Contrato de trabalho pedagógico: uma experiência no Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina
Contrato de trabalho pedagógico: uma experiência no Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina
Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx de Sá CEFET-SC
Fracasso escolar; tecnólogo; contrato
ST 38 - Ciência, tecnologia e poder: conhecimento e práticas de gênero
1. Introdução:
Em agosto de 2006 foi constituído, no CEFET-SC, um Grupo de Trabalho (GT) multidisciplinar, a partir de uma demanda institucional. A Direção Geral do CEFET-SC estava alarmada com os dados de gestão/2005 onde ficou evidenciado que o índice de evasão no semestre 2005/2 foi de 22,2%, em média.
A partir da apresentação desta questão institucional o GT foi organizado com os objetivos de escrever um projeto que identificasse os dados por curso em cada unidade de ensino, e propusesse ações para diminuir os índices do Fracasso Escolar.
Com base nos dados institucionais, os objetivos específicos foram: elaborar um diagnóstico baseado nos dados Institucionais que permitisse construir hipóteses indicadoras do problema da evasão e da repetência (fracasso escolar) no CEFET-SC; realizar uma revisão bibliográfica em torno dos temas: evasão escolar, repetência e fracasso escolar, a fim de subsidiar o projeto; apresentar uma metodologia de solução de problemas para o desenvolvimento do projeto. E assim, em março de 2007 foi apresentado, a instituição, o PROJETO PERMANÊNCIA E ÊXITO DO EDUCANDO NO CEFET-SC.
Como está proposto, no corpo do projeto, sua principal finalidade é o estabelecimento de uma política de acompanhamento sistemático do aluno, com vistas à sua permanência e êxito na instituição. E com este foco o projeto esta sendo desenvolvido numa linha de pesquisa ação onde ao longo das pesquisas realizadas por meio do levantamento dos dados, e dos referenciais bibliográficos foram, também, propostas e executadas algumas atividades diferenciadas, bem como, acompanhadas outras já em andamento. Esta modalidade de pesquisa, ação, proporcionou ao GT um movimento de fomento de novos conceitos, e uma retomada as discussões necessárias do ponto de vista da finalidade e do custo institucional na formação de seus alunos.
Uma das ações contidas no projeto, a partir do que foi diagnosticado, era a necessidade institucional de aproximação destes alunos para conhecê-los, diferencia-los e desta forma implica- los responsavelmente no êxito do processo de ensino aprendizagem.
Nesta perspectiva aparece a necessidade de conhecer este aluno não apenas como dado estatístico, mas como sujeito do processo, em sua singularidade. Esta necessidade de conhecer o aluno e com ele firmar um vínculo de aprendizagem foi a propulsora na busca de uma atividade que pudesse atender o aluno individualmente. A partir de experiências profissionais, pessoais e educacionais elaboramos uma atividade de acompanhamento dos alunos que convencionamos chamar de CONTRATO DE TRABALHO PEDAGOGICO, que se estabelece a partir de uma entrevista, por nós designada, ENTREVISTA DE ACOLHIMENTO. Esta proposta de trabalho de acompanhamento dos alunos esta sendo desenvolvida no CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM AUTOMAÇÃO INDUSTRIAL NO CEFET-SC.
2. O contrato
A idéia deste contrato é criar um laço, um vínculo de confiança com o aluno. Embora, falar de contrato remeta a uma atitude formal, nosso contrato é feito de doação, de entendimento e, fundamentalmente, de acolhimento do aluno.
A função imaginária do contrato, feito no início do curso, é estabelecer entre instituição e alunos relações cordiais, um contato permanente, direto, amigável.
Este contrato é regido e dimensionado no acordo do um a um, ou seja, temos alguns passos a seguir, mas isto não deve padronizar e engessar todos os acordos.
O contrato é delineado e firmado durante uma entrevista individual que convencionamos chamar de ENTREVISTA DE XXXXXXXXXXX, com seu devido enquadre, dentro de um setting previamente organizado para este fim. Como o encontro ou a entrevista para o contrato terá um tempo resumido, é importante utilizar algumas ferramentas das entrevistas preliminares propostas pela psicanálise, no que diz respeito ao vínculo inicial. Ainda que não tenhamos disponibilidade de tempo para criar intimidade, precisamos fomentar um clima descontraído e de confiança, focado em nosso objetivo de conhecer o aluno e comprometê-lo frente à realidade do curso e da instituição, para poder estabelecer as cláusulas do contrato.
