CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA _ VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE BRASÍLIA - DF
CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS
DO BRASIL – CFOAB, serviço público dotado de personalidade jurídica própria e forma Federativa, regulamentado pela Lei nº 8.906/94, com sede em Brasília/DF, no SAUS, Qd. 05, Lote 01, Bloco M, inscrito no CNPJ sob nº 33.205.451/0001-14, por seu Presidente XXXXXXX XXXXXXX XXXXXX
XXXXXXXX e pelos advogados que esta subscrevem, propor
AÇÃO ORDINÁRIA
com pedido de concessão e tutela de urgência
contra a UNIÃO FEDERAL, o que faz pelos seguintes fundamentos de fato e de direito.
I – DOS FATOS
1. Em 3 de julho de 2015, mediante a Instrução Normativa nº
1.571 (em anexo), a Receita Federal do Brasil, sem a observância dos requisitos objetivos descritos na legislação federal e constantes na interpretação constitucional outorgada pelo Supremo Tribunal Federal ao art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001, instituiu a obrigação para que determinadas entidades lhe transmitam informações bancárias e financeiras a respeito de seus respectivos clientes.
2. As entidades obrigadas a apresentar tais informações são as seguintes: i) pessoas jurídicas autorizadas a estruturar e comercializar planos de benefícios de previdência complementar; ii) pessoas jurídicas autorizadas a instituir e administrar Fundos de Aposentadoria Programada Individual (Fapi);
iii) pessoas jurídicas que tenham como atividade principal ou acessória a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, incluídas as operações de consórcio, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia de valor de propriedade de terceiros, e; iv) as sociedades seguradoras autorizadas a estruturar e comercializar planos de seguros de pessoas.1
3. Tais entidades devem fornecer à Receita Federal as informações financeiras relacionadas abaixo:
"I - saldo no último dia útil do ano de qualquer conta de de- pósito, inclusive de poupança, considerando quaisquer movi- mentações, tais como pagamentos efetuados em moeda cor- rente ou em cheques, emissão de ordens de crédito ou docu- mentos assemelhados ou resgates à vista e a prazo, discrimi- nando o total do rendimento mensal bruto pago ou creditado à conta, acumulados anualmente, mês a mês;
1 IN 1.571/15: “Art. 4º Ficam obrigadas a apresentar a e-Financeira:
I - as pessoas jurídicas:
a) autorizadas a estruturar e comercializar planos de benefícios de previdência complementar;
b) autorizadas a instituir e administrar Fundos de Aposentadoria Programada Individual (Fapi); ou
c) que tenham como atividade principal ou acessória a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, incluídas as operações de consórcio, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia de valor de propriedade de terceiros; e
II - as sociedades seguradoras autorizadas a estruturar e comercializar planos de seguros de pessoas (...)”
II - saldo no último dia útil do ano de cada aplicação finan- ceira, bem como os correspondentes somatórios mensais a crédito e a débito, considerando quaisquer movimentos, tais como os relativos a investimentos, resgates, alienações, ces- sões ou liquidações das referidas aplicações havidas, mês a mês, no decorrer do ano;
III - rendimentos brutos, acumulados anualmente, mês a mês, por aplicações financeiras no decorrer do ano, individualiza- dos por tipo de rendimento, incluídos os valores oriundos da venda ou resgate de ativos sob custódia e do resgate de fun- dos de investimento;
IV - saldo, no último dia útil do ano ou no dia de encerramen- to, de provisões matemáticas de benefícios a conceder refe- rente a cada plano de benefício de previdência complementar ou a cada plano de seguros de pessoas, discriminando, mês a mês, o total das respectivas movimentações, a crédito e a dé- bito, ocorridas no decorrer do ano, na forma estabelecida no inciso I do caput do art. 15;
V - saldo, no último dia útil do ano ou no dia de encerramen- to, de cada Fapi, e as correspondentes movimentações, dis- criminadas mês a mês, a crédito e a débito, ocorridas no de- correr do ano, na forma estabelecida no inciso I do caput do art. 15;
VI - valores de benefícios ou de capitais segurados, acumula- dos anualmente, mês a mês, pagos sob a forma de pagamento único, ou sob a forma de renda;
VII - lançamentos de transferência entre contas do mesmo ti- tular realizadas entre contas de depósito à vista, ou entre contas de poupança, ou entre contas de depósito à vista e de poupança;
VIII - aquisições de moeda estrangeira;
IX - conversões de moeda estrangeira em moeda nacional;
X - transferências de moeda e de outros valores para o exte- rior, excluídas as operações de que trata o inciso VIII;
XI - o total dos valores pagos até o último dia do ano, inclu- indo os valores dos lances que resultaram em contemplação, deduzido dos valores de créditos disponibilizados ao cotista e as correspondentes movimentações, ocorridas no decorrer do ano, discriminadas mês a mês, a crédito e a débito, na forma estabelecida no inciso I do caput do art. 15, por cota de con- sórcio; e
XII - valor de créditos disponibilizados ao cotista, acumula- dos anualmente, mês a mês, por cota de consórcio, no decor- rer do ano".2
4. As informações financeiras citadas acima devem ser transmitidas por meio da e-Financeira, que é a declaração fiscal criada pela IN 1.571/15 para instrumentalizar a entrega destes dados à Receita Federal.
