AVALIAÇÃO E PROPOSIÇÃO DE ALTERNATIVAS PARA ESTRUTURA REGULATÓRIA DO SETOR DE SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL
AVALIAÇÃO E PROPOSIÇÃO DE ALTERNATIVAS PARA ESTRUTURA REGULATÓRIA DO SETOR DE SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL
PREPARADO PARA: PROGRAMA DAS NAÇÕES UNI- DAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD)
Contrato BRA10-707/38412/2020 Projeto BRA/19/015
PRODUTO IV - PROPOSTA DE MECANISMOS DE REGULAÇÃO
30 DE JUNHO DE 2021
Ficha Técnica
Coordenador: Xxxxxx Xxxxxxxx Assistente de Coordenação: Xxxxx Xxxxx Pesquisador: Xxxxx Xxxxxx
Equipe Técnica
Xxx Xxxxxx Xxxxxxx
Xxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx
Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Resumo
Este documento divide-se em três temas principais - Revisão Tarifária, Reajuste Tarifário e Estru- tura Tarifária e Tarifa Social - inseridos no escopo do Produto IV referente ao Projeto “Avaliação e proposição de alternativas para estrutura regulatória do setor de saneamento básico no Brasil”. O objetivo do Produto IV é contribuir para o aprimoramento da regulação no âmbito da atuali- zação do marco regulatório do setor (Lei n° 11.445, de 2007, atualizada pela Lei n° 14.026, de 2020). Para tanto, a equipe se vale da literatura de regulação econômica e evidências funda- mentadas no diagnóstico da situação brasileira, a partir de uma amostra de reguladores, con- forme já iniciado no âmbito do Produto II. Para organizar as discussões inseridas no Produto IV, no capítulo dois, atenção é voltada aos modelos regulatórios e aos elementos constitutivos do processo de revisão tarifária, com destaque para cada um dos componentes da receita requerida. O terceiro capítulo aborda aspectos relativos ao processo de reajuste tarifário anual, enquanto o quarto capítulo se dedica à estrutura tarifária e subsídios tarifários do setor de água e sanea- mento, com foco na população de baixa renda (mecanismo usualmente chamado de tarifa social). O capítulo cinco traz um resumo das proposições elaboradas ao longo do documento.
Sumário
2.2.1 Projeção da demanda de água 13
2.2.2 Projeção da demanda de esgoto 17
2.3 Base de Remuneração Regulatória 18
2.3.1 Aspectos teóricos e metodológicos 18
2.3.2 Avaliação do diagnóstico brasileiro 24
2.4.1 Aspectos teóricos e metodológicos 27
2.4.1.1 Um exemplo de aplicação 32
2.4.2 Avaliação do diagnóstico brasileiro 34
2.5 Custos Operacionais (OPEX) e outros custos 36
2.5.1 Aspectos teóricos e metodológicos 36
2.5.1.1 Definição do plano de contas regulatório 37
2.5.1.2 Estimativa do OPEX no ano base 39
2.5.2 Diagnóstico da situação brasileira 42
2.6.1 Aspectos teóricos e metodológicos 45
2.6.2 Avaliação do diagnóstico brasileiro 58
3.1 Aspectos teóricos e metodológicos 64
3.2 Avaliação do diagnóstico brasileiro 68
4 Estrutura Tarifária e Tarifa Social 78
4.2 Avaliação do diagnóstico brasileiro 94
4.2.1.1 Consumo mínimo faturável x tarifa fixa, associada à tarifa volumétrica 94
4.2.1.2 Faixas de consumo 98
4.2.1.3 Classes de usuário 103
4.2.1.4 Tarifa sazonal 104
4.2.1.5 Cobrança pelo serviço de esgotamento sanitário 105
4.2.1.6 Objetivo de sustentabilidade financeira 108
4.2.2 Tarifa Social 111
4.2.2.1 Análise do impacto das tarifas de saneamento no orçamento familiar 114
4.2.2.2 Caracterização da população vulnerável e avaliação do seu acesso ao benefício da tarifa social 117
4.3 Proposição 123
5 Sumário de proposições 131
5.1 Modelo de regulação 131
5.2 Revisão Tarifária 133
5.2.1 Projeções de mercado 133
5.2.2 Base de Remuneração Regulatória 133
5.2.3 Custo de capital 134
5.2.4 Custo operacional e outros custos 134
5.2.5 Fator X 135
5.3 Reajuste tarifário 135
5.4 Estrutura tarifária e Tarifa Social 136
6 Referências 137
7 ANEXO 144
1 Apresentação
Este documento apresenta a versão final do Produto IV - Proposta de Mecanismos de Regula- ção referente ao Projeto “Avaliação e proposição de alternativas para estrutura regulatória do setor de saneamento básico no Brasil”. O objetivo do Produto IV é contribuir para o aprimora- mento da regulação existente no âmbito da atualização do marco regulatório do setor (Lei n° 11.445, de 2007, atualizada pela Lei n° 14.026, de 2020), valendo-se de aspectos teóricos de regulação econômica e evidências fundamentadas no diagnóstico da situação brasileira, a partir de uma amostra de reguladores, conforme já iniciado no âmbito do Produto II. Para organizar as discussões inseridas no Produto IV, o trabalho foi dividido em temáticas relativas aos mecanismos de regulação tarifária, a saber:
▪ Revisão tarifária;
▪ Reajuste tarifário;
▪ Estrutura tarifária e Tarifa social.
O texto do produto dedica um capítulo a cada um desses temas. Cada capítulo se divide em seções, todas elas estruturadas de modo a contemplar os seguintes aspectos:
▪ Aspectos teóricos e metodológicos;
▪ Avaliação do diagnóstico brasileiro;
▪ Proposição de diretrizes.
2 Revisão Tarifária
Este capítulo se concentra nos temas relativos aos modelos de regulação e processo de revisão tarifária. Neste documento são apresentados aspetos teóricos do procedimento de projeção de mercado pelos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, seguidos por análise detalhada de cada dos itens necessários ao cálculo da receita requerida pelo prestador. Cada uma das componentes da receita requerida é abordada em seção específica, todas estruturadas em subseções destinadas: (i) a apresentar aspectos teóricos e metodológicos, (ii) a realizar diag- nóstico da situação brasileira, e (iii) a elencar proposições que contemplem sugestões de boas
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práticas regulatórias. Segue-se à apresentação dos building blocks componentes da receita re- querida, considerações sobre o fator X.
O novo marco legal do saneamento atribui à Agência Nacional de Águas (ANA) a competência para estabelecer normas de referência para a prestação do serviço de saneamento básico no país. A regulação do setor é exercida de maneira descentralizada por agências subnacionais; o novo arcabouço legal busca harmonizar este aparato regulatório, por meio de regras mais uni- formes e claras. Com um ambiente regulatório mais estável e bem definido, tem-se condições mais favoráveis para atração dos investimentos em busca da universalização dos serviços.
Um debate que tem ocorrido com a aprovação do novo marco legal do saneamento diz respeito ao grau de discricionaridade por parte do regulador na implementação da regulação1. Xxxxx- Xxxxxx (2003) classifica os modelos de regulação em duas categorias ou grupos: (i) regulação por contrato; e (ii) regulação discricionária.
Em uma regulação por contrato, o governo (poder concedente) decide pelos consumidores a quan- tidade e qualidade do serviço a ser fornecido. Se o processo de concessão for competitivo, es- pera-se que o preço seja mais próximo do preço de eficiência, limitando o poder de mercado do prestador.
Entre as principais vantagens de uma regulação dita por contrato, destacam-se a clareza e es- pecificidade da relação entre o poder concedente e o prestador, bem como a capacidade de determinação de preços por meio de um processo competitivo (leilão). Entre as desvantagens, a incompletude contratual e os custos envolvidos em renegociações são tidos como os maiores pro- blemas.
Já na regulação discricionária, a quantidade e a qualidade do serviço a ser oferecido, assim como a tarifa, são determinadas pela agência reguladora, a qual deve seguir uma série de
1 Xxxxx et al. (2006) definem 10 princípios-chave, sendo eles: (i) independência decisória; (ii) prestação de contas – accountability; (iii) transparência e participação pública na tomada de decisão; (iv) previsibili- dade e tecnicidade das decisões; (v) clareza de funções; (vi) completude e clareza nas regras; (vii) propor- cionalidade da intervenção regulatória; (viii) poderes regulatórios definidos por lei; (ix) características ins- titucionais apropriadas; e (x) integridade.
princípios. Esse tipo de regulação é conhecido por esta expressão porque permite uma maior discricionaridade na definição dos termos da relação entre prestador e consumidor, uma vez que poucos parâmetros da relação são explicitados no contrato.
Na regulação discricionária, a maior vantagem é a flexibilidade e maior capacidade em respon- der a circunstâncias imprevistas. Entre os riscos se encontra a possibilidade de captura regulatória por grupos de interesse devido à relação de longo prazo entre poder concedente, regulador e regulado.
Na prática, independente da implementação regulatória adotada, os contratos são incompletos (Hart, 1995). Contratos completos – que preveem o curso da ação para todos os eventos possíveis
- seriam extremamente onerosos de serem escritos e/ou exigiriam muito tempo na etapa de ne- gociação. As relações contratuais no saneamento se caracterizam por alto grau de incompletude contratual, principalmente devido ao longo prazo de uma concessão de serviços, da grande ne- cessidade de investimento em capital fixo e em ativos de natureza específica, com recuperação em prazos igualmente longos.
Considerando o ambiente de elevada incerteza, é difícil ou mesmo impossível antecipar todos os eventos que poderiam ocorrer ao longo de sua vigência. O regulador se mostra fundamental para definir os critérios de ajuste e os procedimentos de renegociação de forma a promover e assegu- rar equilíbrio nas relações contratuais ao longo da vida da concessão.
Em contextos de elevada incerteza, o regulador possui papel complementar ao contrato, de forma que não apenas deve garantir o cumprimento do que foi previsto (enforcement), como também deve atuar de forma a prover respostas adequadas a eventos não previstos. Assim, mesmo em uma implementação regulatória por contrato, é necessária uma agência reguladora bem estrutu- rada e fortalecida, ou seja, que adote e zele pelas boas práticas de governança regulatória (Brown et al., 2006).
A gênese da regulação no saneamento brasileiro, de forma resumida e simplificada, é associada a uma prevalência de uma abordagem regulatória sobre outra: reguladores regulando compa- nhias e/ou prestadores de serviço de titularidade pública (majoritariamente Companhias Estadu- ais de Saneamento Básico - CESBs) não raro adotam mecanismos regulatórios sujeitos a alterações mais frequentes ou imprevistas. O desenho de contratos para contratação de prestadores priva- dos, por sua vez, buscava assegurar segurança jurídica e previsibilidade por meio de contratos mais detalhados ou com menos espaço para mudança de regras ou discricionaridade. Isso ocorria pois o processo de delegação da prestação dos serviços diferia, existindo um tratamento para uma CESB e outro para prestador privado. Com a promulgação da Lei n° 14.026, de 15 de julho
de 2020, não há mais distinção entre a delegação dos serviços para CESB ou empresa privada, sendo necessário, em todos os casos, a abertura de um processo licitatório.
No caso da prestação do serviço por empresa privada, a Lei n° 8.987/1995 (Lei das Concessões) e a Lei n° 11.079/2004 (Lei das Parcerias Público-Privada – PPPs) definiram as possibilidades de concessão e seus procedimentos legais. Portanto, quando um prestador privado é o responsável por alguma atividade relacionada ao saneamento básico, ele obteve o direito de exploração desta atividade por meio de um processo licitatório. Assim, a abordagem regulatória usualmente utilizada nestes casos é a regulação por contrato. Vale mencionar, no entanto, que cada contrato é único, de modo que a abordagem regulatória adotada também pode variar.
No caso da prestação do serviço por CESBs, delegada por meio de contrato de programa até a publicação da Lei n° 14.026/2020, não era necessário qualquer procedimento licitatório, como determinava a Lei n° 11.107/2005 (Lei dos Consórcios Públicos). Sem licitação e com contratos, em geral, precários e sem regras definidas, a abordagem regulatória usualmente adotada nestes casos é a discricionária.
Com a reforma do marco legal do setor e a atribuição à Agência Nacional de Águas e Sanea- mento Básico (ANA) da edição de normas de referências para a regulação da prestação dos serviços de saneamento básico, novos contratos de programa não mais poderão ser firmados; sua validade está limitada até o fim de vigência dos contratos atualmente em vigor. Deste momento em diante, os contratos de prestação de serviço de saneamento básico a serem firmados serão restritos a contratos de concessão. Para os contratos firmados após o advento da nova lei, en- tende-se que não existe, a priori, a necessidade de se optar pela prevalência de qualquer tipo de abordagem regulatória. Há que se admitir, por exemplo, a possibilidade de coexistência equilibrada das duas abordagens em um cenário de interação entre bons contratos e boa regu- lação (Dutra e Kaercher, 2021).
No que tange à regulação discricionária, evidências reforçam a sua necessidade em um contexto de regulação contratual. Estudo de Guasch, Laffont e Straub (2008) analisa 307 contratos de concessão firmados nos setores de transporte e água em países da América Latina entre 1989 e 2000. Mais da metade desses contratos passaram por algum tipo de renegociação durante sua vigência. Além disso, os resultados indicam que a existência de um arcabouço institucional regula- tório no momento da concessão diminui de forma significativa a probabilidade de renegociação dos contratos.
Tais resultados reafirmam alguns dos achados de Guasch (2004), que analisou mais de 1000 privatizações no setor de infraestrutura na América Latina e Caribe, entre 1982 e 2000. O estudo
evidenciou que, no setor de água e saneamento, 74% dos contratos de concessão precisaram ser renegociados em menos de dois anos. Para Guasch (2004), subestima-se tanto a dificuldade de se elaborar contratos viáveis (especialmente diante das crises econômicas que periodicamente afetam os países em desenvolvimento), quanto os custos de ordem política envolvidos em um pro- cesso de renegociação.
Considerando-se o contexto complexo e fragmentado do saneamento no Brasil, resta claro que a atuação do agente regulador é caracterizada por certa discricionariedade na implementação da regulação. A frequência das renegociações de contrato evidenciada na literatura econômica denota a necessidade de enfrentar e disciplinar essa discricionariedade, face à incompletude dos contratos. Apenas assim será de fato possível alcançar as almejadas segurança jurídica e ade- quada governança regulatória (FGV-CERI, 2018).
De modo geral, no modelo de regulação discricionária, adota-se um mecanismo de realinhamento periódico dos preços, o qual é denominado de revisão tarifária periódica (RTP). Nesse momento, é definida a tarifa que irá vigorar por todo o ciclo tarifário de modo a assegurar uma receita compatível com custos eficientes de prestação dos serviços, quem incluem a remuneração do pres- tador. Tal remuneração pode ser estabelecida de acordo com três regimes distintos de regulação, que variam de acordo com os incentivos dados aos prestadores dos serviços e o nível de risco incorrido pelos investidores. São eles: (i) Cost of Service Regulation (COS) ou Rate of Return Re- gulation (ROR); (ii) Price Cap; e (iii) regimes intermediários, conhecidos como Performance-Based Regulation (PBR). A regulação do tipo COS é considerada como de baixo incentivo à eficiência, pois se propõe a cobrir todos os custos que venham a ser incorridos na prestação dos serviços. Já na modalidade de teto de preços (Price Cap - PC), os incentivos são mais fortes, pois os ganhos de produtividade são apropriados pela empresa. A regulação PBR, por sua vez, é uma regulação de incentivos intermediários no qual há incentivos a ganhos de produtividade, mas estes são com- partilhados entre a empresa e os consumidores (usuários). Por este motivo, a regulação PBR é considerada uma evolução da modalidade COS e um regime intermediário entre a modalidade COS e Price Cap. É importante destacar que, na prática, são mais comuns os regimes regulatórios híbridos - que misturam características das três classes explicitadas.
Em uma regulação ROR, o regulador estima e monitora o custo de prover o serviço para estabe- lecer os preços e tarifas regulados. O custo do serviço é geralmente dividido em custo operacional (OPEX) e custo de capital (CAPEX). Entre as vantagens teóricas do regime ROR, destacam-se a garantia de uma tarifa próxima ao custo da provisão do serviço, a garantia de solvência do prestador em momentos de aumento inevitável de custos e a sua maior capacidade de atrair investimentos, pois os investidores teriam garantido o retorno sobre os investimentos prudentes.
Além disso, a garantia de retorno do investimento teria o efeito de reduzir o custo de capital necessário para a manutenção e expansão dos serviços.
Característico da regulação econômica, um problema conhecido que surge na determinação da tarifa pelo método de ROR é o de assimetria de informação entre o regulador e regulado (Laffont e Tirole, 1993; Viscusi, 1995). Uma vez que o regulador possui menos informação sobre o custo do regulado, este pode ter oportunidade de inflar os seus custos de forma a obter tarifas mais elevadas. Para mitigar problemas desta natureza, é praxe a auditoria dos custos do regulado e a avaliação sobre a necessidade dos custos e a prudência dos investimentos2. Desta forma, a contabilidade regulatória possui um importante papel como meio de se obter os reais custos da prestação para uma determinação tarifária eficiente.
Além de um sistema de contas regulatório adequado, pode-se destacar o controle social necessá- rio propiciado pelas audiências e consultas públicas, que são convocadas pelo regulador como forma de dar transparência ao processo de revisão tarifária. Referidos instrumentos de partici- pação e representatividade pública, atualmente estabelecidos como mandatórios no contexto da lei das agências reguladoras (Lei 13.848/2019, com destaque para o art. 9o.) servem como uma oportunidade para contribuições. Contribui-se assim para um processo decisório inclusivo, no qual usuários e demais agentes tem a capacidade de manifestar sua visão acerca de temas como preços e tarifas, qualidade da prestação de serviços, investimentos e sua remuneração, alcance e ritmo de expansão das redes, dentre outros temas. Essas audiências e consultas permitem ao re- gulador extrair maior informação do serviço franqueando ao prestador posicionamento quanto aos temas em discussão.
Uma das maiores críticas ao regime ROR é que ele fornece poucos incentivos para que a firma reduza os seus custos operacionais e opere de forma eficiente. Como nesse regime, em teoria, toda redução de custos é apropriada pelos consumidores por meio de uma redução de tarifa, a firma teria poucos incentivos em buscar inovações ou eliminar ineficiências de forma a reduzir seus custos (Decker, 2015). Na prática, esse desincentivo à inovação se vê limitado pelo lag regulató- rio, isto é, pelo período entre a redução dos custos e a diminuição de preço passada ao consumi- dor (ciclo tarifário). Outra crítica a este regime se refere à assimetria de riscos entre o consumidor e o prestador. Como todo custo é passado ao consumidor, este carrega todos os riscos da provisão do serviço. Por fim, há ainda a crítica associada ao trabalho de Xxxxxx e Xxxxxxx (1962) que
2 A capacidade de promover auditoria de custos na empresa regulada depende do grau de desenvolvi- mento institucional. Para referências, ver Laffont (2005).
mostra que, se o regulador determina uma taxa de retorno acima do custo do capital, a firma pode substituir mão de obra por capital de forma a obter uma receita mais elevada. Neste caso, a regulação implicaria em uma ineficiência de produção, uma vez que o mesmo nível de produto (serviço) poderia ser fornecido de forma mais barata se mais trabalho e menos capital fosse utilizado na produção do serviço.
Na regulação de preços por regime Price Cap, em teoria, os preços perdem a ligação direta com o custo dos serviços (Decker, 2015). Um preço teto é fixado pelo regulador e uma cláusula de indexação ajusta o preço pelo período regulatório (ciclo tarifário). Como a firma não consegue influenciar na decisão de preços, sua única forma de auferir lucro é reduzindo os custos. A ideia é induzir ganhos de eficiência para a empresa regulada, uma vez que a tarifa é fixa e a redução ou aumento de custos são riscos exclusivos da empresa – neste caso, evidentemente, há risco maior para os investidores quando comparado com a regulação ROR.
Na prática, as diferenças entre os regimes Price Cap e ROR não são tão claras e o custo projetado para o serviço é utilizado pelo regulador na definição da tarifa máxima para o ciclo tarifário. A forma mais comum de regulação por regime Price Cap é conhecida como “RPI-X”, metodologia primeiramente adotada no Reino Unido no início dos anos 80. De acordo com esta metodologia, o regulador define um preço teto para a provisão do serviço, que é reajustado anualmente por um índice de inflação (RPI – Retail Price Index) menos um percentual, conhecido como fator X (ver seção 2.6). O fator X é geralmente associado aos ganhos de produtividade da firma. Uma abor- dagem comum é estimar os ganhos de produtividade históricos da firma e utilizá-los como base para estimar os ganhos futuros de produtividade da firma.
A principal distinção entre os regimes ROR e Price Cap é a desvinculação entre o preço e os custos do serviço por um período predeterminado, isto é, pelo ciclo regulatório ou tarifário. Se o ciclo regulatório é muito curto, o regime Price Cap se aproxima do regime ROR e reduz os incentivos da firma a buscar redução de custos e diminuição de ineficiências produtivas. Ao final do ciclo tarifário, o regulador pode decidir fazer ajustes ao preço de forma a refletir mudanças nos custos de provisão do serviço e evitar ganhos extraordinários de serem apropriados pela firma no pró- ximo ciclo.
Embora o preço teto em um regime Price Cap não precise estar relacionado a parâmetros de custo da firma, muitos reguladores definem o preço teto com base em informações de custo para garantir que a firma consiga recuperar aqueles custos considerados eficientes. Esta é uma espécie de adaptação do regime regulatório.
Entre as vantagens do regime Price Cap, destacam-se os incentivos para a firma reduzir custos e melhorar a eficiência na produção dos serviços. Outra vantagem é a capacidade do regime em diminuir os custos de assimetria informacional entre o regulador e o regulado, pois uma vez que o preço teto é fixado não há necessidade de acompanhamento dos custos incorridos ao longo de todo ciclo regulatório. Dessa forma, a firma possui maior liberdade para definir os preços relati- vos dos serviços desde que seja respeitado o preço teto. Finalmente, parte dos riscos associados aos custos e à demanda são compartilhados com o prestador dos serviços que pode estar mais apto a gerenciá-los do que o consumidor.
Entre as desvantagens teóricas do regime Price Cap pode-se citar a potencial ineficiência aloca- tiva, resultante da dissociação do preço com relação aos custos de provisão dos serviços. Há ainda a possibilidade de a firma reduzir a qualidade dos serviços para diminuir os custos e assim con- seguir obter um maior lucro.
Outra crítica existente na literatura é que com o compartilhamento de riscos associados a custos e demanda com o prestador, o custo do capital se eleva, o que induz a uma receita requerida maior e, consequentemente, um maior nível tarifário. A firma pode ainda ser incentivada a não reduzir custos ao final do ciclo tarifário com receio de uma queda nos custos se refletir em uma redução de tarifa para o próximo ciclo tarifário (“ratchet effect”).
Finalmente, a maior crítica teórica ao regime Price Cap está associada ao problema de regulatory commitment. Em teoria, o regulador não se compromete, nesse regime, a permitir que o prestador recupere todos os custos envolvidos na prestação dos serviços; desta forma, há uma preocupação quanto ao poder discricionário do regulador com relação à determinação do fator X, dentro do início do próximo período tarifário, que poderia capturar parte excessiva dos ganhos de produ- tividade auferidos pela firma.
Na prática, o regime Price Cap sofreu diversas modificações para abarcar estas críticas, o que motivou o desenvolvimento de modelos regulatórios intermediários, conhecidos como Performance- Based Regulation (PBR).
Finalmente, um modelo cada vez mais popular na regulação de preços é o Yardstick competition ou benchmarking. Neste regime regulatório, o prestador é remunerado de acordo com sua per- formance relativa a outros prestadores similares. Existem duas formas de regulação por Yardstick Competition: (i) completa; e (ii) parcial. Na Yardstick Competition completa, a tarifa é determinada diretamente pela performance relativa da firma quando comparada com firmas similares. Já na Yardstick parcial, o regulador utiliza informações de firmas comparáveis para determinar o nível eficiente dos custos na determinação de preços. Nesse regime, o preço da firma regulada não é
determinado com base nos custos históricos ou projetados, mas com base nos custos observados de firmas similares.
A principal vantagem do regime regulatório de Yardstick Competition é a redução da assimetria informacional entre regulador e empresa regulada na determinação da receita requerida; con- tudo, uma desvantagem potencial é a necessidade de acessar informações substanciais, pois há necessidade de informações sobre diferentes firmas que proveem serviços similares. Neste caso, o uso da contabilidade regulatória é intensivo e a padronização das contas de custo são funda- mentais para que seja possível algum tipo de comparação entre as firmas.
Na prática, os reguladores não utilizam Yardstick Competition para substituir os modelos ROR ou Price Cap, mas sim complementá-los. Como exemplo, ao determinar a receita requerida de um prestador, o regulador pode utilizar as informações de performance de firmas similares em termos de custo operacional, custo de capital e/ou qualidade para fazer ajustes no fator X (Decker, 2015).
Alternativamente, há a possibilidade de se definir uma faixa para a taxa de retorno, de forma que a redução dos custos estimados traga ganhos que são compartilhados com os consumidores. Uma forma de se fazer isso é determinando o quanto a taxa de retorno deve ser ajustada quando da avaliação da receita requerida. Assim, limitam-se os riscos de operação e, ao mesmo tempo, há incentivo para redução de custos.
Uma vez definido o regime regulatório a ser utilizado para o cálculo da remuneração do presta- dor, a etapa seguinte do processo de revisão tarifária requer que se calcule a receita requerida (RR) pelo prestador para cobrir os custos de prestação do serviço, dada uma taxa de retorno do investimento. A Figura 1 presenta os elementos que compõem a RR, denominados de Building Blocks. Os custos operacionais (OPEX) são aqueles necessários para prover o serviço de forma ininterrupta. Eles são compostos por dois blocos: os custos de operação e manutenção (O&M) e os custos administrativos e gerais (A&G). Já as despesas de capital (CAPEX) são compostas pelos seguintes blocos: base de ativos regulatórios líquida de depreciação, também conhecida por base de remuneração regulatória (BRR); e a taxa de retorno do capital (WACC). Cada um desses blocos é calculado a partir de uma metodologia própria, conforme abordado nas seções subse- quentes deste documento.
