O CONTRATO DE GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO:
Xxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx
O CONTRATO DE GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO:
IMPLICAÇÕES DA REVOGAÇÃO DO CONSENTIMENTO E SALVAGUARDA DO SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Dissertação no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na área de Especialização em Ciências Jurídico- Forenses, orientada pela Professora Doutora Xxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx e apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Outubro de 2020
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Xxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx
O CONTRATO DE GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO:
IMPLICAÇÕES DA REVOGAÇÃO DO CONSENTIMENTO E SALVAGUARDA DO SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
THE SURROGACY:
IMPLICATIONS OF REPEALING CONSENT AND SAFEGUARDING THE CHILD’S SUPERIOR INTEREST
Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Ciências Jurídico-forenses
Orientadora: Professora Doutora Xxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, 2020
À minha mãe, por nunca me largar a mão e me encorajar a seguir os meus sonhos, Ao meu irmão, meu primeiro e eterno amigo, por ser o meu melhor exemplo, Xx Xx, pela paciência, companheirismo e por nunca duvidar de mim.
Agradecimentos
À Senhora Professora Doutora Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, por me ter orientado e acompanhado neste percurso, pela disponibilidade e apoio académico.
À Xxxxxxx, que talvez sem saber, foi um apoio diário, imprescindível. À D. Xxxxxxx e ao Sr. Xxxxxx, pelo carinho e pela presença constante.
À Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, que foi, durante 5 anos, a minha segunda casa.
Resumo
A Lei n.º 25/2016 – que procedeu à terceira alteração da lei que regula a procriação
medicamente assistida – vem regular o acesso à gestação de substituição em Portugal. Admite-se, assim, que, em situações excecionais, uma mulher que não pode ou não consegue carregar um filho biológico no seu útero, recorra a outra mulher, a gestante de substituição, para que esta lhe gere esse bebé – sem que tenha fornecido os seus ovócitos – a fim de lho entregar no final da gestação, abdicando assim de todos os poderes e deveres inerentes à maternidade. Confrontamo-nos com uma situação que, apesar de transmitir uma imagem de altruísmo e de solidariedade, mais não se reporta a uma instrumentalização da mulher gestante, que, apesar de assim não o entender, assume uma posição de simples incubadora durante todo o processo da gestação. A gestante, a partir de determinado momento, ainda que se arrependa, não pode revogar o seu consentimento. Além disso, mais gritante é o facto de a lei, em momento algum, fazer referência ao superior interesse da criança que será gerada nestes termos. Estamos perante a celebração de um contrato cujo objeto de negociação é uma pessoa, um bebé. Bebé este que, ainda que não tenha sido já concebido, encontra-se já numa posição de instabilidade, não só jurídica como eventualmente emocional. A criança, no final, poderá ser tratada por um produto querido por todos, ou, a contrario, querida por ninguém. A sua dignidade é totalmente descredibilizada. O fenómeno da gestação, além de estar mal regulamentado, atenta contra direitos de personalidade.
PALAVRAS-CHAVE: GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO; REVOGAÇÃO DO CONSENTIMENTO; SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA.
Abstract
Law no. 25/2016, of August 22 – which made the third amendment to the law that regulates medically assisted procreation – regulates access to surrogacy in Portugal. Thus, it is admitted that, in exceptional situations, a woman who is unable to carry a biological child in her uterus, resorts to another woman, the surrogate mother, to carry a baby in her womb
– without having provided her oocytes – in order to hand him over at the end of pregnancy. We are faced with a situation that, despite transmitting an image of altruism and solidarity, no longer refers to the instrumentalization of pregnant women, who, despite neglecting it, assumes a position of mere incubator throughout the process of gestation. The pregnant woman, from a certain moment, even if she regrets, cannot revoke her consent. Furthermore, what is even more striking is the fact that the law, at no time, refers to the best interests of the child that will be generated in these terms. We are facing the conclusion of a contract, whose object of negotiation is a person, a baby. A baby who, even though he has not been conceived, he is already in a position of instability, not only legal but also emotional. In the end, the child may be treated as a product that is liked by everyone, or, conversely, by no one. Their dignity is totally discredited. The phenomenon of pregnancy, in addition to being poorly regulated, threatens personality rights.
KEYWORDS: SURROGACY; REVOCATION OF CONSENT; BEST INTEREST OF THE CHILD.
Siglas e abreviaturas
Ac. – Xxxxxxx;
Al. – Alínea;
AR – Assembleia da República; Art./Arts. – Artigo/Artigos;
CC – Código Civil;
Cfr. – Confirmar;
CNECV – Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida; CNPMA - Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida; CRP – Constituição da República Portuguesa;
CSMP – Conselho Superior do Ministério Público; DLG – Direitos, Liberdades e Garantias;
LPMA – Lei da Procriação Medicamente Assistida; N.º/ N.os – Número/Números;
OA – Ordem dos Advogados;
Ob. cit. – Obra citada;
OMS – Organização Mundial de Saúde; P./PP. – Página/Páginas;
PMA – Procriação Medicamente Assistida; SS. – Seguintes;
TC – Tribunal Constitucional; Vol. – Volume;
Índice
1. A Regulamentação da Gestação de Substituição 11
1.1. O regime da maternidade de substituição na Lei n.º 32/2006, de 26 de julho 11
1.2. O Regime Jurídico da Gestação de Substituição, com a alteração da Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto 14
1.3. A posição do Tribunal Constitucional 17
1.4. As posições adotadas face à gestação de substituição no direito comparado 19
2. A «Gestação de Substituição» e o respeito pela dignidade da pessoa humana
................................................................................................................... 23
3. Os termos da revogação do consentimento pela gestante de substituição 29
3.1. Até ao início dos processos terapêuticos de PMA 31
3.2.1. Interrupção da gravidez 32
3.3.1. Estabelecimento da filiação em caso de revogação do consentimento pela gestante 35
4. O superior interesse do nascituro 43
5. A ponderação dos problemas à luz da consideração axiológica da pessoa ..
................................................................................................................... 48
Introdução
Ser mãe é, para muitas mulheres, um sonho. E pensar que a natureza, ou qualquer outra razão, pode impossibilitar uma mulher de ter filhos biológicos, concretizando esse sonho, é deveras injusto.
Alguns ordenamentos jurídicos solucionaram o aparente problema aceitando a celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição – a título gratuito e/ou oneroso
– outros proíbem-na por completo, e há ainda os que não regulam sobre esta matéria.
O nosso ordenamento jurídico permitiu, em 2016, este fenómeno, ou seja, que uma mulher capaz de suportar uma gravidez, possa gerar o bebé de outra pessoa, entregando-o no momento do nascimento. Desde que, pela gestação, não receba qualquer contrapartida e que atue a título meramente altruísta.
Aquela livre utilização do útero para gerar o bebé de outrem com o propósito, peremtório, de o entregar a outrem, poderá levar à degradação da gestante de substituição?
Em 2018, o Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma que impossibilita a gestante de revogar o seu consentimento depois de começados os processos terapêuticos de PMA, afirmando que a gestante tem de ter a possibilidade de revogar o seu consentimento até ao final da gravidez, sob pena de a sua dignidade ser violada, surgindo a hipótese de assumir a maternidade da criança por si gerada.
Neste contexto, analisaremos as consequências advenientes da possibilidade de revogação do consentimento pela gestante de substituição e as consequências dessa não possibilidade, não só para a gestante, como principalmente, para a criança que dali nascerá.
O foco do nosso estudo incidirá, no entanto, na análise da posição que é o objeto do contrato e que merece maior tutela, o bebé. E a dignidade deste novo ser humano?
Se a lei já não olhava aos interesses do bebé, ficará salvaguardado o seu superior interesse com esta abertura de opções para a gestante? Será conciliável a salvaguarda do interesse das partes com a salvaguarda do superior interesse da criança? Será também convocada a problemática do estabelecimento da filiação, nestes termos.
Afinal, qual a finalidade deste tipo de contratos? Xxxxxx um bebé ao mundo para satisfazer a pretensão da parte beneficiária? O contrato de gestação de substituição transmite-
nos a ideia de que, porventura, estaremos perante um contrato cuja base assenta num egoísmo atroz.
O artigo 8.º da lei que regula a utilização das técnicas de procriação medicamente assistida regula os termos do contrato da gestação de substituição. Faremos uma análise crítica do conteúdo desse artigo, com toda a problemática supramencionada.
Este contrato inclui cláusulas que não são conciliáveis com os ideais do nosso ordenamento jurídico. Como é que se há-de invocar o cumprimento de uma cláusula que menciona as disposições a observar em caso de o nascituro sofrer de malformações? Obrigar- se-á a gestante a abortar? Se não abortar, a pagar uma indemnização? O bebé tem, obrigatoriamente, de nascer perfeito e saudável, senão pode ser simplesmente aniquilado ou rejeitado?
Optamos por colocar a introdução em questões para conseguirmos problematizar o tema escolhido.
Quando elegemos como objeto do presente estudo problematizar o contrato da gestação de substituição, cientes de que não faríamos uma exposição extensiva de todos os problemas inerentes a este fenómeno, escolhemos focar-nos na pessoa que, no essencial, deveria ser a melhor tutelada pela lei, designadamente a criança-objeto do contrato. No entanto, não seria justo deixar de lado a mulher gestante cuja posição contratual não se encontra tão salvaguardada como, a priori, se possa pensar.
É então sobre o exposto que irá incidir a nossa dissertação, sendo que procuraremos analisar os problemas que acreditamos existirem e, se possível, oferecer soluções.
1. A Regulamentação da Gestação de Substituição
1.1. O regime da maternidade de substituição na Lei n.º 32/2006, de 26 de julho
O fenómeno da maternidade de substituição é nulo na versão originária da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho1, que regula a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida (doravante, LPMA).
Desde cedo se discutiu sobre (a utilização de) técnicas de procriação medicamente assistida (doravante, PMA). Foram muitas as propostas/projetos de lei apresentados e discutidos, mas foi em 2006, com a introdução da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, que o legislador português disciplinou o recurso às técnicas de PMA, com uma legislação unitária própria. O legislador reconheceu esta nova realidade com o objetivo de contornar o problema da infertilidade, disponibilizando recursos alternativos à forma normal de conceção.
A maternidade de substituição2 encontra expressão no artigo 8.º da supramencionada LPMA, como sendo ‘’qualquer situação em que a mulher se disponha a suportar uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres próprios da maternidade’’ (n.º 2), cumprindo, assim, elucidar, como o faz XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX, que ‘’a maternidade de substituição não é uma técnica de PMA, embora, em termos legais, em face da disciplina instituída pelo legislador português, tenha sempre de pressupor uma dessas técnicas’’3. As técnicas de PMA existentes encontram-se tipificadas no artigo 2.º da LPMA, sendo elas a inseminação artificial, a fertilização in vitro, a injeção intracitoplasmática de espermatozoides, a transferência de embriões, gâmetas ou zigotos, o diagnóstico genético pré-implantação, e outras técnicas laboratoriais de manipulação gamética ou embrionária equivalentes ou subsidiárias. Nos termos do n.º 1 do artigo 8.º ‘’são nulos os negócios jurídicos, gratuitos ou onerosos, de maternidade de substituição’’, acrescentando, no n.º 3, que ‘’a mulher que suportar uma
1 Esta lei já sofreu sete alterações, tendo sido alterada pelas Leis n.os 59/2007, de 4 de setembro, 17/2016, de 20 de junho, 25/2016, de 22 de agosto, 58/2017, de 25 de julho, 49/2018, de 14 de agosto, e 48/2019, de 8 de julho.
2 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx de, em Mãe há só uma (duas)! O contrato de gestação, Coimbra: Coimbra Editora, 1992, define este fenómeno como sendo a situação em que ‘’uma mulher aceita gerar um filho, fazê-lo nascer, e se compromete a entregá-lo a outra mulher, renunciando em favor desta a todos os direitos sobre a criança, renunciando à própria qualificação jurídica de «mãe»’’. pp. 8 e 9.
3 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Entre a instrumentalização da mulher e a codificação do filho: questões ético- jurídicas em torno da maternidade de substituição, in Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra. Vol. 94, 2018, p. 241.
gravidez de substituição de outrem, é havida, para todos os efeitos legais, como mãe da criança que vier a nascer’’, respeitando-se, por conseguinte, o critério de estabelecimento da maternidade previsto no artigo 1796.º do Código Civil (doravante CC).
A referida lei, no seu artigo 39.º, pune com pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias ‘’quem concretizar contratos de maternidade de substituição a título oneroso’’ (n. º1) e/ou ‘’quem promover, por qualquer meio, (…) a maternidade de substituição a título oneroso’’ (n.º 2). A lei é omissa quanto às consequências a aplicar em caso de celebração de um contrato de maternidade de substituição de natureza gratuita, sendo que apenas sabemos que é nulo.
Foi este o cenário da maternidade de substituição que permaneceu no nosso ordenamento jurídico até 2016, na senda da terceira alteração à LPMA, ano em que o fenómeno da gestação de substituição, quando comporte natureza gratuita, é aceite.
Entre dezembro de 2011 e janeiro de 2012, com o objetivo de procederem à alteração da Lei da PMA, numa tentativa de aceitação da maternidade de substituição, foram apresentados na Assembleia da República (doravante AR) os seguintes projetos de lei: projeto de lei n.º 122/XII, apresentado pelo Bloco de Esquerda (BE); projeto de lei n.º 131/XII, apresentado pelo Partido Socialista (PS) e o projeto de lei n.º 138/XII, apresentado pelo Partido Social Democrata (PSD). Na senda deste processo, foram solicitados pareceres ao Conselho Superior do Ministério Público, à Ordem dos Advogados, ao Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (doravante, CNPMA), ao Conselho Superior da Magistratura e ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (doravante, CNECV)4. O processo legislativo prosseguiu sobre os projetos de lei do PS (n.º 131/XII) e do PSD (n.º 138/XII).
Em termos sintéticos, ambos os projetos de lei apresentavam, para a aceitação do negócio da maternidade de substituição que, na sua base, estivesse uma atitude altruísta, por parte da gestante, que o respetivo negócio tivesse natureza gratuita e fosse celebrado a título excecional, o PS, no sentido de apenas permitir o acesso às mulheres que não têm útero ou tendo, com lesão do órgão, que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez ou em situações clínicas que o justifiquem, o PSD seria em caso de ausência de útero. Para tanto,
4 Todos os projetos de lei e Pareceres, estão disponíveis e podem ser consultados em: xxxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xx/XxxxxxxxxxXxxxxxxxxxx/Xxxxxxx/XxxxxxxXxxxxxxxxx.xxxx?XXXx00000,
seria necessária a autorização e supervisão do CNPMA, ouvida previamente pela Ordem dos Médicos.