5. Da forma como foi instituída, a e-Financeira é obrigatória para fatos ocorridos desde 1º de dezembro de 2015 e deve ser transmitida, semestralmente e de ofício, ou seja, sem a necessidade de requisição fundamentada por parte da autoridade fiscal, até fevereiro com informações relativas ao segundo semestre do ano anterior, e até agosto contendo informações do primeiro semestre do ano em curso. "Excepcionalmente, para os fatos ocorridos entre 1º e 31 de dezembro de 2015, a e-Financeira poderá ser entregue até o último dia útil de maio de 2016".3
6. Ocorre que, como se demonstrará, a e-Financeira subverte as diretrizes constantes no art. 6º, caput, da Lei Complementar nº 105/2001, viola os arts. 3º e 50 da Lei Federal nº 9.784/99 e, essencialmente, o entendimento firmado pela Suprema Corte quando do julgamento do Recurso Extraordinário com repercussão geral de nº 601.314/SP.
7. Diante deste cenário, a presente ação objetiva afastar a eficácia e aplicação da IN 1.571/15 em relação aos advogados e sociedades de advogados de todo o Brasil vinculados à Ordem dos Advogados do Brasil.
2 IN 1.571/15, art. 5º.
3 IN 1.571/15, art. 10.
II – DA INCOMPATIBILIDADE DA IN 1.571/2015 COM O ENTEN- DIMENTO FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RE 601.314/SP
8. Como se sabe, a IN 1.571/15 não é inteiramente uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que sucede as Instruções Normativas de nº 802, de 27 de março de 2007, e de nº 811, de 28 de janeiro de 2008, que, por sua vez, decorrem da publicação da Lei Complementar nº 105/2001, que previu, no caput dos arts. 5º e 6º, a possibilidade de a Administração Fiscal ter acesso a informações financeiras de clientes de determinadas entidades, nos seguintes termos:
“Art. 5º O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.
***
Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registro de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.”
(Grifo da transcrição).
9. O controvertido artigo 6º da LC 105/2001 foi objeto de questionamento, perante o Judiciário, por parte dos contribuintes, sob os sólidos fundamentos de que violaria o direito ao sigilo bancário, abarcado pelo direito a intimidade (art. 5º, X, da CF) e vertente do direito a inviolabilidade ao sigilo de correspondência (art. 5º, XII, da CF).
10. Após anos de discussão, diante da relevância da matéria e dos diversos posicionamentos divergentes emanados pelos diversos órgãos do Judiciário, a controvérsia chegou ao Supremo Tribunal Federal, por meio do
Recurso Extraordinário nº 601.314/SP, cuja a repercussão geral foi reconhecida sob o enunciado do Tema nº 225 que englobava a constitucionalidade do “Fornecimento de informações sobre movimentações financeiras ao Fisco sem autorização judicial, nos termos do art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001”.
11. Ao se debruçar sobre o Tema, em 24 de fevereiro de 2016, o STF, por maioria de votos, declarou a constitucionalidade do ato normativo impugnado, assentando a seguinte tese:
“O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece, requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal”.