Figura 1: Building blocks da Receita Requerida
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Elaboração FGV
Nosso propósito ao apresentar a metodologia de blocos componentes é estabelecer condições para determinar mecanismos de receita compatíveis com o princípio de eficiência na determinação de preços (tarifas) para utilities que prestam serviço público - caso das companhias de sanea- mento, e independente da caracterização da regulação como contratual ou discricionária. De acordo com esse princípio de eficiência, antigo mas relevante, estabelecido em Brown e Sibley (1986), preços eficientes no apreçamento de serviços prestados por utilities devem permitir a cobertura de custos variáveis e fixos. Significa dizer que, na determinação das normas de refe- rência a guiar a prestação dos serviços de saneamento, deve o regulador adotar mecanismos que permitam a firma cobrir seus custos eficientes – fixos e variáveis – independente na natureza contratual ou discricionária da prestação dos serviços.
Por certo que não se pretende aqui fazer prevalecer o princípio de apreçamento eficiente sobre a santidade dos contratos; porém, nas oportunidades respaldadas pela segurança jurídica - mo- mento de modelagem de nova concessão ou reequilíbrio de um contrato existente – a métrica, referência ou alvo deve ser a busca de apreçamento eficiente. E para tal, é necessário estabelecer e adotar metodologias adequadas para definir cada um dos blocos componentes de acordo com melhores práticas. Esse é o fio condutor adotado na elaboração e apresentação desse relatório.
Após o cálculo da receita requerida, a tarifa de equilíbrio é calculada a partir da divisão da receita requerida pelo mercado de referência (projetado), deduzidos os ganhos de produtivi- dade, por meio do fator X, quando aplicável.
As projeções de mercado para a demanda de água ao longo de um ciclo tarifário devem consi- derar (i) o crescimento vegetativo da população atendida no período (ii) as metas de expansão da prestação de serviços de saneamento básico, incorporando novas economias às redes de água e esgoto; (iii) eventuais projeções de alteração no perfil de consumo dos consumidores e (iv) as metas de redução de perdas na distribuição, que terão impacto nas projeções de volumes produ- zidos de água.
Essas projeções não fazem parte da estimativa da receita requerida, mas são necessárias para realizar a projeção de componentes da receita requerida, como a despesa operacional (OPEX) e também para o cálculo da tarifa média, ou seja, a divisão da Receita Requerida pelo Volume Faturado (R$/metro cúbico). Nas subseções que seguem, são apresentadas metodologias para a projeção da demanda de água e de esgoto.
2.2.1 Projeção da demanda de água
A Figura 2 apresenta o resumo da metodologia geral de projeção das economias e ligações de água.
A projeção de economias e ligações, tanto de água como esgoto, tem como base a projeção da população total e população a ser abastecida, equivalentes à soma da população rural e urbana a ser abastecida projetada para o período do ciclo tarifário. Multiplicando a população total pelo nível de atendimento projetado obtém-se a população atendida com água. Dividindo-se esse total pela quantidade de habitantes por economia obtém-se o número de economias de água residenciais. Utilizando a relação entre economias residenciais e economias totais no ano base, chega-se ao número de economias de água. Finalmente, multiplicando-se esse total pela média de ligações por economias no ano base, chega-se ao número de ligações de água no ano base.
Figura 2: Etapas da metodologia de projeção de economias e de ligações de água.
Elaboração FGV
O resumo gráfico da metodologia de projeção dos volumes associados ao serviço de água é apresentado Figura 3.
Em relação aos volumes associados ao serviço de água, calcula-se o volume anual micromedido, utilizando-se como premissa o consumo médio per capita e a projeção de população total a ser atendida com água. Multiplicando-se o volume micromedido total pela razão entre o volume fa- turado e volume micromedido no ano base, obtém-se a projeção do volume faturado. Por outro lado, somando-se o volume micromedido total às perdas na distribuição, obtém-se a projeção do volume produzido.
Figura 3: Etapas da metodologia de projeção do volume produzido e faturado
Elaboração FGV
As perdas na distribuição são estimadas a partir do balanço hídrico, representado, a título de exemplo, na Figura 4. Em geral, as perdas consideradas para efeito regulatório são as perdas aparentes e as perdas reais.
Volume de entrada na distribuição | Consumo autorizado | Consumo autorizado faturado | Consumo medido faturado | Consumo das ligações medidas, carros pipas | Água faturada |
Consumo nã omedido faturado | Consumo das ligações não medidas, recuperado fraude | ||||
Consumo autorizado não faturado | Consumo medido não faturado | Dispensado por consumo excessivo, unidades próprias | Água não convertida em receita | ||
Consumo não medido não faturado | Bombeiros, descargas de RDA, manutenção de RDA, limpeza de reservatórios | ||||
Perdas de água | Perdas aparentes | Consumo não autorizado | Fraudes em ligações,by pass, ramais clandestinos | ||
Imprecisão de medição | Submedição de fabricação dos medidores, desgaste dos medidores | ||||
Perdas reais | Vazamentos e extravazamentos em reservatórios | Extravazamentos em reservatórios, vazamentos na estrutura e acessórios | |||
Vazamentos em adutoras e redes | Vazamentos visívei, vazamentos infiltrantes, inerentes | ||||
Vazamentos em ramais | Vazamentos visívei, vazamentos infiltrantes, inerentes |
Adaptado de Xxxxxxxxx e Xxxxx (2007)
Sobre as perdas, o inciso I do artigo 10-A da lei 11.445/2007, com a redação dada pela lei 14.026/2020, estabelece que metas de redução de perdas na distribuição de água tratada devem estar contidas nos contatos relativos à prestação dos serviços públicos de saneamento básico (ênfase adicionada):
Art. 10-A. Os contratos relativos à prestação dos serviços públicos de saneamento básico deverão conter, expressamente, sob pena de nulidade, as cláusulas essenciais previstas no art. 23 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, além das seguintes disposições:
I - metas de expansão dos serviços, de redução de perdas na distribuição de água tratada, de qualidade na prestação dos serviços, de eficiência e de uso racional da água, da energia e de outros recursos naturais, do reúso de efluentes sanitários e do aproveitamento de águas de chuva, em conformidade com os serviços a serem prestados
Adicionalmente, o inciso IV do art. 50 da referida Lei estabelece que a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da União serão condicionados ao cumprimento de índice de perda de água na distribuição, conforme definido em ato do Ministro de Estado do Desenvolvimento Regi- onal:
Art. 50. A alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da União serão feitos em conformidade com as diretrizes e objetivos estabelecidos nos arts. 48 e 49 desta Lei e com os planos de saneamento básico e condicionados
(...)
IV - ao cumprimento de índice de perda de água na distribuição, conforme definido em ato do Ministro de Estado do Desenvolvimento Regional
Finalmente, o art. 2º da Portaria 490/2021 do Ministério do Desenvolvimento Regional define que os indicadores do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) utilizados para a comprovação do cumprimento do índice de perda de água na distribuição são:
I - IN049: índice de perdas na distribuição, medido em percentual; e
II - IN051: índice de perdas por ligação, medido em litros/ligação/dia.
Por fim, o art. 3º da mesma portaria estabelece um cronograma comum de redução dos indica- dores de perdas na distribuição e por ligação, conforme o texto a seguir:
Art. 3º Para atendimento à condição estabelecida no caput do art. 1º, em cada município a ser beneficiado os valores dos indicadores devem ser menores ou iguais à seguinte pro- porção do índice médio nacional da última atualização da base de dados do SNIS:
I - 100% nos anos de 2021 e 2022;
II - 95% nos anos de 2023 e 2024;
III - 90% nos anos de 2025 e 2026;
IV - 85% nos anos de 2027 e 2028;
V - 80% nos anos de 2029 e 2030;
VI - 75% nos anos de 2031 e 2032; VII - 70% no ano de 2033; e
VIII - 65% a partir do ano de 2034.
A definição de metas de redução de perdas para fins de alocação de recursos da União deve impor a homogeneização em âmbito nacional dos indicadores de mensuração de perdas, de ma- neira centralizada na ANA.
2.2.2 Projeção da demanda de esgoto
A Figura 5 apresenta o resumo da metodologia de projeção das economias e ligações de esgoto.
A metodologia básica da projeção do número total de economias e de ligações de esgotamento sanitário é semelhante à da projeção de economias e ligações de água. Multiplicando-se a po- pulação total pelo nível de atendimento projetado de serviços de esgoto, obtém-se a população atendida. Dividindo-se esse total pela quantidade de habitantes por economia obtém-se o número de economias de esgoto residenciais. Utilizando a relação entre economias residenciais e econo- mias totais no ano base, chega-se ao número de economias de esgoto. Finalmente, multiplicando- se esse total pela média de ligações por economias no ano base, chega-se ao número de ligações de esgoto no ano base.
Figura 5: Etapas da metodologia de projeção de economias e de ligações de esgoto.
Elaboração FGV
Por fim, a metodologia de projeção do volume de esgoto coletado e tratado e do volume de esgoto faturado segue a Figura 6: multiplica-se o volume micromedido de água obtido na proje- ção de volume de água pelo índice de atendimento de esgoto no ano base para se obter a projeção do volume de esgoto coletado e tratado; e multiplica-se esse resultado pela razão entre volume faturado e volume micromedido no ano base para se obter a projeção do volume de esgoto faturado. Note-se que essa figura traz uma simplificação de que todo o volume coletado é tratado, o que não se observa em muitas cidades, no caso do Brasil.
Figura 6: Etapas da metodologia de projeção do volume de esgoto coletado e faturado.
Elaboração FGV
Uma vez descrito o procedimento básico a ser seguido para a projeção de mercado (da demanda pelos serviços de água e esgoto), a qual constitui etapa inicial para qualquer processo de defini- ção tarifária, as seções subsequentes dedicam-se a cada um dos building blocks componentes da receita requerida pelo prestador.
2.3 Base de Remuneração Regulatória
2.3.1 Aspectos teóricos e metodológicos
A base de remuneração regulatória (líquida) (BRR) – Regulatory Asset Base (RAB), em inglês – é um parâmetro que captura o valor de todos os investimentos direcionados para a prestação do serviço, realizados por uma prestadora de serviço público (utility). Os ativos que tipicamente com- põem a BRR são aqueles estritamente reconhecidos pelo regulador como vinculados à concessão do serviço. A título de exemplo, vale citar a experiência da ANEEL, a qual exclui da BRR os ativos componentes da chamada Base de Anuidade Regulatória. Nesta estão incluídos ativos como sof- twares, veículos, móveis e utensílios, entre outros, que não impactam de forma direta a qualidade da prestação do serviço. A experiência de regulação do setor elétrico mostra que a apuração dos ativos que compõem a BRR depende de um sistema padronizado de Contabilidade Regula- tória e que nem todos os ativos do prestador são reconhecidos regulatoriamente para fins de recuperação e remuneração.
Além de atender ao critério de elegibilidade – ser destinado à prestação dos serviços – os ativos devem atender a três outros critérios para que componham a BRR: (i) utilidade, que se refere à real necessidade do ativo para a prestação do serviço, (ii) onerosidade, que determina que o ativo deve ter sido financiado com recursos do prestador, excluindo-se portanto, os ativos decor- rentes de investimentos com recursos não onerosos, ou mesmo aqueles ativos advindos de doação, e (iii) prudência, que remete à eficiência do investimento.
É a partir da BRR que se calculam a recuperação (reintegração) e remuneração dos investimen- tos prudentes realizados pelo prestador; ambos são componentes da receita requerida. A rein- tegração do capital é estimada a partir da taxa de depreciação regulatória (quota de reinte- gração regulatória) e da BRR bruta. Tem por objetivo disponibilizar ao prestador os recursos necessários para que este recupere os investimentos realizados ao longo da vida útil média dos ativos. Já a remuneração do capital, como o nome propõe, visa a remunerar financeiramente os investimentos realizados na prestação dos serviços. Em termos práticos, a remuneração do capital é calculada a partir da BRR líquida (amortizada) e de uma taxa de retorno do capital, objeto de análise da seção subsequente.
Para além da finalidade de definição tarifária (cálculo da receita requerida), valorar ativos também é relevante para privatizações e dentro da discussão sobre bens reversíveis e indeniza- ções (que podem ocorrer mesmo sob regulação por contrato). Do ponto de vista histórico, a pes- quisa acerca de metodologias para valoração de base de ativos possui dois marcos dentro do direito e da economia nos EUA:
US Supreme Court – Xxxxx x Ames 169 US 466 (1898) – Principio do Valor Justo (Fair Value)
"If a railroad company has bonded its property for an amount that exceeds its fair value, or if its capitalization is largely fictitious, it may not impose upon the public the burden of all increased rates, necessary to realize profits on this fictitious capitalization; but the basis of all calculations as to the reasonableness of rates must be the fair value of the property used by the company for the convenience of the public. In ascertaining this value, the original cost of construction, the amount expended in permanent improvements, the amount and market value of its bonds and stock, the present as compared with the original cost of construction, the probable earning capacity of the property under particular rates pre- scribed by statute, and the sum required to meet operating expenses, are all matters for consideration, and are to be given such weight as may be just and right in each case.”
Federal Power Commission (FPC) x Hope Natural Gas Co, 320, US 591 (1944) – princípio da “circularidade” e a defesa do uso do “Custo Histórico” ou Custo Original (abordagem mais usada nos EUA)
“Ratemaking is indeed but one species of price-fixing. The fixing of prices, like other ap- plications of the police power, may reduce the value of the property which is being regu- lated. But the fact that the value is reduced does not mean that the regulation is invalid. It does, however, indicate that “fair value” is the end product of the process of ratemaking, not the starting point, as the Circuit of Appeals held. The heart of the matter is that rates
cannot be made to depend upon “fair value” when the value of the going enterprise depends on earnings under whatever rates may be anticipated.”
A despeito das dificuldades também envolvidas na determinação do nível adequado para as demais variáveis consideradas no processo de determinação de tarifas, a determinação do “valor dos ativos” constitui a parte mais complexa e controversa do processo regulatório tarifário (price setting). Na realidade, a menos que o valuation possa ser relacionado a um “mercado competi- tivo”, nenhum procedimento específico, dentre aqueles em uso por reguladores no mundo todo, é completamente correto/preciso. O ideal, em termos operacionais, é que o valor seja estabelecido no momento da privatização ou atribuição da concessão, evitando-se ao máximo mudanças me- todológicas em curtos espaços de tempo. Nessa linha, dois grandes grupos de metodologias se destacam: aquelas baseadas em valores econômicos ou de mercado e os modelos baseados em custos.
Os modelos baseados em valores econômicos ou de mercado são abordagens que estimam o valor de um ativo a partir da sua capacidade de geração de fluxos de caixa futuros. Esses mo- delos refletem o valor de um empreendimento ou negócio tal como determinado pelos investidores em mercados financeiros. As principais técnicas, amplamente reconhecidas em livros-texto de Fi- nanças Corporativas, envolvem o cálculo do valor presente líquido dos fluxos de caixa futuros (NPV – Net Present Value, em inglês) ou a determinação do caixa gerado a partir da venda dos ativos (NRV – Net Realizable Value, em inglês).
A avaliação pelo NPV (Valor Presente Líquido ou Fluxo de Caixa Descontado) é recorrentemente realizada em privatizações. O uso deste método entre ciclos tarifários, no entanto, não é reco- mendado devido a uma questão de circularidade – o valor do ativo depende da regulação (que determinará um certo nível tarifário); ao mesmo tempo, a regulação faz uso do valor dos ativos, conforme a equação básica de requerimento de receita explicitada neste capítulo.
Já os modelos baseados em custos, em geral, fazem uso de informações como:
▪ Custo de aquisição dos ativos ou serviços relacionados (custo de reposição);
▪ Custo histórico original dos ativos envolvidos; ou
▪ Custo original ajustado para refletir mudanças subsequentes de preços.
Dada a natureza de longo prazo dos ativos utilizados por uma utility, a medição de custos de reposição ao longo do tempo é dificultada pelos efeitos combinados da inflação, depreciação e mudança tecnológica. Assim, as opções disponíveis dentro desta classe apresentam um trade-off entre simplicidade nos procedimentos envolvidos e acurácia nas estimativas de valor. As op- ções existentes são:
▪ Custo Histórico Corrigido (CHC), ou, em inglês, Current Cost Valuation (CCV): corres- ponde ao valor de compra histórico, registrado nos livros da companhia, e ajustado pelos efeitos da inflação e depreciação. Xxxxxx considerado mais simples.
▪ Custo de Reposição Otimizado e Depreciado (CROD) ou, em inglês, Depreciated Opti- mized Replacement Cost (DORC): nesta metodologia, examina-se o custo de reposição de cada ativo (novo e da mais nova tecnologia) de maneira individual; na sequência, reali- zam-se ajustes para a idade dos ativos de acordo com um cronograma de depreciação estabelecido. Incorporam-se, portanto, parcialmente as características do ativo existente. Xxxxxx considerado mais sofisticado.
▪ Método do Valor Novo de Reposição (VNR) ou, em inglês, Reference Utility Methodo- logy: neste caso, o regulador modela uma companhia hipotética, que fornece os mesmos serviços das empresas sob regulação, mas com uma estrutura de custos eficiente. Algo análogo ao modelo de “empresa de referência” (vide Seção 2.6). O regulador simula a quantidade e configuração dos ativos que seriam operados por este prestador hipotético e eficiente. O ativo é valorado com base no preço de um ativo novo da mais nova tecno- logia. Diferentemente da metodologia do custo de reposição otimizado, no processo de valoração não são reconhecidas a quantidade e característica do ativo existente, mas sim do ativo pertencente à configuração hipotética eficiente. Na teoria, a “firma de referên- cia” pode ser construída sem o uso de dados contábeis das empresas, numa abordagem bottom-up (apenas com parâmetros de engenharia ou econômicos). Deste modo, pode ser útil no enfrentamento da assimetria de informação percebida pelo regulador, frente a deficiências nos demonstrativos contábeis ou financeiros das empresas. Na prática, entre- tanto, é usualmente necessário complementar a base de dados com informações top-down contábeis, a partir das devidas correções e ou ajustes – mais uma vez, é possível perceber a importância da Contabilidade Regulatória. Esta metodologia, ao mesmo tempo que confere incentivos ao aumento de eficiência por parte do prestador – quanto mais efici- ente for o prestador, maior será a aderência entre o valor estimado da BRR e os investi- mentos prudentemente realizados, sofre críticas relacionadas a não representatividade da realidade operacional do prestador, por se fundamentar em uma base de dados virtual.
A depreciação dos ativos é calculada pelo método linear a partir da sua vida útil regulatória, a qual sinaliza o período dentro do qual o valor do ativo (estimado segundo os métodos previa- mente apontados) será recuperado por via tarifária O cálculo da depreciação se faz necessário, de um lado por compor explicitamente uma das parcelas da receita tarifária (reintegração do
capital) e, por outro para se calcular a BRR líquida, e consequentemente a remuneração do capi- tal. Quanto menor for a vida útil regulatória, maior será o valor anual da reintegração do capital e mais acelerada será a redução da BRR líquida.
O conceito de vida útil regulatória difere do conceito de vida útil técnica do ativo. Enquanto o conceito de vida útil técnica indica o período dentro do qual o ativo é considerado funcional, o conceito de vida útil regulatória corresponde ao período de recuperação do investimento. Como as regras contábeis preconizam que o ativo deve ser amortizado até o fim do prazo contratual e os ativos setoriais tipicamente mantêm suas funcionalidades por longo período, muitas vezes su- perior ao prazo de vigência do contrato, na prática, a compatibilização entre as regras contábeis e a vida útil técnica dos ativos exige a adoção do menor entre esses valores como parâmetro para taxa de amortização. Em muitos casos, o menor valor será o prazo contratual, e a depreci- ação do ativo será inferior à vida útil do ativo.
São diversos os efeitos de uma discrepância acentuada entre a vida útil regulatória do ativo e a sua vida útil técnica, para fins de cálculo da depreciação. O primeiro deles é a distribuição desi- gual do ônus entre as gerações. Isto é, uma depreciação elevada (prazo de amortização inferior à vida útil técnica do ativo) acelera a recuperação do investimento, o que incorre em aumento das tarifas para a geração atual, em detrimento de menores tarifas para gerações futuras, oca- sião em que os ativos ainda terão funcionalidade (estarão dentro da sua vida útil técnica), porém contabilmente estarão depreciados em sua integralidade. De outra maneira, a equidade entre as gerações de usuários pressupõe uma melhor distribuição da amortização no tempo, em outras palavras, que os usuários compartilhem entre si a amortização do investimento ao longo de todo o período em que este ativo estiver em serviço.
O outro efeito refere-se aos investimentos. Como a elevada depreciação faz com que os ativos deixem de ser remunerados antes do término da sua funcionalidade, isto pode induzir o prestador a repor os ativos antecipadamente, ou seja, antecipar os investimentos, a fim de manter sua base de ativos constante. Isto porque a cada momento em que há uma depreciação regulatória anual maior do que os investimentos em reposição de ativos do período, há uma redução na base de ativos e a remuneração da companhia, em termos reais, é reduzida de maneira progressiva. Vale considerar que, nestes casos, a necessidade da prestação do serviço continua a mesma, com custos operacionais e, principalmente, financeiros associados ao processo. Assim, o patamar de depre- ciação regulatória calculado ameaça a sustentabilidade da concessão por não refletir de maneira satisfatória a realidade operacional. Já a antecipação dos investimentos, caracteriza uma situa- ção de ineficiência sob o ponto de vista econômico, já que se repõe um ativo que em teoria ainda poderia ter utilidade.
Uma vez que os ativos estejam valorados e devidamente depreciados, outro ponto de grande controvérsia entre reguladores e prestadores é a fórmula de cálculo da BRR. A blindagem da base de ativos tem sido uma estratégia adotada por inúmeros reguladores (ver subseção 2.3.2). Esta abordagem consiste em, a cada revisão tarifária, se calcular a base de ativos pela soma entre a base blindada, referente ao processo de revisão anterior, e a base incremental incorpo- rada no período entre as revisões (ciclo tarifário).
Conceitualmente, denomina-se base blindada (BRR blindada) aquela avaliada e aprovada na última revisão tarifária periódica. A ideia é que a BRR blindada, por ocasião da revisão tarifária seguinte, seja apenas atualizada monetariamente e dela seja descontada a amortização relativa ao período entre revisões. É possível também que a base blindada seja alterada em função da baixa de ativos e da revisão dos índices de aproveitamento – percentual de utilização do ativo na prestação do serviço. Assim, salvo essas movimentações permitidas, a BRR blindada é mantida inalterada, sendo apenas atualizada monetariamente e devidamente depreciada. Este procedi- mento confere maior simplicidade ao processo de revisão tarifária, uma vez que não é necessário realizar o levantamento e valoração integral dos ativos, mas apenas daqueles imobilizados du- rante o ciclo tarifário. A BRR incremental corresponde, portanto, à base de ativos incorporados no período entre a última revisão tarifária realizada e a revisão em processamento, conforme verificado no Laudo de Ativos apresentado pelo prestador.
Outro ponto de discussão quando do cálculo da BRR é a inclusão ou não dos investimentos em curso durante o ciclo tarifário. Dessa forma, pode-se incorporar à BRR (blindada + incremental), a projeção de imobilização para o ciclo tarifário, procedendo-se à devida compensação ao final do ciclo tarifário em função do que foi de fato imobilizado. Alternativamente, pode-se optar por reconhecer a imobilização dos ativos que se deu ao longo do ciclo tarifário apenas no processo de revisão seguinte. Cada uma dessas opções traz implicações nos incentivos à realização de investimentos por parte do prestador. Essa discussão é relevante, visto os elevados investimentos necessários para a universalização dos serviços e para a melhoria da qualidade, tais como aque- les em redução de perdas na distribuição.
Tipicamente, quando um ativo ainda não se encontra em serviço, ele não é incluído na BRR. Porém, com a grande necessidade de investimentos no setor e o longo período de obras necessário para que o investimento se torne operativo e útil, problemas de fluxo de caixa podem ser comuns e tornar os investimentos necessários inviáveis do ponto de vista econômico. Como relata Xxxxxxxxx e Lesser (2011), nos anos 80, com o aumento dos custos e períodos construtivos, muitas comissões regulatórias nos EUA passaram a permitir a inclusão de Obras em Andamento (CWIP, em inglês Capital Work In Progress) na base de ativos, desde que atendidos critérios como a expectativa de entrada em serviço no curto prazo (geralmente no ano seguinte). O CWIP garante os recursos
necessários para os investimentos, porém, possui problemas por violar os requisitos de operacio- nalidade e utilidade para que os investimentos venham a compor a base de ativos a ser remune- rada.
Uma forma alternativa de se remunerar os investimentos, cujos ativos ainda não estão em uso, muito utilizada por reguladores nacionais é o Juros sobre Obras em Andamento (JOA). O JOA é inspirado no Allowance Funds Used During Construction (AFUDC), previamente conhecido como In- terest During Construction (IDC) até 1971 nos Estados Unidos (Xxxxxxxxx E Lesser, 2011) e tem por objetivo remunerar custos incorridos durante o período construtivo (imobilização em andamento). No geral, o JOA é calculado a partir do custo do capital (WACC) e incluído como parte dos custos de construção. Desta forma, pode-se compensar a não inclusão do investimento até que ele se torne útil com uma adequada remuneração do capital empregado durante a fase de construção.
