ROTEIRO DE ATUAÇÃO CONTRATAÇÕES TEMPORÁRIAS1
ROTEIRO DE ATUAÇÃO CONTRATAÇÕES TEMPORÁRIAS1
Embora o combate às contratações temporárias de servidores públicos seja tema recorrente e bastante tratado no âmbito do Ministério Público, os procedimentos de investigação acerca desse tema ainda afligem os Promotores de Justiça. As contratações temporárias, além de contínuas e perenes, têm grandes reflexos no cenário político dos municípios, especialmente naqueles em que a maioria das vagas de trabalho se concentra nas entidades de direito público.
A oferta de cargos e contratos na administração pública, amparada em critérios e preferências subjetivas, não só viola os princípios que regem a atividade administrativa, mas também contribui para a ineficiência do serviço público e para o desequilíbrio de disputas eleitorais.
A Constituição Federal de 1988, ao tratar do tema, estabeleceu o seguinte, no artigo 37: “IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.”
Do dispositivo constitucional se extrai que a contratação depende de lei editada por cada ente federado e, ainda, que a contratação somente terá fundamento constitucional quando for realizada por tempo determinado e por necessidade temporária de excepcional interesse público.
As locuções necessidade temporária e excepcional interesse público balizam os parâmetros que devem ser considerados pelo Promotor de Justiça, ou seja, é preciso analisar se as contratações são por tempo certo e delimitado e se visam ao atendimento de necessidade excepcional.
Feitas as considerações iniciais, passa-se às soluções e sugestões práticas para o enfrentamento do tema.
1 Orientações extraídas do MPMG JURÍDICO: Revista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais – Edição Patrimônio Público (Práticas na Defesa do Patrimônio Público)
1. OBJETO DA INVESTIGAÇÃO
Em qualquer investigação, independentemente de sua natureza e finalidade, a delimitação do objeto é um dos pontos de maior importância. Nos procedimentos relacionados à contratação de servidores públicos, é preciso ter o mesmo cuidado.
Prefacialmente, importa atentar que cada entidade de direito público (prefeitura municipal, câmara, autarquias) deve ser investigada em procedimento apartado, sendo necessária tal separação porque a responsabilização é autônoma para cada um dos gestores desses entes.
Também é preciso ter especial cuidado com a questão temporal. As contratações temporárias se perpetuarem no tempo não é razão para que os procedimentos referentes ao tema sigam o mesmo destino. O investigado, nestes casos, é a autoridade responsável pela celebração dos contratos, ou seja, prefeitos municipais, presidentes de Câmara, diretores de autarquias, de modo que, findo o mandato do gestor investigado, deve-se analisar a necessidade de sua responsabilização cível ou criminal e, ainda, a conveniência de se instaurar novo procedimento para apuração da situação do mandato que se inicia.
O objeto específico (contratação temporária) também deve ser corretamente delimitado, evitando-se a investigação conjunta de outras hipóteses de ilegalidades no vínculo com a administração pública. Assim, por exemplo, o combate ao nepotismo e a ilegalidade de eventuais cargos comissionados, devem ser objeto de investigação autônoma, tendo-se em consideração a especificidade de cada tema.
Eis uma boa descrição do objeto para inquéritos civis e procedimentos investigatórios criminais de tal natureza: “Apurar irregularidades na contratação temporária de servidores públicos no município de XXX (ou na Câmara Municipal de XXX) nos anos de XXXX e XXXX ou apurar a prática do crime previsto no art. 1º, inciso XIII, do Decreto-Lei n.º 201/67.”
A fim de averiguar a legalidade/ilegalidade dos contratos temporários celebrados por determinado gestor, há de ser necessária a colheita de provas por meio de procedimento de investigação.
3. OBJETO DA PROVA (ELEMENTOS CONHECIDOS E A CONHECER)
Em síntese, pode-se afirmar que o procedimento referente ao tema buscará apurar a existência de contratados temporários para exercício de funções efetivas de forma ilegal. Para averiguar tal fato, será necessário conhecer, basicamente, dois elementos:
a) a situação da máquina de pessoal do ente investigado;
b) a legislação do ente sobre o tema.