12. Eis a ementa do julgado (inteiro teor em anexo):
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO AO SIGILO BANCÁRIO. DEVER DE PAGAR IMPOSTOS. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÃO DA RECEITA FEDERAL ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR 105/01. MECANISMOS FISCALIZATÓRIOS. APURAÇÃO DE CRÉDITOS RELATIVOS A TRIBUTOS DISTINTOS DA CPMF. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA NORMA TRIBUTÁRIA. LEI 10.174/01.
1. O litígio constitucional posto se traduz em um confronto entre o direito ao sigilo bancário e o dever de pagar tributos, ambos referidos a um mesmo cidadão e de caráter constituinte no que se refere à comunidade política, à luz da finalidade precípua da tributação de realizar a igualdade em seu duplo compromisso, a autonomia individual e o autogorverno coletivo.
2. Do ponto de vista da autonomia individual, o sigilo bancário é uma das expressões do direito de personalidade que se traduz em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de quem quer que seja, inclusive do Estado ou da própria instituição financeira.
3. Entende-se que a igualdade é satisfeita no plano do autogoverno coletivo por meio do pagamento de tributos, na medida da capacidade contributiva do contribuinte, por sua vez vinculado a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas de seu Povo.
4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais, ao exercer a relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal.
(...)
6. Fixação de tese em relação ao item “a” do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: ‘O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para fiscal’.
(...)
8. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (STF, Tribunal Pleno, RE 604.314/SP, Rel. Min. Xxxxx Xxxxxx, Publicado no DJe em 16/09/2016).
13. Assim, conforme se extrai da ementa do julgado e da tese fixada, no que pese assenta da constitucionalidade do art. 6º da LC 105/2001, o STF concedeu interpretação conforme à Constituição e fixou alguns requisitos, em respeito aos direitos fundamentais dos contribuintes, para validação da transferência de sigilo bancário entre as instituições financeiras e o Fisco Federal. Dentre eles, em especial, está a necessidade de instauração de processo administrativo prévio com a cientificação do contribuinte e desde que precedido de decisão fundamentada.
14. Esse entendimento decorre da aplicação do disposto no art. 5º, LV, da CF/88, e nos arts. 3º, II e 50, da Lei nº 9.784/99, ao art. 6º da própria LC 105/01.
15. Isto porque o art. 6º da LC nº 105/014 estabelece que somente poderá ser realizado o repasse de informações descritas no art. 5º do mesmo diploma se houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso, e desde que sejam indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Logo, em se tratando de processo administrativo federal, inegavelmente, o administrador público deverá respeitar as diretrizes e condições estabelecidas em sua lei regulamentadora.
16. Desse modo, a Lei Federal nº 9.784/99, ao dispor sobre o direito dos administrados no processo administrativo federal, em seu art. 3º, inciso II, estabeleceu o direito de tomar ciência da tramitação dos processos administrativos os quais possua interesse, essencialmente, aqueles que possuem interesse jurídico direto na resolução da questão debatida, como se verifica no caso do contribuinte que tenham seus dados bancários requisitados pela autoridade tributária federal.
17. Eis o teor do dispositivo supracitado:
“Art. 3º. O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
(...)
II – ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;”
18. Não obstante o dever de cientificar o contribuinte sobre o processo administrativo instaurado, também cabe à Administração tributária demonstrar a essencialidade ou o caráter imprescindível das informações requisitadas para a finalidade a qual almeja, seja ela a mera fiscalização de não pagamento de tributos, como ocorrência de infrações tributárias ou até mesmo o cometimento de fraude.
19. Este dever de fundamentação dos atos administrativos já vinha disciplinado no art. 50 da Lei 9.784/99:
4 Art. 6º. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
“Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;”
20. Ou seja, o legislador federal nada mais fez do que disciplinar, no âmbito infraconstitucional, direitos fundamentais dos administrados/contribuintes, tais como o direito à privacidade (art. 5, X, CF), o direito ao devido processo legal (art. 5º, LIV, CF) e o direito ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LV, CF).
21. Foi este o raciocínio que levou o Supremo Tribunal Federal a declarar, com interpretação conforme, a constitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001, conforme se depreende dos trechos de votos de alguns ministros quando do julgamento do RE 601.314/SP.
22. Ao suscitar submeter a questão ao Plenário da Corte Suprema o então Ministro Presidente, Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx, explanou:
“Muito bem, então o sigilo só pode ser quebrado se houver um processo administrativo em curso. A Lei complementar diz isso no art. 6º.
