THE RIGHT TO COMPENSATION FOR THE TERMINATION OF THE CONTRACT WITH THE RESOLUTIVE TERM OF THE WORKER IN PUBLIC FUNCTIONS
DO DIREITO À COMPENSAÇÃO PELA CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS A TERMO RESOLUTIVO CERTO
THE RIGHT TO COMPENSATION FOR THE TERMINATION OF THE CONTRACT WITH THE RESOLUTIVE TERM OF THE WORKER IN PUBLIC FUNCTIONS
Rui Luís1
Resumo
O contrato de trabalho em funções públicas tem uma natureza especial que se coaduna com o interesse público. O Legislador na última reforma legislativa procurou aproximar o quadro normativo do sector público ao sector privado. Por essa razão, previu no atrigo 4.º da Lei Geral Do Trabalho Em Funções Públicas (adiante “LGFPT”) a remissão para o Código do Trabalho (adiante “CT”), no que respeita a um conjunto de matérias aí de- terminadas que são na verdade de natureza meramente indicativa e cuja a aplicação deverá ser sempre aplicável “mutatis mutandis”, alterando-se na medida do adequado tendo em consideração a natureza pública de função. Esta previsão representa uma porta aberta para a aplicação subsidiária do CT à função Pública sempre e quando a situação assim o justifi- que e a mesma seja compatível com a natureza especial do serviço público. O contrato de trabalho a termo resolutivo certo na função pública quando xxxxxx deixa uma única certeza ao trabalhador: está desempregado! Na verdade, trata-se de uma situação transversal a toda a relação laboral, quer seja ela de natureza pública ou privada. Por isso, o trabalhador é colocado numa situação em que desconhece quando e como poderá ser novamente integra- do no mercado de trabalho, incerteza essa que se manifesta independentemente da certeza quanto ao termo, que quando ocorre faz caducar o contrato de trabalho. Assim, é necessário estabelecer uma resposta adequada ao direito à compensação pela caducidade do contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, que esteja em consonância com a legislação em vigor e com os entendimentos mais recentes da jurisprudência e da doutrina.
PALAVRAS-CHAVE: contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo; caducidade; direito à compensação pela caducidade.
Abstrat
The employment contract in public functions has a special nature that is consistent with the public interest. The Legislator in the last legislative reform sought to bring the legal framework of the public sector closer to the private sector. For this reason, it envisaged in paragraph 4 of the General Labor Law in Public Functions the reference to the Labor Code, with respect to a set of matters determined therein that are in fact, of a purely indica- tive nature and whose application should always be applied “mutatis mutandis”, changing as
1 xxx.xxxx@xxxx.xx; Instituto Politécnico de Castelo Branco.
appropriate taking into account the public nature of the function. This provision represents an open door for the subsidiary application of the Labor Code to the Civil Service whene- ver and whenever the situation justifies it and is compatible with the special nature of the public service. The fixed-term employment contract in the public service when it expires leaves a single certainty for the worker: he is unemployed! In fact, it is a situation that cuts across the entire employment relationship, whether public or private. For this reason, the worker is placed in a situation where he does not know when and how he can be integrated into the labor market again, an uncertainty that manifests itself regardless of the certainty as to the term, which when it occurs causes the employment contract to expire. Thus, it is necessary to establish an adequate response to the right to compensation for the expiry of the employment contract in public functions with a definitive resolution term, which is in line with the legislation in force and with the most recent understandings of jurisprudence and doctrine.
KEYWORDS: Employment contract in public functions for a fixed term; lapse; right to compensation for expiry.
1. A NATUREZA EXCECIONAL DO CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
A questão em torno do direito à compensação nos contratos de trabalho a termo resolutivo certo na função pública está longe de ser unânime. Atualmente, existem várias instituições do setor público, nomeadamente, entidades do Ensino Superior, com entendimentos divergentes.
O universo da função pública deveria pautar-se pelas mesmas regras, servir de exemplo, mas não é, verdadeiramente, isso que acontece.
Muitas das instituições seguem uma tese próxima à defendida por Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, cuja tutela consagrada na lei apena se destina a “tutelar uma expectativa, de compensar o fim de um sonho: quando o trabalhador desperta desse sonho para o pesadelo do desemprego, porque o emprega- dor não renova o seu contrato, então a lei compensa-o, atribuindo-lhe o crédito pecuniário correspon- dente; mas nos outros casos já não, seja porque é o trabalhador, ele mesmo, que decide não renovar o vínculo, seja porque, sendo o vínculo irrenovável, nem em sonhos o trabalhador poderia aspirar a uma tal renovação…”2 Nesta tese, entende-se que o próprio trabalhador, à data da celebração do vínculo contratual, já tem conhecimento de que o seu contrato irá terminar, sem que para isso haja necessidade de qualquer tipo de comunicação e/ou formalidade.
O tema prontamente chegou aos Tribunais e também aí não houve consenso, sendo conheci- das várias decisões bastante divergentes entre si.3
2 . cfr. XXXXXXX XXXXXXX, Xxxxx. “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3.a edição, Principia, Cascais, 2012, pág. 65; Que nas palavras de Xxxx Xxxx Xxxxx, representa uma “concepção estreita da ratio da compensação, que vê nesta, tão-só, uma forma de tutela das expectativas renovatórias defraudadas do trabalhador” LEAL AMADO, Xxxx. “De novo sobre uma velha questão: a compensação por caducidade nos contratos a termo certo”. In: Revista da Ordem dos Advogados 1941, Lisboa, 2014, pág. 421.
3 Por exemplo: Acórdão da Relação de Lisboa, de 22.ABR/2009, proc. 1761/07.1TTLSB -4, disponível em: www.dgsi. pt
“I – A caducidade, enquanto causa de cessação do contrato de trabalho, opera, em regra, automaticamente, sem que o trabalhador tenha, em regra, direito a uma compensação pela verificação da mesma;
II – Na outorga de um contrato de trabalho a termo certo, tendo-se estipulado entre as partes contratantes que o mes- mo era celebrado por um período de três meses, eventualmente, renovável por um único e igual período de tempo, a cessação do mesmo, após esta renovação, não decorrente de qualquer declaração nesse sentido emitida pela entidade empregadora, mas por simples verificação do decurso do prazo, não confere ao trabalhador o direito a compensação por caducidade.”