3.1. Da legislação do ente investigado
Uma vez que a Constituição Federal consolidou a norma de que toda contratação temporária legítima deve ter seu fundamento em lei, faz-se necessária a análise da legislação específica da entidade pública investigada.
É aconselhável uma análise atenta da lei que regulamenta o art. 37, IX, da Constituição Federal, autorizando a contratação temporária de servidores públicos. Em primeiro lugar, é preciso observar se as hipóteses que autorizam a celebração de contratos temporários se inserem na descrição constitucional de necessidade temporária de excepcional interesse público, ou seja, se as atividades que serão realizadas pelos servidores contratados são, de fato, temporárias. As normas legais de natureza subjetiva, que deixam ao alvedrio do administrador a análise dos requisitos para cabimento da contratação, sem qualquer dúvida, afrontam a ordem constitucional.
A legislação federal acerca do tema (Lei n.º 8.745/93), apesar de não aplicável aos demais entes federados, em razão da autonomia de cada um, serve no entanto como bom parâmetro para a análise da legalidade do diploma dos demais entes.
É imperioso também averiguar se a legislação estabelece que os contratos por ela autorizados, salvo raríssimas exceções, serão precedidos de processo seletivo simplificado. A exigência, prevista na mencionada lei federal, é decorrência lógica dos princípios constitucionais e
do próprio sistema jurídico vigente. A lei também deve prever o prazo máximo de vigência de tais contratos, os quais, segundo os ditames constitucionais, são temporários.
Caso seja constatado que a legislação do ente federado não se coaduna com a ordem constitucional, sugere-se as seguintes soluções:
- a expedição de recomendação e/ou a celebração de termo de ajustamento de conduta, em que, entre outras obrigações, fique estabelecido o compromisso de apresentação de projeto de lei para alterar a norma quanto àquilo que se mostrar inconstitucional;
- a arguição de sua inconstitucionalidade de forma incidental, por ação civil pública que objetive a anulação dos contratos por ela autorizados;
- a representação à Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos, para averiguação da norma em face da Constituição do Estado de Goiás.
A representação a tal órgão da Subprocuradoria-Geral deverá indicar a motivação jurídico-constitucional que a fundamenta, com a indicação precisa dos dispositivos da Constituição Estadual tidos por violados e deverá ser instruída com a cópia do texto normativo e certidão de vigência, se possível. Os diplomas normativos sobre o assunto devem obediência ao art. 92, incisos II e X, da Constituição Estadual2, os quais têm redação idêntica às normas do art. 37, incisos II e IX, da Magna Carta de 1988.
A escolha da melhor solução jurídica aplicável dependerá da avaliação, caso a caso, mas não há nenhuma dúvida de que as soluções consensuais, além de serem mais rápidas, são mais eficientes. Com efeito, é recomendável que, antes de adotar providências judiciais, sejam
2 Art. 92. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes do Estado e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade e motivação e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 09-09-2010, D.A. de 09-09-2010)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 09- 09-2010, D.A. de 09-09-2010)
X – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público; (Redação dada pela emenda Constitucional nº 34, de 10-06-2003)
tentadas as medidas extrajudiciais de solução de conflitos (recomendação e termo de ajustamento de conduta).
Além da requisição da legislação municipal que trata da contratação temporária, mostra-se salutar a requisição de cópia do Plano de Cargos e Salários, a fim de se apurar a natureza e o número dos cargos efetivos criados.
3.2. Situação da máquina de pessoal
A fim de perquirir a situação administrativa do ente investigado, é necessário conhecer o número de servidores contratados e a natureza do cargo exercido, bem como indagar da existência de servidores efetivos licitamente afastados e de eventual concurso público válido, com aprovados ainda não nomeados.
Em se tratando de procedimento limitado à análise da regularidade das contratações, a informação poderá ser quantitativa, não sendo necessário conhecer, num primeiro momento, o nome e qualificação dos contratados. Também não é necessário, nem recomendável, requisitar a cópia dos contratos temporários celebrados.
