela à utilização de novos skills, atributos e atitudes. Porém, esta questão não é nova e já Prahalad & Hamel (1990) a encarava numa perspetiva empresarial. Neste sentido, considera que o conceito de competência também engloba conhecimentos e habilidades. Coloca em evidência as competências específicas, mas não descura as competências genéricas. Esta noção de competência está na base de diferentes noções e abordagens de competências. Também Xxxxxx-Xxxxxxx (2006:10) considera que o conceito de competência pode ser entendido de várias formas e em função dos pontos de vista. Assim, a psicologia utiliza este conceito como uma medida de habilidades e como o desempenho observável de uma pessoa representa os seus traços e capacidades. Por sua vez, no âmbito da gestão, este conceito orienta-se como uma análise funcional com vista a definir como é que os objetivos da organização são alcançados através da melhoria da performance individual.
Da mesma forma que não existe uma definição consensual sobre este termo, a noção de competência pode ser observada de um ponto de vista macro e micro. No primeiro caso, o conceito de competência é usado num contexto de gestão estratégica e de aprendizagem coletiva. No segundo, que é o que nos vai interessar mais neste trabalho, o conceito de competência foca-se no indivíduo.
De facto, muitos têm sido os autores que se debruçaram sobre a noção de competências, como é o caso de XxXxxxxxxx (1973), Xxxxxxxx (1982), Xxxxxxx & Xxxxxxx (1993), LeBoterf (1994), Xxxx-Xxxxxxx (1996), Xxxxxxxxx (2004) e Le Deist and Xxxxxxxxx (2005). Contudo, enquanto uns focaram uma vertente funcional, outros optaram por privilegiar a vertente comportamental e outros ainda enveredam por perspetivas mistas e holísticas. Contudo, para nós, o termo é usado na sua expressão mais global, reunindo características de todas as perspetivas. Isto porque entendemos que um bom tradutor deverá dominar os diferentes domínios de competências (genéricas e específicas). Enquanto as específicas estão mais direcionadas para a vertente funcional, as genéricas bebe fundamentos da comportamental, porque considera que o desempenho do indivíduo não depende apenas dos instrumentos recebidos nem da educação formal, mas também de outros fatores, nomeadamente características de personalidade.
No domínio da tradução, a noção de competência6 pode ser encarada como um conjunto de qualificações que a pessoa deve possuir para atingir patamares superiores de desempenho, na função ou numa situação concreta. Neste sentido, a competência refere-se aos skills e às habilidades individuais, em termos de formação, conhecimento, experiência e aprendizagem. Esta noção de competência afasta-se da noção de competências circunscrita às qualificações. Aqui, a noção de competência é mais limitativa e é mais adaptada às empresas burocráticas, de estrutura hierárquica pesada e mais avessas à mudança. Nas Ciências Económicas e Empresariais, a noção de competências é focalizada em três objetivos: económicos, empresariais e sociais. Visa a produtividade e competitividade da empresa, sem ignorar o valor social para o trabalhador. Contudo, na presente conjuntura, a competência verifica-se na prática Zarifian (2001) e manifesta-se na forma como as pessoas solucionam as questões profissionais. Esta perspetiva dá corpo à noção de competência profissional, que reúne diversos saberes teóricos e práticos.
Perante esta complexidade que envolve as competências e, atendendo ao facto de elas serem uma forma diferenciadora das empresas, questionamos sobre as competências que deveriam ter os tradutores, dada a importância económica da sua função, numa economia globalizada e interativa.
6 Para mais informações sobre este tema, aconselhamos a consulta de vários trabalhos desenvolvidos pelo PACTE (Procés d’Adquisició de la Competència Traductora i Avaluació)
3.4. Competências atuais
Aqui fazemos um levantamento das competências mais frequentemente sublinhadas por autores revisitados. Neste sentido, no domínio da tradução, Brum (2008:71) destacou o contributo da empresa de tradução Schreiber Translations, Inc., que publicou na sua página da Internet um excerto do livro The Translator's Handbook7, onde estão identificados os dez principais requisitos do tradutor profissional (ver anexo 1). Na nossa perspetiva, estas competências podem ser divididas em várias categorias, nomeadamente:
▪ Linguísticas,
▪ Culturais,
▪ Tecnológicas,
▪ Conhecimentos técnicos.
Por tal facto, e para além de um profundo conhecimento de pelo menos duas línguas, o tradutor deve possuir sólidos conhecimentos culturais nos espaços físicos onde a língua é falada. De este propósito podemos referenciar o caso da língua inglesa, cujas culturas no Reino Unido e nos Estados Unidos são relativamente diferentes, o que implica a necessidade e capacidade para o tradutor de se adaptar a cada espaço físico. Ao mesmo tempo, o profissional deve ainda dominar as tecnologias da informação bem como as ferramentas de tradução assistida por computador e possuir conhecimentos sobre várias áreas.
Xxxxxxxx-Xxxxx (2005:10), que comunga da divisão acima mencionada sublinha, ainda, que as competências mais importantes na opinião das empresas contratantes são as linguísticas, as redaccionais e as translatórias. Porém, verificamos que existe um conjunto de competências paralelas que vêm enriquecer o tradutor profissional, nomeadamente em termos de pesquisa, de cultura como também um sentido autocrítico. Acrescenta, ainda, que só é possível realizar uma tradução com qualidade se o tradutor possuir determinadas competências evidenciadas na Norma EN-15038 (ver anexo 2).
7 Schreiber Translations, Inc. “Ten Requisites for Professional Translators”. In xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx/xxx-xxxxxxxxxxx/xxxxxxxx/xxxxxxxxxx- requisites.htm
Aquele documento estabelece requisitos de qualidade no domínio da prestação de serviços de tradução na União Europeia. Neste sentido, a norma aponta cinco competências fundamentais em termos de:
i. tradução,
ii. conhecimentos linguísticos e textuais,
iii. pesquisa,
iv. cultura,
v. conhecimentos técnicos.
Por competência de tradução entende-se a capacidade de traduzir textos a um nível profissional (Xxxxxxxx-Xxxxx, 2006). Esta competência inclui nomeadamente a capacidade de avaliar problemas de compreensão e de produção do texto, bem como a capacidade de entregar um produto final conforme o acordo estabelecido com o cliente. Por sua vez, a competência linguística e textual inclui a capacidade de compreensão total das línguas de partida e de chegada. A competência de pesquisa implica a capacidade por parte do tradutor de aceder aos conhecimentos linguísticos e especializados necessários à compreensão do texto de partida e à de produção do texto de chegada. A competência cultural inclui a capacidade de possuir e fazer uso de informação sobre o ambiente cultural, os padrões comportamentais e os sistemas de valores que caracterizam as culturas de chegada e de partida. Por fim, a competência técnica diz respeito à capacidade de produção profissional de uma tradução, ao recorrer por exemplo a recursos tecnológicos.
