Produto 18 – Modelo de Viabilização das Alternativas Propostas
Produto 18 – Modelo de Viabilização das Alternativas Propostas
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Florianópolis Março/2015
Sumário
1. Transporte Coletivo de Passageiros 6
1.2. Alternativas de Contratação: Modelagem Jurídica e Ferramentas Legais 10
1.2.1. Pilar 1: Construção e Operação da Infraestrutura do Sistema 2H 10
1.2.1.1. Concessão de Obra Pública 10
1.2.1.2. Contratação Bifaseada (Empreitada de Obra Pública seguida de Concessão Comum de Serviço Público) 14
1.2.1.2.1. Empreitada de Obra Pública 14
1.2.1.2.2. Concessão Comum de Serviço Público 17
1.2.1.3. Contratação Integrada por meio do Regime Diferenciado de Contratação 19
1.2.2. Pilar 2: Prestação do Serviço Público de Transporte Coletivo de Passageiros do Sistema 2H 26
1.2.2.1. Parcerias Público – Privadas 26
1.2.3. Pilar 3: Prestação de Serviço Público de Transporte Coletivo nas Linhas Alimentadoras
1.2.4. Vantagens e Desvantagens dos Modelos Propostos 33
1.2.4.1. Operação do Serviço de Transporte Coletivo no Sistema Troncal – Operador do Sistema Troncal 34
1.2.4.2. Operação do Sistema de Transporte do Sistema Troncal – Operador do Sistema Troncal 37
1.3. Alternativas para Estruturação dos Projetos 44
1.3.1. Procedimento de Manifestação de Interesse e Manifestação de Interesse da Iniciativa Privada 44
1.3.2. Estruturadora Brasileira de Projetos 47
1.3.3. Ministério das Cidades 50
1.4. Política e Regulação Tarifária 51
1.4.1. Política Tarifária e o Serviço de Transporte Coletivo 53
2.1. Restrições para Circulação de Veículos de Carga em Centros Urbanos 65
2.3. Limitações e Pontos de Atenção para o Transporte Urbano de Cargas 72
3. Planejamento Urbano e medidas de estímulo 74
3.1. Providências para o desenvolvimento orientado 74
3.2. Diretrizes para revisão dos Planos Diretores Municipais 74
3.2.1. Parâmetros Urbanísticos 74
3.2.3. Operações Urbanas Consorciadas 79
3.2.6. Outros instrumentos de política urbana para desenvolvimento sustentável 88
3.2.6.3. Desenvolvimento do continente 90
3.3.1. Estacionamentos nas vias e o reordenamento do espaço viário 91
3.3.2. Estacionamentos privados 92
3.3.3. Pedágio urbano /Congestion Charge 93
3.4. CDRU, Direito de Superfície para exploração comercial de terminais 94
3.7. Concessão do Subsolo e Enterramento de Fios 101
4. Transporte Aquaviário 104
Introdução
O Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis (“PLAMUS”), estudo financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (“BNDES”), tendo como beneficiário o Governo do Estado de Santa Catarina, por intermédio de sua empresa estatal SC Participações e Parcerias S.A. (“SCPar”), foi concebido com a finalidade de buscar soluções para os entraves de mobilidade urbana vivenciados por diversos municípios da Região Metropolitana da Grande Florianópolis (“RMF”). O objetivo do PLAMUS, dessa forma, é a proposição, em nível de detalhamento conceitual, de soluções multidisciplinares para a gestão e o planejamento integrados de todo o sistema de mobilidade urbana na RMF (“Projeto”).
A proposta do PLAMUS representa uma inovação para soluções de mobilidade, cada vez mais demandadas no atual cenário de urbanização brasileiro, tanto para a RMF, como, futuramente, para outras regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou mesmo microrregiões. Não obstante, a modelagem do Projeto apresenta diversos desafios, destacando-se a concepção do modelo institucional e do modelo de viabilização.
As principais questões institucionais tratadas no âmbito do PLAMUS dizem respeito à figura da região metropolitana como ferramenta de organização política do Estado brasileiro, e os modelos de gestão e governança dos serviços públicos associados a ela. Conforme se buscou demonstrar no Produto 15 – Desenho do Modelo Institucional de Gestão Associada (“Produto 15”), a instituição de regiões metropolitanas no Brasil tem se destacado como instrumento para viabilizar a prestação regionalizada de serviços públicos, não obstante o precário amparo legislativo e as controvérsias, principalmente no que tange à delegação de competências entre entes federativos. Além disso, surgem também questões de gestão e governança na prestação e regulação de serviços públicos de interesse comum em âmbito metropolitano que podem assumir diversas formas, com especial atenção aos consórcios públicos e convênios de cooperação, formas de gestão associada conforme preceitua a Constituição Federal.
Tais questões têm especial relevância no PLAMUS, tendo em vista o reforço do cunho metropolitano do Projeto com a recente instituição da RMF, por meio da Lei Complementar n. 636, de 9 de setembro de 2014 (“LC 636”), e com a criação da Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Grande
Florianópolis (“Suderf”), instância colegiada para fins de organização metropolitana que, na nossa proposta, será designada como o Poder Concedente e regulatório para questões relacionadas à mobilidade urbana na RMF, por meio da celebração de convênios de cooperação entre os entes políticos participantes da Suderf.
O quadro institucional dessa proposta foi sensivelmente enriquecido pela superveniência da edição da Lei Federal n. 13.089, de 12 de janeiro de 2015, a qual estabeleceu o chamado “Estatuto da Metrópole”. O Estatuto da Metrópole trouxe a primeiro plano a necessidade de regras sobre a governança interfederativa dos entes políticos integrantes das regiões metropolitanas, determinando os parâmetros de planejamento urbano interfederativo a partir do plano de desenvolvimento urbano integrado - de edição estadual, ao qual os planos diretores municipais passam a estar vinculados -, bem como de arranjos adicionais no ambiente metropolitano, inclusive por meio das formas de gestão associada, das parcerias público-privadas interfederativas, das operações urbanas consorciadas interfederativas, todos voltados para a prestação associada de serviços públicos caracterizados como funções públicas de interesse comum.
Considerando as premissas institucionais abordadas no Produto 15, que restam confirmadas e reforçadas pelo Estatuto da Metrópole, este Produto 18 – Modelo de Viabilização das Alternativas Propostas (“Relatório”) tem por objetivo apresentar os fundamentos legais para o modelo de viabilização do Projeto.
1. Transporte Coletivo de Passageiros
1.1. Compreensão do Projeto
O modelo de viabilização do PLAMUS tem como núcleo a estruturação de um sistema estrutural de transporte público metropolitano integrado de passageiros de alta e média capacidade. Esse sistema troncal consiste nos já existentes eixos (i) da SC-401 até a SC- 405, na parte insular de Florianópolis, (ii) de trecho da BR-101, na parte continental, abrangendo os municípios de São José, Biguaçu e Palhoça, e, por fim, (iii) de trecho da BR-282, que conecta a parte insular ao continente. Ainda neste sistema, será futuramente instalada uma nova estrutura viária a ser implantada sobre o trecho da BR- 101 (“Sistema 2H” ou “Sistema Troncal”). A figura abaixo ilustra a concepção do Sistema 2H:
Figura 1 – Sistema 2H
Elaboração: PLAMUS
O Sistema 2H funcionará como a principal infraestrutura viária de transporte coletivo na RMF e o modelo de viabilização mais adequado, pelas razões expostas nos demais
relatórios técnicos integrantes do PLAMUS, é a implantação de um sistema troncal, do tipo BRT - Bus Rapid Transport operando em faixas exclusivas e segregadas, que permite que os veículos de alta capacidade circulem independentemente de congestionamento nas vias. No Sistema Troncal também serão instaladas estações de bilhetagem e terminais, com vistas a garantir o fluxo eficiente e ágil de passageiros.
O Sistema 2H será responsável por garantir o fluxo de passageiros nos eixos principais da RMF, onde há índices elevados de congestionamento. Ainda, o modelo para o transporte coletivo de passageiros contará com linhas comuns, de ônibus de menor capacidade, que ramificarão do Sistema Troncal para áreas mais distantes e com menor fluxo de passageiros (“Linhas Alimentadoras”).
Para viabilizar a solução acima, a estrutura jurídica recomendada para o Projeto será baseada em três pilares, conforme segue:
Pilar 1: Obra para a Construção, Operação e Manutenção da Infraestrutura do Sistema 2H. A estrutura jurídica que, na nossa opinião, melhor se adequa à viabilização da construção, da operação e da manutenção da infraestrutura do Sistema 2H é uma concessão de obra pública, sob regime da Lei Federal n° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 (“Lei de Concessões” ou “Lei n° 8.987/95”). O contrato seria celebrado com uma Sociedade de Propósito Específico (“SPE”), responsável pela execução da obra para a implantação das faixas e corredores específicos para o sistema, assim como dos terminais e estações de bilhetagem. Além da obra para construção, a SPE prestará certos serviços, tornando-se operadora da infraestrutura do Sistema Troncal. Entre tais serviços, salientamos os serviços de segurança e sinalização, bem como a manutenção preventiva, corretiva e de melhoria, de forma permanente, pelo prazo contratual. Quanto à remuneração, tendo em vista a estrutura na modalidade de concessão comum, o contratado seria remunerado pelo investimento e pelos serviços por receita composta exclusivamente por (i) tarifa baseada em quilômetros rodados cobrada do operador do serviço público de transporte do Sistema Troncal que utiliza a infraestrutura, conforme detalhado abaixo, e (ii) receitas acessórias (art. 11, da Lei de Concessões), como locação de espaços para publicidade nos terminais e estações de bilhetagem, além da locação de espaço para lanchonetes, restaurantes, bancas de jornal, dentre outros. Vale mencionar que, quanto maior for a remuneração com base
em receitas acessórias, menor será a tarifa cobrada pela utilização da infraestrutura do operador do serviço de transporte do Sistema Troncal.
Pilar 2: Prestação do Serviço Público de Transporte Coletivo de Passageiros no Sistema 2H – Operador do Sistema Troncal. Já no que tange à prestação do serviço de transporte público de passageiros, entendemos que a estrutura jurídica mais adequada seria uma parceria público-privada na modalidade de concessão patrocinada. A adjudicatária da concorrência, nesse caso, constituirá uma SPE, nos mesmos termos do item acima, a qual ficará responsável pela compra de todos os ônibus que trafegarão no Sistema 2H, além da operação das linhas de transporte que compõem o Sistema Troncal, prestando efetivamente o serviço de transporte no eixo central da RMF. Tendo em vista o investimento e o tempo necessário para sua amortização, a PPP patrocinada se mostra como estrutura mais adequada por ser remunerada por tarifa, paga pelo usuário direto (passageiros), e contraprestação pública, desembolsada pelo Poder Concedente. Nesse caso, a concessionária se remunera pela tarifa cobrada dos usuários e, para garantia da modicidade tarifária e viabilização da própria construção da infraestrutura do Sistema Troncal, pela contraprestação paga pelo Poder Público. Em contrapartida, seria responsável pelo pagamento da tarifa pelo uso da infraestrutura, cobrada pelo operador da infraestrutura viária (pilar 1, acima).
Pilar 3: Prestação do Serviço Público de Transporte Coletivo nas Linhas Alimentadoras
– Operador das Linhas Alimentadoras. Por fim, para a viabilização das Linhas Alimentadoras, entendemos que a estrutura de concessão de serviço público na modalidade comum é a mais adequada. Nessa concepção, as Linhas Alimentadoras serão concedidas para diversos operadores que se remunerarão mediante a exclusiva cobrança de tarifa dos usuários.
Figura 2 – Estrutura Jurídica Sistema 2H e Linhas Alimentadoras
Elaboração: PLAMUS
É importante destacar que, conforme descrito acima, o fluxo financeiro do conjunto concentra-se no operador do sistema de transporte do Sistema Troncal, de forma que este receba os valores da tarifa paga pelos usuários e a contraprestação pública. A partir de sua remuneração, será responsável por custear indiretamente a própria construção da infraestrutura viária por meio do pagamento de tarifa por seu uso. Dessa forma, o financiamento da solução proposta contará com subsídios intersetoriais entre os três pilares para a operação do sistema de transporte coletivo de passageiros na RMF (operador da infraestrutura, operador do Sistema Troncal e operadores das Linhas Alimentadoras), o que é, inclusive, permitido e incentivado pela própria Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal n. 12.587, de 3 de janeiro de 2012 ou “LNMU”). O fluxo financeiro está representado na figura abaixo:
Figura 3 – Fluxo Financeiro do Projeto
Elaboração: PLAMUS
A modelagem jurídica da contratação proposta acima não exclui alternativas advindas dos processos de audiência pública e consulta pública que deverão ocorrer em benefício da viabilidade contratual e da efetiva competição nas licitações que as sucedam. Pode- se cogitar, exemplificativamente, a adoção de PPP, na modalidade concessão administrativa, para a construção, operação e manutenção da infraestrutura do Sistema Troncal, combinada com uma concessão comum da operação e manutenção dos serviços de transporte coletivo de passageiros que se fará sobre o Sistema Troncal. Para fins de modicidade tarifária, não se exclui, ademais, que a segunda outorga, aqui proposta como concessão comum, venha a ser configurada como uma segunda PPP, na modalidade de concessão patrocinada.
1.2. Alternativas de Contratação: Modelagem Jurídica e Ferramentas Legais Para a concepção, estruturação e implantação do Sistema 2H e das Linhas Alimentadoras existem diversos modelos jurídicos de contratação que devem ser cotejados. A seguir serão demonstradas as especificidades e vantagens de cada um deles.
Passada tal análise, pode-se concluir que o modelo de concessão de obra pública para a construção, operação e manutenção da infraestrutura viária do Sistema 2H mostra-se mais viável, enquanto para a prestação do serviço público de transporte no Sistema 2H a PPP patrocinada é o modelo mais recomendável. Por fim, no caso das Linhas Alimentadoras, propomos o modelo de concessão comum, por se tratar de esquema de contratação administrativa já bastante consolidado no setor de transporte coletivo de passageiros por ônibus.
1.2.1. Pilar 1: Construção e Operação da Infraestrutura do Sistema 2H
Dentre os modelos jurídicos para a viabilização da construção, operação e manutenção da infraestrutura do Sistema Troncal, destacam-se: (i) a concessão de obra pública; (ii) a contratação bifaseada (empreitada de obra pública seguida de concessão comum de serviço público); e a (iii) contratação integrada por meio do Regime Diferenciado de Contratação.
1.2.1.1. Concessão de Obra Pública
Preliminarmente, cumpre nesta seção fazer uma diferenciação entre a concessão de obra pública e a concessão de serviço público.
A noção de serviço público tem, para a Administração Pública, grande relevância, figurando como cerne, muitas vezes, da atividade estatal. O serviço público pode ser conceituado como:
“toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça às vezes, sob regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.”1
Em outras palavras, o serviço público é toda aquela atividade que, por determinação do Estado, entendida como essencial para o interesse público, é prestada pelo Estado e, portanto, adentra o escopo de atuação do respectivo ente federativo com competência para sua prestação.
Ocorre que sua conceituação, por vezes ampla, pode gerar certa dúvida quanto à abrangência do que pode ser considerado como serviço público. É nesse ponto que reside a importância de se diferenciar o serviço público das demais atividades da Administração Pública.
A noção de serviço público, para muitos, engloba toda a atividade administrativa desempenhada pelo Estado. Nesse sentido, a pavimentação de ruas, a realização de vistorias em um estabelecimento e a distribuição de energia elétrica, todas atividades desempenhadas pelo Estado podem, à primeira vista, serem compreendidas como serviço público, afinal são atividades de competência do Estado visando o interesse da coletividade. Não obstante, esses três exemplos constituem, para fins jurídicos,
1 DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito Administrativo. 31ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2014
atividades diferentes submetidas por vezes, inclusive, a regimes jurídicos distintos, quais sejam os de obra pública, poder de polícia e serviço público propriamente dito.2
A tabela abaixo apresenta as principais diferenças conceituais entre obra pública e serviço público:
Tabela 1 – Diferenças entre Obra Pública e Serviço Público
Obra Pública | Serviço Público |
Produto estático | Produto dinâmico |
Produto cristalizado de uma operação humana | Própria operação ensejadora do disfrute |
A fruição independe de uma prestação, pois é captada diretamente | A fruição do serviço é a fruição da própria prestação, dependendo integralmente dela |
Não presume a existência de um serviço para ser executada | Pressupõe uma obra que lhe constitui o suporte material para ser prestado |
Limitada no tempo | Continuidade no tempo |
Elaboração: PLAMUS3
Nesse sentido, a obra pública e o serviço público diferenciam-se no sentido de que a obra pública constitui o aparato material que servirá para a futura prestação do serviço objeto em si.
A Lei de Concessões foi criada para instrumentalizar a delegação de serviços públicos pela Administração Pública para entes privados, por meio do instituto da concessão. Já a Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993 (“Lei de Licitações” ou “Lei n° 8.666/93”), foi instituída para a contratação de obras públicas pelo Poder Público. Não obstante, a Lei de Concessões define, em seu art. 2º, incisos II e III, dois tipos de concessão: a de obra pública e a de serviço público. A primeira constitui a delegação pelo Poder Público da prestação de um serviço público por sua conta e risco por prazo determinado, já a segunda é definida como “a construção, total ou parcial, conservação, reforma,
2 DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito Administrativo. 31ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2014
3 DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito Administrativo. 31ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2014
ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado.”
Conforme demonstrado acima, a concessão de obra pública não tem como objeto a prestação de um serviço público em si, mas sim a prestação de um serviço público ao Estado, que se traduz na construção, reforma, ampliação ou manutenção de obra. Nesse aspecto, o objeto mostra-se muito parecido com as empreitadas de obra pública contratadas pelo Poder Público, sob o regime da Lei n° 8.666/93 que, posteriormente, delega a prestação do serviço relacionado à obra a outro contratado. Tal regime encontra-se detalhado no item 1.2.1.2 abaixo.
Contudo, o regime jurídico aplicável à concessão de obra pública é o da Lei 8.987/95, regida, pois, pelo mesmo regime das concessões de serviço público em sentido estrito. Assim, a concessão de obra pública é caracterizada pela cobrança de tarifa para o uso/acesso à obra/infraestrutura. Diferentemente da empreitada de obra pública, nesse modelo o concessionário assume o risco do empreendimento, uma vez que não irá valer-se de remuneração direta da Administração Pública, mas sim da própria tarifa cobrada que, por sua vez, está sujeita ao risco de demanda pelo usuário. Assim, “o concessionário adianta os investimentos necessários à execução das obras, adquirindo o direito de explorar economicamente o empreendimento depois de pronto”. 4
Percebe-se, portanto, que o regime jurídico aplicável à concessão de obra pública não possui qualquer diferença em relação àquele aplicável às concessões de serviço público. Nesse sentido, entendemos que, apesar de seus objetos serem distintos, de forma genérica, ambos os institutos preveem a prestação de um serviço público (em sentido amplo). Inclusive, no âmbito do objeto da concessão de obra pública, existe muitas vezes a prestação efetiva de certos serviços, como a própria manutenção da obra.
A rigor, ao se tratar das obras para a construção e operação da infraestrutura do Sistema 2H, estar-se-ia falando em concessão de obra pública. Contudo, tendo em vista que o
4 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Concessão de Serviço Público. São Paulo: Saraiva, 2012.
regime jurídico da concessão de obra pública e da concessão de serviço público é exatamente o mesmo, pode-se dizer que tal diferenciação é estéril, não havendo, em última instância, qualquer dificuldade para a caracterização de uma concessão de obra pública como concessão de serviço público. No caso concreto, ademais, há relevantes serviços a serem prestados pelo operador da infraestrutura, atinentes à segurança e sinalização do Sistema 2H, à operação dos terminais e sistemas de bilhetagem e, adicionalmente, à manutenção preventiva, corretiva e de melhoria do eixo estrutural, em tudo análogo à uma concessão de rodovia, com prestações adicionais relevantes. Para fins deste Relatório, o presente modelo de contratação, dada nossa interpretação jurídica, será tratado como concessão de obra pública.
1.2.1.2. Contratação Bifaseada (Empreitada de Obra Pública seguida de Concessão Comum de Serviço Público)
Além da concessão de obra pública, também é possível realizar uma contratação bifaseada, em que é realizada a licitação para a construção da obra por meio de uma empreitada de obra pública, seguida de uma licitação para a contratação de operador da infraestrutura viária por meio de uma concessão comum.
1.2.1.2.1. Empreitada de Obra Pública
As empreitadas de obras públicas contratadas pelo Poder Público são regidas pela Lei n° 8.666/93 que as define como:
“Art. 6° Para os fins desta Lei, considera-se:
I - Obra - toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta (...).”
Portanto, é obra pública a construção, reparação, edificação ou ampliação de um bem imóvel pertencente ou incorporado ao domínio público.5
As obras públicas poderão ser executadas diretamente pela Administração Pública ou por meio de suas autarquias, empresas e sociedades de economia mista. Podem
5 DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito Administrativo. 31ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2014
também ser contratadas com terceiros, por meio de processo licitatório, conforme preceitua o art. 6° da Lei de Licitações.
O mesmo art. 6° também arrola, no âmbito da execução indireta, mais comum no nosso ordenamento, as quatro modalidades possíveis, quais sejam: (i) empreitada por preço global; (ii) empreitada por preço unitário; (iii) empreitada integral e (iv) tarefa. Ressaltamos, para fim deste Relatório, as três primeiras.
A primeira modalidade, empreitada por preço global, nos termos do art. 6° da Lei n° 8.666/93, é caracterizada pela contratação da execução da obra ou do serviço por preço certo e total. Em outras palavras, a obra é contratada com base em preços unitários – por pedaços/unidades da obra – que juntos englobam o preço certo e total pelo qual a obra foi contratada.
A empreitada por preço total e certo, modalidade de contratação de obra pública mais utilizada pelo Poder Público, caracteriza-se pelo pagamento mediante medições mensais, por meio das quais se remunera o executor da obra pela parcela de serviços completados. Vale aqui ressaltar que, nesse tipo de contrato, a responsabilidade e o risco ficam com o contratado, com exceção, conforme será mencionado abaixo, dos casos de supressões ou acréscimos dentro dos limites legais.
Na empreitada por preço unitário, por sua vez, conforme versa o art. 6°, é contratada a execução da obra ou do serviço por preço certo de unidades determinadas. Assim, a obra é contratada por parcelas, sendo o pagamento devido após a conclusão de cada uma destas.
A última modalidade de empreitada é a empreitada integral, conhecida como turn key, que se caracteriza pela contratação de um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até a sua entrega ao contratante em condições de entrada em operação, atendidos os requisitos técnicos e legais para sua utilização, em condições de segurança estrutural e operacional e com as características adequadas às finalidades para que foi contratada (art. 6°, VIII, “e”, Lei de Licitações).