2.3.2 Avaliação do diagnóstico brasileiro
A avaliação do diagnóstico brasileiro teve por foco a regulação exercida sobre os prestadores públicos, notadamente as companhias estaduais de saneamento3. A regulação exercida sobre contratos privados foi excluída desta análise, uma vez que, nestes casos, os ativos e investimentos são valorados no momento da concessão, diferentemente do que ocorre para prestadores cuja base de ativos é periodicamente revista (atualizada, depreciada, adição de novos ativos), du- rante os processos de revisão tarifária.
Da amostra analisada, quatro foram as variáveis observadas: (i) método de valoração de ativos adotado, (ii) adoção ou não da prática de blindagem da base avaliada no processo de revisão tarifária anterior, (iii) incorporação ou não das projeções de imobilização de ativos, e (iv) critério de depreciação regulatória adotado. É importante destacar, que algumas notas técnicas consul- tadas não são totalmente claras com relação à forma e metodologia de cálculo da BRR, de forma que em alguns casos, o diagnóstico foi realizado com base em interpretação das informações constantes nos relatórios.
Com relação aos métodos de valoração de ativos, os mais comumente adotados são o custo his- tórico corrigido e o valor novo de reposição; frequentemente ambos os métodos são utilizados
3 Não foi possível localizar os documentos relativos aos procedimentos de revisão tarifária de alguns pres- tadores selecionados para análise, motivo pela qual, alguns prestadores públicos foram excluídos da aná- lise. O diagnóstico foi conduzido para os seguintes prestadores: ARSESP, COPASA, CAESB, SANEPAR, CA- GECE, CASAN e SANEAGO.
pelo mesmo regulador para valorar ativos pertencentes a diferentes grupos, como por exemplo um método para valorar máquinas e equipamentos e outro para edificações. No que tange à prática de blindagem da base de ativos, esta parece ser uma tendência entre os reguladores. Apesar de blindadas alguns processos tarifários possibilitam que as glosas impostas sobre a base blindada sejam revistas.
A projeção de imobilização para o ciclo tarifário e a sua consequente incorporação na BRR não é consenso entre reguladores. Enquanto a ARSESP explicitamente prevê a entrada em serviço dos novos investimentos para o cálculo/evolução anual da base de ativos, e outros reguladores como a AGEPAR e ARESC definem prazo máximo para capitalização do ativo após sua entrada em operação (60 dias), outros como a ADASA optam por reconhecer na base de ativos apenas o que foi incorporado no período entre revisões, sem que sejam feitas projeções para o ciclo tarifário.
Quanto à vida útil regulatória adotada para fins de depreciação, a grande maioria dos regula- dores analisados explicita a aderência, ou pelo menos, a tentativa em aproximar este conceito com o de vida útil técnica dos ativos. A exceção é a ARSAE-MG, que inclusive suscitou recentes discussões quando da consulta pública nº23/2020. A agência adotava até então uma vida útil regulatória bem inferior à vida útil técnica tipicamente apontada para os ativos de saneamento. No âmbito da 2ª revisão tarifária periódica da COPASA, ficou estabelecida a manutenção da vida útil regulatória até então adotada para os ativos incorporados até 2017; para os ativos incorporados a partir desta data foi realizado um ajuste de modo a que se obtivesse maior aderência com a vida útil técnica dos ativos.
A Tabela 1 a seguir são apresenta descrição sintética do processo de cálculo da BRR adotado por aqueles reguladores avaliados, cujos procedimentos encontravam-se descritos de forma clara nas respectivas notas técnicas.
Tabela 2: Quadro resumo das metodologias adotadas para cálculo da BRR referente à amostra de prestadores
Companhia | Cálculo BRR |
Sabesp | Calculada a partir da soma dos valores, atualizados e depreciados, da Base Blin- dada com a Base Incremental. Esse valor é atualizado anualmente para o período do ciclo tarifário por uma abordagem rolling forward, segundo a qual são acrescidas à base do ano anterior as incorporações dos novos investimentos que entraram em ser- viço (ativos imobilizados) e as variações de capital circulante regulatório. Os ativos da base incremental são valorados pelo custo histórico corrigido e os ativos referentes aos novos municípios assumidos pela Sabesp no período incremental são valorados pelo valor novo de reposição. As obras em andamento (imobilizado em andamento) são remuneradas pelos Juros de Obras em Andamento Regulatório (JOAR) por um prazo máximo estabelecido regulatoriamente. A depreciação técnica adotada é cal- culada por meio da apuração da vida útil média da base de remuneração apresen- tada no laudo de avaliação. |
Companhia | Cálculo BRR |
Copasa | O método de valoração de ativos adotado é o valor histórico corrigido. A base de ativos resulta da soma de uma base blindada, a qual incorpora variação das glosas em novo processo de validação dos ativos, e uma base incremental. A metodologia para o reconhecimento dos Juros sobre Obras em Andamento será estabelecida du- rante o ciclo tarifário para aplicação no próximo processo de revisão. Os ativos in- corporados até 2017 são depreciados a taxas não compatíveis com a vida útil dos ativos, enquanto aqueles incorporados a partir daquela data são depreciados a ta- xas mais adequadas à realidade operacional/funcional dos ativos. |
Sanepar | Os ativos são valorados pelos métodos de custo histórico corrigido ou valor novo de reposição. A base de ativos corresponde à soma das bases blindada e incremental. Os ativos podem ser integralmente revistos (inclusive a base blindada) nas revisões tarifárias de número ímpar. O prazo máximo de imobilização ou capitalização do ativo é de 60 dias após a entrada em serviço ou início da operação da obra ou equi- pamento. Os Juros sobre as Obras em Andamento (JOA) representam a remuneração dos desembolsos associada a um empreendimento durante sua construção e são apli- cados sobre as máquinas e equipamentos, obras civis, construções etc. As taxas de de- preciação usadas procuram refletir a vida útil de cada ativo. |
Casan | Os ativos são valorados pelos métodos de custo histórico corrigido ou valor novo de reposição ou valor comparativo de mercado, a depender do grupo de ativos ao qual pertence. A base de ativos corresponde à soma das bases blindada e incremental. O prazo máximo de capitalização do ativo é de 60 dias após a entrada em serviço ou início da operação da obra ou equipamento. Os Juros sobre as Obras em Andamento (JOA) representam a remuneração dos desembolsos associada a um empreendimento durante sua construção e incidem por um prazo determinado regulatoriamente, com uma previsão mensal de desembolsos. |
Caesb | Os ativos são valorados pelo valor novo de reposição. A base de ativos corresponde à soma das bases blindada e incremental. Os Juros sobre as Obras em Andamento (JOA) representam a remuneração dos desembolsos associada a um empreendimento durante sua construção, existindo um cronograma de desembolso (percentual mensal) para cada grupo de ativo. |
Elaboração FGV
Para a definição da BRR, é imprescindível que o prestador mantenha e atualize o seu laudo de ativos, bem como exerça estrito controle de sua contabilidade regulatória, observadas as diretri- zes regulatórias quanto à elaboração dos planos de contas. Ao regulador cabe definir em manu- ais de contabilidade regulatória próprios, parâmetros para apresentação das contas contábeis da prestadora, à exemplo do nível adequado de segregação das contas, de modo a permitir identificar os ativos, as baixas de ativos e a data em que entraram em operação (imobilização).
A escolha pelo método de valoração do ativo dependerá do equilíbrio que se almeja alcançar entre simplicidade/sofisticação do método e acurácia na estimativa do valor do ativo (garantia de cobertura do investimento realizado), além dos incentivos que se deseja fornecer ao prestador. Não se pode afirmar que um método seja melhor do que o outro, apenas que um se adequa mais ao objetivo proposto do que outro. Neste sentido, no âmbito de uma regulação por incentivos o método do valor novo de reposição se mostra mais adequado em função do incentivo que gera
para que o prestador seja eficiente, já que o valor do ativo reconhecido pelo método está vincu- lado a uma configuração considerada eficiente por parte do regulador. Esta metodologia, inclu- sive, tem sido uma opção comum dos reguladores para fins de valoração das ativos em revisões tarifárias periódicas.
Para o cálculo da BRR recomenda-se a blindagem da base de ativos relativa ao ciclo tarifário anterior e a adição da base incremental referente ao período entre as revisões tarifárias. Esta abordagem agiliza o processo de reavaliação da base de ativos durante a revisão tarifária, uma vez que o regulador não necessita reavaliar os ativos que previamente já foram submetidos à avaliação. Ainda, em função dos altos níveis de investimentos demandados pelo setor, o procedi- mento recomendado para o cálculo do nível tarifário é a projeção dos investimentos que serão realizados ao longo do ciclo tarifário para sua inclusão na BRR e sua contabilização na receita requerida. Assim, as projeções de imobilização para o ciclo tarifário são consideradas no cálculo da BRR, ao invés de tais ativos serem reconhecidos apenas no ciclo tarifário seguinte. Tem-se com isso maior aderência entre os valores cobertos pelas tarifas e os benefícios percebidos pelo usu- ário por meio da disponibilização do ativo em serviço.
Os ativos devem ser depreciados, buscando a maior aderência possível entre a vida útil regula- tória considerada e a vida útil técnica do ativo, a fim de que os ativos sejam totalmente depreci- ados contabilmente apenas quando sua funcionalidade também se esgotar. Com isto, o prestador terá incentivo para investir na reposição dos ativos apenas quando estes não mais servirem à prestação do serviço, e não antecipar investimentos, o que resulta em ineficiência sob o ponto de vista econômico. A depreciação dos ativos condizente com a vida útil dos mesmos garante um compartilhamento entre os usuários dos custos de recomposição do investimento, ao longo do pe- ríodo de funcionalidade do ativo. Em outras palavras, assegura-se a equidade entre as gerações de usuários.
2.4.1 Aspectos teóricos e metodológicos:
A metodologia do custo médio ponderado do capital (WACC – Weighted Average Cost of Capital) constitui uma das possibilidades de flexibilidade na taxa de retorno regulatória. Trata-se do mesmo parâmetro estimado e adotado como taxa de desconto em modelos de avaliação de empresas por fluxo de caixa descontado. Neste caso tem-se:
∑+∞ 𝐹𝐶𝐹𝐹𝑡 𝑉𝑎𝑙𝑜𝑟 𝑑𝑎 𝐹𝑖𝑟𝑚𝑎 = 𝑖=1 (1 + 𝑊𝐴𝐶𝐶)𝑡 | (1) |
onde o Valor da Firma corresponde ao valor presente dos fluxos de caixa livres gerados (FCFF- Free Cash Flows to the Firm) e com o custo médio ponderado do capital (WACC) fazendo o papel de taxa de desconto ajustada pelo nível de risco do empreendimento.
O WACC, como o próprio nome indica, corresponde a uma ponderação entre os retornos espe- rados exigidos pelos diversos tipos de financiadores dentro de uma companhia (Ver Ross et al., 2015). Agrupando os financiadores típicos em acionistas (E) e credores de dívida (D), tem-se:
Onde:
𝐸 𝐷 𝑊𝐴𝐶𝐶 = 𝑘𝑒 𝐸 + 𝐷 + 𝑘𝐷(1 − 𝑡) 𝐸 + 𝐷 | (2) |
𝑘𝑒 = custo do capital próprio para a empresa (retorno esperado pelos acionistas);
𝑘𝐷 = custo da dívida (retorno esperado pelos credores de dívida);
(1– 𝑡) = componente para ajuste pela existência de benefício fiscal gerado pelo financiamento via dívida (tax shield);
𝐸
𝐸+𝐷
e 𝐷
𝐸+𝐷
= representam, respectivamente, as proporções de capital próprio (Equity) e Dívida
(Debt) dentro do financiamento (estrutura de capital) total da empresa.
Com a mesma teoria de Finanças subjacente, o WACC também pode ser utilizado como estimador do retorno sobre o capital permitido para uma companhia regulada (Xxx Xxxxxxxxx e Lesser, 2011). Nestes casos, há uma estimativa do nível para o parâmetro, definida e atualizada previ- amente à aplicação e vigência por um certo período (ciclo) regulatório. Em alguns casos e reali- zando paralelos com outros setores regulados no Brasil, há a aplicação da taxa (real e sem o efeito dos impostos) sobre uma BRR líquida (Valor dos Ativos – Depreciação acumulada, tema abordado na seção anterior) avaliada para um ano teste. Este é o caso, por exemplo, do setor de distribuição de eletricidade no Brasil e trata-se de procedimento também utilizado em revisões tarifárias periódicas de algumas CESBs. Este cálculo (WACC x BRR Líquida) constitui um dos com- ponentes da RR da empresa e impactará, consequentemente, no nível de reposição tarifária a ser aplicado (aumento ou diminuição médios das tarifas).
Outro modo de utilização do WACC para fins regulatórios é comum em algumas regulações es- taduais para a distribuição de gás natural canalizado em nosso país. Neste caso, a partir de um plano de negócios para o próximo ciclo, que inclui projeções de demanda, investimentos de capital
e custos operacionais, e do WACC regulatório permitido determina-se o preço ou margem que deve vigorar nos próximos anos (5 anos, normalmente) para que se tenha o equilíbrio financeiro da concessão. Deste modo, em ambas as aplicações (com BRR/ano teste ou com projeções de fluxo de caixa para o ciclo regulatório) é importante a existência de uma metodologia para estimativa prévia do WACC, com o detalhamento necessário, memórias de cálculo (em planilhas, ao menos) e informações acerca da obtenção de dados e tratamentos estatísticos realizados.
No que tange à metodologia do WACC, a estimativa do custo do capital é dividida em duas etapas. A primeira, busca estimar o retorno adequado para as diferentes fontes de capital do empreendimento, comumente categorizados em dois grupos: o emprestador (capital de terceiros) e o acionista (capital próprio). A segunda etapa consiste no cálculo do custo do capital como uma média ponderada dos retornos esperados calculados na etapa um, onde os pesos da ponderação são fornecidos pela estrutura de capital da firma.
É importante destacar que há debates metodológicos conhecidos acerca da implementação da estimativa do WACC regulatório (Xxx Xxxxxxxxx e Lesser, 2011). É comum o regulador estipular uma estrutura de capital de referência para evitar variações na taxa de remuneração decorren- tes de modificações na estrutura de capital da firma regulada (Ver Giacchino e Lesser, 2011). Para o cálculo do custo do capital próprio, geralmente se adota o modelo CAPM (Capital Asset Pricing Model) e para o custo da dívida, a média das taxas exigidas para as emissões da em- presa. Para todos os componentes, as metodologias de cálculo para o custo do capital próprio e de terceiros podem diferir substancialmente quanto: (i) à janela de dados a ser utilizada; (ii) ao conjunto de empresas proxy a ser selecionado; (iii) à escolha do ativo livre de risco; e (iv) ao ativo de mercado a ser adotado, como será especificado a seguir.
Neste sentido, com o objetivo de esclarecer como o WACC regulatório pode ser estimado, a seguir é apresentada com mais detalhes a metodologia sugerida por Xxxxxxxxx e Lesser (2011).
Para a estimativa do custo do capital próprio da empresa, conforme mencionado, geralmente se adota o modelo CAPM, que busca estimar o retorno esperado do capital da empresa através de um prêmio de risco exigido pelo investidor. O prêmio de risco é a diferença entre o retorno exigido e o retorno livre de risco. Pelo modelo CAPM, o retorno adequado para um investimento arriscado é dado pela expressão:
𝑟𝑖 = 𝑟𝑓 + 𝛽𝐿(𝑟𝑀 − 𝑟𝑓) | (3) |
Onde:
𝑟𝑖 = retorno esperado do investimento i;
𝑟𝑓 = retorno livre de xxxxx;
𝑟𝑀 = retorno esperado pelo investimento na carteira de mercado; e
𝛽𝐿 = covariância entre o retorno do investimento i e o retorno de mercado, dividido pela variância da carteira de mercado.
O índice 𝛽𝐿 representa a parcela de risco da carteira ou do ativo em questão que é explicada pelo risco de mercado (índice de mercado de capitais). Do ponto de vista empírico, é preciso
estimar os parâmetros do modelo que são, a priori, desconhecidos. Tipicamente, o 𝛽𝐿 é estimado
por uma regressão linear na qual o excesso de retorno do ativo i é regredido sobre o excesso de retorno de mercado. O excesso de retorno de um ativo é medido como a diferença entre o seu retorno esperado e o retorno livre de risco.
Pode-se observar que algumas decisões precisam ser tomadas para que o modelo possua alguma utilidade prática. Entre as decisões a serem tomadas, destacam-se a escolha do ativo livre de risco e a escolha da carteira de mercado. É comum utilizar para fins de cálculo de WACC regu- latório os títulos do tesouro americano com 10 anos de maturidade como ativo livre de risco. Para fazer o papel da carteira de mercado, é comum a utilização do índice S&P500 americano. Uma vez definidos a carteira de mercado e o ativo livre de risco, é preciso decidir o método de estimação da média. No geral, utiliza-se a média histórica com uma janela de dados bastante longa. Quão longa deve ser a janela de estimação é outra questão que pode envolver inúmeras discussões entre as partes relacionadas e constitui mais um aspecto em que uma padronização/pa- cificação se faz necessária. Recentemente, a XXXXX atuou neste sentido, ao padronizar bases de dados, janelas de amostragem e dados comuns (dentro do possível) para os segmentos de distri- buição, transmissão e geração de eletricidade, que até então seguiam direcionamentos próprios.5
Em seguida, é realizada a escolha de firmas comparáveis para o cálculo do 𝛽𝐿. O primeiro re-
querimento é encontrar firmas reguladas que possuem ações negociadas em bolsa de mesma moeda; geralmente são escolhidas as bolsas americanas (NASDAQ e NYSE) por serem as bolsas de referência com grande quantidade de ações de firmas reguladas negociadas em mesma mo- eda. No geral, utilizam-se as ações de empresas reguladas locais do mesmo setor de atuação que são negociadas via ADRs (American Depositary Receipts) na bolsa de Nova York. Como, no geral, esse grupo de empresas é considerado pequeno, é normal a definição de um grupo de empresas internacionais proxy que também possuem ações negociadas na mesma bolsa. A utili- zação da cotação de ADRs é necessária, pois não se pode comparar retornos em reais com re- tornos em dólares diretamente (por conta das variações na taxa de câmbio).
Uma vez escolhidas as empresas negociadas na bolsa de Nova York (índice S&P 500), pode-se regredir seu excesso de retorno contra o excesso de retorno de mercado. Desta forma, é possível encontrar o beta de cada uma das empresas reguladas. O beta obtido por esse procedimento é conhecido como beta alavancado, pois é uma medida de risco que considera não apenas o risco
não diversificado do negócio, mas também o risco financeiro da alavancagem (da sua estrutura de capital). Como o beta do ativo da firma nada mais é do que a média ponderada do beta da ação e o beta da dívida, pode-se encontrar o beta da ação pela equação conhecida por fórmula de Xxxxxx:
𝐷 𝛽𝐸 = 𝛽𝐴[1 + (1 − 𝑡) 𝐸 (1 − 𝛽𝐷)] | (4) |
Onde 𝛽𝐸 é o beta da ação, 𝛽𝐴 o beta do ativo, 𝛽𝐷 o beta da dívida, 𝑡 é a alíquota marginal de imposto de renda e D/E a razão dívida-capital próprio da empresa.
Em geral, é comum a utilização de 𝛽𝐷 = 0 - considera-se que a dívida não possui risco associado
a mudanças na carteira de mercado, com os demais riscos (da dívida) sendo tratados em sepa- rado, na estimativa do custo do capital de terceiros.
Assim, obtém-se a versão da fórmula de Hamada utilizada na prática de avaliação de empresas (𝛽𝐸 = 𝛽𝐿 e 𝛽𝐴 = 𝛽𝑈, o beta de uma empresa sem dívidas em sua estrutura de capital):
𝐷 𝛽𝐿 = 𝛽𝑈[1 + (1 − 𝑡) 𝐸] | (5) |
O 𝛽𝐿 estimado pelo modelo de regressão é utilizado nesta fórmula junto com a estrutura de
capital da firma para se obter βU, conhecido como beta desalavancado da firma. A recomenda- ção de Xxxxxxxxx e Lesser (2011) é estimar o beta desalavancado para cada empresa da amos- tra de comparáveis e, em seguida, o beta realavancado pela estrutura de capital da firma para a qual se deseja estimar o retorno esperado da ação. Na prática, calcula-se o beta desalavan- cado médio (setorial) a partir da amostra de comparáveis e efetua-se o procedimento de reala- vancagem pela estrutura de capital definida ou estimada pelo regulador.
Como Xxxxxxxxx e Lesser (2011) apontam, para que os retornos entre essas firmas sejam de fato comparáveis, deve-se modificar o CAPM para o retorno esperado das firmas reguladas locais incluindo-se alguma medida de risco país. Nesse caso, a fórmula modificada para o retorno das firmas reguladas locais é:
𝑟𝑖 = 𝑟𝑓 + 𝛽𝐿(𝑟𝑀 − 𝑟𝑓) + 𝐶𝑅 | (6) |
Onde CR (country risk) representa alguma métrica de risco país. Normalmente são utilizadas séries históricas do índice EMBI+BR (índice de títulos de mercados emergentes, calculado pelo banco JPMorgan como a diferença entre as rentabilidades de títulos comparáveis da dívida externa
brasileira e títulos do tesouro dos EUA) ou do prêmio (spread) dos CDS’s (Credit Default Swaps) escritos sobre as emissões soberanas brasileiras no mercado internacional.
Para o cálculo do retorno da dívida, é comum utilizar a média das taxas de retorno das emissões de títulos de dívida da empresa. Recentemente, a ANEEL passou a fazer uso do histórico de de- bêntures emitidas pelos segmentos de geração, distribuição e transmissão para a estimativa do custo da dívida a ser utilizado como parâmetro do WACC.6 Outra alternativa comum na prática e que tem sido utilizada em alguns casos subnacionais (saneamento e gás natural, por exemplo) é o chamado CAPM da dívida – neste caso, tem-se:
𝑟𝑑 = 𝑟𝑓 + 𝑅𝑖𝑠𝑐𝑜 𝑑𝑒 𝐶𝑟é𝑑𝑖𝑡𝑜 + 𝐶𝑅 | (7) |
Onde 𝑟𝑓 é a mesma referência para a taxa livre de risco utilizada anteriormente para a estima- tiva do custo do capital próprio, 𝐶𝑅 é a mesma referência para o risco país; e 𝑅𝑖𝑠𝑐𝑜 𝑑𝑒 𝐶𝑟é𝑑𝑖𝑡𝑜
constitui uma estimativa para o prêmio de risco associado ao risco de inadimplência por parte da empresa. Habitualmente, este Risco de Crédito é estimado a partir de informações fornecidas por agências privadas de classificação de risco como a Moodys, Standard & Poors e Fitch.
2.4.1.1 Um exemplo de aplicação
Para fins de exemplificação, são apresentados os resultados para o custo médio ponderado do capital regulatório para uma empresa de água e saneamento genérica (water utiliy), com data- base 2020. O caso-base fez uso de séries de dados com 10 anos de observações, com exceção do prêmio de risco de mercado, para o qual utilizou-se toda a série disponível do S&P 500 americano. Para o retorno livre de risco, adotou-se a média histórica das taxas de retorno das Notas do Tesouro Nacional série B – NTN-B’s, uma estimativa da rentabilidade livre de risco em reais e já ajustada pela inflação (taxa real de juros). O beta desalavancado considerou um grupo de 17 water utilities americanas para o ano de 2020 e foi realavancado por uma estrutura de capital de referência, obtida a partir de uma meta para a razão dívida líquida/ EBITDA.
Para o custo da dívida, o caso base utilizou informações entre 2012 e 2020 acerca da rentabili- dade média de debêntures incentivadas de saneamento, informação disponível no site do Minis- tério da Economia. Desta forma, temos:
Tabela 3: Parâmetros para o cálculo do WACC para uma water utility genérica
Elaboração FGV
O caso-base busca atender a boas práticas e a princípios que deveriam ser adotados pelos reguladores: 1) simplicidade de modelagem e implementação; 2) facilidade de obtenção de da- dos e replicação; 3) preferência por dados locais; 4) padronização de janelas de dados. Para fins de análise de sensibilidade, foram também estimados seis modelos alternativos, com mudanças de especificação que já foram encontradas na prática e na literatura acadêmica. Os resultados, com relação ao caso-base, seguem abaixo:
Tabela 4: Análise de sensibilidade do WACC para uma water utility genérica
Cenário | Sensibilidade (caso-base) Variação % | Sensibilidade (caso base) Variação (diferença) | |
A | 60% de dívida | -4,00% | -0,31% |
B | PRM com série de 10 anos | 26,41% | 2,07% |
C | Taxa livre de risco americana + risco país | -15,11% | -1,18% |
D | CAPM da dívida | 3,20% | 0,25% |
E | Estrutura de capital contábil (COPASA) | 3,13% | 0,25% |
F | Beta nacional + Estrutura Nacional (COPASA) | 14,18% | 1,11% |
Elaboração FGV
É possível verificar que o número final do WACC é muito sensível a alterações na janela para o prêmio de risco de mercado e em relação a estimativas alternativas para a taxa livre de risco e para o beta. Assim, evidencia-se mais um indício a favor de uma necessidade de padronização a ser seguida pelas agências subnacionais, de modo a evitarem-se escolhas discricionárias quando da aplicação da metodologia.
Antecipando-se as proposições relativas ao cálculo do WACC, é recomendável que se evite a sofisticação em excesso – a Agência Nacional de Transportes Terrestres e, também, o Ministério da Economia, em documento relativo à estimativa do WACC para concessões, apresentam como alternativa, por exemplo, o uso de uma simulação de Monte-Carlo simples para a definição do parâmetro. São selecionadas para a simulação fatores de risco para o custo do capital próprio e custo de capital de terceiros e, assim, obtém-se uma distribuição de probabilidades para o WACC – para o exemplo de nosso caso-base, foram simuladas realizações alternativas para o prêmio de risco de mercado (fator de risco para o custo do capital próprio) e para a taxa de retorno das debêntures (fator de risco para o custo da dívida). O resultado pode ser visualizado a partir do histograma abaixo:
Figura 7: Histograma Simulação de Monte-Carlo para o WACC real depois de impostos.