Apesar de entendermos a importância deste texto, pensamos que o mesmo peca pela ausência do caráter “não obrigatório”. De facto, por se tratar de uma norma que pretende harmonizar os processos usados numa tradução, este documento é meramente indicativo. Na prática, o cliente final dificilmente saberá que tal documento existe e quais os benefícios em contratar um tradutor que o respeite. Assim, acreditamos que esta norma encontra-se mais orientada para empresas que perceberam a importância estratégica da tradução nos seus negócios e que, nesta perspetiva, pretendem adquirir um produto de qualidade. Assim, e embora seja essencial resolver o problema da qualidade acreditamos que, neste momento, o mercado da tradução
nacional deve debruçar-se sobre aspetos estruturais como, por exemplo, as condições de acesso à profissão.
A questão da importância das competências dos tradutores não é nova, apesar deste nicho de mercado continuar desregulado neste aspeto. Contudo, a União Europeia tem tomado algumas medidas neste campo e as suas orientações estão a ser utilizadas por diferentes autores para as explorar e dinamizar. Parece ser o caso de Xxxx (2006) que, no seu trabalho, pretendia analisar um conjunto de dados obtidos a partir de uma recolha de textos de anúncios classificados ligados aos Fornecedores de Serviços de Tradução, observamos que a questão da formação é muito relevante. Contudo, antes de apresentarmos as diferentes conclusões do artigo, é importante referir que este estudo não representa uma imagem completa e verdadeira do mercado, pois tal como indica Dias (2006:8), a maior parte dos profissionais do ramo da Tradução são, habitualmente, recrutados por via direta e não de anúncios classificados. Este aspeto explica-se pelo facto dos tradutores freelancers enviarem regularmente os seus curricula vitae para as empresas, sejam estas agências de tradução ou não. Logo, apenas muito raramente surge a necessidade de publicar anúncios classificados.
Em termos de requisitos, Dias (2006:10) indica os principais encontrados, divididos em quatro categorias, conforme a tabela 9:
Categorias | Requisitos |
Formação académica | Licenciatura em Línguas e Tradução Curso do ISLA ou equivalente |
Formação linguística | Fluência em Inglês (ou outra língua) Sólidos conhecimentos de Espanhol (ou outra língua) Conhecimento perfeito de Português |
Conhecimentos informáticos | Conhecimentos de informática na ótica do utilizador Conhecimentos de Trados, Transit, etc. Utilização avançada de MS Office |
Outros | Cultura geral elevada Ligação à Internet Produtividade mínima Excelente capacidade de redação e tradução |
Tabela 9: Requisitos exigidos
Fonte: “Tradutores Precisam-se – A Imagem da Tradução Transmitida pelos Anúncios de Emprego”
Do quadro, fica-nos a sensação que existem aqui informações importantes a serem trabalhadas. De facto, verificamos que o estudo reforça a importância das competências que temos vindo a
referenciar. Apesar disso, a tabela de Dias (2006:10) também reforça dois aspetos que achamos fulcrais na profissão de tradutor. O primeiro tem a ver com a formação académica que aponta claramente para uma licenciatura em tradução. E, para reforçar esta ideia, alguns anunciantes especificaram este pedido ao indicar um estabelecimento de ensino superior. Desta observação, podemos concordar com a afirmação de Xxxxx (2009) que evidenciava o grau académico como fator preponderante para aceder ao mercado de trabalho. Por seu turno, o segundo prende-se com a competência tecnológica. De facto, verificamos que os anunciantes exigem profissionais que saibam usar ferramentas tradicionais de tratamento de texto como também ferramentas de tradução assistida. Esta procura de profissionais capazes de usar os programas referenciados e facilmente contactáveis por Internet parece-nos apontar para um grau cada vez mais elevado de exigência e de eficiência, o que nos leva a antecipar o que poderá surgir no futuro.
3.5. Competências futuras
Face à turbulência económica que hoje enfrentamos, bem como a incerteza do mercado, pensamos que é de importância elevada sublinhar as competências futuras do tradutor. Neste contexto, Xxxxxxxx-Xxxxx (2005) dá um contributo significativo. Do seu trabalho, observamos que as competências académicas core deverão ser reforçadas e complementadas por uma formação capaz de apostar noutras valências, nomeadamente a nível do ensino superior. O autor salienta ainda a importância cada vez mais evidente da tecnologia no mercado da tradução. Sugere um investimento claro em termos de formação na área da informática e das ferramentas de apoio à tradução ou tradução assistida por computador (CAT - Computer-Assisted Translation).
Aquele estudo aponta vários caminhos para alcançar objetivos de excelência formativa. E, na nossa opinião, o mais adequado passaria pela aproximação do mercado de trabalho junto das instituições de ensino. Assim, para Xxxxxxxx-Xxxxx (2005:16), este tipo de ação seria ideal para a credibilização e a afirmação qualitativa dos profissionais do setor. Contudo, para alcançar este objetivo, o autor (2005:19) indica que a formação terá de ser a mais polivalente e versátil possível, bem como suficientemente multifacetada, integrada e multimodal, orientada para as novas profissões-satélite ou extensões do trabalho do tradutor, e convenientemente aberta e disponível de forma a resolver o problema da equação especialista/generalista. Neste sentido, o autor é apologista de uma formação mais personalizada e centrada nas necessidades e objetivos
de cada aluno. Esta perspetiva aponta para uma maior intensificação das competências genéricas (soft skills) e não apenas focalizar as competências específicas (hard skills).
3.6. Formação universitária
O conjunto das competências específicas já enunciadas é lecionado em contexto universitário e, de facto, verificamos que é nas universidades que são formados os tradutores. Para além disso, nos cursos mais recentes, tal como aponta o espírito de Bolonha, também se incuta a necessidade do aluno desenvolver capacidades adicionais a nível das competências genéricas. Neste sentido, decidimos insistir sobre este aspeto que achamos fundamental e que tem sido alvo de estudo por parte de vários autores.
Caminade e Pym (1995) listaram, pelo menos, 250 universidades em 60 países que ofereciam cursos de quatro anos e/ou pós-graduações na área da tradução. Desde este estudo que foi realizado há quinze anos observamos que esta situação mudou. Assim, de acordo com a lista da American Translators Association (ATA), existem 539 instituições que oferecem cursos de tradução e de interpretação em 73 países, da Algéria ao Zimbabwe.