Na licitação de obras e serviços de engenharia pelo regime da Lei n° 8.666/93, existe uma separação entre as etapas de elaboração de projeto básico, projeto executivo e
execução das obras e serviços de engenharia, sendo cada etapa indispensável para a licitação da obra e dos serviços, e devendo cada uma seguir tal sequência (com exceção do projeto executivo que poderá ocorrer concomitantemente com a execução das obras e serviços de engenharia - art. 7°, Lei de Licitações). Assim, deverá haver uma licitação para a confecção do projeto básico, após isso podendo-se iniciar a licitação para a contratação da obra e dos serviços de engenharia propriamente ditos, o que torna o cronograma do projeto mais demorado. Pode-se dizer até que a contratação bifaseada aqui apresentada seria, na realidade, trifaseada, pois terão que ser licitados o projeto básico, a obra e, posteriormente, a prestação do serviço. Além disso, vale ressaltar que a Lei de Licitações expressamente veda a possibilidade de aquele que participa da confecção do projeto básico e executivo participar da licitação para a execução da obra e dos serviços (art. 9°, inciso I, Lei de Licitações).
Ainda, importante destacar que, não obstante a figura da empreitada seja regulada por meio do Código Civil, a obra pública é um contrato administrativo e, portanto, está sujeita às alterações unilaterais feitas pelo Poder Público. Essa possibilidade encontra pleno respaldo no art. 58, I, da Lei de Licitações que estabelece:
Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; (...)
§ 1o As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.
§ 2o Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico- financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.
No mesmo sentido, o art. 65, inciso I, alíneas “a” e “b”, da Lei de Licitações prevê a alteração unilateral dos contratos (i) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos e (ii) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou
diminuição quantitativa de seu objeto. Esta última hipótese, ressalta-se, condiciona o contratado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50%.
Contudo, os dispositivos acima não significam que o Poder Público poderá alterar arbitrariamente as especificações do contrato, sob pena de burla ao processo licitatório. Só poderá fazê-lo em casos onde se verifiquem concretamente fatos supervenientes que impliquem na impossibilidade de execução do objeto contratual, para o melhor interesse da coletividade.
Por fim, tais alterações nos contratos estão sujeitas à possibilidade de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, entendido como sendo “a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento de ajuste e, de outro lado, pela compensação econômica que lhe corresponderá.” 6 A equação econômico-financeira do contrato é, portanto, estabelecida no momento de aceitação da proposta pela Administração Pública e, a partir de então, por tutela constitucional, intangível. Todavia, tendo em vista a ocorrência de fatos supervenientes imprevisíveis e/ou extraordinários que afetem a prestação do objeto contratual, poderá ocorrer a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de forma a garantir ao contratado as mesmas condições estabelecidas quando da celebração do compromisso.
1.2.1.2.2. Concessão Comum de Serviço Público
Uma vez realizada a obra para a construção da infraestrutura viária, no modelo de contratação bifaseada, será realizada a licitação para a operação da infraestrutura do Sistema 2H mediante uma concessão comum.
As concessões de serviço público surgem no ordenamento jurídico por imperativo constitucional que determina que a prestação de serviços públicos ocorrerá
6 DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito Administrativo. 31ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2014
diretamente pelo Poder Público ou, mediante concessão, permissão ou autorização, sempre precedida de licitação, por agente privado (art. 175, Constituição Federal).
Tem-se que a concessão é a forma com que o Poder Público, a princípio titular para a prestação dos serviços públicos, encontrou para delegar a gestão destes aos particulares. Tal decorre de uma opção econômica, dada a impossibilidade do Poder Público de arcar com a prestação eficiente e de qualidade dos todos os serviços essenciais, deixando com que agentes privados, por questões econômicas, explorem tais atividades. Para tanto, foi criada no ordenamento jurídico brasileiro a figura da concessão de serviços públicos cuja regulação se dá predominantemente por meio da Lei de Concessões.
As concessões podem ser definidas como:
“o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sobre garantia contratual de um equilíbrio econômico financeiro, remunerando–se pela própria exploração do serviço em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.”7
Assim, é objeto da concessão a delegação da gestão de um serviço público8, figurando este como núcleo e razão de ser do contrato. Cumpre aqui ressaltar que não se trata da transferência do serviço público para o particular, mas sim, a delegação da sua gestão, permanecendo o Poder Público responsável, em última instância, pela prestação do serviço. Aqui, diferentemente da concessão de obra pública, não existe construção, apenas prestação do serviço de operação da infraestrutura viária do Sistema 2H.
A principal característica da concessão é a exploração do serviço por conta e risco do particular. Em outras palavras, uma vez concedido, o concessionário deverá remunerar- se apenas pela exploração do serviço. Com efeito, isso ocorrerá por meio da cobrança
7 DE XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx. Curso de Direito Administrativo. 31ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2014.
8 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxxx. Concessão de Serviço Público. São Paulo: Saraiva, 2012.
de tarifa aos usuários dos serviços como principal forma de remuneração do concessionário.
Importante aqui mencionar as diretrizes para a prestação adequada dos serviços concedidos (art. 6°, § 1°) que englobam o conceito de modicidade tarifária. Assim, as tarifas cobradas pelo concessionário não poderão onerar excessivamente os usuários, preservando a acesso de toda a coletividade aos serviços essenciais. A tarifa será fixada por meio de processo licitatório - a que todas as concessões estão sujeitas –, sendo o licitante ganhador do contrato aquele que apresentar o menor valor de tarifa, a ser preservado por regras de revisão e reajuste constantes do edital e do contrato de concessão (art. 9°).
O art. 23 da Lei de Concessões estabelece as cláusulas essenciais dos contratos de concessão, com destaque para (i) o objeto, a área e o prazo da concessão; (ii) o modo, forma e condições de prestação do serviço; (iii) o preço do serviço e os critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas; (iv) as penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária e sua forma de aplicação; (v) os casos de extinção da concessão; e (vi) os bens reversíveis.
Quanto ao prazo, cumpre destacar que a lei impôs prazo determinado às concessões, porém não delimitou qual seria. Dessa forma, uma concessão poderá ter qualquer prazo desde que finito e estipulado expressamente no contrato de concessão.
Por fim, a concessão de serviço público, contrato administrativo que é, também está sujeita às alterações unilaterais do Poder Público e ao direito de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro.
1.2.1.3. Contratação Integrada por meio do Regime Diferenciado de Contratação
A contratação de empreitada de obra pública, como regime alternativo ao da Lei 8.666/93, pode ocorrer por meio do Regime Diferenciado de Contratação (“RDC”).
O RDC foi instituído por meio da Lei Federal n° 12.462, de 4 de agosto de 2011 (“Lei n° 12.462/11” ou “Lei de RDC”) e regulado pelo Decreto n° 7.581, de 11 de outubro de 2011, tendo como objetivos (art. 1°, § 1°):
I - ampliar a eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes;
II - promover a troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre custos e benefícios para o setor público;
III - incentivar a inovação tecnológica; e
IV - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública.
Com vistas aos objetivos acima, a Lei de RDC veio inicialmente impor um regime especial aplicável às contratações necessárias para a realização (i) dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes da Carteira de Projetos Olímpicos a ser definida pela Autoridade Pública Olímpica (APO); (ii) da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação - Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, definidos pelo Grupo Executivo - Gecopa 2014 do Comitê Gestor instituído para definir, aprovar e supervisionar as ações previstas no Plano Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa do Mundo Fifa 2014 - CGCOPA 2014, restringindo-se, no caso de obras públicas, às constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios; e (iii) de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km das cidades-sedes dos mundiais referidos nos incisos I e II.
Posteriormente, por meio das Leis nº 12.688/12, nº 12.745/12 e nº 12.980/14 foram incluídos no âmbito do RDC, em seu art. 1°, as contratações (i) das ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); (ii) das obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS; e (iii) das obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo. A utilização do RDC está condicionada ao enquadramento do projeto nos casos acima elencados. No caso do PLAMUS, será necessário verificar a possibilidade de seu enquadramento no PAC.
A justificativa para a criação do RDC é a redução do tempo despendido com a realização das licitações e contratações nos projetos supramencionados, especialmente em relação à Copa do Mundo de 2014, proporcionando, por meio de certas inovações ao regime imposto pela Lei n° 8.666/93, um procedimento mais célere. Essa redução no
tempo do procedimento “decorre da inversão de fases (procedendo-se primeiro ao julgamento das propostas, e depois à análise dos documentos de habilitação), da unidade recursal (junção em um só procedimento recursal dos recursos contra a decisão sobre a habilitação e contra o julgamento das propostas) e da possibilidade de licitar apenas com anteprojeto de engenharia, ao invés de projeto básico.”9
A opção por tal regime deverá vir expressa no documento convocatório para o projeto, sendo, dessa forma, afastadas as regras da Lei de Licitações, exceto no que não for expressamente instituído por meio da Lei de RDC (art. 1°, § 2°).
Uma das principais inovações trazidas pela Lei de RDC foi a possibilidade da contratação integrada. Nesse tema, a Lei de RDC, em seu art. 8°, admite como regimes de contratação de obras e serviços de engenharia: (i) empreitada por preço unitário; (ii) empreitada por preço global; (iii) contratação por tarefa; (iv) empreitada integral; ou (v) contratação integrada, sendo os regimes (ii), (iv) e (v) tidos como regimes preferenciais em tais contratações (art. 8°, § 1°). Assim, os regimes de contratação propostos pela Lei de RDC são os mesmos previstos na Lei de Licitações, tendo como novidade a contratação integrada.
A contratação integrada é definida como regime de contratação que compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto (art. 9°, § 1°). Pressupõe, portanto, mais do que a simples execução de uma obra ou serviço de engenharia, compreendendo toda a fase de comissionamento da obra de forma a entregá-la em funcionamento pleno ao Poder Público. Assim, a contratação integrada tem como núcleo um objeto complexo, envolvendo uma obra em que o Poder Público poderá prestar uma atividade específica, contendo grandes semelhanças com a figura da empreitada integral. 10 “Se a obra ou o serviço não forem o pressuposto e o instrumento para desempenho das atividades diferenciadas, é incabível o uso da
9 XXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx; XXXXX XXXXXX, Xxxxx. Regime Diferenciado de Contratação: Licitação de Infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012.
10 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários ao RDC: (Lei 12.462/11 e Decreto 7.581/11). São Paulo: Dialética, 2013.
contratação integrada.”11 Dessa forma, não se admite o uso da contratação integrada para a simples realização de obras ou serviços de engenharia, como para edificar um prédio ou construir uma rodovia.12
A principal vantagem da contratação integrada decorre da possibilidade de realização da licitação com base apenas em anteprojeto de engenharia (art. 9°, § 2, inciso I), documento com grau de detalhamento menor do que o projeto básico, exigido no regime da Lei n° 8.666/93. Há ainda a possibilidade de o mesmo licitante elaborar projeto básico e executivo, além de executar o objeto da obra. Tal modelo já era utilizado nas contratações da Petrobras, regidas por regime próprio, sendo agora viabilizado pela edição da Lei de RDC.
Essa opção da Lei de RDC decorre justamente da complexidade do objeto contratual nas contratações integradas. Uma vez que o objeto compreende a concepção de soluções pelo contratado especializado e a colocação em operação do empreendimento, o Poder Público optou por deixar tais encargos para o próprio contratado. Nesse sentido é que o contratado assume a total responsabilidade pelas suas opções no projeto, sendo sua remuneração, inclusive, vinculada ao desempenho, em determinadas condições de qualidade, do empreendimento. Qualquer falha em atingir determinados níveis operacionais configuraria um inadimplemento no âmbito do contrato, autorizando o Poder Público a rejeitar o empreendimento entregue.13
A possibilidade de início da licitação com base apenas em anteprojeto, no RDC, permite uma maior celeridade no processo. O anteprojeto de engenharia, como já dito, requer menor detalhamento do que o projeto básico exigido no regime da Lei n° 8.666/93, estabelecendo apenas diretrizes gerais para a caracterização da obra. Além disso, ao contrário da Lei de Licitações, após a confecção do anteprojeto de engenharia, é possível a licitação da execução da obra e serviço, sendo o contratado responsável, tendo em vista o objeto da contratação integrada, tanto pela elaboração do projeto básico, como da obra, serviços de engenharia e comissionamento do empreendimento. A
11 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários ao RDC: (Lei 12.462/11 e Decreto 7.581/11). São Paulo: Dialética, 2013.
12 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários ao RDC: (Lei 12.462/11 e Decreto 7.581/11). São Paulo: Dialética, 2013.
13 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários ao RDC: (Lei 12.462/11 e Decreto 7.581/11). São Paulo: Dialética, 2013.
possibilidade de licitar a obra sem o projeto básico não significa, entretanto, que este não tenha que ser futuramente elaborado pelo contratado.
Nesse aspecto, inclusive, cumpre fazer menção à Lei de Concessões que, ao tratar da modalidade de concessão de obra pública e subsidiariamente aplicável às PPPs, onde ocorre execução de obra e prestação de serviço público, permite a licitação com base apenas em elementos do projeto básico que caracterizem a obra (art. 18, inciso XV, Lei de Concessões). Apesar da falta de definição normativa clara acerca do que a lei quis dizer com “elementos do projeto básico”14, já se caminhava no sentido de reduzir o grau de detalhamento nos estudos necessários para início da contratação.15
Contudo, o efetivo ganho de tempo com tais vantagens impõe certas reservas. Em primeiro lugar, na mesma linha da licitação para elaboração do projeto básico no âmbito das obras públicas, será, provavelmente, necessária licitação para elaboração do anteprojeto de engenharia, uma vez que o Poder Público é raramente capaz de elaborá- lo diretamente. 16 Além disso, o contratado para execução da obra e serviços de engenharia, conforme mencionado, não está eximido da necessidade de elaboração de projeto básico, o que pode anular o ganho de tempo com a licitação baseada apenas em anteprojeto de engenharia, uma vez que, antes da execução dos serviços, haverá um período de aprofundamento do projeto básico, o que pode comprometer o cronograma da obra.17
14 XXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx; XXXXX XXXXXX, Xxxxx. Regime Diferenciado de Contratação: Licitação de Infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012.
15 Conforme RIBEIRO, XXXXX e XXXXX XXXXXX, a exigência de um menor grau de detalhamento nos estudos e projetos, no caso de concessões e PPPs, decorre do fato de que, em tais modalidades de contratação, o risco fica à cargo do agente privado que irá elaborar a obra. Ao contrário nas licitações de obra públicas pelo regime da Lei n° 8.666/93, o parceiro privado irá apenas executar a obra, sendo responsabilidade do Poder Público a operação e manutenção desta. Nesse sentido, o parceiro privado, com vistas a maximizar a sua lucratividade na execução da obra, tem incentivo de utilizar materiais e equipamentos de menor qualidade. Eis a necessidade, portanto, de ter-se um projeto básico detalhado antes da execução da obra, para proteger o Poder Público, garantindo que não sejam utilizados materiais e tecnologias de qualidade inferior àquela esperada. (XXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx; XXXXX XXXXXX, Xxxxx. Regime Diferenciado de Contratação: Licitação de Infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012).
16 XXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx; XXXXX XXXXXX, Xxxxx. Regime Diferenciado de Contratação: Licitação de Infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012.
17 XXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx; XXXXX XXXXXX, Xxxxx. Regime Diferenciado de Contratação: Licitação de Infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012.
Não obstante tais ressalvas, é possível constatar a celeridade promovida pela contratação integrada, que pode chegar a uma redução de tempo estimada em 32%.18
A Lei de RDC também estabelece que a contratação integrada só poderá ocorrer nos casos em que seja técnica e economicamente justificada e cujo objeto envolva, pelo menos, uma das seguintes condições: (i) inovação tecnológica ou técnica; (ii) possibilidade de execução com diferentes metodologias; ou (iii) possibilidade de execução com tecnologias de domínio restrito no mercado (art. 9°).
Quanto a esse aspecto, é importante reforçar o mencionado acima a respeito da possibilidade de realizar licitação apenas com anteprojeto de engenharia e os efeitos disso. Para RIBEIRO, PRADO e PINTO JUNIOR (2012), a utilização da contratação integrada prevista na Lei de RDC somente é técnica e economicamente viável nos casos em que seja realizada:
“(i) licitação para construção, operação e manutenção de infraestruturas (...); (ii) licitação única para dois contratos separados, que seriam assinados com o ente vencedor da licitação, um contrato para construção e outro para operação e manutenção; e (iii) licitação única para dois contratos separados, que seriam assinados com o ente vencedor da licitação, um de obra pública e outro de concessão (comum, patrocinada ou administrativa) para a operação e manutenção da obra por longos prazos.” 19
Ou seja, defende que somente fará sentido usar a contratação integrada da Lei de RDC quando um mesmo licitante realize a obra e o serviço envolvidos. Isso porque, em contratos de concessão e PPP, o parceiro privado poderá arcar com a construção e posterior operação e manutenção da infraestrutura por um prazo longo, havendo pois, um incentivo para que invista em projeto de qualidade, para que a operação seja eficiente, gerando assim o retorno desejado para o investimento ao longo dos anos. Sendo, em última instância, o parceiro privado a arcar com o risco de uma obra com nível de qualidade ruim, fica justificada a flexibilização do grau de detalhamento do
18 XXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx; XXXXX XXXXXX, Xxxxx. Regime Diferenciado de Contratação: Licitação de Infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012.
19 XXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx; XXXXX XXXXXX, Xxxxx. Regime Diferenciado de Contratação: Licitação de Infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012.
projeto básico, pois é grande o interesse do parceiro privado em realizar de forma eficiente seus investimentos no projeto. A lógica é oposta nos contratos de obra pública pelo regime da Lei n° 8.666/93, cabendo ao Poder Público, diante do risco de subinvestimento por parte do particular, exigir a elaboração de um projeto básico antes da contratação, de modo a resguardar os parâmetros de qualidade e adequabilidade estabelecidos no edital.
No mesmo sentido do que ocorre com as concessões e PPPs, a contratação integrada apenas exige a elaboração de anteprojeto de engenharia para a contratação. Logo, a mesma lógica de incentivos aplica-se nesse caso, permitindo concluir que a contratação integrada só se mostra técnica e economicamente viável quando o projeto é estruturado de forma a que o licitante execute e opere a infraestrutura por um prazo considerável.20 Adicionalmente, o fato de o contrato na contratação integrada envolver a exigência de soluções inovadoras e condições operativas específicas faz com que esse grau de detalhamento antes da licitação não seja muito viável, justificando-se nos casos apresentados acima.
Ainda, há que se mencionar que a exigência apenas do anteprojeto de engenharia impõe que, para resguardar os níveis de qualidade definidos pelo Poder Público, uma técnica mais aprofundada seja requerida do concessionário. Isso faz com que a forma de julgamento das propostas adotada em projetos de contratação integrada seja pela melhor técnica e preço.
Cabe lembrar ainda que a Lei de RDC veda a possibilidade de celebração de termos aditivos, exceto nos casos de: (i) recomposição do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou força maior; e (ii) necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da Administração Pública, desde que não decorrentes de erros ou omissões por parte do contratado, observados os limites previstos no § 1° do art. 65 da Lei n° 8.666/93 (art. 9°, § 4°).
20 XXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx; XXXXX XXXXXX, Xxxxx. Regime Diferenciado de Contratação: Licitação de Infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012.
Vale aqui considerar que tal dispositivo não objetiva vedar todo e qualquer tipo de aditivo ao contrato. 21 Aditivos relacionados a ajustes de denominação social, informações, erros de redação e outros semelhantes são mais do que possíveis. O que o dispositivo visou foi a redução da possibilidade de aditivos para a composição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, limitando-os apenas às hipóteses previstas nos itens (i) e (ii) acima. A razão de ser dessa opção decorre da necessidade de: (i) limitar os poderes do Poder Público em alterar os contratos unilateralmente, deixando o contratado sem possibilidade de interferir na concepção de suas escolhas no âmbito do empreendimento 22 e (ii) impedir o jogo de planilha realizado pelos contratados. 23 Esclareça-se, no entanto, que a restrição imposta pelo art. 9°, § 4° não impede a alocação de riscos no Poder Público, para além daquelas hipóteses, sem a devida recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato caso este venha a ser afetado.24
1.2.2. Pilar 2: Prestação do Serviço Público de Transporte Coletivo de Passageiros do Sistema 2H
Tendo em vista os altos investimentos para a prestação do serviço público de transporte coletivo no Sistema Troncal na fase pré-operacional (compra de bens como, por exemplo, os ônibus que transitarão no Sistema 2H) e considerando o fluxo financeiro do projeto, em que o operador troncal é indiretamente responsável pelo financiamento da infraestrutura do Sistema 2H, entendemos que não será suficiente a remuneração do operador troncal apenas mediante tarifa, nos moldes de uma concessão comum de serviço público. Assim, as parcerias público-privadas mostram-se, nesse caso, como o modelo mais recomendável.
1.2.2.1. Parcerias Público – Privadas
21 XXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx; XXXXX XXXXXX, Xxxxx. Regime Diferenciado de Contratação: Licitação de Infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012.
22 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários ao RDC: (Lei 12.462/11 e Decreto 7.581/11). São Paulo: Dialética, 2013
23 XXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx; XXXXX XXXXXX, Xxxxx. Regime Diferenciado de Contratação: Licitação de Infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012.
24 XXXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx; XXXXX XXXXXX, Xxxxx. Regime Diferenciado de Contratação: Licitação de Infraestrutura para Copa do Mundo e Olimpíadas. São Paulo: Atlas, 2012.
Com o objetivo de atrair investimentos privados para projetos de grande interesse público, especialmente no tocante ao setor de infraestrutura, surgem também, como modelo de contratação alternativa às concessões comuns, as parcerias público-privadas (“PPPs”).
Com o advento da Lei Federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 (“Lei Federal de PPPs” ou “Lei n° 11.079/04”), tal modelo de contratação foi inserido no ordenamento jurídico buscando-se possibilitar o desenvolvimento de projetos em setores de fundamental interesse do Poder Público e da coletividade, por meio de uma colaboração entre o parceiro público e o parceiro privado, onde este não executa o projeto sozinho, mas conta com remuneração e garantias de retorno do Poder Público.
É esse aspecto fundamental que diferencia as PPPs dos contratos de concessão comum celebrados pela Poder Público: o Governo assume o compromisso de remunerar total ou parcialmente – a depender da modalidade de PPP – o parceiro privado ou, pelo menos, garantir um montante mínimo de remuneração, caso as demais fontes mostrem-se insuficientes, por meio da chamada contraprestação pública, como definida no art. 6° da Lei de PPPs.
Assim, ao contrário da concessão comum, em que o projeto recai inteiramente sob o parceiro privado devendo este remunerar-se exclusivamente por meio da tarifa cobrada do usuário, o contrato de PPP, por contar com contraprestação do Poder Público, total ou parcial, traz incentivos para o desenvolvimento de projetos que, se dependessem somente da iniciativa privada, não teriam viabilidade.
Com efeito, a contraprestação pública permite que riscos associados à concessão comum, como o risco tarifário ou de demanda, sejam mitigados conferindo, dessa forma, mais segurança e viabilidade ao projeto do ponto de vista do particular e do potencial financiador. Em um modelo de PPP, diferentemente do modelo de concessão comum, os riscos do projeto não ficam somente com o parceiro privado, mas são compartilhados entre este e o parceiro público. O compartilhamento de riscos desempenha, portanto, papel fundamental nesse modelo de contratação, sendo a matriz de alocação de riscos elemento indispensável do contrato (art. 5°, inciso III).
