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As renovações e extensões unilaterais de contratos de trabalho e os chamados “Contratos de Gaveta”
entre clubes e atletas
Dada a complexidade das relações intersubjetivas e a divergência entre os interesses pessoais, avocou o Estado, para si, a função de dizer o Direito. Pela clássica tripartição dos Poderes, cunhada por Xxxxxxxxxxx, tem-se que coube ao Poder Judiciário a mister tarefa de viabilizar a pacificação social ao dar a cada um o que é seu.
Ocorre que a dinamicidade das relações interpessoais tem exigido que a Ciência Jurídica vá além do tradicional estudo dos Direitos do Trabalho, Constitucional, Administrativo, Comercial, Penal, Civil e Tributário, bem como dos respectivos ramos adjetivos, para avançar sobre searas outras do conhecimento, igualmente a exigirem dos profissionais do Direito especialização acadêmica. Penso que é isso o que ocorre, atualmente, com o Direito Desportivo.
O esforço que se faz é, justamente, adentrar no ponto de interseção entre o Direito do Trabalho e o Direito Esportivo para analisar o tema referente às renovações e extensões unilaterais dos contratos de trabalhos dos jogadores profissionais do futebol, os chamados “contratos de gaveta”.
A dificuldade primeira se dá pelo fato de que, até então, o Tribunal Superior do Trabalho ainda não teve a oportunidade de enfrentar a matéria, o que faz com que as opiniões aqui expostas sejam, exclusivamente, fruto de minha impressão quanto ao tema.
Não há dúvida em relação aos efeitos jurídicos decorrentes dos contratos de trabalhos firmados entre atletas profissionais do futebol e os seus respectivos clubes. Ocorre que, nesse contexto, mostra-se necessária a verificação da juridicidade da prática, não rara, da extensão unilateral dos referidos contratos por parte das agremiações desportivas.
Xxxxx oportuno, aqui, fazer uma breve diferenciação entre o contrato de trabalho do trabalhador comum e do atleta profissional de futebol.
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XXXXXXXXX
XXXXXXX
CAPUTO BASTOS
Ministro do
Tribunal
Superior do Trabalho. É pós-graduado em Direito do Trabalho pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB) e em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade
de León, na Espanha.
Desportivo
Direito
Com efeito, o trabalhador comum tem como fonte formal do contrato de trabalho a CLT, que exige, para a sua formalização, os requisitos da pessoalidade, da habitualidade na prestação de serviços, da onerosidade, da continuidade e da subordinação, constituindo, este último, traço marcante desta modalidade de contrato.
Como se sabe, na relação contratual do trabalhador comum não se exige que o contrato seja necessariamente escrito, pois o Direito do Trabalho admite, caso presentes os requisitos já referidos, a produção de efeitos jurídicos advindos dos ajustes contratuais tácitos.
Em regra, o trabalhador comum simplesmente adere às condições de trabalho antes definidas pelo empregador – verdadeiro contrato de xxxxxx, diria eu – mas com a peculiaridade que o empregado assim procede de livre e espontânea vontade – característica indispensável a todos os contratos de trabalho. É certo, contudo, que toda e qualquer cláusula contratual que esteja em desacordo com a legislação trabalhista é passível de revisão pela Justiça do Trabalho, se assim for chamada a fazê-la.
Postas tais premissas, necessário se faz verificar sua aplicabilidade aos contratos de trabalho dos atletas profissionais do futebol?
Em que pese a insipiência do mundo jurídico acerca dos conhecimentos do Direito Desportivo, é certo que, mais e mais, este ramo do Direito, embora sem autonomia, tem galgado importância na doutrina e na jurisprudência pátrias, a revelar que, nos presentes dias, não há como fechar os olhos à complexa e vultosa relação jurídica havida no mundo esportivo entre os atletas e suas agremiações.
Poder-se-ia, de início, questionar se o contrato de trabalho firmado entre os jogadores de futebol e seus clubes configuraria relação de emprego, tal como formatada pela CLT. Entretanto, não obstante as características inerentes à atividade, dúvida não há acerca do fato de que o jogador de futebol é um empregado do clube que o contrata, porquanto presentes os requisitos da continuidade, subordinação, onerosidade e pessoalidade.
Outra questão que se revela é aquela referente à possível antinomia entre a legislação trabalhista geral e as normas especiais a regerem os contratos de trabalhos dos profissionais futebolísticos.
Com efeito, não é outra a solução jurídica senão aquela da aplicação do princípio da especialidade, que prevê a superioridade da norma especial em relação à geral.
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Assim, a legislação geral trabalhista deve ser aplicada, de forma subsidiária, naquilo em que for compatível com as peculiaridades normativas advindas da legislação desportiva. É dizer, os contratos de trabalho dos atletas do futebol são normatizados, por primeiro, pela legislação especial, e, subsidiariamente, pela legislação trabalhista.