Na Europa, com a implementação do Tratado de Bolonha, vários cursos de segundo ciclo (designados antigamente por Mestrados) foram criados para harmonizar o ensino a nível comunitário. De acordo com Xxxxxxx (2006), os cursos de tradução, principalmente em regime de pós-graduação, conheceram uma evolução positiva e integraram novas vertentes como as de audiovisual, media, mediação cultural, tradução e diplomacia. Com este aumento de diplomados, verifica-se um aumento de profissionais qualificados no setor da tradução. Este fenómeno acaba por ser um sinal positivo junto do mercado e nomeadamente junto de possíveis empregadores. Assim, como evidencia Xxxx (2008:206), um grande número de empregadores afirma que um diploma universitário é o critério mais importante para determinar o valor do candidato. Desta afirmação podemos concluir que a escolaridade mínima para um tradutor é uma licenciatura.
Em consequência das exigências do mercado, tornou-se necessário criar o Mestrado Europeu de Tradução para harmonizar a formação. Para Petrits (2007), vários países europeus possuem uma longa tradição na formação de tradutores profissionais. Contudo, no caso de outros países,
estas formações ainda não existem ou foram implementadas há relativamente pouco tempo. Neste contexto, e por ser a Comissão Europeia uma instituição que emprega uma grande quantidade de tradutores em 20 línguas oficiais, esta esforça-se para criar uma aproximação com o mundo universitário. Para tal, decidiu criar o projeto de um Mestrado Europeu que tem como objetivo harmonizar os programas universitários de tradução e, assim, garantir uma formação de qualidade para os tradutores na União Europeia.
3.7. Tecnologia e competências do tradutor
Em consequência de uma atividade cada vez mais profissionalizada, a utilização de ferramentas de apoio à tradução detém um papel fulcral. Como o sublinha Costa (2009:18), o uso da tecnologia em geral permite que os processos de trabalho e de comunicação sejam simplificados e muito mais céleres, tornando as distâncias mais próximas. Nesta perspetiva, o setor da tradução não é exceção, pois a tecnologia permite a comunicação entre clientes e fornecedores situados em vários continentes e de forma instantânea. Para além disso, o envio de documentos via Internet, bem como a compatibilidade entre os diferentes ficheiros possibilita gerir projetos de grandes dimensões, o que origina ganhos de tempo e de dinheiro. As ferramentas dedicadas à tradução são habitualmente designadas por CAT-tools (Computer-Assisted Translation) e são, hoje em dia, imprescindíveis ao bom desenvolvimento da profissão. Trata-se de software que ajuda a automatizar e a tornar o trabalho do tradutor mais eficiente.
Apesar de a tradução poder ser assistida por computador, o trabalho do tradutor continua a ser preponderante, pois é ele que possui o conhecimento necessário para traduzir conteúdos. Esta questão vem evidenciar ainda mais a importância de skills adicionais no indivíduo como forma de o lançar para desempenhos superiores na sua profissão. Contudo, apesar da importância para as empresas da componente humana nomeadamente em termos de criatividade, grandes empresas ligadas à informática tentam eliminá-la com o objetivo de esmagar os custos de produção. Se tal acontecer, a vertente humana da tradução é substituída por um software, com consequência imediata sobre o desenvolvimento e a pertinência do serviço da tradução. Em última análise, o papel do tradutor surge apenas na última fase do processo e que consiste em rever o texto final.
Esta questão já foi levantada por Xxxxxxx (2009) que informa o leitor que, apesar de vários milhões de dólares terem sido investidos no desenvolvimento da tradução automática, esta continua a não ser fiável, particularmente no caso de determinados pares de línguas. Enquanto pares de línguas (como Espanhol/Inglês) apresentam um melhor resultado de tradução do que outros, existe ainda uma grande diferença entre a tradução automática e a tradução humana. No entanto, este tipo de ferramentas é cada vez mais utilizado nas páginas Internet, tanto pelas empresas como pelos utilizadores particulares. Assim, tal como o indica um relatório da agência de tradução SDL (2008), observamos que metade dos inquiridos afirmam ter ouvido falar de ferramentas de tradução automática em contexto profissional.
Como alternativa à tradução automática, existe em paralelo a tradução híbrida, sendo que uma das ferramentas mais conhecidas e utilizadas é o Google Translate. Neste caso, Xxxxxxx (2009:14) aponta para uma opção que permite ao utilizador contribuir para uma melhor tradução, de forma a aperfeiçoar os resultados da ferramenta com a ajuda do Homem. Este tipo de tradução também conhecida por pós-edição é uma das mais recentes tentativas para melhorar a fiabilidade da tradução automática, ao pedir o contributo da sensibilidade humana.
Romaine (2009:15) introduz ainda o conceito de sites de tradução comunitária. Na prática, trata- se de páginas Internet onde os utilizadores colocam dúvidas e pessoas bilingues ou nativas respondem ou completam as traduções. Porém, e tal como indicam os resultados do inquérito, apenas 14% dos inquiridos utilizam esta solução para traduzir. O principal problema apontado para este tipo de tradução está essencialmente relacionado com a falta de qualidade, dado que não existem garantias em receber uma resposta correta por parte da comunidade.
Por fim, e popularizado pela Wikipédia, o crowdsourcing tem-se tornado na palavra da moda ao ser uma prática divulgada por sites como TED, LinkedIn e Facebook. Estas empresas têm usado esta forma de tradução que consiste em contratar tradutores para traduzir os conteúdos presentes nos diferentes sites em várias línguas sem qualquer remuneração. Enquanto alguns dos tradutores viam esta iniciativa como uma forma de exploração, outros mostravam-se felizes por ajudar e fazer parte de um novo projeto. A popularidade das redes sociais e a adoção de tecnologias Web 2.0 não sugerem qualquer forma de abrandamento neste tipo de atividade. Contudo, é importante salientar que o crowdsourcing só pode funcionar com uma grande rede
de utilizadores e que esta forma de tradução é adaptada apenas no caso de páginas Internet apresentando uma grande quantidade de conteúdos.
3.8. Conclusão
A questão da formação académica e das competências do tradutor parece-nos essencial. De facto, acreditamos que é através de um ensino de qualidade que os futuros tradutores poderão prestar um serviço de qualidade e implementar boas práticas profissionais. Neste sentido, as competências core evidenciadas na Norma EN-15038 deverão ser reforçadas no âmbito do ensino superior. Assim, e considerando os esforços realizados pela União Europeia, acreditamos que a harmonização da formação universitária nesta área, através do Mestrado Europeu, é um caminho que deve ser explorado. No entanto, parece-nos indispensável apostar em competências que serão valorizadas no futuro, bem como aproximar o mercado de trabalho das universidades para que estas consigam responder adequadamente à Procura.