Elaboração FGV
A análise do histograma em questão, obtido a partir da sequência metodológica descrita no referido documento editado pelo ministério da Economia, ilustra os perigos da sofisticação em excesso. Tem-se uma distribuição de valores que carecem de sentido econômico (valores absolutos muito altos, em ambas as direções) – ademais, o uso desta metodologia também pressupõe uma definição arbitrária do que seria o percentil ideal da distribuição de probabilidade a ser utili- zado.
2.4.2 Avaliação do diagnóstico brasileiro
Para corroborar a análise realizada até o momento e também as direções finais com relação à estimativa de WACC regulatório dos prestadores de serviço de abastecimento de água e esgo-
tamento sanitário (water utilities), é apresentado um breve diagnóstico acerca das práticas utili- zadas por uma amostra representativa de agências responsáveis pela regulação de prestadores públicos, dentre aquelas analisadas ao longo deste documento.
Em anexo (Tabela 21, Tabela 22 e Tabela 23) consta o levantamento dos parâmetros adotados no cálculo do custo de capital dos prestadores Sabesp, Copasa, Sanepar, Caesb, Cagece, Casan, Saneago e ATS, notadamente no que se refere ao custo do capital próprio, custo da dúvida e estrutura de capital.
Percebe-se uma total falta de padronização com relação a todos os aspectos já explicitados anteriormente, como origem dos dados, tamanhos de janelas, métrica de tendência central, além de sofisticações completamente desnecessárias e adição arbitrária (sem qualquer referencial teó- rico ou prático) de prêmios de risco diferenciados. Por fim, destaca-se mais uma evidência a favor de uma padronização e opção pela simplicidade, em linha com as melhores práticas regulatórias.
Consideradas as variações possíveis dentro do mesmo arcabouço (WACC/CAPM), um ponto de atenção na estimativa do custo de capital diz respeito à busca por padrões na aplicação da metodologia. Destaca-se dentre os parâmetros passíveis de homogeneização, as definições de cunho estatístico: i) tamanhos de janelas de dados, ii) periodicidade dos dados (semanal ou diária, por exemplo), iii) métrica de tendência central (estimativa pela média ou pela mediana) e iv) uso ou não de procedimentos para tratamento de observações aberrantes (outliers). A recomendação é que por meio da padronização, evite-se que as estimativas comuns sejam por demais divergen- tes entre os reguladores subnacionais – de maneira específica, por exemplo, que se usem bases de dados comuns e consistentes para parâmetros gerais como a taxa livre de risco, o prêmio de risco de mercado e betas desalavancados. Neste caso, a discricionariedade seria restrita a pa- râmetros mais afetados por características locais e próprias de cada empresa sob regulação ou área de concessão – como exemplo tem-se a alavancagem, o risco de crédito e outros riscos específicos (idiossincráticos), cujo apreçamento seja compreendido como factível. Esta questão, o apreçamento e incorporação de outros prêmios de risco, como riscos cambial e regulatório, dentre outros, também é passível de pacificação no exercício da supervisão regulatória (a ser exercido pela ANA). A recomendação, de especialistas como o professor Xxxxxx Xxxxxxxxx (NYU) e da própria prática regulatória em outros setores (Ver Damodaran, 2012) é que tais riscos não sejam tratados na estimativa do WACC.
A proposta de padronização aqui apresentada se mostra alinhada ao que foi feito no setor de eletricidade pela ANEEL e com iniciativas recentes do ministério da Economia com relação ao
WACC para concessões federais. Além da padronização, outra recomendação relaciona-se ao uso de dados locais, sempre que possível (nacionalização de parâmetros). A ANEEL, por exemplo, passou a adotar uma cesta de títulos públicos brasileiros para o cálculo da taxa livre de risco (NTN-Bs), o que acaba com a necessidade de se adotar um parâmetro adicional para risco país no cálculo do retorno exigido pelo acionista (o retorno do título brasileiro é igual ao retorno do título americano mais o risco país)3. Esse modelo é diferente daquele explicitado anteriormente, que adota como referência para taxa livre de risco o retorno médio histórico de um treasury bond de 10 anos de maturidade. Com relação ao custo da dívida ou retorno do capital de terceiros, a ANEEL também abandonou o CAPM da dívida em prol do uso de dados de debêntures emitidas por empresas brasileiras de eletricidade (respeitados alguns critérios para seleção relacionados ao segmento de atuação e ao tipo de debênture)4.
Para além da padronização metodológica, enfatizam-se dois outros princípios a serem observa- dos na implementação do cálculo do WACC: i) simplicidade de modelagem e implementação, e
ii) facilidade de obtenção de dados e replicação.
2.5 Custos Operacionais (OPEX) e outros custos
Juntamente com o “custo de capital”, a apuração dos “custos operacionais” e dos “outros custos”
para fins regulatórios constituem parte importante da estimação das receitas requeridas.
2.5.1 Aspectos teóricos e metodológicos
O processo de seleção e classificação do plano de contas e valores contábeis das empresas deve ser norteado por princípios de boas práticas regulatórias:
a. Transparência;
b. Consistência com os dados dos balanços;
c. Adequação ao escopo da revisão tarifária;
d. Adequação à realidade operacional do setor; e
e. Critérios técnicos
4 xxxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxx-xx-xxxxxxxx/-/xxxxx_xxxxxxxxx/xXXXXx0XXxX0/xxx- tent/id/19862680#:~:text=Para%20as%20transmissoras%20e%20gerado- ras,2020%20(7%2C32%25).
Além disso, os critérios devem refletir a realidade e as peculiaridades do setor como, por exem- plo, a estrutura operacional. A classificação também deve levar em conta a realidade operacional e administrativa da empresa.
A metodologia de projeção dos custos operacionais (OPEX), especificamente para o modelo de regulação do tipo Price-cap, requer 3 etapas iniciais, conforme esquematizado na Figura 8.
Figura 8: Etapas da metodologia de projeção de custos operacionais.
Elaboração FGV
As três etapas são:
1. Definição do plano de contas regulatório: quais contas contábeis de custos serão consi- deradas para a estimativa dos custos operacionais;
2. Estimativa do OPEX no ano base: consolidação dos custos operacionais, atualização dos valores obtidos para o ano base e aplicação de eventuais ajustes;
3. Projeção do OPEX para os anos do próximo ciclo tarifário com base nos direcionadores (drivers) definidos e custos unitários.
Além dos custos operacionais, consideram-se também “Outros custos” que, embora não estejam diretamente relacionadas com a prestação dos serviços, são também considerados para compor a receita requerida. Entre esses “outros custos”, destacam-se em especial as receitas irrecuperá- veis.
As próximas subseções detalham cada uma dessas etapas da metodologia de projeção de custos operacionais; uma subseção adicional apresenta considerações sobre a apuração das receitas irrecuperáveis para fins de estimativa dos “outros custos”.
2.5.1.1 Definição do plano de contas regulatório
A metodologia para a definição do plano de contas regulatório também se subdivide em três etapas, conforme a Figura 9:
Figura 9: Etapas da metodologia de definição do plano de contas regulatório.
Elaboração FGV
As etapas são detalhadas a seguir:
1. Categoria I: Depuração das Contas: classificação das contas a serem incluídas em cada uma das categorias abaixo:
a. Regulatórias: custos e despesas relativos à prestação dos serviços de água e esgotamento sanitário, a serem incluídos na estimativa do OPEX
b. Glosas: contas excluídas referentes a custos e despesas considerados como não recuperáveis (responsabilidade só da empresa). Por exemplo: multas, juros de multas, confraternizações, entre outros.
c. Não Aplicável: contas excluídas referentes a custos e despesas que são contabi- lizados, mas não fazem sentido em uma projeção dos custos de OPEX da presta- ção dos serviços de água e esgoto. Por exemplo, os custos de construção.
d. Modelo: contas excluídas tendo em vista que são tratadas diretamente no modelo econômico-financeiro de determinação de tarifas, como por exemplo encargos, tributos e taxa de regulação.
2. Categoria II: agregação das contas regulatórias nos principais componentes de custos de operação. Por exemplo:
a. Pessoal
b. Energia
c. Serviços
d. Químicos.
3. Categoria III: rateio dos principais componentes de custo nas subcategorias contábeis. Por exemplo:
a. Água,
b. Esgoto,
c. Operacional,
d. Administração Central e
e. Comercial.
2.5.1.2 Estimativa do OPEX no ano base
A segunda etapa da apuração do OPEX para fins regulatórios é a consolidação da estimativa do OPEX no ano de referência utilizando o plano de contas desagregado da empresa e as ru- bricas contábeis que compõem os grupos e subgrupos do plano de contas regulatório, conforme ilustrado na Tabela 5.
Tabela 5: Estimativa do OPEX do Ano Base: principais grupos
PESSOAL | ENERGIA | SERVIÇOS | QUÍMICOS | TOTAL REGULATÓRIO | |
ÁGUA | 𝑃𝐴 | 𝐸𝐴 | 𝑆𝐴 | 𝑄𝐴 | 𝑇𝐴 |
ESGOTO | 𝑃𝐸 | 𝐸𝐸 | 𝑆𝐸 | 𝑄𝐸 | 𝑇𝐸 |
OPERACIONAL | 𝑃𝑂 | 𝐸𝑂 | 𝑆𝑂 | 𝑄𝑂 | 𝑇𝑂 |
ADM CENTRAL | 𝑃𝐴𝐶 | 𝐸𝐴𝐶 | 𝑆𝐴𝐶 | 𝑄𝐴𝐶 | 𝑇𝐴𝐶 |
COMERCIAL | 𝑃𝐶 | 𝐸𝐶 | 𝑆𝐶 | 𝑄𝐶 | 𝑇𝐶 |
TOTAL | SUBTOTAL P | SUBTOTAL E | SUBTOTAL S | SUBTOTAL Q | TOTAL REGULATÓRIO GERAL |
Elaboração FGV
Os valores resultantes da estimativa inicial do OPEX devem ser ajustados para o processo de revisão em curso. Neste sentido, todos os custos devem estar atualizados para a data base, utili- zando-se para isso deflator adequado. Adicionalmente, devem ser consideradas inclusão ou ex- clusão de contas específicas, conforme a situação, e de forma justificada.
Após o ajuste dos custos operacionais para o ano base, devem ser definidos os direcionadores (drivers) que irão projetar cada componente de custo. Os direcionadores definidos para cada combinação de categoria e de subcategoria devem captar as especificidades e refletir a reali- dade operacional da empresa e do setor. Assim, as projeções de cada subcategoria de OPEX estão relacionadas ao crescimento dos parâmetros a que estão atrelados.
A Tabela 6 apresenta um possível exemplo de quadro de drivers para cada componente de custo, conforme a categoria.
Tabela 6: Direcionadores para as projeções de OPEX
Categorias de OPEX | Subcategorias de OPEX | ||||
Água | Esgoto | Adm. Central | Operacional | Comercial | |
Pessoal | Lig. de água | Lig. de esgoto | Fixo | Lig. Totais (a+e) | Lig. de água |
Energia | Vol. água produzido | Vol. esgoto tratado | Fixo | Lig. Totais (a+e) | Lig. de água |
Serviços | Lig. de água | Lig. de esgoto | Fixo | Lig. Totais (a+e) | Lig. de água |
Químicos | Vol. água produzido | Vol. esgoto tratado | – | – | – |
Elaboração FGV
No entanto, é necessário realizar ajustes adicionais à projeção inicial baseada nos custos e des- pesas unitários, com o propósito de que essa inclua os recursos requeridos para a gestão eficiente da empresa. Os itens de custos devem ser projetados tendo por base o nível de eficiência. A projeção de custos eficientes é abordada de forma conjunta à discussão sobre a aplicação do fator X (Seção 2.6)
A categoria “Outros custos” abrange os custos não qualificáveis para as demais categorias. Entre as rubricas que geralmente fazem parte desta categoria, incluem-se as receitas irrecuperáveis – parcela da receita faturada não recebida como consequência da inadimplência dos usuários. Demais rubricas podem incluir, a exemplo das que foram incluídas na 3ª revisão tarifária ordiná- ria da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp pela Arsesp, fundos para dispêndios com obrigações municipais, fundo para pesquisa, desenvolvimento e inovação (PDI), programas de conservação de mananciais, entre outros.
Estes componentes de custo são projetados para o ciclo tarifário e para esses assume-se não haver capacidade de ganho de eficiência pela prestadora (sobre eles não incide o Fator X). Por essa razão, estes custos são alvo de ajustes compensatórios ao final do ciclo tarifário. A exceção se refere às receitas irrecuperáveis, para as quais se estabelece um limite percentual regulatório e, portanto, não há previsão para ajustes compensatórios. A seguir são descritos cada um dos pos- síveis componentes da categoria “outros custos”.
As receitas irrecuperáveis, por representarem a inadimplência dos usuários, são reconhecidas como custo a ser ressarcido pelas tarifas em um valor limite para as contas consideradas incobrá- veis. O reconhecimento deste limite nas tarifas é válido desde que o sistema comercial atenda a
padrões desejáveis de eficiência, especialmente nos processos de faturamento e cobrança dos serviços prestados.
Para o cálculo das receitas irrecuperáveis pode ser adotado o conceito de aging, que permite identificar o percentual de parcela “estável” dos valores não pagos durante um período de tempo. Neste modelo, o faturamento mensal não recebido até a data de referência é comparado ao faturamento mensal da prestadora, por exemplo, em uma série de 60 meses, gerando um índice de não recebimento mensal. Para definição do percentual de receita irrecuperável a ser aplicado sobre a receita operacional direta considera-se o ponto de estabilização. A agência regulatória estabelece uma trajetória para este valor ao longo do ciclo.
São consideradas receitas irrecuperáveis regulatórias apenas aquelas relacionadas ao varejo (distribuição), pois a inadimplência referente ao fornecimento de água por atacado e tratamento de esgotos para municípios permissionários não deve ser paga pelo conjunto de consumidores. Conforme já comentado, por se tratar de um limite regulatório, não há ajuste compensatório por conta de inadimplência inferior ou superior aos valores aprovados.
Os Repasses aos Fundos Municipais de Saneamento Básico referem-se a determinados inves- timentos e ações necessários à expansão da infraestrutura e das instalações operacionais dos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário e cuja realização compete aos mu- nicípios e não às prestadoras de serviços diretamente. Entre essas ações, citam-se, por exemplo, a remoção de moradias irregulares de fundos de vale, a urbanização de favelas e assentamentos precários, a regularização fundiária, a canalização de córregos, entre outras.5
O Fundo para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação refere-se à constituição de um fundo para pesquisa, desenvolvimento e inovação6. Os valores efetivamente aplicados em PDI autori- zados, até o limite regulatório, são objeto de ajustes compensatórios.
5 A Arsesp reconhece parcela da receita tarifária como repasse aos fundos municipais de saneamento básico por meio da publicação da Deliberação Arsesp n° 870/2019, que estabeleceu os critérios e as condições para o reconhecimento tarifário de parcela da receita direta dos prestadores, regulados pela Arsesp, repassada aos fundos municipais de saneamento básico. O repasse foi limitado a 4% da receita operacional direta do respectivo município
6 A Deliberação Arsesp n° 920/2019 instituiu o Programa Quadrienal de Pesquisa e Desenvolvimento Tec- nológico para inovação em serviços de saneamento básico, dos prestadores regulados pela Arsesp. No manual anexo à Deliberação (MANUAL.TEC.S-0001-2019) estão definidos diretrizes e procedimentos a serem seguidos pelas prestadoras e pela Arsesp no âmbito do Programa.
Finalmente, no que se refere ao Programa de Conservação dos Mananciais, especificamente reconhecido pela Arsesp, a entidade reguladora está desenvolvendo metodologia de incorpora- ção dos investimentos e despesas em conservação e proteção dos mananciais da Região Metro- politana de São Paulo – RMSP na composição da tarifa da Sabesp.
Destaque-se que o reconhecimento de valores a título de programas como os que foram mencio- nados acima para fins de repasse nas tarifas depende da existência de programa legalmente instituído na legislação ou na regulação.
2.5.2 Diagnóstico da situação brasileira
Para entender a situação brasileira atual, analisou-se a regulação aplicada a quatro das princi- pais companhias estaduais de saneamento: Sabesp, Copasa, Sanepar e Caesb, conforme a Ta- bela 7.
SABESP | COPASA | SANEPAR | CAESB | |
Categorias | • Pessoal, • Serviços de Tercei- ros, • Energia Elétrica, • Materiais de Trata- mento, • Materiais Gerais e • Despesas Gerais. | • Pessoal, • Serviços de Tercei- ros, • Energia Elétrica, • Mats. de Trata- mento, • Combust. e Lubrifi- cantes, • Telecomunicação, • Comercialização, • Comunic.e Publici- dade, • Manutenção, • Treinamento e • Outros. | • Administrativos, • Gestão Comercial e • Operação e Manu- tenção. | • Pessoal, • Serviços de Tercei- ros, • Energia Elétrica, • Materiais e Gerais. |
Drivers | • Volume medido de água • Volume produzido de Água, • Ligações de Água • Ligações de Esgoto, • Volume coletado de esgoto • Volume tratado de Esgoto e • Valores fixos. | • Valores Fixos. | • Unidades Consumi- doras, • Mercado e • Valores Fixos. | • Ligações e • Valores Fixos |
Custos Unitários | Menor entre (i) média do ciclo anterior e (ii) último ano do ciclo retrasado. | Último ano do ciclo ante- rior. Exceção: energia elétrica tem suas tarifas projeta- das pela ARSAE. | Último ano do ciclo ante- rior. | Último ano do ciclo ante- rior. Exceção: energia elétrica tem uma penalidade de 5% nos custos de energia ligados aos serviços de água e esgoto caso a Ca- esb apresente indicador de eficiência energética "mediano" ou inferior. |
Elaboração FGV
Independentemente do aspecto escolhido, vê-se que há muita heterogeneidade no tratamento dos custos operacionais entre elas. Por exemplo, enquanto Sabesp e Copasa dividem os custos totais em 6 e 11 diferentes categorias (respectivamente) para projetá-los separadamente, Caesb e Sanepar trabalham com apenas 3 e 4 categorias (respectivamente).
Os elementos direcionadores de cada uma dessas categorias também divergem. A Sabesp é a que utiliza um rol maior de variáveis, a saber:
• Volume medido de água;
• Volume produzido de água;
• Volume coletado de esgoto;
• Volume tratado de esgoto;
• Ligações de água;
• Ligações de esgoto; e
• Valores fixos.
Por sua vez, as demais companhias trabalham majoritariamente com valores fixos e ocasional- mente alguma variável relacionada ao tamanho do mercado (ligações de água ou economias atendidas). Aqui já se observa um componente de indução de busca de eficiência sobre os custos operacionais, ponto que será tratado em maior profundidade na seção seguinte. Ao fixar boa parte das categorias de custos ao valor do final do ciclo tarifário anterior, em oposição a atrelá- las a um driver que cresce ao longo do tempo, as respectivas Agências Reguladoras subestimam propositalmente a evolução dos custos operacionais futuros, reduzindo a tarifa média de equilí- brio e incentivando as companhias a conterem seus custos o mais próximo possível do valor atual.
Com vistas a esse mesmo objetivo, a ARSESP compara os custos unitários do ciclo tarifário encer-
rado (𝑂𝑃𝐸𝑋−1) com os custos unitários do ciclo anterior a ele (𝑂𝑃𝐸𝑋−2), selecionando o menor
entre ambos (veja Figura 10). Dessa forma, ainda que boa parte dos custos da Sabesp sejam projetados de acordo com a evolução do mercado atendido, parte desse crescimento é compen- sado pela utilização de custos unitários inferiores. Por sua vez, as demais companhias utilizam apenas os custos unitários do ciclo encerrado.
Figura 10: Definição dos custos unitários na regulação dos custos operacionais da Sabesp
Elaboração FGV
Em todos esses casos, os valores passados utilizados nas projeções são atualizados a valor pre- sente. No caso de Sabesp e Sanepar, o índice utilizado é o IPCA; já Copasa e Caesb utilizam fórmulas paramétricas, que consideram índices diferentes para cada categoria de custos.
A diversidade de metodologias para a projeção do OPEX e dos “outros custos” entre as presta- doras selecionadas sugere que há espaço para a homogeneização das práticas contábeis, em que se recomenda a criação de um manual de contabilidade regulatória específico para o setor.
O fator X corresponde ao fator redutor tarifário aplicado pelo regulador para fins de compar- tilhamento de ganhos de produtividade do prestador com os usuários e, por consequência, de indução à sua eficiência. O fator X, diferentemente dos demais itens até então abordados no presente documento, não constitui propriamente um componente da receita requerida, isto é, não compõe os Building Blocks da receita requerida. Este se insere no escopo da determinação do nível tarifário, quando da projeção de custos eficientes.
2.6.1 Aspectos teóricos e metodológicos
Na prática regulatória, “ganhos de produtividade” (ou “fator de produtividade”) foram consa- grados como “fator X”. Este parâmetro propõe o compartilhamento com o usuário, por meio da redução tarifária relativamente a uma atualização monetária, dos ganhos de produtividade al- cançados pelo prestador. Em um ambiente monopolizado, o fator X simula ou depende do efeito das variações de produtividade sobre os preços que ocorreria caso o agente regulado operasse em um mercado competitivo. Com isto, busca-se reduzir o descolamento entre os custos da pres- tação do serviço e as tarifas cobradas para remunerá-los.
Em teoria, o fator X deve refletir uma trajetória de custos eficientes por parte do prestador. Se o fator X determinado for maior que os ganhos de produtividade efetivamente alcançados pela empresa, a firma acaba por auferir retornos inferiores do que a taxa de retorno exigida para o investimento (custo do capital),; por outro lado, que, se os ganhos de produtividade forem supe- riores ao fator X, a firma aufere retornos acima do custo do capital. Desta forma, o fator X determina um critério de ganhos de eficiência a serem perseguidos pelo regulado (incentivo à eficiência).
O fator X foi originalmente concebido como um mecanismo voltado para o compartilhamento dos ganhos provenientes de economia de escala, isto é, decorrentes da diluição do custo de capital pela expansão do mercado. Os ganhos de produtividade, no entanto, não se devem exclusiva- mente a economias de escala. Estes podem decorrer também da (i) eficiência alocativa, em fun- ção de melhorias nos processos internos da companhia, por exemplo, e/ou (ii) eficiência técnica, proveniente de avanços tecnológicos.
Historicamente, o fator X surgiu no Reino Unido na regulação da indústria de telecomunicações.
“O fator X surgiu no trabalho seminal de Lixxxxxxxxx (1983), que também deu origem à regulação Price Cap. Tendo como pano de fundo a privatização da empresa de telefonia
britânica British Telecom (BT), o referido relatório sugere pioneiramente a adoção de um limite para a variação tarifária anual de alguns serviços oferecidos pela empresa. O limite sugerido, conhecido como RPI-X, seria dado pela variação inflacionária (RPI, no caso bri- tânico) menos um fator percentual arbitrário X. A lógica por trás do teto era de que, ao se impor uma variação real de preços negativa, criar-se-iam incentivos para que a empresa monopolista em questão perseguisse eficiência e redução de custos. O fator X correspon- deria então a um compartilhamento dos ganhos advindos do aumento de produtividade da firma regulada com os consumidores” (De Bragança e Camacho, 2012)
A aplicação do fator X, em termos de redução tarifária esperada, corresponde à previsão dos ganhos de produtividade do setor regulado e, por isso, depende fortemente das características tecnológicas da indústria considerada. Em termos práticos, durante o processo de revisão tarifária, no qual o regulador revê as condições de prestação dos serviços, tem-se a definição do nível tarifário e do fator de compartilhamento de produtividade, fator X. Nesta ocasião, o regulador projeta os ganhos de produtividade esperados para o ciclo tarifário. Estes serão ano a ano apli- cados durante os reajustes tarifários anuais, para fins de compartilhamento com o usuário, na forma de redução tarifária, e como mecanismos de incentivo para que a companhia mantenha uma busca constante por maior eficiência.
De maneira análoga, o fator X pode também ser aplicado sobre contratos que já apresentam previsão de fluxo de caixa para todo o período de concessão, tipicamente nos casos em que há predomínio de uma regulação contratual. Isto é possível quando contratualmente são previstas revisões tarifárias periódicas especificamente para fins de compartilhamento de ganhos de pro- dutividade. Nestes casos, os “novos” custos operacionais unitários, decorrentes de ganhos projeta- dos passam a ser considerados para os anos seguintes da concessão. Também nestes casos, o compartilhamento dos ganhos deve observar a matriz de riscos contratualmente pactuada.
A título de exemplo de aplicação do fator X em um procedimento de revisão tarifária, considere o caso em que o nível tarifário é calculado pelo método do fluxo de caixa descontado, proje- tando-se a receita requerida para o ciclo tarifário em uma abordagem “forward looking”. Neste caso, a tarifa é aquela que iguala o valor presente das receitas ao valor presente das despesas. De forma simplificada, a tarifa T pode ser calculada pela expressão:
𝑁 𝑀𝑡𝑇 + 𝑂𝑅𝑡 𝑁 𝐶𝑂𝑡 + 𝑅𝐾𝑡 + 𝑄𝑅𝑅𝑡 + 𝑅𝐼𝑡 ∑ = ∑ 𝑡=1 (1 + 𝑊𝐴𝐶𝐶)𝑡 𝑡=1 (1 + 𝑊𝐴𝐶𝐶)𝑡 | (8) |
Onde 𝑀𝑡 é o mercado projetado para o ano t; 𝑂𝑅𝑡, são as outras receitas; 𝐶𝑂𝑡 e 𝑅𝐾𝑡 são os custos operacionais e a remuneração do capital, respectivamente; 𝑄𝑅𝑅𝑡 representa a quota de reintegração regulatória; e 𝑅𝐼𝑡 são as receitas irrecuperáveis.