Pois bem, o contrato de trabalho de atleta profissional de futebol é disciplinado, especificamente, pela Lei nº 6.354/76 (que ainda vigora em parte, no tocante a formalidade do contrato) e pela Lei nº 9.615/98 (Xxx Xxxx – que institui normas gerais sobre desporto) e seu respectivo regulamento, o Decreto nº 2.574/98, com as devidas alterações.
Igualmente como ocorre com os trabalhadores pertencentes às categorias ditas “diferenciadas”, tais como, aeronautas, aeroviários, marítimos, dentre outras, a aplicabilidade das normas específicas aos atletas profissionais do futebol se dá, justamente, em razão de que estas cuidam das circunstâncias inerentes e peculiares à atividade exercida.
No que toca à referida Lei nº 6.354/76, ressalte-se as exigências constantes no seu artigo 3º, que disciplinam a validação do contrato de trabalho do atleta:
a) que o contrato de trabalho do atleta seja celebrado por escrito (art. 3º,
caput);
b) que contenha o modo e a forma de remuneração, especificados os salários e prêmios, as gratificações e bonificações (art. 3º, III);
c) que os contratos de trabalho sejam devidamente registrados no Conselho Regional de Desportos, bem como na respectiva Confederação (art. 3º, § 1º);
d) que os contratos de trabalho sejam numerados pelas associações empregadoras, em ordem sucessiva e cronológica, datados e assinados, de próprio punho, pelo atleta ou pelo responsável legal, sob pena de nulidade (art. 3º, § 2º).
O referido diploma legal ainda exige, em seu artigo 4º, que a contratação do atleta profissional do futebol esteja condicionada à comprovação da higidez física e mental do jogador.
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Em que pese as referidas exigências legais, é certo que, à época, estabelecia-se o “regime do passe”, pelo qual o atleta profissional
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continuava vinculado à agremiação desportiva, mesmo após o término da vigência do contrato de trabalho.
[...] alvo de xxxxx e constantes críticas, a Lei do Passe promovia, a bem dizer, uma espécie de “escravização” do atleta".
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Alvo de duras e constantes críticas, a Lei do Passe promovia, a bem dizer, uma espécie de “escravização” do atleta. Por força do vínculo desportivo, que possuía autonomia em relação ao empregatício, permanecia o atleta profissional, mesmo após a extinção de seu contrato de trabalho, vinculado a seu ex-empregador, até que completasse 32 (trinta e dois) anos de idade e 10 (dez) de trabalho ao mesmo clube.
Obstaculizando o livre exercício do direito ao trabalho, tem-se que o atleta profissional do futebol submetia-se ao alvedrio de seu ex- empregador, pois este poderia impô-lo ilimitado período de inatividade, sem o pagamento de salário, caso não concordasse com as condições propostas por entidades interessadas na compra de seu passe.
Embora inconteste a nocividade da prática do regime do passe no futebol brasileiro, tem-se que foi em solo europeu, no famoso caso do jogador belga Xxxx-Xxxx Xxxxxx, no início dos anos 90, que o Poder Judiciário pode manifestar-se de forma desfavorável à referida prática da relação contratual desportiva.
No referido caso, após o encerramento de seu contrato com o Clube belga FC Liège, o atleta decidiu transferir-se para o Clube francês Dunquerque. Buscando evitar a saída do jogador, o Clube belga fixou em €
600.000 (seiscentos mil euros) o passe para a liberação do jogador, o que, efetivamente, frustrou a transação.
Inconformado, o jogador moveu ação contra o seu clube perante a justiça belga, que decidiu favoravelmente ao atleta, possibilitando a transferência deste para outra agremiação esportiva sem o pagamento do extorsivo valor do passe.
Após esgotadas todas as instâncias recursais na justiça belga, o LC Liège houve por bem levar o caso ao Tribunal de Justiça da União Européia que, em decisão inédita, nos idos de 1995, decidiu a favor de Xxxxxx. A partir de então, restou vedada toda e qualquer restrição às transferências de jogadores entre os clubes pertencentes à União Européia.
Portanto, pode-se dizer que o precedente judicial do caso Xxxxxx assegurou aos atletas da União Européia o direito de negociar livremente todos os termos de seu contrato de trabalho, afirmando a garantia da liberdade profissional. Não foi outro, como se sabe, o desiderato pretendido
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no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Lei nº 9.615/98 (Xxx Xxxx), que instituiu normas gerais sobre o desporto.
Com efeito, em boa hora o regime do passe desportivo foi extinto pela superveniência da Xxx Xxxx. Embora o novo diploma confira liberdade de organização às entidades desportivas, observa-se, por outro lado, o seu viés nitidamente regulatório, porquanto traz uma série de requisitos e formalidades tendentes a preservar os interesses envolvidos. Pode-se citar, entre outras exigências, a necessária formalização do contrato de trabalho entre atleta e clube (artigo 28), a presença de Xxxxxxxx Xxxxx, a adoção da legislação trabalhista de forma subsidiária (artigo 28, § 1º), e a afirmação de que o vínculo esportivo é acessório ao trabalhista (artigo 28, § 2º).