CAPÍTULO IV:
ESFORÇOS PARA A ESTRUTURAÇÃO DO SETOR
4.1. Introdução
O mercado da tradução tem-se revelado um mercado estático, uma vez que parece-nos não ter sofrido os impactos positivos necessários ao seu desenvolvimento. Sobre este domínio, os textos de referência são a “Charte du Traducteur” (1994) e a Recomendação de Nairobi (1976). Nestes documentos, é dada especial atenção à importância de dois atores, nomeadamente as associações sectoriais e o papel do Estado. Assim sendo, num primeiro momento, apresentaremos estes dois textos estruturantes que nos servirão de base de trabalho para analisarmos o comportamento das associações sectoriais. De seguida, e considerando que o mercado da tradução necessita de uma intervenção pública, analisaremos qual o papel do Estado na regulação deste mercado. Num terceiro momento, e em função dos dados que acabámos de estudar, apresentaremos um conjunto de sugestões que têm como objetivo regular o mercado da tradução em Portugal. Para tal, organizaremos o nosso trabalho da seguinte forma:
4.2. Associações sectoriais
4.3. Intervenção do Estado no mercado da tradução
4.4. Sugestões para a regulação do mercado português
4.5. Conclusão
4.2. Associações sectoriais
4.2.1. Textos de referência
De acordo com a “Charte du Traducteur” (1994: Cap. IV) (anexo 3), as associações sectoriais têm como função exercer o papel de arbitragem e de peritagem quando ocorrem diferendos entre tradutores e os seus clientes. Para além desta função, as associações sectoriais possuem um papel informativo junto dos seus associados. Assim, cabe-lhes comunicar sobre as evoluções do mercado e prestar serviços de informação relativos a possíveis formações, colóquios e reuniões. Por sua vez, segundo a Recomendação de Nairobi de 1976 (anexo 4), os Estados signatários deveriam incentivar medidas que permitam assegurar uma representação eficiente dos tradutores e favorecer a criação assim como o desenvolvimento de organizações que os possam representar e sejam encarregadas de definir as regras e os deveres que devem ser seguidos para se poder exercer a profissão, defender os interesses morais e materiais dos tradutores e facilitar as trocas linguísticas, culturais, científicas e técnicas entre os tradutores, e
entre os tradutores e os autores das obras a traduzir. Para este efeito, e de acordo com o espírito deste documento, as organizações poderiam organizar, na medida em que a Lei nacional assim o permita, várias atividades com o objetivo de sensibilizar o tradutor para a realização de um trabalho de elevada qualidade, de aconselhar os tradutores nas suas relações com os clientes (remuneração, elaboração de contratos, etc.) e, de forma mais ampla, contribuir para o seu desenvolvimento profissional.
Apesar de estes textos aparecerem como essenciais no enquadramento da profissão, observamos o mesmo fenómeno que verificámos com a norma EN-15038. De facto, o conjunto destes documentos não possui um caráter obrigatório o que acaba por tornar quase nulos os seus domínios de atuação. Todavia, as associações sectoriais têm um papel fundamental no bom funcionamento do mercado.
4.2.2 Importância e limitações das associações sectoriais
A nível internacional, parece-nos razoável pensar que o facto de pertencer a uma ou outra associação sectorial é um argumento de venda, nomeadamente em termos de garantia de qualidade. Esta ideia é desenvolvida por Xxxx (2008) quando adianta que uma variável importante da eficiência e do estatuto de uma associação sectorial consiste na sua dimensão. De facto, por vezes, a reputação de uma associação sectorial pode trazer benefícios aos seus membros, tanto em termos de visibilidade como em termos financeiros. Contudo, seria superficial atender apenas à dimensão da associação para avaliar a sua utilidade. Na realidade, de acordo com o espírito de Xxxx (2008), as associações sectoriais na área da tradução apresentam uma falta de reconhecimento que o autor qualifica de invisibilidade. Assim, num inquérito desenvolvido por Xxxxx (2005) e apresentado junto de 29 estudantes de línguas do Reino Unido, menos de um quinto tinha ouvido falar do ITI (Institute of Translation & Interpreting) ou do IoL (Institute of Linguists). Este número é eloquente, pois estamos a falar de alunos que, à partida, se destinam a trabalhar na área da tradução. A partir destes dados, Xxxx (2008:193) conclui que algumas associações de tradução atuam mais sob a forma de um clube cujo maior (e talvez o único) objetivo é o de proporcionar oportunidades de networking para os seus membros. Desta afirmação, parece-nos essencial voltar a pensar sobre o verdadeiro papel e objetivo das associações sectoriais que foi desenvolvido nos textos de referência e adaptá-las a um novo contexto.
Ainda a nível internacional, destacamos três das principais e mais influentes associações sectoriais:
▪ a EUATC (European Union of Associations of Translation Companies),
▪ a FIT (Fédération Internationale des Traducteurs),
▪ a ATA (American Translators Association).
Embora as diferentes associações partilhem objetivos e problemas comuns, observamos que não comunicam entre si. Este aspeto, identificado por Boucau (2005), acaba por dar a imagem de um mercado desorganizado, o que é prejudicial para o setor da tradução. Observamos ainda que o que é verdadeiro a nível internacional é também a nível doméstico, pois é comum encontrarmos várias associações sectoriais da mesma profissão no mesmo país que, de alguma forma, acabam por não prestarem um serviço de qualidade junto dos seus associados. Assim, a falta de harmonização relativamente aos preços que os tradutores seriam aconselhados a cobrar constitui, por exemplo, segundo Wood (2004), um fator agravante no caso da sublicitação e descidas de preços.
4.2.3. Associações sectoriais portuguesas
A nível nacional, e de acordo com Xxxx (2008:85), as associações na área da tradução e interpretação abordam questões relevantes para o exercício da atividade. Consistem, essencialmente, na representação de tradutores e intérpretes, no apoio às empresas de tradução, no apoio e promoção dos tradutores através da formação, e na defesa da qualidade ou normalização. Em Portugal, associações profissionais como a Associação Portuguesa de Tradutores (APT) e a Associação Portuguesa de Empresas de Tradução (APET) apoiam os interesses profissionais dos seus sócios e não têm fins lucrativos.