“1. É válida a cláusula inserta no contrato de trabalho a termo certo, nos termos da qual o contrato cessará no termo estipulado sem necessidade de qualquer comunicação prévia da entidade patronal.
2. Ocorrendo a cessação do contrato no termo estipulado, na sequência daquela cláusula contratual, mutuamente acordada, não assiste ao trabalhador o direito à compensação a que alude o artigo 388.º n.º 2 do Código do Trabalho.”
Em paralelo com os Tribunais, também a doutrina tem tido dificuldade em encontrar um pon- to comum e, em consequência, têm resultado teses bastante contraditórias, que se caracterizam pelo seu antagonismo.4
Certamente, não foi esta a incerteza que o Legislador, quer no CT quer na LGTFP, pretendeu introduzir no ordenamento jurídico, i.e., claramente não pretendeu contribuir para a existência de um sistema pautado por dois pesos e duas medidas.
A questão complica-se com a automaticidade da caducidade do contrato de trabalho em fun- ções públicas, que opera por força da Lei sem necessidade de intervenção dos signatários contra- tantes, como acontece nos contratos a termo resolutivo certo sem possibilidade de renovação.
Também a própria natureza de excecionalidade do vínculo a termo contribui para dificultar a questão.
Além do mais, a própria redação utlizada pelo legislador não resulta ser de fácil interpretação, não obstante a última redação ajudou a clarificar a real vontade do legislador e a finalidade da norma que prevê a compensação pela caducidade.
Também, a própria vontade do trabalhador é difícil de percecionar. Por essa razão, colocam-se as seguintes questões: será possível e/ou aceitável que o trabalhador dê, desde logo, no momento da assinatura do contrato de trabalho, o seu consentimento e expresse a sua vontade ab initio para valer num acontecimento futuro? Mas não é a relação laboral, pela sua própria natureza, uma relação assimétrica? Cedo, salta à vista que assim fosse e a questão do pagamento da compensação seria sempre condicionada pela vontade do empregador. Mas, certamente, não terá sido esse o espírito legislativo que envolve este mecanismo de compensação.
Ora, é sobre esta questão que se pretende fazer uma reflexão, a fim de dar e/ou ajudar a encon- trar uma resposta a este problema. Uma resposta que se coadune com a melhor interpretação dos preceitos legais à luz do direito constitucional, comunitário e laboral.
A solução terá sempre que passar por uma resposta que se coadune com os direitos e princípios constitucionalmente consagrados, principalmente, em respeito pelo princípio da proporcionali- dade, presente no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, em respeito pelos seus três subprincípios: necessidade (ou exigibilidade); adequação; e racionalidade (proporciona- lidade em sentido restrito ou proibição do excesso).
Bem sabendo que os órgãos da Administração Pública devem, entre outros, atuar em obediên- cia à lei e ao direito, ex vi, artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, em respeito pelo princípio da legalidade.
A relação de trabalho é, por natureza, estruturalmente assimétrica. O contrato a termo, pela sua natureza precária, agrava ainda mais essa realidade de assimetria, causando maior desequilí- brio entre a entidade empregadora e o trabalhador.
Por essa razão, houve, ao longo do tempos, necessidade legislativa para diminuir essa desigual- dade, por exemplo, veja-se a consagração do princípio do tratamento mais favorável, que deve ser entendido no sentido de que o legislador consagrou as soluções mais favoráveis ao trabalhador, ou, como afirma Xxxx Xxxx Xxxxx “[O] Direito do Trabalho consiste num ordenamento de carácter protectivo e compensador da assimetria típica da relação laboral, desempenhando numa função tui- tiva relativamente ao trabalhador assalariado”5 ou, por exemplo, o caso do direito processual não condicionar a decisão do julgador ao pedido.
4 Em sentido negativo, XXX XXXXXX, Diogo. “Código do Trabalho Anotado”, Coimbra Editora, 2010, pág. 824; XXXXXXX XXXXXXX, Xxxxx. “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3.a edição, Principia, Cascais, 2012, págs. 56- 67; XXXXX XXXXXXX, Xxxxxxx. “Tratado de Direito do Trabalho Tomo II Situações Laborais Individuais.” 5.a edição., Almedina, Coimbra, 2014, págs. 309-311.
No polo oposto, em sentido positivo, XXXXXX XXXXXXXXX, Xxxxx. “Compensação por extinção do contrato de trabalho”. Questões Laborais, n.º 43, 2013, págs. 254-255; XXXXXXX XX XXXXXX, XXXXX. “O Contrato de Trabalho a Termo”. Universidade Católica Editora, Lisboa, 2013, págs. 204-205; XXXX XXXXX, Xxxx. “De novo sobre uma velha questão: a compensação por caducidade nos contratos a termo certo”. In: Revista da Ordem dos Advogados 1941, Lisboa, 2014, págs. 410-424.
5 vid. XXXX XXXXX, Xxxx. “Contrato de Trabalho.” Coimbra Editora, 3a Edição - Reimpressão 2020, p. 42.
É desta perspetiva de assimetria que devemos entender os mecanismos indemnizatórios aquan- do da cessação do contrato de trabalho, como um ajuste que se faz àquela que é a parte mais débil. Na verdade, o direito à compensação resulta pela nova situação em que o trabalhador é colo- cado. Deste ponto de vista, o fundamento que serve de base para negar o direito à compensação pela cessação do contrato de trabalho em funções públicas a termo certo resolutivo, justificado pelo facto do trabalhador se encontrar numa situação já previsível e, em consequência, já esperada,
mostra-se contrário a este entendimento.6
Na verdade, a compensação mostra-se necessária para acautelar os direitos e interesses do tra- balhador que foi contratado a termo. É certo que numa economia de pleno emprego, esta assun- ção poderia manifestar-se como irrelevante uma vez que os mecanismos de oferta e procura se equilibrariam. No entanto, não é essa a nossa realidade!7
O Legislador comunitário é conhecedor da precariedade laboral atual. Por essa razão, o Direi- to comunitário tem demonstrado uma maior preocupação com a situação de desemprego em que o trabalhador é colocado quando termina a relação laboral a termo. Também o Legislador nacio- nal tem demonstrado preocupação com as situações de precariedade dos vínculos laborais, tendo por essa razão promovido programas de regularização extraordinária dos vínculos precários.8
Na verdade, as últimas alterações legislativas no CT têm passado por dificultar a contratação a termo.9 Com o impacto legislativo comunitário, o contrato a termo tem tendência a ficar mais oneroso, como efeito do combate aos falsos contratos a termos, daqueles trabalhadores que se encontram a satisfazer necessidades permanentes.
O atual regime da contratação a termo é, em substância, o que já se encontrava previsto na Lei nº 23/2004 de 22 de junho. A única diferença é que, enquanto este último diploma remetia para o Código do Trabalho a regulação de todos os aspetos que nele não se encontravam especificamente previstos, o RCTFP incorporou o que no Código de Trabalho se dispunha, limitando-se, no que respeita à contratação a termo, a “... adequar o regime no âmbito da Administração Pública às exigências de interesse público e, sobretudo, conformá-lo com o direito constitucional de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”. Em 2014, o RCTFP deu o seu lugar à LGFPT, que manteve a mesma a mesma matriz adotada no Código de Trabalho.
A conjuntura económica, que em tempos difíceis requer medidas extraordinária, aclara a von- tade real do Legislador. Veja-se, por exemplo, o artigo 55.º da Lei do Orçamento do Estado de 2015, que nos seus nºs 1 e 2 dispunha que “[a]os docentes contratados pelo Ministério da Educação e Ciência a termo resolutivo não é devida a compensação por caducidade a que se referem o nº 3 do artigo 293º e nº 4 do artigo 294º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (…) se ocorrer a celebração de novo contrato sucessivo até 31 de [d]ezembro do ano letivo seguinte”. Ora, neste caso concreto, o próprio legislador reconheceu a existência do direito à compensação nos contratos a termo resolutivo certo na função pública. Mas, como bem entende Xxxxxx Xxxxx Xxxxx, este regime, vertido na Lei do Orçamento do Estado de 2015, constitui uma exceção ao regime geral
6 De facto, todo o direito laboral gira em torno na necessidade de proteção do trabalhador, tal como se extrai, quer da legislação nacional quer da legislação comunitária, máxime, da Diretiva 1999/70/CE, do Conselho, de 28 de junho de 1999.
7 Veja-se que o desemprego em 2018 para pessoas com menos de 25 anos foi de 20,3% para uma taxa de desemprego global de 6,1%, dados disponíveis em: xxxxx://xxx.xxxxxxx.xx
8 Por exemplo, o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública (PRE- VPAP).
9 Veja-se, por exemplo, as alterações ao Código de Trabalho, no que à contratação a termo diz respeito, que entraram em vigor a 1 de outubro de 2019, e se traduzem, nomeadamente, nas seguintes alterações:
a) A duração máxima acumulada do contrato de trabalho a termo certo, incluindo renovações, baixa de três para dois anos. E as renovações deixam de poder exceder o tempo do primeiro contrato. Na prática isto significa que para um contrato de trabalho a termo com duração de nove meses, continuam a poder ser feitas no máximo três renovações, mas estas não podem perfazer mais do que os nove meses, ou seja, a duração do contrato inicial;
b)As empresas que contratem a tempo certo acima do que é permitido no setor onde operam, terão de pagar uma taxa que terá aplicação progressiva. Na prática, a taxa que começa a ser cobrada em 2021, será calculada com base na diferença entre o peso anual de contratação a termo e um indicador setorial, até ao máximo de 2%. Este “indicador setorial” deverá ser publicado no primeiro trimestre de cada ano pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas do emprego e da Segurança Social.
contido na LTFP.10 Ou seja, o seu conteúdo não é extensível a qualquer outro caso não reentrante na respetiva da previsão da normativa.11 Assim, neste caso concreto, o legislador estabeleceu um regime de exceção na norma 55.º da referida Lei do Orçamento do Estado de 2015, que admitia o não pagamento da devida compensação para aqueles casos em que houvesse celebração de novo contrato até 31 de dezembro do ano letivo seguinte. Pelo que, resulta claro que a regra geral obriga ao pagamento da compensação ao trabalhador que vier a cessar um contrato de trabalho a termo certo resolutivo na função pública.12
Mas a questão complica-se nas situações em torno do contrato a termo resolutivo certo. Por exemplo, no ensino superior, o trabalhador, muitas vezes convidado, quando inicia as suas funções sabe do término da sua relação laboral, sem prejuízo do contrato poder vir a ser renovado, sempre que essas seja a vontade das partes.13
É certo que o tema não é claro e não vislumbra uma resposta fácil. Mas não podemos esquecer o carácter excecional do contrato a termo. Por esse motivo, parte da jurisprudência nacional, a pro- pósito dos contratos de trabalho docente a termo resolutivo, já vinham a reafirmando a existência do direito à compensação no final do contrato a termo certo resolutivo em funções públicas.14
Além do mais, a circunstância de o pessoal docente Universitário se encontrar sujeito às par- ticulares especificidades decorrentes do Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU) ou do pessoal docente dos Politécnicos se encontrarem sujeito às particulares especificidades decor- rentes do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP), não impede nem afasta a aplicação do regime geral aplicável aos trabalhadores em funções pública, na parte em que não seja com ele incompatível.15 Pelo que, neste caso concreto, por não resultar qualquer impedimento por incompatibilidade dos regimes, deve a solução do sector privado ser a mesma do sector público. Assim, tanto num caso como no outro, o contrato de trabalho a termo deve ficar reservado para as situações excecionais, apenas para fazer face a situações inesperadas de forma permitir o normal funcionamento das atividades laborais.
Assim, nestes termos, cessando o contrato de trabalho em funções públicas a termo certo por denúncia da entidade empregadora pelo fim do respetivo prazo, assiste ao docente o direito à com- pensação por caducidade do contrato porque a caducidade não decorre da sua vontade.16
2. A CADUCIDADE DO CONTRATO A TERMO E A FUNÇÃO DA COMPENSAÇÃO
O instituto da compensação em caso de cessação do contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, quando não decorra da vontade do trabalhador, visa ressarcir e atenuar os prejuízos decorrentes daquela perda.
10 vid. XXXXX XXXXX, Xxxxxx. “Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. Anotada e Comentada.” 3a edição, 2018, p. 355.
11 cfr. XXXXX XXXXX, Xxxxxx. “Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. Anotada e Comentada.” 3a edição, 2018, p. 355.
12 Como refere Xxxxxx Xxxxx Xxxxx: “[a] norma em causa aplica-se, indiscutivelmente, aos educadores de infância e aos docentes do ensino básico e secundário”. cfr. XXXXX XXXXX, Xxxxxx. “Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. Anotada e Comentada.” 3a edição, 2018, p. 355.
13 Mas também nesta situação o autor Xxxxxx Xxxxx Xxxxx é perentório que o regime de exceção previsto na norma 55 da referida Lei do Orçamento do Estado de 2015, não se aplica aos docentes do ensino superior (ainda que convida- dos), porquanto e por força da autonomia universitária, o vínculo laboral destes últimos é celebrado com a própria instituição de ensino superior politécnico ou universitário e não com o Ministério da Educação. cfr. XXXXX XXXXX, Xxxxxx. “Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. Anotada e Comentada.” 3a edição, 2018, p. 355.
15 cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26.FEV/2015, proc. 10713/13, disponível em: xxx.xxxx.xx
16 Neste sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26.FEV/2015, proc. 10713/13, disponível em: xxx.xxxx.xx
Assim a solução legal compreende-se: perante um contrato a termo certo, caso este caduque por iniciativa do empregador é justo que o trabalhador seja compensado pela perda do emprego.17 Na verdade, a compensação não representa um elemento dissuasor do próprio despedimento em si, mas visa tão só, reparar o dano emergente da cessação do vínculo laboral.18
Esta compensação é comummente entendida como correspetiva à própria natureza precária do vínculo de emprego e como um desincentivo ao recurso a esta modalidade contratual. Assim, esta atribuição pecuniária trata-se de uma compensação pela natureza precária do vínculo que o trabalha- dor celebrou, através da qual se visa tornar mais onerosa para o empregador a contratação a termo.
O contrato a termo é necessário no nosso ordenamento jurídico, mas deverá ser sempre a exce- ção. Assim, como exceção, deverá representar sempre uma resposta mais onerosa ao empregador. Porque, o empregador para situações de necessidade permanente deverá optar pela contratação por tempo indeterminado.
Assim, a compensação não deverá estar relacionada com a vontade das partes contratantes senão com a natureza do contrato em si. É certo que se o contrato caducar por vontade do traba- lhador, i.e., nas situações em que este não fica desempregado, mas abdica do trabalho, não deverá haver lugar a qualquer compensação.19
Xxxxx, imputar ao trabalhador uma vontade de que este quando celebra o contrato de traba- lho já está a pensar no seu fim, nos casos em que se estabelece uma cláusula de irrenovabilidade inserida no contrato, ao abrigo do disposto no artigo 149.º, n.º 1, do Código Trabalho, está-se na verdade a desvirtuar a essencialidade do trabalho, ou seja, a descaracterizar a sua finalidade e função social.20 Além do mais, é essa essencialidade social que o trabalho tem para o trabalhador que está na base da opção do legislativa, prevendo-se uma compensação e não um prémio de final de contrato.
Sendo o contrato a termo, certo ou incerto, o trabalhador sabe à partida que o mesmo irá caducar, ou seja, que não será um contrato duradouro e que estará sempre sob condição e quando essa se verificar o contrato acabará por morrer.21
Na relação laboral não podemos esquecer-nos que o trabalhador é o elo mais fraco. Como já referimos, a relação de trabalho é uma relação fortemente assimétrica, sendo que, tratando-se de um trabalhador precário como o contratado a prazo, essa assimetria é ainda mais acentuada.22 Ora, a impossibilidade de renovação de um contrato a termo, como causa automática de não reno- vação, é condição do empregador e não uma vontade do trabalhador, ou seja, nas palavras de Xxxx Xxxx Xxxxx, “esse [é] um contrato que o empregador não quer renovar, não quer prolongar para além
17 LEAL XXXXX, Xxxx. “De novo sobre uma velha questão: a compensação por caducidade nos contratos a termo certo”. In: Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa pág. 413
18 Neste sentido, vid. Nota n.º 2 ao artigo 401º, NETO, Xxxxxx “Processo Disciplinar e Despedimentos”, Jurisprudên- cia e Despedimentos, Ediforum, Lisboa, 2004, pág. 254.
19 Para essas situações, o Legislador reserva uma exceção de não existir direito à compensação pela caducidade, no artigo 293.º, n.º 3 da LGFPT.
20 Sobre este assunto, escrevem Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx de Brito na anotação ao artigo 149º - Reno- vação do contrato de trabalho a termo certo, o seguinte: “Estipulada a não renovação, está tutelado o interesse que impõe o aviso prévio como condição da caducidade do contrato de trabalho a termo certo (cfr. artigos 334º nº 1). Ora, da declaração de não renovação resulta uma vontade ab initio de colocar termo no futuro ao contrato de trabalho. vid. XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxx. e outros. “Código de Trabalho Anotado”. Almedina, Coimbra, 12a edição, 2020, pág. 387.
21 Neste sentido, sobre os casos de contratos a termo certo e/ou incerto, escreve Xxxx Xxxx Xxxxx: “em ambos os casos o contrato a termo não é renovável e é integralmente cumprido até à verificação do evento resolutivo, ele morre de “morte natural” quando esse evento se verifica e o trabalhador, num e noutro caso, deverá receber a compensação de caducidade prevista na lei laboral. isto porque, repete-se, caso a razão de ser da compensação por caducidade residisse na tutela das legítimas expectativas do trabalhador na renovação do vínculo contratual, então a única opção coerente do legislador consistiria em não atribuir tal direito ao trabalhador contratado a termo incerto, pois este, tal como o contratado a termo certo com cláusula de irrenovabilidade, sabe desde o início que o seu contrato não será renovado, não podendo, portanto, alimentar qualquer expectativa legítima a este respeito”. XXXX XXXXX, Xxxx. “De novo sobre uma velha questão: a compensação por caducidade nos contratos a termo certo”. In: Revista da Ordem dos Advogados 1941, Lisboa, 2014, pág. 421.
22 Como explica Xxxx Xxxx Xxxxx: “É o empregador, não são “as partes”, quem redige a cláusula: o trabalhador ou adere ou, provavelmente, não logra sequer ser contratado e vê o emprego fugir-lhe”. XXXX XXXXX, Xxxx. “De novo sobre uma velha questão: a compensação por caducidade nos contratos a termo certo”. In: Revista da Ordem dos Advogados 1941, Lisboa, 2014, pág. 422.
do prazo inicialmente estabelecido”.23 Assim, quando esse contrato caduca, automaticamente, isso não exprime qualquer real vontade de o trabalhador abdicar do seu emprego; isso corresponde, tão-só, ao desejo patronal, previamente anunciado, inscrito no próprio contrato, de extinguir esse vínculo. É precisamente isso que acaba por acontecer, mas, por isso mesmo, o empregador deverá, também nestas hipóteses, pagar ao trabalhador a compensação de caducidade prevista no artigo 344.º, n.º 2, do Código de Trabalho.24 Nestes termos, a compensação deverá ser feita pelas regras estabelecidas no Código do Trabalho, nos termos do artigo 366.º, por remissão dos artigos 344.º ou 345.º, consoante o contrato seja a termos certo ou incerto.25
Pelo que, também neste caso, as regras aplicadas ao sector privado, pelo CT, não se mostram incompatíveis com a natureza da função pública. Assim, existindo uma vontade do legislador para aproximar ambos os regimes, deve no artigo 293.º, n.º 3 da LGFPT, conferir ao trabalhador o di- reito à compensação por verificação do seu termo nos contratos a termo resolutivo certo, calculada nos termos previstos no Código do Trabalho para os contratos a termo certo.
3. O DIREITO À COMPENSAÇÃO PELA CADUCIDADE DO CONTRATO A TERMO RESOLUTIVO CERTO
A compensação pela caducidade do contrato a termo certo resolutivo nasce sempre que a mes- ma não resulte da vontade do próprio trabalhador, neste sentido, dispões o nº 3 do artigo 293 da atual LGTFP: “Exceto quando decorra da vontade do trabalhador, a caducidade do contrato a termo certo confere ao trabalhador o direito a uma compensação, calculada nos termos previstos no Código do Trabalho para os contratos a termo certo.” 26
Esta solução vem ao encontro da vontade do Legislador no seu combate à precariedade no universo laboral.27 Na verdade, este normativo legal, limitou-se a clarificar uma solução que cor- responde no fundo ao que já se podia extrair quer do texto quer da ratio do preceito anterior, sen- do que além do mais, a solução expressamente consagrada vem também ao encontro do sentido interpretativo que já se impunha por corresponder a razões de justiça e de combate à precariedade do emprego.28
23 Ibidem idem…
24 Cfr. XXXX XXXXX, Xxxx. “De novo sobre uma velha questão: a compensação por caducidade nos contratos a termo certo”. In: Revista da Ordem dos Advogados 1941, Lisboa, 2014, pág. 423.
25 Na inexistência de qualquer disposição nesta lei sobre a compensação pela caducidade do contrato, nesta matéria, como é sabido por aplicação do princípio da subsidiariedade, há lugar à aplicação da Lei Geral, ou seja, aplicação do Código do Trabalho. Assim, o regime Jurídico do Código do Trabalho é de aplicação subsidiária a este caso concreto. Pelo que as razões que se apontam como fundamento da atribuição pecuniária compensatória, supra indicadas, po- dem ser, sem qualquer dificuldade, objeto de transposição para o âmbito dos contratos a termo resolutivo celebrados no seio da Administração Pública. Configurando-se, sem dúvida, como uma indemnização/compensação por inter- venções lícitas, essa atribuição patrimonial não pode deixar de ser também associada à natureza precária do vínculo contratual sujeito a termo resolutivo. Ora, a situação de precariedade que emerge do contrato a termo é, no essencial, idêntica, seja ele celebrado com uma pessoa coletiva pública, seja ele outorgado com um empregador privado. O entendimento transcrito é inteiramente válido à luz do LGTFP.
26 O elemento essencial no direito à compensação, numa correção de uma interpretação do nº 3 do artigo 293 do atual LGFPT, apenas restringe o dever de compensar o trabalhador aos casos em que a caducidade do seu contrato se funda na sua vontade em não renovar, ou seja, reserva-se para as situações em que é a vontade do próprio trabalhador que origina a caducidade do contrato.
27 É certo que, de acordo com o nº 2 do artigo 9 do Código Civil, o intérprete não pode dar a uma norma uma interpretação “...que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. E não é menos verdade que a primeira regra de interpretação, prescrita no nº 1 do artigo citado, é a de que esta “...não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”. Deste modo, é à luz desta dupla exigência hermenêutica – que enquadra ou baliza toda a interpretação legal – que se impõe ao intérprete a presunção segundo a qual “...na fixação do sentido e alcance da lei, (…) o legislador consagrou as soluções mais acertadas (...)”, constante no nº 3 do citado artigo 9 do Código Civil, justamente por presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas é que o intérprete não deve cingir-se à letra da lei quando de uma interpretação estritamente literal resulte um desvirtuamento do pensamento legislativo e uma distorção da unidade do sistema jurídico.
28 Neste sentido, vid. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.ABR/2014, proc. 01132/13, disponível em: xxx.xxxx.xx
É certo que no âmbito da função pública, a entidade empregadora não necessita emitir uma de- claração no sentido da não renovação do contrato pelo facto do contrato a termo certo não estar su- jeito a renovação automática e caducar no termo do prazo máximo de duração legalmente previsto.29 No entanto, é necessário compreender a razão das normas que estabelecem a compensação.
Se a razão de ser das normas que estabelecem a compensação têm como objetivo compensar uma situação de menor estabilidade, essa, razão de ser, sai até reforçada no sector público, porque não há conversão do contrato a termo certo em contrato com termo indeterminado, consequência que o legislador consagrou e reservou para o sector privado.30
Nesta perspetiva, ao interpretarmos o nº 3 do artigo 293.º do atual LGFPT não podemos ignorar, por um lado, que a compensação prevista se insere no contexto do regime da contratação a termo, i. e., de acordo com o quadro normativo comunitário que procura evitar abusos dos con- tratos de trabalho a termo31, e, por outro lado, que a matriz da atual LGFPT é o direito laboral privado, em concreto a estabelecida no Código do Trabalho de 2009, então em vigor.32 Neste sen- tido, a LGFPT, também introduz limitações à celebração do contrato a termo, com a necessidade de motivação e o estabelecimento de limites à sua duração e à renovação.33
Pelo exposto, todo o regime da contratação a termo foi legislado tendo em atenção que esta modali- dade contratual confere ao trabalhador um vínculo laboral precário, o que determina o seu carácter ex- cecional, em conformidade e consonância com o princípio constitucional da segurança no emprego.34 Assim, a interpretação literal do disposto no nº 3 do artigo 293 atual LGFPT, resulta, “prima facie”, haver direito à compensação pela mera caducidade do contrato, independentemente da par- te que lhe dê origem, desde, como vimos, não seja uma consequência da vontade do trabalhador.35
29 Neste caso, o direito à compensação por caducidade não está dependente em qualquer caso de declaração ou comu- nicação da entidade empregadora, sendo a regra a da caducidade do contrato no termo do prazo de forma automática ou “ope lege”, ex vi, no artigo 293º, nº 1 LGFPT.
30 Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.ABR/2014, proc. 01132/13, disponível em: xxx.xxxx.xx 31 Veja-se que a Diretiva 1999/70/CE do Conselho de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo-quadro CES, UNI- CE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, estabeleceu um princípio da não discriminação, introduziu a proibição dos empregadores tratarem os trabalhadores com contratados a termo de forma menos favorável do que os trabalhadores permanentes pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato a termo, salvo se razões objetivas justificarem a diferença de tratamento. Neste sentido, a referida Diretiva de forma a evita os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, estabeleceu que os países da UE, após consulta dos parceiros sociais, devem introduzir uma ou várias das seguintes medidas no âmbito dessa contratação (tendo em conta as necessidades de setores e categorias de trabalhadores específicos), nomeadamente: esclarecer as ra- zões objetivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais a termo; estabelecer uma duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo; e definir um número
máximo de renovações desses contratos.
32 Na verdade, é este diploma que a atual LGFPT reproduz, limitando-se a adaptar algumas das suas disposições às especificidades decorrentes da natureza pública do empregador.
No Código do Trabalho de 2009, a contratação a termo tem desde logo exigências de motivação, que assentam no pressuposto de que se tratará aqui de corresponder a necessidades não permanentes de trabalho (artigo 129.º do Có- digo do Trabalho, artigo 140.º na redação aprovada pelo decreto); a relação dela emergente deve perdurar durante um período mínimo (artigo 142.º do Código, artigo 148.º na nova redação); o contrato deve observar uma certa forma (artigo 131.º, n.º 4, do Código e artigo 141.º, n.º 1, da nova redação); em caso de cessação do vínculo «por declaração do empregador» deve este último compensar o trabalhador (artigo 388.º, n.º 2, do Código, artigo 344.º, n.º 2, da nova redação). A tudo isto acresce, ainda, a limitação decorrente do n.º 1 do artigo 132.º do Código (mantida, quanto ao essencial, no artigo 143.º da nova redação), segundo a qual, em regra, “[a] cessação, por motivo não imputável ao trabalhador, de contrato de trabalho a termo impede nova admissão a termo para o mesmo posto de trabalho, antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo as suas renovações”.
33 cfr. artigo 57.º, 60.º e 61.º, todos da LGFPT.
34 Assim, e entre nós, o estabelecimento, entre trabalhadores e empregadores, de relações de trabalho constituídas por contratos de duração indeterminada deve ser a regra e a contratação a termo a exceção. Por isso prevê o direito vigente que seja limitada a possibilidade de celebração de «contratos a termo», através do recurso a elementos de constrição que não estão presentes no regime do contrato de duração indeterminada.
Neste sentido, como menciona o Tribunal Constitucional: “Não sendo este regime, seguramente, o único constitu- cionalmente possível, a verdade é que a sua existência - e a distinção essencial que dele emerge quanto à modelação dos contratos de trabalho por tempo indeterminado e a modelação dos contratos a termo - concretiza a injunção decorrente do artigo 53.º da CRP. O recurso ao vínculo precário da chamada «contratação a termo» não pode deixar de ser, na ordem infraconstitucional, marcada pelo cunho da excepcionalidade: a isso induz o dever, que impende sobre o legislador ordinário, de evitar situações injustificadas de precariedade de emprego.” cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 632/2008, processo n. 977/2008, de 23.DEZ/2008, publicado em Diário da República n.º 6/2009, Série I de 2009-01-09, pp. 161-169.
35 O Código do Trabalho de 2009, no seu artigo 344.º nº 2, clarifica esta questão de índole laboral, da qual resulta inequivocamente que no regime laboral comum quando a caducidade do contrato não decorra da sua vontade o trabalhador tem sempre direito à respetiva compensação.
Em suma, é uma questão pacifica na doutrina que a compensação assume uma função especial de tutela face a uma situação frágil do trabalhador e que o legislador quis que a contratação a termo fosse excecional.
Aqui chegados, importa então verificar se a transposição da disposição da alínea do anterior artigo 388 nº 2 do Código de Trabalho de 2003, atualmente, artigo 344 nº 2 do Código de Tra- balho de 2009, para o artigo nº 3 do artigo 252 do anterior RCTFP, atualmente, previsto no disposto nº 3 do artigo 293 do atual LGFPT, quis introduzir uma alteração substancial de regime quanto aos efeitos compensatórios decorrentes da caducidade do contrato, estabelecendo uma redução da tutela compensatória ali prevista, justificada pela natureza pública do empregador e no interesse público que este visa prosseguir.36 Facilmente se verifica que essa não foi a intenção do Legislador, porque nesta questão não se afigura difícil reconstituir o pensamento legislativo.37 Na verdade, foi vontade do Legislador manter as regras especiais aplicáveis ao contrato de trabalho em termo resolutivo previstas na Lei nº 23/2004, de 22 de Junho. Regras essas que não influem na interpretação ou aplicação da norma prevista no artigo 293, nº 3, do LGFPT. Esta interpretação do nº 3, do artigo 293 LGFPT, não só respeita o princípio vertido no nº 2 do artigo 9 do Código Civil como é o único que traduz o pensamento legislativo.38
Além do mais, foi vontade do Legislador aproximar ambos os regimes. Neste sentido, à se- melhança do regime laboral comum, sempre que a caducidade do contrato não decorra da sua vontade, o trabalhador tem direito à respetiva compensação.