Em março de 2012, a pedido da AR, o CNECV emitiu um parecer5, referente aos dois projetos de lei enunciados, em que se pronunciou sobre o fenómeno da Gestação de Substituição6, elencando um conjunto de condições que, no seu entender, deveriam constar da lei para que o fenómeno da gestação de substituição fosse, excecionalmente, aceite. De entre essas treze razões, que se deveriam observar cumulativamente, o CNECV considerou como sendo importante ‘’o consentimento da gestante poder ser revogado pela gestante de substituição em qualquer momento até ao início do parto’’ sendo que ‘’neste caso, a criança deverá ser considerada para todos os efeitos sociais e jurídicos como filha de quem a deu à luz’’. Sendo que, em nenhum dos projetos de lei, esta condição se encontrava prevista.
Em 2016, foi apresentada uma proposta de legalização da gestação de substituição, pelo BE, através do Projeto de Lei 36/XIII. A Comissão Parlamentar de Saúde remeteu ao CNECV um pedido de apreciação e parecer sobre o mesmo. O CNECV7 considerou que a iniciativa legislativa não reunia as condições mínimas que permitissem legalizar a gestação de substituição em Portugal, afirmando que ‘’não estão salvaguardados os direitos da criança a nascer e da mulher gestante, nem é feito o enquadramento adequado do contrato de gestação’’8. Todavia, nesse mesmo ano, foi aprovada uma primeira versão do projeto que viria a regular o acesso à gestação de substituição. No entanto, esse projeto de lei foi objeto de veto pelo Presidente da República (doravante, PR), que considerou não estarem reunidas as condições cumulativas formuladas pelo CNECV (em 2012)9.
5 Parecer n.º 63 do CNECV, de 2012, sobre «Procriação Medicamente Assistida e Gestação de Substituição», disponível em xxxxx://xxx.xxxxx.xx/xxxxx/xxxxx/xxxx/xxxx/0000000000-xxxxxxx-00-xxxxx-0000-xxx.xxx, acesso em fevereiro de 2020.
6 No referido parecer n.º 63, o CNECV optou pela expressão gestação de substituição e gestante de substituição, por considerar que essas expressões ‘’traduzem as realidades objetivas que medeiam o processo que pode decorrer entre a transferência/implantação uterina do embrião humano e eventual parto no fim da gravidez evolutiva’’, uma vez que ‘’a expressão «maternidade de substituição», apesar de muito divulgada e de vir consagrada na nossa lei e nos dois projetos de lei em apreciação, pode ser indiciadora de equívocos e ambiguidades éticas e antropológicas, por supor como tacitamente aceite a fragmentação da maternidade biológica (genética e uterina), social e jurídica’’, pp. 7 e 8. A Lei n.º 25/2016 que procede à terceira alteração à LPMA, vem regular o acesso à gestação de substituição, adotando precisamente esse termo.
7 Parecer n.º 87/CNECV/2016, disponível em: xxxxx://xxx.xxxxx.xx/xxxxx/xxxxx/xxxx/xxxx/0000000000_X%00XXXXX%0000_0000_XXX%00XXX.xxx. Acesso em fevereiro de 2020.
8 Página 18 do Parecer n.º 87/CNECV/2016.
9 Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xx/?xxxx00&xxxx000000, acesso em fevereiro de 2020.
Nesta senda, o projeto foi reformulado e objeto de reapreciação pela AR. O PR promulgou a nova lei que procedeu à terceira alteração à Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, considerando que ‘’apesar de o texto alterado não corresponder totalmente ao que deveria ser a solução mais completa à luz dos Pareceres acima mencionados (do CNECV de 2012 e de 2016), ainda assim o veto presidencial determinou a reponderação substancial pela Assembleia da República de larga parte das condições por aquele Conselho recomendadas, cumprindo, nessa medida, no quadro parlamentar existente, a segunda função que assiste a um veto político do PR10. Assim, a gestação de substituição passou a ser admitida nos termos a seguir enunciados.
1.2. O Regime Jurídico da Gestação de Substituição, com a alteração da Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto
A Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, vem regular o acesso à gestação de substituição, procedendo à terceira alteração à LPMA, que regula as técnicas de PMA, e foi regulamentada pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2017, de 31 de julho11.
Surge, assim, o artigo 8.º como expressão da admissão do fenómeno da «gestação de substituição».
O fenómeno deixa de se denominar «maternidade de substituição» passando agora a ser sua terminologia «gestação de substituição». A mulher gestante deixa de ser considerada mãe, para todos os legais efeitos, passando agora a ser a mera gestante, cabendo- lhe a função de gerar um bebé no seu ventre e, posteriormente, entregá-lo à parte beneficiária.
O n.º 1 do referido artigo cumpre definir o que é a «gestação de substituição», sendo que se deu uso da mesma definição que a versão originária da lei, no n.º 2.
Do n.º 2 do artigo 8.º retiramos que a celebração deste tipo de negócios jurídicos só é possível a título excecional, designadamente, para mulheres que não tenham útero ou tenham lesão ou doença grave desse órgão, que as impeçam, de forma absoluta e definitiva, de levar a termo uma gestação, ou ainda para mulheres cuja situação clínica o justifique,
10 Disponível em xxxx://xxx.xxxxxxxxxxx.xx/?xxxx00&xxxx000000, acesso em fevereiro de 2020.
11 Disponível em xxxxx://xxx.xx/xxxx/-/xxx/000000000/xxxxxxx/xxxxxxxxx, acesso em fevereiro de 2020.
exige-se ainda a natureza gratuita deste fenómeno, presumindo-se, portanto, que o mesmo seja movido por um intento altruísta, movido pela solidariedade. A mulher beneficiária que, por si só, não consegue suportar uma gravidez, nos termos enunciados, poderá recorrer ao fenómeno da gestação de substituição, seja com um parceiro do sexo masculino seja do sexo feminino, respetivamente casados ou casadas ou que vivam em condições análogas às dos cônjuges, ou poderá recorrer a título singular, independentemente do estado civil e da respetiva orientação sexual (artigo 6.º n.º 1 em conjugação com o artigo 8.º n.º 2). Esta alteração resultou da Lei n.º 17/2016, de 20 de julho, que alargou o âmbito dos beneficiários das técnicas de PMA12.
Depois, nos termos do n.º 3, a gestante submeter-se-á a técnicas de procriação medicamente assistida, a fim de lhe ser transferido um óvulo fecundado, sem que haja, da sua parte, qualquer doação com os seus ovócitos para a formação do embrião. A lei exige, para a formação do embrião que será implementado na gestante de substituição, que sejam utilizados os gâmetas de, pelo menos, um dos beneficiários, assim, os contraentes manterão algum tipo de ligação genética com a criança13. Se não os dois, pelo menos um. No caso de uma mulher que recorra à gestação de substituição de forma singular, haverá, necessariamente, de convocar o artigo 10.º da LPMA, que se refere à doação de espermatozoides, ovócitos ou embriões. Nestes casos, haverá a obrigatoriedade de se recorrer a gâmetas doados por terceiros, para se formar o embrião, ocorrendo, nesta medida, a fecundação heteróloga. Há um egoísmo inerente no recurso às técnicas de PMA por uma mulher solteira, uma vez que a criança que daí nascer, está condicionada, desde logo, à monoparentalidade. Estas crianças ‘’não apenas não têm nem poderão ter um pai, como não têm nem podem ter uma família paterna (avós, tios, meios-irmãos, primos)’’14. XXXXXX XXXXXXX, acolhe uma posição de não aceitação relativamente à fecundação heteróloga,
12 A lei não limita o acesso à gestação de substituição a mulheres com nacionalidade portuguesa ou com residência em Portugal, XXXXXXXXX XX XXXXXXXX explica que ‘’a diversidade nesta matéria pode dar origem a que os nacionais de um Estado procurem noutro os resultados que o sistema jurídico do país de origem lhes não permite obter’’, assim ‘’a diversidade das soluções entre os Estados e a livre – e fácil – circulação de pessoas pode dar lugar a uma espécie de turismo da procriação assistida’’, a que Portugal pode estar sujeito. XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Aspetos jurídicos da procriação assistida, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 49, Vol. III, dezembro 1989, p. 790.
13 RAPOSO, Xxxx Xxxxx, Tudo aquilo que você sempre quis saber sobre contratos de gestação (mas o legislador teve medo de responder), in Revista do Ministério Público. Lisboa. Ano 38, n.º 149, 2017, p.11.
14 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx, Filhos de pai anónimo no século XXI! in Atas do Seminário Internacional Debatendo a Procriação Medicamente Assistida, Porto e FDUP, 2017, ISBN 978-989-154-5, p. 53.
argumentando que ‘’não se pode gerar uma criança de pai (ou mãe) desconhecido, a fim de tratar a maternidade (ou paternidade) frustrada – uma criança não pode ser reduzida a uma terapia’’15.
O n.º 4 do artigo 8.º refere que a celebração destes negócios jurídicos carece de autorização do CNPMA, que é a entidade que supervisiona todo o processo, carecendo de audição prévia da Ordem dos Médicos.
O n.º 5 frisa o carácter gratuito da gestação, apenas permitindo que seja pago pelo casal beneficiário à gestante ‘’o valor correspondente às despesas decorrentes do acompanhamento de saúde efetivamente prestado’’16. A mesma lei pune, desde logo, quem concretize contrato de gestação de substituição a título oneroso (artigo 39.º da LPMA).
Proíbe a lei, no n.º 6, a gestação de substituição quando exista uma relação de subordinação económica, de natureza laboral ou de prestação de serviços, entre as partes.
Se antes o negócio de gestação de substituição era nulo, sendo o bebé considerado filho da mulher que lhe deu à luz, na nova redação deste artigo, no n.º 7, ‘’a criança que nascer através do recurso à gestação de substituição é tida como filha dos respetivos beneficiários’’.
O n.º 8, muito interessante, remete para o artigo 14º da mesma lei, que trata do consentimento17. Aplicado o texto da lei à mulher gestante, sabemos que a referida apenas pode revogar o seu consentimento até ao início dos processos terapêuticos de PMA, ou seja, se a mãe gestante escolher levar a gestação até ao fim, terá obrigatoriamente de entregar a
15 XXXXXXX, Xxxxxx, As técnicas de Procriação Medicamente Assistida com recurso a gâmetas estranhos ao casal (fertilização heteróloga), in Bioética e Vulnerabilidade, Coimbra Almedina, 2008, p.96.
16 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx, escreve sobre ‘’o mito da bondade da maternidade de substituição gratuita’’ em Uma gestação Inconstitucional: o descaminho da Lei da Gestação de Substituição, Julgar Online, janeiro de 2017, disponível em xxxx://xxxxxx.xx/xxx-xxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxxxx-x-xxxxxxxxxx-xx-xxx-xx- gestacao-de-substituicao-2/, acesso em outubro de 2019, pp. 21 e 22, afirmando que ‘’a gratuitidade não é (…) sinónimo ou sequer indício seguro de altruísmo’’, para justificar que a obrigação de gratuitidade pode estar disfarçada sobre vários exemplos que a autora enuncia.
17 Artigo 14º da LPMA (‘’Consentimento’’), com alteração da Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto:
1 – Os beneficiários devem prestar o seu consentimento livre, esclarecido, de forma expressa e por escrito, perante o médico responsável.
2 – (…).
3 – (…).
4 – O consentimento dos beneficiários é livremente revogável por qualquer deles até ao início dos processos terapêuticos de PMA.
5 – O disposto nos números anteriores é aplicável à gestante de substituição nas situações previstas no artigo 8.º
6 – (…).
criança, porquanto a lei não lhe permite ficar com o bebé depois do seu nascimento, exercendo o direito ao arrependimento. Citando XXXXXX XXXX E REIS ‘’com as regras agora em vigor, o casal beneficiário, após o nascimento, pode, nem que seja à força (utilizando a via judicial), arrancar dos braços da mãe portadora a criança acabada de nascer, como se esta fosse propriedade sua e, portanto, em autêntica execução específica’’18.
O n.º 9 remete para os artigos 12.º e 13.º da mesma lei, definindo os direitos e deveres do casal beneficiário e da gestante de substituição, nos mesmos termos dos aplicáveis às técnicas de PMA, mas adaptados à gestação de substituição.
Seguidamente, nos termos do n.º 10,’’a celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição é feita através de contrato escrito, estabelecido entre as partes, supervisionado pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, onde devem constar obrigatoriamente, em conformidade com a legislação em vigor as disposições a observar em caso de ocorrência de malformações ou doenças fetais e em caso de eventual interrupção voluntária da gravidez’’.
Nos termos do n.º 11, estes tipos de contratos não podem impor restrições de comportamento à gestante nem impor normas que intentem com os seus DLG.
Por fim, nos termos do n.º 12, serão nulos os contratos de gestação que não respeitem o disposto nos números anteriores e que aqui foram expostos.
Nos termos do artigo 15.º da LPMA, há um regime de confidencialidade no que diz respeito à identidade da gestante de substituição e do próprio ato.
1.3. A posição do Tribunal Constitucional
Ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 1 alínea a), e n.º 2, alínea f), da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) um grupo de trinta Deputados veio requerer à AR a declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de alguns
18 XXXX, Xxxxxx Xxxx e, O difícil caminho da gestação de substituição em Portugal, Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxx.xx/xxxxxxx/x-xxxxxxx-xxxxxxx-xx-xxxxxxxx-xx-xxxxxxxxxxxx-xx-xxxxxxxx/. Sobre o direito ao arrependimento da mãe gestante, diz o autor que ‘’a legislação especial sobre a gestação de substituição está em contradição com um princípio basilar da livre revogabilidade das restrições voluntárias aos direitos de personalidade, que o CC garante há décadas’’, acesso em outubro de 2019.
preceitos da LPMA, na redação dada pela Lei n.º 17/2016, de 20 de junho, e pela Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.
No que para o presente estudo releva, foi pedida a inconstitucionalidade de todo o artigo 8.º da LPMA, relativo à «gestação de substituição», por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, do dever do Estado de proteção da infância, do princípio da igualdade e do princípio da proporcionalidade, assim como, consequentemente, «das normas ou de partes delas que estejam na LPMA que se refiram à gestação de substituição».