É certo que, para o trabalhador comum, o contrato de trabalho é, em regra, por prazo indeterminado, e, excepcionalmente, por prazo determinado (artigo 443 da CLT). Penso residir, nesse ponto, o traço marcante da diferença entre aqueles regidos pelas normas celetistas e os atletas profissionais de futebol.
Com efeito, ao romper com o “regime do passe”, a Xxx Xxxx passou a exigir que o contrato de trabalho do atleta profissional fosse firmado por prazo determinado, garantindo-se que o vínculo jurídico entre atleta e clube não mais permanecesse indefinido. Neste sentido, assim dispõe o artigo 30:
“Art. 30. O contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos.”
Vê-se, pois, que a contratação do atleta profissional do futebol, em regra, tem sua limitação temporal fixada entre 3 (três) meses e 5 (cinco) anos.
Entretanto, buscando valorizar os investimentos de base feitos pelos clubes desportivos nos jovens jogadores, a Xxx Xxxx previu limitação temporal diferenciada quando da primeira contratação pelo clube formador do atleta. Este o teor do artigo 29, verbis:
“Art. 29. Aentidadedepráticadesportiva formadora do atleta terá o direito de assinar com esse, a partir de dezesseis anos de idade, o primeiro contrato de trabalho profissional, cujo prazo não poderá ser superior a cinco anos.”
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No que toca à renovação dos contratos de trabalho entre os clubes formadores e os atletas no final de seu primeiro contrato com o Clube, tem-se que o § 3º do artigo 29 assim dispõe:
“§ 3º. A entidade de prática desportiva formadora detentora do primeiro contrato de trabalho com o atleta por ela profissionalizado terá o direito de preferência para a primeira renovação deste contrato, cujo prazo não poderá ser superior a dois anos.”
É de se notar que, ao tempo que extinguiu o famigerado direito ao passe, o referido diploma cuidou de instituir a controvertida “Cláusula Penal”, prevendo sua incidência quando extinto o contrato de trabalho anteriormente ao termo ajustado, suscitando, contudo, dúvidas em relação a sua aplicabilidade aos dois pólos da relação contratual.
Levada a questão à Justiça do Trabalho, tem-se que o Tribunal Superior do Trabalho, por meio de sua sessão uniformizadora da jurisprudência nacional, a SBDI-1, definiu que a Cláusula Penal constante do artigo 28 da Xxx Xxxx é aplicável somente ao atleta que rompe, unilateral e antecipadamente, o contrato de trabalho firmado com o clube. Na ocasião, assentou-se a necessidade de se “equilibrar as obrigações e os direitos das partes envolvidas e estimular os investimentos necessários ao constante desenvolvimento das práticas desportivas, tão caras ao país” (TST, SDI-1, E-ED-RR-552/0000-000-00-00, Redator Designado Ministro Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxx, Dj de 24/10/2008). Outros precedentes se seguiram, todos no mesmo sentido.
É bom lembrar, por oportuno, que a questão referente ao rompimento do contrato de trabalho do atleta está sendo sufragada no corpo do Projeto de Lei nº 5.186/2005, em trâmite no Congresso Nacional, pelo qual restará explicitada a diferença entre a cláusula indenizatória desportiva devida pelo atleta ao clube e da multa rescisória, devida pelo clube ao atleta.
Voltando ao tema proposto, conclui-se que o contrato de trabalho do atleta profissional de futebol é regido pelas leis extravagantes e específicas à categoria profissional, bem como, de forma subsidiária, pelas normas constantes da CLT.
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Feitas estas breves considerações acerca das normas aplicáveis à categoria profissional dos atletas profissionais do futebol, passo ao
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enfrentamento direto do tema em questão, qual seja, a prática do chamado “contrato de gaveta” pelas agremiações desportivas.
Com efeito, a Justiça do Trabalho tem sido demandada, com certa frequência, para decidir reclamações trabalhistas nas quais os atletas do futebol sustentam que o livre exercício do direito ao trabalho tem sido obscurecido pelos clubes desportivos pela adoção de práticas cuja legalidade é questionável.
Dentre as irregularidades observadas, pode-se citar, a coação exercida pelos clubes aos atletas quando da assinatura dos contratos de trabalho, em que se exige que o jogador assine um segundo contrato em branco; a incompatibilidade de numeração entre o primeiro contrato firmado com o jogador e o da sua renovação; a ausência do mútuo consentimento para o contrato de trabalho; e a ausência do atestado médico, no seu devido tempo, a certificar a aptidão física do jogador.
[...] ante a maturidade jurídica a que chegamos após a Constituição de 1988, torna inaceitável, sob todas as óticas, a prática adotada por certas agremiações desportivas a que se denomina “contrato de gaveta”, pois a afronta à liberdade ao exercício do direito ao trabalho é evidente".