Bem, o que diz a Lei Federal 9.784? A que fez alusão o eminente Ministro Relator. Xxxx Xxxxxxx.
‘Art. 3º. O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:
(...)
II – Ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;’
Portanto, eu estaria sugerindo, num primeiro momento, como uma possível interpretação conforme, sem redução de textos, que, primeiramente, fosse observado o art. 3º, II, desta Lei Federal 9.784, dando ciência da instauração de processo administrativo por parte do Fisco e possibilitando ao interessado ter vista dos autos, ter cópia, enfim, de todos os
documentos neles contidos, inclusive tendo em conta a nossa Súmula Vinculante que disciplina a matéria exatamente nessa linha.
(...)
Então, na linha do que Vossa Excelência está propondo, eu, dependendo do encaminhamento deste julgamento, eventualmente, sugeriria que se desse interpretação conforme ao art. 6º, conforme a Constituição, sem redução do texto, observadas as garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, nos termos do art. 5º, LV, da Constituição, que estão materializados exatamente no art. 3º, II, da Lei 9.784. Tudo isso sem desconsiderar os postulados da necessidade de fundamentação dos atos administrativos, que consta exatamente no art. 50 desta mesma Lei, e da inafastabilidade de jurisdição.
23. Por sua vez, o Min. Xxxxxxx Xxxxxxx, em seguida, deixou consignado o seu entendimento no mesmo sentido, in verbis:
“Mas, veja, Vossa Excelência: se a Lei Complementar nº 105, no artigo 6º, exige a instauração de processo administrativo, eu concordo plenamente com Vossa Excelência de que estas regras da lei do processo administrativo hão de se aplicar . Eu não teria dificuldade. Podemos explicitar.”
24. O Min. Xxxx Xxxxxxx - relator das ADI’s 2.859, 2.390, 2.386 e 2.397, cujo julgamento se deu em conjunto ao RE 601.314 – reafirmou o entendimento que veio a prevalecer na Corte:
“Pois bem, aqui se pressupõe um processo anterior. Todas as preocupações do Ministro Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx e de Vossa Excelência, Presidente, entendo que elas estão compreendidas nos dispositivos legais ora em vigor, mas, muitas vezes, no Brasil, às vezes, é necessário explicitar o que já é explícito e dizer o óbvio.
(...)
Porque aqui se pressupõe o processo aberto, o contribuinte já intimado e, ele sabe que ele vai ter aquele acesso; se ele acha que aquele acesso está sendo abusivo, ele vai se socorrer ao Judiciário.
(...)
Garantindo-se o sigilo de todas as informações, dá-se acesso integral ao processo, e a pessoa fica previamente ciente de que haverá aquele tipo de ‘devassa’ nas suas contas e nas suas movimentações, porque, se ela entender necessário, ela vai à Justiça. Para haver processo administrativo, ela tem que ter sido intimada, senão não há processo; há um procedimento.”
25. Assim, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal elencou, como condição sine qua non de constitucionalidade da transferência de informações estabelecidas no artigo 6º da Lei Complementar nº 105/2001, a necessidade de instauração de processo administrativo prévio com a cientificação do contribuinte e desde que demonstrada, em ato fundamentado, a indispensabilidade das informações pelo Fisco Federal.
26. Contudo, da forma que restou estabelecida pela IN/RFB nº 1.571/01 não há previsão de cumprimento de nenhuma das condições elencadas no art. 6º da LC 105/01 e pelo Supremo Tribunal Federal.
27. Como descrita no preâmbulo desta inicial, a e-Financeira, procedimento administrativo regulamentado pela norma atacada, a qual estabelece em seus artigos 10 e 13 o repasse obrigatório e periódico, isto é, sem qualquer juízo de valor e descartada a requisição fundamentada por parte da Receita Federal, das informações descritas no artigo 5º do ato normativo impugnado, sob pena de aplicação de multa.
28. Eis o teor do dos dispositivos supracitados:
“ Art. 10. A e-Financeira é obrigatória para fatos ocorridos a partir de 1º de dezembro de 2015 e deverá ser transmitida semestralmente nos seguintes prazos, observado o disposto no art. 11:
I - até o último dia útil do mês de fevereiro, contendo as informações relativas ao segundo semestre do ano anterior; e (Vide Instrução Normativa RFB nº 1647, de 30 de maio de 2016)
II - até o último dia útil do mês de agosto, contendo as informações relativas ao primeiro semestre do ano em curso.