Após uma extensa e exaustiva fundamentação, o Tribunal Constitucional (doravante, TC), no Acórdão n.º 225/2018, de 7 de maio de 201819 decide ‘’declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º 8 do artigo 8.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, em conjugação com o n.º 5 do artigo 14.º da mesma Lei, na parte em que não admite a revogação do consentimento da gestante de substituição até à entrega da criança aos beneficiários, por violação do seu direito ao desenvolvimento da personalidade, interpretado de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana, e do direito de constituir família, em consequência de uma restrição excessiva dos mesmos, conforme decorre da conjugação do artigo 18.º, n.º 2, respetivamente, com os artigos 1.º e 26.º, n.º 1, por um lado, e com o artigo 36.º, n.º 1, por outro, todos da Constituição da República Portuguesa’’20 (alínea b) da decisão).21 Assim, considera o TC que o consentimento da gestante tem de ser atual durante todo o processo de gestação de substituição, podendo a mesma, querendo-o, assumir a maternidade da criança por si gerada.
A 19 de julho de 2019 é aprovado pela AR o Decreto n.º 383/XIII22 que procede à sétima alteração à LPMA, tendo ido alterada a redação do artigo 8.º e 39.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho. A alteração legislativa é enviada ao PR para promulgação, que considerou, no entanto, que a AR não cumpriu a decisão do TC no acórdão supracitado (Ac. n.º 225/2018), uma vez que, o Decreto n.º 383/XIII que procede à sétima alteração à LPMA,
19 Diário da República, 1.ª Série – N.º 87 – 7 de maio de 2018, Processo n.º 95/17, disponível para leitura em xxx.xxxx.xx. Acesso em janeiro de 2020.
20 Páginas 1945 e 1946 do Ac. do TC n.º 225/2018, de 7 de maio.
21 O Tribunal Constitucional declara outras normas inconstitucionais, todavia, para o que aqui releva, decidiu- se abordar apenas uma parte da decisão do referido acórdão.
22Vide:
xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xx/xxxxxxxx/xxxx/xxx.xxx?xxxxx0000000000000x000x000000000000000x0x00000x0x00 7664326c755a47566a636d563062334d7657456c4a5353396b5a574d7a4f444d7457456c4a5353356b62324d3
d&fich=dec383-XIII.doc&Inline=true. Acesso em fevereiro de 2020.
apresenta, no que à possibilidade de revogação do consentimento da gestante diz respeito, a mesma solução que outrora fora levada à apreciação do TC, ou seja, a gestante apenas poderá revogar o seu consentimento até ao início dos processos terapêuticos de PMA. Por essa razão, o PR submeteu o artigo 2.º23 do referido decreto à apreciação do TC em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, nos termos do artigo 278.º, n.º 1 da CRP. Posto isto, em 19 de outubro de 2019, o TC voltou a pronunciar-se sobre a mesma matéria. Nesta senda, o TC, no Ac. n.º 465/2019, de 18 de outubro24, mais não faz do que manter a sua posição inicial relativamente à que apresentara no Acórdão n.º 225/2018, designadamente pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas, porquanto ‘’nos dezoito meses que mediaram entre a anterior pronúncia do Tribunal e o momento presente, não sobrevieram quaisquer novos dados, designadamente de natureza técnica, científica, sociológica, ou até mesmo jurídico-política, que confiram cabimento, designadamente em face dos imperativos de segurança jurídica e do critério de validade do direito neles implicado, a uma revisão do juízo formulado no Acórdão n.º 225/2018, proferido em processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade’’25.
Atualmente, o fenómeno da gestação de substituição encontra-se suspenso, com ressalva dos contratos já iniciados.
1.4. As posições adotadas face à gestação de substituição no direito comparado
Se dividirmos as posições adotadas relativamente à gestação de substituição, cremos existirem três grupos, designadamente26: os países que aceitam a gestação de
23 Na parte em que mantém em vigor o n.º 8 do artigo 8.º, que passa a constar do n.º 13 daquele artigo 8.º e na parte em que adita a alínea j) ao n.º 15 do artigo 8.º.
24 Disponível em xxxxx://xxx.xx/xxxxxxxx/-/xxxxxx/000000000/xxxxxxx/xxxxxxxxx, acesso em fevereiro de 2020.
25 Página 134 do acórdão supracitado.
26 Vide Ac. TC n.º 225/2018, cit., pp. 1902-1906; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx, Gestación por Substitución en España: Un estudio com apoyo en el derecho comparado y especial referencia a California (EEUU) y Portugal, Universidad Xxxxx X, Castellón de la Plana, 2017, pp. 99-179.
substituição, seja a título oneroso27 e/ou gratuito28, podendo a lei, automaticamente, estabelecer a filiação relativamente ao casal beneficiário ou ser necessário um processo judicial para reconhecimento da mesma; os países em que existe um vazio de regulamentação da gestação de substituição, não se admitindo mas também não se permitindo29; e os países que proíbem e punem a prática da gestação de substituição30.
A nível europeu, apenas a Grécia e o Reino Unido possuem um quadro legal que admite a prática da gestação de substituição.
Na Alemanha31, o fenómeno da gestação de substituição não é diretamente proibido ou punido, todavia, o ordenamento jurídico alemão contém disposições que inequivocamente censuram esta prática, por exemplo, no Código Civil alemão (o Bürgerliches Gesetzbuch – BGB), vide os §§ 134 e 138 – nulidade do contrato de gestação de gestação de substituição. A jurisprudência também tem vindo a decidir no sentido da invalidade deste tipo de contratos.
Em Espanha32, a Ley 14/2006, de 26 de mayo («Gestación por sustitución») proíbe, de forma absoluta, o recurso à gestação de substituição, seja a título gratuito, seja a título oneroso (Artículo 10.). O mesmo artigo permite, no entanto, que o elemento masculino do casal beneficiário possa reivindicar a paternidade da criança quando tenha doado gâmetas seus.
27 Na Rússia, na Ucrânia, na Califórnia e em Israel permite-se a gestação de substituição tanto a título gratuito como a título oneroso. Vide XXXXXX, Xxxxxxx, Intercountry surrogacy and the best interest of the child, in Atas do Seminário Internacional Debatendo a Procriação Medicamente Assistida, Porto e FDUP, 2017, ISBN 978-989-746-154-5, pp. 130-131.
28 A gestação de substituição é aceite, desde que a título gratuito, no Reino Unido, em Portugal e na Grécia (admitia-se a prática de gestação de substituição a título oneroso até 2005, ano em que passou a proibir-se a celebração de contratos de gestação de substituição onerosos, com a Lei 3305/2005, de 27 de janeiro de 2005.
29 Não regulam a prática da gestação de substituição, países como a Bélgica, Brasil, Chipre, Eslováquia, Estónia, Irlanda, Luxemburgo, Malta, Polónia e Roménia.
30 Dos Estados Membros da União Europeia (UE), a gestação de substituição é proibida na Alemanha, Áustria, Bulgária, Croácia, Dinamarca, Eslovénia, Espanha, Finlândia, França, Hungria, Itália, Letónia, Lituânia, República Checa e Suécia. Fora da UE países como a China, o Japão e a Suíça, também proíbem esta prática. Vide MOTA, Helena, A gestação de substituição no Direito Internacional Privado Português, in Atas do Seminário Internacional Debatendo a Procriação Medicamente Assistida, Porto e FDUP, 2017, ISBN 978-989- 000-000-0, pp. 68-69.
31 Vide Ac. TC n.º 225/2018 cit., pp. 1902-1903; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx, Gestación por Substitución en España, ob. cit., pp. 108-110.
32 Vide Ac. TC n.º 225/2018 cit., pp. 1903-1904; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx, Gestación por Substitución en España, ob. cit., pp. 187-187.
Em França33, a gestação de substituição foi proibida pelo legislador, de forma expressa, em 1994, aditando-se ao Code Civil o Article 16-7 que estatui a nulidade de qualquer convenção que tenha por objeto a gestação de substituição.
Na Itália34 a gestação de substituição é legalmente proibida e criminalizada, seja em que modalidade for, nos termos do artigo 12.º n.º 6 da Legge 19 febbraio 2004, n.º 40.
A Grécia35 é, atualmente, o Estado-Membro da União Europeia com legislação mais permissiva relativamente à prática da gestação de substituição. As normas jurídicas relativas à matéria da gestação de substituição constam do artigo 1458.º do Código Civil Grego, aditado pela Lei da Procriação Medicamente Assistida (Lei n.º 3089/2002, e pelo artigo 13.º da Lei n.º 3305/2005, de 27 de janeiro (Enforcement of Medically Assisted Reprodution). Neste país, casais homossexuais não podem recorrer à gestação de substituição e a/os beneficiária/os e a gestante devem ser cidadãos gregos ou residentes na Grécia, requisito essencial para se afastar a existência de casos de turismo reprodutivo naquele país. Os contratos de gestação de substituição onerosos são proibidos. A lei proíbe a substituição genética, admitindo apenas a substituição meramente gestacional, portanto criança não pode ser gerada com recurso a gâmetas da gestante. No que diz respeito ao casal beneficiário, a lei nada estipula relativamente à obrigatoriedade de se recorrer aos gâmetas de um ou de ambos os membros do casal. A realização do procedimento depende de autorização judicial prévia, cabendo ao tribunal apreciar o cumprimento dos requisitos exigidas na lei, assim como a validade do contrato. Não existindo esta autorização judicial prévia, o contrato não produzirá os seus efeitos e a maternidade será atribuída à mulher que deu à luz. Se o contrato
33 Vide Ac. TC n.º 225/2018 cit., pp. 1904-1904; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx, Gestación por Substitución en España, ob. cit., pp. 110-113.
34 Vide Ac. TC n.º 225/2018 cit., p. 1905; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx, Gestación por Substitución en España, ob.cit., pp. 113-116. A lei italiana é omissa no que diz respeito às consequências jurídicas decorrentes da celebração deste tipo de contratos no estrangeiro. São várias os processos judiciais que correm, cujo objeto é a tentativa, por parte dos beneficiários, de ver reconhecida a parentalidade de crianças nascidas no estrangeiro através da gestação de substituição. Um caso que chamou atenção e que foi apreciado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, foi o caso Paradiso et Campanelli c. Italie: um casal recorreu à gestação de substituição no estrangeiro, portanto fora do país de origem da parte beneficiária, e a criança nasceu sem material genético de nenhum dos contratantes. O tribunal italiano não reconheceu a parentalidade por não existir qualquer ligação genética entre os beneficiários e a criança, e a mesma foi retirada ao casal. Sobre este caso e uma análise mais detalhada, vide XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx, O conceito da vida familiar na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem face a turismo reprodutivo e maternidade de substituição (a propósito da decisão do Tribunal Pleno de 24 de janeiro de 2017, Paradiso et Campanelli C. Italie, Queixa n.º 25358/12), in Julgar, n.º 32, 2017, disponível em Xxxxxx.xx, pp.261-287.
35 Vide Ac. TC n.º 225/2018 cit., p. 1905; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx, Gestación por Substitución en España, ob.cit., pp. 138-143.
cumprir com todas as exigências dispostas na lei, nascida a criança presume-se que a mãe é a beneficiária que obteve a autorização judicial para celebrar o contrato de gestação de substituição. No entanto, no prazo de 6 meses após o nascimento, a gestante ou a mulher beneficiária podem ilidir judicialmente aquela presunção, se provarem que a criança foi concebida com material genético da gestante, sendo esta última, portanto, declarada judicialmente a mãe da criança36.
No Reino Unido37 a prática da gestação de substituição foi regulamentada com a entrada em vigor do Surrogacy Arrangements Act, em 1985, e é também regulamentada, atualmente, no Human Fertilisation and Embriology Act, diploma que entrou em vigor em 2008. Os beneficiários desta prática deve ser casais, heterossexuais ou homossexuais, casados ou unidos de facto. Os contratos de gestação de substituição onerosos são proibidos e criminalmente punidos. A lei proíbe a substituição genética pela gestante e exige que a criança seja concebida com recurso aos gâmetas de, pelo menos, um dos membros do casal beneficiário. Nenhuma das partes pode executar judicialmente o contrato. A gestante é considerada mãe da criança, no momento do parto38. Posteriormente, nos primeiros seis meses de vida da criança, haverá uma transferência judicial da parentalidade do bebé para os beneficiários, através de uma parental order, - para a decretação da parental order é exigido o consentimento da gestante, bem como a confirmação/comprovação de que não existiu um contrato de gestação oneroso. A criança pode ser entregue ao casal logo após o parto, todavia, perante a lei, a gestante será sua mãe legal até decorrerem seis semanas desde o seus nascimento, a lei salvaguarda a posição da gestante cujo consentimento esclarecidos e consciente é exigido em todas as fases do processo39, permitindo-se, assim, que a gestante exerça o seu direito ao arrependimento ficando com a criança.
36 Ac. TC n.º 225/2018 cit., p. 1905.
37 Vide Ac. TC n.º 225/2018 cit., pp. 1905-1906; XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx, Gestación por Substitución en España, ob.cit., pp. 149-154.
38 Human Fertilization and Embryology Act, Section 33 (1).
39 Ac. TC n.º 225/2018 cit., p. 1906.
2. A «Gestação de Substituição» e o respeito pela dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana, que encontra expressão no artigo 1.º da CRP, está organicamente ligada à garantia constitucional dos direitos fundamentais sendo fundamento e limite do Estado democrático configurado pela Constituição40. XXXX XXXXX XXXXXXXXX e XXXXX XXXXXXX explicam que, ao basear a República na dignidade da pessoa humana, a Constituição, de forma inequívoca, explicita que o «poder» ou «domínio» da República terá de assentar em dois pressupostos: em primeiro está a pessoa e só depois a organização política, e que a pessoa é sujeito e não objeto, é fim e não meio de relações jurídico-sociais41, assim ‘’o pensamento que fundamenta a nossa sociedade, particularmente após Xxxx00, acentua a não utilização da pessoa para atingir fins alheios. Daí que a norma que inaugura a Constituição portuguesa afirme imediatamente o valor iminente da dignidade da pessoa humana, afastando-a da instrumentalização’’43.
O contrato de gestação de substituição poderá ser visto como um fenómeno que acaba por instrumentalizar a mulher gestante e, mais gritante, por coisificar o bebé, pelo que será necessário convocar a dignidade humana para perspetivar estas consequências.