Daí perguntar-se: Seriam tais irregularidades conseqüências da prática dos chamados “contratos de gaveta”? Penso que a resposta é afirmativa.
Com efeito, tenho que ante a maturidade jurídica a que chegamos após a Constituição de 1988, torna inaceitável, sob todas as óticas, a prática adotada por certas agremiações desportivas a que se denomina “contrato de gaveta”, pois a afronta à liberdade ao exercício do direito ao trabalho é evidente.
Em que consiste, pois, o “contrato de gaveta”?
Conforme visto, a formalização do contrato do atleta profissional de futebol passa por uma série de exigências, dentre elas, a forma necessariamente escrita e registrada no órgão competente, a observância da numeração oficial nos contratos, a individualização das partes contratantes, a duração do contrato e a remuneração ajustada, bem como o atestado de saúde fornecido por profissional da medicina habilitando o atleta para a prática do esporte.
Ocorre que certos clubes não têm observado tais exigências, na medida em que no ato da assinatura do contrato de trabalho com o atleta, o clube contratante, valendo-se de sua situação de superioridade frente ao jogador, faz com que este assine outro contrato em branco, com data futura coincidente com o término da vigência do primeiro contrato.
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Geralmente, este segundo contrato é firmado em apenas uma cópia, que permanece retida em poder do clube, podendo ser por este unilateralmente utilizado após findo o prazo da primeira contratação. Tal prática faz com que o clube que leva a registro o “contrato de gaveta” se exima de fixar novas bases contratuais, inclusive, aí, a salarial, afastando a imprescindível aquiescência do desportista. Por outro lado, caso não mais haja interesse do clube no atleta, a entidade desportiva simplesmente inutiliza o contrato, o que se mostra ainda mais perverso.
Ora, sem nenhum esforço exegético, vê-se que tal prática vai de encontro com o que há de mais comezinho no Direito, que é a repulsa à coação. A manifesta ilegalidade da referida prática advém da própria ausência da oportunidade de uma das partes contratantes – no caso o atleta – de dizer se concorda com as cláusulas fixadas para a continuidade da prestação dos serviços, ou seja, não há manifestação de vontade por parte do atleta no momento em que o ajuste começa a produzir efeitos.
Fere-se de morte, assim, algumas das características inerentes aos contratos que são a bilateralidade, a boa-fé na contratação, a exteriorização da vontade – neste caso expressada na aquiescência quanto às novas regras fixadas, e na independência das partes contratantes.
Tive a oportunidade de ler em um dos artigos que pesquisei curiosa afirmação no sentido de que, na atual quadra vivida, não haveria falar na ocorrência de coação ao atleta no momento em que é firmado o “contrato de gaveta”, haja vista que o jogador, normalmente, está acompanhado de seus agentes, advogados ou assistidos por seus representantes legais, seja ele coagido a assinar o “contrato de gaveta”. Questiona-se se não estaria o atleta recusando-se a cumprir cláusulas contratuais pactuadas, fruto de ato de vontade livremente manifestada?
Em geral, esta é a tese sustentada pelos clubes, qual seja, a entidade desportiva não obriga o jogador a assinar o referido contrato. Quando um jogador assina o contrato dito “de gaveta” o faz ciente de suas conseqüências, porquanto detentor de capacidade jurídica, inexistindo qualquer prova de coação. Tal tese, contudo, não se mostra suficiente a convalidar tal prática.
Com efeito, o artigo 167 do Código Civil prevê, de forma expressa, a nulidade dos negócios jurídicos simulados, assim considerados os instrumentos particulares pós-datados, verbis:
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“Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1º - Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
(...)
III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados”.
Percebe-se, pois, que a prática dos “contratos de gaveta” se mostra como negócio jurídico nulo tanto em sua substância, pois estes são assinados em branco, como também em sua forma, porquanto pós- datados.
A alegação de que a simples assinatura do atleta conferiria validade aos “contratos de gaveta” não pode subsiste, até porque cria outro defeito no negócio jurídico, qual seja, a não contemporaneidade entre a data da assinatura do contrato e o registro perante a entidade desportiva.
Por outro lado, não há falar, também, na ausência de coação ao atleta no ato de assinatura do “contrato de gaveta”. Quanto ao ponto, o Tribunal Superior do Trabalho já manifestou-se no sentido de que o simples fato de ter o empregado assinado documento em branco evidencia a comprovação de coação por parte do empregador.
Entende o Tribunal pela necessidade de que o contratante tenha, no momento da assinatura do contrato de trabalho, estrita consciência acerca dos termos contratuais e dos efeitos deles decorrentes, o que não ocorre na prática do “contrato de gaveta”.