Pelo que, numa interpretação correta, a previsão do nº 3 do artigo 293º só pode ser lida no sentido de que a verificação do requisito da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de renovar o contrato se afere formalmente. Ou seja, não havendo a comunicação que a lei refere, o trabalhador terá direito à compensação pela caducidade do respetivo contrato, inde- pendentemente da causa que motiva o silêncio do empregador.
Aliás, bem pelo contrário: são essas mesmas exigências de interesse público que concorrem para fundamentar o direito à compensação existente, na medida em que tal direito visa igualmente «... em conjugação com outros as- pectos de regime do contrato a termo certo, garantir a harmonização da situação precária de trabalho emergente com o princípio da estabilidade e segurança do emprego plasmado no artigoº 53º da Constituição», como bem assinalou a Procuradoria¬Geral da República no seu Parecer n.º 23/97.
O que as exigências de interesse público e a conformação com o direito constitucional de acesso à função pública ditam é a impossibilidade de conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado. Daí resulta a necessidade de adaptar a essa circunstância as regras de renovação e de caducidade do contrato, previstas no Código de Trabalho. Pelo que o disposto no nº 3 do artigo 293º do LGFPT mais não é do que uma transposição “mutatis mutandis” do que estava prescrito no anterior nº 2 do artigo 388º do Código do Trabalho (2003), atualmente no ar- tigo 344 do atual Código do Trabalho (2009). Ou seja, para que os efeitos compensatórios decorrentes da caducidade do contrato não deixassem de ser iguais. E assim, onde o Código do Trabalho prever a renovação automática dos contratos (e subsequente conversão, ultrapassados os limites legais) dispôs que “... a caducidade do contrato a termo certo que decorra de declaração do empregador confere ao trabalhador o direito a uma compensação (...)”.
37 Com efeito, na Exposição de Motivos que acompanhou a Proposta de Lei n.º 209/X, que viria a dar origem ao RC- TFP, é claramente enunciado: “A presente proposta de lei pretende aprovar o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), seguindo de muito perto o regime fixado no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e na sua regulamentação, constante da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, o que decorre do objectivo de apro- ximação do regime de trabalho na Administração Pública ao regime laboral comum. Todavia, e como não podia deixar de ser, a aplicação daqueles textos legais aos contratos de trabalho em funções públicas é feita com as adaptações impostas pela natureza destes contratos e, em especial, pela sua subordinação ao interesse público, bem como pelas especificidades que decorrem da entidade empregadora ser um órgão ou serviço da Administração Pública”.
E concretiza: “O RCTFP que agora se apresenta inspira-se nas seguintes preocupações fundamentais: Aproximação ao regime laboral comum; Combate às situações de precariedade no domínio do emprego público; Manutenção e reforço dos direitos dos trabalhadores; Criação de condições para o desenvolvimento da contratação colectiva na Administração Públi- ca; Consagração de um quadro jurídico claro da intervenção das associações sindicais e da acção dos seus dirigentes”.
Especificando, mais adiante é dito ainda: “Como já estabelece a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, o contrato de trabalho é, por regra, celebrado por tempo indeterminado. O contrato a termo resolutivo é a exceção. Assim mantêm-se as regras especiais aplicáveis ao contrato de trabalho a termo resolutivo previstas na Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que visam, no essencial, adequar o regime de contratação a termo no âmbito da Administração Pública às exigências de interesse público e, sobretudo, conformar aquele regime com o direito constitucional de «acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso». Assim, o contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo só pode ser utilizado nas situações expressamente previstas no RCTFP, tem exigências qualificadas de forma, não está sujeito a renovação automática, caducando no termo do prazo estipulado, e não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado. Contudo, neste domínio, dão-se dois passos de maior relevo no combate à precariedade no emprego público”.
38 Na verdade, este pensamento encontra na letra da lei bem mais que um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Este entendimento, encontra-se igualmente vocacionado para a aplicação junto do sector pú- blico, como tem evidenciado a jurisprudência do TJUE. A jurisprudência deste Tribunal interna- cional tem esclarecido que “o benefício da estabilidade do emprego é concebido como um elemento da maior importância na proteção dos trabalhadores”.39 Aliás, como deixa claro o próprio XXXX, o contrato de trabalho a termo, regra geral, apenas satisfaz as necessidade do empregador: “o benefí- cio da estabilidade do emprego é concebido como um elemento da maior importância para a proteção dos trabalhadores, enquanto os contratos de trabalho a termo só em determinadas circunstâncias res- pondem às necessidades tanto dos empregadores como dos trabalhadores”.40
Além do mais, é vontade legislativa procurar limitar e restringir o recurso sucessivo à contrata- ção a termo, cuja sua massiva utilização se traduz em abusos e prejuízo dos trabalhadores. Abusos que se manifestam, para além da precariedade da situação laboral qua já se encontra ab initio com uma duração limitada.41
Em síntese, o facto de as partes terem conhecimento da necessária caducidade do contrato a termo resolutivo certo, não promove o afastamento da incerteza quanto à sua situação no mercado laboral.
Se dúvida ainda houvesse, relativamente à existência do direito à compensação pela caducidade do contrato, refira-se ainda que outro entendimento que defensa a inexistência da compensação, será sempre questionável face ao determinado pelo Direito Comunitário, nomeadamente, no que respeita às disposições contidas na Diretiva 1999/70/CE de 28 de junho de 1999, do Conselho.42 De todo o exposto resulta que o entendimento da Administração, mormente a Administração Local, ao reduzir o direito à compensação pela caducidade do contrato a uma expressão residual, transforma em exceção o que no nº 3 do artigo 293º do RCTFP claramente se pretendeu estabe-
lecer como regra.