No que à posição da gestante de substituição diz respeito, na visão de XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX, a gestante de substituição, ao limitar-se a fornecer o útero para gerar um filho xxxxxx, relativamente ao qual prescinde, antecipadamente, de todos os direitos associados à maternidade, vê o seu estatuto reduzido ao de um mero instrumento de procriação44, ferindo, assim, uma dimensão essencial da sua dignidade que transforma a sua capacidade reprodutora numa incubadora de filhos de outrem45.
40 XXXXXXXXX, X.X. Xxxxx e XXXXXXX, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição revista, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 198. É inerente a direitos fundamentais como o direito à vida, o direito ao desenvolvimento da personalidade, direito à identidade pessoal, entre outros.
41 XXXXXXXXX, X.X. Xxxxx e XXXXXXX, Xxxxx, Constituição…ob. cit., acrescentam os autores que naqueles dois pressupostos radica a elevação da dignidade da pessoa humana a trave mestra da sustentação e legitimação da República, p. 198.
42 Atente-se o Imperativo Kantiano: “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”. XXXX, Xxxxxxxx, Fundamentação da metafísica dos costumes, Edições 70, Lisboa, 2014, p. 73.
43 RAPOSO, Xxxx Xxxxx, De mãe para mãe: questões legais e éticas suscitadas pela maternidade de substituição, Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 48.
44 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Entre a instrumentalização… ob. cit., p. 253.
45 Cfr. Ibid., p. 273.
Ora, a mulher gestante vincula-se ao contrato de gestação de substituição porque tem o interesse altruísta em gerar um bebé que será entregue aos beneficiários, pois esta parte contratual não consegue, nos termos já analisados, gerar o seu próprio filho. No entanto, a gestante de substituição adere a um contrato que apenas lhe permite revogar o seu consentimento até ao início dos processos terapêuticos de PMA46. Primeiro, é incompreensível como se poderá admitir uma renúncia antecipada ao estatuto de mãe antes, sequer, de a criança ser concebida47. Depois, compreende-se que, durante a gravidez, porque se trata de um processo complexo, a mulher gestante não queira cumprir, afinal, os termos do contrato, querendo assumir, ela própria, a maternidade da criança por si gerada48. Obrigar a gestante de substituição a entregar a criança no final da gestação, contra a sua vontade, seria degradar a sua participação em instrumento ao serviço da vontade dos beneficiários49. Nesta senda, ainda que o consentimento da gestante seja livre, expresso e informado no momento da celebração do contrato e que o seu interesse último seja que os pais beneficiários possam realizar o seu sonho de ter um bebé, a pura e simples autovinculação antes do início do processo de gestação de substituição não permite acautelar suficientemente tal voluntariedade ao longo de todo o processo50 e, tendo a gestante deixado de querer continuar no processo de gestação de substituição tal como delineado no correspondente contrato, deixa também de poder entender-se que a sua participação em tal processo corresponde ao exercício do seu direito ao desenvolvimento da personalidade51. O TC foi chamado a pronunciar-se e concluiu que a possibilidade de a gestante poder revogar o seu consentimento, até ao nascimento da criança, assumindo a maternidade corresponde a uma garantia essencial da efetividade daquele direito52.
46 Nos termos da remissão do artigo 8.º, n.º 8, para o artigo 14.º, n.º 5, da LPMA.
47 ‘’A mulher que tem o parto não se vincula de um modo válido a entregar o filho: o consentimento antecipado não vale entre as partes. A mulher que encomendou o filho não teria o direito de exigir o cumprimento de um contrato válido.’’ (XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Xxxxxxx jurídicos da procriação assistida…ob. cit., p. 790).
48 Ainda que não tenha ligação genética com o bebé.
49 Cfr. Ac. TC n.º 225/2018 de 7 de maio, Processo n.º 95/17, p. 1925.
50 Cfr. Ibid., p. 1925.
51 Cfr. Ibid., p. 1923.
52 Direito ao desenvolvimento da personalidade interpretado à luz princípio da dignidade da pessoa humana. A CRP, no artigo 26.º, prevê o direito ao desenvolvimento da personalidade, que “constitui um direito subjetivo fundamental do indivíduo, garantindo-lhe um direito à formação livre da personalidade ou liberdade de ação como sujeito autónomo dotado de autodeterminação decisória, e um direito de personalidade fundamentalmente garantidor da sua esfera jurídico-pessoal e, em especial da integridade desta. Cfr. XXXXXXXXX, X.X. Xxxxx e XXXXXXX, Xxxxx, Constituição…ob. cit., p. 463. Mas o direito ao livre desenvolvimento da personalidade encontra-se balizado por alguns limites. Sobre este ponto vide XXXXXXX,
Conclui-se assim, nestes termos, que a lei reguladora do fenómeno da gestação de substituição, enquanto não for alterada, não salvaguarda a dignidade da gestante de substituição. Como explica XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX e XXXXX XXXXXX XXXXXXX, ‘’a dignidade do homem que se reclama e que serve de fundamento para o reconhecimento do direito ao livre desenvolvimento da personalidade pressupõe, necessariamente, um quadro valorativo, sem o qual não conseguimos, sequer, ajuizar judicativamente’’ e ‘’essa dignidade axiologicamente compreendida torna-se fundamental para que o homem não faça do seu desenvolvimento um espaço de degradação e de despersonalização’’53.
Na opinião de XXXX XXXXXX XXXXXXXX o contrato de gestação de substituição instrumentaliza a mulher gestante54.
E a criança, objeto do contrato?
O TC, como já referido, procurou salvaguardar a dignidade da gestante de substituição oferecendo-lhe a possibilidade de revogar o seu consentimento, dando-lhe, consequentemente, total discricionariedade quanto ao destino da criança que deu origem ao contrato. E, nesta medida, outras problemas se levantaram.
O nascituro é objeto de um contrato celebrado ainda antes da sua conceção. O n.º 10 do artigo 8.º da LPMA dispõe que os negócios jurídicos de gestação de substituição são feitos através de contrato escrito, estabelecido entre as partes, supervisionado pelo CNPMA, onde devem constar obrigatoriamente, em conformidade com a legislação em vigor, as disposições a observar em caso de ocorrência de malformações ou doenças fetais e em caso de eventual interrupção voluntária da gravidez55. Ora, estipulando as partes, no contrato, que, durante a gestação, em caso de diagnóstico de que a criança sofre de forma incurável de doença grave ou malformação congénita, a gestante terá de abortar, o que acontece se ela
Xxxxxxx Xxxxxxx e XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx, O Direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Sentido e Limites, 1.ª Edição, Gestlegal, janeiro 2020, pp. 53-82.
53 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx e XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx, O Direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Sentido e Limites, 1ª Edição, Gestlegal, janeiro 2020, p. 57.
54 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx, Outro útero é possível: civilização (da técnica), corpo e procriação. Tópicos de um roteiro em torno da maternidade de substituição, in: Direito Penal: fundamentos dogmáticos e político- criminais. Homenagem ao Prof. Xxxxx Xxxxxxxxx, Coimbra: Coimbra Editora., p. 1413.
55 Itálico nosso. Sobre o tipo de cláusulas a incluir no contrato de gestação relativamente a estas disposições, Vide RAPOSO, Xxxx Xxxxx, ‘’A parte gestante está proibida de pintar as unhas’’: Direito contratual e contratos de gestação, in Atas do Seminário Internacional Debatendo a Procriação Medicamente Assistida, Porto e FDUP, 2017, ISBN 978-989-746-154-5, pp. 169 e ss.
não o fizer? XXXX XXXXX XXXXXX defende que a gestante terá de indemnizar a parte beneficiária pelos danos patrimoniais causados56. Há aqui uma evidencia de que o filho é tratado como uma res, que, se apresentar algum defeito e não for destruída, pode constituir fundamento para um pedido indemnizatório57. A dignidade do nascituro é completamente desprezada. XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX lembra que ‘’é inegável que o embrião configura uma vida humana e a qualquer vida humana, em qualquer das suas formas, há-de ser atribuído o estatuto de pessoa’’58. Não nos podemos esquecer, como lembra XXX XXXXX, que a dignidade confere à pessoa o direito de ser considerado como sujeito, em si mesmo, com uma finalidade própria, dotado de liberdade no plano ético, não podendo nunca ser considerado como um objeto do desejo ou da manipulação de terceiros59.
Passando para o plano da criança nascida e, dentro das expectativas de todos, perfeita, será relevante analisar outros problemas que não deixam de poder ser convocados. Segundo XXXX XXXXXX XXXXXXXX, porque a dignidade opera através de preceitos específicos de direitos fundamentais, a primeira tarefa passa por identificar direitos específicos que possam estar a ser violados60.
Nascida a criança e cumpridos os termos do contrato, a criança será separada da mulher que a gerou e será entregue à mãe beneficiária. XXXX XXXX XXXXXX considera que, ainda que tenha havido uma disposição contratual livremente aceite pela mulher gestante, não é eticamente aceitável interromper, no momento do parto, o vínculo biológico e afetivo, construídos ao longo do desenvolvimento intrauterino e cuja manutenção e aperfeiçoamento a ciência demonstra ser benéfica para o recém-nascido, no seu processo de crescimento e de afirmação bio-psico-social61, e por essa razão é questionável se não se
56 RAPOSO, Xxxx Xxxxx, ‘’A parte gestante está proibida…ob. cit., p. 179.
57 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Entre a instrumentalização…ob. cit., p. 278. Acrescenta a autora que ‘’o contrato modelo apresenta o aborto quer como um direito – equiparável a uma simples resolução contratual – quer, noutras hipóteses, como um dever, cuja violação gera responsabilidade civil e, como consequência, acolhe, em termos diversos dos que habitualmente são abordados na doutrina e na jurisprudência, uma pretensão ressarcitória baseada num nascimento indevido’’, p. 278.
58 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Entre a instrumentalização…ob. cit., p. 282. No mesmo sentido, cfr., XXXXX, Xxxxxx xxxxxxxx de, A proteção juscivil da vida pré-natal. Sobre o estatuto jurídico do embrião, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 70 – Vol. I/IV – 2010.
59 XXXXX, Xxx, A liberdade ética da pessoa humana, in Atas do Seminário Internacional Debatendo a Procriação Medicamente Assistida, Porto e FDUP, 2017, ISBN 978-989-746-154-5, p. 144.
60 XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx, Outro útero é possível…ob. cit., pp. 1412 e 1413.
61 Declaração de Xxxx Xxxx Xxxxxx no Parecer Nº87/CNECV/2016 sobre os Projetos de Lei n.ºs 6/XIII (1ª) PS, 29/XIII (1.ª) PAN, 36/XIII (1ª) BE e 51/XIII (1.ª) PEV em matéria de Procriação Medicamente Assistida (PMA)e 36/XIII (1ª) BE em matéria de Gestação de Substituição (GDS), março 2016.
estará a colocar em causa o direito ao desenvolvimento da personalidade do nascituro. XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXX, médico obstetra, explica que, ainda que a gestante de substituição esteja impedida de doar os seus gâmetas para formar o embrião, o recém- nascido não é a mesma pessoa de acordo com o útero em que é gerado, a mulher grávida altera a expressão genética de cada embrião, não se limitando apenas a alimentá-lo.62 Pondera-se, assim, se este problema poderá, eventualmente, ser resolvido com a exigência de contratualização com uma gestante que tenha vínculos fortes com a mãe beneficiária, para poder manter o contacto com o bebé.
Também o direito à identidade pessoal63, que abrange o direito à historicidade pessoal64, deveria ser mais do que fundamento para que o artigo 15.º da LPMA não se legitimasse. Nos termos do artigo referido, cuja epígrafe é «confidencialidade», temos que, ‘’quem, por alguma forma, tomar conhecimento da identidade de participantes em técnicas de PMA, incluindo as situações de gestação de substituição, está obrigado a manter sigilo sobre a identidade dos mesmos e sobre o próprio ato da PMA’’. Esta norma inibe que a criança nascida venha a conhecer a mulher que a gerou, o que não se compreende. Como afirma o Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 225/2018, de 7 de maio, ‘’a gestação é uma vivência pessoal diferenciadora, pelo que é compreensível a pretensão de conhecer a identidade de quem a suportou, por razões análogas às que fundamentam a pretensão do conhecimento das origens genéticas’’65. Assim, ainda que a mãe gestante não tenha fornecido os seus gâmetas para formar o embrião, forneceu o seu útero para gerar o bebé, legitimando-se, portanto, que a criança possa conhecer a identidade da gestante, convocando o seu direito à identidade pessoal e consequentemente o seu direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Como afirma XXXXXXXXX XX XXXXXXXX ‘’saber quem sou exige saber de onde venho’’66.
62 Relatório sobre procriação medicamente assistida (PMA) e gravidez de substituição, março de 2012, disponível em: xxxxx://xxx.xxxxx.xx/xxxxx/xxxxx/xxxx/xxxx/0000000000-xxxxxxxxx-00.0.0000-xxxxxxx-xx- 2.4.12-1.pdf, acesso em março de 2020, pp. 23 e ss.
63 Também como direito fundamental interpretado à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Consagrado no artigo 26.º da CRP.
64 Cfr. XXXXXXXXX, X.X. Xxxxx e XXXXXXX, Xxxxx, Constituição…ob. cit., p. 462.
65 Ac. TC n.º 225/2018, de 7 de maio, já supra cit., p. 1943.
66 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx de, Caducidade das ações de investigação, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Vol. I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 51.
Em consequência, o TC declarou a inconstitucionalidade daquela norma, por violação dos direitos referidos, fundamentando que existe uma ‘’restrição desnecessária dos mesmos’’67. Deste modo, se forem respeitadas as exigências do TC, então este problema poder-se-á dar por resolvido.
Ademais, e porque as questões relativas ao respeito da dignidade do nascituro ainda não se encontram todas concretizadas, cabe ainda questionar como se salvaguardará este princípio fundamental se a gestante de substituição puder revogar o seu consentimento e, consequentemente, assumir a maternidade do bebé nascido? Haverá uma batalha judicial entre a gestante de substituição e os pais beneficiários, onde se disputará a maternidade do bebé como se fosse propriedade de alguém? XXXXX XX XXXXXX XXXX-XXXXXX defende que a gestação de substituição trata a gravidez como um serviço com obrigação de resultado potenciadora da «reivindicação do outro» numa disputa entre adultos sobre quem é o titular do «direito à criança» originada num processo de procriação que funcionaliza o recém-nascido no seu modo de vinda ao mundo68, assim, sem a devida valorização da condição de vulnerabilidade do ser que irá nascer, o respetivo estatuto tenderá a ser reduzido ao de objeto dos direitos dos adultos em que o filho deixa de ser reconhecido como um bem único e indisponível, dotado de objetiva dignidade ontológica69.