Da mesma forma que observamos um espírito de concorrência a nível internacional, parece-nos que a mesma situação ocorre em Portugal. De facto, durante conversas com empresários do setor, estes explicam que não se têm visto ações por parte das associações sectoriais. E, de maneira geral, a maioria achou que as diferentes associações deveriam juntar-se para combater os problemas que afetam tanto os tradutores independentes como as agências de tradução. Para os empresários, o simples facto de não haver qualquer obrigatoriedade em as empresas de
tradução trabalharem com licenciados e credenciados nesta área mostra como não há controlo. Em consequência, o mercado interno sofre de uma falta de credibilidade comparado com o dos restantes países da Europa. Esta característica do mercado nacional em relação aos outros países acaba por ser um entrave ao desenvolvimento do mercado da tradução. De facto, se as empresas de tradução não apresentam garantias de realização de um bom trabalho, os clientes estão perfeitamente livres de recorrer a serviços noutros países.
Para responder às diferentes críticas, foi criado o Conselho Nacional da Tradução (CNT). Trata-se de uma associação criada no em abril de 2011 e que é constituída pela Associação Portuguesa de Empresas de Tradução (APET), a Associação Portuguesa de Tradutores (APT) e diversas instituições de ensino superior público (entre as quais a Universidade do Minho) e privado que apresentam cursos de formação de tradutores. Assim, segundo os estatutos desta associação, o CNT tem como objeto a defesa dos interesses e dignidade da atividade da tradução promovendo a formação adequada dos profissionais nela envolvidos. Neste sentido, pretende representar o setor da tradução em Portugal e servir de intermediário entre o setor e o Estado nas questões mais relevantes, bem como entre o Ensino Superior, os profissionais e as empresas de tradução em Portugal. Contudo, e por esta associação ser muito recente, não podemos medir o seu impacto no mercado e observar como os diferentes intervenientes atuam em função dos seus interesses.
A estratégia relacionada estabelecida entre as duas principais associações portuguesas (APET/APT) no sentido de interagirem e atuarem em simultâneo para a modernização e desenvolvimento deste tipo de mercado, já dá um sinal de preocupação face ao mercado da tradução. Esta coabitação poderá ser positiva se, efetivamente, forem fiéis a um conjunto de princípios.
4.3. Intervenção do Estado no mercado da tradução
No caso de um mercado de livre entrada, uma empresa candidata decide entrar se espera obter lucros. Neste caso, as condições de entrada (custo de entrada, aquisição das instalações, licenças, etc.) determinam a dimensão e importância da concorrência potencial. Assim, este tipo de mercado é contrário a outros cujo acesso ao setor é mais dificultado devido a barreiras à entrada como é o caso do investimento inicial ou do acesso aos capitais, por exemplo.
Contudo, apesar do mercado da tradução ser livre e apresentar ausência de entraves, quer à entrada quer à saída de empresas para o setor, pensamos que o Estado tem um papel significativo na sua dinamização, evolução e desenvolvimento. Daí, tal como adianta Bain (1956) a intervenção do Estado pode impedir a possibilidade potencial de as empresas instaladas definirem e praticarem estratégias de preço que desincentivam o aumento da concorrência no setor e que desvirtue as regras do próprio mercado, nomeadamente a possibilidade da concentração. É dentro desta problemática que Demsetz (1973) entende que as margens elevadas que se observam em certos setores podem não resultar da concentração do setor, mas sim ao facto de empresas serem mais eficientes (nos custos ou em qualidade).
Bain (1956) defendeu que os mercados podem ser distinguidos de acordo com a existência de barreiras i) estruturais e ii) estratégicas e de acordo com a possibilidade dos incumbentes obterem lucros seguindo estratégias de impedimento da entrada. Por um lado, as barreiras estruturais resultam de forças exógenas do mercado como, por exemplo, o acesso à tecnologia, uma necessidade elevada de capital, um acesso limitado aos recursos, etc. São estas barreiras estruturais que podem favorecer a realização de economia de escala. Neste aspeto, é ainda importante referir questões legais, como as patentes que surgem como proteções para que uma empresa possa utilizar um produto em regime de exclusividade devido ao facto de o ter desenvolvido, permitindo assim a recuperação do investimento e, em última análise, favorecendo a investigação e a inovação. Este fenómeno observa-se, por exemplo, no caso da indústria farmacêutica, onde a questão da inovação e da criação de novos produtos surge como um elemento decisivo para a estratégia das várias empresas. Por sua vez, as barreiras estratégicas decorrem da ação das empresas instaladas com o objetivo de evitar a entrada de novos atores e podem ser expressas através do recurso a vários mecanismos ligados a estratégias comerciais.
No que diz respeito ao mercado da tradução português, observamos que não existe nenhuma barreira ou limitação que torne condicionado ou impossível o acesso ao mercado. De facto, verificamos que não existe um limite de empresas que possam atuar no mercado, que não existe um constrangimento temporal, que os custos são baixos tanto à entrada como à saída e que uma nova empresa não está em desvantagem em relação às outras. Logicamente, uma nova empresa terá, à partida, uma quota de mercado inferior às das empresas instaladas há mais tempo, mas poderá corrigir este ponto pouco a pouco, inovando, especializando-se ou
competindo no mercado ao adotar uma estratégia que achar adequada. Neste sentido, a realidade do mercado evocada ao longo do nosso estudo vem no seguimento da própria estrutura do mercado. Como não existem regras que regulam o acesso à profissão de tradutor, e visto que o custo de entrada é baixo, possibilitando a entrada de uma infinidade de atores, observamos que existe uma grande variedade em termos de preço e qualidade oferecidos numa tradução. Uma consequência desta multiplicação de empresas traduz-se na fusão/aquisição de várias empresas do setor. Este fenómeno é essencialmente observável junto das empresas norte-americanas. Por sua vez, no mercado Português (e não exclusivamente), verifica-se uma ausência de diferenciação na qualidade final do produto entre as diferentes empresas presentes no mercado. Na perspetiva do cliente, todas as empresas oferecem o mesmo serviço com a mesma qualidade. Os únicos fatores de competitividade e de diferenciação são o preço e o prazo de entrega.
4.4. Sugestões para a regulação do mercado português
4.4.1. Considerações
Como o mercado da tradução em Portugal não está devidamente regulado, apresenta disfuncionamentos. Estes podem ser prejudiciais em termos de imagem do setor como também na qualidade do serviço oferecido. Nesta perspetiva, parece-nos oportuno que o Estado tome medidas para regular esta atividade. Assim, de acordo com Xxxxxx (1995) esta intervenção pode traduzir-se num conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionadas através das quais o Estado determina, controla ou influencia o comportamento de agentes económicos, para promover comportamentos económicos e sociais desejáveis.