O cálculo do fator X consiste em se recalcular a tarifa de equilíbrio, considerando-se os custos operacionais eficientes projetados (𝐶𝑂𝐸𝑡):
𝑁 𝑀𝑡𝑇(1 − 𝐹𝐴𝑇𝑂𝑅 𝑋)𝑡−1 + 𝑂𝑅𝑡 𝑁 𝐶𝑂𝐸𝑡 + 𝑅𝐾𝑡 + 𝑄𝑅𝑅𝑡 + 𝑅𝐼𝑡 ∑ = ∑ 𝑡=1 (1 + 𝑊𝐴𝐶𝐶)𝑡 𝑡=1 (1 + 𝑊𝐴𝐶𝐶)𝑡 | (9) |
Quanto maior o ganho de produtividade estimado, maior será o fator redutor (fator X) para que receitas e custos se equilibrem. Os ganhos de produtividade (projeção da trajetória de redução dos custos) podem ser estimados pelo regulador, por diferentes métodos e abordagens: estes podem ser estimados com base na produtividade histórica do prestador ou de um grupo de empresas do setor (benchmarking) ou projetados a partir da chamada Empresa de Referência. Neste caso, pode-se adotar a Empresa de Referência como o padrão de desempenho, sendo esta uma empresa virtual que simula a prestação do serviço para um dado nível de qualidade exigido pelo regulador, utilizando-se de forma eficiente dos recursos.
A escolha pela abordagem para projeção dos ganhos de produtividade é sobretudo uma escolha regulatória. No caso de estimativa dos ganhos de produtividade com base em produtividade histórica dois pontos despertam preocupação. O primeiro deles é o fato de não necessariamente os ganhos observados no passado serem representativos dos ganhos desejados no futuro. O se- gundo deles é a assimetria informacional entre regulador e prestador. Isto é agravado quando a análise se baseia em dados de outros prestadores setoriais. Como ter acesso a informações con- fiáveis de outros prestadores talvez seja um dos maiores desafios, principalmente quando se con- sidera a fragilidade das bases de dados setoriais, o que inclui o próprio SNIS, ainda em fase inicial de implementação da metodologia ACERTAR7.
Antes de entender os diversos métodos existentes para projeção dos ganhos de produtividade, é necessário ter em mente que medidas de produtividade, em geral, são medidas que relacionam os insumos com os produtos. Em economia diz-se que insumos são transformados em produtos por uma tecnologia ou função de produção. A tecnologia de produção mais simples é aquela que
7 O Projeto Acertar visa o desenvolvimento de Metodologias de Certificação de informações do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
transforma um único insumo ou recurso em um único produto. Neste caso, a razão entre produto e insumo determina de forma clara e objetiva o nível de produtividade (média) da firma.
A relação entre insumos e produtos, isto é, a tecnologia de uma firma, pode ser representada por uma série de formas matemáticas distintas, sendo uma das mais comuns a função de produção. Se x é a quantidade de insumos, 𝑓(𝑥) representa a maior quantidade de produtos possível de serem
produzidos com a quantidade de insumos x. Desta forma, sua função de produção determina a
restrição tecnológica, de forma que a quantidade 𝑦 que a firma pode produzir deve satisfazer a desigualdade 𝑦 ≤ 𝑓(𝑥).
Portanto, muitas vezes se analisa a eficiência técnica da firma tentando inferir qual a sua função de produção. Desta forma, se a firma utiliza uma quantidade 𝑥 de insumos e produz uma quanti- dade y<f(x), diz-se que a firma não está operando com eficiência técnica e seu nível de inefici-
ência técnica pode ser calculado pela diferença 𝑓(𝑥) − 𝑦.
É importante ressaltar que a eficiência técnica não garante a eficiência alocativa (econômica). Isto porque em um monopólio natural a firma geralmente determina uma quantidade de produção inferior ao nível socialmente ótimo. Desta forma, mesmo que se atue com eficiência técnica, em- pregando a menor quantidade de insumos possíveis para se produzir uma quantidade 𝑦 de pro-
dutos, a quantidade de produtos produzidos pode ser inferior ao volume ou nível socialmente
desejável 𝑦∗; ou seja, 𝑦∗ > 𝑦.
Dito isto, destacam-se as principais medidas de produtividade, as quais possibilitam aos regula- dores acompanhar o desempenho operacional de firmas reguladas, processo necessário à deli- mitação da trajetória de redução de ineficiências no âmbito de aplicação do fator X:
• Medida de produtividade parcial;
• Medida de produtividade total dos fatores;
• Análise da função custo por regressão;
• Análise de fronteira estocástica (SFA);
• Análise de envoltória de dados (DEA).
Medidas de produtividade parcial
A definição de produtividade média (eficiente) pode ser descrita através de sua função de pro- dução 𝑓(∙), pela seguinte fórmula:
𝑃𝑚𝑒𝑑 = 𝑓(𝑥)/𝑥 | (10) |
De forma similar, pode-se calcular a produtividade média verificada pela razão entre a quanti- dade de serviços efetivamente prestados e a quantidade de insumos utilizada. Pela restrição tecnológica, 𝑦 ≤ 𝑓(𝑥), tem-se que a produtividade média verificada, 𝑦/𝑥, deve ser não maior
que a sua produtividade média eficiente, 𝑓(𝑥)/𝑥. Desta forma, se duas firmas, A e B, possuem
mesma tecnologia, 𝑓(∙), e a firma A possui produtividade média superior a firma B, pode-se
afirmar que a firma B não está produzindo de forma eficiente, desde que se considere que a tecnologia de produção possui retornos constantes de escala.
Para se compreender a necessidade da hipótese de retornos constantes de escala, apresenta-se de forma breve esse conceito. Uma firma possui retornos constantes de escala quando para se dobrar a quantidade de produtos ofertados é necessário dobrar a quantidade de insumos. Neste caso, a produtividade média eficiente da firma é igual ao valor máximo de produção de uma unidade de insumo, isto é, 𝑓(1) = 𝑓(𝑥)/𝑥. Desta forma, comparar a produtividade média é equi-
valente a comparar o nível de produção de uma única unidade de insumo. Se a tecnologia possui
retornos constantes de escala, a firma que apresenta produtividade média inferior poderia estar produzindo uma maior quantidade de produtos com a mesma quantidade de insumos, de forma que se pode afirmar a sua ineficiência técnica.
Quando se trata de mais de um insumo para se produzir um determinado produto, a produtivi- dade média passa a ser computada pela produtividade média de cada insumo, muitas vezes chamada de medida de produtividade parcial. A medida de produtividade média de cada in- sumo é a razão entre a quantidade de serviço prestado pela quantidade de cada insumo utilizado na produção.
Indicadores de produtividade média (eficiente) para uma função de produção com dois insumos (capital e trabalho) são:
𝑃𝑚𝑒𝑑𝐾 = 𝑓(𝐾, 𝐿)/𝐾 | (11) |
𝑃𝑚𝑒𝑑𝐿 = 𝑓(𝐾, 𝐿)/𝐿 | (12) |
Como exemplos de produtividade média (verificada) do trabalho no setor de saneamento, tem- se os seguintes indicadores disponibilizados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Sanea- mento:
▪ IN010 - Unidades consumidoras de água e esgoto por total de empregados
▪ IN011 - Volume de água micro medido por total de empregados
▪ IN012 - Extensão de rede de água e esgoto por total de empregados
▪ IN013 – Volume de água e esgoto faturados por total de empregados
▪ IN014 - Quantidade de economias ativas de água e esgoto por total de empregados
Embora sejam de simples cálculo, essas medidas de produtividade parcial podem ser equivocadas ou enganosas, uma vez que a companhia pode aumentar a produtividade do trabalho ao custo de uma elevação do capital empregado. Como exemplo, a substituição de empregados que che- cam a macromedição na ETA por medidores eletrônicos com transmissão on line pode reduzir a quantidade de empregados, mas aumentará a necessidade de capital. Portanto, a firma apre- sentará uma maior produtividade por total de empregados, porém, para que o investimento seja eficiente, a economia com mão de obra deve ser suficiente para compensar a elevação dos custos de capital.
Produtividade Total dos Fatores (PTF)
Medidas de produtividade total dos fatores tendem a ser mais acuradas do que as medidas de produtividade parcial e são, no geral, computadas através de números índices. Um índice de produtividade total de fatores pode ser computado pela razão entre o índice de produto sobre o índice de insumos de produção. Desta forma, há crescimento da produtividade total de fatores quando a diferença de crescimento entre os índices de produto e insumo é positiva.
O índice de insumos agregado é geralmente computado como uma média ponderada dos insumos individuais, no qual o peso é a participação do insumo no custo total. Existem diversas técnicas de número-índice que podem ser adotadas para o cálculo de ganhos de produtividade. Dentre elas, destacam-se: Laspeyres; Paxxxxx; Fixxxx; e Toxxxxxxx.
Segundo Abxxxx x Coxxx (2009), a primeira tentativa de derivar ganhos de produtividade na indústria de suprimento de água é devida a Kexxxxxx (1961) como parte de seu trabalho focado em derivar ganhos de produtividade para diferentes setores nos EUA. Em seu trabalho, dois insu- mos foram utilizados: trabalho, mensurado pela quantidade de horas de trabalho empregada, e capital, por meio da estimativa de um estoque de capital com base nas despesas brutas de capi- tal.
O cálculo de produtividade total de fatores é pouco utilizado para medir eficiência no setor devido à ausência de variáveis de controle que permitam a comparação das empresas analisa- das.
Análise da Função Custo por Regressão
A função custo de uma empresa é uma função que determina o menor custo de se produzir uma certa quantidade de produto, dados os preços dos insumos. Geralmente a função custo é dividida em duas parcelas que representam o custo fixo e o custo variável da firma. A parcela de custo variável é definida como a parcela do custo que varia de acordo com o nível de produção, já o custo fixo é todo aquele que não é variável.
Muitas vezes no procedimento econométrico é adotada alguma variante da função custo como variável dependente, seja o custo total, o custo variável ou o custo médio. Já como variáveis independentes são utilizadas as quantidades de produto e os preços dos insumos. Frequentemente, também são incluídas variáveis que alteram os custos da prestação do serviço, como densidade populacional, perdas etc.
Análise de Fronteira Estocástica (SFA)
Outra abordagem utilizada para cálculo de eficiência é a análise de fronteira estocástica (Sto- castic Frontier Analysis, em inglês, SFA). A análise de fronteira estocástica é uma técnica de esti- mação de eficiência que busca estimar estatisticamente a função de produção. Esse método foi desenvolvido simultaneamente por Aixxxx xt al. (1977) e Meeusen e vax xxx Xxxxxx (1977). Es- pecificamente para o setor de saneamento, uma das primeiras análises do setor feita para Ingla- terra e País de Gales é associada à Link (1993). Nessa abordagem, o nível de eficiência de cada empresa é computado de acordo com uma comparação de seu nível de produção com o nível de produção máximo da fronteira de produção. A distância entre o nível verificado e o nível da fronteira pode ser atribuída a duas parcelas: uma parcela de ineficiência e uma parcela aleatória exógena. O modelo pode ser descrito pela equação
𝑦 = 𝑓(𝑥, 𝜃) + 𝑣 + 𝑢 | (13) |
Onde 𝑦 é a fronteira de produção que se deseja determinar, 𝑓(𝑥, 𝜃) é a função de produção, 𝑣
é o termo de ineficiência e 𝑢 é a parcela aleatória exógena. Tanto o termo de ineficiência quanto
a parcela aleatória exógena possuem uma distribuição de probabilidade. A parcela exógena geralmente é modelada por uma distribuição normal de média zero, enquanto o termo de inefi- ciência, por ser sempre positivo, é modelado por uma distribuição exponencial, semi-normal, nor- mal truncada ou gama.
Uma desvantagem da aplicação do método consiste na definição arbitrária de uma forma funci- onal para a função de produção, 𝑓(𝑥, 𝜃). Entre as principais formas funcionais se encontram:
linear, Cobb-Douglas, Leontief, elasticidade de substituição constante, quadrática, quadrática nor- malizada e logaritmo transcendental (translog). Um exemplo de aplicação do método utilizando a função de produção Cobb-Douglas pode ser encontrado em Coelli et al. (2005).
Análise de Envoltória de Dados (DEA)
Outra metodologia ainda adotada para a análise de eficiência é a análise de envoltória de dados (Data Envelopment Analysis, em inglês, DEA) empregada pioneiramente por Charnes, Coo- per e Rhodes (1978) com base no trabalho de Farrel (1957), o qual assume como hipótese uma tecnologia com retornos constantes de escala. Posteriormente, o artigo de Banker et al. (1984) possibilitou a determinação de eficiência relativa com tecnologias que apresentam retornos cres- centes, constantes ou decrescentes de escala.
DEA é uma metodologia de programação linear que busca inferir o nível de eficiência com base em uma amostra de empresas através dos cálculos das razões de produto e insumo (produtividade média). A ideia é calcular a eficiência relativa de cada empresa com relação a um benchmark de eficiência. As empresas mais eficientes da amostra determinam uma envoltória de eficiência pro- dutiva através de procedimentos de interpolação linear. Denomina-se “efeito catch-up”, a distân- cia até a fronteira de eficiência composta por prestadores comparáveis.
A vantagem dessa metodologia quando comparada à análise de fronteira estocástica é de não necessitar de uma forma funcional para a função de produção. Por outro lado, uma desvantagem é que qualquer desvio da fronteira de eficiência é atribuído a uma ineficiência da empresa, uma vez que não há variáveis para computar efeitos exógenos.
A literatura apresenta algumas críticas quanto à utilização do fator X, quais sejam: a discrici- onariedade de sua aplicação e o efeito catraca ou “ratchet effect” (Milgrom e Roberts, 1992). A discricionariedade pode levar o regulador a determinar o fator X de forma imprudente, como forma de realizar populismo tarifário, isto é, determinando tarifas menores do que as necessárias para recuperar os custos eficientes e investimentos prudentes da empresa regulada. Já o “ratchet effect” versa sobre o comportamento que um mecanismo de incentivo pode produzir sobre um ente regulado: se este acreditar que grande parte dos seus ganhos for objeto de captura ou compar- tilhamento, poderá ter menos incentivo a buscar aumentos de eficiência. Com isto, o ente regulado pode propositalmente não demonstrar eficiência de custos ao final do ciclo tarifário devido ao receio de que o regulador o premie com um fator X muito elevado para o próximo ciclo.
Nesse sentido, vale comentar a experiência britânica na aplicação do fator X, visto ser esta pioneira na regulação econômica por incentivos no saneamento, bem como por ter encontrado mecanismo para incentivar o regulado a perseguir continuamente o aumento de eficiência, não
recaindo, portanto, no “ratchet effect”. Os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Reino Unido são regulados pelo Office of Water Services (Ofwat), regulador nacional. Mecanismos de incentivo à redução de custos e melhoria da qualidade dos serviços sempre esti- veram presentes na metodologia adotada pelo regulador para definição das tarifas, desde a primeira revisão tarifária, ocorrida em 1994. Destaca-se, contudo, uma grande diferença entre o setor britânico e o brasileiro, fundamental quando se avalia a experiência do Reino Unido na adoção do fator X: no início do século XX, os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário já estavam universalizados nas áreas urbanas do Reino Unido; realidade muito diferente do cenário nacional. À época, o desafio britânico consistia no cumprimento de parâmetros ambi- entais, determinados para toda a União Europeia.
A lógica da regulação econômica no Reino Unido, conforme estabelecido nas licenças das presta- doras de serviço (contratos), é pautada em limitar os aumentos nos preços pela fórmula RPI + K, onde RPI representa a inflação (Retail Price Index) e K é um valor específico para cada prestadora (OFWAT, 1994). O regulador, então, é responsável por determinar o valor de K periodicamente
– a cada cinco anos, em que se avalia: (i) a necessidade de investimentos, (ii) o potencial de redução dos custos de operação-base (aqueles para cobrir o serviço existente, ou seja, antes de considerar melhorias no atendimento aos usuários e ao meio ambiente), (iii) a redução do retorno sobre os ativos existentes, e (iv) os custos devido ao crescimento da demanda. No que tange à projeção de custos operacionais eficientes, o Ofwat avalia o potencial de aumento da eficiência do setor como um todo, assim como individualmente por companhias. Ao longo dos ciclos tarifárias, diversas foram as metodologias adotadas para estimativa dos ganhos de eficiência: fronteiras estocásticas, DEA e análise por regressão, por exemplo.
Para incentivar que as prestadoras mantivessem a busca por eficiência em todos os anos do ciclo tarifário e, especificamente, que buscassem eficiência superior à regulatória, o Ofwat adotou, de 1999 a 2015, o mecanismo “rolling incentive allowance”. Este mecanismo consistia na retenção, pelas prestadoras, das economias de eficiência superiores às premissas regulatórias (outperfor- mance) por um ciclo tarifário inteiro (cinco anos) antes de serem repassadas aos clientes – com- partilhadas (OFWAT, 1999).
No contexto brasileiro, dentre os setores regulados, merece destaque a sólida experiência do setor elétrico na aplicação do fator X. O compartilhamento dos ganhos de produtividade com os usuários surgiu, no setor elétrico brasileiro, com a desverticalização setorial e a privatização das distribuidoras de energia elétrica. Embora tais eventos tenham se passado há quase 25 anos, a primeira metodologia de cálculo do Fator X foi estabelecida apenas no ano de 2004 e passou por revisões e aprimoramentos a cada ciclo de revisão tarifária das distribuidoras de energia elétrica.
A reestruturação do setor elétrico da década de 90 iniciou-se com a Lei Geral de Concessões (Lei nº 8.987/95) e a Lei nº 9.074/95 que prescreveu a desverticalização obrigatória do setor nos segmentos de geração, transmissão e distribuição. A primeira privatização de uma concessionária de distribuição de energia ocorreu em 1996 com a Escelsa e, junto ao Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro (RESEB), marcou o início do novo regime de política tarifária do setor voltado para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. Nos contratos das concessionárias de serviço público de distribuição de energia elétrica ficou estabe- lecido:
“que a ANEEL, de acordo com determinado cronograma, procederá às revisões dos valores das tarifas de comercialização de energia elétrica, alterando-os para mais ou para menos, considerando as alterações na estrutura de custos e de mercado da concessionária, os níveis de tarifas observados em empresas similares no contexto nacional e internacional, os estí- mulos à eficiência e à modicidade das tarifas;
que a ANEEL no processo de revisão das tarifas determinará os valores de X, que deverá ser subtraído ou acrescido da variação do Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) nos reajustes tarifários anuais subseqüentes;” (REN 55/2004)
Os métodos adotados nas revisões tarifárias foram sendo desenvolvidos gradativamente ao longo da vigência dos novos contratos de concessão. Observou-se um processo de aprendizado que refletia o amadurecimento progressivo da regulação e dos novos agentes do setor elétrico – ANEEL e concessionárias de distribuição. No caso específico do fator X, como o 1º Ciclo de Revisão Tarifária Periódica (1CRTP) previa que seu valor seria nulo, a versão final da metodologia para o cálculo do Fator X vigente para o 2º Ciclo de Revisão Tarifária Periódica (2CRTP) foi publicada na Resolução Normativa ANEEL nº 55/2004 (REN 55/2004). Na ocasião, a ANEEL apresentou a interpretação de:
“que o Fator X calculado na revisão tarifária periódica da concessionária do serviço público de distribuição de energia elétrica é o instrumento regulatório de estímulo à eficiência e à modicidade das tarifas de fornecimento”.
Segundo a REN 55/2004:
“Art. 2º - O Fator X será estabelecido em função dos seguintes componentes:
𝑋𝑒 – reflete os ganhos de produtividade esperados derivados da mudança na escala do negócio por incremento do consumo de energia elétrica na área servida, tanto por maior
consumo dos consumidores existentes, como pela incorporação de novos consumidores, no período entre revisões tarifárias;
𝑋𝑐 – reflete a avaliação dos consumidores sobre a sua concessionária, sendo obtido medi-
ante a utilização do resultado da pesquisa Índice ANEEL de Satisfação do Consumidor - IASC; e
𝑋𝑎 – reflete a aplicação do Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) para o compo- nente mão-de-obra da Parcela B da concessionária.”
Para o cálculo do componente 𝑋𝑒, determinou-se o uso da metodologia do Fluxo de Caixa Des-
contado (FCD) que utiliza como principais variáveis a base de ativos regulatórios remunerados, o investimento e a receita. Dos três componentes do fator X, este é o que apresenta relação mais direta com o conceito de compartilhamento de ganhos de produtividade.
O componente 𝑋𝑐, por refletir a percepção dos consumidores em relação ao serviço prestado
pela concessionária, representa um instrumento da regulação por incentivos com o objetivo de garantir a qualidade percebida pelo consumidor. É um componente que, embora tenha sido alvo de fortes críticas, ainda hoje é parte componente do fator X. Por fim, o componente Xa, que não possuía relação com o conceito de compartilhamento de ganhos de produtividade, constituiu um componente adicional instituído pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
A primeira versão do Submódulo 2.5 do PRORET, aprovada após a realização da Audiência Pública nº 40/2010, trouxe modificações significativas em relação àquela vigente desde 2004. Além de alterações na nomenclatura dos componentes do Fator X que se mantêm até a versão atual, também houve mudanças na metodologia de cálculo. Assim, desde 2011, o Fator X é com- posto por três componentes:
▪ 𝑃𝑑 – avalia os ganhos de produtividade da concessionária;
▪ 𝑄 – avalia a qualidade dos serviços técnicos e comerciais prestados pela concessionária de distribuição;
▪ 𝑇 – ajusta, ao longo de um período definido, os custos operacionais observados de cada concessionária ao custo operacional eficiente.
Em comparação ao fator X do 2CRTP, o fator X continuou sendo composto por três componentes, embora os componentes 𝑋𝑒 e 𝑋𝑐 tenham sido renomeados para 𝑃𝑑 e 𝑄, respectivamente, e o
componente 𝑋𝑎 substituído pelo componente 𝑇.
Além das mudanças em nomenclatura, houve revisão significativa das metodologias empregadas. Para o cálculo do componente 𝑃𝑑 , a metodologia FCD foi substituída pelo método de PTF. O
cálculo do componente 𝑄 deixou de ser feito baseado no IASC e passou a avaliar o nível de
qualidade do serviço prestado por meio da variação de um índice que considera a Duração Equivalente de Interrupção (DEC) e Frequência Equivalente de Interrupção (FEC) – variáveis clás- sicas do setor de energia elétrica que mensuram as interrupções no serviço prestado aos consumi- dores. O mais novo dos componentes do fator X, o componente 𝑇, emprega o modelo de Empresa
de Referência. A metodologia de cálculo do componente 𝑇 consiste em três etapas:
i. Atualizar os valores de custos operacionais no 2CRTP por meio do modelo de Empresa de Referência;
ii. Realizar análise comparativa das distribuidoras para definição de um intervalo de valo- res esperados para os custos operacionais. Nessa etapa são considerados o nível de custos das distribuidoras e as características das áreas de concessão;
iii. Definir o componente 𝑇 com base nas variações identificadas entre os valores obtidos na primeira e na segunda etapa.
Em termos de avaliação temporal dos componentes, na ocasião, ficou definido que os componentes
𝑃𝑑 e 𝑇 seriam definidos previamente no momento da revisão tarifária, ou seja, a cada CRTP. Já o componente 𝑄 seria especificado em cada reajuste tarifário anual, ou seja, posteriormente à revisão tarifária do 3CRTP.
Em 2014, foi aberta a Audiência Pública n º 23/2014 com o objetivo de obter subsídios para o estabelecimento das metodologias e critérios gerais para as revisões tarifárias periódicas das concessionárias de distribuição de energia elétrica. Na ocasião, o cálculo do componente Pd do Fator X manteve o uso da metodologia de Produtividade Total dos Fatores e as principais alte-
rações foram observadas na definição dos componentes 𝑄 e 𝑇. O componente 𝑄 da versão 2.0
do Submódulo 2.5 do PRORET foi substituído por uma composição de variáveis que buscam avaliar aspectos técnicos (70% do componente Q) e comerciais (30% do componente do 𝑄) da prestação do serviço de distribuição de energia elétrica. Assim, em relação à versão anterior, manteve-se a
utilização das variáveis DEC e FEC para mensurar os aspectos técnicos e foram incluídas variáveis relacionadas ao IASC e ao atendimento telefônico e comercial para avaliar os aspectos comerci- ais. O componente 𝑇 seguiu sendo calculado pelas três etapas apresentadas anteriormente, to-
davia a mudança ocorreu na adoção dos métodos de benchmarking e de ano-teste para definição
da receita de custos operacionais.
Em março de 2020, a ANEEL aprovou a revisão das regras de cálculo do componente Pd do Fator X, a qual resultou na versão 3.0 do Submódulo 2.5 do PRORET. As alterações foram discutidas na Consulta Pública n º23/2019, com impacto nos processos tarifários realizados a partir de 2020. A base da metodologia foi mantida – segue o uso da metodologia de Produtividade Total dos Fatores – e houve atualização do modelo e das bases de dados empregados pela Aneel para refletir o histórico recente de aumento da produtividade das distribuidoras e as variações conjun- turais do mercado. Uma das principais mudanças em relação ao modelo é que o cálculo da PTF de cada distribuidora será feito a partir da mediana dos valores observados no período, a fim de amenizar valores atípicos. Até a versão 2.0 do Submódulo 2.5 do PRORET, era considerada a média geométrica. A atualização do parâmetro de variação individual do mercado será feita em uma janela móvel de seis anos, e não mais entre os processos tarifários de revisão ou reajuste.
O histórico apresentado mostra como a metodologia do fator X empregada pelo setor elétrico encontra-se em constante evolução desde que foi inicialmente implementada. O processo de re- visões reportado reflete duas características predominantes: a busca por aprimoramento da me- todologia de acordo com a experiência das metodologias passadas e a participação ativa dos agentes nas audiências e consultas públicas que subsidiaram as discussões sobre as revisões me- todológicas.