Com a finalidade de otimizar a investigação, evitando-se grande número de reproduções xerográficas e juntada de documentos de difícil análise, convém que a requisição dos contratados temporários seja feita mediante preenchimento de tabela, que deverão ser pessoalmente assinadas pelo gestor público. As referidas tabelas devem conter, em síntese, as seguintes informações:
• Nome do cargo
• Número de vagas previstas em lei
• Número de servidores efetivos ocupantes do cargo
• Número de servidores efetivos ocupantes do cargo, afastados/licenciados
• Número de contratados temporários para o cargo
• Número de vagas oferecidas no último concurso para o cargo
• Número de candidatos aprovados no último concurso para o cargo
• Número de candidatos empossados no último concurso para o cargo
A tabela sugerida seria, portanto, a seguinte:
NOME DO CARGO Lei Municipal n.º X | NÚMERO DE VAGAS Lei Municipal n.º X | NÚMERO CONTRATOS TEMPORÁRIOS (atual) | NÚMERO SERVIDORES EFETIVOS (atual) | NÚMERO SERVIDORES LICENCIADOS (atual) | NÚMERO DE VAGAS Edital Concurso n.º XX/ano | NÚMERO CANDIDATOS APROVADOS/ CLASSIFICADOS Concurso n.º XX/ano | NÚMERO DE CANDIDATOS NOMEADOS/ EMPOSSADOS Concurso n.º XX/ano |
Importa frisar que, se o procedimento já contiver folhas de pagamento, cópias de contratos e outros documentos, com as informações acima tabeladas, as tabelas podem ser preenchidas por servidores do Ministério Público, sem a necessidade de requisição de novas informações.
Se o procedimento visar, além da solução da questão, à responsabilização do gestor, especialmente quando frustrada a possibilidade de resolução consensual, as informações sobre o número de servidores contratados e de servidores efetivos licenciados poderá ser requisitada acerca de vários períodos, por exemplo, dos meses de junho e de dezembro de todos os anos em que o gestor esteve à frente da entidade investigada. O acréscimo de tais informações objetiva dar ao investigador uma visão mais ampla da situação de contratados temporários no mandato do gestor investigado.
Com o preenchimento da tabela, torna-se possível e mais fácil ver a situação dos cargos preenchidos por contratados temporários, ou seja, se a contratação decorre de licença de servidor efetivo e se há candidatos aprovados em concurso válido para aquele mesmo cargo, mas não empossados ainda.
As tabelas também facilitam o acompanhamento de eventuais concursos, no sentido de se apurar se de fato foram disponibilizadas vagas para os cargos ocupados por servidores contratados.
É possível, ainda, que a requisição seja feita em tabelas compartimentadas pela espécie de vínculo, de modo que algumas informações qualitativas (nome dos servidores) também possam ser requisitadas. Para este modelo de requisição, sugere-se:
Determino seja requisitado ao Sr. Prefeito Municipal de que, no prazo de
30 dias, informe a esta Promotoria de Justiça a relação de todos os servidores da administração pública municipal de ….......