A afirmar a nulidade dos contratos de trabalho em branco, tem-se que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho já teve a oportunidade de afirmar que “o documento (...) foi subscrito em branco, sem revelar qualquer direito ao empregado. Por isso, conclui ser inviável atribuir validade à manifestação de vontade, por força da evidente existência de coação” (SBDI-1, E-RR-533.673/1999.6, Rel. Min. Xxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx, DJ de 21/11/2003).
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Resta claro, pois, a nulidade do contrato de trabalho em que o jogador põe sua assinatura em documento em branco, porquanto presente a coação.
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Registre-se, ainda, a questão referente à hipossuficiência do jogador frente aos interesses das agremiações desportivas. Quanto ao ponto, oportuno lembrar o fato de que, se para o trabalhador comum as dificuldades para inserir-se no mercado de trabalho são enormes, o que dizer para os atletas profissionais, cuja carreira é curta, sujeita às incertezas econômicas e desportivas.
Este o quadro, verifica-se que, não raro, os jovens atletas, às vezes formados pelas próprias escolas dos clubes, acabam por ceder às imposições contratuais da agremiação desportiva que lhes assinala com a possibilidade de contratação. Sabem os jogadores que, se assim não procederem, correm o risco de não alcançarem o nível profissional do esporte.
Por outro lado, a prática do “contrato de gaveta” dá ensejo à ilegal transferência do risco do negócio, pois impede que o atleta, quando da utilização unilateral do documento assinado em branco, proceda à revisão das bases contratuais pactuadas na contratação primeira, em especial a salarial.
Nesse sentido, tem-se que a unilateralidade volitiva revelada pela ausência do consentimento de uma das partes da relação contratual tem clara intenção de transmitir ao empregado o risco do negócio, o que é vedado não só pelo artigo 2º da CLT, bem como pelos princípios basilares do direito do trabalho pátrio.
Outro ponto merecedor de destaque, refere-se ao fato de que o contrato de trabalho do atleta profissional do futebol é padronizado
– conforme estabelecido no artigo 299 da RDI 01/91(Normas Orgânicas do Futebol Brasileiro). Xxxx o referido dispositivo que “será celebrado em formulário fornecido pela Confederação Brasileira de Futebol, em seis vias”, destinadas, a primeira ao atleta, a segunda à Associação contratante, a terceira à Federação, a quarta à Confederação, a quinta ao CRD local, e a sexta à Associação cedente.
Por sua vez, como condição de validade do negócio jurídico, previu o artigo 300 do XXX 00/00 que no contrato de trabalho do atleta seja observada uma série de requisitos formais, podendo-se destacar, dentre eles, a exigência constante de seu parágrafo único, no sentido de que “os contratos de trabalho serão numerados em ordem cronológica e sucessiva pela Confederação Brasileira de Futebol”.
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Justamente para aumentar o controle sob a recontratação dos atletas profissionais do futebol, tem-se que a própria CBF regulamentou a questão, não permitindo o registro de contrato após 30 dias de sua assinatura, conforme previsto no inciso V do artigo 308 da RDI 01/91, da Norma Orgânica do Futebol Brasileiro:
“Art. 308. Não será registrado o contrato: (...)
V – que for encaminhado à CBF depois de decorridos 30 (trinta) dias de sua assinatura ou de 20 (vinte) dias, se tratar de primeiro contrato com o Clube”.
No que toca às prorrogações dos contratos, a CBF editou a Resolução da Presidência nº 03/2005, que dispõe:
“I – (...)
II – Somente será admitido um termo aditivo contratual que objetive prorrogação do prazo contratual desde que:
a) seja firmado dentro de 60 (sessenta) dias anteriores ao término do contrato;”
A princípio, tal providência seria suficiente para evitar as fraudes, dada a necessidade de se apor a data no contrato no dia da sua assinatura. Caso tentada a prática de pós-datar o contrato, restaria o óbice de não saber o clube quantos contratos teriam sido registrados antes da renovação, impedindo a produção de efeitos ao “contrato de gaveta”.
Infelizmente, tem-se verificado que, na prática, a própria CBF não tem observado, com o rigor necessário, as regras acima referidas.
O descompasso na exigência do cumprimento das normas do Setor, em especial pelo Departamento de Registro e Transferências da entidade, tem se mostrado lesivo aos atletas, o que tem resultado nos movimentos de procura destes à Justiça do Trabalho.
Cite-se, como exemplo, o caso do jogador Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, em curso na 4ª Vara do Trabalho da cidade de Santos/SP.
O jogador, à época com 18 anos, celebrou contrato de trabalho com o Santos Futebol Clube, com prazo determinado de 2 anos, cuja vigência foi fixada entre maio de 2006 a maio de 2008.
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O referido contrato foi devidamente registrado na Federação Paulista de Futebol e na Confederação Brasileira de Futebol sob o nº 573235.