O contrato de gestação abdica, assim, da consideração do superior interesse da criança para se pensar nela em termos de realização pessoal dos beneficiários70.
67 Ac. TC n.º 225/2018, de 7 de maio, p. 1946.
68 Cfr. Declaração de voto da conselheira do Tribunal Constitucional, Xxxxx xx Xxxxxx Xxxx-Xxxxxx ao Ac. TC n.º 225/2018, de 7 de maio, p. 1949.
69 Cfr. Ibid., p. 1947.
70 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Entre a instrumentalização…ob. cit., p. 307.
3. Os termos da revogação do consentimento pela gestante de substituição
Para abordamos a temática do consentimento no contrato da gestação de substituição, termos de convocar o artigo 14.º da LPMA, que diz que ‘’os beneficiários devem prestar o seu consentimento livre, esclarecido, de forma expressa e por escrito, perante o médico responsável’’ (n.º 1), e que esse consentimento é livremente revogável por qualquer deles até ao início dos processos terapêuticos de PMA (n.º 4), sendo que estes preceitos se aplicam à gestante de substituição, nas situações previstas no artigo 8.º da LPMA (n.º5). Portanto, a LPMA não permite a revogabilidade do consentimento por qualquer uma das partes contratuais depois de iniciados os processos terapêuticos de PMA.
Quando falamos de consentimento, invocamos os ensinamentos de XXXXXXX XX XXXXXXXX, que enuncia a existência de três tipos de consentimento: o consentimento vinculante (que origina um comportamento jurídico autêntico, designadamente um contrato), o consentimento autorizante (constitutivo de um compromisso jurídico sui generis, que atribui a outrem um poder de agressão: artigo 81.º, n.º 2, do CC), e o consentimento tolerante (que não atribui um poder de agressão, mas justifica implicitamente a mesma: artigo 340.º do CC)71.
Dispõe o artigo 81.º, n.º 1, do CC que ‘’toda a limitação voluntária ao exercício de personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública’’, temos assim que, o nosso ordenamento jurídico admite a limitação, lícita, do exercício de alguns direitos de personalidade, não admitindo, porém, a disposição ou renúncia dos mesmos. Esta limitação voluntária, quando lícita, é sempre revogável, nos termos do n.º 2 daquele artigo, ‘’ainda que com a obrigação de indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte’’. XXXXXXX XX XXXXXXXX explica estarmos perante disposições em que se atribui um poder jurídico de agressão, mas o consentimento se entende livremente retirável72.
O artigo 340.º do CC, que tem como epígrafe «Consentimento do lesado», admite que seja praticado contra o agente um ato lesivo dos direitos de personalidade desde que o lesado tenha consentido na lesão e desde que o consentimento dado não seja contrário a uma disposição legal ou aos bons costumes.
71 CARVALHO, Orlando de, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra: Coimbra Editora, 2.ª Edição, novembro 2012, p. 205.
72 Cfr. Ibid., pp. 218-219.
Em qualquer dos consentimentos, teremos de estar perante um ato voluntário do titular do direito em questão.
No nosso entendimento, a gestação de substituição atribui a outrem um poder jurídico de agressão, comportamento esse que se reporta a um consentimento autorizante. Este tipo de consentimento, como vimos, pode ser revogado a todo o tempo – sem prejuízo de existir o dever de indemnizar – podendo, por isso, no nosso entender, a gestante de substituição revogar o seu consentimento a qualquer momento e não apenas até ao início dos processos terapêuticos, daí a exigência de que o artigo 14.º da LPMA tenha de ser alterado, como o afirmou o TC no acórdão de 2018 aqui já várias vezes mencionado.
O arrependimento da gestante de substituição poderá levá-la a revogar o seu consentimento, por exemplo, no final da gravidez, querendo assumir a maternidade da criança. A lei não fez previsão desta possibilidade. E compreende-se que, a existir, muitos problemas se levantam, principalmente no que diz respeito ao ser que aqui merece especial tutela, a criança.
Durante a gestação, a livre revogabilidade do consentimento – para uma eventual interrupção da gravidez – não poderá, contudo, atuar a todo o tempo pois, como se compreenderá, a gravidez é, a partir de determinado momento da gestação, irreversível e irrevogável73.
Depois, face à intenção de a gestante revogar o seu consentimento pela pretensão de assumir a maternidade da criança, apesar de a lei não prever essa possibilidade, o TC considerou-a, a fim de salvaguardar a posição da gestante de substituição, para que esta atuasse no exercício da sua liberdade e não se convertesse, em momento algum, em mero instrumento ao serviço da vontade dos beneficiários74. XXXXXXXXX XX XXXXXXX defende que ‘’no nosso sistema jurídico, um consentimento antecipado é nulo; ou seja, uma renúncia antecipada ao estatuto jurídico de mãe não é válida, não obriga civilmente o sujeito que a praticou’’75.
73 XXXXX, Xxxxx x XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx, A maternidade de substituição à luz dos direitos fundamentais de personalidade, in Revista Lusíada. Direito. Lisboa, n.º 10 (2012), p. 254.
74 Argumentação utilizada na decisão do TC para tentar salvaguardar a dignidade da gestante de substituição.
75 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx xx, Aspetos jurídicos da procriação assistida…ob. cit., p. 789.
Para XXXXX XXXXX e XXXXXXXX XXXXXXX XXXX ‘’admitir a celebração deste tipo de contratos implica, como em qualquer contrato, a possibilidade de incumprimento do mesmo por qualquer uma das partes’’76. XXXX XXXXX XXXXXX alerta para a possibilidade de também os beneficiários exercerem o seu direito de arrependimento, afirmando que ‘’há arrependimentos que a lei não pode impedir, pois que ninguém pode ser obrigado a cuidar de uma criança’’ e ‘’não há forma de impedir que os pais contratantes deem para adoção uma criança que já não desejam, por muito reprovável que tal seja eticamente’’77. No entanto, se o contrato seguir os trâmites desejados, acredita-se que o casal beneficiário não falhará com as suas obrigações, porquanto estamos em face de um contrato cujo resultado é-lhes muito desejado.
No seguimento desta problemática, consideramos relevante analisar os problemas e consequências advenientes de um possível incumprimento contratual, em virtude da revogação do consentimento pela gestante de substituição, desde a implementação do embrião até ao estabelecimento da filiação.
3.1. Até ao início dos processos terapêuticos de PMA
Nos termos do artigo 5.º da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina78 ‘’qualquer intervenção no domínio da saúde só pode ser efetuada após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu consentimento livre e esclarecido’’ sendo que ‘’a pessoa em questão pode, em qualquer momento, revogar livremente o seu consentimento’’. Também o artigo 6.º da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos79 refere que ‘’qualquer intervenção médica de carácter preventivo, diagnóstico ou terapêutico só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa em causa (…), o consentimento deve ser expresso e a pessoa em causa pode retirá-lo a qualquer momento e por qualquer razão, sem que daí resulte para ela qualquer desvantagem ou prejuízo’’ (n.º1).
A LPMA refere, no artigo 14.º, n.º 4, que ‘’o consentimento dos beneficiários é livremente revogável por qualquer um deles até ao início dos processos terapêuticos de
76 COSTA, Xxxxx e XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx, A maternidade de substituição…p. 274.
77 RAPOSO, Xxxx Xxxxx, Tudo aquilo que você sempre quis sabe…ob. cit., p.17.
78 Disponível em: xxxx.xxxxxxxxxxxxxxxxx.xx.
79 Disponível em: xxxxxxx.xxxxxx.xxx.
PMA’’. Estamos em face de uma revogação do consentimento que poderá operar até à concretização da inseminação80. XXXX XXXXX XXXXXX defende que ‘’se assentarmos que a possibilidade de arrependimento vai até à transferência uterina, então o artigo 14.º/4 deve igualmente valer para a gestação de substituição’’81. Ora, o n.º 8 do artigo 8.º da mesma lei esclarece isso, como já referido, estendendo os termos de validade e eficácia do consentimento existente para os beneficiários à gestante de substituição, com a remissão para aquele artigo e com as devidas adaptações.
A lei é, contudo, omissa quanto às consequências da revogação do consentimento pela gestante nesta fase do procedimento. Para VERA LÚCIA RAPOSO a gestante terá de reembolsar os pais contratantes de eventuais despesas já feitas, mas apenas isso82. E é o que fará mais sentido. Nesta fase do processo, as consequências não parecem tão nocivas quanto em qualquer outra fase subsequente, como analisaremos.
3.2. Durante a gestação
3.2.1. Interrupção da gravidez
Foi com a Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, que passou a vigorar, no nosso ordenamento jurídico, a exclusão da ilicitude nos casos de interrupção voluntária da gravidez. Assim, independentemente da posição que se tome acerca da sua admissibilidade ou inadmissibilidade, o regime da interrupção voluntária da gravidez assenta no facto de se tratar de uma decisão exclusiva da mulher grávida, não enquanto mãe, mas na veste de mulher, não carecendo do consentimento do outro progenitor83.
Nos termos do número 10, do artigo 8.º da LPMA, ‘’a celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição é feita através de contrato escrito, estabelecido entre as partes, supervisionado pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, onde devem constar obrigatoriamente, em conformidade com a legislação em vigor, as
80 Formulário de consentimento informado, disponibilizado pelo CNPMA, disponível em: xxx.xxxxx.xxx.xx, consultado em março de 2020.
81 RAPOSO, Xxxx Xxxxx, Tudo aquilo que sempre quis saber…ob. cit., p. 18.
82 RAPOSO, Xxxx Xxxxx, Tudo aquilo que sempre quis saber…ob. cit., p. 22.
83 XX, Xxxxxxx xx, O estabelecimento da filiação na gestação de substituição: à procura de um critério, in Lex Medicinae – Revista Portuguesa de Direito da Saúde, Ano 15, n.º 30, 2018, p. 83.
disposições a observar em caso de ocorrência de malformações ou doenças fetais e em caso de eventual interrupção voluntária da gravidez’’. Neste ponto, cabe questionar que disposições se incluirão no contrato de gestação a este propósito, não esquecendo de atentar no número 11 do mesmo artigo, que refere que ‘’o contrato referido no número anterior (n.º 10) não pode impor restrições de comportamentos à gestante de substituição, nem impor normas que atentem contra os seus direitos, liberdade e dignidade’’.
Para XXXX XXXXX XXXXXX o sentido útil do artigo 8.º, n.º 10, não é o de atribuir aos pais contratantes o poder de decisão84. XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX perspetiva o preceito de forma diferente, afirmando que ‘’na medida em que o bem jurídico valorizado pela lei penal85 é o da integridade e liberdade físico-psíquica da gravidez, não se vê como o contrato de gestação pode dispor de forma diferente ou se possa admitir uma renúncia antecipada à possibilidade de interrupção da gravidez’’86. Na perspetiva de XXXXX XXXXX e XXXXXXXX XXXXXXX XXXX o consentimento dado pela mãe portadora deveria, pelo menos, vinculá-la a abster-se de interromper voluntariamente a gravidez em curso (salvo se a mesma puser em risco a sua saúde ou integridade física)87.
Ora, de facto, a gestante que interrompe a gravidez contra a vontade da parte beneficiária, ainda que atuando a coberto da licitude, viola o contrato celebrado88. Como poderiam reagir os pais beneficiários? XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX alerta para o facto de uma sentença judicial que viesse a reconhecer a obrigação de uma mulher de realizar um aborto ou que viesse a negar essa possibilidade com fundamento numa cláusula de um contrato a que a gestante se vinculou, ultrapassaria os poderes de intervenção do Estado no domínio da autodeterminação da pessoa89. XXXX XXXXX XXXXXX defende que, se a gestante de substituição terminar a gravidez contra a vontade dos pais beneficiários, ser-lhes- á devida uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais90. Naturalmente,
84 RAPOSO, Xxxx Xxxxx, Tudo aquilo que você sempre quis saber…ob. cit., p. 20.
85 Artigo 142.º n. º1 do Código Penal.
86 GUIMARÃES, Xxxxx Xxxxxx, Subitamente no Verão passado: a contratualização da gestação humana e os problemas relativos ao consentimento, in Atas do Seminário Internacional Debatendo a Procriação Medicamente Assistida, Porto e FDUP, 2017, ISBN 978-989-154-5, p.120.
87 COSTA, Xxxxx e XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx, A maternidade de substituição…ob. cit., p. 271. Defendem ainda as autoras que ‘’o acordo dos beneficiários não deve permitir que estes denunciem o contrato, uma vez iniciada a gravidez’’, p. 271.
88 REIS, Xxxxxx Xxxx e, O difícil caminho da gestação de substituição…ob. cit., consultado em abril de 2020.
89 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx, Subitamente, no Verão passado…ob. cit., p. 120.
90 RAPOSO, Xxxx Xxxxx, Tudo aquilo que você sempre quis saber…ob. cit., p. 34.
poder-se-ia pensar na possibilidade de se incluir, no contrato, cláusulas que estipulassem a atribuição de um valor pelos danos causados com uma eventual interrupção voluntária da gravidez contra a vontade da parte beneficiária, no entanto, visto estarmos perante um mecanismo permissivo a todas as mulheres, apenas faria sentido a imposição da restituição do valor pago pelos beneficiários com os tratamentos e consultas necessárias à realização do fenómeno de gestação de substituição, sendo que a cláusula relativa a este assunto apenas mencionaria não mais do que o que consta da lei.
No que respeita, mais especificamente, à interrupção da gravidez por malformações ou doenças fetais, a interpretação mais óbvia das normas que permitem o aborto fundado em doenças ou malformações embrionárias ou fetais, presentes no nosso ordenamento jurídico é, segundo XXXX XXXXX XXXXXX, a de que a solução jurídica mencionada visa proteger os pais das dores e encargos de ter um filho em condições penosas, permitindo-lhes assim escapar a esse destino (mediante a exclusão da ilicitude da conduta) impedindo o nascimento do filho, sendo que assim se protege também a pessoa que viria a nascer, poupando-a a tal destino91. Esta fundamentação não merece o nosso sustento, mas talvez tenha sido com base neste ditame que o CNPMA tenha escrito a cláusula 10.ª do seu contrato-tipo que iremos abordar.