Outrossim, visando a otimizar a leitura e compreensão das informações, requisite-se que tais informações sejam prestadas através do preenchimento de quadros, nos seguintes moldes:
- quadro de servidores públicos aprovados em concurso público, lotados na administração pública municipal de …:
Nomenclatura do cargo efetivo para o qual obteve aprovação em concurso público/ Ato normativo que disciplina as funções do cargo | Ocupa atualmente | ||||
Nome do servidor | Número da matrícula | Data da nomeação no cargo para o qual foi aprovado no concurso público/ Já obteve aprovação no estágio probatório? | Número e ano do edital do respectivo concurso público | cargo em comissão ou exerce função de confiança? | |
Em caso positivo, qual cargo em comissão ou função de confiança e em que data assumiu | |||||
tal cargo/função? | |||||
- quadro de servidores públicos estáveis nos termos do art. 19 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, lotados na administração pública municipal de …:
Nome do servidor | Número da matrícula | Nomenclatura do cargo no qual é estável/ Ato normativo que disciplina as funções do cargo | Ocupa atualmente cargo em comissão ou exerce função de confiança | Em caso positivo, qual cargo em comissão ou função de confiança e em que data assumiu tal cargo/função? |
- quadro de servidores públicos não concursados, ocupantes de cargo em comissão de livre recrutamento, lotados na administração pública municipal de …:
Nome do servidor | Número da matrícula | Número e data do ato de nomeação/ Nome e cargo da autoridade nomeante | Nomenclatura do cargo comissionado atualmente ocupado/ Ato normativo que disciplina as funções do cargo | Data da entrada em exercício |
- quadro de contratados temporariamente, que exercem suas funções na administração pública municipal de …:
Nome do contratado | Número da matrícula | Data da contratação/ Nome e cargo da autoridade que autorizou a contratação | Ato normativo que disciplina tal contratação e as funções públicas a serem desempenhadas | Período de vigência da contratação | Motivo autorizador da contratação temporária |
Função que exerce em razão da contratação | |||||
Requisite-se, ainda, àquela Autoridade que, no mesmo prazo, encaminhe a esta Promotoria de Justiça cópia dos editais de todos os concursos públicos realizados nos últimos 5 anos para preenchimento de cargos na administração pública municipal de …, bem como do texto dos atos normativos vigentes que disciplinam os cargos em comissão de livre recrutamento e contratações temporárias discriminados nos quadros anteriores, informando, além disso, se há algum concurso público em vigência, e especificando, em caso positivo, a relação dos aprovados que ainda não foram nomeados, com os esclarecimentos a respeito da não nomeação destes até o momento.
Xxxxxxxx os dois mencionados elementos de prova (a situação da máquina de pessoal do ente investigado e a legislação do ente acerca do tema), torna-se possível a análise
sobre a existência de contratados temporários ilegais e de eventuais incompatibilidades da legislação local com o sistema jurídico constitucional. Caso não se constate nenhuma ilegalidade, o único caminho possível será o arquivamento do procedimento. Apurados os atos que desafiam a intervenção ministerial, será cabível a adoção de medidas judiciais e extrajudiciais.
4. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA
Seguindo a estratégia já mencionada de que as soluções consensuais e extrajudiciais devem ser preferencialmente adotadas, relegando-se a judicialização da questão aos casos em que o método resolutivo se frustrar, a primeira sugestão para resolver a questão é a celebração de termo de ajustamento de conduta entre o Ministério Público e a entidade pública, representada pelo gestor investigado.
Para celebração dos termos de ajustamento de conduta referentes ao tema, propomos, basicamente, seis cláusulas. Na primeira, o ente público, representado por seu gestor, deverá assumir o compromisso de, a partir daquela data, observar os critérios constitucionais e legais para a celebração de contratos temporários, quais sejam, a aprovação prévia em processo seletivo simplificado com provas, a excepcionalidade e temporariamente das contratações.
A segunda obrigação se refere à adequação da legislação municipal à Constituição Estadual. Convém lembrar que, conforme sugerido alhures, a Lei Federal n.º 8.745/93 é um bom parâmetro para as leis dos demais entes federados. Esse compromisso, por óbvio, não pode se referir à aprovação das alterações, mas à apresentação de projeto de lei.
A terceira cláusula há de prever a obrigação de abertura de concurso para os cargos vagos ocupados por contratados temporários, estabelecendo prazo razoável para sua finalização com posse dos aprovados. Neste particular, deve-se atentar para as vedações do período eleitoral, ditadas pela Lei n.º 9.504/97.
A obrigação seguinte, que decorre do cumprimento da anterior, se refere à rescisão dos contratos temporários ilegais, mediante nomeação e posse dos candidatos aprovados em concurso público. O compromisso rescisório, obviamente, valerá após o fim do prazo estipulado para a conclusão do concurso.
Em seguida, em duas cláusulas separadas, será prevista multa específica para cada contratação ilegal realizada após a celebração do TAC, e ainda multa para a não realização do concurso. É essencial que seja feita a ressalva expressa de que as cominações de multa recairão sobre a pessoa do gestor, sob pena de lesão ao próprio ente público.
Em muitos municípios o Ministério Público já celebrou termos de ajustamento de condutas acerca do tema. Como tais ajustes são celebrados com as entidades públicas, ainda que haja sucessão dos gestores de tais entes, o TAC tem validade perante o ente público e pode, em tese, ser executado.