Após o cumprimento do contrato, atleta e clube não chegaram a uma proposta satisfatória para a sua renovação, fato que levou o jogador a efetuar pré-contrato com o Clube Atlético Rentista, do Uruguai, conforme previsto no artigo 18, inciso 3º, do Estatuto de Transferência de Jogadores da FIFA. Em observância à referida norma, tal transação foi devidamente informada ao Santos Futebol Clube.
Todavia, para a surpresa do jogador, foi-lhe informado que o Santos Futebol Clube havia registrado, no mesmo dia do término da primeira contratação, novo contrato de trabalho com o atleta, com vigência por mais 3 (três) anos, ou seja até maio de 2011, cuja numeração era 573242.
Inconformado, o jogador ajuizou perante a Justiça do Trabalho ação de nulidade de contrato de trabalho, com pedido de antecipação da tutela, alegando que no ato da celebração do primeiro contrato, ou seja, em maio de 2006, o referido clube exigiu que o atleta assinasse outro contrato federativo, este com prazo de 3 (três) anos, pós-datado para maio de 2008.
Sustentou o jogador a ocorrência de fraude contratual pela prática do chamado “contrato de gaveta”, pois a diferença de apenas 7 (sete) números entre o primeiro contrato e o segundo, num período de dois anos, revelaria a nulidade do ajuste em razão de restar configurado ato simulado, procedimento expressamente combatido pelo ordenamento jurídico vigente.
E mais, em sua petição inicial, o jogador Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx cita os contratos de trabalho dos atletas Xxxxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxx, que teve seu contrato com o Santos Futebol Clube registrado em 01/07/2006, sob o nº 573621, e Xxxxxxxx Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxx, cujo contrato com x Xxxxxx foi registrado em 11/01/2008, sob o nº 631283.
Como poderia ser justificado o fato de que a numeração constante do segundo contrato firmado com o jogador Xxxxxx é menor do que a numeração constante dos contratos havidos com Kleber e Adailton, sendo que estes foram anteriormente registrados?
Ante os fortes indícios da prática do “contrato de gaveta”, bem como em razão dos prazos exíguos para a inscrição dos atletas nas competições desportivas, o Juízo de 1º grau houve por bem conceder o
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pedido de antecipação de tutela, determinando a liberação do vínculo empregatício entre o jogador e o clube, até o trânsito em julgado da reclamação trabalhista.
Tal exemplo demonstra que o “contrato de gaveta” consiste na questionável prática adotada por clubes desportivos, no intuito de manter o vínculo de emprego com o atleta além da vigência fixada na contratação primeira.
A afrontar os mais basilares princípios regentes do Direito do Trabalho, está o “contrato de gaveta” a revelar verdadeira garantia em benefício exclusivo do contratante, de que, caso o jogador se destaque na temporada, o clube possa, retirando da “gaveta” o segundo contrato, manter o atleta sob seu jugo, o que não ocorreria, certamente, em caso inverso.
A manifestação de vontade, claramente unilateral, faz com que a prática do “contrato de gaveta” desequilibre a relação jurídica entre as partes, revelando-se nítido o abuso do poder econômico das agremiações desportivas.
Poder-se-ia questionar se, na prática, seriam sempre ilegais e abusivas as renovações contratuais por meio dos chamados “contratos de gaveta”.
Vejo duas situações distintas.
A primeira, nos casos da manifesta inexistência de benefício para o atleta, pela piora ou manutenção das condições estabelecidas quando da primeira contratação. Em tal situação, dúvida não há acerca da ilegalidade da simulação contratual.
A segunda, quando a renovação unilateral se dá em bases clara e expressamente mais benéficas ao jogador. Poder-se-ia questionar se, em tal caso, também seria ilegal a prática do “contrato de gaveta”?
Observe-se que inúmeros são os atos da vida que não merecem a tutela do Estado na sua regulação.
Posso, sem interferência estatal, organizar um “pseudo- campeonato futebolístico” entre amigos ou colegas de trabalho. Não há óbice em aceitar a atuação de árbitro sem as qualificações técnicas desejadas. Ninguém poderá questionar a escalação de meu time se, na última hora, convidar um parente para assumir a lateral esquerda.
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Entretanto, o exercício de certos atos do mundo fático adentram ao mundo do direito em razão das conseqüências dele advindas. Após a juridicização do ato, passa o Direito a regular o exercício de inúmeras relações interpessoais, físicas ou jurídicas, impondo-se a todos sua observância, sob pena do enfraquecimento do sistema jurídico.
É nesse contexto que se encontra a única resposta juridicamente possível para a questão lançada acima.
Com efeito, não é de hoje que o mundo do futebol profissional, por envolver paixão, bairrismo e nacionalismo, mobiliza todo o planeta. As quantias milionárias envolvidas em suas transações quantificam a importância que o referido desporto tem na estrutura social.
Dito isso, tem-se que a normatização do setor mostra-se como o único caminho para que se evite prejuízos sem medida para aqueles que, ao fim e ao cabo, são os atores principais do mundo do futebol, os atletas.