O parceiro privado, entretanto, só fará jus ao pagamento da contraprestação pública se, em cada período de apuração (conforme estabelecido no contrato), o serviço tiver sido prestado a tempo e de modo adequados, ou seja, se comprovar ter viabilizado a prestação dos serviços, corretamente operados e mantidos nos padrões de qualidade e operacionalidade esperados pelo Poder Público. Pode-se, inclusive, estabelecer remuneração variável do parceiro privado, com base no desempenho e no atendimento de metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato (art. 6°, § 1°).
A princípio, nos termos da Lei n° 11.079/04, era vedado o pagamento da contraprestação pública antes da efetiva fruição do serviço (art. 7°), ou seja, não era possível o pagamento da contraprestação durante a fase pré-operacional e/ou de construção do projeto - momento mais custoso e que depende de alta capacidade de financiamento -, mas somente quando houvesse a efetiva disponibilização do serviço. Mesmo com o incentivo da contraprestação pública, ainda existiam barreiras que dificultavam o desenvolvimento de projetos complexos de infraestrutura, uma vez que deixavam o parceiro privado dependente de elevados financiamentos na fase inicial do contrato. Tentativas de superar essas dificuldades aconteceram, como o uso da figura do ressarcimento de investimentos utilizada em alguns modelos de PPPs, notadamente no caso da Arena Pernambuco.
Nesse sentido, a Medida Provisória n° 575, de 8 de agosto de 2012, posteriormente convertida na Lei 12.766, de 27 de dezembro de 2012, alterou o art. 6° da Lei de PPPs que trata da contraprestação pública, instituindo a figura do aporte público. Essa alteração possibilitou o pagamento de contraprestação pública em favor do parceiro privado ainda na fase pré-operacional do projeto, para a construção ou aquisição de bens reversíveis ao Poder Público. Somada a tal alteração, para a utilização da figura do aporte público, deverá ser estabelecido o cronograma com os marcos para o repasse ao parceiro privado das parcelas do aporte de recursos, na fase de investimentos do projeto e/ou após a disponibilização dos serviços (art. 5°, XI da Lei de PPPs). Tal alteração veio como forma de viabilizar ainda mais o desenvolvimento de projetos no setor e trazer segurança jurídica para o que já vinha sendo utilizado na forma de ressarcimento de
investimentos.25 A PPP para a Linha 6 do Metrô de São Paulo foi uma das pioneiras ao utilizar o instituto em sua modelagem.
A Lei de PPPs estabelece certas diretrizes para a formação do contrato, vedando que sejam celebrados contratos nesse modelo se: (i) o valor for inferior a R$ 20.000.000,00;
(ii) o período de prestação de serviço for inferior a 5 ou superior a 35 anos; e (iii) o objeto único for o fornecimento de mão de obra e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública (art. 2°, § 4°).
Pelo acima exposto, depreende-se que o contrato de PPP, simplificadamente, é essencialmente um contrato de concessão, nos moldes da Lei n° 8.987/95 (a qual, inclusive, é aplicável subsidiariamente às PPPs), de longo prazo que tem como núcleo a prestação de serviços dos quais o Poder Público figure como usuário direto ou indireto. A diferença reside fundamentalmente no compartilhamento de riscos entre parceiro público e privado, com a possibilidade de contraprestação pública e concessão de garantias pelo Poder Público.
Dito isso, a Lei 11.079/04 não definiu expressamente o que vem a ser uma PPP propriamente dita. Apenas dispõe, em seu art. 2º, que se trata de um contrato administrativo de concessão, podendo ser na modalidade de concessão administrativa ou patrocinada. Importante mencionar que a conveniência da adoção de uma das modalidades de PPP, a patrocinada ou administrativa, reside na análise dos aspectos de eficiência econômica, financeira e social, refletidos nos estudos de Value for Money, e nas características de cada projeto específico.
Não obstante a PPP patrocinada e a PPP administrativa estarem sujeitas ao mesmo regime jurídico, apresentam diferenças significativas quanto ao objeto contratual e forma de remuneração.
A Lei 11.079/04 define, em seu art. 2°, § 2°, concessão administrativa como “o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.”
25 Como tal modalidade não era expressamente prevista pela Lei de PPPs, empreendimentos que utilizavam a figura do ressarcimento de investimentos estavam sujeitos a questionamentos nos órgãos de controle.
No caso da concessão administrativa, o projeto é remunerado inteiramente pelo Poder Público, figurando este como o “usuário” do serviço objeto da concessão administrativa. Em nosso caso, considerando que o Poder Público não será o usuário direto do Sistema 2H e que haverá possibilidade de cobrança de tarifa pelo parceiro privado pela utilização de tal sistema de transporte, tal modelo não se apresenta como o mais interessante para a viabilização do sistema troncal de transporte coletivo.
A concessão patrocinada, por sua vez, também definida no art. 2°, § 2° da Lei 11.079/04, é entendida como a concessão de serviços ou obras públicas que, além da remuneração por meio de tarifas cobradas do usuário, também envolve a contraprestação paga ao parceiro privado pelo Poder Público.
Nessa modalidade, o investimento necessário para a implantação de determinado projeto é extremamente elevado, de forma que o parceiro privado não consegue amortizá-lo somente com a cobrança de tarifas – que deve respeitar ao princípio da modicidade tarifária - e arrecadação de receitas acessórias. Assim, a contraprestação pública, como já mencionado, permite uma remuneração periódica do parceiro privado, tanto para remunerar os altos investimentos realizados para viabilização do projeto, como para remunerar elevados custos operacionais que não possam ser contemplados por simples arrecadação tarifária.
Anote-se que a Lei de PPPs limita a contraprestação pública a 70% do total da remuneração auferida pelo parceiro privado, dependendo, para casos em que tal montante seja ultrapassado, de autorização legislativa (art. 10, § 3°). Além disso, dispõe a lei que a forma de remuneração da contraprestação pública deve estar estipulada no contrato de PPP (art. 5°, IV), podendo dar-se nas seguintes formas (art. 6°): (i) ordem bancária; (ii) cessão de créditos não tributários; (iii) outorga de direitos em face da Administração Pública; (iv) outorga de direitos sobre bens públicos dominicais; e (v) outros meios admitidos em lei.
167 da Constituição Federal26; (ii) instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; (iii) contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público; (iv) garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público;
(v) garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade; e (vi) outros mecanismos admitidos em lei.
A possibilidade de constituição de instrumentos de garantia pública foi a resposta do Poder Público, não somente para atrair mais interessados em projetos complexos de infraestrutura, como também para combater a “insegurança financeira e jurídica transmitida pelos Poderes Públicos, ora enquanto contratante pagador ou, na hipótese de inadimplemento, provocada pelo histórico de morosidade judicial e o pouco respeito ao regime de precatórios.” 27 - 28 Portanto, caso o Poder Público não honre com os compromissos assumidos no âmbito do contrato, poderá o parceiro privado executá-la para obtenção das quantias devidas.
Os fundos garantidores trazem o benefício de segregarem do Tesouro Oficial os bens e direitos dados em garantia e, assim, por serem disciplinados predominantemente pelo direito privado, qualquer hipótese de execução da garantia não restará submetida ao regime de impenhorabilidades e de precatórios (art. 100 da Constituição Federal).
26 Art. 167. São vedados: (...) IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo.
27 DAL XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx; XXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Xxxx; XXXXXX, Xxxxx Xxxx (Xxxxx.)Parcerias Público-Privadas: teoria geral e aplicação nos setores de infraestrutura. Belo Horizonte: Fórum, 2014.
28 Existe instabilidade acerca da constitucionalidade da constituição de garantias públicas no âmbito de PPPs, no entanto não há posicionamento firme o que, por sua vez, traz insegurança para o Poder Público, parceiro privado e demais envolvidos no projeto. “A inconstitucionalidade é sustentada em razão de vício formal, por usurpação de competência do legislador complementar para legislar sobre concessão de garantias e sobre a criação de fundo garantidor em esfera federal, fundado na previsão constante do artigo 163, III, da Constituição Federa; e vício material em ofensa ao art. 100 da Constituição Federal, por infração ao sistema de precatórios. E por ser considerada indevida a previsão de vinculação de receitas públicas, contrariando o artigo 167, III, da Constituição Federal.” (XXX XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx; XXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Buno; XXXXXX, Xxxxx Xxxx (Xxxxx.)Parcerias Público-Privadas: teoria geral e aplicação nos setores de infraestrutura. Belo Horizonte: Fórum, 2014).
Dentre as modalidades de garantias – ou instrumentos para estruturação da garantia29
- destacamos a constituição de fundos garantidores. Os fundos garantidores poderão ser constituídos por qualquer ente federativo, por meio de autorização legislativa, devendo ter natureza jurídica privada e patrimônio próprio distinto daquele de seus cotistas. A forma de constituição de garantias para projetos será estabelecida por meio do estatuto do fundo, havendo duas formas de integralizá-lo para prestação de garantias: bens (imóveis, dinheiro e outros) e fluxos financeiros (ações de estatais, créditos, dívida ativa, royalties etc.).
A despeito da pouca experiência com a efetiva utilização dos fundos garantidores em projetos de PPP – pela falta de regulamentação e procedimento para seu uso e de segurança institucional – há diversos exemplos de fundos garantidores constituídos no Brasil (ainda que não estejam sendo utilizados). A Arena Dunas, no Rio Grande do Norte, é um exemplo de empreendimento, na forma de concessão administrativa, que contou com garantia concedida pelo Fundo Garantidor de PPPs do Rio Grande do Norte (criado pela Lei Estadual 9.395/10 e alterada pela Lei Estadual n° 9.466/11) na forma de vinculação de receitas provenientes de royalties para exploração de petróleo e gás natural. Em sentido similar, a XXX xx Xxxxxxxx xx XX-000, xx Xxxxxx xx Xxxxxx, contou com normas paradigmáticas, resultando em uma das melhores estruturas garantidoras de que se tem notícia.
Especificamente para o PLAMUS, não há qualquer legislação de constituição de fundo garantidor, tanto no âmbito estadual quanto municipal. Consideramos essa uma lacuna que deve ser tratada com prioridade. Não há viabilidade de parcerias público-privadas sem um sólido e robusto sistema garantidor: na medida em que tais contratos implicam investimento privado (e não apenas serviços) pagável, amortizável ou depreciável ao longo de vários anos, perpassando diversas gestões, é indiscutível o cabimento de um mecanismo que assegure o fluxo de caixa do concessionário, permitindo-lhe a contratação de financiamentos de longo prazo. Essas providências aumentam a competitividade dos certames e reduzem o custo de capital do projeto, resultando em
29 DAL XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx; XXXXX, Xxxxxx; XXXXXXX, Buno; XXXXXX, Xxxxx Xxxx (Xxxxx.). Parcerias Público-Privadas: teoria geral e aplicação nos setores de infraestrutura. Belo Horizonte: Fórum, 2014.
modicidade tarifária e/ou menor valor de contraprestação pública, entre outros ganhos efetivos para economicidade da contratação.
Por fim, há de se mencionar a necessidade de que o parceiro privado vencedor da licitação constitua uma Sociedade de Propósito Específico – SPE, com o objetivo de implantar e gerir o objeto da PPP (art. 9º), a qual poderá se revestir da forma de uma sociedade anônima ou limitada. Dentre as vantagens da constituição de uma SPE estão:
(i) segregação dos riscos decorrentes da realização de outras atividades empresariais pelos controladores que poderiam contaminar a boa execução do contrato; (ii) a possibilidade de fiscalização e controle a serem exercidos pelo Poder Púbico em relação à execução do contrato ocorrerem de forma mais eficiente, já que, de antemão, se sabe que todas as receitas, despesas e atos de gestão praticados dizem respeito à implantação ou operação da PPP; e (iii) possibilidade de a própria sociedade, órgãos externos de controle e financiadores exercerem o controle social sobre os atos praticados pela SPE, já que ela está obrigada a adotar padrões de governança corporativa, contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas (art. 9º, § 3º).
1.2.3. Pilar 3: Prestação de Serviço Público de Transporte Coletivo nas Linhas Alimentadoras
Para as Linhas Alimentadoras entendemos que o modelo mais recomendável é a estrutura de concessão comum de serviço público, como mostrado no item 1.2.1.2.2. acima. As Linhas Alimentadoras exigem menores investimentos em infraestrutura e na própria prestação dos serviços, dado que muitas dessas linhas já existem e são operadas por concessionários ou permissionários. Entendemos que para as Linhas Alimentadoras, a própria tarifa cobrada dos usuários será suficiente para a remuneração pela prestação do serviço – ressalvadas as gratuidades e descontos legais, que deverão contar com subsídios na concreta hipótese de déficits tarifários.
1.2.4. Vantagens e Desvantagens dos Modelos Propostos
Foram apresentados nos itens acima modelos possíveis para contratação dos três pilares propostos para a solução do sistema de transporte coletivo de passageiros na RMF. Cada modelo apresenta vantagens e desvantagens que deverão ser considerados para a viabilização de projetos como o PLAMUS, especialmente para a implantação da
infraestrutura e operação do Sistema 2H. Pela análise dessas vantagens e desvantagens, que serão mais bem detalhadas a seguir, entendemos que o modelo mais adequado seria a adoção da concessão de obra pública, para a construção e operação da infraestrutura viária, e da concessão patrocinada com aporte público, para a prestação do serviço público de transporte coletivo.
1.2.4.1. Operação do Serviço de Transporte Coletivo no Sistema Troncal – Operador do Sistema Troncal
Tomando a operação do serviço público de transporte coletivo no Sistema Troncal como núcleo da estrutura ora proposta no âmbito do PLAMUS, as vantagens na utilização do modelo de concessão patrocinada, em contraposição à concessão comum de serviço público, envolve: (i) a possibilidade de divisão de riscos e ganhos entre o parceiro privado e o Poder Público; (ii) o pagamento de contraprestação pública; (iii) a possibilidade de outorga de garantias pelo Poder Público; e (iv) processo licitatório mais célere.
Em primeiro lugar, é clara a vantagem do modelo de concessão patrocinada frente ao da concessão comum, pela possibilidade de contraprestação pública. Essa contraprestação é justificada pela necessidade de elevados investimentos para a operacionalização do serviço que, caso contrário, não se viabilizaria apenas pela cobrança de tarifa como forma de remuneração. Essa estrutura é especialmente relevante em projetos complexos, como é o caso do Sistema 2H, que necessita de altos investimentos para custear a operação do serviço que, inclusive, remunerará a própria construção e operação da infraestrutura viária.
No modelo de concessão comum, em projetos com altos investimentos, como no caso em questão, a remuneração apenas por tarifa poderia comprometer a qualidade do serviço prestado, tanto por não ser suficiente para a manutenção do projeto, como pelo impacto significativo no valor cobrado dos usuários, prejudicando a modicidade tarifária. Assim, a concessão comum se justifica em projetos menos custosos onde é possível que o concessionário se remunere através da tarifa cobrada e arque exclusivamente com o risco da demanda, como no caso das Linhas Alimentadoras do Sistema 2H.
No caso específico da solução proposta no item 1.1, a utilização do modelo de concessão comum se mostra muito prejudicada, considerando a interdependência dos fluxos financeiros entre o operador da infraestrutura e o operador do Sistema Troncal. O modelo de concessão comum não funcionaria, pela necessidade de alto investimento na fase pré-operacional com a aquisição dos bens e equipamentos, como os ônibus que operarão no Sistema Troncal, e pela necessidade de pagamento de tarifa ao operador de infraestrurtura para a amortização dos investimentos de sua responsabilidade. Tal obrigação tornaria o risco de projeção de demanda, que tem impacto sobre fluxo financeiro do operador troncal extremamente alto, o que o levaria, uma vez sob regime de concessão comum, a cobrar tarifas provavelmente bastante significativas para remunerar-se. No caso de uma concessão patrocinada, o Poder Público estaria dividindo este risco por meio do pagamento da contraprestação, o que colabora tanto para a compra dos bens e a manutenção do valor da tarifa, como para garantia do pagamento do operador da infraestrutura.
Contudo, não obstante a vantagem da contraprestação pública da concessão patrocinada, o pagamento desta também implica na disponibilidade de recursos pelo Poder Público. A depender do valor, o Poder Público poderá ter problemas de caixa para o pagamento dessa contraprestação. Além disso, esta contraprestação será paga, conforme estabelece a Lei de PPPs, no momento de fruição do serviço, ou seja, após a fase pré-operacional. Portanto, o pagamento de contraprestação pública não exime o parceiro privado de buscar financiamentos para suportar a fase mais custosa do projeto.
Merece destaque especial, dentre as vantagens do modelo de concessão patrocinada, a repartição objetiva de riscos entre as partes, prevista como diretriz das PPPs (art. 4°, inciso VI) e como elemento essencial nos contratos (art. 5°, inciso III). Ao contrário dos demais modelos de contratação, a principal diferença no regime de PPP reside no compartilhamento de riscos entre parceiro privado e o parceiro público. Eis o motivo para pagamento da contraprestação pública.
Para os serviços de transporte coletivo, isso é de suma importância, pois dentre os riscos compartilhados estão as incertezas quanto à demanda real do transporte, ou seja, o número de potenciais passageiros que utilizaram os serviços prestados.
Na concessão comum, esse risco fica inteiramente com o concessionário que deverá remunerar-se exclusivamente por meio da tarifa cobrada pelo serviço prestado. Em casos de projetos complexos, o erro na estimativa da demanda poderá tornar a remuneração do concessionário impossível, impactando na qualidade da prestação dos serviços e, inclusive, na modicidade tarifária.
O modelo de concessão patrocinada, ao contrário, permite o compartilhamento do risco da demanda estimada. Assim, caso a demanda real fique abaixo dos números estimados contratualmente para a operação do serviço, o Poder Público assume parte relevante de tal risco, o que se traduz na fixação do valor a ser pago a título de contraprestação pública no período contratual. Caso a demanda supere certo percentual da demanda estimada, isso será compartilhado com o Poder Público, na forma de redução da contraprestação pública. Observe-se que tal mecanismo, ao reduzir o risco que o parceiro privado não consegue controlar, reforça a viabilidade econômica e a atratividade da concessão patrocinada e propicia, em última instância, propostas comerciais mais favoráveis ao Poder Público.
Outra vantagem considerável das PPPs é a possibilidade de garantias concedidas pelo Poder Público. Essa vantagem tem correlação direta com a contraprestação pública. Com essa possibilidade, o parceiro privado fica mais à vontade para participar de projetos complexos em que a viabilidade e lucratividade muitas vezes são duvidosas. Assim como a contraprestação pública, as garantias no âmbito das PPPs viabilizam os projetos fazendo com que o Poder Público divida o risco com o parceiro privado. Com efeito, esses dois instrumentos objetivam, em última instância, aumentar o número de interessados em projetos que envolvam muitos riscos, fazendo com que haja concorrência no processo licitatório para a busca da proposta mais favorável à Administração Pública e evitando a ausência de licitantes, como poderia ocorrer caso se optasse por um regime de concessão comum.
Com base nos argumentos acima expostos, fica claro que a concessão patrocinada é a alternativa mais adequada para a contratação da operação do sistema de transporte coletivo estrutural da região de Florianópolis.
Ainda, dentro do modelo de concessão patrocinada poderá optar-se pelo uso da figura do aporte público. No caso, em que pese as obras de infraestrutura viária do Sistema 2H
não serem objeto da delegação por PPP, não são menos relevantes os investimentos a cargo do operador dos serviços, notadamente os que se relacionam à compra e instalação dos bens reversíveis (plataformas de embarque e desembarque, sistema de bilhetagem, eventual centro de controle operacional com todo o aparato eletrotécnico, adaptações específicas nos ônibus articulados etc.). Assim, o aporte público apresenta vantagem no sentido em que permite ao Poder Público aportar recursos no projeto durante a fase pré-operacional, diminuindo o custo de capital da concessionária. No caso em questão, o aporte público na SPE do operador dos serviços de transporte sobre o Sistema Troncal poderia ser utilizado para a aquisição de todos os bens reversíveis inerentes à operação do serviço de transporte coletivo de passageiros, mediante a disponibilidade financeira do Poder Concedente.
Por fim, tendo em vista o entendimento de que o modelo mais adequado para a contratação do Sistema 2H é o de concessão patrocinada, certas alterações às leis do Estado de Santa Catarina serão necessárias. Conforme diagnóstico do Produto 6 – Diagnóstico do Modelo Institucional e Soluções Contratadas, Santa Catarina possui a Lei Estadual nº 12.930, de 4 de fevereiro de 2004 (“Lei Estadual de PPP”), que instituiu “o marco regulatório dos programas de parcerias público-privadas no âmbito do Estado de Santa Catarina”. Nota-se que esta é anterior à própria Lei de PPP - o que suscita questionamentos frente a sua constitucionalidade 30 - não estando alinhada com a respectiva terminologia e desconhecendo, inclusive, as próprias figuras da concessão administrativa e da concessão patrocinada. Assim, a legislação catarinense não abrange diversas inovações e boas práticas instituídas por meio da Lei de PPPs. Ademais, conforme já mencionado, não há qualquer regulação para um fundo garantidor de PPPs no Estado de Santa Catarina.
1.2.4.2. Operação do Sistema de Transporte do Sistema Troncal – Operador do Sistema Troncal
Adicionalmente aos argumentos para utilização da concessão patrocinada como modelo de contratação para a prestação do serviço de transporte no Sistema Troncal, vale traçar
30 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III.
uma comparação entre as vantagens e desvantagens dos modelos propostos para a construção e operação da infraestrutura viária. Como já mencionado, entendemos que o modelo de concessão de obra pública seria o mais recomendável para esse pilar da solução proposta pelos motivos que seguem.
A principal vantagem da contratação mediante concessão de obra pública reside na realização de apenas uma licitação para a contratação do agente responsável pela construção e operação da infraestrutura, por meio de serviços de manutenção, sinalização e segurança. Além disso, no caso da concessão de obra pública, não existe necessidade de realização de pagamento pelo Poder Público, uma vez que, nesse caso, o concessionário se remunerará exclusivamente por meio das tarifas cobradas pelo acesso à infraestrutura e eventuais receitas acessórias.
No caso da contratação bifaseada, a prestação dos serviços por meio de concessão comum será precedida da execução, que poderá ser por agente privado diverso daquele da empreitada de obra pública. A realização de duas fases licitatórias poderá onerar o Poder Público em se tratando de obras complexas. Não somente serão despendidos recursos públicos na licitação para elaboração do projeto básico, como também será necessário realizar outro processo para a contratação da obra por completo, além da futura contratação para a operação da infraestrutura viária. Na verdade, serão necessários até mesmo vários processos licitatórios, referentes, além da empreitada e da concessão comum, à elaboração do projeto básico (e eventualmente executivo) das obras de infraestrutura viária e de implantação dos terminais e à elaboração dos estudos ambientais, indispensáveis à obtenção das licenças para a execução dos empreendimentos. Tais objetos podem ser outorgados diretamente ao parceiro privado pelo regime das PPPs.