No entanto, com a convicção de que as soluções consensuais são sempre as melhores, é recomendável que o ordenador recém-empossado seja convidado a comparecer ao Ministério Público para aditamento ao termo de ajustamento de conduta celebrado, com a possibilidade de negociação de novos prazos. O aditamento, além de permitir a readequação da questão temporal, atestará o conhecimento do novo gestor acerca do ajuste celebrado, prevenindo, desta forma, o dolo em eventuais ações de responsabilização. Caso o novo ordenador não celebre o aditamento, cabível será a execução judicial do termo de ajuste.
Frustrada a celebração do TAC, será necessária adotar medidas judiciais.
5. REPERCUSSÕES CÍVEIS
Caso não seja possível a celebração do termo de ajustamento de conduta, caberá ao Promotor de Justiça o ajuizamento de ação civil pública, sem prejuízo das medidas judiciais para responsabilização cível e criminal dos gestores.
Salvo melhor juízo, não é aconselhável, a cumulação de pedidos de obrigação de fazer com os de aplicação das sanções da Lei n.º 8.429/92. Além de serem ritos diversos, a sucessão na chefia do ente investigado e a dilação probatória podem atravancar o andamento do feito e dificultar a conclusão das ações. Assim, sugere-se que sejam propostas ações diversas, uma referente às obrigações necessárias para a solução da questão, e outra para a responsabilização do gestor à luz da Lei de Improbidade Administrativa.
No que tange à Lei n.º 8.429/92, a contratação temporária de servidor público fora das hipóteses constitucionais de temporariedade e excepcionalidade viola o princípio do concurso público e, consequentemente, toda a legalidade administrativa, bem como a impessoalidade e a eficiência. Assim, tais contratações se amoldam à figura típica do art. 11, incisos I e V, da Lei de Improbidade Administrativa, consoante remansosa jurisprudência nacional:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458 E 535 DO CPC. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 11 DA LEI N. 8.429/92. CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR SEM CONCURSO PÚBLICO. VIOLAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA DE CONHECIMENTO PALMAR. MULTA CIVIL.
REDUÇÃO.IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. Inexiste violação dos arts. 165, 458 e 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento de forma clara e fundamentada das questões abordadas no recurso. 2. Os atos de improbidade administrativa tipificados no art. 11 da Lei n.º 8.429/92 que importem na violação dos princípios da administração independem de dano ao erário ou do enriquecimento ilícito do agente público. 3. No caso, e as contratações temporárias descritas afrontam, claramente, a exigência constitucional de realização de concurso público, violando, assim, uma gama de princípios que devem nortear a atividade administrativa. Ademais, a má-fe, neste caso, é palmar. Não há como alegar desconhecimento da vedação constitucional para a contratação de servidores sem concurso público, mormente quando já passados quase 24 anos de vigência da Constituição Federal. 4. A multa civil, que não ostenta natureza indenizatória, é perfeitamente compatível com os atos de improbidade tipificados no art. 11 da Lei n. 8.429/92 (lesão aos princípios administrativos). 5. Hipótese em que a sanção aplicada pelo Tribunal a quo atende aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, tendo em vista a grave conduta praticada pelo agravante. Desta forma, estando a condenação apoiada nas peculiaridades do caso concreto e não havendo desproporcionalidade flagrante, a alteração do acórdão recorrido esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. Precedentes. Xxxxxx xxxxxxxxxx xxxxxxxxx. (XxXx xx XXXxx 00.000/XX, Rel. Ministro XXXXXXXX XXXXXXX, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2012, DJe 24/10/2012) (grifos nossos).
Em regra, não se tem inserido, no polo passivo de tais ações, os contratados temporários. O entendimento é de que, embora tenham se beneficiado da improbidade, não agiram com dolo.
6. REPERCUSSÃO CRIMINAL
O Decreto-Lei n.º 201/67, que dispõe sobre a responsabilidade criminal de prefeitos e vereadores, tipificou como crime de responsabilidade de prefeitos municipais (art. 1º, inciso XIII) a nomeação, admissão ou designação de servidor contra expressa disposição legal.