Uma vez positivada, não vejo como admitir-se o afrouxamento na aplicabilidade das normas regentes da atividade futebolística para, conferindo legalidade para o “contrato de gaveta”, emprestar-lhe validade nos casos em que, aparentemente, o atleta obtenha algum benefício.
Não há comoadmitir-se, ademais, que na celebração de um contrato de trabalho, momento em que é formado o vínculo jurídico bilateral entre dois ou mais sujeitos de direito, assumindo as partes, mutuamente, direitos e deveres, o instrumento contratual não corresponda à manifestação de vontade dos contratantes.
Nesse sentido, o que se tem é a prática ilegal de renovação contratual unilateral por parte de agremiações desportivas, impondo não só aos jovens e promissores talentos futebolísticos, mas também a atletas destituídos de poder de barganha no momento contratual, a aposição de sua assinatura em contrato de trabalho em branco que, por óbvio, não exprime a real vontade das partes no momento de seu registro.
Tem-se que o consentimento e a boa-fé entre as partes mostram- se como o cerne de toda e qualquer contratação. Afastar tais requisitos fere de morte o contrato de trabalho, tornando-o nulo, pois não se pode admitir coação quando da assinatura do contrato de trabalho.
É certo que o empregador pode, dentro de seu poder diretivo e de comando, alterar as condições de trabalho do empregado, implementando as modificações que melhor lhe aprouver. Todavia, tal poder não é absoluto.
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A teor do caput do artigo 468 da CLT, só é lícita a alteração do contrato de trabalho por mútuo consentimento e desde que dela não decorra prejuízo ao empregado. No presente caso, contudo, a nulidade é evidente. A vontade de contratar de uma das partes resulta totalmente viciada. Deve ser concedida ao empregado a oportunidade de expressar seu interesse ou não na celebração do contrato de trabalho no momento em que este é celebrado.
Por isso, obrigar, condicionar ou submeter um atleta, um trabalhador, a assinar um “contrato de gaveta”, um documento em branco com data futura, mostra-se prática ilegal e fraudulenta, pois garante ao clube, de forma arbitrária, a possibilidade de ferir os princípios da boa- fé e da bilateralidade do acordo de vontade nos contratos comutativos, impondo ao trabalhador vínculo trabalhista indesejado.
Pode ser ressaltado, ademais, outro impeditivo à tese da legalidade do “contrato de gaveta”.
Conforme antes mencionado, por determinação legal, os contratos de trabalho de atleta profissional devem ter prazo determinado, podendo estes ser renovados sucessivamente. Não se aplica aos atletas a regra dos artigos 445 e 451 da CLT, ou seja, afasta-se a ocorrência de unicidade contratual, considerando-se a renovação como um novo contrato de trabalho, independente e incomunicável com os anteriores.
Sobre o tema, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região assim manifestou-se no julgamento de recurso ordinário interposto pelo Clube Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e o jogador Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx:
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“É livre a pactuação dos salários, podendo as partes ajustarem-se de acordo com seus interesses e conveniências podendo variar, para mais ou para menos, conforme os seus interesses comuns, com a qualidade técnica do atleta, com o seu aproveitamento na equipe titular do Clube, tudo em razão das condições especiais, da atividade profissional, já que cada contrato por prazo determinado que houver entre empregado e empregador é distinto do que lhe suceder, uma vez que a legislação aplicável exige que o contrato de trabalho do atleta profissional sempre será formalizado por prazo determinado” (TRT da 4ª Região, RO-35/2002-012-04-00.7).
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Dada a independência e incomunicabilidade do novo contrato de trabalho em relação aos anteriores, tem-se que todas as bases contratuais são passíveis de ajuste, inclusive no que toca ao salário, podendo este, inclusive, ser reduzido, não havendo falar em redução salarial.
Ora, não há como chegar-se a igual conclusão nos casos onde a renovação contratual se dá por meio dos ditos “contratos de gaveta”.
A falta do elemento volitivo por parte do jogador no ato de registro do “contrato de gaveta”, a afastar a legalidade do referido negócio jurídico, faz com que possível redução salarial constante no novo ajuste, mostre-se como absurdo jurídico e abuso do poder econômico.
De igual forma a merecer destaque, observe-se que a legalidade da prática do “contrato de gaveta” também é abalada pela exigência normativa de que no ato da renovação contratual deva constar documento emitido por profissional da medicina a atestar as perfeitas condições físicas do atleta para o exercício do contrato.
Assim, se o contrato simulado foi anteriormente preenchido e pós-datado, não há falar na idoneidade do necessário atestado médico prestado naquele momento pretérito, a constatar a regularidade física e mental do jogador. Tal irregularidade foi constatada pela Justiça do Trabalho no caso do jogador Xxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx.
Havendo ajuizado na Justiça do Trabalho ação de nulidade de seu contrato, o referido lateral-direito conseguiu ser liberado de seu vínculo jurídico com o Santos Futebol Clube. O juízo de 3ª Vara do Trabalho de Santos houve por bem deferir antecipadamente a tutela, para anular o “contrato de gaveta” feito entre o jogador e o Clube.