O setor de saneamento brasileiro, por outro lado, mostra-se ainda em fase de amadurecimento no que tange à aplicação do fator X. A amostra de reguladores que determina a aplicação do fator X em seus processos de revisão tarifária é pouco significativa, apesar deste mecanismo já encontrar aplicabilidade bastante consolidada no setor – à exemplo da experiência britânica, que data de 1994 – e de o próprio marco legal nacional do saneamento (Lei 11.445/2007, recentemente atualizada pela Lei 14.026/2020) explicitamente prever o compartilhamento de ganhos de produtividade no processo de definição tarifária.
“Art. 22. São objetivos da regulação:
IV - definir tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos quanto a modicidade tarifária, por mecanismos que gerem eficiência e eficácia dos serviços e que permitam o compartilhamento dos ganhos de produtividade com os usuários. ”
O diagnóstico da adoção do fator X pelas agências reguladoras de saneamento no Brasil é tema da seção seguinte.
2.6.2 Avaliação do diagnóstico brasileiro
Dentre a amostra de reguladores e prestadores objeto de análise desde o Produto II, seis pres- tadores públicos estão sujeitos à aplicação do fator X em seus reajustes tarifários anuais (Tabela 8). São eles: Sabesp, Copasa, Sanepar, Caesb, Casan e Cagece. Contudo, há diferenças meto- dológicas importantes entre cada um deles. Destaca-se o modelo adotado pela Sanepar, no qual não há comparação com a eficiência de outros pares de mercado, apenas ganhos de escala advindos de custos que não crescem junto com o mercado atendido pela concessionária. Nesse caso, o fator X é calculado como a taxa que equilibra os fluxos de caixa com e sem esses ganhos de escala sobre os custos. Outro destaque é o modelo adotado pela ARCE, que aplica o índice de produtividade total de fatores, calculado pela razão entre a produtividade de dois períodos consecutivos, medida através do quociente entre quantidade de produtos, pela quantidade de insumos utilizados.
Na maior parte dos casos, há a estimação da eficiência através da comparação com outras em- presas de saneamento. ARSESP e ADASA utilizam o método de DEA para a estimação da fronteira eficiente, enquanto a ARSAE utiliza o método de FSA. Outra diferença importante é a mensuração das ineficiências de cada companhia. No caso de Sabesp mede-se a distância para a fronteira eficiente e estabelece-se 75% dessa distância como um fator de redutor do OPEX. No caso da Copasa, essa distância é medida no nível municipal, de forma que o redutor do OPEX é dado pela distância entre a eficiência média dos municípios da Copasa e a eficiência do percentil 75 dos municípios avaliados. Por fim, o desconto sobre o OPEX da Caesb é baseado no quartil em que a companhia se encontra em relação aos pares:
Figura 11: Fator de eficiência utilizado na regulação da Caesb
Quartil | ΔEE (Variação da Eficiência Energética) |
1º quartil (menos eficientes) | 2,0% |
2º quartil | 1,5% |
3º quartil | 1,0% |
4º quartil (mais eficientes) | 0,5% |
ADASA - Manual de Revisão Tarifária Periódica – Módulo VI – Fator X
Na Tabela 8 é apresentado um breve resumo do procedimento adotado por cada regulador para a projeção dos ganhos de produtividade.
Tabela 8: Metodologia do fator X para companhias de saneamento selecionadas
Companhia | Metodologia do fator X |
Sabesp | Benchmarking com outras empresas estaduais de saneamento. Mede-se 75% da distân- cia da Sabesp para a fronteira eficiente e o avanço da fronteira no ciclo anterior. A soma dos dois fatores é aplicada como um redutor do OPEX no ciclo atual. |
Copasa | Benchmarking com outras empresas estaduais de saneamento. Mede-se a eficiência no nível municipal, a média da Copasa e sua distância para o percentil 75. Essa distância é aplicada como um redutor do OPEX no ciclo atual. |
Sanepar | Custos administrativos são fixos, enquanto os custos com gestão comercial variam em função das unidades consumidoras (economias) e os custos com operação e manutenção, do mercado (volume). O Fator X é aquele que equilibra o fluxo de caixa calculado com essa metodologia de estimação do OPEX e o fluxo de caixa no qual o OPEX cresce todo junto com o mercado. |
Caesb | Benchmarking com outras empresas estaduais de saneamento. Mede-se a distância das empresas para a fronteira eficiente e aplica-se uma tabela de descontos de acordo com o quartil em que a Caesb se encontra. Mede-se também o avanço da fronteira no ciclo anterior. A soma dos dois fatores é aplicada como um redutor de tarifa no ciclo atual. |
Cagece | Aplicação na fórmula de reajuste tarifário do índice de produtividade total de fatores, que consiste na razão da produtividade de um período, dada pela divisão da quanti- dade de produtos pela quantidade de insumos utilizados, pela razão de produtividade do período anterior. |
Casan | Calculado pelo método do fluxo de caixa descontado, com a projeção dos custos efici- entes feita em três etapas. A primeira e segunda etapas consistem na coleta e trata- mento dos dados históricos do próprio prestador (relativos aos últimos 5 anos) e terceira etapa corresponde à projeção dos custos eficientes a partir de drivers. |
Elaboração FGV
Analisando-se a amostra de prestadores privados, identifica-se a aplicação do fator X em duas concessões reguladas pela ARIS-SC: Águas de Penha e Águas de São Francisco. Em ambos os casos, o mecanismo de compartilhamento de ganhos de produtividade foi introduzido mediante termo aditivo contratual. A aplicação do fator X é semelhante para as duas concessões e se baseia no método do fluxo de caixa descontado. Basicamente, a cada revisão tarifária, o regulador realiza nova projeção do fluxo de caixa, considerando não mais os custos operacionais previstos na proposta vencedora (durante o processo licitatório), mas os custos eficientes. Esses custos efici- entes correspondem a um percentual do custo apresentado na proposta. A diferença entre esses custos (da proposta e eficiente) é compartilhada com o usuário, e qualquer eficiência superior a esta é apropriada pelo prestador, isto é, caso os custos sejam inferiores aos custos eficientes. A aplicação do fator X é ainda associada ao controle da qualidade da prestação dos serviços, de forma que se o prestador não atender aos indicadores contratuais de qualidade do serviço, a apropriação dos ganhos de eficiência, caso existam, não se dá por completo. A exceção ocorre nos casos em que o não atendimento ao indicador de qualidade decorre de risco não alocado ao
concessionário.8 Nestes casos o prestador não é penalizado. Isto indica a observância à matriz de risco contratual quando da aplicação do fator X.
Cabe cautela quando o assunto é a viabilidade de aplicação do fator X no setor de saneamento. Como exposto anteriormente, o emprego de um fator tarifário redutor surgiu originalmente em função da diluição dos custos fixos proveniente dos ganhos de escala. A lógica deste mecanismo encontra fundamento quando a sua aplicação se dá em um setor universalizado, a exemplo do saneamento britânico ou mesmo do setor elétrico brasileiro. Neste caso, os investimentos basica- mente se destinam à reposição dos ativos, não havendo necessidade de vultosos investimentos direcionados para expansão do serviço. Assim, a redução tarifária decorrente da aplicação do fator X não traria prejuízos ao cumprimento de eventuais metas de universalização, ao mesmo tempo em que o regulador estaria atuando no exercício de suas atribuições - notadamente na proteção do usuário contra abusos monopolistas e na concessão de incentivos ao aumento da eficiência na prestação dos serviços.
Por outro lado, em um setor regulado não universalizado, como é o caso do setor de saneamento brasileiro, além de se pensar no usuário (conectado às redes de abastecimento de água e esgo- tamento sanitário) a ser favorecido pela redução tarifária e melhores condições de prestação do serviço (em função do aumento de eficiência), faz-se necessário zelar também pelos usuários ainda não beneficiados pelo acesso aos serviços. Estes não se beneficiam pela redução tarifária pro- porcionada pela aplicação do fator X, ao passo que são altamente prejudicados pela menor arrecadação por parte dos prestadores, visto que isto desacelera os investimentos em expansão e consequentemente o acesso dessa população às redes de água e esgotamento sanitário. Além deste grupo, incluem-se no rol de prejudicados, todos aqueles que de alguma forma arcam com as externalidades negativas (custos externos, como poluição, inconvenientes estéticos etc.) associ- ados ao déficit do saneamento. Neste caso, um grupo bem maior do que aquele grupo de usuários não são atendidos pelo serviço.
Neste sentido, uma alternativa seria que o compartilhamento de ganhos de produtividade com os usuários fosse direcionado (total ou parcialmente) para fins de reinvestimento voltados para a expansão do acesso. Se assim fosse, caberia ao regulador acompanhar a execução de tais inves- timentos. Para tanto, propõe-se uma clusterização dos prestadores a depender do desafio a ser enfrentado pelos mesmos para o atingimento das metas de universalização. O grau de compar- tilhamento dos ganhos de produtividade seria variável conforme o desafio de universalização: quanto mais distante o prestador estiver das metas, menor será a proporção dos ganhos compar- tilhados com o usuário e maior a parcela redirecionada para investimentos em expansão.
Uma sugestão para o agrupamento da amostra de prestadores analisada ao longo deste docu- mento9, de acordo com o déficit de acesso ao serviço de esgotamento sanitário (coleta) , é a definição de três parâmetros delimitadores. Tais parâmetros correspondem às metas de acesso disponíveis (i) primeiro parâmetro consiste nas metas de acesso ao serviço de esgotamento sani- tário estabelecida no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) de 2014 a ser atendida em 2018, (ii) o segundo parâmetro, a meta de acesso para o mesmo serviço fixada na versão mais recente do Plansab, de 2019, a ser atendida no curto prazo, isto é, no ano de 2023, e (iii) a meta de universalização estabelecida pela Lei 14.026/2020 a ser contemplada em todos os contratos de prestação dos serviços e atendida até 2033 (longo prazo). Os parâmetros são ex- plicitados na Tabela 9. A clusterização foi realizada em função do atual déficit de acesso aos serviços de esgotamento sanitário10, por ser este mais acentuado do que aquele para abasteci- mento de água.
9 Foram excluídas da proposta de clusterização as empresas privadas, em função da baixa frequência com que se tem observado a aplicação do fator X neste tipo de prestador (conforme observado em subse- ção anterior sobre diagnóstico da situação brasileira no compartilhamento de ganhos de produtividade). Prestadores privados dependem de previsão contratual para aplicação do fator X.
10Medido por meio do indicador IN056 (Índice de atendimento total de esgoto referido aos municípios atendidos com água) relativamente ao ano de 2019 (dado mais atual disponibilizado)
Tabela 9: Parâmetros adotados para fins de agrupamento
Variável | meta | ano para atingi- mento | fonte |
% de domicílios urbanos e rurais servi- dos por rede coletora ou fossa séptica para os excretas ou esgotos sanitários | 76% | 2018 | Plansab 2014 |
% de domicílios urbanos e rurais servi- dos por rede coletora ou fossa séptica para os excretas ou esgotos sanitários | 80,50% | 2023 | Plansab 2019 |
% da população atendida com coleta e tratamento de esgotos | 90% | 2033 | Lei 14.026/2020 |
Elaboração FGV
Desta forma, para os responsáveis simultaneamente pela prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, ou apenas por esgotamento, estariam enquadrados no grupo 1 – aquele com o maior desafio de universalização e, portanto, para o qual o regulador poderia autorizar um menor percentual ou nenhum compartilhamento dos ganhos de produtividade com os usuários – os prestadores cujo déficit de acesso aos serviços de esgotamento sanitário seja tal que não atenda à meta fixada pela última versão do Plansab, a qual deveria ter sido atingida há três anos. No grupo 2 – aquele com um desafio médio de universalização – estariam os presta- dores que apesar de alcançada a meta de 2018, demonstram ter diante de si um desafio para o atingimento da meta de curto prazo estabelecida para 2023. No grupo 3 – aquele com um desafio menor de universalização – se enquadrariam os prestadores que já alcançaram as metas para 2023, mas ainda precisarão perseguir a meta contratual de universalização até 2033. Por fim, o grupo 4 é aquele grupo para o qual o regulador poderia prover os incentivos ao aumento da eficiência por meio da aplicação do fator X, sem maiores preocupações com relação a even- tuais prejuízos no que se refere à capacidade de investimento em expansão pelo prestador. São aqueles que já alcançaram a meta fixada para 2033.
A clusterização apresentada a seguir constitui uma sugestão, podendo ser esta realizada de forma mais robusta, na medida em que existam dados disponíveis para tanto. Alguns são os pontos de atenção relativos aos parâmetros adotados para o agrupamento da proposta aqui apresen- tada. Primeiro, as metas definidas no Plansab consideram o acesso da população não apenas por rede, mas também por soluções alternativas de esgotamento, o que possivelmente resultou em desafios de universalização ligeiramente superestimados. Segundo, dadas as disparidades regi- nais existentes em nosso país, idealmente esta clusterização deve considerar metas regionais de acesso, para a estimativa dos respectivos desafios de universalização. Ainda que o Plansab esta- beleça metas regionais para o acesso aos serviços de saneamento, diante da inexistência de
metas mais adequadas, que contemplem apenas o acesso à esgotamento via rede, julgou-se mais adequado realizar uma análise de abrangência nacional, para evitar a propagação de distor- ções. De todo modo, a sugestão apresentada fornece insumo para que a ANA, no exercício das suas atribuições, possa propor exercício semelhante de apoio à tomada de decisão aos regula- dores subnacionais, quando da aplicação do fator X.
Tabela 10: Proposta de clusterização para aplicação do fator X
Grupo 1 - Prestadores que não atenderam à meta fixada no PLANSAB de 2014 para 2018 |
CASAL |
CAESA |
CAGECE |
SANEAGO |
COPASA |
COPANOR |
SANEPAR |
CEDAE |
CASAN |
Grupo 2 - Prestadores que demandarão investimentos para o atingimento da meta de médio prazo estabelecida pelo PLANSAB 2019 |
- |
Grupo 3 - Prestadores que demandarão investimentos para o atingimento da meta contratual de uni- versalização (longo prazo) |
CAESB |
SABESP |
Grupo 4- Prestadores que já atendem à meta contratual de universalização |
- |
Elaboração FGV
Nota-se que nenhuma CESB demonstra ter um desafio de universalização considerado “nulo”; isto é, nenhuma delas atendeu à meta determinada legalmente a ser atingida até 2033. Isto evidencia que em todos os casos, existe necessidade de investimentos em expansão nos sistemas de esgota- mento sanitário.
Ademais, no que tange ao cálculo do fator X, deve-se prezar pela simplicidade na sua determi- nação e aplicação. Em um setor cuja regulação não se encontra homogeneizada em termos de maturidade e capacidade regulatória no país, não se deve adotar metodologias por demais sofisticadas, à exemplo das adotadas atualmente pelo setor elétrico. Vale lembrar que este setor, além de estar submetido à uma regulação nacional, vem aprimorando a aplicação do fator X há quase duas décadas. Portanto, deve-se buscar realismo no estabelecimento das metodologias de cálculo. Além disso, é fundamental que se realize uma avaliação prévia no que tange à adequa- bilidade e razoabilidade das informações setoriais utilizadas em análises benchmarking para
projeção dos custos eficientes. Isto porque, em um setor repleto de ineficiências e, principalmente, de informações não confiáveis, utilizar dados setoriais como parâmetro de eficiência pode resultar em incentivos inadequados a serem fornecidos aos prestadores.
3 Reajuste Tarifário
O objeto desse capítulo são as metodologias utilizadas para o reajuste inflacionário nos contratos de prestação de serviços de saneamento básico.
O procedimento de reajuste tarifário consiste na atualização dos valores das tarifas em relação à evolução do índice geral de preços, isto é, da inflação. Ao contrário da revisão tarifária, o reajuste tarifário não envolve o levantamento completo dos custos de oferta do serviço. É um processo mais rápido e mais simples do que a revisão tarifária.
A seção sobre aspectos teóricos e metodológicos analisa os efeitos sobre as decisões da empresa regulada decorrentes de eventual defasagem tarifária e distingue os principais componentes pre- sentes em um processo de regulação. A seção seguinte apresenta evidências da experiência bra- sileira, analisa o comportamento dos principais índice de inflação atualmente utilizados nas meto- dologias de reajuste inflacionário definidas nos contratos de prestação de serviços de saneamento básico e exibe detalhes de diferentes metodologias de aplicação de fórmula paramétrica para o reajuste tarifário. A última seção compara as vantagens e desvantagens das diferentes meto- dologias de reajuste inflacionário. A análise identifica um trade-off entre simplicidade e transpa- rência de um lado, e aderência aos custos de prestação do serviço (ou “verdade tarifária”) de outro lado. Por fim, a última seção recomenda diretriz de ação para a Agência Nacional de Águas que pode auxiliar à homogeneização das metodologias em âmbito nacional.
3.1 Aspectos teóricos e metodológicos
O reajuste tarifário está presente tanto na regulação das CESBs, quanto na das empresas priva- das. Na primeira, o reajuste ocorre anualmente, nos anos intermediários de cada ciclo tarifário. Nesse tipo de regulação, as agências regulatórias definem (i) a fórmula de reajuste, (ii) os índices de inflação a serem considerados, (iii) as parcelas dos custos sobre as quais incidirão os índices de inflação definidos pela agência, e (iv) eventuais fatores de indução de eficiência (como o fator X) ou de qualidade (fator Q).
Na regulação das empresas privadas, o processo de reajuste tarifário é mais diversificado. Em geral, permitem que a concessionária solicite o reajuste tarifário sempre que observar desequilí- brio econômico-financeiro do seu contrato de concessão, conforme os parâmetros definidos na proposta comercial da concessionária. Em alguns casos, o contrato de concessão não prevê revisão periódica dos custos de prestação de serviços; nesses casos, os processos de reajuste tarifários se confundem com os processos de revisão tarifária. A maioria dos contratos definem periodicidade, em geral não inferior a doze meses, fórmulas de reajuste e índices e inflação a serem considerados nos processos de reajuste tarifário.
A mera atualização monetária das tarifas não é neutra em relação aos incentivos para a conces- sionária, órgão concedente e consumidores. O resultado do processo pode superestimar ou subes- timar a evolução dos custos de oferta dos serviços. Os gráficos da Figura 12 do Box 1, adaptados de Train (1992), mostram a combinação ótima de insumos para qualquer nível de produção (re- presentados pelo caminho de expansão da produção), a curva de isolucro para lucro zero (a second best solution para a regulação de monopólios naturais) e isoquantas correspondentes a diferentes limites de preço definidos pela agência regulatória.
Ao discutir os possíveis resultados da regulação por meio do mecanismo de price cap, o autor mostra que o teto de preço (o price cap) definido pelo regulador pode estar abaixo do preço mínimo capaz de viabilizar economicamente a oferta do serviço (ponto S, Figura 12(a)) ou acima do preço que a concessionária praticaria se não estivesse submetida à regulação (Figura 12(c)); neste último caso, a empresa adotaria quantidade e preço de monopólio maximizador de lucro livre (unconstrained profit maximizing price, definido pelo ponto M)), como se não houvesse regu- lação.
Box 1: Escolha do preço teto
Figura 12: Escolha da firma sobre Price Cap
Adaptado de Train (1992).
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A Figura 12(b) mostra a situação padrão em que o limite de preço se encontra abaixo do preço livre maximizador de lucros (ponto M) mas acima do preço definido pela second best solution (ponto S). Nessa situação, a empresa produz a quantidade correspondente ao preço limite defi- nido pelo regulador no ponto C, ofertando produção maior do que se estivesse praticando preço livre em M, mas menor do que se o preço regulado induzisse a produção ótima (second best) no ponto S - ponto em que se tem lucro econômico zero. A situação induz a busca pela eficiência porque a empresa pode reter para si o lucro econômico extraordinário, isto é, a diferença do lucro auferido em C e o lucro zero auferido em S.
A possibilidade de o regulador acertar o price cap que resulta na produção ótima por parte da concessionária (no ponto S) é muito baixa e, mesmo se o fizer, o reajuste de preços baseado exclusivamente em fatores externos da empresa, como índices de inflação, pode não ser suficiente para ajustar alterações na estrutura de custos da empresa decorrentes de mudanças no ambiente de negócios e/ou inovações tecnológicas.
Ao longo do tempo, se o price cap não é revisado periodicamente, o resultado pode ser fatura- mento e lucro excessivo ou prejuízo acumulado; nenhuma dessas situações pode ser mantida poli- ticamente durante muito tempo.
Considerando-se, de um lado, o período intermediário de um ciclo tarifário no caso da regulação das CESBs ou a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro da regulação das empresas
privadas e, de outro, a perspectiva de inflação no médio prazo, alguma forma de reajuste pe- riódico deve se impor nos contratos de concessão dos serviços de saneamento básico. A ausência de previsão contratual de reajuste tarifário significará que o risco inflacionário será alocado in- teiramente ao concessionário, que reagirá dentro de suas possibilidades, gerando eventualmente novas distorções. O risco inflacionário precisa ser compartilhado entre os agentes envolvidos de maneira negociada e previsível.
Dois elementos básicos devem ser abordados na definição das regras do reajuste tarifário: a
periodicidade e a fórmula de cálculo.
a. Periodicidade:
• A periodicidade deve ser definida?
• O período deve ser fixo?
b. Fórmula:
• O reajuste deve acompanhar um índice de inflação? Se sim, qual?
• Ou é melhor uma fórmula paramétrica, estabelecendo uma cesta de índices de inflação incidindo de maneira ponderada conforme parcelas do custo, conforme a participação de cada parcela nos custos da oferta do serviço no custo total?
• Deve incluir fator de indução de eficiência e/ou de qualidade?
No que se refere ao primeiro item, a vantagem do estabelecimento de uma periodicidade defi- nida é reduzir as incertezas quanto ao risco inflacionário para os agentes envolvidos. A desvan- tagem é incidir em indexação dos preços na economia. A conveniência do estabelecimento de periodicidade definida decorre das expectativas inflacionárias. A ausência ou o retardamento de reajuste periódico nessas circunstâncias pode resultar em tarifas defasadas e piora da quali- dade dos serviços.
Em relação ao segundo item, a vantagem da adoção de um índice de inflação único é a da simplicidade; mas a escolha de apenas um índice de inflação pode resultar em distorções e vola- tilidade. Fórmulas paramétricas têm a vantagem de resultar em reajustes mais próximas da “ver- dade tarifária”, mas sua aplicação requer expertise regulatória nem sempre disponível aos ór- gãos concedentes. Finalmente, a vantagem da inclusão de fator de indução de eficiência e de qualidade permite que a indução de eficiência ocorra de maneira contínua, ao longo dos anos, e não apenas nos períodos de revisão periódica; a desvantagem é que a inclusão deste dispositivo também depende da disponibilidade de expertise regulatória.
A Tabela 11 sintetiza os argumentos apresentados nos parágrafos anteriores.
Tabela 11: Elementos do reajuste inflacionário, vantagens e desvantagens
Elementos | Vantagens | Desvantagens | |
Periodicidade | Reduz incerteza inflacioná- ria | Indexação inflacionária | |
Índice de rea- juste | Simples | Simplicidade/clareza | Eventual distorção e/ou volatili- dade |
Fórmula paramétrica | “verdade tarifária” | Custo regulatório | |
Fator de indução de eficiência | Distribuição ao longo do tempo | Custo regulatório |
Elaboração FGV
3.2 Avaliação do diagnóstico brasileiro
A Tabela 12 sintetiza as informações disponíveis sobre metodologias de reajuste inflacionário atualmente utilizadas nos contratos de prestação de serviços de saneamento básico11.
Tabela 12: Índices de inflação adotados nos processos de reajuste tarifário
CESB | Empresa Privada | |
IPCA | 3 | 7 |
IGP-M | 7 | |
Fórmula Paramétrica | 8 | 12 |
Não disponível | 5 | |
Total Geral | 11 | 71 |
Elaboração FGV, a partir de informações das agências regulatórias ARSESP, ARSAE-MG, AGEPAR, ADASA, ARCE, ARESC, AGR, ATR, ARES-PCJ, ARIS-SC, ARSETE-PI, AGER-Sinop, AGERSA, AGENERSA, AR- SAP, ARSAL, CARIACICA.
A Tabela 12 mostra que entre as CESBs, três adotam o IPCA como indexador (SABESP, CASAN e ATS) e oito, uma fórmula paramétrica (COPASA/COPANOR, SANEPAR, ADASA, CASAL, AGES- PISA, SANEAGO, CAGECE e CAESB). Entre as empresas privadas, sete adotam o IPCA (entre elas, por exemplo, tem-se as empresas do grupo BRK que atuam em Santa Gertrudes e Sumaré, em SP, e Cachoeiro do Itapemirim, no ES); sete adotam o IGP-M (entre elas a Saneaqua de Mairinque, as empresas que operam em Bombinhas, Camboriú e Penha, todas em SC e as de Carlinda, Sinop e União do Sul, em MT); e 12 adotam algum tipo de fórmula paramétrica (entre elas as empresas que atuam em Cabrália Paulista, Holambra, Limeira, Luiz Antônio, Paraibuna e Salto em SP, Gai- vota, Gravatal e Jaguaruna em SC e Vera no MT). Finalmente, em cinco empresas não foi possível identificar o indexador.
11 A tabela rearranja as informações já apresentadas no Tabela 67 do Produto II desta consultoria.
A Tabela 13 compara as principais características do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo IBGE, e do Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) da Fundação Getulio Vargas.