Com efeito, especificamente no que concerne aos prefeitos municipais, além da responsabilização cível decorrente da Lei n.º 8.429/92, é cabível a responsabilização criminal. Mais uma vez, merece colação a lição jurisprudencial:
CRIME DE RESPONSABILIDADE - CONTRATAÇÃO DE SERVIDOR EM DESACORDO COM O QUE DETERMINA A LEI - CRIME CARACTERIZADO - NECESSIDADE EXCEPCIONAL E TEMPORÁRIA NÃO DEMONSTRADA - CONDENAÇÃO - ARTIGO 1º, INCISO I, DECRETO-LEI 201/67 - DESCLASSIFICAÇÃO PARA ARTIGO 1º, INCISO XIII, DO DECRETO-LEI 201/67 - CONTINUIDADE DELITIVA - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA. - A investidura em cargo ou emprego público, com ressalva às exceções constitucionais, depende de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, nos termos do art. 37, II, Constituição Federal vigente.- Inexistindo comprovação de que a contratação sem concurso público se deu em razão de excepcional interesse público e provada a violação de lei municipal que trata da questão, impõe-se a condenação do Prefeito Municipal que as promoveu nas sanções do inc. XIII, do art. 1º do Dec. Lei 201/67.- Sendo a pena máxima cominada ao delito de 3 anos de reclusão e transcorridos mais de 8 anos entre as datas dos crimes e a data do recebimento da denúncia, impõe-se a decretação da extinção da sua punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal. (TJMG
- Apelação Criminal 1.0105.04.114689-2/002, Relator(a): Des.(a) Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxx, 2ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 25/02/2010, publicação da súmula em 16/03/2010)
Deve-se atentar, no entanto, para eventual foro por prerrogativa de função, no caso
de prefeito no exercício do cargo, quando os fatos deverão ser levados à Procuradoria de Justiça de Crimes de Prefeitos, órgão ministerial atuante na segunda instância, com atribuições para a responsabilização criminal de prefeitos municipais.
7. QUESTÕES POLÊMICAS
Algumas questões polêmicas permeiam a discussão acerca do combate às contratações temporárias ilegais. Sem a pretensão de esgotar o tema, três abordagens se fazem necessárias: a forma de provimento dos cargos referentes a programas do governo federal, os concursos suspensos e a terceirização de serviços públicos.
7.1. Cargos referentes a programas estaduais e federais
Muito se tem questionado a necessidade de criação de cargo e, consequentemente, de realização de concurso público para o preenchimento de cargos de programas dos governos estaduais e federal, como, por exemplo, os profissionais de saúde da família e dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS).
Apesar de muitas vezes remunerados por entidade diversa daquela a que se
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vinculam , tais servidores executam, em regra, atividades públicas clássicas, de natureza
permanente, das pessoas jurídicas de direito público. Assim, ainda que os programas de governo findem, continuará a obrigação estatal de prestação desses serviços, de modo que se torna evidente ser necessária a criação do cargo por lei, bem como a prévia aprovação em concurso público. Além disso, impossível seria a extinção de tais cargos, em virtude do princípio da proibição de retrocesso social, acolhido implicitamente pelo legislador constituinte quando elenca, de forma destacada no art. 5º da Constituição Federal, os direitos fundamentais.
A doutrina brasileira tem reconhecido a existência desse princípio no sistema jurídico constitucional, valendo trazer à colação a lição de Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxx (2004, p. 162):
Negar reconhecimento do princípio da proibição de retrocesso significaria, em
3 Em regra, a União e os Estados repassam os valores ao município, que remuneram os servidores.
última análise, admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder público de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade expressa do Constituinte4.
Além disso, mostram-se contrárias ao interesse público primário as frequentes sucessões dos ocupantes de tais cargos, os quais, em razão de sua natureza e de suas atividades, demandam que os profissionais criem vínculos com os administrados.
O Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Público (CAOPP), do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, já se manifestou mais de uma vez sobre o tema em notas técnicas, que assim concluíram:
Diante do exposto, considerando se tratar os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) de equipamentos públicos destinados à prestação de serviços voltados ao atendimento das necessidades de responsabilidade da assistência social, de caráter essencialmente contínuo, exsurge inegável ser também permanente a necessidade da Administração Pública de pessoal para fazer face às suas demandas, o que afasta a possibilidade de contratação sem a prévia aprovação em concurso público.
Via de consequência, dada a necessidade de concurso público para a admissão de pessoal nos quadros funcionais dos equipamentos supracitados, torna-se forçoso concluir pela impossibilidade para tanto de realização de procedimento seletivo simplificado, sendo imprescindível a realização de concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, conforme preconizado no artigo 37, inciso II, de nossa Carta Política5.
Em sede jurisprudencial, o entendimento prevalente do TJMG tem sido no mesmo
4 XXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx. Direitos Fundamentais Sociais e proibição de retrocesso: algumas notas sobre o desafio da sobrevivência dos Direitos Sociais num contexto de crise. In: Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. Porto Alegre: 2004, n.º 2, 121.168.
5 MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS. Material de Apoio. Notas Jurídicas. Disponível em: xxxxx://xxxxxxxx.xxxx.xx.xx/xxxxxxxxxxxx/xxxxxxxxx-xxx/xxxxxx-xx-xxxxxxx/xxxxxxxxxx-xxxxxxx/xxxxxxxx-xx- apoio/notas-juridicas/notas-juridicas.htm. Acesso em: 2 out. 2014.
sentido:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRELIMINAR. EMENDA INDEVIDA À INICIAL. NULIDADE DA SENTENÇA. REJEITADA. MÉRITO. CONTRATAÇÕES TEMPORÁRIAS. PROFISSIONAIS CONTRATADOS PARA O PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA. ATIVIDADES ROTINEIRAS DO INTERESSE DA MUNICIPALIDADE. NECESSIDADE PERMANENTE DA ADMINISTRAÇÃO. DESCARACTERIZAÇÃO DA NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO. LEI ESPECÍFICA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 37, INCISOS II E IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE. A sentença
deve refletir a realidade fática existente no momento em que é proferida. Portanto, se houve aprovação de lei no curso da lide que influa em seu julgamento, deve ser aplicada a regra do artigo 462 do CPC. A possibilidade de contratação temporária não é regra, mas sim, exceção, devendo ser desta forma interpretada pelos Legisladores Municipais sob pena de incorrer em ofensa ao disposto no artigo 37, inciso II, da Constituição Federal Demonstrado que lei municipal, que regulamenta a contratação temporária, prevista no artigo 37, IX da Constituição Federal, a tem como regra e não atende ao excepcional interesse público ou ao requisito da temporariedade, impõe-se a declaração incidental de sua inconstitucionalidade, uma vez que as leis municipais devem observar os princípios estabelecidos na própria Constituição, e também na Constituição do Estado a que pertencer. (TJMG - Ap Cível/ Reex Necessário 1.0317.07.077474-8/002, Relator(a): Des. (a) Xxxxxxx Xxxxxx , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/12/2008, publicação da súmula em 30/01/2009)
7.2. Concursos suspensos
A suspensão judicial e administrativa de concursos públicos pelos Tribunais de Contas é muito comum. Nesse caso, diante da impossibilidade de nomeação dos servidores aprovados, é cabível, em tese, a contratação temporária, mas devem ser observados alguns critérios.
Primeiramente, é preciso avaliar a conveniência de que a própria entidade convalide o concurso, se as razões de suspensão forem passíveis de convalidação. Caso os vícios não sejam sanáveis, e dependendo do estágio em que se encontra o certame, pode ser prudente sua anulação administrativa com abertura de novo concurso. Tais providências administrativas e de
competência exclusiva dos gestores das entidades poderão ser recomendadas pelo Ministério Público.
Não sendo tais providências possíveis, ou caso a recomendação não seja acolhida pelo administrador, é necessário verificar se a suspensão diz respeito a todo o concurso ou ao provimento de parte de seus cargos, ou, ainda, quais cargos o concurso pretende prover. Muitas vezes objetiva-se o preenchimento de apenas parte dos cargos vagos ocupados por contratados, situação em que será possível a instauração de outro concurso para cargos não previstos no edital suspenso.