Esta forma de regulação surge como uma atitude de intervenção por parte do Estado que tem como objetivo colmatar os erros do sistema, corrigindo-os ou, de preferência, prevenindo o seu aparecimento. Contudo, é importante salientar que a regulação dos mercados pelo Estado não se traduz apenas no plano económico, pois a questão social é também importante. Assim, de acordo com Xxxxxx (2008) a regulação económica pode ser entendida, por um lado, como o estabelecimento de regras de funcionamento e regras institucionais, que visam a eficiência e o equilíbrio financeiro dos setores dos serviços de interesse geral. E, por outro, a regulação económica deve estabelecer uma correção social dos desequilíbrios causados pela atuação de um mercado desregulado.
A regulação pública pode ser desenvolvida pelo Estado ou por outras entidades públicas, numa base de criação constitucional ou legal, compreendendo tanto a faculdade de definição de normas de conduta como o poder de as aplicar e de as fazer cumprir Neste sentido, a regulação económica é uma vertente da regulação pública. Tem por objetivo disciplinar e enquadrar juridicamente uma determinada atividade económica. Para tal, estabelece e implementa regras para o setor, de forma a garantir um funcionamento equilibrado e de acordo com determinados objetivos públicos. Assim sendo, a regulação económica começa por definir os objetivos por via legislativa. Em seguida, escolhe os instrumentos que asseguram a prossecução destes objetivos. E, finalmente, determina quais os meios para dotar estes instrumentos da necessária coercibilidade. Esta questão da coercibilidade passa nomeadamente pela criação ou utilização de entidades reguladoras, ou seja, organismos que têm como missão acompanhar um determinado setor de atividade de forma a regular os diferentes interesses presentes podendo, inclusive, assumir funções de fiscalização. Compete, nomeadamente, à autoridade reguladora garantir o respeito das leis para o benefício dos utilizadores.
4.4.2. Sugestões para a regulação e consequências prováveis
a) A criação de uma Ordem Profissional
Segundo o Decreto nº182/X 8 relativo ao Regime das Associações Públicas Profissionais, disponível na página Internet da Assembleia da República, consideram-se associações públicas profissionais as entidades de estrutura associativa representativas de profissões que devam, cumulativamente, ser sujeitas ao controlo do respetivo acesso e exercício, à elaboração de normas técnicas e deontológicas específicas e a um regime disciplinar autónomo. Este decreto acrescenta ainda que a criação de este tipo de associações é excecional e deve ser encarada de forma a responder a necessidades específicas. Para além disso, é fulcral entender que a constituição de uma ordem tem como objetivo de servir um interesse público de especial relevo. Neste sentido, a criação de novas associações públicas profissionais é sempre alicerçada por um estudo elaborado por uma entidade independente que terá como objetivo determinar a necessidade de esta criação em termos de realização do interesse público e sobre o seu impacto sobre a regulação da profissão em causa.
8 Informação disponível em: xxxx://xxx.xxxxx.xxx/xxxxxxxx_xx_xxxxxxxxx/xxxxxx.xxx [Consultado a 23/03/2011]
As associações públicas profissionais têm a denominação de “ordem” quando correspondem a profissões cujo exercício é condicionado à obtenção prévia de uma habilitação académica do nível de licenciatura ou superior, e de “câmara profissional” quando tal não ocorre.
A Constituição da República Portuguesa, no artigo 267.º, estabelece que só podem ser constituídas associações públicas para a satisfação de necessidades específicas e que as mesmas não podem exercer funções próprias das associações sindicais e têm organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos9.
Assim sendo, assumimos que o primeiro pressuposto para a criação de uma ordem profissional passa pelo reconhecimento, por parte do Estado, da tradução como sendo uma atividade de interesse público de elevado relevo. Para tal, é necessário realizar um estudo capaz de determinar a importância da tradução na atividade económica nacional e, num segundo momento, sublinhar qual a habilitação mínima para aceder a esta profissão. Nesta perspetiva, a parte empírica deste trabalho dedicada ao estudo do comportamento das grandes empresas presentes em Portugal, irá determinar o papel que assume a tradução na atividade económica destes atores. O presente trabalho que pretende dar continuidade a outros estudos desenvolvidos na área, poderá eventualmente contribuir para determinar se a tradução constitui efetivamente uma atividade de interesse público. No caso de se verificar esta hipótese, caberá ao legislador autorizar a criação de uma ordem profissional, mas também atuar a nível educativo identificando, por exemplo, as licenciaturas que dão acesso a esta profissão ou ainda determinar se o grau de licenciado é suficiente.
b) A criação de um programa de certificação profissional
A criação de uma ordem profissional implica que só possam aceder à profissão tradutores cujo grau de habilitações literárias mínima seja a licenciatura. Esta condição necessária mas não suficiente coloca um problema relativamente aos tradutores profissionais que trabalham há anos sem ter, no entanto, o grau mínimo exigido.
9 Informação disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xx/XX00/Xxxxxxxx/XxxxxxxXxxxxxxx/Xxxxxxxxxxxx/Xxxxx/xxxxxxxxxxxx_x00.xxxx [Consultado a 23/03/2011]
Existem muitos e bons tradutores que, por razões diversas, não frequentaram o curso de tradução na Universidade. As duas principais causas deste fenómeno devem-se ao facto de, em primeiro lugar, estas licenciaturas não estarem tão presentes como hoje. E, por sua vez, é muito comum encontrarmos profissionais que estão especializados numa área técnica específica e que só depois se concentraram no domínio das línguas estrangeiras. Observamos este fenómeno, por exemplo, junto de engenheiros que dominam a terminologia, os conceitos e a sintaxe da sua arte para, num segundo momento, estudar línguas estrangeiras. Em consequência, estes adquirem legitimidade profissional. Neste sentido, não parece viável pedir a estes profissionais que voltem para a Universidade, de forma a obterem uma Licenciatura em Tradução. Assim sendo, a certificação aparece como sendo uma solução plausível para este problema, pois a certificação dos tradutores acabaria por ser uma equivalência à licenciatura e levaria a uma maior profissionalização e estruturação da profissão. De facto, ao implementar um programa de certificação, o cliente final passaria a ter mais informações sobre quem está a contratar. Para além disso, e embora não seja uma verdade absoluta, o facto de um tradutor ser certificado confere segurança ao comprador, garantindo-lhe, à partida, um mínimo de qualidade. Embora a certificação não resolva o problema da assimetria da informação, surge como sendo uma forma de dar ao consumidor uma referência objetiva para que possa escolher um prestador de serviços, sendo que depois entrarão os critérios habituais de seleção (preço, prazos de entrega, etc.).