Fundamentalmente, a integração da implantação da infraestrutura e da operação e manutenção da mesma infraestrutura em um mesmo contrato representa notável mitigação para os chamados, na teoria da regulação, conflitos de agência: responsabilidades e escopos desintegrados resultam em vantagens comportamentais inadequadas para o interesse público, no sentido de que o agente encarregado pela obra nem sempre estará disposto a usar materiais que impliquem em menor custo de
manutenção ou adotar soluções que melhor atendam à tecnologia de exploração dos serviços associados àquela infraestrutura, e vice-versa.
Não seria diferente na contratação integrada pela Lei de RDC. Conforme explicado, a contratação integrada se mostra técnica e economicamente viável em casos em que caiba ao licitante tanto elaborar os projetos básicos e executivo e executar a obra, como operá-la e mantê-la. Essa estrutura, portanto, irá prever a licitação da obra por meio da contratação integrada do RDC, para depois conceder o serviço, seja em regime de concessão comum ou de PPP. Assim, haveria dispêndio de recursos públicos para a realização de dois procedimentos licitatórios, cabendo ao Poder Público ainda arcar com a obra.
Vale lembrar que, como já abordado, a contratação por meio do regime da concessão de obra pública traz incentivos positivos quanto aos investimentos realizados neste pilar da estrutura. Como o parceiro privado executará a obra e prestará o serviço, ele tem incentivo para realizar investimentos adequados para garantir a eficiente prestação do serviço, visando à lucratividade do projeto como um todo. Nos casos das contratações bifaseadas e das integradas mais simples, há a repartição do projeto em fase de execução da obra e prestação do serviço, muitas vezes a serem executados por licitantes distintos. Nesse caso, há, por exemplo, menos incentivos para que o agente que execute a obra faça altos investimentos, pois, como não irá operá-la, buscará sempre obter a maior rentabilidade da obra o que, normalmente, não é positivo para o projeto como um todo.
A repartição do projeto nessas duas fases também gera outras dificuldades. Uma delas é a dificuldade de estabelecer responsabilidades no âmbito dos contratos. No caso da contratação bifaseada, no contrato para execução da obra pública, por força da Lei n° 8.666/93, o Poder Público é o responsável por esta a partir do momento da sua entrega. Já na fase de concessão, o concessionário será o responsável pela infraestrutura e prestação do serviço. A divisão de responsabilidades entre os diversos agentes envolvidos dificulta, no caso de algum dano, a apuração do verdadeiro responsável. Além disso, dois contratos, um para execução da obra e outro para a prestação do serviço, envolvem a fiscalização em dobro pelos órgãos públicos de controle.
Por fim, há de se apontar que, como mencionado acima, o processo para contratação na modalidade de concessão de obra pública acaba sendo mais célere que nas contratações bifaseadas e integradas. No caso da contratação bifaseada é clara a delonga para a realização de contratações, uma vez serão realizadas três licitações: uma para contratação do projeto básico, outra para a contratação da obra e, por fim, outra para a contratação do prestador de serviço (sem contar aquela para a realização dos estudos ambientais aplicáveis). No caso das contratações integradas mais simples, por mais que a Lei de RDC vise à implantação de um processo licitatório mais célere, argumento também já abordado neste Relatório, o verdadeiro ganho de tempo é questionável, pois ainda que se possa fazer a contratação com base apenas no anteprojeto de engenharia, o projeto básico deverá ser elaborado de qualquer forma e realizada futura licitação para contratação do prestador de serviços. Nesse sentido, o processo licitatório na concessão de obra pública acaba sendo mais rápido, dado que é realizado apenas uma vez, contratando o executor da obra e operador da infraestrutura.
Tabela 2 – Vantagens e Desvantagens dos Modelos de Contratação
Alternativa | Vantagem | Desvantagem |
PPP Patrocinada Convencional | Possibilidade de pagamento de contraprestação pública; Repartição de riscos e ganhos entre parceiro público e parceiro privado; Possibilidade de garantias do Poder Público; Licitação do projeto, a obra e serviço juntos; Possibilidade de licitação com estudos com menos grau de detalhamento (elementos do projeto básico e diretrizes do licenciamento ambiental); Cronograma de investimentos mais previsível. | Contraprestação pública paga linearmente ao longo da concessão (até 35 anos) e somente após disponibilização do serviço; Necessidade de recursos para pagamento da contraprestação pública; Necessidade de obtenção de financiamento de longo prazo junto a instituições financeiras. |
PPP Patrocinada com Aporte Público | Possibilidade de pagamento de contraprestação pública; Repartição de riscos e ganhos entre parceiro público e parceiro privado; Possibilidade de garantias do Poder Público; Licitação do projeto, obra e serviço juntos; Possibilidade de licitação com estudos com menos grau de detalhamento (elementos do projeto básico e diretrizes de licenciamento ambiental); Maior vantagem econômica em relação à PPP Patrocinada Convencional, pois tem possibilidade de aporte de recursos na fase de aquisição de bens reversíveis; Cronograma de investimentos mais previsível. | Contraprestação pública paga linearmente ao longo da concessão (35 anos); Necessidade de recursos disponíveis para o aporte público e contraprestação pública; Necessidade de financiamento de curto prazo (2-3 anos). |
Contratação Bifaseada (obra pública seguida de concessão comum) | Forma de contratação mais conhecida pelo Poder Público; Em tese, menor custo financeiro para o Poder Público se houver disponibilidades orçamentárias (o que pode ser questionado, porém, dado o histórico de sobrecusto nas obras públicas no país). | Processo licitatório demorado (licitação de projeto básico, projeto executivo, obra pública e concessão de serviço público); Maiores custos para o Poder Público - necessidade de recursos disponíveis; Maiores riscos para o Poder Público; Dificuldades de responsabilização por danos e problemas no empreendimento; Necessidade de obtenção de financiamento de longo prazo junto a instituições financeiras. |
Contratação Integrada por meio do RDC | Processo licitatório mais célere (somente com anteprojeto de engenharia); Risco do desempenho do empreendimento alocado no contratado; Projeto e obra contratados em um único instrumento e uma única licitação; Período de comissionamento. | Maiores custos para o Poder Público (realização de mais de uma licitação – uma para a obra e outra para a operação do serviço - que poderá, eventualmente, ser uma PPP); Necessidade de obtenção de financiamento de longo prazo junto a instituições financeiras. |
Elaboração: PLAMUS
Seguem abaixo as figuras que representam a modelagem jurídico-institucional proposta:
Elaboração: PLAMUS
Figura 4 – Concessão de Obra Pública (Sistema Troncal e Terminais)
Elaboração: PLAMUS
Figura 5 – Concessão Patrocinada (PPP para Operação do Sistema Troncal)
Elaboração: PLAMUS
Figura 6 – Concessão de Serviço Público (Operação das Linhas Alimentadoras)
Elaboração: PLAMUS
Figura 7 – Garantia Pública: Constituição de Fundo Garantidor
Evidentemente, a modelagem jurídica da contratação, conforme proposta acima, não exclui alternativas emergentes dos processos de audiência pública e consulta pública
que deverão ocorrer em benefício da viabilidade contratual e da efetiva competição nas licitações que deverão ser processadas para a consecução dos resultados apresentados. Pode-se cogitar, exemplificativamente, de uma PPP, na modalidade concessão administrativa, para a construção, operação e manutenção da infraestrutura do Sistema Troncal, combinada com uma concessão comum da operação e manutenção dos serviços de transporte coletivo de passageiros que se fará sobre o Sistema Troncal. Para fins de modicidade tarifária, não se exclui, ademais, que a segunda outorga, exemplificativamente modelada como concessão comum, venha, em última análise, a ser configurada como uma segunda PPP, na modalidade concessão patrocinada. Os serviços inerentes às funções de bilhetagem e gestão financeira poderão integrar o primeiro contrato ou, ainda, serem outorgados por uma terceira modalidade contratual (eventualmente, outra PPP, na modalidade concessão administrativa).
1.3. Alternativas para Estruturação dos Projetos
Nessa parte do Relatório, objetiva-se apresentar alguns instrumentos que poderão ser utilizados após o PLAMUS, caso se opte por modelar as soluções para implantação do Sistema 2H indicadas na seção 1.1 e 1.2 acima.
1.3.1. Procedimento de Manifestação de Interesse e Manifestação de Interesse da Iniciativa Privada
A Manifestação de Interesse da Iniciativa Privada “MIP” e o Procedimento de Manifestação de Interesse “PMI” são denominações para procedimentos distintos que têm como objetivo o desenvolvimento de projetos de viabilidade de PPPs pela iniciativa privada.
A permissão para esse instituto adveio por meio do art. 21 da Lei de Concessões que determina:
“Art. 21. Os estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimentos já efetuados, vinculados à concessão, de utilidade para a licitação, realizados pelo poder concedente ou com a sua autorização, estarão à disposição dos interessados, devendo o vencedor da licitação ressarcir os dispêndios correspondentes, especificados no edital.”
Posteriormente, tal regra foi estendida para o caso das PPPs mediante o art. 3°, § 1° da Lei de PPPs. Além disso, o Decreto Federal n° 5.997, de 1 de dezembro de 2006, veio para regulamentar os PMIs em âmbito federal.
Enquanto XXX denomina uma atividade proativa de um agente privado que entrega à autoridade pública, de forma unilateral, estudos a respeito de um potencial projeto que pode ser desenvolvido na forma de uma PPP, PMI é a denominação dada a um procedimento bilateral, iniciado pelo poder público. No PMI, a autoridade publica um termo de referência a respeito de determinado projeto, o qual considera que poderá ser desenvolvido mediante uma PPP, solicitando que a iniciativa privada interessada lhe entregue estudos de viabilidade que auxiliarão o desenvolvimento do projeto pelo próprio Poder Público.
Mediante o PMI, o Poder Público – além de receber as relevantes contribuições da iniciativa privada a respeito de um objeto sobre o qual esta é a detentora de mais informações – também consegue testar a disposição da iniciativa privada para aquele projeto, verificando se a sua conclusão a respeito da pré-viabilidade daquela PPP realmente é confirmda pelos agentes do mercado no qual ela se insere.
Nesse sentido, o PMI e o MIP, quando regulados previamente, são mecanismos de institucionalização do relacionamento entre a iniciativa privada interessada em participar do projeto de PPP e o Poder Público responsável. Além disso, a entrega dos estudos é mecanismo de redução de assimetria informacional entre essas partes.
Via de regra, o termo de referência do PMI publicado pela autoridade pública estabelece os requisitos de cadastramento para elaboração dos estudos, o conteúdo esperado, as diretrizes técnicas para essa elaboração e o valor de remuneração (bem como a forma de apurar a contribuição dos diferentes projetos entregues).
Um diferencial do PMI em relação ao desenvolvimento dos estudos pelo próprio órgão público (ou por consultorias contratadas) é que estes serão remunerados, na forma estabelecida no termo de referência, pelo licitante vencedor da eventual licitação resultante, na medida do aproveitamento dos estudos quando da consolidação da modelagem. Na perspectiva do órgão público, tem-se uma transferência de parte dos custos de elaboração dos estudos à iniciativa privada.
Recebidos os estudos mediante PMI, cabe à autoridade pública analisá-los criticamente e consolidar a modelagem do projeto, na hipótese de julgar que o projeto é viável.
Se por um lado o PMI permite transferir o custeio dos estudos de viabilidade de uma PPP ao setor privado, sem nenhuma garantia de que o autor será ressarcido, já que a obrigação de ressarcimento caberá ao eventual adjudicatário da licitação, se vier a ocorrer, por outro lado proporciona uma oportunidade de diálogo institucional entre o público e o privado, quanto às condições comerciais efetivas do empreendimento e o real interesse que suscita no mercado.
Diferentes entes federativos regularam de diversas formas esses mecanismos. Como exposto no Produto 6, no caso do Estado de Santa Catarina, o Decreto nº 962, de 8 de maio de 2012, que disciplinou a aplicação do disposto nos art. 21 da Lei de Concessões é bastante avançado e adequado. Tal decreto tratou do chamado Procedimento de Manifestação de Interesse – PMI e da Manifestação de Interesse da Iniciativa Privada – MIP no âmbito do Programa de PPP do Estado de Santa Catarina. Assim, ao contrário do caso da Lei de PPP de Santa Catarina, atualmente inadequada em relação à legislação federal, o estado possui uma estrutura legal adequada no caso de PMI e MIP.
Vale mencionar que o Estado de Santa Catarina já conduziu dois PMI para projetos de mobilidade urbana: um relativo a transporte aquaviário, outro concernente a transporte sobre trilhos. Esses processos ainda estão sendo analisados pelos órgãos responsáveis por sua inserção no Programa de PPP do Estado de Santa Catarina.
Assim, caso o PLAMUS venha a ser implementado para a RMF, o PMI e a MIP são importantes instrumentos para conferir viabilidade e celeridade às contratações de PPP por parte do Estado de Santa Catarina. Por meio desses instrumentos, é possível que particulares elaborem os projetos para a viabilidade do sistema, além de dar noção ao Poder Público dos interessados em sua implantação. A modelagem do Sistema 2H poderá, portanto, ser realizada por tais instrumentos, sem que o Governo de Santa Catarina tenha que gastar recursos com a elaboração de tais projetos ou contratação de consultorias/empresas. Por fim, como é possível que o particular que elaborou o estudo seja contratado para a execução e implantação do projeto, pode-se verificar o interesse da iniciativa privada na licitação do contrato de PPP.
1.3.2. Estruturadora Brasileira de Projetos
Além de o PMI ou MIP permitirem o envolvimento de agentes privados, ele poderá igualmente poderá resultar no engajamento da Estruturadora Brasileira de Projetos - “EBP”, empresa criada especificamente para a elaboração dos estudos para a viabilização de projetos de infraestrutura para o Poder Público.
A EBP foi fundada em 2008, na forma de uma sociedade anônima de capital fechado, composta por bancos públicos e privados. Tem como objetivo ajudar e apoiar o Poder Público a estruturar projetos que possuam um relevante interesse público. Neste sentido, encabeça e participa de investigações e estudos para a análise de viabilidade de estruturações de concessões e PPPs que sejam licitadas pelo Poder Público.
No processo para a elaboração dos estudos, incumbe à EBP identificar quais os projetos promissores e atrativos para o setor privado, mas que também atendam ao interesse público. A fim de que ocorra a contratação dos estudos técnicos acerca do projeto a ser estudado, é necessária a aprovação deste pelo conselho de administração da EBP. No entanto, antes desta aprovação, ocorre um o levantamento de informações públicas voltadas à análise do projeto em questão, tais como: (i) seu conteúdo; (ii) sua forma de estruturação; e (iii) quem serão os envolvidos no mesmo.
Em seguida, é elaborado relatório preliminar acerca dos projetos que atendam ao interesse público e privado. Esse relatório contém a descrição de suas dimensões técnicas, financeiras e jurídico-regulatórias, orientando a deliberação do Conselho de Administração no que diz respeito à possibilidade do apoio da EBP. Após a aprovação, são contratadas as consultorias especializadas.
Em um segundo momento, e, terminada a fase de procedimentos internos, deve-se obter autorização do ente público, meio pelo qual este irá demonstrar seu interesse na realização dos estudos. A partir desse momento é que a EBP passa a assumir os riscos inerentes à elaboração destes estudos, independentemente de sua utilização em possível licitação.
Em seguida, a EBP dá seguimento aos estudos, conjuntamente com as equipes técnicas por ela contratadas, visando atender ambos os interesses públicos e privados. Paralelamente, a EBP dá suporte ao Poder Público em todas as etapas da licitação, seja a respeito de aspectos jurídicos, como regulatórios.
Vale ressaltar que sua participação em licitações que utilizam estudos produzidos por ela própria é vedada pelo seu estatuto social. Na mesma linha, os terceiros contratados pela EBP para elaborar os estudos também não poderão participar de licitações que utilizem estudos realizados pelos mesmos.
Além disso, destaca-se a forma de ressarcimento da EBP. Esta ocorre, tão somente no caso de seus estudos serem utilizados na licitação e um dos participantes ser o vencedor, cabendo a este ressarcir a EBP no valor previsto no edital, similar ao que ocorre na PMI/MIP. Assim, a EBP assume o risco da elaboração dos estudos para si, sendo somente ressarcida se estes realmente vierem a ser utilizados pelo Poder Público.
A EBP já participou de diversos estudos, muitos dos quais foram licitados, conforme se verifica na tabela abaixo:
Tabela 3 – Projetos da EBP
Projetos | |||
Nome do Projeto | Status | Parceiro Público | |
Aeroportos | Aeroporto Brasília – Brasília/DF | Contrato assinado | Os projetos foram desenvolvidos para a Secretaria de Aviação Civil (SAC) e Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) |
Aeroporto Confins – Belo Horizonte/MG | Contrato assinado | ||
Aeroporto Cumbica – Guarulhos/SP | Contrato assinado | ||
Aeroporto Galeão – Rio de Janeiro/RJ | Contrato assinado | ||
Aeroporto Viracopos – Campinas/SP | Contrato assinado | ||
Portos | Foram desenvolvidos estudos para arrendamentos localizados nos seguintes portos: Antonina - PR, Aratu - BA, Belém - PA, Cabedelo - PB, Fortaleza - CE, Imbituba - SC, Itaguaí RJ, Itajaí - SC, Itaqui MA, Maceió - AL, Manaus - AM, Niterói - RJ, Paranaguá - PR, Porto Alegre - RS, Recife - PE, Rio de Janeiro - RJ, Rio Grande - RS, Salvador - BA, Santana - AP, Santarém - PA, Santos - SP, Xxx Xxxxxxxxx xx Xxx - XX, Xxx Xxxxxxxxx - XX, Suape - PE, | (informação não disponível) | Os projetos foram desenvolvidos para o Governo Federal - Secretaria Especial de Portos (SEP), Agência Nacional Transportes Aquaviários (ANTAQ) |
Vila do Conde - PA, Vitória - ES | |||
Xxxxxxxx | Contrato assinado | O Projeto foi desenvolvido para o Ministério do Transportes (MT) e para a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) | |
Contrato assinado | |||
(informação não disponível) | |||
Xxxxxxxx assinado | |||
Contrato assinado | |||
Xxxxxxxx xxxxxxxx | |||
Xxxxxxxx xxxxxxxx | |||
Aguardando assinatura do contrato | |||
(informação não disponível) | |||
(informação não disponível –) | |||
Infraestrutura Urbana | Circuito das Compras – São Paulo/SP | Adjudicado, aguardando assinatura do contrato | O projeto foi desenvolvido para a Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo do Município de São Paulo. |
Estádio Mineirão – Belo Horizonte/MG | Contrato assinado | O projeto foi desenvolvido para o Governo do Estado de Minas Gerais. | |
Mobilidade Urbana | Estacionamentos Subterrâneos – Belo Horizonte/MG | (informação não disponível) | O Projeto foi desenvolvido para a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e Secretaria Municipal de Desenvolvimento (SMDE) |
Estacionamentos Subterrâneos – São Paulo/SP | Edital Suspenso | O projeto foi desenvolvido para a Secretaria de Transportes do Município de São Paulo | |
Estações de Pampulha e São José – Belo Horizonte/MG | Encerramento prévio | O Projeto foi desenvolvido para a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSU) e Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte S/A (BHTRANS). | |
Novo Terminal Rodoviário – Belo Horizonte/MG | Contrato assinado | O Projeto foi desenvolvido para a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSU) e Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte S/A (BHTRANS). | |
Saneamento Básico | Contrato assinado | O Projeto foi desenvolvido para o Governo Municipal do Rio de Janeiro. | |
Contrato assinado | O Projeto foi desenvolvido para o Governo do Estado do Espírito Santo e a Companhia |
Espírito Santense de Saneamento (CESAN) | |||
Contrato assinado | O Projeto foi desenvolvido para o Governo do Estado de Minas Gerais e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) | ||
Encerramento prévio | O projeto foi desenvolvido para o grupo gestor formado pela Assessoria de Projetos Especiais da Prefeitura e Urbanizadora Municipal - URBAM, empresa pública municipal de São José dos Campos responsável pela gestão integrada de resíduos sólidos da cidade. | ||
Infraestrutura Social | Hospital Metropolitano – Belo Horizonte/MG | Contrato assinado | O Projeto foi desenvolvido para a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. |
Elaboração: PLAMUS
1.3.3. Ministério das Cidades
É importante mencionar o papel do Ministério das Cidades em projetos para implantação de infraestrutura relacionada com mobilidade urbana. O Ministério, por meio da Secretaria de Nacional de Transporte e Mobilidade Urbana – “SEMOB”, possui diversos programas e ações que visam promover e incentivar o desenvolvimento de projetos relacionados à mobilidade urbana.
Ao contrário dos institutos da PMI/MIP e da Estruturadora Brasileira de Projetos, o Ministério das Cidades e a SEMOB não desenvolvem projetos propriamente, mas possuem programas que visam financiar a elaboração desses projetos. Assim, o projeto elaborado para possível implantação do Sistema 2H, poderá contar com os recursos desses programas para sua elaboração.
Dentre eles destaca-se o Programa 2048 - Mobilidade Urbana e Trânsito. Nesse programa, encontram-se diversas ações que visam atender a diferentes temas relacionados com mobilidade urbana, como transporte coletivo de passageiros integrado, circulação de veículos não motorizados, acessibilidade para pessoas com restrições de mobilidade, etc.
Para o propósito do Sistema 2H, existe a ação de apoio à elaboração de projetos de sistemas integrados de transporte coletivo urbano. Esta ação contempla o custeio para a elaboração de projetos completos de transporte público, abrangendo sua integração com todos os modos possíveis – bicicletas, táxis, ônibus, trens, metrôs, barcas – bem como a infraestrutura necessária – terminais, estações de transferência, pontos de parada, corredores exclusivos, calçadas e ciclovias.31 Conforme estabelece o manual de acesso aos recursos32, poderão pleitear os recursos o Chefe do Poder Executivo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ou seu representante legal, bem como o representante legal de Consórcio Público, devendo as propostas demandadas pelos proponentes estaduais ter prévia anuência dos municípios a serem beneficiados. Além disso, estabelece que os municípios com mais de vinte mil habitantes, e todos aqueles obrigados pelo art. 41 da Lei n° 10.257, de 2001, a terem Plano Diretor, apenas terão acesso aos recursos do Programa 2048 – Mobilidade Urbana e Trânsito, caso possuam Plano de Mobilidade Urbana, observado prazo de tolerância conferido pelo § 4° do art. 24 da LNMU.
1.4. Política e Regulação Tarifária
Os serviços públicos, devem, por força constitucional, serem prestados pelo Poder Público ou por agente privado por meio das modalidades de concessão, permissão ou autorização. Assim, tem-se que as modalidades de concessão comum e PPPs são as principais a serem utilizadas ao se tratar de projetos de infraestrutura complexos. Como contrapartida dos altos investimentos realizados, tais formas de contratação pressupõem um mecanismo de remuneração que, a depender de sua modalidade, pode ser mais ou menos complexo. Não obstante, como figura central de remuneração nas concessões está a tarifa.