O objetivo do trabalho, como o próprio nome indica, é firmar um acordo, um pacto entre sujeito de aprendizagem e a instituição com a função de estabelecer um novo vínculo de trabalho entre as partes. Sendo assim, subvertemos a ordem dos contratos formais inscritos na instância subliminar dos “contratados”. Os contratos realizados na escola estão sempre subentendidos, o aluno está ali para aprender, e, neste raciocínio, o professor para ensinar. Entretanto, quando aparece uma ruptura nesta lógica de atuação institucional, buscamos aportes para rever estas situações e os contratos (Xxxxxxx,2002) são explicitados e repensados .
Propor um contrato nesta ordem sinaliza ou reafirma uma pré-disposição da instituição frente ao aluno, sua história e sua capacidade de responsabilizar-se, marcando uma relação do um por um, ímpar, um acordo único e possível neste momento.
Os estudos com relação ao Contrato Didático (Xxxxxx,1996; Xxxxxxx,2002 e Xxxxx, 2003) e ao Contrato Pedagógico (Xxxxxxx,2002 e Xxxxx,2003) sugerem que, muito embora estes ocorram de forma paralela a nossa proposta, dela se diferenciam quanto a sua aplicação e estratégia. Estes contratos estão dados a priore na relação professor X aluno X saber e na relação aluno X professor X instituição. Desta forma, são organizados e pensados institucionalmente como um todo, mesmo que o nosso discurso com relação ao conhecimento aponte para a construção e apropriação singular do sujeito.
Pensar em um contrato a partir das demandas de cada aluno (um por um) e da capacidade institucional em atendê-lo implica a organização de condições internas e externas para sua execução. Esta abordagem se diferencia dos contratos implícitos ao processo de ensino aprendizagem. O trabalho de contrato pedagógico é explicitado, olho no olho, convocando as partes interessadas a se implicarem em sua realização. Quando colocamos a questão da escola estar implicada estamos nos referenciando a um posicionamento frente ao novo que se consubstancia na historia de cada aluno e no acolhimento que deve ser dado a este sujeito que é o motivo de nosso trabalho.
Fomentar ações, buscar recursos, organizar informações e oferecê-las ao aluno, garantindo seu direito de estar na escola sem se sentir humilhado ou perdido. Acolher este aluno, ganhar sua confiança e respeito para poder confrontá-lo com seu desejo. Xxxxxx, o que espera este aluno desta escola a partir de sua posição histórica?
3. O Enquadre do contrato
Pode-se dizer que este enquadre, o enquadre do Contrato de Trabalho Pedagógico é o de uma entrevista, ENTREVISTA DE XXXXXXXXXXX, na qual o aluno é convidado a pensar sua relação com a instituição, com o saber e com a sua realidade.
Esta entrevista tem a formatação de uma conversa focada no acolhimento, aqui pensado como uma atitude de percepção do outro em sua totalidade e individualidade. A atitude de acolhimento deve ser sincera e tranqüila, tendo o entrevistador a segurança de quem acredita neste trabalho. Para tanto, desde o momento em que recebe o aluno à porta até a primeira pergunta, seu objetivo deve ser de personalizar a entrevista e descontrair o entrevistado.
Ao mesmo tempo, o entrevistador deve dirigir a conversa para o seu objetivo, apresentando-se e aos demais entrevistadores (se houver), propondo o objetivo da entrevista (de forma clara, porém resumida) e enfatizando o interesse da Coordenação do Curso em ser sua aliada neste processo.
Nas entrevistas preliminares da Psicanálise (Quinet,2005) o papel destes encontros é o de fornecer subsídios para a construção de um diagnóstico diferencial e para a formulação de um contrato de trabalho de análise. Contudo, em nosso contexto, a atitude desejada não é a de enquadrar o aluno em um roteiro nosso gráfico ou de preencher um questionário fechado previamente organizado. O foco é ouvir e sustentar na fala do aluno o seu conteúdo. Nossa atenção deve estar no conteúdo do relato, no seu entorno e na sua forma de apresentação. Deve-se procurar verificar como o sujeito sustenta seu discurso, observando as contradições deste relato para depois reapresentar este mesmo conteúdo, implicando o sujeito com seu desejo.
A Entrevista de Acolhimento deve manter uma atitude (comentários e escuta) centrada no Contrato de Trabalho Pedagógico, ou seja, a instituição, através da escuta atenta, procura conhecer a individualidade e as particularidades do novo aluno; com base nessas informações os entrevistadores deverão questioná-lo com relação ao seu real interesse, disponibilidade e organização para acompanhar o curso. A intencionalidade da entrevista vai facilitar a construção de cláusulas coerentes do contrato entre o aluno e instituição.