Cabe-nos, ainda, refletir sobre a melhor forma de certificação e sua aplicação. Assim sendo, talvez a melhor opção passe por abandonar a avaliação por exame único e introduzir a noção de certificação por dossier utilizada no Canadá e associada ao desenvolvimento pessoal contínuo. Xxxx (2008:202) explica que o processo de certificação é quase sempre realizado através de um exame único, sendo que esta forma de avaliação é muitas vezes criticada em termos de validade, autenticidade e de fiabilidade. Em 1998, um sistema de avaliação alternativo foi apresentado nas províncias canadianas de New Brunswick e British Columbia e que consistia numa avaliação por dossier. Neste caso, as pessoas que se candidatavam para a certificação deviam apresentar um dossier que incluía anexos relativos à experiência, às qualificações e as motivações pessoais. A seguir, cada um seria avaliado por um grupo de trabalho da Corporation of Translators, Terminologists and Interpreters from New Brunswick (CTINB). Ao adotar o sistema das províncias de New Brunswick e British Columbia, a entidade certificadora teria uma
relação mais direta e personalizada com os candidatos, ao incluir itens de avaliação como a experiência profissional, a formação académica e as motivações pessoais.
Por sua vez, ao incluir um programa de Desenvolvimento Profissional Contínuo (DPC), a entidade certificadora motivaria os tradutores a adquirir mais conhecimentos ao longo do percurso profissional. Segundo Xxxx (2008:204), o DPC pode ser definido como sendo o ato sistemático de manutenção, melhoria e de aumento do conhecimento, das competências e do desenvolvimento de qualidades pessoais necessárias para a execução de uma atividade técnica e profissional ao longo da vida. Este tipo de programa já existe em associações de renome como a ATA e a IoL, sendo que os seus associados devem investir nesta formação contínua para continuarem a ser considerados membros ativos da associação. E, da mesma forma que a ATA e a IoL implementam e coordenam estes programas de certificação, parece lógico que uma associação empresarial portuguesa trate igualmente deste assunto.
c) Uma associação sectorial única
No presente, em Portugal, existem duas associações diretamente ligadas ao setor da tradução. Trata-se da APET (Associação Portuguesa de Empresas de Tradução) e da APT (Associação Portuguesa de Tradutores). Os objetivos destas associações podem centrar-se na representação dos tradutores, no apoio às empresas que pretendem contratar um serviço de tradução e na formação dos tradutores.
Não deixa de ser questionável a existência de duas associações sectoriais para um mercado relativamente pequeno. Para além disso, observa-se que todas elas possuem preocupações comuns em termos de profissionalização, de noção de qualidade, entre outras. Neste sentido, e embora uma defenda as empresas e a outra os tradutores independentes, não será mais benéfico para o mercado criar uma associação única? Contudo, se as diferenças que existem entre ambas impedem uma fusão, talvez possamos imaginar uma maior e melhor colaboração entre elas.
Em consequência, a criação de uma associação sectorial única, ou da aproximação entre ambas as associações, acabaria por tornar a profissão mais próxima e acessível junto do consumidor. E, com a implementação de uma ordem profissional e de um programa de certificação, esta
associação acabaria por ter um papel significativo no mercado, tal como sucede nos Estados Unidos de América ou no Reino Unido.
d) Consequência provável destas medidas
Se porventura estas medidas fossem implementadas no mercado Português, a principal consequência acabaria por ser a criação de um bi-mercado de tradução. De facto, se o mercado se encontrasse regulado como se espera, observaríamos simultaneamente, a permanência do mercado paralelo para a execução do mesmo tipo de serviço
Na realidade, este mercado paralelo sempre existiu. Contudo, pertence a uma franja da economia subterrânea, logo desregulada e sem grandes orientações quanto à capacidade do tradutor. Simultaneamente, é previsível antecipar que o produto final apresentará características que são, eventualmente, divergentes das do mercado regulado. Tal situação acaba por prejudicar a imagem do setor e estrangula o seu próprio desenvolvimento, bem como o seu contributo para o desenvolvimento global da economia.
Ao implementar o conjunto destas medidas, este fenómeno deixaria de ser implícito. Na realidade, o consumidor acabaria por saber quem contrata e quais são as suas exigências em termos de qualidade. No final, o mercado acabaria por definir quem são os “bons” e os “maus” tradutores. Neste caso, entendemos por “bons”, os tradutores que, por via académica ou pela certificação, mostraram que possuem as habilitações necessárias para exercer a profissão. Por sua vez, os “maus” seriam aqueles que, por diversos motivos, não optaram por esta via e que, em consequência, não têm legitimidade para se intitular “tradutor profissional”.
4.5. Conclusão
As críticas que apresentamos neste trabalho pretendem dar início a uma reflexão em torno do mercado da tradução e nomeadamente sobre a sua importância em termos de crescimento económico para as empresas. Assim, defendemos a intervenção do Estado neste setor com a criação de uma ordem profissional que limite o acesso ao mercado. Acreditamos que esta medida é fulcral, na medida em que, neste momento, os tradutores parecem-nos carecer de visibilidade e representatividade. Em colaboração com uma associação sectorial única e abrangente, julgamos que deverá ser implementado um processo de certificação profissional. O
objetivo destas medidas consiste em dotar o mercado de mais transparência, fornecendo informações essenciais aos clientes de serviços de tradução. Acreditamos que, a médio e longo prazo, estas alterações terão resultados benéficos tanto a nível do mercado da tradução, como também em termos de qualidade do serviço prestado à comunidade.
CAPÍTULO V:
A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRADUÇÃO PELAS GRANDES EMPRESAS EM PORTUGAL
5.1. Introdução
No seguimento das sugestões de regulação do mercado onde se destacou a relevância de se reconhecer a importância económica e social da tradução decidimos aferir a forma como as grandes empresas atuam em Portugal, relativamente à contratação deste tipo de serviços. Como corroboramos a ideia de que os serviços de tradução podem ser um elemento chave para a inovação empresarial, com efeitos externos sobre o mercado, refletimos sobre esses aspetos, quer visualizando a competitividade empresarial no seu todo, quer focando aspetos das suas vantagens competitivas. Além disso, tal como já é adquirido através do quotidiano empresarial e dos contributos teóricos que já foram mencionados no início deste trabalho, os processos de inovação empresarial não se confinam a aspetos das empresas mas sim à globalidade das empresas. Nesse sentido, todos os departamentos, todas as secções, todas as unidades parcelares e todos os stakeholders, são interessantes elementos de motivação e de alimentação da inovação. Assim, nesta perspetiva, os serviços de tradução, quer os internalizados quer os externalizados (outsourcing), fazem parte desses processos. Por isso, neste trabalho, para além daqueles aspetos, passamos em revisão a comunicação multilingue e a tradução, como suporte da expansão da empresa para mercados não domésticos (para intensificar e consolidar a internacionalização ou para penetrar nesse tipo de mercados). Com tais motivações, o nosso trabalho pretende construir e administrar alguns instrumentos, dos quais destacamos um questionário, entrevistas a profissionais da tradução e a um estudo de caso. No seu conjunto, os objetivos gerais passam pela:
i. determinação da importância da tradução na atividade empresarial,
ii. identificação das línguas e dos mercados mais relevantes para o mundo empresarial da nossa população alvo,
iii. avaliação da satisfação daquelas empresas relativamente ao serviço da tradução.