Quais serão, então, as consequências de uma recusa em abortar no caso de ocorrência de malformações ou doenças fetais, quando o casal beneficiário declara que pretende que a gestante o faça? Previa a cláusula 10.ª do contrato-tipo aprovado pelo CNPMA que a gestante teria de pagar uma indemnização ao casal beneficiário, por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do nascimento da criança, quando esse diagnóstico de doença ou malformação fosse já do conhecimento da gestante, durante a gestação. Primeiro, como constata XXXXX XXXXXX XXXXXXXXX seria muito difícil definir no contrato todos os casos de malformações e doenças (e o seu grau de gravidade) em que o aborto deveria ser feito, no sentido de permitir aos beneficiários acionar as cláusulas e exigir o aborto92. Depois, vimos já que o artigo 8.º, n.º 11, da LPMA, não permite que no contrato se imponham restrições de comportamento à gestante, logo o casal
91 RAPOSO, Xxxx Xxxxx, Xxxx xxxx, bons genes? Deveres reprodutivos no domínio da saúde e procreative beneficence, Cadernos da Lex Medicinae – n.º 4 – Vol. II | Saúde, Novas Tecnologias e Responsabilidade – Nos 30 anos do Centro de Direito Biomédico, Instituto Jurídico, 2019, p. 473
92 XXXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx, Subitamente, no Verão passado… p. 120.
beneficiário nunca poderia exigir o aborto à gestante de substituição. Todavia, como refere XXXX XXXXX XXXXXX, também os beneficiários não são obrigados a acolher a criança, pois, embora caiba aos pais contratantes exercer o poder parental sobre a criança na qualidade de pais legais (n.º 7, do artigo 8.º), podem sempre abdicar dessa prorrogativa entregando-a para adoção93. Por fim, e sublinhando o já supra referido, XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX alerta que ‘’o CNPMA evidencia que o filho é tratado, ao nível do contrato de gestação que modela, com um objeto, uma res, que, se apresentar algum defeito e não for destruída, pode constituir fundamento para um pedido indemnizatório’’94.
Qualquer que seja a consequência que advenha para a gestante de substituição, designadamente por abortar ou não contra a vontade declarada do casal contratante, cabe- nos apenas expressar a preocupação que emerge do facto de estarmos a debater sobre um contrato que envolve um ser humano ainda não nascido e à qual a lei omite a devida tutela e não salvaguarda o seu superior interesse.
3.3. Depois do nascimento
Depois do nascimento é estabelecida a filiação. Porém, uma vez mais, a lei é omissa relativamente à solução a dar em caso de revogação do consentimento pela gestante – naturalmente porque apenas lhe permite revogar o seu consentimento até ao início dos processos terapêuticos de PMA –, e em caso de nulidade do contrato de gestação de substituição.
Procuraremos analisar estas situações.
3.3.1. Estabelecimento da filiação em caso de revogação do consentimento pela gestante
O estabelecimento da maternidade está previsto no artigo 1796.º do CC e a regra geral é a de que a maternidade resulta do facto do nascimento, dando cumprimento a um dos
93 Refere ainda a autora que ‘’não há mecanismo jurídico que obrigue os pais contratantes – dentro ou fora de um contrato de gestação – a exercer os direitos e deveres parentais contra a sua vontade, muito menos a amar a criança’’, RAPOSO, Xxxx Xxxxx, A parte gestante…ob. cit., p. 180.
94 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Entre a instrumentalização…ob. cit., p. 278.
princípios de ordem pública estruturantes do Direito da Filiação95 que é o princípio da verdade biológica. Caso a maternidade estabelecida não seja a verdadeira, o CC prevê a impugnação da mesma96. Como explica XXXXX XXXXXXX XXXX XXXXXXX, ‘’numa palavra: para o direito de filiação português, a maternidade é imposta ope legis (desconhecendo a vontade da mulher) e o critério determinante é o do parto’’97. A admissibilidade da gestação de substituição no nosso ordenamento jurídico constitui um desvio ao princípio da verdade biológica, bem como uma exceção ao estabelecimento da maternidade como mera decorrência do puro facto biológico do parto98.
Quanto à paternidade, nos termos do artigo 1826.º do CC, presume-se que o filho nascido ou concebido na constância do matrimónio tem como pai o marido da mãe. Diz-se presumível pela admissão da prova em contrário. Se o pai não for casado com a mãe, outros mecanismos existem na lei que permitem estabelecer a paternidade, nomeadamente, a perfilhação99, a averiguação oficiosa da paternidade100 e o reconhecimento judicial através da ação de investigação da paternidade101. A paternidade também pode ser impugnada, sendo que, nos termos do artigo 1839.º, n.º 3, do CC, ‘’não é permitida a impugnação de paternidade com fundamento em inseminação artificial ao cônjuge que nela consentiu’’. XXXXXXXXX XX XXXXXXXX evidencia que a ratio desta norma assenta numa ‘’homenagem à paz familiar, ao respeito pelos estados adquiridos e pelo compromisso assumido pelo marido da mãe’’102.
Em face do referido, sabemos já que existe uma regra especial de estabelecimento da parentalidade nos contratos de gestação de substituição, pois nos termos do n.º 7 do artigo 8.º da LPMA, ‘’a criança que nascer através do recurso à gestação de substituição é tida como filha dos respetivos beneficiários’’. De acordo com a lei, se o contrato celebrado for válido, os efeitos jurídicos do mesmo repercutir-se-ão na esfera jurídica dos beneficiários,
95 Para mais desenvolvimentos sobre o estabelecimento da filiação, vide XXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxx x XXXXXXXX, Xxxxxxxxx xx, Curso de Direito da Família, Vol. II: Direito da Filiação, Tomo 1: Estabelecimento da Filiação. Adoção, Coimbra: Coimbra Editora, 2006.
96 No artigo 1807.º do CC.
97 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx, Filhos de pai anónimo…ob. cit., p. 44.
98 Cfr. Ibid., p. 44.
99 Arts. 1849.º a 1863.º do CC. 100 Arts. 1864.º a 1868.º do CC. 101 Arts. 1869.º a 1973.º do CC.
102 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx xx, Procriação com dador: tópicos para uma intervenção’’, in Colóquio interdisciplinar sobre Procriação Assistida, em 12-13 de dezembro de 1991, Coimbra, Centro de Direito Biomédico, 1993, p. 39.
que serão tidos como pais da criança. A solução existente na lei não salvaguarda a dignidade da gestante, que não pode revogar o seu consentimento – assumindo a maternidade da criança –, contudo, para XXXXXXX XX XX, numa perspetiva de segurança jurídica, assegura o melhor interesse da criança que vier a nascer103.
Vimos já que, ainda que a gestante não tenha contribuído com os seus gâmetas para a formação do bebé, a mesma deverá poder revogar o seu consentimento104 para salvaguarda da sua dignidade, não correndo assim o risco de ser instrumentalizada. As opiniões divergem relativamente à possibilidade desta revogação do consentimento decorrente do seu arrependimento. XXXXXXX XX XX não é a favor do mesmo, afirmando que ‘’perante um contrato validamente celebrado e aprovado nos termos legais, é de rejeitar a existência de um tal direito’’105. Para XXXXXXXXX XX XXXXXXXX a renúncia ao estatuto de mãe significa uma limitação dos direitos de personalidade da mulher que, mesmo quando válida, é sempre revogável106. Na opinião de XXXXXX XXXX E REIS, para que a gestação de substituição funcione é necessário consagrar um regime de suave arrependimento107.
Ponderando-se esta possibilidade de a gestante querer assumir a maternidade da criança, cabe questionar qual será o critério a definir para o estabelecimento da filiação, não esquecendo que terá sempre de se procurar salvaguardar o superior interesse de criança nascida.
103 SÁ, Xxxxxxx de, O estabelecimento da filiação…ob. cit., a autora defende que é ‘’preferível uma regulação antecipada dos termos a que este contrato deve obedecer, controlando o processo decisório das partes contratantes, sobretudo na perspetiva de tutela da autonomia da gestante, e o concomitante estabelecimento da filiação, desde início, em favor dos beneficiários – solução que assegura o melhor interesse da criança que vier a nascer, numa perspetiva de segurança jurídica e de estabelecimento da filiação em favor de quem justamente a quer, desde início, como filha’’, p. 77.
104 Ainda que, num momento inicial, a gestante tenha gerado uma criança para concretizar um projeto parental alheio, pela relação que cria com o bebé e por todas as emoções que a gravidez envolve, as situações de arrependimento acontecem, veja-se o caso do ‘’Baby M’’: a gestante quis assumir a maternidade do bebé e o tribunal decidiu de acordo com o superior interessa da criança, não valorizando o acordo realizado entre as partes, Vide. XXXXXXXX, Xxxxxxxxx xx, Mãe há só uma…ob. cit., pp. 87-95.
105 XX, Xxxxxxx xx, O estabelecimento da filiação…ob. cit., p. 84. A autora é da opinião de que ‘’além de consentânea com a salvaguarda da autonomia da gestante, atendendo ao todo do regime jurídico em causa, a recusa de um direito de arrependimento visa, ainda, a proteção da criança que vier a nascer – que, no limite, pode sobrepor-se ao interesse da gestante’’, pp. 86-87.
106 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx xx, Mãe há só uma…, ob. cit., p. 65.
107 O autor fala num regime de suave arrependimento da gestante de substituição e do casal beneficiário, que também pode arrepender-se por não ter condições objetivas de receber a criança. XXXX, Xxxxxx Xxxx e, Gestação de substituição: a arte de procrastinar, 29/08/2019, disponível em xxx.xxxxxxx.xx, consultado em maio de 2020.
Com a possibilidade de revogação do consentimento pela gestante de substituição, alterar-se-ia o texto do artigo 8.º da LPMA, ou recorrer-se-ia ao regime geral do Código Civil? XXXXX XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXX defende que ‘’a mulher que gera, pela relação que experimentou, deve ser considerada, prime facie, do ponto de vista jurídico, mãe, competindo que conste como tal do registo de maternidade, que lhe seja conferido prazo de reflexão para a decisão de entrega da criança gerada’’ e que se deve ‘’garantir, tanto quanto possível, que a decisão de entrega da criança é livre e esclarecida’’108. Esta solução apresenta semelhanças com o regime da gestação de substituição em vigor no Reino Unido, deixando o estabelecimento da filiação à discricionariedade da gestante109.
Na declaração de voto dos conselheiros do TC, Xxxxxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 225/2018, de 17 de maio, defendem que ‘’a possibilidade de revogação do consentimento no momento do parto, tendo em vista a assunção da maternidade pela gestante – tornando incerta, por tempo nem sequer antecipável, a filiação da criança nascida –, não só esvazia de sentido a gestação de substituição, como faz depender da vontade da gestante o estabelecimento da filiação, num domínio em que, por força do princípio da indisponibilidade do estado das pessoas e por imperativo constitucional, os vínculos de filiação devem estar previamente determinados por lei’’110. Xxxxxxxxx ou declarar a maternidade é um dever jurídico, respetivamente, do pai e da mãe e não um poder discricionário111. Quem será, assim, a mãe, se a gestante exercer o seu direito ao arrependimento, revogando o consentimento prestado? Perante esta possibilidade, o argumento da ligação genética com a criança, perde a força que outrora possuía. XXXX XXXXX XXXXXX refere que ‘’aquilo que torna alguém pai ou mãe não é o esperma nem os óvulos, mas sim a proximidade da relação existencial com a criança’’112. Ora, esta
108 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx, Gerar uma criança para outros: do ghetto e do gineceu à afirmação da igualdade de género e dos direitos das crianças, in Revista Jurídica Luso Brasileira, Ano 4 (2018), n.º 3, disponível em xxx.xxxx.xx, acesso em abril de 2020, p. 1613.
109 Contudo, o mesmo direito de arrependimento que se dá à gestante, também existe para a parte beneficiária do contrato.
110 Declaração de voto dos Conselheiros do TC, Xxxxxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx, Ac. TC n.º 225/2018, de 7 de maio, p. 1977.
111PEREIRA, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx, Direito dos Pacientes e Responsabilidade Médica, Dissertação de Doutoramento, disponível em xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxx.xx.xx/xxxxxx/00000/00000, consultado em maio de 2020, p. 57.
112 RAPOSO, Xxxx Xxxxx, Vende-se gâmeta em bom estado de conservação (o ‘’obscuro’’ mercado das células reprodutivas), in Revista Lex Medicinae – Revista Portuguesa de Direito da Saúde, ano 6, n.º 12, 2009, p. 48.
proximidade tanto pode acontecer entre a gestante e o bebé, como poderá vir a dar-se entre o bebé e a parte beneficiária, sendo que, neste último caso, apenas com a hipótese de a gestante decidir entregar a criança.
Mas será aceitável deixar nas mãos da gestante o destino da criança? Cremos que não. Assim, existindo já um bebé, nascido em razão de um contrato, havendo um conflito positivo de pretensões parentais113 entre, por um lado, a gestante de substituição e, por outro, o casal beneficiário, parece-nos que a decisão do estabelecimento da filiação caberá ao tribunal, ainda que se entenda que não passará de uma disputa sobre «de quem é a criança», como se ela fosse propriedade de alguém. O tribunal terá de decidir tendo em conta o superior interessa criança que, depois de nascida, é a parte que melhor deverá ser salvaguardada.
Os problemas atinentes ao fenómeno da gestação de substituição não findam aqui, pois a decisão do tribunal poderá ser demorada e, até lá, o bebé não terá a sua filiação estabelecida. Poderão, ainda, criar-se laços emocionais entre a criança e quem fique a seu cuidado, laços esses que poderão vir a ser destruídos com a decisão do tribunal.
Neste sentido, optando-se por se instituir um regime permissivo de revogação do consentimento pela gestante de substituição, consideramos que o legislador deverá procurar dar um solução a todos estes problemas em vez de ser omissivo relativamente a eles, senão a consequência será este fenómeno continuar em suspenso.