(Vide Instrução Normativa RFB nº 1647, de 30 de maio de 2016)
§ 1º Excepcionalmente, para os fatos ocorridos entre 1º e 31 de dezembro de 2015, a e-Financeira poderá ser entregue até o último dia útil de maio de 2016.
§ 2º O prazo para entrega da e-Financeira será encerrado às 23h59min59s (vinte e três horas, cinquenta e nove minutos e cinquenta e nove segundos), horário de Brasília, do dia fixado para sua apresentação.
***
Art. 13. A não apresentação da e-Financeira nos prazos fixa- dos no art. 10 ou a sua apresentação com incorreções ou omissões acarretará aplicação, ao infrator, das multas previs- tas:
I - no art. 30 da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, quanto às informações abrangidas pela Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001; ou
II - no art. 57 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, quanto às demais informações.
29. Nesse passo, não restam dúvidas que a e-Financeira, estabelecida pela IN 1.571/15, segue em sentido diametralmente oposto ao posicionamento da Corte Suprema firmado no julgamento do RE 601.314/SP e das ADI’s 2.859, 2.390, 2.386 e 2.397, não obstante o disposto nos artigos 3º, II e 50 da Lei nº 9.784/99.
III - DA LEGITIMIDADE ATIVA DO CONSELHO FEDERAL E DA VIABILIDADE DA AÇÃO DECLARATÓRIA COLETIVA
30. Constitui competência legalmente estabelecida da Ordem dos Advogados do Brasil promover a representação e defesa dos advogados e de suas prerrogativas profissionais, nos exatos termos dos artigos 44, I, e 54, II, da Lei n° 8.906/94:
"Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:
(...)
II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.
(...)
Art. 54. Compete ao Conselho Federal: (...)
III - velar pela dignidade, independência, prerrogativas e va- lorização da advocacia".
31. O Conselho Federal - órgão supremo da OAB - possui legitimidade para o ajuizamento de ação judicial em face de qualquer pessoa física ou jurídica diante de afronta aos objetos de sua finalidade, conforme previsto no art. 54, XIV, da Lei n. 8.906/1994.
32. Considerando, pois, a iminente e grave ameaça oriunda da IN 1.571/15 depreende-se a legitimidade ativa deste Conselho Federal para proceder à impugnação judicial da prática.
33. O que se pretende nesta ação é a defesa dos interesses ou direitos coletivos, estes compreendidos nos transindividuais e de natureza indivisível, de que seja titular um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si por relação com base jurídica – art. 81, II, do Código de Defesa do Consumidor.
34. Por se tratar a questão de matéria tributária, há a vedação da Ação Civil Pública (parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85), de modo que, embora a questão não trate de direito do consumidor, recorre-se ao dispositivo acima mencionado, em analogia, para conferir a tutela coletiva ora pretendida. Há inúmeros precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça que sufragam a estratégia processual ora adotada:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO COLETIVA. SINDICATO. INTERESSE DE AGIR. CAUSA DE PEDIR. EXIGÊNCIA DE DESCRIÇÃO PORMENORIZADA DA SI- TUAÇÃO DE TODOS OS SUBSTITUÍDOS. DESCABIMEN- TO.
1. Cuida-se, na origem, de Ação Coletiva proposta por sindi- cato em favor de servidores públicos da Universidade Federal de Pernambuco para que lhes seja reconhecido o direito à in- cidência de Imposto de Xxxxx sobre verbas remuneratórias
recebidas de forma acumulada por força de decisão judicial, de acordo com as tabelas e alíquotas vigentes à época em que deviam ter sido pagas, e à repetição do indébito.
2. O Tribunal a quo confirmou a sentença que extinguiu o processo sem resolução de mérito, por entender que não ficou comprovado o interesse de agir. (…)
6. Em ações coletivas, é suficiente para a caracterização do interesse de agir a descrição exemplificativa de situações liti- giosas de origem comum (art. 81, III, do CDC), que precisam ser solucionadas por decisão judicial. (…)
8. Portanto, é prescindível que a causa de pedir da ação cole- tiva propriamente dita (primeira fase cognitiva) contemple descrição pormenorizada das situações individuais de todos os servidores que supostamente foram submetidos a paga- mento indevido de Imposto de Renda.