Para a Magistrada Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx, a invalidação do ato jurídico simulado mostrou-se inafastável ao verificar-se a irregularidade na data do exame médico do atleta, requisito essencial para a validade do ato.
Com efeito, no novo contrato de trabalho constava que o exame médico havia sido realizado no dia 18 de maio de 2008, sendo que, segundo o próprio clube, esse novo contrato foi assinado em março daquele mesmo ano.
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A decisão judicial foi proferida no dia 16 de maio de 2008, portanto, 2 (dois) dias antes da data constante do atestado médico. Quanto ao ponto, assim consignou a Magistrada:
“É óbvio que o reclamante não foi submetido a um exame médico em 18 de maio de 2008. Xxxxx, é impossível afirmar, com certeza absoluta, se o autor estará vivo no dia 18, quiçá qual será seu estado de saúde nesse dia. As divergências entre os documentos e as alegações da ré são estarrecedoras, mormente considerando que, em depoimento, a reclamada afirmou que o exame médico foi realizado em março de 2008 – fls. 170- e não no mês de maio de 2008...” (Processo nº 492/2008, 3ª Vara do Xxxxxxxx xx Xxxxxx, Relatora Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx).
Inconformado, o Clube recorreu da citada decisão, havendo o seu Vice-Presidente, em entrevista a jornal local, argumentado que os exames médicos em jogadores que atuam no Clube são realizados mensalmente, “sendo irrelevante a data atestada no exame médico”.
Confessou, assim, o dirigente esportivo, que o exame médico realmente não foi feito na data da renovação contratual.
Outro aspecto que reputo relevante destacar é que o direito ao trabalho é livre, e dele pode dispor o cidadão como lhe aprouver, não se podendo criar óbices ao seu exercício, exceto por determinação legal. O direito ao trabalho é garantido constitucionalmente pelo artigo 5º, XIII, que dispõe:
“Art. 5º. (...)
XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Dentro deste conceito de liberdade, é inadmissível que ao atleta, trabalhador como outro qualquer, seja, em última análise, obrigado a submeter-se a um contrato de trabalho sem que assim o deseje. Não se pode, pois, admitir o trabalho compulsório.
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À Justiça do Trabalho incumbe a missão de preservar os princípios inerentes ao trabalho. Não havendo como afastar-se, ou minimizar, os efeitos do elemento volitivo de uma das partes no momento da contratação, tem-se que o “contrato de gaveta” revela-se como verdadeira contratação compulsória, o que é repelido pelo Direito.
Qualquer tentativa de obrigar o trabalhador a cumprir contrato fraudulento, para o qual não anuiu com sua real vontade, representa, pois, violação direta à Constituição Federal.
Conforme assentado, ainda que no novo contrato determine-se um substancial aumento salarial para o jogador, cabe ao atleta decidir se essa majoração realmente constitui em vantagem para si e para sua carreira. Um aumento salarial não importa, necessariamente, em vantagem para a vida pessoal ou profissional do jogador.
Por todo o exposto, inconcebível entender como procedimento legal a prática do chamado “contrato de gaveta”.
“Prender” um jogador a um determinado clube por meio de um negócio jurídico simulado, um contrato pós-datado, sem a presença do mútuo consentimento das partes, e, pior, fraudando-se a exigência do atestado médico que comprove a higidez física e mental do atleta, é dar um cartão vermelho à Constituição Federal, à CLT e às normas do Setor.
Permitir-se que, unilateralmente, a entidade desportiva possa decidir o futuro do atleta profissional (trabalhador, em última análise), possibilitando a superveniência de contratação desfavorável ao jogador, mostra-se como um retrocesso à liberdade contratual buscada pela Lei Xxxx e determinada pelo Direito Constitucional brasileiro.
Tenho, portanto, que a prática do“contrato de gaveta” é totalmente contrária à evolução profissional do futebol brasileiro.
Lembro, por fim, que a verificada evolução legislativa e regulamentar dos desportos profissionais não pode ser mitigada pela prática, ainda que usual, porém ilegal, do “contrato de gaveta”, sob pena
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de se manter atual a sincera declaração do consagrado treinador Xxxxxx Xxxxx, da seleção brasileira da Copa do Mundo de 1950, segundo o qual “o futebol brasileiro só evoluiu das quatro linhas para dentro de campo”.
O mérito de uma Lei não está na sua existência, mas, sim, na sua eficácia. Portanto, é preciso fazer muito mais! Podem ser fechadas as gavetas, pois as ferramentas legais já estão sob a bancada.
XXXXXXXXX XXXXXXX XXXXXX XXXXXX MINISTRO DO TST
Publicadooriginalmente em Atualidades sobre Direito Esportivo no Brasil e no mundo – Editora Seriema, 2009.
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