3.3.2. O negócio nulo
Como temos vindo a analisar, o artigo 8.º da LPMA, que regula o fenómeno da
«Gestação de Substituição», impõe um conjunto de pressupostos que, a serem cumpridos, pressupõem um contrato válido, atribuindo a filiação em favor dos beneficiários. O n.º 12 do mesmo artigo diz-nos que ‘’são nulos os negócios jurídicos, gratuitos ou onerosos, de gestação de substituição que não respeitem o disposto nos números anteriores’’. Da leitura deste preceito, a lei ficou por esclarecer quais os efeitos da celebração de um contrato de gestação de substituição nulo.
113 Termo utilizado pelo TC no acórdão já diversas vezes citado.
Nos termos do artigo 294.º do CC, ‘’os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei’’. E, nos termos do artigo 286.º do CC, ‘’a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal’’. O negócio nulo não produz, ab initio, as consequências a que tendia114. Questiona-se a solução a dar a um contrato de gestação de substituição que sofre de nulidade. A ineficácia jurídica do negócio de gestação de substituição deixa em aberto a questão da filiação da criança que nasce115.
Na redação original do projeto de Decreto Regulamentar 06/2017, de 31 de julho, que veio regulamentar o acesso à gestação de substituição, constava no artigo 3.º, n.º 5, que, perante um contrato de gestação de substituição nulo, a criança nascida seria tida como filha dos respetivos beneficiários. O CNECV criticou o projeto de Decreto Regulamentar afirmando não ser aceitável, do ponto vista ético, que alguém possa obter, através de um contrato de gestação em violação da lei, os mesmos efeitos que alcançaria com a celebração de um contrato que observasse as prescrições legais, e que tal solução não dissuadiria as práticas ilegais e proporcionaria ocasiões de exploração das mulheres gestantes116. Aquela norma não veio a constar na versão definitiva do Decreto Regulamentar. É então aprovada uma lei que não dá uma solução ao problema que se levanta.
Em face de todos os pressupostos que o artigo 8.º da LPMA exige que o contrato de gestação de substituição cumpra, pergunta-se se se aplicará a mesma solução, face à presença de uma nulidade, quando estivermos por exemplo, perante um contrato que não inclua as disposições a observar em caso de malformação do feto, ou quando estivermos perante uma situação em que a gestante tenha fornecido os seus gâmetas para a formação do embrião, ou ainda, face a um contrato de gestação de substituição oneroso117. Em ambos os casos, porque não cumpridas as disposições do artigo 8.º, o negócio será nulo.
114 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx XXXXX, Xxxxx Xxxx, Teoria Geral do Direito Civil,
4.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 619.
115 GUIMARÃES, Xxxxx Xxxxxx, Subitamente, no Verão passado…, ob. cit., p. 122.
116 CNECV, Relatório e Parecer n.º 92 de janeiro de 2017, p. 10.
117 O contrato de gestação de substituição celebrado a título oneroso é crime, nos termos do artigo 39.º da LPMA. O presente estudo incide, contudo e sobretudo, na problemática do estabelecimento da filiação, pelo que a criminalização da celebração deste tipo de contratos onerosos não será alvo de estudo. Todavia, para uma perspetiva crítica sobre este tema, vide ANTUNES, Xxxxx Xxxx, Procriação Medicamente Assistida – Questões novas ou questões renovadas para o Direito Penal?, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Xxxxx xx Xxxxxxxxxx Xxxx, Vol. III, Coimbra: Coimbra Editora, 2010; XXXX, Xxxxxx Xxxx e, Responsabilidade penal na procriação medicamente assistida – a criminalização do recurso à maternidade de substituição e outras
Estamos perante uma disposição que, além de não distinguir a gravidade da inobservância de um pressuposto do contrato relativamente a outro, dá a possibilidade de, a todo o tempo, se questionar – com fundamento na simples inobservância de um qualquer pressuposto – a validade do contrato de gestação, e, nessa medida, permite-se que se crie um grau de incerteza e indefinição quanto à filiação já estabelecida, o que não se compadece com a segurança jurídica exigível em matéria de estatuto das pessoas118. Ora, o n.º 12 do artigo 8.º da LPMA é mais um preceito que não salvaguarda o interesse prevalecente, o da criança, coloca-a, mais uma vez, numa posição de insegurança jurídica, face a um contrato que apenas procura salvaguardar o interesse das partes que o acordaram, mas que, no entanto, não dá respostas à solução a dar em caso de nulidade do contrato.
O que significa estarmos perante um contrato nulo quando já temos uma criança nascida ou prestes a nascer? E, relativamente a essa criança, que foi a razão pela qual o contrato nulo se realizou, como se procederá ao estabelecimento da sua filiação? Manter-se- á a regra especial do n.º 7 do artigo 8.º da LPMA, ou aplicar-se-á o regime geral do CC?
As opiniões divergem. Para alguns autores, a filiação estabelecer-se-á relativamente à parte beneficiária, para outros, será a gestante considerada mãe119.
opções legais duvidosas, in Revista Lex Medicinae – Revista Portuguesa de Direito da Saúde, ano 7, n.º 13, 2010, pp. 87-92.
118 Ac. TC n.º 225/2018, p. 1928.
119 Na opinião de XXXXX XXXXXXXXX XXXXX XXXXXXX, por razão da nulidade do contrato, ‘’a mulher que dá à luz a criança, não sendo considerada parte do contrato de gestação de substituição válido, deverá constar no registo de nascimento da criança como sua mãe’’, vide XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx, Uma gestação inconstitucional…p.13, disponível em xxx.xxxxxx.xx, acesso em abril de 2020; XXXXXXX XX XX, tem uma opinião diferente, afirmando que ‘’a norma do n.º 7, do artigo 8.º, da LPMA deve ser alvo de uma extensão teleológica, de tal modo que o critério de filiação que consubstancia, se aplique, não apenas aos contratos válidos, mas igualmente a contratos nulos que, todavia, as partes pretendem cumprir, acrescentando que ‘’concordamos que está longe de ser ideal conceder um qualquer benefício aos infratores, mas parece-nos imperativo, por respeito ao princípio primacialmente em causa [princípio do superior interesse da criança], que o estatuto de maternidade não possa ser atribuído a título de sanção’’, defendendo, ainda, que ‘’é inaceitável que, para cumprir um propósito sancionatório dirigido às partes contratantes pelo facto de terem celebrado um contrato nulo, o ordenamento jurídico imponha simultaneamente uma ‘sanção’ a um terceiro – ser humano recém-nascido e fruto irreversível desse contrato, sem qualquer possibilidade, pela natureza das coisas, de manifestação de vontade’’, XX, Xxxxxxx de, O estabelecimento da filiação…pp. 79-80; XXXX XXXXXXXX XXXXX acolhe a mesma opinião afirmando que a lei ‘’não distingue o estabelecimento da filiação consoante o contrato seja válido ou inválido e, por essa razão, o intérprete também não o deverá distinguir em homenagem ao superior interesse da criança. Vide, XXXXX, Xxxx Xxxxxxxx, Uma revolução na conceção jurídica da parentalidade? Breves reflexões sobre o novo regime jurídico da procriação medicamente assistida, in Atas do Seminário Internacional Debatendo a Procriação Medicamente Assistida, Porto e FDUP, 2017, ISBN 978- 989-154-5, p. 166.
E se a gestante, perante um contrato nulo, se arrepender e pretender revogar o seu consentimento? Ora, ainda que o contrato seja nulo por, por exemplo, a mesma ter contribuído com os seus gâmetas, a solução será a mesma que se tem defendido, isto é, existindo uma criança nascida, ou prestes a nascer, cujo interesse deve prevalecer sobre quaisquer outros, acolhe-se a opinião de XXXXX XXXX XXXXXXX, de que se surgirem casos concretos de uma atuação à margem da lei, terão os tribunais que decidir – casuisticamente
– qual a solução adequada, atendendo à primazia do melhor interesse da criança120.
120 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxx, Filhos de pai anónimo…ob. cit., p. 46.
4. O superior interesse do nascituro
Em face do que temos vindo a analisar, cabe-nos questionar se o superior interesse da criança, que no nosso entender é o que deverá ser melhor acautelado, se encontra devidamente atendido no fenómeno da Gestação de Substituição.
O superior interesse da criança, para a Jurisprudência Portuguesa, ‘’trata-se de um conceito indeterminado, utilizado pelo legislador para permitir alguma discricionariedade, bom senso e criatividade, de forma a apurar, em cada caso, aquela solução que mais vai de encontro e acautela os interesses da criança em questão’’121, este interesse passa pela existência de um projeto educativo, pela efetiva prestação de cuidados básicos diários, pela prestação de carinho e afeto, pela transmissão de valores morais, pela criação e manutenção de um ambiente seguro, emocionalmente sadio e estável, pela dedicação e valorização com vista ao desenvolvimento da personalidade da criança122.
São numerosos os diplomas que tutelam o princípio do superior interesse da criança. Destacamos a Convenção sobre os Direitos da Criança123 que prevê, em inúmeros dos seus artigos, aquele superior interesse, desde logo, prevendo no artigo 3.º que ‘’todas as decisões relativas a crianças (…) terão primacialmente em conta o interesse superior da criança’’ (n.º1), bem como refere que é dever do Estado ‘’garantir à criança a proteção e os cuidados necessários ao seu bem-estar’’ (n.º2). Também a Declaração dos Direitos da Criança124 salvaguarda, desde logo, aquele tão importante princípio ‘’considerando que a criança, por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de uma proteção e cuidados especiais, nomeadamente de proteção jurídica adequada, tanto antes como depois do nascimento’’, assim ‘’a criança gozará de uma proteção especial e beneficiará de oportunidades e serviços dispensados pela lei e outros meios, para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade’’125, sendo que, ao promulgar leis com este fim, a
121 Ac. do Tribunal da Relação Lisboa, Proc. n.º 421/13.9TMPDL-A.L1, de 20-02-2018, disponível em xxx.xxxx.xx, consultado em agosto de 2020.
122 Ibid.
123 Adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990.
124 Adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1959.
125 Princípio 2.º da Declaração dos Direitos da Criança, de 1959.
consideração fundamental a que se atenderá será o superior interesse da criança126. Também neste sentido, a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Crianças127 prevê e salvaguarda esse interesse.
A Lei Fundamental também atende ao superior interesse da criança no artigo 69.º, onde dispõe que ‘’as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições’’ (n.º 1).
No que diz respeito, especificamente, à gestação de substituição, a lei que a regula não faz menção deste tão importante interesse. É necessário, então, averiguar se este fenómeno atende e salvaguarda o superior interesse da criança.
Quando olhamos ao momento do parto, não passa despercebido o corte abrupto128 se que dá entre a gestante de substituição e o bebé. Como refere XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX, a gestante de substituição, ao gerar um bebé para entregar a outrem, amputa-se de uma dimensão absolutamente íntima e pessoal com o nascituro, estabelecendo com ele uma relação que não é compaginável com o vínculo que irá manter depois do nascimento129. XXXX XXXX XXXXXX considera que, ainda que tenha havido uma disposição contratual livremente aceite pela mulher gestante, não é eticamente aceitável interromper, no momento do parto, o vínculo biológico e afetivo, construídos ao longo do desenvolvimento intrauterino e, bem assim, considera não ser eticamente aceitável fazer prevalecer totalmente o interesse da mulher-autora-do-projeto-maternal sobre os direitos da gestante e do/a filho/a
126 Princípio 2.º da Declaração dos Direitos da Criança, de 1959.
127 Disponível em xxxxx://xxx.xx/xxxxxxxxxxx/xxxx/x/000000, consultado em 23/08/2020.
128 A este propósito (relativamente ao corte abrupto que se dá entre a gestante de substituição e o bebé), Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx, em Entre a instrumentalização…ob.cit., faz uma advertência para o facto de não se dever estabelecer uma analogia com o instituto da adoção, porquanto ‘’se também aí se admite [no instituto da adoção], em nome do novo núcleo familiar que se pretende erigir, o corte com a família biológica, não é menos certo que a intencionalidade desta visa proteger crianças em situações problemáticas e que todo o instituto é desenhado à luz do superior interesse do adotando’’, p.277. Também Xxxxxxxxx xx Xxxxxxxx vem distinguir o instituto da adoção do acordo de gestação, pois o instituto da adoção é ‘’organizado em torno dos interesses do adotando’’ sendo, portanto, ‘’um remédio para as crianças que não têm pais ou para as crianças cujos pais não podem desempenhar o seu papel’’. Ao passo que ‘’o acordo de gestação não visa defender o interesse de uma criança necessitada, mas sim o interesse de um casal infértil que quer ter uma criança em sua casa. Será, portanto, um remédio para os adultos que não têm filhos’’ XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Mãe há só uma (duas)!...ob.cit., p. 54 e 55.
129 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx, Entre a instrumentalização…ob.cit., p. 273.
que virá a xxxxxx000. Também na Declaração conjunta dos Conselheiros da CNECV que votaram contra a gestação de substituição, os mesmos consideraram que ‘’a gestação de substituição parece ignorar a importância da vida intrauterina sobre a identidade física e psicológica do nascituro’’, e que a mesma ‘’transforma a gestação num mero serviço fisiológico que a gestante, ainda que bem intencionada, presta a outrem, e converte o nascituro num objeto de satisfação de um desejo ou de um reivindicado direito’’131.
XXXX XXXXX XXXXXX defende que o contrato de gestação de substituição ‘’é um contrato que fomenta a vida e confere existência a quem de outra forma não a teria’’, acrescentando não estar-se perante uma existência qualquer, mas uma vida no seio de uma família onde aquele filho é muito desejado132, por via desta argumentação, o superior interesse da criança estaria salvaguardado, mas XXXXXXXXX XX XXXXXXXX lembra que ‘’de um ponto de vista jurídico, parece inaceitável que o juízo sobre o interesse da criança assente numa presunção abstrata, que opera ainda antes do nascimento’’133. Não obstante podermos considerar que a parte beneficiária deseja muito aquela criança, o direito não se pode conformar com tal premissa, porquanto vimos já hipóteses em que a criança poderá não ser querida pelos beneficiários, por exemplo, no caso de nascer com malformações ou anomalias.
No fenómeno da gestação de substituição, claramente não se atendeu ao superior interesse da criança quando se impossibilitou a mesma de aceder à identidade da gestante, ferindo-se o direito da criança à sua identidade pessoal134. Direito este consagrado no artigo 26.º da Lei Fundamental.