Neste sentido, o Estado, pela mão da Administração Local, enquanto entidade empregadora não pode permitir-se, sem razão plausível, isentar-se do encargo compensatório que, ditado em razões de interesse público a que já foram acima referidas, se impõem à generalidade dos empre- gadores.
Porque se, nesta altura, ainda fosse possível existir uma remota dúvida relativamente à existên- cia da requerida compensação por caducidade dos contratos a termo resolutivo certo celebrados com docentes do ensino superior, esta questão deixaria de o ser com a simples leitura do artigo 55 do orçamento de Estado de 2015, Lei nº 82-B/2014, de 31 de Dezembro, quando é o próprio estado, para situação análoga, a reconhecer a existência de tal direito e a estabelecer para o ano de 2015 regras especiais para o seu pagamento.
Em conclusão, o regime aplicado ao sector privado deve ser mutatis mutandis aplicado ao sector público, sendo esse entendimento o único que representa a vontade real do Legislador, pelo que não há que afastar os dois regimes sempre a o caso concreto não seja incompatível com a natureza da função pública.
39 cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 28.FEV/2018, Xxxxxxxx Xxxx vs Freie Hansestadt Bre- men, processo C-46/17, disponível em: xxxx://xxxxx.xxxxxx.xx
40 cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 14.SET/2016, Xxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxx vs Servicio Ma- drileño de Salud (Comunidad de Madrid), processo C-16/15, disponível em: xxxx://xxxxx.xxxxxx.xx
41 A própria progressão de carreira não existe e na prática, justifica uma discriminação de salários, que nestas circuns- tâncias são mais reduzidos, em comparação com trabalhadores efetivos.
42 cfr. artigo 1.º da Diretiva 1999/70/CE de 28 de junho de 1999.
A referida Diretiva tem como objetivo: “Melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação” e “Estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utili- zação de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo”, ou seja, uma finalidade de estabelecer um “acordo quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado a 18 de Março de 1999 entre as organizações interprofissionais de vocação geral (CES, UNICE e CEEP)”.
4. CONCLUSÃO
I. A relação de trabalho é estruturalmente assimétrica e o contrato a termo agrava ainda mais essa realidade de assimetria.
II. O legislador procurou aproximar o regime da função pública ao estabelecido no Códi- go de Trabalho.
III. A compensação mostra-se necessária para acautelar os direitos e interesses do trabalha- dor que é contratado a termo.
IV. Por essa razão, o Legislador nacional tem demonstrado preocupação com as situações de precariedade dos vínculos laborais na função pública, tendo por essa razão promo- vido programas de regularização extraordinária dos vínculos precários.
V. As últimas alterações legislativas no CT, que entraram em vigor a 1 de outubro de 2019, procuram dificultar e onerar a contratação a termo.
VI. O contrato de trabalho a termo deve ficar reservado única e exclusivamente para as situações excecionais.
VII. O artigo 55.º da Lei do Orçamento do Estado de 2015 já havia reconhecido a exis- tência do direito à compensação nos contratos a termo resolutivo certo na função pú- blica.
VIII. A circunstância de o pessoal docente Universitário se encontrar sujeito às parti- culares especificidades decorrentes do Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU) ou do pessoal docente dos Politécnicos se encontrarem sujeito às particula- res especificidades decorrentes do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP), não impede nem afasta a aplicação do regime geral aplicável aos trabalhadores em funções pública.
IX. A compensação resulta da própria natureza precária do vínculo de emprego e como um desincentivo ao recurso a esta modalidade contratual. Assim, esta atribuição pecu- niária trata-se de uma compensação pela natureza precária do vínculo que o trabalha- dor celebrou.
X. Além do mais, é essa essencialidade social que o trabalho tem para o trabalhador que está na base da opção do legislativa, prevendo-se uma compensação e não um prémio de final de contrato.
XI. Assim quando o contrato caduca, automaticamente, isso não exprime qualquer real vontade de o trabalhador abdicar do seu emprego; isso corresponde, tão-só, ao desejo patronal, previamente anunciado, inscrito no próprio contrato, de extinguir esse em- prego.
XII. Concluindo, o artigo 293.º, n.º 3 da LGFPT, confere ao trabalhador um direito à compensação quando se verifica o termo do contrato a termo resolutivo certo, calcula- da nos termos previstos no Código do Trabalho para os contratos a termo certo.
XIII. Pelo que, o trabalhador terá sempre direito à compensação pela caducidade do res- petivo contrato a termo resolutivo certo, independentemente da causa que motiva o silêncio do empregador.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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Artigos em Revistas Especializadas
XXXXXX XXXXXXXXX, Xxxxx. “Compensação por extinção do contrato de trabalho”.
Questões Laborais, n.º 43, 2013
XXXX XXXXX, Xxxx. “De novo sobre uma velha questão: a compensação por caducidade nos contratos a termo certo”. In: Revista da Ordem dos Advogados 1941, Lisboa, 2014
Parecer da Procuradoria¬Geral da República n.º 23/97
Tabela de Jurisprudência
Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 28.FEV/2018, Xxxxxxxx Xxxx vs Freie Hansestadt Bremen, processo C-46/17
Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 14.SET/2016, Xxxxx Xxxxx Xxxxx Xxxxx vs Servicio Madrileño de Salud (Comunidad de Madrid), processo C-16/15 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 632/2008, de 23.DEZ/2008, processo n. 977/2008
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.ABR/2014, proc. 01132/13 Acórdão da Relação de Lisboa, de 22.ABR/2009, proc. 1761/07.1TTLSB -4
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11.MAI/2010, proc. 642/08.6TTPTM.E1 Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 20.FEV/2014, Proc. n.º 10488/13 Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26.FEV/2015, proc. 10713/13 Sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 30.MAR/2011, Proc. n.º
39/11.0BELSB
Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, de 29.JUN/2011, Proc. n.º 684/10.1BECTB
Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 23.NOV/2011, Proc. n.º 1928/10.5BESNT