A tarifa, de forma genérica, é a remuneração paga pelos usuários de um serviço público ao concessionário como forma de contraprestação dos investimentos para a oferta do serviço ao público. Cabe aqui mencionar que a cobrança de tarifa tem sentido ao se falar de serviços públicos singulares (“uti singuli”), ou seja, aqueles em que é possível a
31 xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxx.xxx/xxxxxxxxx/000-xxxxxxxxxx.xxxx
32xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxx/XxxxxxxxXxxxxxx/XXX/Xxxxxxx-Xxxxx-
Especificas/MobilidadeUrbanaTransito/sistematicafinalout2014.pdf
mensuração da utilização individual do serviço, como são os casos dos serviços de energia elétrica, transporte coletivo, telecomunicações, dentre outros.
Assim, a tarifa é devida ao agente privado quando verificada a efetiva utilização do serviço público. “É a contrapartida à prestação do serviço que integra a relação jurídica contratual entre usuário e prestador. Se o usuário faz uso do serviço ou de certa infraestrutura, se lhe impõe o dever de pagar o preço correspondente, sendo esse a tarifa devida como contrapartida.”33
A tarifa não aborda somente relação entre concessionário e usuário do serviço público. Sendo os serviços públicos competência do Poder Público e elemento essencial para a coletividade, os concessionários não podem prestá-los como bem entenderem, ao contrário, devendo submeter-se a princípios de adequabilidade estabelecidos e fiscalizados pelo Poder Público. O serviço público adequado é, portanto, aquele prestado satisfazendo condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na prestação e modicidade das tarifas (art. 6°, § 1°, Lei de Concessões). O serviço público deve ser acessível à coletividade e, como não poderia deixar de ser tendo em vista a relação da política tarifária com a disponibilização desses à coletividade, deve também ser fortemente regulado pelo Poder Público, respaldado na própria Constituição Federal ao tratar a política tarifária como elemento fundamental nas concessões de serviço público (art. 175, § único, inciso III, Constituição Federal).
Contudo, apesar da forte regulação ao se tratar de política tarifária, esta é essencialmente matéria contratual que, conforme preceitua a Lei de Concessões, deve ser estabelecida por meio da proposta de preço vencedora na licitação e, quando não dessa forma, por via contratual. O mesmo diploma também deixa clara a necessidade de prever nos contratos de concessão de serviço público, como forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro destes, mecanismos e critérios de revisão e reajuste tarifário aplicáveis aos projetos, considerando-se sempre a natureza e complexidade do serviço prestado e do próprio projeto.
Portanto, como afirma GUIMARÃES (2012),
“A tarifa deve ser compreendida no entrecruzamento de três relações jurídicas coordenadas: a que se estabelece entre usuário (e não usuários) e o poder concedente, quando da concepção e idealização do serviço público e de sua tarifação; a que se trava entre o concessionário e o poder concedente, delimitando-se e caracterizando-se no caso concreto a execução do serviço e as tarifas praticáveis, ligando-se estas à remuneração adequada ao custeio da prestação suportada pelo concessionário; e aquela que se realiza entre concessionário e usuário, assumindo a tarifa, aqui, o papel de contraprestação arcada pelo usuário como contrapartida à prestação do serviço pelo concessionário.”34
1.4.1. Política Tarifária e o Serviço de Transporte Coletivo
Quando se trata de transporte coletivo especificamente, a tarifa desempenha papel central na prestação do serviço, dada a importância que tem a política tarifária no âmbito da LNMU. O diploma, em seu art. 8°, coloca as principais diretrizes que orientam a política tarifária para a prestação de serviços de transporte coletivo:
Art. 8° A política tarifária do serviço de transporte público coletivo é orientada pelas seguintes diretrizes:
I - promoção da equidade no acesso aos serviços;
II - melhoria da eficiência e da eficácia na prestação dos serviços;
III - ser instrumento da política de ocupação equilibrada da cidade de acordo com o plano diretor municipal, regional e metropolitano;
IV - contribuição dos beneficiários diretos e indiretos para custeio da operação dos serviços;
V - simplicidade na compreensão, transparência da estrutura tarifária para o usuário e publicidade do processo de revisão;
VI - modicidade da tarifa para o usuário;
VII - integração física, tarifária e operacional dos diferentes modos e das redes de transporte público e privado nas cidades;
VIII - articulação interinstitucional dos órgãos gestores dos entes federativos por meio de consórcios públicos; e
IX - estabelecimento e publicidade de parâmetros de qualidade e quantidade na prestação dos serviços de transporte público coletivo.
Ainda estabelece a LNMU que a tarifa de remuneração da prestação de serviço de transporte público coletivo deverá ser resultante do processo licitatório de outorga do Poder Público. Em outras palavras, a tarifa de remuneração do concessionário resultará de proposta realizada no âmbito da licitação, sendo a menor tarifa apresentada, a que será considerada vencedora para a prestação do serviço.
O diploma distingue duas formas de tarifa: a tarifa de remuneração e a tarifa pública. A tarifa de remuneração traduz-se na tarifa cobrada pelo real custo da oferta do serviço, sendo a soma da tarifa pública e das receitas oriundas de outras formas de custeio (art. 9°, § 1°). Já a tarifa pública é aquela efetivamente cobrada do usuário pelo uso do serviço de transporte coletivo (art. 9°, § 2°). Em outras palavras, a tarifa de remuneração é aquela que realmente remunera o concessionário pela infraestrutura e disponibilização do serviço, sendo o preço pelo efetivo custeio da obra e prestação do serviço de transporte. Já a tarifa pública é o preço cobrado do usuário pelo transporte, que, em observância ao princípio da modicidade tarifária e acesso universal ao serviço, muitas vezes não pode ser cobrado no valor que remunera efetivamente o concessionário e, portanto, acaba tendo valor inferior.
Nos termos da LNMU, denomina-se déficit ou subsídio tarifário (art. 9°, § 3°) quando ocorre uma diferença a menor entre o valor da tarifa de remuneração e da tarifa pública cobrada do usuário. Em outras palavras, o Poder Público poderá optar por estabelecer, quando da outorga, um preço de tarifa menor do que aquele que remunera o concessionário, de forma a não onerar o usuário final, concedendo, para suprir a falta de receita do prestador de serviços, subsídios. Nesses casos, o déficit originado deverá ser coberto por receitas extratarifárias, receitas alternativas, subsídios orçamentários, subsídios cruzados intrassetoriais e intersetoriais provenientes de outras categorias de beneficiários dos serviços de transporte, dentre outras fontes, instituídos pelo Poder Público (art. 9°, § 5°). Ademais, vale ressaltar que qualquer subsídio tarifário deverá ser definido em contrato, com base em critérios transparentes e objetivos de produtividade e eficiência, especificando, minimamente, o objetivo, a fonte, a periodicidade e o beneficiário (art. 10, § único).
No caso oposto, caso haja superávit tarifário, ou seja, a diferença entre a tarifa de remuneração e a tarifa pública sendo positiva, estabelece a LNMU que a receita deverá ser revertida para o próprio Sistema de Mobilidade Urbana (art. 9°, § 6°).
Ainda, especialmente aplicável no caso de projetos que envolvem uma rede de mobilidade urbana composta de diversos modos e redes de transporte, há a possibilidade de instituição de uma tarifa de integração. A LNMU, inclusive, incentiva como diretriz das políticas tarifárias relacionadas ao transporte coletivo de passageiros a promoção de integração física, tarifária e operacional dos diferentes modos e redes de transporte (art. 8°, inciso VII).
A tarifa de integração, com fins de garantir o acesso ao serviço de transporte coletivo e a modicidade tarifária, visa permitir a cobrança de um preço único do usuário pelo uso de diferentes redes e modos de transporte, consequentemente inferior ao preço individual cobrado por trecho em cada rede e/ou modo de transporte.
Vale aqui mencionar, como exemplo da aplicação de políticas tarifárias que estipulem uma tarifa de integração, o Bilhete Único. São Paulo foi pioneiro em 2004, durante o governo de Xxxxx Xxxxxxx e por meio da São Paulo Transporte S.A. – SPTrans, a criar um Bilhete Único. Inicialmente, este foi planejado para compreender apenas o transporte de ônibus na cidade, permitindo, por meio do pagamento de apenas uma tarifa, múltiplas viagens em um período de tempo. Com o tempo, e após as mudanças instituídas em 2005 durante o governo Xxxxx, o Bilhete Único passou a compreender também o transporte de metrô e trem. Atualmente o cartão consiste em um sistema que unifica o acesso aos diferentes meios de transporte por meio da cobrança de apenas uma tarifa, mais barata, por viagens realizadas sequencialmente em um período determinado de tempo. Ou seja, o usuário que necessita utilizar metrô e ônibus para chegar a seu destino final poderá fazê-lo utilizando o Bilhete Único, pagando apenas um preço pela viagem nos dois trechos ao invés de duas tarifas. O Bilhete Único passou a funcionar como um “guarda chuva tarifário” que permite, no caso de São Paulo, pagar, por vezes, preço 50% inferior ao preço cobrado individualmente por modo de transporte. Apesar de diversas alterações na sua composição e nos aspectos de integração do Bilhete Único em São Paulo, e não obstante os problemas referentes à
gestão do sistema, pode-se dizer que este contribuiu significantemente para o aumento do uso de transporte público na cidade, especialmente do metrô.
A tarifa de integração, portanto, visa englobar toda a rede de transporte de um município, tornando-o acessível e benéfico aos usuários o que, por sua vez, promove a própria utilização do transporte público e desoneração do sistema viário da cidade. O sistema de Bilhete Único, inclusive, foi adotado em diversas cidades no Brasil – com suas especificidades – como São Paulo e Rio de Janeiro.
Outro aspecto que ganha destaque no tema de mobilidade urbana, tendo especial impacto na integração e política tarifária, é a implantação de uma câmara de compensação tarifária.
Os planos de mobilidade urbana, conforme definidos na LNMU, envolvem a integração e gerenciamento de toda a mobilidade de um município, especialmente quando se trata de transporte coletivo de passageiros. A depender da dimensão, a integração de toda a rede de transporte é complexa, uma vez que é composta por diversas linhas e meios de transporte que pertencem a concessionários e permissionários diversos. Esse cenário é marcado por linhas com características distintas e preços tarifários díspares que influenciam diretamente na rentabilidade dessas empresas. Assim, linhas com rentabilidade alta apresentam superávit (custo < tarifa), podendo prestar um serviço com mais qualidade e eficiência do que as linhas deficitárias (custo > tarifa).
Em relação ao objetivo dos planos de mobilidade de criar uma rede integrada de transportes, a câmara de compensação tarifária realiza papel relevante na gestão dos recursos tarifários entre as diferentes empresas prestadoras do serviço. Tal câmara teria, portanto, o objetivo de pagar os diferentes concessionários pelos serviços efetivamente realizados, desvinculando a remuneração destes do pagamento da tarifa pública, que, em muitos casos, é a única forma de receita pelos serviços prestados. Isso ocorreria por meio da arrecadação centralizada das tarifas na câmara de compensação, apuração do custo de todo o sistema operacional e remuneração posterior das empresas por meio da distribuição desse valor de acordo com o custo operacional real de cada linha/meio. Por meio desse sistema, é possível que a arrecadação a maior das linhas consideradas superavitárias seja redistribuída para as linhas deficitárias, de forma que o sistema seja beneficiado com uma maior eficiência e qualidade nos serviços como
um todo. A centralização da arrecadação também traz benefícios ao se tratar de receitas extra-tarifárias, como a das mídias veiculadas nos veículos. Estas podem estar também centralizadas nas câmaras de compensação tarifária, sendo utilizadas para reinvestimento na rede de transportes e na modicidade tarifária.
No Brasil existem diversas experiências com a implantação de câmaras de compensação tarifária. Como exemplo, destacamos a Câmara de Compensação Tarifária de Belo Horizonte (“CCT BH”) e a Câmara de Compensação Tarifária de Recife (“CCT Recife”).
A CCT BH foi criada pela Metrobel em 1982 e funcionava, em um primeiro momento, da seguinte forma: os pagamentos das tarifas eram centralizados e divididos de acordo com os custos operacionais do sistema, ou seja, de acordo com a rentabilidade de cada linha de ônibus. Assim, as companhias que operavam as linhas com maior rentabilidade devolviam para a CCT BH o valor excedente que permitia complementar o pagamento das companhias cujas receitas de tarifas não cobriam todos os custos.
No entanto, em 2003, o critério de remuneração mudou, uma vez que as operadoras passaram a ter ganhos de produtividade. Nesse novo modelo, o passageiro passou a ser tido como meta para a remuneração das linhas em operação, ou seja, seria utilizado como critério a quantidade de passageiros que utilizariam determinada linha, não mais a quantidade de quilômetros rodados por cada uma. Assim, a conta feita era a seguinte: dividia-se o custo de cada linha por sua quantidade de passageiros estimada, obtendo- se então o custo estimado por passageiro. Diante disso, quando o custo da linha superava o resultado da conta, a própria operadora retinha a diferença; quando ocorria o oposto, a diferença era utilizada para amortização do déficit da CCT BH. Logo, as linhas de maior rentabilidade cobriam os custos das de menor rentabilidade.
Essa iniciativa culminou na promulgação da Lei n° 9.314, de 12 de janeiro de 2007, que, em seu artigo 1°35, possibilitou a negociação do débito proveniente da CCT BH.
35 “Art. 1. Fica o Executivo, por meio da Administração Direta e da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte S.A. - BHTRANS, autorizado a confessar e negociar o débito proveniente da Câmara de Compensação Tarifária em face dos contratos para a subconcessão da operação de transporte coletivo de passageiros por ônibus no Município de Belo Horizonte, objeto do Edital de Concorrência nº 003/97, firmados com as Subconcessionárias de transporte público de passageiros de Belo Horizonte.”
Ademais, foi concedida a interrupção de novos déficits até o final do contrato de subconcessão, em 14 de novembro de 2008.36
Com o advento de novo contrato, dessa vez de concessão, datado de 15 de novembro de 2008, a CCT BH foi extinta e, com isso, adveio novo modelo, que foi regulamentado por meio do Decreto nº 13.384, de 12 de novembro de 2008.
Já a CCT Recife foi instituída em 01 de outubro de 1985, por meio da Resolução n° 011/85 da EMTU/Recife. Com a aprovação da equipe técnica da EMTU/Recife, em maio de 1986, esta passou a exercer efetivamente a gerência do sistema de transporte, gerência esta que é feita até o presente momento pela Grande Recife Consórcio de Transporte, antiga EMTU.37
A CCT de Recife possui objetivos similares aos da CCT BH à época de sua criação, uma vez que ambas tinham como ideia central manter um nível de serviço e rentabilidade uniformes às empresas operadoras do sistema. Assim, por meio da CCT Recife, as empresas de ônibus dividem entre si o lucro obtido, tendo como base a quantidade de quilômetros rodados em cada linha. Diferentemente do que ocorreu com a CCT BH, em 2003, a CCT Recife acabou por desconsiderar o número de passageiros transportados, considerando, tão somente, os quilômetros rodados em cada linha.
De forma similar às experiências apresentadas, Florianópolis já possui uma câmara de compensação tarifária para o transporte coletivo de passageiros. A Câmara de Compensação Tarifária de Florianópolis (“CCT Florianópolis”) foi instituída pelo Decreto Municipal n° 3.944, de 09 de fevereiro de 2006 (“Decreto n° 3.944/06”), alterada pelo Decreto Municipal n° 4.449, de 23 de outubro de 2006, para regulamentar o art. 36 da Lei Complementar Municipal n° 34, de 26 de fevereiro de 1999, que dispõe sobre o sistema de transporte coletivo de passageiros.
A CCT Florianópolis é composta obrigatoriamente por todos os permissionários do Sistema Regular de Transporte de Passageiros e é gerada e operacionalizada pelo Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros da Grande Florianópolis –
36Informação obtida do site da BHTrans: xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxx/xxxxxx/xxxxxxxxxxxxx/Xxxxx/Xxxxxx/xxxxxx-xxxxxxxxxx- onibus-historico-2013
37 Informação obtida por meio de contato telefônico com a Grande Recife Consórcio de Transporte.
“SETUF”. Como objetivos da CCT Florianópolis, o Decreto n° 3.994/06 estabelece (i) garantia da correta distribuição, às operadoras do Serviço Regular do Sistema de Transporte Público de Passageiros, dos recursos provenientes da receita tarifária; (ii) promoção de um sistema de compensações financeiras entre as operadores do Serviço Regular, para reduzir desequilíbrios entre receitas e custos operacionais, decorrente da política tarifária adotada; e (iii) cooperação com o estabelecimento de política tarifária que contemple o interesse social e o poder aquisitivo da população (art. 2°).
Para a remuneração das empresas prestadoras de serviços de transporte, caberá ao SETUF a elaboração dos cálculos dos valores a serem repassados a cada operadora em conta específica. O cálculo será realizado com base nas seguintes informações encaminhadas semanalmente ao SETUF, considerando a arrecadação dos últimos sete dias de operação (art. 7°):
I - demanda equivalente por região tarifária e por operadora (passageiros/semana);
II - quilometragem percorrida por região tarifária e por operadora (km/semana), incluindo a quilometragem improdutiva;
III - Valor da tarifa em vigor, por região tarifária (R$/passageiros);
IV - Valor do custo por quilômetro em vigor no mês, por região tarifária (R$/km).
Vale ainda destacar que o Decreto n° 3.994/06 estabelece que as receitas consideradas pela venda antecipada serão consideradas no cálculo da CCT Florianópolis, somente no momento de sua efetiva utilização pelos usuários (art. 12, § único), e que as receitas de catraca - valores arrecadados através das tarifas pagas em moeda corrente pelos usuários no ato da utilização dos serviços - será considerada pela CCT Florianópolis como antecipação de receitas e, portanto, serão descontadas dos valores a serem distribuídos pela CCT Florianópolis (art. 13).
Tendo em vista o PLAMUS tratar de um sistema de transporte em âmbito metropolitano, ou seja, abrangendo a rede de diversas cidades, a instituição de uma câmara de compensação tarifária se mostra de extrema relevância. Conforme demonstrado no Produto 9.2, há grande desintegração e disparidade nas diversas linhas que constituem a rede de transporte da RMF e, portanto, uma câmara de compensação tarifária seria
benéfica para centralizar a gestão, garantindo uma política tarifária robusta, uma distribuição dos recursos no sistema de transporte mais eficiente e uma maior fiscalização sobre adequada prestação do serviço de transporte na RMF. Também será fundamental para o controle da política de subsídios, garantindo maior acessibilidade e modicidade tarifária. Tendo em vista a competência municipal para a implantação de suas linhas e o aparato normativo de cada município, a falta de centralização da arrecadação tarifária poderá, com o tempo, comprometer a rentabilidade de certas linhas, a qualidade do serviço e, inclusive, como consequência, o valor das tarifas cobradas. Assim, como instrumento de controle da qualidade do serviço e promoção da integração físico-tarifária na RMF, entendemos ser crucial a constituição de uma câmara de compensação tarifária que, nos moldes da CCT de Florianópolis, atenda e fiscalize toda a arrecadação e distribuição na rede de transporte coletivo na RMF. Nos termos das Figuras 4, 5 e 6 acima, referentes aos modelos jurídico-institucionais, a câmara de compensação tarifária seria representada pela conta vinculada, onde seriam arrecadadas as tarifas dos usuários a serem posteriormente distribuídas no sistema de transporte coletivo de passageiros, conforme necessidade de cada pilar.
1.5. Poder Concedente
Como proposto no Relatório 15, a Suderf, em nossa opinião, é a entidade atualmente existente no âmbito da RMF que melhor atenderia às necessidades inerentes à posição contratual de Poder Concedente em todos os contratos referentes aos pilares 1, 2 e 3 apresentados acima. Para a pormenorização das razões, remetemo-nos ao quanto discutido naquele produto.
2. Transporte de Cargas
Ao se referir às questões de mobilidade urbana, é notória a relevância do transporte coletivo de passageiros, sendo, na maioria das vezes, o núcleo das discussões do tema. No entanto, não menos importante é o transporte de cargas que também impacta significativamente na mobilidade, economia e qualidade de vida nos grandes centros urbanos. Nesse sentido, o presente capítulo do Relatório busca abordar as questões relacionadas com o transporte de cargas no âmbito do PLAMUS.
O processo de urbanização transformou as cidades em centros de concentração demográfica, econômica e política ao redor do mundo. Essa tendência, iniciada na época da revolução industrial, apenas se mostra mais forte com o surgimento e crescimento de fenômenos como aglomerações urbanas, regiões metropolitanas e megacidades.
O desenvolvimento crescente e o papel central desenvolvido pelos grandes centros urbanos intensificaram os problemas de mobilidade urbana que só tendem a piorar se medidas sustentáveis não forem implementadas. O elevado número de habitantes e pessoas que transitam pelas cidades, como já visto no presente Relatório, é o centro das discussões de mobilidade urbana, sendo o transporte de cargas coadjuvante na elaboração de políticas públicas e soluções viabilizadoras. Contudo o tema, muitas vezes pouco explorado, não deixa de ter impactos em diversos aspectos – e não somente na mobilidade urbana – do cotidiano das grandes cidades. O crescimento dos centros urbanos apenas ressalta o caráter essencial de um gerenciamento do transporte de cargas eficiente, uma vez que este é o responsável pela funcionalidade da vida nos centros urbanos.
O transporte de cargas pode ser definido como a entrega de bens de consumo – tanto relacionados ao varejo, como a outros setores, inclusive manufatura – em regiões urbanas, incluindo o fluxo reverso de bens usados.38 Em outras palavras, o transporte de cargas urbano pode ser compreendido como o transporte dentro das cidades e centros urbanos de tudo o que não for passageiros/pessoas. A sua importância, portanto, resta clara pela abrangência desse tipo de transporte.
38 Organization for Economic Co-operation and Development – OECD. Delivering the Goods: 21st Century Challenges to Urban Goods Transport (2003).
Não obstante o papel fundamental desse tipo de transporte na vida urbana, ele também é responsável por diversos problemas e dificuldades nas grandes cidades. Eis aqui a necessidade de, ao se tratar de planos de mobilidade urbana, abordar medidas que visem mitigar os impactos deste nos centros urbanos.
Conforme se depreende do relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OECD39 acerca dos atuais desafios para o transporte urbano de cargas, os problemas podem ser agrupados em quatro tipos: (i) acessibilidade e congestionamento; (ii) segurança; (iii) danos de infraestrutura e (iv) questões ambientais. Vale ressaltar que tais problemas muitas vezes são vias de mão dupla, uma vez que são causados e enfrentados pelos transportadores de carga.
Acessibilidade e Congestionamento. Os problemas mais evidentes do transporte de cargas nos centros urbanos são os problemas de acessibilidade e congestionamento. Em muitos casos, as condições e infraestrutura de acesso nos centros urbanos não são adequadas para a eficiente carga e descarga de bens e mercadorias. Em grande parte dos casos, não existem locais de estacionamento adequados para os veículos de transporte e, quando existem, são ocupados ilegalmente por outros veículos sem qualquer tipo de fiscalização. Isso obriga os transportadores a pararem seus veículos em locais inapropriados, muitas vezes em fila dupla, para realizar as atividades de carga e descarga. Essas dificuldades, por sua vez, somadas ao intenso tráfego de passageiros e às limitações de movimentação dos veículos de carga devido ao seu tamanho, resultam em congestionamentos enormes, aumentando, também, o risco de acidentes.