De forma a alcançar estes objetivos, seguiremos uma estrutura que pretende, num primeiro ponto, apresentar a metodologia de trabalho utilizada. De seguida, faremos a apresentação da nossa amostra, onde focaremos a nossa atenção sobre a sua constituição. Num terceiro momento, apresentaremos o nosso instrumento de pesquisa e, de seguida, as modificações que foram realizadas durante a fase do pré-teste. Num quinto e sexto pontos, respetivamente, apresentaremos e analisaremos os dados recolhidos pela aplicação do nosso questionário.
Assim, de forma a apresentarmos este conjunto de informações de forma clara, optámos pela estrutura seguinte:
5.2. Metodologia
5.3. A amostra
5.4. O questionário
5.5. Pré-teste
5.6. Os dados
5.7. Apresentação dos resultados
5.8. Conclusão
5.2. Metodologia
Em Portugal a informação disponível sobre o mercado da tradução é escassa. Inclusive, por vezes, apresenta-se de forma diferenciada pelos diferentes organismos e instituições que produzem aquela informação. De forma a exemplificar esta ideia, e olhando para a oferta de serviços de tradução, apresentamos a tabela 10 que tem como objetivo sublinhar a falta de informação fidedigna neste domínio.
Banco de Portugal | Associação Empresarial de Portugal | Kompass | Páginas Amarelas | |
Nº de empresas (em unidades) | 156 | 11310 | 6011 | 49312 |
Tabela 10: Número de empresas de tradução segundo vários organismos Fonte: Elaboração própria
Como consequência, e de forma a tentar contornar tal debilidade, fizemos uma recolha de informação a partir de dados primários. Por um lado, pretendíamos desenvolver uma ferramenta
10 Informação disponível em: xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xx/xxxxxx.xxx?Xxxxxxx/Xxxxxxxxxx/XXXXXxxxxxx/XxxxxxxXxxxxxxxxx&XxxxxXxxxXxxxXxxxxxxxx [Consultado a 16/11/2011]
11 Informação disponível em: xxxx://xx.xxxxxxx.xxx/XxxxxxxxxXxxxXxx/xxxxxxxxxx/xxx/XXX_Xxxxxx?_xxxxxxxxx&_xxxxxxXxxxxxxxxXxxx_XxxxxXxxxxxXxxxxxx_0&xxxXxxx_ BasicSearchPortlet_1_actionOverride=%252Fflows%252FmarketingInformation%252FbasicSearch%252FlaunchSearch&_pageLabel=common_ho mePage&mktInfo_BasicSearchPortlet_1%7BactionForm.userLanguage%7D=pt&mktInfo_BasicSearchPortlet_1%7BactionForm.userParameterSear ch%7D=tradu%C3%A7%C3%A3o&mktInfo_BasicSearchPortlet_1wlw- select_key%3A%7BactionForm.typeSearch%7DOldValue=true&mktInfo_BasicSearchPortlet_1wlw- select_key%3A%7BactionForm.typeSearch%7D=PS&mktInfo_BasicSearchPortlet_1wlw- select_key%3A%7BactionForm.geoSearch%7DOldValue=true&mktInfo_BasicSearchPortlet_1wlw- select_key%3A%7BactionForm.geoSearch%7D=PRT [Consultado a 16/11/2011]
12 Informação disponível em: xxxx://xxx.xxx.xx/x/xxxxxxxx/xxxxx%X0%X0xx/0/?xxxxxxxxxxxx [Consultado a 16/11/2011]
que correspondesse aos nossos objetivos. Por outro lado, a opção pelos dados primários, permitir-nos-ia ter um domínio mais incisivo e mais confiante sobre os dados. Com este pressuposto, desenvolvemos um questionário (ver apêndice 2), elaborado por recurso à ferramenta Surveygizmo, disponível em xxx.xxxxxxxxxxx.xxx. O uso desta aplicação Web pareceu-nos lógico, em termos de facilidade de utilização, tanto por parte dos inquiridos, como também para o futuro tratamento estatístico dos resultados. Simultaneamente, pretendia-se que o questionário se tornasse mais interativo, mais fácil e agradável de usar, motivando os respondentes a aderir ao seu global preenchimento.
O questionário foi elaborado em janeiro de 2011. Durante o mês de fevereiro do mesmo ano, procedemos a alterações do mesmo, quer quanto ao conteúdo, quer quanto à forma, de acordo com as sugestões que nos foram sendo remetidas, nomeadamente através do teste piloto para o validar. A partir do final desse mesmo mês, procedeu-se às correções finais e conferiu-se uma visualização mais apelativa do questionário. Ao longo do mês de março, do mesmo ano, o questionário foi enviado para as empresas. Atendendo à fraca taxa de resposta, fizemos novo reenvio no mês seguinte.
Dada a especificidade da temática e a ausência de dados quantitativos, o questionário foi elaborado com questões de resposta essencialmente fechada, o que nos motivou a realizar um tratamento descritivo dos dados.
5.3. A amostra
Para a construção da base de dados, a partir da qual definiríamos a nossa amostra, recorremos ao Instituto Nacional de Estatística (INE). Este cedeu-nos a base de dados intitulada “Empresas em Portugal – 2008” (anexo 5, disponível no CD) que inclui dados de todas as empresas cadastradas em Portugal, independentemente das suas atividades. Face ao elevado número de empresas daquela base de dados, cujo número ultrapassava um milhão e noventa e seis mil empresas, tomámos a decisão de a dividir, por recurso ao número de colaboradores, seguindo a mesma nomenclatura do INE. Desta forma construímos as seguintes quatro categorias:
▪ menos de 10 colaboradores,
▪ 10 a 49 colaboradores,