Tabela 13: Comparação IPCA x IGP-M
IPCA | IGP-M | |
Aplicação | Varejo | Contratos |
Coleta | 1 a 30 do mês de ref. | 21 do mês ant. A 20 do mês de ref. |
Divulgação | Até 10 do mês seguinte | Até 30 do mês de ref |
Abrangência | Nacional (16 principais centros urbanos) | Nacional (7 principais capitais) |
Composição | Cesta de consumo 1 – 40 s.m. | 60% IPA 30% IPC (1 a 33 s.m.) 10% INCC |
Responsável | IBGE | FGV |
Elaboração FGV
O IPCA é o índice oficial de inflação no Brasil e medida do movimento geral dos preços no mer- cado varejista. Geralmente é utilizado para o reajuste de valores em contratos públicos e priva- dos, sendo o indexador de alguns títulos públicos com destaque para as Notas do Tesouro Naci- onal (NTN-B). O período de coleta compreende o 1º dia ao 30º dia de cada mês e a divulgação ocorre até o dia 10 do mês subsequente. O índice cobre a evolução dos preços em 16 áreas urbanas: Regiões Metropolitanas de Belém (PA), Fortaleza (CE), Recife (PE), Salvador (BA), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Curitiba (PR), Vitória (ES) e Porto Alegre (RS). Além dessas regiões, também são cobertas algumas capitais: Goiânia (GO), Campo Grande (MS), Rio Branco (AC), São Luís (MA), Aracaju (SE) e Brasília (DF). O objetivo é acompanhar os preços dos principais itens de consumo de uma família representativa, residente nas áreas urbanas dos estados cobertos pelo índice cujos rendimentos familiares monetários disponíveis mensais, oriundos de qualquer fonte, totalizam montante contido entre 1 e 40 salários-mínimos.
O IGP-M, por sua vez, corresponde à média ponderada de três subíndices: (i) o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA-M, em 60%), (ii) o Índice de Preços ao Consumidor (IPC-M, em 30%), e
(iii) o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC-M, em 10%), representando, respectiva- mente, a evolução dos preços no atacado, no varejo e a evolução dos custos dos investimentos. O período de coleta dos preços é o período compreendido entre o dia 21 do mês anterior ao de referência e o dia 20 do mês de referência e o resultado é divulgado até o dia 30 do mês de referência, cobrindo sete das principais capitais do país: Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP). A disponibilidade do
IGP-M no último dia do mês de cada mês de referência favorece a utilização do índice em con- tratos comerciais e financeiros. Entre os subíndices, o IPA-M é um indicador econômico de abran- gência nacional. Está estruturado para medir as variações médias dos preços recebidos pelos produtores domésticos na venda de seus produtos, e é fortemente influenciado pela evolução dos preços internacionais e da variação cambial. O Índice de Preços ao Consumidor – Brasil – IPC-BR, mede variações intertemporais de preços de um conjunto fixo de bens e serviços componentes de despesas habituais de famílias com nível de renda situado entre 1 e 33 salários-mínimos mensais. Finalmente, o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) é um indicador econômico que mede a evolução de custos de construções habitacionais.
Devido à sensibilidade do IGP-M às variações dos preços internacionais das commodities e do câmbio, o índice é historicamente mais volátil que o IPCA. A Figura 13 compara a evolução da taxa de inflação anual do IGP-M e do IPCA nos últimos 20 anos.
Figura 13: Variação anual do IGP-M e do IPCA, 2001 a 2020.
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Elaboração FGV a partir de dados do Ipeadata
A Figura 13 mostra grande diferença positiva entre o IGP-M e o IPCA em dois anos, 2002 e 2020, e grande diferença negativa entre os índices em três anos: 2005, 2009 e 2017. Conside- rando os demais anos, o IGP-M superou o IPCA de maneira significativa em 2001, 2004, 2007, 2008, 2010, 2012, 2018 e 2019. Nos demais anos, a variação percentual dos dois índices esteve muito próxima. O desvio padrão das variações percentuais anuais do IGP-M entre 2001 e 2021
foi de 6,47, enquanto o do IPCA foi de 2,38, demonstrando maior volatilidade do IGP-M em relação ao IPCA.
As diferenças acumuladas ao longo dos anos parecem sugerir que tarifas indexadas ao IGP-M sofrem reajustes maiores. A Figura , por exemplo, mostra que uma tarifa de R$ 100 em janeiro de 2001 custaria R$ 474,39 em dezembro de 2020 se fosse sempre reajustada pelo IGP-M, contra R$ 328,43, se fosse reajustada pelo IPCA.
Figura 14: Variação acumulada do IGP-M e do IPCA, 2001 a 2020 (jan/01=100).
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Elaboração FGV a partir de dados do Ipeadata
De fato, tomando-se o período jan/2001 a dez/2020, o reajuste anual médio geométrico do IGP-M foi de 8,13%, enquanto o do IPCA foi de 6,16%, sugerindo reajustes maiores pelo IGP-
M. Entretanto, o resultado é fortemente influenciado por dois choques cambiais, um no final de 2002, e outro em 2020. Excluindo-se esses períodos e restringindo a análise a uma janela tem- poral mais curta, entre jan/2003 e dez/2018, as diferenças entre as duas séries são bem meno- res, sendo que em alguns períodos os reajustes pelo IPCA superaram os reajustes pelo IGP-M, como mostra a Figura .
Figura 15: Variação acumulada do IGP-M e do IPCA, 2003 a 2018 (jan/03=100).
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Elaboração FGV a partir de dados do Ipeadata
Tomando-se esse período mais curto, o reajuste médio geométrico anual do IGP-M foi de 6,2% contra 5,9% pelo IPCA. Mesmo assim, o desvio padrão das variações anuais percentuais do IGP- M nesta janela mais curta foi de 4,0, enquanto do IPCA foi de apenas 1,99.
Assim, as vantagens e desvantagens da utilização de um ou outro indexador é clara. A escolha pelo IGP-M privilegia a atração de investimento, já que supostamente protege o investidor de variações cambiais; por outro lado, submete a população que se utiliza desses serviços a reajustes senão maiores, certamente mais voláteis, o que aumenta o custo político do órgão concedente e ameaça o efetivo cumprimento do contrato, o que, por sua vez, traz insegurança jurídica à con- cessão.
Por outro lado, a utilização do IPCA como indexador pode garantir ao consumidor reajustes senão menores, certamente mais uniformes da tarifa de saneamento; mas pode, por outro lado, exercer menos atração ao investimento.
Uma alternativa aos dois indicadores mais utilizados na experiência brasileira seria a construção de um índice setorial, que acompanhasse a evolução dos principais elementos de custos das em- presas de saneamento básico, a saber: mão de obra, energia, serviços e produtos químicos.
O desenho de um indicador setorial para o saneamento básico deverá considerar as diferenças regionais. Apenas como ilustração, a Figura apresenta a evolução do rendimento médio real, habitualmente recebido por mês e efetivamente recebido no mês de referência, do trabalho prin- cipal, por grupamentos de atividade no trabalho principal dos trabalhadores da construção, a partir das informações levantadas pela Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar – Contínua (PNAD-C).
Elaboração FGV a partir de dados do IBGE – PNAD-C
A Figura mostra que existem diferenças regionais importantes nos rendimentos médios reais re- cebidos pelos trabalhadores da construção civil, o que sugere que a eventual adoção em âmbito nacional de um índice setorial para o setor deverá respeitar as diferenças regionais dos principais componentes de custos das empresas de saneamento básico.
Alternativamente, oito companhias estaduais de saneamento básico, e doze empresas privadas adotaram algum tipo de fórmula paramétrica para o reajuste tarifário. A fórmula paramétrica consiste na combinação de vários índices de inflação incidindo sobre parcelas específicas dos custos das empresas prestadoras do serviço. Tanto as parcelas quanto o peso de cada índice podem ser fixos ou variáveis.
Alguns exemplos de aplicação de fórmula paramétrica são lembrados abaixo, primeiro em uma CESB, a CAESB, em regulação predominantemente discricionária pela ADASA. Um segundo exem- plo, mais simples, definido para uma empresa privada, a Águas de Holambra, que aplica fórmula paramétrica com pesos fixos, regulada pela ARES-PCJ. Finalmente, a fórmula paramétrica apli- cada nas concessões da CEDAE, em que os pesos, definidos na concessão, variam ao longo dos anos, regulada pela AGENERSA.
Exemplo de aplicação de fórmula paramétrica em regulação de CESB: CAESB.
A ADASA, como visto no Produto II, divide os custos da CAESB em três parcelas: (i) a Parcela A (TA), de custos não gerenciáveis, (ii) a Parcela B (TB), de custos gerenciáveis, e (iii) os componentes financeiros (TF). A Parcela A é apurada na data de reajuste em processamento; o índice de rea- juste da Parcela B é calculado a partir da fórmula:
𝐼𝑟𝐵 = (%𝑃 ∙ 𝛥𝐼𝑁𝑃𝐶) + (%𝐸𝐸 ∙ 𝛥𝐸𝑛𝑒𝑟𝑔𝑖𝑎) + (%𝑀𝑇 ∙ 𝛥𝐼𝐺𝑃𝑀) + (%𝑅𝐼 ∙ 𝛥𝐼𝐺𝑃𝑀) + (%𝑂𝐶 ∙ 𝛥𝐼𝑃𝐶𝐴) | (14) |
Onde %𝑃, %𝐸𝐸, %𝑀𝑇, %𝑅𝐼 e %𝑂𝐶 correspondem à proporção regulatória da Parcela B fixada a cada revisão tarifária, ou seja:
• %𝑃: participação percentual do total do custo com pessoal;
• %𝐸𝐸: participação percentual do total do custo com consumo de energia elétrica;
• %𝑀𝑇: participação percentual do total do custo com produtos químicos para tratamento de água e esgotos;
• %𝑅𝐼: participação percentual do total da remuneração e recuperação dos investimentos; e
• %OC: participação percentual do total dos demais custos considerados.
Da parcela B ainda se subtrai um fator X indutor de eficiência e definido nos processos de revisão tarifária. Finalmente, os componentes financeiros (TF) são atualizados pelo IPCA.
Exemplo de aplicação de fórmula paramétrica em regulação de empresa privada: fórmula paramétrica com pesos fixos: Águas de Holambra.
O Parecer Consolidado ARES-PCJ Nº 06/2020 – DM12 indica que o reajuste anual tarifário segue fórmula paramétrica aplicável às tarifas de água e esgoto, conforme a equação:
𝐼𝑅 = 𝐼𝐼 ∙ 𝐼𝑁𝐶𝐶 + 𝐼𝐸 ∙ 𝑇𝐸 + 𝐼𝑀𝑂 ∙ 𝐼𝐶𝐶 + 𝐼𝑂 ∙ 𝐼𝐺𝑃𝑀 | (15) |
Onde:
• 𝐼𝑅 = Percentual de reajuste da Tarifa;
• 𝐼𝐼 = Incidência de investimento, fixados em 50%;
• 𝐼𝐸 = Incidência de energia nos custos dos serviços, fixados em 20%;
• 𝐼𝑀𝑂 = Incidência de mão de obra nos custos dos serviços, fixados em 16%;
• 𝐼𝑂 = Incidência de demais insumos, fixados em 14%;
• 𝐼𝑁𝐶𝐶 = Variação percentual do Índice Nacional do custo de construção – FGV;
• 𝑇𝐸 = Índice de reajuste da energia elétrica da concessionária – CEMIRIM;
• 𝐼𝐶𝐶 = Índice de mão de obra – FGV; e
• 𝐼𝐺𝑃 − 𝑀 = Variação percentual do Índice Geral de Preços de Mercado.
Exemplo de aplicação de fórmula paramétrica com variação dos pesos definidas contratual- mente: CEDAE.
A fórmula paramétrica contempla a variação dos preços dos principais insumos das empresas de saneamento: mão de obra, energia, produtos químicos, preço da água cobrado pela Cedae e construção civil, de acordo com a seguinte fórmula, explicita na Cláusula 28.1.2 do contrato de concessão:
𝑇𝐴𝑅𝐼𝐹𝐴𝑆𝑏 = 𝑇𝐴𝑅𝐼𝐹𝐴𝑆𝑏−1 ∙ 𝐼𝑅𝐶 | (16) |
Onde:
𝑏
• 𝑇𝐴𝑅𝐼𝐹𝐴𝑆 : Tarifa base a ser calculada;
𝑏−1
• 𝑇𝐴𝑅𝐼𝐹𝐴𝑆
: Tarifa base vigente no ano anterior; e
• 𝐼𝑅𝐶: Índice de Reajuste Contratual.
12 Disponível em: http://www.arespcj.com.br/arquivos/94987_Parecer_Consolidado_-_06_2020_-_Ho- lambra.pdf Acesso em 05/02/2021.
O IRC será calculado da seguinte forma:
𝐴𝑖 𝐵𝑖 𝐶𝑖 𝐷𝑖 𝐸𝑖 𝐼𝑅𝐶 = [𝑃1 ∙ ( ) + 𝑃2 ∙ ( ) + 𝑃3 ∙ ( ) + 𝑃4 ∙ ( ) + 𝑃5 ∙ ( )] 𝐴𝑜 𝐵𝑜 𝐶𝑜 𝐷𝑜 𝐸𝑜 | (17) |
Onde:
• 𝑃1 a 𝑃5 são os pesos de cada índice;
• 𝐴𝑖: ICC - índice de mão de obra (FGV); 𝐴𝑜 é o mesmo índice um quadrimestre antes da data base.
• 𝐵𝑖: média dos valores da tarifa de energia elétrica referente ao “Grupo A - Conven- cional, Subgrupo A4 (2,3 kV a 25kV)”; 𝐵𝑜 é o mesmo índice um quadrimestre antes da data base.
• 𝐶𝑖: IPA OG-DI - Produtos Industriais - Indústria de Transformação - Produtos Químicos;
𝐶𝑜 é o mesmo índice um quadrimestre antes da data base.
• 𝐷𝑖: valor do preço da água cobrado pela CEDAE; 𝐷𝑜 é o mesmo índice um quadri- mestre antes da data base; e
• 𝐸𝑖: INCC - Índice Nacional do Custo da Construção. 𝐸𝑜 é o mesmo índice um quadri- mestre antes da data base.
Item | anos | ||||||||||||
1-3 | 4-6 | 7-9 | 10-12 | 13-15 | 16-18 | 19-21 | 22-24 | 25-27 | 28-30 | 31-33 | 34-35 | ||
P1 | Mão de obra (1) | 10,3 | 9,3 | 17,7 | 23,5 | 24 | 24,8 | 26,6 | 26,9 | 27,1 | 26,7 | 26,9 | 27,1 |
P2 | Energia elétrica | 4,4 | 3,8 | 7,9 | 12,1 | 12,2 | 12,6 | 13,4 | 13,5 | 13,6 | 15,8 | 15,8 | 16 |
P3 | Produtos industriais (2) | 2,5 | 2,4 | 2,4 | 6,5 | 6,6 | 6,8 | 7,3 | 7,4 | 7,4 | 8,1 | 8,1 | 8,1 |
P4 | Água da CEDAE | 37,6 | 26,4 | 40,4 | 46,6 | 45,9 | 46,5 | 48,8 | 49 | 49,4 | 46,7 | 46,7 | 47,1 |
P5 | CAPEX | 45,3 | 58,1 | 29,1 | 11,4 | 11,3 | 9,3 | 4 | 3,2 | 2,5 | 2,5 | 2,5 | 1,7 |
Os pesos variam ao longo dos anos da concessão conforme a Tabela 14: Tabela 14: AGENERSA – Definição dos Fatores de Ponderação (em %)
Anexo III do Edital de Concessão. Disponível em http://www.concessaosaneamento.rj.gov.br/documen- tos/grupo2/ANEXO-III-Indicadores-de-Desempenho.pdf Acesso em 25/02/2021 (1) Foi considerada a mão de obra operacional e administrativa; (2) Foram consideradas as despesas com produtos químicos, análises laboratoriais e tratamento de iodo.
A utilização de fórmulas paramétricas supostamente permite a realização de reajustes tarifários mais aderentes ao impacto diferenciado da inflação nos diversos componentes de custo da em- presa, mas requer expertise regulatória nem sempre disponíveis nas agências reguladoras.
Finalmente, resta analisar as vantagens e as desvantagens da inclusão de fatores de indução de eficiência (fator X) e de qualidade (fator Q). A vantagem da inclusão de fatores de indução de eficiência e de qualidade nos reajustes anuais é manter a pressão por eficiência e qualidade ao longo de todo o ciclo tarifário, e não apenas nos anos de revisão tarifárias periódica, o que pode dar margem a comportamentos estratégicos por parte da concessionária. Por outro lado, assim como no caso da fórmula paramétrica, a adoção de fatores de indução de eficiência e de quali- dade requer expertise regulatória nem sempre disponível aos poderes concedentes. A Seção 2.6 apresenta análise aprofundada sobre a utilização de fatores de indução e eficiência em modelos de regulação.
A proposição de uma fórmula de reajuste “ideal” em âmbito nacional deve considerar condições locais, especialmente no que se refere ao custo regulatório (isto é, a disponibilidade de expertise regulatória), restrições de implementação (atração de capital, resistência política por parte dos consumidores e do órgão concedente), além de critérios de simplicidade e transparência.
A Figura 17 apresenta um quadro comparativo das diferentes opções de metodologias de rea- juste inflacionário, organizadas num eixo que destaca o trade-off entre simplicidade e transpa- rência de um lado e custo regulatório e verdade tarifária, de outro.
Figura 17: Opções de metodologias de reajuste inflacionário.
Elaboração FGV
A definição do modelo mais adequado para o reajuste depende das condições locais da regula- ção. Na ausência de expertise regulatória, a opção mais recomendada é a adoção de um índice simples. Se houver necessidade de atração de capital e a restrição política for baixa, o IGP-M deve se impor como indexador. Restrição política mais significativa implicará na opção pelo IPCA.
A alternativa aos dois indicadores mais utilizados na experiência brasileira seria a construção de um índice setorial, que acompanhasse a evolução dos principais elementos de custos das empresas de saneamento básico. Como visto em seção precedente, a eventual adoção em âmbito nacional de um índice setorial deverá considerar as diferenças regionais dos principais componentes de custos das empresas de saneamento básico.
Por outro lado, se houver expertise regulatória, o contrato pode adotar fórmula paramétrica com pesos variáveis, situação em vigor nos contratos que envolvem algumas das CESBs. Fórmulas pa- ramétricas revisadas a cada ciclo tarifário requerem muita expertise regulatória, mas suposta- mente propiciam aderência aos custos das empresas provedoras do serviço.
Fórmulas paramétricas menos custosas em termos de esforço regulatório incluem as opções inter- mediárias com pesos dos índices definidos contratualmente no início da revisão. Uma opção ainda mais simples adota pesos definidos fixos.
A Agência Nacional de Águas, considerando os objetivos de harmonização da regulação do setor de saneamento básico em âmbito nacional estabelecidos no marco legal recentemente promul- gado, pode contribuir com a homogeneização dos procedimentos regulatórios relativos ao rea- juste inflacionário divulgando informações que facilitem aos órgãos reguladores a elaboração de um índice de custo setorial regionalizado ou a adoção de fórmulas paramétricas mais simples permite combinar em alguma medida simplicidade e aderência aos custos dos serviços.
4 Estrutura Tarifária e Tarifa Social
Neste capítulo são abordados os temas de estrutura tarifária e tarifa social. No que tange à estrutura tarifária, são apresentados, em aspectos teóricos e metodológicos, os seus princípios norteadores e fundamentos econômicos, bem como seus diversos modelos. A avaliação do diag- nóstico brasileiro detalha informações como: o modelo de estrutura tarifária predominantemente adotado; as classes de consumidores preferidas (residencial, comercial, pública, etc.); e o número típico de blocos de consumo, bem como a progressividade desses blocos (crescente ou decres- cente). Proposições são traçadas com base em boas práticas apontadas na literatura. A análise
quanto à tarifa social se estrutura de forma semelhante. Neste capítulo, tem-se: em teoria e evi- dências, avaliação do diagnóstico brasileiro e proposições. No diagnóstico brasileiro, especifica- mente, são empregados dados da Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE e do Cadastro Único do Governo Federal, para a avaliação da efetividade da tarifa social. Aspectos teóricos e me- todológicos.
A definição tarifária, em geral, é dividida em dois estágios: (i) determinação do nível tarifário, isto é, do valor da receita necessário para cobrir os custos do prestador, pautando-se pelo prin- cípio de eficiência alocativa (objeto de estudo do capítulo 1); e (ii) determinação da estrutura tarifária, ou seja, da diferenciação dos preços a serem cobrados dos diferentes tipos de consumi- dores, por meio da qual a receita requerida será arrecadada. Este capítulo tem por foco o se- gundo estágio do processo de definição tarifária.
Box 2: Preços de equilíbrio em monopólio natural
De acordo com a teoria econômica, em concorrência perfeita, a eficiência máxima (ótimo de Pareto) é alcançada quando as tarifas se igualam ao custo marginal. Con- tudo, os serviços de saneamento básico não são prestados em concorrência perfeita, e sim considerados como monopólio natural. Esses serviços são caracterizados por custos subaditivos, altos investimentos iniciais, que não podem ser aproveitados por outra atividade que não seja diretamente relacionada ao setor (sunk costs), bem como pela possibilidade de obtenção de ganhos de escala e escopo. Isso faz com que o custo médio dos serviços de saneamento decresça com o aumento da demanda (Figura 18). Assim, se a tarifa desses serviços for igual ao custo marginal (no ponto A da Figura 18), a receita não será suficiente para garantir de maneira sustentável o custo total da prestação do serviço. Para ser suficiente, portanto, é necessário que as tarifas sejam definidas acima do custo marginal, nos casos em que não há subsídio por parte do governo. Idealmente, as tarifas reguladas devem ser estabelecidas no ponto onde o custo total médio (CTM) iguala a receita média (RMe), de maneira a proporcionar à empresa lucro econômico zero, maximizando a oferta do serviço pú- blico sem comprometer a sustentabilidade da empresa (ponto B da Figura 18).
Box 2: Preços de equilíbrio em monopólio natural
Figura 18: Regulamentação de preços em mercados de monopólio natural
Elaboração FGV
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A estrutura tarifária (ou, de forma mais ampla, a política tarifária) possui outros objetivos, além da sustentabilidade financeira. Cada um dos principais objetivos é detalhado a seguir (Rogers et al., 2002).
Sustentabilidade Financeira
O objetivo de sustentabilidade financeira exige que a receita tarifária seja suficiente para cobrir todos os custos de provisão dos serviços (custos operacionais e de capital). Este objetivo é impor- tante para garantir os investimentos necessários para a expansão e manutenção dos ativos físicos necessários para uma prestação de qualidade.
Eficiência Econômica
Este objetivo exige que a água seja alocada para os consumidores que mais se beneficiam pelo seu uso. Além disso, a tarifa deve sinalizar a escassez do recurso de modo a promover um uso eficiente, desincentivando o desperdício.
Equidade
O objetivo de equidade exige que níveis mínimos de água sejam acessíveis, em quantidade e qualidade, a todos os consumidores, considerando a capacidade de pagamento dos usuários. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU, 2012), o nível mínimo de água para sub- sistência é 100 litros per capita ao dia. Já no que tange à capacidade de pagamento, o reco- mendável é que os gastos com o consumo de água não sejam superiores a 5% da renda familiar (Walker, 2009; OECD, 2010; ONU, 2012).
Sustentabilidade Ambiental
A política tarifária deve promover a sustentabilidade ambiental, evitando o consumo excessivo e incentivando o uso racional do recurso hídrico, de forma a preservar o ecossistema.
Além desses objetivos, as tarifas devem ser simples, compreensíveis, aceitáveis para o público, aplicáveis e livres de controvérsia quanto à sua interpretação (Bonbright et. al,1961).
Box 3: Compatibilização entre objetivos da política tari-
fária
O atendimento de todos os objetivos que se deseja alcançar com a estrutura tarifária
pode ser difícil. A Figura 19 sintetiza os dilemas no desenho das tarifas. Como Pinto e Marques (2015) apontam, por vezes os objetivos são contrários e de difícil alcance conjunto. Por este motivo, torna-se necessário priorizar certos princípios em detrimento de outros.
Figura 19: Dilemas no desenho das tarifas
Massarutto (2007), tradução livre.
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Teoricamente, Joskow (2005) explica que a forma tarifária preferencial para que as tarifas re- flitam corretamente a estrutura dos custos do serviço é a tarifa em duas partes, constituídas por13:
(i) Uma parcela variável com o volume consumido, que reflita o custo marginal de se prover 1 m³ adicional de água (ou coletar 1 m³ adicional de esgoto); e
(ii) Uma parcela fixa com o objetivo de cobrir a parcela dos custos que independe do volume consumido, isto é, os custos fixos, e que garanta a sustentabilidade econômica da firma.
13 Para maiores detalhes vide Anexo I.
A forma mais simples de cálculo da tarifa em duas partes é dividir igualmente os custos fixos por todos os consumidores e cobrar o custo marginal de provisão dos serviços sobre o consumo efetivo. Esta forma de cálculo faz sentido se todos os consumidores forem iguais (e hidrometrados), o que não corresponde à realidade.
Os consumidores diferenciam-se de diversas formas, tais como perfil de consumo (por exemplo, usuários residenciais têm um padrão de consumo diferente de usuários industriais), localização geográfica (mais próximo ou distante da estação de tratamento, por exemplo), e ainda nível de renda (foco da seção 4.1.2). Sobre este, destaca-se que a parcela fixa pode ser alta para os usuários de baixa renda em comparação com os demais14, o que pode ter como consequência o inadimplemento destes usuários ou até mesmo a não conexão deles à rede. Essas consequências podem impactar o equilíbrio econômico-financeiro da prestação do serviço e impedir o cumpri- mento da universalização do acesso aos serviços de saneamento de qualidade (ODS6)15. É neste sentido que se justifica um tratamento diferente a esses usuários (subsídio tarifário aos usuários de baixa renda16).