Segurança. O intenso congestionamento, o tamanho dos veículos utilizados para realizar o transporte de cargas, a falta de infraestrutura de acesso, bem como demais problemas inerentes ao tráfego nos centros urbanos (sinalização, ruas estreitas, obras etc.) elevam a possibilidade de acidentes. A falta de locais adequados e infraestrutura para a carga e descarga dos veículos aumentam o risco de acidentes uma vez que, como alternativa, os transportadores acabam parando em locais inapropriados comprometendo o fluxo de veículos em vias e atrapalhando a visualização. Além disso, o congestionamento muitas vezes demanda que os veículos de carga, com fins de
39 Organization for Economic Co-Operation and Development – OECD. Delivering the Goods: 21st Century Challenges to Urban Goods Transport (2003).
cumprir os prazos de entrega, optem por vias em locais residenciais, elevando o risco de acidentes. O tamanho desses veículos também apresenta ameaça à segurança. Suas limitações de velocidade, manobra e frenagem muitas vezes não são compreendidas pelos veículos de passageiros, o que acaba por resultar em colisões. Por fim, cumpre mencionar que a natureza da carga transportada também pode apresentar riscos para segurança de pedestres e passageiros em casos de acidentes.
Danos à Infraestrutura. Outro problema que advém do transporte urbano de cargas é o constante dano causado à infraestrutura viária da cidade. O tamanho e peso dos veículos de carga provocam desgaste, danificando mais rapidamente a infraestrutura viária. Esses danos também têm influência nos riscos de acidentes nas vias.
Questões Ambientais. Além dos problemas acima descritos, o transporte de cargas urbano tem impacto em questões ambientais e de qualidade de vida nos centros urbanos. Alguns exemplos de preocupações ambientais são o excesso de poluição gerada por esses veículos, além de poluição sonora, vibrações e odor que resultam de seu tráfego. A intensa utilização de combustíveis fósseis contribui, não somente para maior poluição do ar, como também para maior consumo de energia e dependência por tais fontes de combustível. Além disso, existe a falta de fiscalização dos veículos que muitas vezes circulam em péssimas condições e emitindo fumaça escura.
A compreensão de tais questões, inerentes a todas as grandes cidades no mundo, alertou as autoridades públicas que, nas últimas décadas, buscam soluções e atenuantes para esses problemas. Cidades como Londres, Paris, Estocolmo e Tóquio, dentre outras, já criaram medidas restritivas para atacar a questão e continuam em seus esforços para mitigar ainda mais esse ofensor à fluidez do tráfego urbano.
No Brasil não é diferente, diversas cidades sofrendo com os gargalos do transporte urbano de cargas. A RMF, conforme se depreende do Produto 13, tem sua mobilidade bastante comprometida pela falta de um gerenciamento adequado dos veículos de transporte de cargas. Algumas das principais cidades brasileiras, com destaque para São Paulo, já implementaram medidas com propósitos similares.
A principal experiência brasileira de restrição à circulação de veículos de carga em centros urbanos é no Município de São Paulo. Conhecida por seus enormes
congestionamentos, São Paulo iniciou processos para restrições não compulsórias, inicialmente para veículos de passeio, na década de 90. Tais medidas resultaram no atual programa de rodízio de veículos automotores que proíbe a circulação de veículos em um dia na semana, com base no número final da placa, nos horários de pico de trânsito
– das 7h às 10h da manhã e das 17h às 20h da tarde – na área conhecida como centro expandido. Tal programa, compulsório e vigente até hoje, apesar de ser direcionado a veículos de passeio e veículos de carga, se por um lado atenuou o trânsito e buscou incentivar o uso do transporte público, por outro resultou no aumento da frota na cidade, como tática fuga dos cidadãos ao programa.
Além dessa medida inicial, São Paulo estabeleceu uma série de medidas restritivas para a circulação de veículos de transporte de cargas. Por meio do Departamento de Operações do Sistema Viário e da Secretaria Municipal de Transportes, foi criada a Zona de Máxima Restrição de Circulação – “ZMRC” (Decreto Municipal n° 33.272, de 11 de junho de 1993), compreendida como a área do município em que se concentram os principais núcleos de comércio e serviços. Nessa área, inicialmente delimitada por um raio de 11,4 km2, os veículos de transporte de cargas eram proibidos de circular, podendo apenas circular o Veículo Urbano de Carga – “VUC” e o Veículo Leve de Carga
– “VLC”, conforme características estipuladas, à época, no Decreto Municipal n° 37.182, de 20 de novembro de 1997. Tal restrição, contudo, sofreu diversas mudanças e adaptações ao longo dos anos.
Em 2007, foi editado o Decreto Municipal n° 48.338, de 10 de maio de 2007 (“Decreto n° 48.338/07”) que não somente ampliou o raio para a ZRMC para 24,5 km2, como também criou restrições nas chamadas Zonas Especiais de Restrição de Circulação – “ZERC”, definidas como “área ou via em Zonas Exclusivamente Residenciais – “ZER”, conforme o Plano Diretor Estratégico e a Lei nº 13.885, de 25 de agosto de 2004, com necessidade de restrição ao trânsito de caminhões, a fim de promover condições de segurança e/ou qualidade ambiental” e nas Vias Estruturais Restritas – “VER”, definidas como “vias e seus acessos, com restrição ao trânsito de caminhões, em horário determinado por meio de regulamentação local, com características de trânsito rápido ou arterial, bem como túneis, viadutos e pontes que dão continuidade a tais vias e
constituem a estrutura do sistema viário.” Além dessas mudanças, a circulação de VUCs e VLCs também teve instabilidade, sendo modificada e, por vezes, até abolida na ZMRC.
Atualmente, por força do Decreto Municipal n° 49.487, de 12 de maio de 2008, as restrições para circulação de veículos de transporte de cargas em São Pulo apresenta-se da seguinte maneira:
• a ZRMC foi ampliada para 100 km2 ;
• os caminhões estão proibidos de circular na ZRMC de 2ª a 6ª feira das 5 às 21 horas e aos sábados das 10 às 14 horas;
• apenas poderão circular na ZMRC os veículos autorizados por lei – dentre eles os VUCs - portadores de Autorização Especial válida e com características e dimensões estabelecidas na respectiva legislação;
• por fim, o Decreto n 49.636, de 17 de junho de 2008, impõe restrições para a circulação de VUCs na ZMRC, sendo permitida a circulação de veículos com placas de licenciamento de finais ímpares nos dias ímpares do mês, e de veículos com placas de licenciamento de finais pares nos dias pares do mês.
2.1. Restrições para Circulação de Veículos de Carga em Centros Urbanos Foram demonstrados acima os impactos que o transporte de carga pode ter nos aspectos de mobilidade de um grande centro urbano. Essa noção levou as principais cidades ao redor do mundo a adotar medidas restritivas para mitigar tais impactos.
Importante mencionar que a legislação brasileira, em especial a LNMU, ampara e incentiva medidas que mitiguem os impactos do transporte de cargas nos grandes centros urbanos, como forma de viabilizar a elaboração de planos de mobilidade sustentáveis. Em vista do exposto acima, o Brasil já é palco de implementação de diversas destas medidas em suas principais cidades, com foco especial na experiência na Cidade de São Paulo.
Nesse sentido, a LNMU caracteriza, em seu art. 4°, o transporte de cargas como parte da mobilidade urbana (inciso II) e do transporte urbano (inciso I), constando, dentre suas diretrizes e objetivos, a mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade (art. 6°, IV) e a promoção do desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos
dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades (art. 7°, IV). Resta clara, portanto, a inserção do tema como preocupação ao lidar com questões de mobilidade urbana, o que é, inclusive, reforçado pela exigência de tratamento para o transporte de cargas urbano nos Planos de Mobilidade Urbana a serem elaborados pelos municípios (art. 24, inciso VI).
Caracterizada como parte da mobilidade urbana, a LNMU estabelece a possibilidade de utilização de instrumentos de gestão do sistema de transportes e de mobilidade urbana como alternativa para viabilização de medidas que busquem restringir e/ou melhorar a circulação e o fluxo de veículos nos centros urbanos. No que tange ao transporte de cargas, destacam-se as possibilidades de (i) restrição e controle de acesso e circulação, permanente ou temporário, de veículos motorizados em locais e horários predeterminados; (ii) de aplicação de tributos sobre modos e serviços de transporte urbano pela utilização da infraestrutura urbana, visando a desestimular o uso de determinados modos e serviços de mobilidade, vinculando-se a receita à aplicação exclusiva em infraestrutura urbana destinada ao transporte público coletivo e ao transporte não motorizado e no financiamento do subsídio público da tarifa de transporte público; e (iii) de controle do uso e operação da infraestrutura viária destinada à circulação e operação do transporte de carga, concedendo prioridades ou restrições (art. 23, incisos I, III e VI).
Assim, a LNMU não apenas concede autorização para a implementação de medidas restritivas à circulação de transportes de carga, como também coloca o tema como diretriz para elaboração de planos de mobilidade urbana sustentáveis.
No âmbito do PLAMUS, o transporte de cargas também tem papel crucial. Conforme já diagnosticado no Produto 13, o transporte de cargas influencia os problemas de mobilidade na RMF de modo que entendemos relevante a abordagem de possíveis medidas com finalidades de mitigar os impactos dessa forma de transporte na região.
À luz das experiências apresentadas no presente Relatório, são possibilidades de medidas restritivas para o transporte urbano de cargas:
Restrição de Área
Restrição de Data e Local
Restrições para
circulação de transporte de cargas
Restrição de Veículo
Licenças
Fonte: Equipe PLAMUS
Figura 8 – Possíveis restrições para transporte de cargas
Restrição de Área
Restrição de Dia e Hora
Restrição de Veículo
Licenças
A restrição de área compreende, nos termos da experiência de São Paulo, em delimitar zonas de tráfego e fluxo intensos, não permitindo o acesso de caminhões nessas áreas.
A restrição de dia e hora compreende a vedação de entrada de caminhões e transportes de carga em determinados dias e horários com fluxo de carros mais intenso – como o sistema de rodízio na cidade de São Paulo.
A restrição de veículos objetiva a vedação da utilização de veículos com determinadas dimensões e capacidades de cargas em locais onde existe intenso fluxo de veículos.
Pode também ser estipulada a utilização de apenas determinado tipo de veículo a depender de local, horário etc.
A exigência de licenças visa coibir que qualquer veículo de carga transite em determinadas áreas da cidade. Ao exigir licenças, é possível maior controle sobre o veículo que transita na cidade – se atende aos parâmetros e restrições permitidas
- e sobre a quantidade de veículos de carga que podem trafegar.
Fonte: Equipe PLAMUS
Figura 9 – Possíveis restrições para transporte de cargas 2
Vale ressaltar que, no contexto paulista, é possível a verificação da aplicação simultânea das restrições apontadas acima. No caso da RMF, contudo, observa-se que restrições maiores não trazem necessariamente benefícios compatíveis com as desvantagens das restrições impostas. Por exemplo, caso o tráfego atual de caminhões fosse totalmente proibido nas pontes entre 07h e 10h e entre 17h e 20h, nos termos do rodízio imposto em São Paulo, haveria uma redução de 11% no número de veículos equivalentes na hora mais crítica do pico da manhã, e de apenas 1% na hora mais crítica do pico da tarde, o que não implicaria em uma melhoria significativa no nível de serviço da Ponte.
Portanto, não é recomendado que restrições adicionais de circulação para veículos comerciais sejam consideradas no município de Florianópolis, pelo menos em curto prazo, sem que tais restrições estejam combinadas com outras medidas para tornar mais eficiente a distribuição de mercadorias (utilização de centros de distribuição, plataformas logísticas e vagas específicas para entrega de mercadorias com agendamento de uso), conforme será abordado abaixo. É recomendável ainda a definição de rotas para disciplinar a circulação de caminhões.
Enfatize-se que, para que tais medidas sejam implementadas com sucesso, será necessária bastante fiscalização por parte do Poder Público, o que inclui, possivelmente, instalação de radares e mobilização de pessoal.
2.2. Autoregulação
Além dos problemas que as medidas restritivas de circulação apontadas acima visam coibir, um problema presente no transporte de cargas urbano é a falta de eficiência na alocação de capacidade dos caminhões/veículos de carga. Muitas vezes os transportadores de carga realizam suas entregas nos centros urbanos em veículos inapropriados e sem a utilização de sua capacidade máxima. A consequência disso é a oneração desnecessária das vias com veículos de carga.
É certo que, nesses casos, as principais transportadoras já buscam alocar a carga de forma eficiente em seus veículos, com base na natureza da carga e na região de entrega, por exemplo. Porém, como forma de realizar uma alocação ainda mais eficiente, inclusive entre transportadoras diferentes, é possível a criação de soluções para sistemas cooperativos no âmbito do transporte de cargas.
Tal conceito nasce da ideia de city logistics. Em decorrência dos desafios que o transporte urbano de cargas impõe sobre as já precárias condições de mobilidade verificada nos grandes centros urbanos, surgem como solução as técnicas de consolidação como forma de obter ganhos de escala no sistema de transporte de carga. Assim, a city logistics é uma forma de otimização dos sistemas logísticos de companhias privadas (transportadoras, varejo, etc.) em áreas urbanas, mediante a cooperação entre transportadoras na coleta e entrega de bens em grandes centros. A operação se dá por meio da criação de um centro de transbordo de cargas (urban transshipment center), localizado nos perímetros do centro urbano e utilizado por transportadoras e companhias de forma cooperativa. Tal centro serviria como ponto de descarregamento de grandes caminhões e posterior realocamento da carga, conforme região e datas de entrega, em veículos menores que operariam com capacidade total.
Existem algumas experiências bem sucedidas com sistemas de city logistics. Uma das principais foi implementada em Fukuoka, no Japão, em 1978, por meio de uma parceria cooperativa entre diversas transportadoras. Posteriormente, em 1994, foi desenvolvida uma parceria entre os governos nacional e local, autoridades policiais, indústrias e operadores de carga para a criação de uma companhia, composta por 36 transportadoras, que ficou a cargo de realizar a coleta e distribuição da carga na área. Em conjunto, medidas de fiscalização e parquímetros especiais para transportes de carga foram desenvolvidos pelo governo. Tal sistema permitiu uma redução de 65% na quantidade de veículos de carga na cidade e de cerca de 90% nas distâncias percorridas por tais veículos40. Também merecem destaque as iniciativas na Alemanha. Na década de 90, como forma de incentivar o transporte intermodal, surgiram os centros de carga (Güterverkehrszentrums) em diversas cidades, com o objetivo de centralizar a carga e, assim, facilitar a troca entre os meios de transporte rodoviário, ferroviário e aquaviário. Nesse contexto, também foram criados diversos projetos de transporte consolidado de cargas pelos chamados City-Logistik, com destaque para a Companhia de City Logistics de Bremen (outros projetos foram criados em Hannover, Nuremberg e Stuttgart). Com
o tempo, no entanto, as transportadoras se retiraram dos projetos, devido a questões comerciais e falta de políticas públicas de incentivos. 41
Tendo em vista as experiências com tais sistemas logísticos, constata-se que eles normalmente se constituem de iniciativas de cooperação voluntárias de operadores. O Poder Público dificilmente iria conseguir instituir uma obrigatoriedade para as diversas transportadoras, especialmente as de grande porte, sob pena de estar restringindo a atividade econômica. O papel do governo, portanto, seria de incentivar e promover iniciativas como essas que têm impacto comprovado na mobilidade urbana de uma cidade. Poderia fazer isso por meio da assistência em projetos e regulações favoráveis (p. ex. maior acesso para os operadores de carga que aderirem a tais iniciativas do que para os que não aderirem). O resultado seria certa migração voluntária desses agentes para aderir à entidade.
No caso do PLAMUS, entendemos que sistemas de otimização logística, como é o caso de city logistics, se mostram bastante interessantes para a situação da RMF. Para viabilizar tal solução, seria necessária, além do novo contorno viário, nos termos da proposta do Produto 13, a criação de um centro logístico para o transbordo de cargas em local que viabilize seu escoamento para Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu. Esse centro seria responsável por receber cargas de diversos destinos e distribuí-las em veículos melhores, para que sejam entregues em diferentes regiões da RMF com a capacidade do veículo 100% alocada.
A utilização de centros logísticos levará à reestruturação do esquema de distribuição das cargas, cujo objetivo é a redução no número de veículos e de viagens e o aumento da ocupação desses veículos. Através do centro logístico, pode ser realizada uma consolidação mais eficiente das mercadorias, o que permite o melhor aproveitamento da ocupação de veículos e maior produtividade através da roteirização, otimização das distâncias percorridas e redução de viagens. Estes fatores diminuem também o custo de transporte, a emissão de poluentes e os congestionamentos.
Além da implantação dos centros logísticos ao longo do novo contorno rodoviário, recomenda-se ainda a implantação de centros de distribuição próximos às áreas urbanas
na Ilha de Santa Catarina e em São José. A adoção de um sistema de centros de distribuição de mercadorias apresenta vantagens adicionais para o ambiente urbano, tais como:
· Possibilidade de utilização de veículos elétricos ou híbridos (diesel-elétricos) que, apesar da menor autonomia, podem ser utilizados em deslocamentos de menor distância entre o centro de distribuição e o destino final;
· Possibilidade de entregas com modos não motorizados, no caso de entregas mais próximas e de mercadorias de menor peso e volume;
· Criação de zonas de baixa emissão a partir da utilização de formas energeticamente mais sustentáveis de locomoção nas áreas mais urbanizadas.
A entidade que controlaria e operacionalizaria um sistema como esse, seria criada por operadores de cargas e companhias que desejassem aderir, tendo natureza de associação civil sem fins lucrativos, e servindo de foro para que as transportadoras pudessem compartilhar as capacidades ociosas em seus veículos e assim reduzir o número dos que transitariam na RMF. A entidade também pode servir como local para discussão e interface com as autoridades públicas em relação às políticas públicas relacionadas ao transporte de cargas na RMF.
É evidente que, a princípio, não há incentivo para que as transportadoras realizem esse compartilhamento de capacidade ociosa, uma vez que o transporte de cargas deve observar questões de prazo, natureza de carga, limitações contratuais e seguro de mercadorias transportadas. Entendemos, entretanto, que tais incentivos possam ser estabelecidos pelas autoridades públicas. Um exemplo pode ser a flexibilização de medidas restritivas de circulação para os transportes realizados por meio de tal entidade, em contraposição ao transporte realizado por aqueles que não aderirem, para redução da quantidade de caminhões que entram na cidade. Evidentemente, essa solução deveria passar por um refinamento e eventual estruturação para mitigar o risco de questionamentos.
Portanto, por meio dessa entidade seria almejada uma autorregulação das transportadoras, estabelecendo diretrizes para o compartilhamento de capacidades ociosas em cooperação com as autoridades públicas.
Para o funcionamento da organização torna-se importante delimitar certas regras e diretrizes de governança. Dentre elas, entendemos como necessárias: representação de todas as transportadoras que tenham aderido à entidade; sistema de voto que garanta a representatividade de todas as transportadoras que a integram; transparência nas informações quanto às capacidades ociosas; combate a práticas abusivas, discriminatórias e conluios dentre os integrantes da entidade; elaboração de diretrizes de boas práticas para o compartilhamento de capacidades ociosas.
Ademais, entendemos relevante que o Poder Público tenha participação na organização, de forma que cada município da RMF, além de pelo menos um representante do Estado de Santa Catarina, ali tenham assento. É importante que o Poder Público tenha alguma participação na entidade e em instrumentos que incentivem práticas como essa. Para maiores detalhes com relação à criação do novo entorno viário e dos centros logísticos, favor referir-se ao Produto 13.
2.3. Limitações e Pontos de Atenção para o Transporte Urbano de Cargas As medidas possíveis para a mitigação dos impactos causados pelos veículos de transporte de cargas enfrentam alguns desafios, quais sejam:
Fiscalização. Um dos grandes problemas com as restrições de circulação de transporte de cargas está na falta de fiscalização. Para o sucesso das restrições propostas é necessário que haja uma fiscalização eficiente das áreas, horários, dias e/ou tipos de veículos que circulam na cidade. De nada adianta a implementação de medidas se não há um sistema que garanta o seu funcionamento. Esse poder de polícia pode ser efetuado por meio de radares, câmeras de fiscalização e até guardas, com aplicação de multas e penalidades que desincentivem o descumprimento das regras. Vale mencionar que não somente devem ser fiscalizados os transportes de carga urbana, mas também os veículos de passeio que, muitas vezes, ocupam os locais de estacionamento para carga e descarga de veículos.
Segurança. A implementação de medidas restritivas de horário, como a permissão de circulação de caminhões de grande porte apenas durante a noite e madrugada, exige medidas de segurança que visem proteger as transportadoras de possíveis roubos ao realizar cargas e descargas de bens e mercadorias. Para tal é necessário iluminação adequada e policiamento nas ruas.
Instabilidade Institucional. A instabilidade institucional pode ser desdobrada em dois aspectos, sendo o primeiro a falta de padronização nas medidas restritivas de circulação. No caso de São Paulo, por exemplo, as restrições foram alteradas diversas vezes, impedindo que empresas e transportadoras se programassem e realizassem investimentos no setor. O segundo aspecto diz respeito ao caráter paliativo dessas medidas. Como são medidas passíveis de implementação imediata, elas não conseguem atacar definitivamente o problema do transporte urbano de carga na mobilidade de uma cidade. Isso contribui em muito para a instabilidade institucional. Além disso, a constante alteração e o caráter paliativo dessas medidas impedem, muitas vezes, a realização de estudos para verificação dos resultados que sirvam de base para o planejamento e adoção de eventuais futuras alternativas.
3. Planejamento Urbano e medidas de estímulo
3.1. Providências para o desenvolvimento orientado
As propostas apresentadas pelo PLAMUS para reorientar o desenvolvimento urbano na RMF, tendo em vista o reequilíbrio regional da distribuição das atividades urbanas e a qualificação dos espaços de circulação na cidade, demandam iniciativas específicas, tanto de natureza normativa quanto urbanística, para serem implantadas.
Um dos principais objetivos do PLAMUS é fornecer subsídios à elaboração dos Planos Municipais de Mobilidade dos entes constituintes da região, de modo a integrar as questões relativas aos deslocamentos metropolitanos à escala local. Entretanto, por se tratar de um Plano de Mobilidade – e não somente um plano de transportes –, o PLAMUS supera a abordagem restrita à caracterização dos fluxos regionais, para destacar o papel dos condicionantes urbanísticos na configuração da demanda por deslocamentos na região, em especial os padrões de uso, ocupação e parcelamento do solo. Nesse sentido, preconiza como fundamental a implantação de políticas que direcionem e ordenem o desenvolvimento urbano de maneira estruturada pela rede proposta de transporte coletivo metropolitano de média capacidade, e de forma adequada ao incentivo aos modos não motorizados de deslocamentos.