9. Recurso Especial provido”. (grifou-se)
35. De igual modo, já se manifestou o Tribunal Regional Federal da 1ª Região:
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. ASSOCIAÇÃO. AÇÃO COLETIVA AJUIZADA POR ENTI- DADE DE ABRANGÊNCIA LOCAL EM FACE DA UNIÃO NO DISTRITO FEDERAL. COMPETÊNCIA CONSTITUCI- ONAL (ART. 109, § 2º). LIMITAÇÃO SUBJETIVA PREVISTA NO ART. 2º-A DA LEI 9.494/97. INAPLICABILIDADE. PRE- LIMINAR AFASTA. SENTENÇA ANULADA. JULGAMENTO DO MÉRITO. ART. 515, § 3º, DO CPC. PIS. COFINS. ALARGAMENTO DA BASE DE CÁLCULO. ART. 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718/98. INCONSTITUCIONALIDADE DECLA- RADA PELO STF. REPERCUSSÃO GERAL (RE 585235). CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS 10.637/2002 E 10.833/2003. APLICAÇÃO CONFORME O ENQUADRA- MENTO DO REGIME TRIBUTÁRIO DO IRPJ. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. LC 118/2005. COMPENSAÇÃO. HONORÁRIOS.” (grifou-se)
36. Assim, demonstra-se clara a legitimidade do Autor no referido remédio jurídico para representar a classe da advocacia e a escorreita adoção da via eleita.
IV - DA TUTELA DE URGÊNCIA
37. Parece inquestionável que, no caso em apreço, concorrem os requisitos legais para o deferimento da tutela de urgência nos termos dos arts. 300 e seguintes do Código de Processo Civil.
38. Com efeito, a fumaça do bom direito encontra-se presente nos fundamentos jurídicos acima demonstrados, notadamente na jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal.
39. Encontra-se presente também nesta demanda o periculum in mora, dado que se não for concedida a antecipação de tutela ora pleiteada, correm os advogados o risco da ineficácia do provimento principal.
40. Neste caso, a maior demonstração do periculum in mora é a própria aplicação da legislação, que acarretará, de maneira inconstitucional, o repasse de informações bancárias de um sem número de contribuintes às autoridades fazendárias, tornando-se medida irreversível, uma vez de estando as autoridades fazendárias de posse das informações financeiras, posterior sentença que suspenda o fornecimento destes dados não reverterá os efeitos da prática inconstitucional perpetrada.
41. Nesse contexto, há que se considerar, inclusive, que a transferência de informações, nos moldes da Instrução Normativa impugnada, se dá de forma periódica e vinculada, razão pela qual corrobora na demonstração do periculum in mora.
42. Desse modo, requer-se o deferimento de antecipação de tutela para que seja determinada a suspensão da eficácia e aplicação da IN 1.571/15 em relação aos advogados e sociedades de advogados de todo o Brasil vinculados à Ordem dos Advogados do Brasil.
V - DOS PEDIDOS
43. Diante de todo o exposto, requer-se que:
(a) seja deferida a tutela de urgência para que, com a suspensão da eficácia da IN RFB 1.571/15, as instituições financeiras não sejam compelidas a encaminharem à Receita
Federal do Brasil informações protegidas pelo sigilo bancário (movimentações financeiras) relativas aos advogados e sociedades de advocacia, salvo se houver prévia instauração de processo administrativo fiscal com a devida intimação do respectivo contribuinte, para tanto, oficiando-se ao Banco Central do Brasil – BACEN, Superintendência de Seguros Privados – SUSEP e Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC;
(b) seja citada a União Federal, na pessoa do seu representante legal, para responder à presente ação;
(c) seja julgada procedente a presente ação, determinando a não aplicação da IN 1.571/15 em relação aos advogados e sociedades de advogados de todo o Brasil vinculados à Ordem dos Advogados do Brasil, por todos os motivos expostos no deslinde da presente peça.
44. Protesta-se por todos os meios de prova em Direito admitidos.
45. Dá-se à causa, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Nestes termos, pede deferimento.
Brasília-DF, 5 de julho de 2017.
Xxxxxxx Xxxxxxxx
Presidente do Conselho Federal da OAB
Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx
Procurador Tributário Especial do Conselho Federal da OAB OAB/DF 21.445
Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
OAB/DF 16.275