Uma solução a este problema (não homogeneidade dos consumidores), apresentada por Le Blanc (2008), é a proposição de um menu de tarifas não lineares que dê conta da heterogeneidade de renda da população e permita aos usuários decidirem qual estrutura tarifária preferem. Apesar desta proposta, Le Blanc (2008) mostra que essa não é uma solução comumente adotada no setor de saneamento. De acordo com o autor, as estruturas tarifárias mais utilizadas no setor de água e saneamento são:
▪ Tarifa Fixa: o valor não depende do volume consumido
▪ Tarifa Volumétrica ou Variável conforme volume: o valor a ser pago depende do vo- lume consumido. A tarifa volumétrica pode ser:
o Uniforme: é cobrado o mesmo valor de todas as unidades (R$/m³), independen- temente do consumo total;
o Não uniforme: o valor a ser pago pelas unidades consumidoras (R$/m³) é vari- ável.
▪ Em blocos: todas as unidades dentro de um determinado limite, chamado de bloco, estão sujeitos ao mesmo preço (R$/m³)
14 Os custos fixos, em geral, representam a maior parte dos custos de prestação dos serviços (HUGHES et al., 2014).
15 Vale destacar que o acesso a serviços de saneamento de qualidade é um direito humano (ONU, 2012)
16 Diversos tipos de subsídios são possíveis como, por exemplo, o subsídio direto do Estado aos usuários por meio da transferência de renda. O escopo deste trabalho tem como foco o subsídio cruzado, especifica- mente aos usuários de baixa renda (tarifa social).
• Blocos crescentes (IBT – increasing block tariff): a tarifa marginal aumenta com o consumo (bloco);
• Blocos decrescentes (DBT - decreasing block tariff): a tarifa mar- ginal diminui com o consumo (bloco).
▪ Tarifa diferenciada pelo volume (VDT – volume-differentiated tariffs): é uma variação do modelo IBT, em que se cobra um só valor (R$/m³) da unidade consumidora referente ao bloco no qual se enquadra seu con- sumo total. Difere neste ponto da tarifação por blocos clássica, segundo a qual o valor total a ser pago não depende, necessariamente, de um único bloco de consumo: se por exemplo o consumo excede em 5 m³ o limite do bloco anterior, então apenas esses 5 m³ serão precificados pelo valor unitário do bloco de maior consumo. Já no modelo VDT, todo o consumo é precificado ao valor unitário do bloco de maior consumo.
▪ Tarifa em duas partes: combina a tarifa fixa com uma das opções para tarifa volumétrica (por exemplo, IBT). Pode-se ainda diferenciar a tarifa em duas partes de acordo com características do usuário ou oferecendo um menu tarifário, com diferentes valores para a parcela fixa e para a parcela volumétrica, isto é:
o Tarifa uniforme de duas partes: a tarifa fixa e a volumétrica são as mesmas para todas as ligações.
o Tarifa diferenciada em duas partes: há um menu de serviços com diferentes va- lores para as parcelas fixa e volumétrica.
Complementarmente, Pinto e Marques (2015) destacam outros três tipos de estruturas tarifárias que podem ser adotadas em conjunto com as já mencionadas, a saber: (i) tarifa sazonal, na qual as tarifas são mais altas no período de maior demanda, (ii) tarifa por tempo de uso, na qual as tarifas são mais altas nos horários ou dias de alta demanda, e (iii) tarifa espacial, na qual os usuários pagam pelo real custo de suprimento. Em todos os casos a justificativa ou lógica é o aumento do investimento necessário para atender a demanda, seja por aumento do consumo, seja por distância17.
As diferentes alternativas de estrutura tarifária geram incentivos diferentes, ou seja, provocam reações distintas nos usuários. Aumentos na tarifa volumétrica podem incentivar o uso mais racional da água e facilitar o atingimento dos objetivos de sustentabilidade ambiental além de aumentar as receitas, facilitando o atingimento do objetivo de sustentabilidade financeira. Por outro lado, o aumento das tarifas de forma indiscriminada pode resultar em gastos mais elevados para as
17 Para maiores detalhes vide seção 4.1.2.
pessoas de baixa renda, prejudicando o objetivo de equidade. A seguir são detalhados os tipos de estrutura tarifária, supramencionados.
Tarifas Fixa (ou constante)
Essa é a estrutura tarifária mais simples, na qual determina-se um valor único a ser pago pelo consumidor, independentemente da quantidade de água consumida. É uma tarifa simples de ser implementada por não requerer informações de consumo; muitas vezes é a única alternativa quando há impossibilidade de hidrometração e/ou ausência de dados.
Sendo R a função despesa que relaciona a quantidade w de água consumida com o valor devido, tem-se neste caso que (Figura 20):
𝑅(𝑤) = 𝑐 | (18) |
Figura 20: Representação gráfica da tarifa fixa – exemplo ilustrativo
Elaboração FGV
Tarifa Volumétrica Uniforme
𝑅(𝑤) = 𝑝. 𝑤 | (19) |
Figura 21: Representação gráfica da tarifa volumétrica uniforme – exemplo ilustrativo
Elaboração FGV
Tarifa em Duas Partes
Esta estrutura ocorre quando há a associação da tarifa volumétrica com a tarifa fixa, dividindo, assim, a tarifa em duas parcelas (ou partes): uma parcela fixa, a ser paga independentemente da quantidade de água consumida, e uma variável, neste caso, cuja despesa varia linearmente com o volume consumido. A função despesa neste caso é dada por:
𝑅(𝑤) = 𝑐 + 𝑝. 𝑤 | (20) |
Figura 22: Representação gráfica da tarifa em duas partes – exemplo ilustrativo
Elaboração FGV
É possível notar que a tarifa fixa (constante) é um caso particular desta estrutura tarifária, no qual p = 0; quando c = 0 tem-se a tarifa volumétrica uniforme. Portanto, a tarifa em duas partes é uma tarifa mais flexível que permite ao regulador cobrar os custos fixos e variáveis do serviço nas parcelas fixa e volumétrica de forma a maximizar o bem-estar social.
Tarifas por Bloco de Consumo (ou tarifa volumétrica não uniforme em blocos)
Neste caso, a tarifa volumétrica é ajustada por bloco de consumo. Essa estrutura pode ser de bloco crescente, quando o preço por unidade de consumo cresce com a quantidade de água consumida, ou bloco decrescente, quando decresce com a quantidade.
Pode-se ainda diferenciar as tarifas por bloco de consumo em tarifas por zona ou tarifas por redefinição. Se as tarifas em bloco são por zonas, o consumidor paga o preço de cada bloco por quantidade de água consumida em cada bloco. Se a tarifa for por redefinição (também conhe- cida por diferenciada por volume – VDT) o consumidor paga a tarifa do último bloco por todo o volume de água consumida.
A função despesa de uma estrutura de tarifas por blocos em zonas no caso de três blocos de consumo é representada por:
𝑐 + 𝑝1. 𝑤, 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑤 ≤ 𝑞1 𝑅(𝑤) = { 𝑐 + 𝑝1. 𝑞1 + 𝑝2. (𝑤 − 𝑞1), 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑞1 < 𝑤 ≤ 𝑞2 𝑐 + 𝑝1. 𝑞1 + 𝑝2. (𝑞2 − 𝑞1) + 𝑝3. (𝑤 − 𝑞2), 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑤 > 𝑞2 | (21) |
Figura 23: Representação gráfica da tarifa por blocos em zonas – exemplo ilustrativo
Elaboração FGV
Se os preços crescem com o volume de água consumida, isto é, se 𝑝1 < 𝑝2 < 𝑝3, diz-se que a
estrutura é de tarifas por bloco crescente (IBT). Caso contrário, diz-se que as tarifas são por bloco decrescente.
Se a estrutura de tarifas for por blocos em redefinição (diferenciada por volume - VDT), então a função despesa é dada por:
𝑐 + 𝑝1. 𝑤, 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑤 ≤ 𝑞1 𝑅(𝑤) = {𝑐 + 𝑝2. 𝑤, 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑞1 < 𝑤 ≤ 𝑞2 𝑐 + 𝑝3. 𝑤, 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑤 > 𝑞2 | (22) |
Há ainda a possibilidade de estrutura de tarifas por blocos ajustados, no qual os preços ou tamanhos dos blocos são ajustados de acordo com as características do consumidor, tais como renda e tamanho da família.
Johnson (1971) mostra que nenhuma estrutura tarifária é superior a outra no alcance de todos os objetivos, apesar de algumas serem melhores do que outras a depender do objetivo priorizado. A Tabela 15 apresenta os principais pontos positivos (prós) e negativos (contras) dos principais modelos de estrutura tarifária no setor de saneamento.
Tabela 15: Incentivos de cada estrutura tarifária*
Forma da estru- tura tarifária | Prós | Contras |
Tarifa fixa | Capaz de arrecadar receitas está- veis, reduzindo riscos financeiros que podem ocorrer devido à volatilidade do consumo de água. Preocupação em recuperar os custos fixos (sunk costs). | Não observa a capacidade de paga- mento dos usuários e o volume consumido, o que possivelmente prejudica a popula- ção mais vulnerável e os pequenos consu- midores. Baixo incentivo marginal para conservar água (ambientalmente ineficiente). |
Tarifa volumé- trica uniforme | Simples, fácil administração, incentiva conservação Flexibilidade para controlar os gas- tos por meio do volume consumido | Para cobrir custos operacionais e de in- vestimentos, a tarifa pode ficar muito cara e desincentivar em demasiado o consumo. Para ser efetiva, necessita alto índice de hidrometração. |
Tarifa volumé- trica variável em blocos cres- centes (IBT) | Sinaliza custos crescentes de oferta. Incentiva a conservação da água. Flexibilidade para controlar os gas- tos por meio do volume consumido | Altamente complexa a definição do nú- mero de blocos, do volume associado a cada bloco e do preço a ser cobrado por cada bloco a fim de ser eficiente. Amplia perda de receitas por conta do alto incentivo à conservação Pode impor uma carga desproporcional às famílias com muitos membros ou quando há uma ligação com diversas eco- nomias (ex.: prédios residenciais). Para ser efetiva, necessita alto índice de hidrometração. |
Tarifa volumé- trica variável em blocos de- crescentes (DBT) | Representa economia de escala, em que a entrega de maior volume de água é menos custosa na margem. Apropriada para locais com água bruta abundante e/ou com grandes consumidores industriais. Flexibilidade para controlar os gas- tos por meio do volume consumido. | Altamente complexa a definição do nú- mero de blocos, do volume associado a cada bloco e do preço a ser cobrado por cada bloco a fim de ser eficiente, ou seja, alcançar os objetivos pretendidos. Não incentiva a conservação da água. Penaliza usuários com baixo consumo. Para ser efetiva, necessita alto índice de hidrometração. |
Tarifa em duas partes | A parcela fixa é capaz de arrecadar receitas estáveis, reduzindo riscos fi- nanceiros que podem ocorrer devido à volatilidade do consumo de água. A parcela volumétrica pode adotar qualquer uma das formas (uniforme, IBT ou DBT); os prós da estrutura tari- fária dependem desta definição. | Parcela fixa, se cobrir todos os custos fi- xos, pode ser cara para a maior parte dos consumidores, potencialmente desin- centivando a conexão à rede e, portanto, impactando negativamente a arrecada- ção. A parcela volumétrica pode adotar qual- quer uma das formas (uniforme, IBT ou DBT); os contras da estrutura tarifária de- pendem desta definição. |
Elaboração FGV. A tabela mostra evidências encontradas na literatura. Whittington (1992 e 2003), OECD (2009), Hoehn (2011), Spang et al. (2015). *Uma avaliação caso a caso deve ser feita para anali- sar os reais efeitos de cada estrutura tarifária a depender do contexto.
Acerca da estrutura IBT, alguns comentários são necessários devido à complexidade de definição da quantidade e tamanho dos blocos, bem como da discricionariedade dos preços de cada bloco, que acabam por, de certa forma, prover subsídios aos usuários.
Quanto à quantidade de blocos, Herrington (2007) defende que deve ser o mínimo necessário. Dois blocos podem não corresponder de modo fidedigno à forma como as pessoas consomem água, em especial usuários residenciais. Sendo assim, de acordo com o autor, três blocos parecem ser suficientes, uma vez que seria possível dividir entre usos básicos, discricionários e excessivos. Os preços relativos, por sua vez, seriam definidos observando a lógica de cada um dos blocos (Pinto e Marques, 2015), considerando que o objetivo da estrutura tarifária seja incentivar o uso racional da água18.
De forma similar, o tamanho dos blocos de consumo também deve considerar a lógica de defi- nição da quantidade de blocos. Assim, é importante conhecer as características locais, em especial a quantidade de habitantes por residência da área para qual a estrutura tarifária é definida, uma vez que este parâmetro altera o volume consumido por economia/residência. O limite supe- rior do primeiro bloco é um ponto sensível, pois visa a refletir o considerado essencial à vida. Em geral, o preço relativo do primeiro bloco é menor do que os demais, a fim de garantir acesso ao volume essencial à vida e incentivar o uso racional. Caso o limite superior do primeiro bloco seja majorado, os usuários pagarão muito pouco pelo uso de água não essencial, recebendo sinais inadequados para a conservação dos recursos hídricos (Martins et al., 2013).
Sobre a parcela fixa da tarifa em duas partes, Spang et al. (2015) e Tiger et al. (2014) comentam que, em geral, ela é diferenciada pelo diâmetro do hidrômetro ou pela classe do usuário. A ideia é que esta parcela cubra os custos fixos do serviço. Contudo, é necessário analisar se o valor desta parcela é tal que gere um desincentivo à conexão dos usuários à rede, pois ele pode ser bastante representativo. Conforme Tiger et al. (2014) pontuam, a maioria das concessionárias de água e esgoto possuem altas relações entre custo fixo e variável. Por exemplo, Spang et al. (2015) mostram que os custos da concessionária de água e esgoto de Davis, Califórnia/EUA, em 2012,
18 Aliás, esta é uma das diretrizes para a definição das tarifas no Brasil, conforme determina o §1° do art. 29 da Lei n° 11.445/2007: “§1° [...] a instituição das tarifas, preços públicos e taxas para os serviços de saneamento básico observará as seguintes diretrizes: [...] IV - inibição do consumo supérfluo e do desperdício de recursos;”
eram 67% fixos e 33% variáveis; contudo, as receitas provinham 33% da parcela fixa e 67% da variável.
Acerca da classificação dos usuários, que em geral é diferenciada por tipo (ex.: residencial, comercial e industrial), é essencial avaliar o motivo da discriminação de preços por usuários, ou seja, se há alguma justificativa que afete os custos de provisão dos serviços. Características como o perfil de consumo (em quantidade de água consumida, esgoto produzido e qualidade do esgoto gerado) e localização devem ser levadas em consideração. Em resumo, qualquer discriminação, seja de classe de consumidores, seja de localização, seja temporal, exige análise específica para avaliar seu custo-benefício.
Os usuários dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário diferenciam-se pelo nível de renda. Como o acesso a estes serviços é um direito humano universal (ONU, 2012), tanto no que diz respeito à disponibilidade do serviço como à capacidade de pagamento, um trata- mento diferenciado a esses usuários é justificado (princípio da equidade).
Em termos econômicos, isso significa dizer que os usuários vulneráveis socioeconomicamente paga- rão preços (tarifas) relativamente menores do que os demais usuários e o real custo do serviço. Para garantir que o prestador obtenha a RR arrecadada, é necessário que a diferença entre o valor pago pelos usuários vulneráveis e o real custo do serviço (subsídio) seja financiada de al- guma forma.
Existem diversas formas de prover esse tratamento diferenciado. Os subsídios aos usuários podem ser divididos em dois tipos: (i) subsídio ao consumo, e (ii) subsídio à conexão. Este favorece os usuários ainda não conectados à rede, enquanto aquele beneficia os usuários que já possuem acesso ao serviço. Outra diferença entre os tipos de subsídio é que o subsídio à conexão ocorre uma única vez enquanto o subsídio ao consumo não. Outra classificação quanto aos subsídios se refere à identificação dos beneficiários, podendo ser um subsídio direcionado ou não direcio- nado. As tarifas sociais, por exemplo, são direcionadas aos usuários vulneráveis (identificados por diversos critérios possíveis). Ainda, os subsídios podem ser explícitos, quando são intencionais e claramente definidos, ou implícitos. A Tabela 16 sintetiza os diferentes tipos de subsídios possí- veis, de acordo com Komives et al. (2005).
Tabela 16: Diferentes tipos de subsídios possíveis
Subsídio não direcionado | Subsídio direcionado - implí- cito | Subsídio direcionado - explí- cito | |
Subsídio ao consumo | Cobrança de tarifas com valor menor que o custo do serviço: beneficia todos os usuários | Conexões ilegais: beneficia aqueles que se conectam ile- galmente ("gatos") | Tarifa por blocos crescentes (IBT): beneficia os usuários que possuem hidrômetro e baixo consumo |
Tarifa diferenciada por locali- zação: beneficia os usuários que vivem em áreas específi- cas | |||
Cobrança apenas dos custos variáveis via tarifa: beneficia todos os usuá- rios | Tarifas fixas para usuários não hidrometrados: beneficia usuá- rios com alto consumo e não hidrometrado | Tarifa social: beneficia os usu- ários classificados como vulne- ráveis socioeconomicamente | |
Outros tipos de discriminação de usuários beneficiados por descontos | |||
Subsídio à conexão | Sem cobrança pela conexão: beneficia todos os novos usuá- rios | Cobrança de valor fixo pela conexão: beneficia usuários em que o custo da conexão é mais caro | Conexões sociais (similar a ta- rifa social): beneficia os usuá- rios classificados como vulnerá- veis socioeconomicamente |
Cobrança de valor menos que o custo pela conexão: benefi- cia todos os novos usuários |
Elaboração FGV, a partir de Komives et al. (2005).
O foco deste capítulo é a análise do subsídio explícito direcionado aos usuários vulneráveis soci- oeconomicamente, devido aos seguintes motivos: (i) potencial destes subsídios de redução dos recursos financeiros necessários para financiar a parcela vulnerável de usuários; (ii) maior chance de estes beneficiarem aqueles que mais precisam; e (iii) por estes causarem menor distorção nas decisões de consumo (Komives et al., 2005).
De acordo com Leflaive e Hjort (2020), em muitos países a tentativa de lidar com a questão social se deu via estrutura tarifária, em especial por meio da tarifa volumétrica em blocos crescentes (I. Contudo, em muitos casos o objetivo de equidade não foi alcançado como esperado. A justificativa passa pelo fato de a estrutura tarifária em blocos crescentes (IBT, da sigla em inglês) conseguir atingir o objetivo de equidade apenas em condições específicas como, por exemplo, o nível de consumo ser altamente correlacionado com o nível de renda. Estudos mostram que essa correlação é baixa em países em desenvolvimento (Fuente et al., 2016; Briand et al., 2010; Nauges e Van den Berg, 2009; Strand e Walker, 2003).
Conforme a Regra de Tinbergen, para cada objetivo de política, deve haver pelo menos um instrumento. Como a definição da estrutura tarifária visa mais de um objetivo (sustentabilidade financeira e equidade, por exemplo), é necessário um conjunto de instrumentos para fazer frente aos múltiplos objetivos (Beecher, 2020). Assim, a alternativa recomendada por Leflaive e Hjort (2020) é a definição de tarifas de modo a atingir o objetivo de eficiência econômica e de medi- das sociais direcionadas, fora da conta de água, de modo a alcançar o objetivo de equidade.
Dentre as medidas sociais, encontram-se: (i) redução do valor a ser pago pelos serviços por meio de fundo social dedicado, (ii) vouchers ou transferência de valor fixo, (iii) isenção de taxa de conexão à rede, e (iv) suporte para reduzir o consumo de água (Leflaive e Hjort, 2020).
Em todos os casos, seja adotando subsídios fora ou dentro da conta dos serviços de água e sane- amento (diretos ou indiretos), tem-se o desafio de: (i) definir o que é vulnerabilidade, (ii) identificar a população vulnerável, (iii) mensurar o tamanho do subsídio necessário, e (iv) definir a fonte de financiamento do subsídio.
Com relação à definição de vulnerabilidade, associada à questão da capacidade de paga- mento pelos serviços (affordability), a ONU (2012) recomenda que os custos dos serviços não devem ultrapassar 5% do rendimento familiar, de modo a não prejudicar a capacidade das famílias em adquirir outros bens e serviços essenciais, tais como alimentação, habitação, serviços de saúde e educação. Por outro lado, Huntton (2018) pontua que organizações internacionais, como o Banco Mundial, OCDE, PNUD e Banco Africano de Desenvolvimento, recomendam que este parâmetro esteja entre 3% e 5%; analisando o que diferentes países adotam, o autor mostra variação entre 2% e 6%.
Sobre a identificação da população vulnerável, devem ser utilizadas informações sobre renda, quando estas estejam disponíveis. Conforme Leflaive e Hjort (2020) pontuam, quando já existem programas sociais, mesmo que não direcionados para o setor de água e saneamento, é recomen- dável utilizar os mesmos critérios adotados por eles para identificar a população vulnerável de modo a reduzir os custos. Contudo, quando informações sobre renda não são disponíveis, é possí- vel utilizar proxies, tais como valor do imóvel ou características do imóvel.
Dentre as boas práticas de políticas de subsídios está a sua mensuração e a clara definição da sua fonte de financiamento. Para mensurar o tamanho do subsídio necessário, é preciso ter conhe- cimento do custo do serviço de modo a calcular a diferença entre o que está sendo pago pela população vulnerável e o real custo do serviço. Em relação à fonte de financiamento dos subsídios, é indicado que o governo seja o principal responsável pelo aporte dos recursos necessários. En- tretanto, principalmente em setores de serviços públicos, isto não corresponde à realidade e, na prática, o subsídio cruzado se mostra prática frequente (OCDE, 2010). A OCDE (2010) recomenda que, ao inserir um subsídio, devem ser definidas as metas e a sua forma de acompanhamento; além de critérios ex ante e limitativos, mecanismos de avaliação ex post das políticas de subsídios devem ser adotados para análise quanto a sua efetividade.
4.2 Avaliação do diagnóstico brasileiro
Em anexo (Tabela 24 e Tabela 25Tabela 24: Síntese das características da estrutura tarifária (parte 1)), consta o quadro sinótico com o diagnóstico realizado no âmbito do Produto II, com informações mais detalhadas acerca da estrutura tarifária da amostra avaliada. Nas subseções a seguir são especificados os seguintes pontos de análise: (i) consumo mínimo faturável x tarifa em duas partes, (ii) faixas de consumo, (iii) classes de consumo, (iv) tarifa sazonal, (v) cobrança pelo serviço de esgotamento sanitário, e (vi) tarifa social.
4.2.1.1 Consumo mínimo faturável x tarifa fixa, associada à tarifa volumétrica
A cobrança de um consumo mínimo prevalece dentre as estruturas tarifárias aplicadas no setor de saneamento: 79% dos casos analisados adotam esse modelo, frente a 21%, que adotam tarifa em duas partes (uma fixa e outra volumétrica - Figura 24). Na prática, o consumo mínimo faturável funciona como uma tarifa fixa até determinado nível de consumo (o mínimo), a partir deste nível, a estrutura passa a ser volumétrica.
Figura 24: Estrutura tarifária no Brasil – consumo mínimo faturável x tarifa fixa
Elaboração FGV
Apesar de o consumo mínimo faturável ser a estrutura tarifária majoritária no Brasil, recentemente tem-se observado uma migração gradual para o modelo composto por parcela fixa e variável (volumétrica), a exemplo das alterações e adequações nas estruturas tarifárias promovidas pela
ARSAE-MG, ARESC e ARSESP, no contexto das revisões periódicas das concessionárias COPASA e COPANOR, CASAN e SABESP, respectivamente.
As discussões acerca da adequação das estruturas tarifárias praticadas pela COPASA e COPA- NOR foram iniciadas em 2016 pela ARSAE-MG, no âmbito da 1ª RTP da COPASA, e da 2ª RTP da COPANOR. Segundo ARSAE-MG (2016), tal adequação foi motivada pelo fato de a política tarifária então praticada – consumo mínimo faturado – ser prejudicial aos usuários de baixo consumo, imputando-lhes custos superiores ao que eles representam, de modo a beneficiar os grandes consumidores. A Figura 25 ilustra esta crítica. Por este motivo, a política tarifária até então adotada conflitava com os objetivos de racionalização do uso da água e de desestímulo ao consumo supérfluo.
Já em 2018, seguindo esta mesma tendência, a ARESC solicitou às suas reguladas, que à época estivessem passando pelo processo de 1ª RTP, que a apresentassem uma nova estrutura tarifária que contemplasse as parcelas fixa e variável. Tal iniciativa por parte da agência reguladora foi justificada pelo propósito de adequação ao agravo instituído sobre esta matéria pelo Supremo Tribunal Federal (STF) (ARESC, 2018). Em agosto de 2011, o STF havia firmado o entendimento de que seria ilícita a cobrança de consumo mínimo a todas as economias existentes no imóvel quando houvesse único hidrômetro no local (uma ligação com diversas economias).
A ARSESP, por sua vez, divulgou, em abril de 2021, nota técnica com os resultados da revisão da estrutura tarifária da SABESP (ARSESP, 2021), desenvolvida no âmbito do processo da 3ª RTP da companhia. As discussões e estudos que subsidiaram esta revisão tiveram início em 2018, quando, segundo a reguladora, restava evidente a necessidade de modernização dos conceitos e critérios da política tarifária adotada para fins de compatibilização com o cenário e demandas atuais da sociedade, notadamente no que se refere à redução do encargo tarifário incidente sobre a po- pulação de baixa renda (ARSESP, 2018).
Outra experiência recente na migração para a tarifação em duas partes foi a da CAESB, con- cessionária regulada pela ADASA. A revisão da estrutura tarifária conduzida pela agência re- guladora não foi inserida no âmbito de nenhum processo de revisão tarifária, sendo motivada pela necessidade de uma política tarifária mais equitativa, com menores distorções nos subsídios cruzados, com ampliação do acesso à água e incentivo ao uso racional (ADASA, 2019). Após realizar avaliação de impacto regulatório, utilizando-se de análise multicritério para confrontar diferentes cenários, a ADASA optou pela tarifa em duas partes.