Assim, o PLAMUS trata também de questões que têm íntima relação com as definições de planejamento urbano constantes nos Planos Diretores Municipais, como zoneamento, parâmetros urbanísticos, política habitacional e instrumentos urbanísticos, tornando necessário que sejam indicadas diretrizes e ações que acrescentem elementos para a discussão de revisões nas legislações urbanísticas dos municípios da RMF.
3.2. Diretrizes para revisão dos Planos Diretores Municipais
3.2.1. Parâmetros Urbanísticos
A legislação urbanística utiliza, como instrumentos básicos de ordenamento da ocupação urbana, parâmetros como taxa de ocupação (porcentagem da área de terreno que pode ser ocupada pela projeção da edificação), índice de aproveitamento (potencial
construtivo de cada lote em relação à área de terreno), gabarito máximo de altura e
normas para o parcelamento do solo, entre outros. Além disso, o zoneamento indica quais são os usos permitidos em cada porção dos municípios, definindo Zonas de acordo com as possibilidades de atividades residenciais, não residenciais, interesse ambiental e preservação de patrimônio, além de áreas reservadas ao uso rural e à expansão urbana.
De maneira geral, do ponto de vista da permissão de atividades de acordo com as Zonas, não foram encontradas situações problemáticas em que o zoneamento não permitisse maior diversidade de usos do que a encontrada atualmente. Um zoneamento muito restritivo quanto à implantação de atividades não-residenciais comprometeria a busca por uma distribuição mais equilibrada de empregos e de acesso a comércio e serviços no território, fundamental para o enfrentamento de questões verificadas no desempenho da rede de transportes, como a pendularidade de deslocamentos e os baixos índices de renovação em linhas de transporte coletivo.
Entretanto, a legislação urbanística atual apresenta pontos a serem discutidos em uma perspectiva focada nas estratégias para direcionamento do desenvolvimento urbano junto às redes e polos de transporte, aliada a uma iniciativa para incremento do número de empregos nos municípios da porção continental da RMF, com uma ocupação estruturada das áreas ainda não urbanizadas. Essa discussão visa apresentar iniciativas que subsidiem o processo de reflexão dos municípios na revisão de seus arcabouços jurídicos, de modo a incluir posturas que contribuam com a mobilidade, articulando a escala local à metropolitana.
Além dos instrumentos apresentados nos itens seguintes, relativos a ações de transformação urbana específicas (operações urbanas, áreas de intervenção, normas edilícias, etc.), é fundamental corrigir um problema primário do zoneamento existente nos municípios conurbados da RMF: a dispersão de lotes com altos índices de aproveitamento, ou seja, o espalhamento de potencial construtivo e, consequentemente, da possibilidade legal do adensamento por todo o território dos municípios desvinculada de critérios urbanísticos ou de acesso a infraestruturas de transporte. Ainda que os recentes planos diretores da capital e de Biguaçu tenham criado zonas com alto potencial junto a eixos viários estruturais, diversas zonas afastadas desses corredores também têm índices de aproveitamento muito atraentes à atividade imobiliária, o que dispersa demasiadamente o adensamento construtivo e
incentiva novos empreendimentos fora da área de influência dos corredores de transporte coletivo de média capacidade propostos pelo PLAMUS.
Além da dispersão do potencial construtivo, os baixos valores de outorga onerosa do direito de construir, cobrados para o alcance do índice de aproveitamento máximo dos lotes, trazem um problema às administrações municipais: a contrapartida financeira obtida pelas prefeituras com o adensamento construtivo não é suficiente para cumprir seu papel de financiar intervenções na cidade ou recuperar parte da mais-valia urbana decorrente de ações municipais. Além disso, tais valores baixos tornam esses terrenos concorrentes de potenciais perímetros de operações urbanas que objetivem a dinamização de porções específicas da cidade onde houver interesses estratégicos, especialmente aqueles voltados ao adensamento junto aos corredores e polos de transporte coletivo.
Assim, é fundamental que o dispositivo de solo criado seja revisto nos planos diretores dos municípios de Palhoça, São José, Biguaçu e Florianópolis, de modo a compatibilizá- lo a uma estratégia de adensamento seletivo, fazendo com que os municípios definam os potenciais construtivos de maneira dirigida, para permitir que somente Zonas na área de influência da rede metropolitana estrutural de transporte coletivo de média capacidade possam ter seu uso intensificado, uma vez que neles haverá capacidade real de suporte ao adensamento.
Elaboração: PLAMUS
Figura 10 - Índices de aproveitamento máximos nos municípios conurbados da Grande Florianópolis (Biguaçu, São José, Palhoça e Florianópolis)
A definição de perímetros em que poderá ocorrer adensamento atrelado ao aumento da capacidade de suporte de transportes, advindo da implantação da rede metropolitana estrutural de transporte coletivo de média capacidade, não pode ocorrer sem a adequação física dos espaços públicos dessas porções da cidade ao incremento de residentes e atividades econômicas. Tal adequação relaciona-se à qualificação, tanto dos espaços de circulação (calçadas, sistema viário, etc.), quanto dos equipamentos públicos que apoiam a vida cotidiana dos residentes, como escolas, postos de saúde e parques, entre outros.
Assim, a dinamização econômica e o adensamento das regiões servidas pelas futuras redes estruturais de transporte coletivo implicam na existência de projetos urbanos que articulem as necessárias intervenções que adequarão esses bairros à nova realidade, com mais empregos e residentes. Serão necessários terrenos para abrigar novos equipamentos públicos, planejamento acerca da demanda futura por matrículas escolares e unidades de saúde, definição de áreas verdes e de lazer, projetos habitacionais, entre outros, o que demanda planejamento em escala local orientado à qualificação da vida urbana.
Para o atendimento a essa demanda, existem os instrumentos urbanísticos previstos pela Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001 (“Estatuto da Cidade” ou “Lei 10.257/01”), que permitem diversas maneiras de a administração municipal promover transformações no território, inclusive por meio de parcerias com a iniciativa privada. Destacam-se, entre os instrumentos listados no artigo 4º da Lei 10.257/01, a instituição de zonas especiais de interesse social; o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; direito de superfície; direito de preempção; outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; consórcio imobiliário e operações urbanas consorciadas.
Para que tais instrumentos sejam passíveis de aplicação, devem estar previstos nos Planos Diretores Municipais, o que já ocorre nos municípios que serão diretamente beneficiados com as redes de transporte metropolitano propostas. Entretanto, tal previsão ainda ocorre de forma conceitual, não sendo definidos os objetivos específicos
a serem alcançados com a instituição desses mecanismos legais, nem os perímetros sujeitos à incidência de tais instrumentos. Esses perímetros, denominados Áreas de Intervenção Urbana – AIU, constituem a institucionalização de unidades de projeto para que a municipalidade promova o planejamento de intervenções e alterações de legislação para o alcance de objetivos específicos.
Recomenda-se que os processos de revisão dos planos diretores municipais levem em conta a existência de centralidades potenciais vinculadas às estruturas de transporte coletivo propostas, para nelas definir parâmetros urbanísticos e projetos que dinamizem e qualifiquem essas áreas em que haverá ampliação da acessibilidade. Tal diretriz tem como premissa o fato de que todo ponto de acesso à rede de transportes regional deve ser objeto de planejamento e projeto, tanto relacionado à acessibilidade disponível, quanto pela busca do pleno aproveitamento dos investimentos feitos pelo Estado na qualificação da mobilidade no território.
Devem ser definidas a vocação e as diretrizes de desenvolvimento de cada centralidade, de forma participativa e transparente com a população, de modo a articular uso do solo, oferta de serviços públicos, intervenções físicas e densidade de empregos e residentes ao acesso às redes metropolitanas de mobilidade.
3.2.3. Operações Urbanas Consorciadas
As Operações Urbanas Consorciadas (“OUC”) são instrumentos de política urbana, de natureza jurídica e política, conforme definidos pelo art. 4º, V, do Estatuto da Cidade. Mesmo antes de seu reconhecimento pelo legislador nacional, esses instrumentos já contavam com experiências relevantes na cidade de São Paulo, onde foram concebidos e vêm sendo aplicados desde o início dos anos 90, como a Operação Urbana Anhangabaú em 1991, posteriormente convertida na Operação Urbana Centro, e a Operação Urbana Faria Lima em 1995. Em 2009, a área portuária do Rio de Janeiro também contou com uma OUC para sua revitalização.
Nos termos do art. 32, § 1°, do Estatuto da Cidade, as OUC consistem em um plano urbanístico especial, mediante a utilização de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público, com o objetivo de alcançar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental para determinada área urbana municipal.
Ademais, esse plano urbanístico especial não vem predisposto unilateral e autarquicamente pelo Município, sendo, ao contrário, “consorciado”, isto é, resultado de negociações, adesões e contratações estabelecidas entre o Poder Público e os particulares, esses últimos representados pelos proprietários, moradores, usuários e investidores privados, isto é, os agentes que aportam recursos financeiros, técnicos e operacionais para a viabilidade dos objetivos do plano urbanístico especial.
As OUC pressupõem, por conseguinte, definição dos meios pelos quais os particulares vão atuar para perseguir, sob coordenação do Poder Público, os objetivos do plano urbanístico especial. Dentre esses meios, destacam-se os termos de adesão predispostos aos proprietários das áreas atingidas, pelos quais serão conferidas vantagens, inclusive de caráter fiscal, aos proprietários que voluntária e formalmente apoiarem a OUC; os convênios entre a Administração Pública e as entidades representativas de moradores afetados e de usuários de equipamentos públicos abrangidos pela OUC; e, por fim, os contratos administrativos destinados à execução das intervenções e medidas previstas, contratos administrativos esses nos seus mais diversos tipos admitidos em lei.
Ocorre, porém, que essa aproximação entre OUC e contratos administrativos vai além. Na verdade, a principal característica das OUC está na circunstância de constituírem não apenas um plano urbanístico especial, que prevê os objetivos a serem alcançados e os meios de contratação para tanto adequados, como, adicionalmente, de serem planos urbanísticos especiais autossuficientes, isto é, que tendem a proporcionar recursos financeiros destinados ao pagamento das próprias intervenções e medidas definidas em seu âmbito.
A razão financeira para essa autossuficiência reside no fato de as intervenções e medidas de uma OUC provocarem potencialmente uma valorização imobiliária em determinados setores da cidade, sendo legítimo que tais setores beneficiados ofereçam ao Poder Público uma contrapartida, a fim de que haja uma distribuição equitativa dos ganhos de um projeto bem sucedido. A previsão dessa contrapartida consiste essencialmente na possibilidade de o Poder Público, diretamente ou por meio de entidades da Administração Indireta a quem tal competência tenha sido atribuída, emitir títulos chamados CEPAC – Certificados de Potencial Adicional de Construção. Tais
títulos funcionam como pagamento de contrapartida para a outorga de Direito Urbanístico Adicional dentro do perímetro de uma Operação Urbana Consorciada, equivalendo a determinado valor de m² para utilização em área adicional de construção em tal perímetro.
A lógica do CEPAC é de que as intervenções e medidas que proporcionam uma nova ou melhor infraestrutura urbana no tecido municipal acabem, de alguma maneira, provocando um adensamento populacional e novos investimentos em determinadas regiões que se tornam, depois de concluídas as obras, mais atrativas na perspectiva do mercado imobiliário. Nada mais justo que esse interesse pela construção civil ajude a custear, ainda que em parte, aquelas intervenções e medidas que são, em última análise, a sua causa, desfechando, destarte, um círculo virtuoso.
Note-se que a edição de uma OUC depende de lei específica municipal, devendo ser ainda, previamente submetida à consulta das populações diretamente afetadas, sem que estas tenham, entretanto, poderes de vetar o plano urbanístico da OUC.
Conforme o art. 32 do Estatuto da Cidade, lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar área para aplicação de operações consorciadas tendo em vista:
• a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente;
• a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente;
• a concessão de incentivos a operações urbanas que utilizam tecnologias visando a redução de impactos ambientais.
De acordo com o art. 33 do Estatuto da Cidade, cada operação urbana consorciada deve contar com lei que contenha o plano da operação urbana, no qual são descritos, entre outros:
• definição da área a ser atingida;
• programa básico de ocupação da área;
• finalidades da operação;
• estudo prévio de impacto de vizinhança;
• contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos;
• forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com representação da sociedade civil.
No programa básico de ocupação da área, a municipalidade define a extensão das transformações que deseja implantar na região, o que inclui o volume de novas construções adequadas ao alcance do número de empregos e residentes planejados para a operação. O uso do potencial construtivo planejado para cada setor da uma operação urbana vincula-se ao uso dos CEPACs, comercializados pelo gestor público, de acordo com sua estratégia de arrecadação, e livremente negociados, ainda que conversíveis em direito de construir unicamente na área objeto da operação.
Diferentemente do instrumento padrão da outorga onerosa do direito de construir, vigente nos locais da cidade em que se pode construir além do coeficiente de aproveitamento básico (até o limite do máximo), os recursos obtidos pelo Poder Público municipal na alienação de CEPACs devem ser aplicados exclusivamente dentro do perímetro da própria operação urbana consorciada.
Para a implantação de operações urbanas consorciadas, assim como outros projetos de vulto que representem alterações significativas na ocupação urbana, é necessária a elaboração de Estudos de Impacto de Vizinhança – EIV, nos quais devem ser analisados os impactos sociais, ambientais e urbanísticos das transformações planejadas pelo projeto. É fundamental que tais estudos sejam instrumentos que superem o caráter procedimental que têm apresentado na maioria dos projetos urbanos no Brasil, e passem a ser oportunidades de reflexão socioespacial e real alteração de premissas e ações dos projetos, tendo em vista os resultados de suas análises. Nesse sentido, emerge o papel do necessário acompanhamento dos estudos vinculados a operações urbanas pela sociedade civil, seja por meio dos diversos canais de participação e transparência existentes (audiências públicas, oficinas com a população e planejamento participativo), seja pela participação ativa do Conselho Municipal de Política Urbana nas ações de planejamento municipal.
Vale destacar, finalmente, que o Estatuto da Metrópole incluiu no Estatuto da Cidade dispositivo prevendo que nas regiões metropolitanas ou nas aglomerações urbanas instituídas por lei complementar estadual poderão ser realizadas operações urbanas consorciadas interfederativas, aprovadas por leis estaduais específicas, o que representa grande oportunidade para o planejamento em escala metropolitana na RMF, considerando as novas estruturas institucionais em implantação pelo Governo de Santa Catarina na organização da RMF.
A revisão de um Plano Diretor Municipal também é uma oportunidade de sistematizar propostas de alterações na organização do sistema de circulação na cidade, tanto pela definição de hierarquia viária, quanto por proposição de abertura, prolongamento e alargamento de logradouros. Nesse sentido, as ações relativas ao arruamento necessárias para viabilizar propostas do PLAMUS são as listadas abaixo:
• Alinhamento viário: a Lei de alinhamento viário dos municípios deverá ser alterada para incluir os alargamentos ou reservas de faixas não edificantes necessários à implantação de estruturas de mobilidade, tanto nas áreas já ocupadas das cidades, quanto nas glebas ainda não urbanizadas, de modo que futuros loteamentos e construções respeitem o espaço destinado aos eixos viários estruturantes necessários à conexão entre os municípios metropolitanos e aos preceitos de incentivo aos transportes não motorizados (ciclovias e vias de pedestres) e ao transporte coletivo.
• Lei Municipal de Parcelamento do Solo: os parâmetros para novos loteamentos devem incluir dispositivos que qualifiquem o desenho viário dos futuros bairros tendo em vista a mobilidade por transporte não motorizado e transporte público na escala local, com limites para tamanho de quarteirões (faces de quadra menores que 150 metros), proibição de servidões (aumento da conectividade do viário local), requisitos mínimos para calçadas e travessias, obrigatoriedade de implantação de ciclovias e respeito à plena conexão do bairro com o entorno, de modo que não se tornem entraves à acessibilidade regional.
• Tratamento vário e urbanístico das servidões: a falta de boa conectividade viária resultante do extenso uso do modelo de urbanização baseado em servidões (arruamento por ‘espinha de peixe’), que afeta, tanto o trânsito de veículos (individuais ou coletivos), quanto de pedestres em várias regiões da Grande Florianópolis, mostrou-se uma questão de caráter local que demanda profunda reflexão por parte de prefeituras. Em diversos bairros da região, fica evidente a necessidade de abertura de novas vias para criar alternativas aos logradouros que recebem todos os fluxos de longas sequências de servidões, especialmente na região de Ingleses (Florianópolis). Entretanto, tais intervenções demandam projetos que usualmente exigem extensas desapropriações que, se não forem articulados com a comunidade local, podem representar entraves de orçamento e tempo na execução das obras. Nesse sentido, planos de abertura de novas vias elaborados em parceria com os moradores dessas áreas são fundamentais para que tais intervenções estejam bem sintonizadas com as necessidades e anseios dos residentes, fortalecendo assim a democracia participativa.
• Contribuições de Melhoria: Conforme já abordado no presente Relatório, a qualidade das vias e calçadas em diversas regiões da RMF se mostra bastante precária. Seja em relação a suas dimensões ou pavimentação, estas muitas vezes prejudicam a segura e eficiente locomoção dos pedestres. Existe, portanto, uma demanda para alargamento das vias e calçadas e melhoramento da qualidade das mesmas.
Nesse contexto, para promover as obras necessárias ao melhoramento de vias, destacamos que Florianópolis já contou com programa nesse sentido, o Programa Pró-Pavimento – Programa Comunitário de Pavimentação, instituído por meio da Lei Municipal 5.630, de 29 de dezembro de 1999. Dentro do modelo imposto por tal programa, as contribuições de melhoria figuram como instrumento viabilizador, de forma a que obras que beneficiem diretamente a população sejam custeadas, pelo menos em parte, pela própria população beneficiada. A contribuição de melhoria é um tributo, conforme estabelece o art. 145, III, da Constituição Federal, que “tem como fato gerador o acréscimo do
valor do imóvel localizado nas áreas beneficiadas direta ou indiretamente por obras públicas”42, sendo a pavimentação, iluminação, arborização, alargamento de vias, dentre diversos outros, fatos geradores para a cobrança de tal tributo. Nesse sentido, a contribuição de melhoria permite que os Municípios, Estados e/ou União consigam fazer face aos custos inerentes às obras públicas que visem à melhoria de vias públicas.
Assim, analogamente ao que foi instituído pelo Programa Pró-Pavimento, como proposta para a questão do alargamento e da pavimentação de vias no âmbito do PLAMUS, sugerimos modelo em que a Suderf ou as Prefeituras sejam responsáveis por selecionar as vias que necessitem de melhorias e pelo cadastramento das construtoras que seriam responsáveis pela execução das referidas obras. As obras de pavimentação, por sua vez, seriam executadas pelas empresas cadastradas, após o devido processo licitatório. Para a efetiva execução das obras, contudo, tendo em vista o caráter comunitário do programa, será necessária a adesão, junto a um programa de financiamento a ser elaborado pela Prefeitura ou Suderf, de pelo menos 80% dos proprietários beneficiados pela a obra para que a empresa previamente credenciada pelo Poder Público ou diretamente contratada pelos interessados seja autorizada a realizar os trabalhos. Os demais proprietários que não tenham aderido ao programa não pagarão pela obra, devendo Prefeitura ou Suderf, conforme aplicável, responsabilizarem-se pelo pagamento da obra. Contudo, tais proprietários deverão pagar contribuição de melhoria para o Poder Público.
Nas análises feitas pelo PLAMUS para a estruturação de áreas ainda não urbanizadas e com potencial ao adensamento nos municípios metropolitanos do continente, destacou-se a região de São José junto à rodovia SC 281 (antiga SC 407), tanto pela acessibilidade representada por tal via (que será conectada ao futuro Contorno Rodoviária), quanto pela extensão das glebas disponíveis nos arredores do Aeroclube de
42 Art. 1º, Decreto- Lei 195, de 24 de fevereiro de 1967.
Santa Catarina e do bairro Nova São José. Verificou-se que já é grande a dinâmica imobiliária na região, com diversos loteamentos em projeto ou em implantação, o que fundamentou a proposta de estruturar o desenvolvimento local tendo em vista a acessibilidade metropolitana e o incentivo ao transporte coletivo e aos modos não motorizados de deslocamento.
Entretanto, a referida área apresenta fragilidades ambientais que demandam a criação de instrumentos institucionalizados de preservação, relacionadas à suscetibilidade a inundações na bacia dos rios Maruim, Forquilhas e Potecas, diagnosticadas e analisadas em estudo43 publicado em março de 2014 pelo Ministério das Cidades e Universidade Federal de Santa Catarina. Na avaliação feita pelo estudo quanto à aptidão à urbanização, extensas áreas junto ao trecho retificado do Rio Forquilhas têm alto risco de inundação, uma vez que as marés influenciam o escoamento fluvial, fazendo com que o rio transborde e ocupe suas várzeas. A figura abaixo, extraída do referido estudo, ilustra as áreas suscetíveis a inundações na bacia do rio Forquilhas.
43 BRASIL (MINISTÉRIO DAS CIDADES - Secretaria Nacional de Acessibilidade e Programas Urbanos); UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (Centro de Filosofia e Ciências Humanas – Departamento de Geociências). Elaboração de cartas geotécnicas de aptidão à urbanização frente aos desastres naturais no município de São José, Estado de Santa Catarina – Relatório Técnico. Brasília: 2014.
Figura 11 - Áreas suscetíveis a inundações na bacia do rio Forquilhas
Fonte: BRASIL (MINISTÉRIO DAS CIDADES - Secretaria Nacional de Acessibilidade e Programas Urbanos); UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (Centro de Filosofia e Ciências Humanas – Departamento de Geociências). Elaboração de cartas geotécnicas de aptidão à urbanização frente aos desastres naturais no município de São José, Estado de Santa Catarina – Relatório Técnico. Brasília: 2014.
Além de adequar a indicação de áreas propícias ao adensamento e dinamização estruturados de São José com novos residentes e empregos, a análise do estudo leva o PLAMUS a indicar a criação de área de proteção ambiental metropolitana junto ao vale do Rio Forquilhas, com implantação de parque ecológico e respectivos mecanismos de proteção na área envoltória, para evitar a ocupação predatória da área suscetível a inundações e qualificar a urbanização estruturada proposta.
3.2.6. Outros instrumentos de política urbana para desenvolvimento sustentável
A proposta de desenvolvimento urbano colocada pelo PLAMUS, focada na contenção da dispersão da urbanização de baixa densidade e no reequilíbrio da distribuição de empregos no território da RMF, tem como diretriz o adensamento de população e atividades econômicas junto aos eixos de transporte coletivo metropolitano da rede desenhada para a região, incluindo aqueles que estruturarão as regiões ainda não urbanizadas no continente. Para tal, além das questões formais referentes aos parâmetros urbanísticos e áreas de intervenção urbana, tratados anteriormente, é fundamental destacar princípios de urbanismo que devem estar presentes no planejamento e no projeto dessas áreas, de modo que o padrão de ocupação futuro resulte em cidades mais equilibradas do ponto de vista da mobilidade urbana e dos aspectos socioambientais.