Em todo caso, quando verificado que será necessária a contratação temporária de servidores, deve ser exigido o processo seletivo simplificado de provas, com critérios objetivos para a escolha dos contratados.
7.3. Terceirização de serviços públicos
Atualmente, temos nos deparado com uma nova forma de burlar o princípio do concurso público: a terceirização ilícita de serviços típicos da atividade pública.
A Constituição Federal de 1988, ao inaugurar o regime democrático de direito, alterou profundamente a sistemática da administração pública brasileira. Uma das mais importantes alterações foi a obrigatoriedade da prévia aprovação em concurso público para o acesso a cargos e empregos públicos, com exceção dos cargos em comissão de livre nomeação.
É importante a diferenciação entre os serviços licitáveis (portanto, prestados por meio de contrato de prestação de serviços) e os serviços que devem ser prestados por servidores públicos. Todo e qualquer serviço que tiver natureza de atividade-fim da administração pública deve ser executado por servidor ou empregado público, ao passo que as atividades-meio podem ser praticadas por terceiros, contratados mediante procedimento licitatório. A este respeito,
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merece ser citada a lição de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx (2008, p. 32) :
Não cabe, ao contrário do que o texto literal induz, a aplicação do regime da Lei 8.666/93 à contratação de todos os ‘serviços’ de terceiros. Somente quando se
6 XXXXXX XXXXX, Xxxxxx. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008.
tratar de serviços esporádicos ou temporários, desenvolvidos por exceção, incidirá tal regime. Quando o serviço corresponder a cargo ou emprego público, aplicam-se os dispositivos constitucionais acerca dos servidores públicos, empregados públicos ou prestadores de serviço temporário (CF, art. 37 e seus incisos). Em tais hipóteses, não caberá licitação, mas concurso público (ressalvada a hipótese de cargos em comissão).
Os serviços relacionados com as áreas de saúde, educação e segurança pública, por exemplo, são importantíssimos e típicos serviços públicos, de maneira que as atividades finalísticas prestadas por profissionais das referidas áreas jamais podem ser executadas por meio de contratos administrativos. Uma vez que tais serviços são próprios e permanentes da atividade pública, os profissionais somente poderiam ceder sua força de trabalho ao ente público por meio da ocupação de cargos públicos, para os quais seriam nomeados depois de prévia aprovação em concurso público, com exceção dos cargos em comissão. Em outras palavras, é ilícita a terceirização dos serviços públicos da atividade-fim administrativa, e somente podem ser executados por profissionais do quadro administrativo dos entes públicos federados.
Além de violar os princípios do concurso e de constituir ilícita terceirização de serviços típicos da atividade pública, o pagamento por serviços dessa natureza, por meio de contratos de prestação de serviços, fere o art. 169 da Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade Fiscal que o regulamenta, já que o referido diploma normativo estabelece regras e limites próprios para as despesas com pessoal. Ao contratar serviços finalísticos de forma terceirizada, o gestor deixa de declarar tais despesas na rubrica de pessoal, mascarando os limites estabelecidos na Lei Complementar nº 101/00. Com tal artifício, torna-se possível administrar as receitas municipais à margem das disposições legais acerca do tema.
Quando no curso da investigação o Promotor de Justiça se confrontar com uma hipótese análoga a essas noticiadas acima, deverão ser adotadas as providências pertinentes, por exemplo, inserindo-se no termo de ajustamento de conduta ou na recomendação a ser expedida a obrigação de se realizar concurso para os cargos ocupados por terceirizados. Nas ações de responsabilização, tais contratações também devem ser tratadas, já que se enquadram, sem nenhuma dúvida, nas tipologias da Lei nº 8.429/92 e do Decreto-Lei nº 201/67, anteriormente
mencionadas.
Em conclusão, pode-se afirmar que o tema, conquanto seja amplamente conhecido,
é de extrema importância e de grande repercussão, sobretudo nos pequenos municípios, razão pela qual cabe ao Promotor de Justiça Curador de Defesa do Patrimônio Público adotar, com rapidez e eficiência, as medidas necessárias para que os cargos públicos sejam providos de acordo