O retorno esperado ao final da entrevista é um contrato verbal, no qual cada parte compromete- se a auxiliar a outra, dentro deste espaço e tempo do curso. Espera-se também que, em curto prazo, o aluno sinta-se comprometido com a instituição, na pessoa de seus representantes, buscando ajuda nas situações complexas; em contrapartida, a instituição deve conhecer e reconhecer a vivência de cada aluno.
É importante esclarecer que, apesar de utilizar alguns referenciais teóricos da área da Psicanálise esta entrevista não tem um fim terapêutico ou catártico. Embora este trabalho mobilize questões subjetivas cognitivas e afetivas do entrevistador e do entrevistado, este enquadre serve para conhecer a história do aluno, acolhê-lo e apresentar-lhe o curso, explicitando as responsabilidades das partes envolvidas.
4. O setting do contrato
Falar de setting remete a um espaço físico previamente definido e preparado onde o enquadre de nosso trabalho ocorre. Esse é o local onde se articula esta proposta no formato de entrevista, a ENTREVISTA DE ACOLHIMENTO. O setting necessário para esta entrevista requer um local privado de movimento. O ideal é uma sala mais isolada, que pode ser pequena, mas que resguarde a privacidade. É preciso que o entrevistado não se sinta exposto ao público e também que se possa manter atento ao entrevistador na conversa.
Destacamos a importância de organizar a ordem do mobiliário como ferramenta de trabalho. É interessante dispor as cadeiras ou poltronas de maneira a privilegiar o contato frente a frente com o
aluno, resguardando-se a distância necessária para a circulação e para formalidade que cabe a esta situação.
5. Curso Superior de Tecnologia em Automação Industrial
Por iniciativa da Coordenadora do Curso Superior de Tecnologia em Automação Industrial, que é, também, Coordenadora do GT Permanência e Êxito do Educando no CEFET-SC a partir do semestre 2007/1 iniciou-se o trabalho de Entrevista de Acolhimento com os alunos do primeiro módulo do Curso Superior de Tecnologia em Automação Industrial.
A linha de tempo ainda é curta para avaliar de forma mais detalhada a repercussão do Contrato de Trabalho Pedagógico. Contudo, neste período já foram entrevistados 63 alunos, o índice de evasão não teve uma diminuição considerável, pois, dos 36 alunos que ingressaram no curso em 2007/2 somente 27,7% obtiveram êxito escolar. Contudo, a reprovação diminuiu de forma significativa 22,2% reprovação sem evasão no mesmo período . Ë consenso, no grupo de professores deste módulo e na coordenação do curso, que os alunos que passaram pela experiência do Contrato se mobilizam e organizam mais rápido para estudar e superar as dificuldades encontradas. Mesmo os alunos que desistem do curso, por razões alheias a escola, procuram a coordenação do curso para explicar sua tomada de decisão, esta atitude pode ser interpretada como a resposta a este vinculo estabelecido na entrevista.
Terminadas as entrevistas, e após avaliar o perfil dos alunos foi possível organizar grupos de estudo com os alunos, intensificar o trabalho de monitoria com alunos com dificuldade de conteúdo, e orientar os alunos com dificuldades financeiras dentro da instituição de uma forma mais discreta e rápida.
No próximo semestre serão realizadas entrevistas com todos os professores do primeiro módulo para propor um acordo de trabalho e avaliar de forma mais detalhada os efeitos do Contrato de Trabalho Pedagógico com os alunos ingressantes. Outros cursos, em outras Unidades de Ensino do CEFET-SC já estão se organizando para desenvolver a Entrevista de Acolhimento e o Contrato de Trabalho Pedagógico em 2008/2.
6. Referencias bibliográficas:
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XXXXX, Xxxxxxx. Obras Completas. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise (1912). Rio de Janeiro, Imago, 1980.
XXXXX, Xxxxxxx. Obras Completas. Sobre o inicio do tratamento (1913). Rio de Janeiro, Imago, 1980.
XXXXXXX, Xxxxxxxx. Devolução versus contra-devolução! Uma tendência incontrolável para o
Contrato Didático. In: XXXXXX,X.; XXXXXXX, X. (orgs.) Au-delà dês didactiques, de didactiqui, lê debat autour de concepts fedérateus. Paris. De Boeck Universit. 1996. p. 115-144. (Tradução livre de Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx).
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