As administrações municipais precisam estar atentas a eventuais processos de segregação socioespacial (elitização e valorização imobiliária exacerbada ou criação de guetos de baixa renda) resultantes da implantação dos corredores de transporte metropolitano e seus respectivos projetos urbanos, uma vez que a ausência da mistura de classes de renda é muito prejudicial à mobilidade, pelos desequilíbrios que geram no desempenho da rede de transportes. Locais com alta concentração de renda tendem a ter uma divisão modal com predomínio de viagens por modo individual motorizado, dificultando a implantação de sistemas coletivos eficientes, enquanto a periferização dos habitantes de baixa renda distancia os residentes das oportunidades de trabalho e estudo, as quais tendem a se localizar onde a renda é mais alta, aumentando a pendularidade dos deslocamentos.
Assim, é fundamental que as políticas urbanas de adensamento incluam instrumentos de promoção de mistura de classes sociais, como os listados a seguir:
• Definição de áreas de interesse social nos perímetros das áreas de intervenção urbana, articuladas ao Plano Municipal de Habitação;
• Permissão de aumento de potencial construtivo condicionada à diversificação das tipologias, metragem e padrões de acabamento das unidades em um mesmo empreendimento, segundo proporção definida pela administração municipal;
• Implantação de unidades habitacionais para projetos de aluguel social;
• Restrição do número máximo de vagas de garagens por unidade, permitindo inclusive que parte dos apartamentos não tenha vaga de estacionamento.
Para o melhor desempenho da rede de transportes, assim como para a qualificação da vida urbana na cidade, é fundamental que atividades não residenciais estejam presentes em todas as vizinhanças (de acordo com os padrões de incomodidade aceitos), tanto para prover comércio e serviços necessários à vida cotidiana, quanto para fomentar a desconcentração da oferta de empregos além da Ilha de Santa Catarina. A diminuição da segregação entre as áreas residenciais e a localização da atividade econômica tem o potencial de reduzir a pendularidade dos deslocamentos diários - e consequentemente seu peso na operação do transporte coletivo e no uso do sistema viário -, aumentar o índice de renovação de passageiros nos veículos coletivos e promover os modos não motorizados de transporte, pois aumenta a probabilidade de acessar empregos e serviços a curtas distâncias das residências. Para fomentar o uso misto, as prefeituras podem incluir em seus códigos municipais de obras e de tributos alguns parâmetros específicos para as áreas de intervenção urbana objeto de dinamização:
• Características edilícias: incentivos / exigência de área mínima destinada a comércio no térreo de edifícios comerciais ou residenciais; aumento de área de passeio na testada do lote com recuo coberto sob projeção dos andares superiores construídos sobre pilotis; criação de passagens livres para pedestres no térreo de edifícios comerciais, de modo a criar caminhos alternativos cobertos dentro das quadras; definição de estoque potencial de construção adicional equilibrando a criação de áreas comerciais e residenciais.
• Incentivos fiscais: para promover os tipos de usos não residenciais planejados para cada área de intervenção urbana, podem ser definidas reduções de
alíquotas nos tributos ou taxas municipais (ISS, IPTU, alvarás e licença de funcionamento) e estaduais (ICMS) para as atividades específicas que forem definidas como prioritárias ou estratégicas em cada região do município, de acordo com o projeto municipal para cada centralidade a ser dinamizada.
3.2.6.3. Desenvolvimento do continente
Na estratégia de desenvolvimento urbano proposta pelo PLAMUS, o chamado “Cenário Orientado” inclui a estruturação da ocupação futura de glebas ainda não urbanizadas junto à SC-281 (antiga SC-407) no Município de São José, para que os novos loteamentos que aí surjam não repitam o padrão atual da expansão urbana caracterizado por sistema viário desarticulado das cercanias e alheio às conexões metropolitanas, sem priorização de transporte coletivo e dos transportes não motorizados. Além da estruturação viária proposta pelo PLAMUS, é fundamental superar também as baixas densidades residenciais e o baixo número de empregos para residentes, que tanto oneram o sistema de transportes e comprometem seu desempenho.
Assim, o Cenário Orientado propõe que o desenvolvimento da parte continental da RMF promova maior equilíbrio na oferta de empregos na região, o que implica em ações efetivas da administração estadual na dinamização desses territórios, listadas a seguir.
• Implantação de grandes equipamentos públicos para atração de população e empregos: a construção de hospitais de referência, campi universitários associados a polos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, órgãos públicos, instalações do poder judiciário, entre outros, tem o potencial de atender às demandas existentes no continente e incentivar o desenvolvimento local, atraindo população e empregos junto aos novos equipamentos.
• Descentralização dos polos tecnológicos: a concentração de empregos de alta tecnologia prevista para a chamada ‘Rota da Inovação’, na capital, coroada no norte da Ilha pelo Sapiens Parque (com 27.000 empregos projetados), reforça a tendência histórica de concentração de empregos em Florianópolis e aumenta o desequilíbrio na distribuição das oportunidades de trabalho. Por essa razão, é
proposta uma revisão do planejamento existente para o Sapiens Parque, tanto pela redução do número de empregos previstos no norte da Ilha de Santa Catarina - parte deles podem ser deslocados para parques tecnológicos a serem criados no continente -, quanto pela introdução do uso residencial em parte da gleba do empreendimento. Ainda que alguns entraves jurídicos devam ser resolvidos para tal alteração, dotar o Sapiens Parque de uso misto com unidades habitacionais de diversas tipologias e destinadas a variadas faixas de renda (inclusive Habitação de Interesse Social e Aluguel Social) traria maior sustentabilidade ao empreendimento e reduziria seu impacto na atração de viagens no conjunto metropolitano.
• Incentivos fiscais: para promover os tipos de usos não residenciais planejados nas futuras áreas de desenvolvimento no continente, podem ser definidas reduções de alíquotas nos tributos ou taxas municipais (ISS, IPTU, alvarás e licença de funcionamento) e estaduais (ICMS) para as atividades específicas que forem definidas como prioritárias ou estratégicas de acordo com o projeto municipal para a nova centralidade a ser criada.
Entre os instrumentos de gestão de demanda por transporte motorizado individual, destacam-se aqueles referentes às políticas de restrição de estacionamento (nas vias ou em estabelecimentos comerciais) e aqueles que restringem a circulação de veículos (Pedágio Urbano, Rodízio de Veículos e Congestion Charge), analisados a seguir.
3.3.1. Estacionamentos nas vias e o reordenamento do espaço viário
A estratégia de diminuir a oferta de vagas de estacionamento em alguns locais da RMF, caso da área central da capital e de São José, busca encarecer e dificultar o acesso por automóveis a regiões congestionadas, aumentando a atratividade dos sistemas de transporte coletivo. Além disso, a eliminação de vagas nas vias tem a função de liberar área no sistema viário para democratizar o uso dos espaços de circulação, de modo que permitam os fluxos das diversas formas de deslocamento de maneira mais equânime. As áreas antes usadas para estacionamento de veículos podem dar lugar a faixas de ônibus, alargamento de calçadas ou implantação de ciclovia, reduzindo o protagonismo
do automóvel no desenho das vias urbanas e dando espaço a formas mais sustentáveis de deslocamentos.
Ressalte-se que o PLAMUS não propõe a exclusão total de vagas de estacionamento nas ruas das áreas centrais, uma vez que certo estoque de vagas é necessário à vitalidade das atividades comerciais que ocorrem nessas regiões. Trata-se, entretanto, de restringir a facilidade de uso dessas vagas, o que passa também por uma política de aumento de preços por hora estacionada e rotatividade que desestimulem viagens de automóveis a essas regiões, especialmente aquelas em que o usuário passa o dia inteiro com o carro parado (viagens por motivo de trabalho).
3.3.2. Estacionamentos privados
Com a eliminação e aumento de preços de vagas públicas nas ruas, a tendência é que exista valorização da hora de uso nos estacionamentos privados na região, o que por sua vez incentivará novos estabelecimentos voltados a essa atividade, especialmente com aproveitamento de terrenos desocupados. A destinação de mais espaços privados de estacionamento nos lotes de áreas centrais leva, entretanto, a questões que demandam políticas específicas a serem previstas na legislação urbana.
Primeiramente, o aumento na oferta de vagas voltaria a incentivar os proprietários de automóveis a utilizá-los nas viagens à área central, tanto por disponibilizar mais espaços, quanto por atenuar o aumento de preços, o que é incoerente com a política de mobilidade. Além disso, os poucos lotes ainda disponíveis nessas áreas deixariam de ser destinados a atividades condizentes com a função social de uma propriedade próxima a ampla infraestrutura instalada, ou seja, deixariam de ser ocupados por residências, escritórios ou escolas que se beneficiariam da nova rede de transporte coletivo.
Não se trata, entretanto, de enfrentar o tema vedando a instalação de novos estabelecimentos voltados à guarda de veículos, dada a fragilidade jurídica que existiria na proibição de atividade econômica que não represente impacto ambiental excepcional. Trata-se, na verdade, da adoção de políticas que restrinjam a instalação de novos estacionamentos, condicionando-a ao atendimento de requisitos básicos para a emissão de alvará, como piso de capital social, apólices de seguros mínimos para os usuários, análise da conformidade dos projetos com normas edilícias e exigência de
acessibilidade universal. Além disso, as prefeituras podem aumentar a alíquota do ISS para essa atividade econômica até o máximo de 5% (definido pelo artigo 8º, II, da Lei Complementar 116/2003), como já ocorre na capital do estado. São José, Biguaçu e Palhoça, por ocasião deste estudo, cobravam 3% de ISS para a atividade de estacionamento e guarda de veículos.
3.3.3. Pedágio urbano /Congestion Charge
Em complemento às propostas de redução de espaços para estacionamento ou cobrança por vagas públicas, outra medida que vem sendo implementada em diversos países é o pedágio urbano.
O exemplo mais notório de implantação dessa taxa é o pedágio de Londres, que cobra cerca de £11.00 para que veículos possam transitar em zonas de tráfego intenso nos horários de pico. Por meio de medidas como esta, busca-se desestimular a circulação desnecessária de veículos em zonas de elevado congestionamento, de forma que apenas aqueles que realmente necessitem transitar nas zonas restritas o façam mediante o pagamento do preço correspondente.
Por outro lado, tal medida visa estimular a utilização do transporte público coletivo (isento de pagamento do pedágio), bem como espaçar a entrada de veículos nas zonas de alto congestionamento da RMF, por exemplo, fazendo com os que não tenham necessidade imediata de chegar ao centro de Florianópolis por meio da ponte, o façam em períodos fora de pico, em que estarão isentos de pedágio.
Em que pesem os precedentes internacionais, não consideramos imediatamente viável, na perspectiva do direito positivo, a aplicação de tal solução para os gargalos de mobilidade urbana. Há necessariamente desenvolvimentos a serem feitos no que respeita à previsão da LNMU, segundo a qual:
Art. 23. Os entes federativos poderão utilizar, dentre outros instrumentos de gestão do sistema de transporte e da mobilidade urbana, os seguintes:
(...)
III - aplicação de tributos sobre modos e serviços de transporte urbano pela utilização da infraestrutura urbana, visando a desestimular o uso de determinados modos e serviços de mobilidade, vinculando-se a receita à aplicação exclusiva em infraestrutura urbana destinada ao transporte público coletivo e ao transporte não motorizado e no financiamento do subsídio público da tarifa de transporte público, na forma da lei;
Entre tais desenvolvimentos, apontamos a necessária rediscussão, à luz da inovação da letra da lei, acerca da legalidade e/ou da constitucionalidade de formas de pedágio urbano.
Como já abordado de forma detalhada no Item 2 – Transporte de Carga do presente Relatório, outra medida que visa impedir e desestimular o fluxo pesado de automóveis nos horários de pico nas regiões de elevado congestionamento é a imposição de um rodízio de veículos.
Para a criação deste tipo de rodízio, será necessário editar leis que delimitem as zonas e horários de circulação restrita. Importante também destacar que o rodízio, para atingir os resultados e efetivamente diminuir o fluxo de automóveis, nos moldes do implantado na cidade de São Paulo, deverá ser compulsório, com aplicação de multas e fiscalização por meio da implantação de radares nas zonas delimitadas.
3.4. CDRU, Direito de Superfície para exploração comercial de terminais
Os terminais da rede proposta de transporte coletivo para a RMF configuram locais privilegiados para negócios, pois, ao oferecer acesso ao sistema de transporte metropolitano, passam a fazer parte do cotidiano de milhares de pessoas, tornando-se espaços urbanos com enorme potencial para empresas que queiram ampliar seu contato com grande parcela da população. Por ‘novos negócios’ entende-se a locação de áreas para comércio, serviços e equipamentos sociais, além de exploração publicitária por meio de painéis impressos, suportes eletrônicos (telas de LCD ou LED), adesivos na alvenaria (empenas e plataformas) ou outras mídias. Até mesmo o próprio
mobiliário urbano, como abrigos de ônibus, placas e relógios de rua poderão ser objeto de exploração publicitária.
A qualificação das funções metropolitanas de transporte das estações enseja ampliação nas possibilidades de uso local desses equipamentos, tanto com atividades de apoio aos usuários, quanto com o aproveitamento econômico da aglomeração desses passageiros. Além disso, a exploração de áreas para novos negócios incrementa as possibilidades de fontes de receitas acessórias à gestora do sistema de transporte público, as quais podem gerar investimentos na própria rede de transportes, sendo assim uma forma de a administração pública se apropriar de parte da valorização que ela própria gera na cidade.
Para tal, diferentes instrumentos podem ser utilizados, dentre eles a Concessão de Direito Real de Uso (“CDRU”) e o Direito Real de Superfície.
Dentre os instrumentos jurídicos e políticos para fins de política urbana, previstos no Estatuto da Cidade, figura, no art. 4°, V, g, a CDRU.
O uso da bicicleta para transporte tem aumentado expressivamente nas cidades brasileiras. Apesar do seu uso mais difundido em cidades de pequeno e médio porte onde não existem redes de transporte coletivo44, o conceito de mobilidade urbana sustentável tem inserido a bicicleta cada vez mais como modo de transporte e lazer em grandes centros urbanos.
A LNMU em seu art. 3° já classifica a bicicleta como categoria de veículo não motorizado (§ 1°, II), além de considerar as ciclovias como infraestrutura de mobilidade urbana (§ 3°, I). Nesse sentido, o diploma vem consolidar o papel da bicicleta como alternativa sustentável de deslocamento, promovendo a integração dos diferentes meios de transporte como diretriz elementar dos planos de mobilidade urbana a serem desenvolvidos pelos municípios.
44 PROGRAMA BRASILEIRO DE MOBILIDADE POR BICICLETA – BICICLETA BRASIL. Caderno de referência para elaboração de Plano de Mobilidade por Bicicleta nas Cidades. Brasília: Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana, 2007.
A bicicleta como meio de transporte em grandes centros urbanos apresenta diversos desafios, como a falta de infraestrutura adequada, segurança, e credibilidade como modo de transporte, dentre outros. Não obstante, o incentivo ao uso desse meio produz efeitos significativos sobre a mobilidade urbana de grandes centros, representando menos veículos nas vias congestionadas, promoção da justiça social como veículo acessível à população e sustentabilidade, por tratar-se de transporte limpo, sem emissão de poluentes.
Com o tempo, os governos e autoridades públicas têm observado os benefícios que a bicicleta como modo de transporte pode oferecer para a mobilidade de grandes cidades. O Ministério das Cidades, inclusive, possui diversos programas de incentivo e promoção de mobilidade urbana sustentável.
No que diz respeito ao uso de bicicletas, mais especificamente, o Ministério das Cidades instituiu, sob responsabilidade da Secretaria de Nacional de Transportes e da Mobilidade Urbana, e por meio da Portaria 399, de 22 de setembro de 2004, o Programa Bicicleta Brasil. Tal programa tem como principal objetivo estimular a integração das bicicletas como meio de transporte, mediante estímulos aos governos municipais e estaduais para implantação de sistemas cicloviários e medidas de segurança para ciclistas. Como instrumentos para a persecução de seus objetivos, o Programa Bicicleta Brasil conta com a elaboração de normas e diretrizes, linhas de financiamento, além de capacitação de pessoal e elaboração de cartilhas informativas.
Em termos de financiamento, o Programa Bicicleta Brasil não possui linhas próprias, sendo apenas um programa de apoio indireto. Contudo, as ações para promoção do uso de bicicletas são viabilizadas por meio de outros programas do Ministério das Cidades, como o Programa Mobilidade Urbana e o Programa de Financiamento de Infraestrutura para Mobilidade Urbana – “PRÓ-MOB”.
Merece especial destaque esse último como linha de crédito para diversos aspectos atinentes à mobilidade urbana. Dentre as modalidades de projetos que podem obter financiamentos com tal linha está a reurbanização ou revitalização de áreas degradadas que busca, dentre outros, a implantação de ciclovias e ciclofaixas, assim como a pavimentação de vias degradadas e a instalação da sinalização viária necessária. Com o PRÓ-MOB, os projetos poderão ser financiados em até 90% do valor total estimado na
proposta, devendo no mínimo 10% serem integralizados pelo município como contrapartida. O programa é implantado com recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e conta com repasse do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).45
Tendo em vista os diversos incentivos, pode-se destacar a recente experiência paulistana com a promoção do uso de bicicletas. A cidade de São Paulo é a maior metrópole brasileira e, consequentemente, uma das com os maiores problemas de congestionamentos. Somado a isso, a cidade, até então, não era considerada como um ambiente amigável e seguro para o uso das bicicletas como meio de transporte pela população.
Os primeiros movimentos para implantação de um sistema viário por ciclovias em São Paulo tiveram início na década de 80 e 90 com pequenos projetos, inclusive com a implantação de bicicletários nas principais estações de metrô da cidade. Somente em 2005, no entanto, por meio do Programa de Melhoria do Transporte e da Qualidade do Ar em São Paulo, mudanças maiores passaram a ser cogitadas. Com recursos provenientes do GEF – Global Environment Facility, administrado pelo Banco Mundial, o programa tinha como objetivo articular soluções entre o governo de São Paulo e a sociedade civil para redução da emissão de gases de efeito estufa, tendo como uma de suas ações a intervenção no sistema de transporte da cidade, para o incentivo ao uso da bicicleta como modo de transporte integrado e como sistema alimentador dos sistemas estruturais de transporte público.46
Decorreu também deste programa a criação de um grupo interinstitucional na Prefeitura do Município de São Paulo, o GT Bicicleta, coordenado conjuntamente pela “SVMA” – Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente e pela “SMT” – Secretaria Municipal de Transportes, com o objetivo de desenvolver um plano de intervenções cicloviárias na cidade. 47 Durante o plano de intervenções do GT Bicicleta, diversas subprefeituras tiveram interesse em implantar as propostas do grupo na cidade, de
45 Para maiores informações: xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxxx.xxx/xxxxxxxxx/000-xxx-xxx.xxxx.
46 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx X. A história dos estudos de bicicletas na CET. São Paulo: Companhia de Engenharia de Tráfego, 2012.
47 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx X. A história dos estudos de bicicletas na CET. São Paulo: Companhia de Engenharia de Tráfego, 2012.
forma que, a partir do GT Bicicleta, foi criado o Grupo Executivo Intersecretarial da Prefeitura do Município de São Paulo para Melhoramentos Cicloviários – “Pró-Ciclista”, por meio da Portaria do Prefeito n° 1.918, de 18 de maio de 2006, sob a coordenação da SVMA, com representantes da SMT, SIURB – Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras, SEME – Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação, SMSP – Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras, CET – Companhia de Engenharia de Tráfego e SPTrans – São Paulo Transportes.48 Posteriormente, dada a grande relação das intervenções cicloviárias com a malha viária da cidade, a coordenação do Pró-Ciclista passou para a SMT, ficando a Companhia de Engenharia de Tráfego – “CET” responsável pela elaboração e aprovação de projetos e intervenções na cidade.
Xxxxx para a política cicloviária da capital paulista foi a edição da Lei Municipal n° 14.266, de 6 de fevereiro de 2007, que criou o Sistema Cicloviário do Município de São Paulo, tornando obrigatória a implantação de infraestrutura para trânsito de bicicletas na cidade e implantação de bicicletários e infraestrutura semelhante nos terminais de transporte coletivo urbano.
Atualmente, a cidade de São Paulo conta com o programa do governo Haddad SP 400 km, visando a implantar, até final de 2015, 400 km de malha cicloviária na cidade, além da respectiva infraestrutura (paraciclos, biciletários e sinalização). Tal projeto já mostrou enormes avanços em 2014, passando a cidade de 63 km de ciclovias para 288,84 km de infraestrutura definitiva. 49 Além disso, São Paulo conta hoje com 5.115 vagas em bicicletários e paraciclos integrados às estações da CPTM e do Metrô, e aos terminais da SPTrans. 50 Por fim, destaque-se o projeto para implantação de ciclovia na Avenida Paulista que, apesar de certa polêmica, encontra-se – à época deste estudo, em fase de levantamento de opinião pública. Os projetos são elaborados pela CET que contrata particulares para a execução das obras.
48 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx X. A história dos estudos de bicicletas na CET. São Paulo: Companhia de Engenharia de Tráfego, 2012.
49 Site CET: xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxxx-xx-xxxxxx.xxxx
50 Site CET: xxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxxxxxxx-xx-xxxxxx.xxxx
Outra relevante iniciativa que tem impacto direto no uso de bicicletas como modo de transporte é a implantação de sistemas de bicicletas públicas. Tal sistema permite que um usuário, mediante pagamento, possa utilizar uma bicicleta por um período de tempo, devolvendo-a em outra estação. Tal iniciativa tem se difundindo em diversas cidades brasileiras. A questão por trás de tal sistema é a forma de contratação que tem se dado de diversas maneiras e em parcerias com os mais diversos agentes. A lógica para tal serviço é a permissão do uso de bem público para a implantação das bicicletas. Em contrapartida ao investimento do parceiro privado, este pode utilizar do espaço e das bicicletas para realização de publicidade.
Além de um sistema cicloviário definitivo como principal forma de desafogar o congestionamento em grandes centros, existem também as ciclofaixas que funcionam nos finais de semana em uma determinada faixa horária. A instituição de ciclofaixas não tem, no entanto, como foco o descongestionamento das vias, mas sim a promoção do esporte e lazer nas cidades.
A proposta apresentada pelo PLAMUS, além dos aspectos mencionados nos itens acima, relacionados à dispersão populacional e ao impacto do fluxo de passageiros nos principais centros, deve levar em consideração o desenvolvimento sustentável do espaço urbano. Nessa concepção, surge o desenvolvimento equilibrado da paisagem urbana, como o objetivo de promover a preservação do espaço e dos elementos da cidade, impedindo a degradação visual e ambiental.
Nesse sentido, tem-se que os elementos que compõe o espaço urbano, principalmente aqueles relacionados à mobilidade, desempenham um relevante papel na qualidade de vida nos grandes centros, como é o caso da RMF. O mobiliário urbano - como abrigos e paradas de ônibus, totens indicativos e painéis publicitários - é elemento necessário, principalmente ao tratar de transporte público de passageiros, podendo ser aproveitado como fonte de receita para os municípios para fins publicitários.
Assim, o município pode valer-se de uma concessão comum do mobiliário para publicidade, auferindo receitas acessórias que poderão contribuir para a melhoria do transporte público de passageiros e da qualidade do espaço urbano. Além das receitas