130 Declaração de Xxxx Xxxx Xxxxxx no Parecer Nº87/CNECV/2016 sobre os Projetos de Lei n.ºs 6/XIII (1ª) PS, 29/XIII (1.ª) PAN, 36/XIII (1ª) BE e 51/XIII (1.ª) PEV em matéria de Procriação Medicamente Assistida (PMA)e 36/XIII (1ª) BE em matéria de Gestação de Substituição (GDS), março 2016.
131 Declaração conjunta sobre o Parecer n.º 63 do CNECV, disponível em xxxxx://xxx.xxxxx.xx/xx/xxxxxxxxx/xxxxxxxxxx-xxxxxxxx, consultado em 23/08/2020, p.5.
132 RAPOSO, Xxxx Xxxxx, Quando a cegonha chega por contrato, in Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 88, março 2012, p. 27.
133 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Mãe há só uma…ob. cit., p. 56. O mesmo autor expressa ainda que ‘’não pode pretender demonstrar-se que o interesse da futura criança ficará satisfeito com a mera alegação de que, provavelmente, o casal que encomenda o filho vai xxx-lo e dar-lhe bem-estar’’, pp. 56-57.
134 Neste sentido, XXXXXX XXXX E XXXX, defende que o indivíduo gerado deve, não só ter acesso à identidade da mulher portadora, ‘’considerando a importância da relação que a mulher estabelece com o feto durante os nove meses de gravidez’’, como também deve ter acesso à identidade da mulher que forneceu o ovócito, no caso de existir uma terceira dadora e, portanto, ter-se recorrido à fecundação heteróloga. XXXX, Xxxxxx Xxxx e, O Direito ao Conhecimento das Origens Genéticas, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, pp. 119 e 483 a 485.
E, quando se prevê a possibilidade de a mulher gestante vir a revogar o seu consentimento, assumindo a maternidade da criança, prevê-se, também, a hipótese de vir a dar-se um conflito de pretensões positivas entre a gestante de substituição e a parte beneficiária que, além de querer(em) a criança que deu origem àquele contrato, partilha(m) de ligação genética com ela. Este conflito, obviamente a existir já uma criança nascida, teria de ser resolvido considerando como relevante, apenas e só, o interesse concreto da criança, em face de todas as circunstâncias do caso135 pois, como profere XXXX XXXXX XX XXXXX, ‘’a análise sobre o melhor interesse da criança deverá ser exaustivamente analisada e pondera, pois trata-se de uma matéria em que as soluções adotadas são, por natureza, irreversíveis e afetam profundamente o ser e a vida de um menor, que também por natureza não tem liberdade de escolha’’136. A criança não deverá, em momento algum, ser colocada numa posição de instabilidade jurídica. Dada a hipótese de se verificar um conflito positivo entre as partes contratuais, onde ambas querem perfilhar a criança, não nos podemos esquecer, também, da possibilidade – chocante – de se verificar um conflito negativo, onde nenhuma das partes beneficiárias quererem perfilhar aquela criança137. Ponderando-se esta possibilidade, é perturbante pensar que o ordenamento jurídico permite que se crie uma vida que, no final, pode ser deixada à mercê do Estado.
O superior interesse da criança, neste ponto, recaiu especificamente na criança já nascida, naquilo que, a nosso ver, e porque não se encontra regulado na lei, não protege e gera consequências negativas para a criança. Assim, neste momento, consideramos ser inviável o contrato de gestação de substituição, não só porque se gera um novo ser em virtude de uma disposição contratual, mas também porque não se olha ao seu superior interesse que, no nosso entender, é o mais importante.
135 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx de, Mães ‘’hospedeiras’’: tópicos para uma intervenção, Colóquio interdisciplinar sobre Procriação Assistida, em 12-12 de dezembro de 1991, Coimbra, Centro de Direito Biomédico, pp. 69-70.
136 XXXXX, Xxxx Xxxxx de, Procriação medicamente assistida, Liberdade de escolha, in Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 87, fevereiro 2012, p. 25
137 No seu estudo, XXXXX XXXXX e XXXXXXXX XXXXXXX XXXX antecipam estas possibilidades, afirmam que ‘’nestas situações, o incumprimento do contrato celebrado entre os beneficiários e a portadora não afeta apenas, nem sobretudo, o interesse das partes, mas principal e irreversivelmente o interesse da criança nascida ou que vier a nascer, que poderá ser sujeita ao conflito entre todas as partes envolvidas, ou ao abandono e rejeição por todas elas’’, XXXXX, Xxxxx e XXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx, A maternidade de substituição…, ob.cit. pp. 280-281.
É necessário, ainda, esclarecer que optamos por não mencionar as condições sócio económicas de qualquer das partes contratuais como um fator de indicação de maior tutela do superior interesse da criança, porque a lei permite o acesso a este tipo de contratos a qualquer mulher cujas condições de saúde caibam no âmbito do número 2, do artigo 8.º da LPMA, e não atende ao seu estilo de vida, à sua profissão ou a qualquer outra condição, como relevante para o acesso à gestação de substituição. Assim, nesta análise, focamos o nosso estudo nas situações em que o superior interesse da criança se vê preterido para segundo plano – ou até mesmo ignorado – naquela fase de importância acrescida, os primeiros dias após o nascimento da criança e que a lei deveria ter regulado e não regulou.
5. A ponderação dos problemas à luz da consideração axiológica da pessoa
Chegados a este ponto, importa tecer algumas considerações.
Relativamente ao bebé-objeto do contrato, adotamos a opinião de XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX e XXXXX XXXXXX XXXXXXX quando afirmam os autores que ‘’ao invés de ser tratado como pessoa, portador de uma ineliminável dignidade ética, o filho é visto como um instrumento de satisfação dos interesses dos pais. Abdica-se da consideração do superior interesse da criança para se pensar nela em termos de realização pessoal dos pais’’138. Como sustenta XXXXX XXXXXXX ‘’o filho começou a correr o risco de ser encarado como um complemento do casal, da sua unidade e da sua realização, mais do que um ser único e irrepetível, com capacidades de diferença, desde sempre num caminho de personalização e de liberdade’’139. É difícil conceber a ideia de que o ordenamento jurídico aceita que pessoas adultas, na sua autonomia, celebrem um contrato onde o produto final será um bebé140. O mesmo autor acrescenta que os conhecimentos que permitiram o controlo da reprodução, pela procriação medicamente assistida, estimularam ainda mais o mito de domínio total do corpo e da vida, sendo que é esta sensação de poder, vivida pela medicina e aceite pelo casal, que se radica num endeusamento da ciência, que para além de outras implicações de carácter ético pode acabar por desenvolver a ideia do filho como um direito e não como um dom, direito que se obtém quando e como se quer, legitimando todos os meios para o realizar141. A criança, gerada por virtude de uma disposição contratual, e que, como tivemos oportunidade de analisar, poderá ser colocada numa posição de grande instabilidade jurídica, mais não é do que uma res que está disposta à vontade dos adultos. XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX e XXXXX XXXXXX XXXXXXX clarificam que ‘’o outro a quem me dirijo não pode ser visto numa
138 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx e XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx, O direito ao livre desenvolvimento…ob. cit., p. 124.
139 BISCAIA, Xxxxx, O casal e a fecundidade, in Novos Desafios à Bioética, Coordenação de Xxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx, Porto. Porto Editora, 2001, p. 61.
140 XXXX XX XXXXXXXX ASCENÇÃO faz uma pequena alusão à fase da gestação, relembrando que ‘’embrião é, com pouca possibilidade de contestação: vida: humana; nascente; diferenciada; não é parte do corpo da mãe’’, explicando o autor o seu raciocínio: ‘’o embrião é vida humana – não é «coisa humana»’’, é nascente ‘’porque o seu desenvolvimento natural conduz ao nascimento’’, é diferenciada ‘’porque mesmo in útero não se confunde com a vida da mãe’’ e não é corpo da mãe ‘’porque o corpo humano é unificado pelo genoma e desde o início o embrião tem um genoma que o identifica irreversivelmente. Se há um genoma diferente há necessariamente uma vida humana diferente também’’, ASCENÇÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx, A Lei N.º 32/06, sobre procriação medicamente assistida, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 67, Vol. III, dezembro 2007, Disponível em xxxxx://xxxxxx.xx.xx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxx-0000/xxx-00-xxx-xxx-xxx-0000/xxxxxxxx/xxxx-xx-xxxxxxxx- ascensao-a-lei-n%C2%BA-3206-sobre-procriacao-medicamente-assistida/ , consultado em maio de 2020.
141 BISCAIA, Xxxxx, O casal e a fecundidade…ob.cit., pp. 64 e 65.
perspetiva instrumental’’142, e que ‘’só o respeito e o reconhecimento do outro como um fim em si mesmo podem permitir a plena assunção da dignidade de cada um’’143. E esta ideia também se há-de aplicar à gestante de substituição. Aquela parte contratual, ainda que bem intencionada, ‘’não exerce qualquer direito, em causa não pode estar a sua autonomia – compreendida como raiz de um direito sobre o próprio corpo –, porquanto esta só seja verdadeira autonomia enquanto não implicar a degradação desdignificante do sujeito que, aqui, inequivocamente se verifica’’144. Ainda assim, explicam XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX e XXXXX XXXXXX XXXXXXX que ‘’é óbvio que o ordenamento jurídico não pode deixar de reconhecer uma liberdade de autodeterminação aos sujeitos. E é óbvio que, em termos factuais, cada um pode acabar por assumir decisões irracionais ou prejudiciais para si mesmo. Mas tais decisões não poderão ser compreendidas como expressão de um qualquer direito à autodeterminação ou como expressão da autonomia que é protegida ao nível do direito’’145.
O fenómeno da gestação de substituição transporta consigo a falsa ideia de que à mulher que não consegue transportar uma criança no seu ventre, tem de lhe ser oferecida a oportunidade de ser mãe de uma criança biológica. Esta ideia é grosseira e não merece o nosso crédito. Chamando à colação as palavras de XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXX e de XXXXX XXXXXX XXXXXXX ‘’só o respeito e o reconhecimento do outro como um fim em si mesmo podem permitir a plena assunção da dignidade de cada um’’146. E o contrato de gestação de substituição não eleva o ser humano ao valor que ele é digno.
142 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx e XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx, O direito ao livre desenvolvimento da personalidade…ob.cit., p. 68.
143 Cfr. Ibid., p. 68.
144 Cfr. Ibid., pp. 123-124.
145 Cfr. Ibid., p. 19
146 XXXXXXX, Xxx Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx, Estudos de Teoria Geral do Direito Civil,
Princípia Editora, Cascais, 1.ª Edição – outubro de 2017, p. 144.
Conclusão
O contrato de gestação de substituição está, neste momento, suspenso, em Portugal. Estamos em face de um fenómeno mal regulamentado – restringido a um mero artigo, o 8.º da LPMA –, que mexe com direitos fundamentais das pessoas e não dá resposta a problemas que previsivelmente possam acontecer.
A gestante de substituição, que gerará um bebé de forma completamente altruísta para o entregar à parte beneficiária, não pode, nos termos em que a lei se encontra redigida, revogar
o seu consentimento depois de iniciados os processos terapêuticos de procriação medicamente assistida. A lei falha, desde logo, quando impõe esta limitação, porquanto a lei penal, no artigo 142.º, permite que todas as mulheres grávidas possam interromper a gravidez, de forma voluntária e lícita, até às 10 semanas de gestação, não se podendo excecionar aqui, obviamente,
o caso das mulheres gestantes de substituição. Depois, ao eliminar a possibilidade de a mulher gestante revogar o seu consentimento, a lei coloca-a à total disposição das vontades da parte beneficiária. Esta limitação do consentimento reduz a mulher gestante ao papel de uma mera incubadora.
A limitação antecipada ao estatuto de mãe, ainda antes, sequer, de o nascituro ser concebido, não deveria de ser aceite no nosso ordenamento jurídico.
A autonomia e a liberdade não podem servir para justificar atitudes que atentem contra a dignidade da pessoa humana.
Aceitar que a gestante de substituição possa revogar o seu consentimento a todo o tempo, numa tentativa de salvaguardar a sua dignidade, não resolve todos os problemas inerentes à gestação de substituição. Desde logo, a admissão da revogação do consentimento pela gestante de substituição, nos termos analisados, faz surgir um conjunto de incertezas e implicações legais e familiares para a criança, que se encontrará na indefinição de quem serão, afinal, os seus progenitores. Esta indefinição poderá durar anos, enquanto a mulher gestante e a parte beneficiária lutam pela criança em tribunal e enquanto o tribunal tenta estabelecer a filiação baseando a sua decisão no superior interesse da criança.
A nascituro é, ainda antes de existir, objeto de um contrato. É tratado como um objeto de satisfação dos interesses da parte beneficiária. Os interesses deste novo ser não são, sequer, acautelados.
Ab initio, são redigidas cláusulas que podem ditar o futuro do bebé, se não for perfeito, pode ser eliminado e, se não for eliminado, pode ser um pretexto para que a gestante de
substituição tenha de indemnizar a parte beneficiária, e fica-se na incerteza de que estes sujeitos aceitem bem a criança. É um novo ser que, aparentemente muito desejado, pode, no final, acabar por ser institucionalizado.
Estamos em face de um fenómeno que, sem escrúpulos, ignora o vínculo gestacional existente entre a gestante de substituição e o nascituro, quando permite o corte abrupto dessa relação, no momento do nascimento. Este novo ser não pode, sequer, aceder à identidade da gestante de substituição, no futuro.
A falta de regulamentação deixa por esclarecer os efeitos do contrato nulo, uma vez que a nulidade poder ser arguida a todo o tempo e por qualquer interessado, a criança encontra- se numa posição de grande instabilidade jurídica.
A criança é vista como um complemento do casal, em vez de ser vista na sua individualidade.
A lei que regula a gestação de substituição não toma em consideração o superior interesse da criança, não lhe faz referência e não o acautela.
Ainda que o fenómeno da gestação de substituição careça de uma modelação adequada da lei, concluímos que, por todos os problemas que levanta, mas principalmente porque na sua base assenta a contratualização de um ser humano, não se poderá admitir a celebração deste tipo de contratos.
Bibliografia
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Jurisprudência
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 421/13.9TMPDL-A.L1, de 20-02-2018.
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 225/2018, de 7 de maio; Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 465/2019, de 18 de outubro.
Legislação
Código Civil; Código Penal;
Constituição da República Portuguesa;
Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Crianças; Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina; Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos;
Lei n.º 32/2006, de 26 de julho; Lei n.º 16/2007, de 17 de abril; Lei n.º 17/2016, de 20 de julho; Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto.