Manoela Medeiros Sales
Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx
Onerosidade Excessiva nos Contratos de Fornecimento de Combustíveis
Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Mestrado Profissional em Direito Civil Contemporâneo e Prática Jurídica da PUC-Rio.
Orientador: Prof. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx
Rio de Janeiro Julho de 2022
Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx
Onerosidade Excessiva nos Contratos de Fornecimento de Combustíveis
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Mestrado Profissional em Direito Civil Contemporâneo e Prática Jurídica da PUC-Rio.
Prof. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx
Orientador Departamento de Direito – PUC-Rio
Professor Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Professora Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx Universidade Federal Fluminense Universidade Veiga de Almeida
Rio de Janeiro, 19 de julho de 2022
Todos os direitos reservados. A reprodução, total ou parcial, do trabalho é proibida sem autorização da universidade, da autora e do orientador.
Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx
Graduou-se em Direito da Universidade Federal Fluminense em 2016. Completou o curso de Pós-graduação em Direito Processual Civil na PUC-Rio em 2018.
Rio de Janeiro, 19 de julho de 2022
Ficha Catalográfica
Xxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx
Onerosidade excessiva nos contratos de fornecimento de combustíveis / Xxxxxxx Xxxxxxxx Sales; orientador: Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx. – 2022.
145 f.; 30 cm
Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Direito, 2022.
Inclui bibliografia
1. Direito – Teses. 2. Contratos empresariais. 3. Desequilíbrio contratual. 4. Fornecimento de combustíveis. 5. Resolução contratual.
6. Renegociação. I. Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx, 1979-. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Direito.
III. Título.
Ao meu avô Xxx, que me proporcionou aquilo que considero mais importante:
a educação.
Agradecimentos
Agradeço ao meu orientador, Xxxxxx Xxxxxx, por toda a disponibilidade, gentileza e confiança. Serei eternamente grata por todas as suas lições, que iluminaram o meu caminho.
Xxxxxxxx ao Xxxxx, por tanto apoio e amor, e à minha mãe, Xxxxxx, por estar sempre ao meu lado. Cursar o mestrado e concluir este trabalho em um período pandêmico fez com que eu me deparasse com um caminho muito solitário, mas, no fundo, eu sempre soube que eu não estava sozinha, graças a vocês. Obrigada por terem me dado suporte para que eu pudesse dar o melhor de mim.
Também agradeço imensamente aos meus demais familiares e aos meus amigos, nas pessoas de Xxxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxx, que pacientemente estiverem ao meu lado durante a elaboração deste trabalho. A conclusão do mestrado significa para mim a realização de um dos meus grandes sonhos e vocês são parte disso. Tenho sorte por ter vocês por perto.
Ainda, agradeço imensamente aos dois responsáveis pela minha formação profissional: Priscylla Novaes e Xxxxxx Xxxxxxxxxxx. Vocês nortearam as minhas escolhas, me inspiraram e acreditaram em mim. Nenhuma palavra é capaz de demonstrar a minha gratidão.
Por fim, agradeço à minha grande amiga Xxxxx Xxxxxxxx, que deixou esse plano logo no início do mestrado, mas nunca deixou de me acompanhar. A sua partida fez com que eu refletisse muito sobre a efemeridade da vida e, das minhas reflexões, eu pude concluir que o empenho para fazer a diferença na vida das pessoas deve sim ser desmedido. Encaro a conclusão desta etapa como uma verdadeira oportunidade para colocar esse ideal em prática e desejo fortemente que as portas da vida me levem para essa direção.
Resumo
XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Onerosidade Excessiva nos Contratos de Fornecimento de Combustíveis. Orientador: KONDER, Xxxxxx Xxxxxx. Rio de Janeiro, 2022. 145p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Esta dissertação tem como temas centrais a onerosidade excessiva e o desequilíbrio contratual superveniente nos contratos de fornecimento de combustível. Além da análise da base contratual da relação e dos dispositivos dispostos no Código Civil que visam remediar o desequilíbrio contratual superveniente, será explorado neste trabalho o posicionamento dos tribunais brasileiros em demandas judiciais que visam a resolução ou revisão contratual em razão de eventos supervenientes que alterem a base circunstancial da relação. Ainda, será analisada a pertinência do caminho da renegociação como solução para os possíveis riscos causados pelas intervenções assistemáticas do Poder Judiciário.
Palavras-chave
Contratos empresariais; Desequilíbrio contratual; Fornecimento de combustíveis; Resolução contratual; Renegociação.
Abstract
XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx. Excessive Onerosity in Fuel Supply Contracts. Advisor: XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Rio de Janeiro, 2022. 145p. Master's Dissertation – Department of Law, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
This dissertation has as its central themes the excessive onerousness and the contractual imbalance arising in the fuel supply contracts. In addition to analyzing the contractual basis of the relationship and the articles set out in the Civil Code that aim to remedy the supervening contractual imbalance, this work will explore the position of Brazilian courts in lawsuits aimed at the resolution or contractual review due to supervening events that alter the circumstantial basis of the relationship. Also, the relevance of the renegotiation path will be analyzed as a solution to the possible risks caused by the unsystematic interventions of the Judiciary.
Keywords
Business contracts; Contractual imbalance; Supply of fuels; Termination of the contractcon; Renegotiation.
Sumário
INTRODUÇÃO 9
1. ANÁLISE DA RELAÇÃO FIRMADA ENTRE DISTRIBUIDORAS DE COMBUSTÍVEIS E OS POSTOS REVENDEDORES 12
1.1. Atuação das distribuidoras de combustíveis no mercado brasileiro e as limitações impostas pela Agência Nacional do Petróleo 13
1.2. Atuação dos postos revendedores e a liberdade de aderir ao regime de bandeira 18
1.3. O pano de fundo contratual da relação 23
1.4. Premissas da relação: cláusulas de exclusividade e de aquisição de volume mínimo 29
1.5. Considerações sobre a classificação do contrato 37
1.6. Possível compreensão da cláusula de aquisição mínima de combustíveis como sendo take or pay 43
2. DESEQUILÍBRIO SUPERVENIENTE NOS CONTRATOS DE FORNECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS 48
2.1 A importância da gestão de risco contratual e da autonomia privada na formação da equação econômica do contrato 49
2.2. Repercussões da lei de liberdade econômica 58
2.3. Considerações sobre o princípio do equilíbrio contratual 68
2.4. As disposições do Código Civil que visam a remediar o desequilíbrio contratual superveniente 73
2.4.1. Contratos de execução continuada ou diferida 76
2.4. 2. Fato superveniente, extraordinário e imprevisível e motivos imprevisíveis 79
2.4.3. Onerosidade excessiva e desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução 82
2.4.4. Extrema vantagem para a outra parte 86
2.5. Possíveis consequências para o desequilíbrio contratual superveniente 88
3. O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS FRENTE AO DESEQUILÍBRIO SUPERVENIENTE DOS CONTRATOS DE FORNECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS 97
3.1 Aumento do preço dos combustíveis 98
3.2. Pandemia da COVID-19 106
3.3 Aumento da concorrência em razão da implementação de postos nas proximidades 113
3.4O caminho da renegociação como solução para os possíveis riscos causados pelas intervenções assistemáticas do Poder Judiciário 117
CONCLUSÃO 125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 130
INTRODUÇÃO
Nas palavras de Judith Martins Costa1, cada contrato é “um ato de comprometimento do futuro” e, partindo desse racional, é possível consentir que o tempo é um elemento verdadeiramente relevante à prática contratual. De fato, ao contratar, as partes estipulam a antecipação dos seus direitos e deveres, mas, é no tempo que efeitos da avença se concretizam e é o tempo o elemento que reflete a dinamicidade das relações, bem como a base sobre a qual ocorrem alterações circunstanciais capazes de distanciar a expectativa dos contratantes da realidade dos fatos2.
Assim, considerando a estrita relação entre o direito contratual e o tempo, apresenta-se como um árduo desafio ao intérprete o fato de ter que lidar com as alterações das circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar. Se, por um lado, é notória a relevância do princípio do pacta sunt servanda na esfera do direito contratual, não é possível fechar os olhos à ocorrência de fatos extraordinários capazes de pôr em xeque o equilíbrio entre as obrigações pactuadas.
Por meio deste trabalho, será realizado um estudo da relação firmada entre as distribuidoras de combustíveis e os postos revendedores que optam por aderir ao regime de bandeira, haja vista que as peculiaridades da relação trazem uma dificuldade a mais quando a temática do desequilíbrio contratual está sob análise. Em razão da complexidade da relação, fato é que inexiste um consenso jurisprudencial sobre a pertinência e a adequada medida de o Poder Judiciário se sobrepor ao poder das partes de se autorregulamentarem e interferir nas condições pactuadas pelos contratantes no advento de situação que altere as bases circunstanciais em que a relação teve origem.
Isto é, o presente trabalho se propõe a analisar aplicação dos remédios trazidos pelo legislador nos artigos 317 e 478 do Código Civil para coibir o desequilíbrio contratual superveniente na denominada relação de embandeiramento.
1 XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A cláusula de hardship e a obrigação de renegociar nos contratos de longa duração. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 7, n. 25. São Paulo: abr.-jun./2010, p. 1.
2 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. A obrigação de renegociar e as consequências de seu inadimplemento.
Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 15. São Paulo: abr./jun. 2018, p. 7.
Para tanto, no primeiro capítulo será inicialmente explicitado como se dá a atuação das distribuidoras e postos revendedores nos mercados de distribuição e revenda de combustíveis e, posteriormente será demonstrado como, na prática, tais partes se organizam contratualmente quando os postos revendedores optam por se vincular a uma distribuidora e a operar em regime de exclusividade de bandeira.
Ao ser analisada a base contratual da referida relação, poderão ser constatadas a dimensão das obrigações e direitos pactuados pelas partes, bem como compreendidos os elos que se concatenam para que ambas as partes gozem do fim econômico pretendido. Considerando que na hipótese as partes firmam um verdadeiro complexo contratual, mediante a celebração de distintos negócios jurídicos para a realização de uma operação econômica unitária3, torna-se pertinente também a exposição das principais premissas da relação, motivo pelo qual as cláusulas de aquisição mínima de combustíveis e a de exclusividade serão analisadas pormenorizadamente.
Uma vez demonstradas as especificidades do arcabouço contratual firmado pelas distribuidoras de combustíveis e os postos revendedores que optam por operar em regime de bandeira, bem como as principais premissas que norteiam a relação, serão trazidas considerações acerca da classificação contratual e será realizada uma análise específica da cláusula de aquisição mínima de combustíveis em si, que se refere ao seu enquadramento como take or pay.
Trazidos tais pontos, será realizada, na sequência, uma análise da temática que consiste no cerne principal da discussão enfrentada pelo presente trabalho: o desequilíbrio contratual superveniente. Dessa forma, no segundo capítulo será demonstrado que o elemento do risco é considerado aspecto inerente à atividade empresarial e que o instrumento do contrato se revela um importante mecanismo de gestão de riscos na formação da equação econômica da operação empresarial. Ainda, serão abordadas algumas alterações promovidas pela Lei da Liberdade Econômica no Código Civil e será realizada uma análise sobre o princípio do equilíbrio contratual.
Subsequentemente, serão então analisados os requisitos legais dos remédios trazidos pelo diploma civil ao desequilíbrio contratual superveniente,
3 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Contratos conexos: grupos de contratos, redes contratuais e contratos coligados. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000.
bem como os seus respectivos efeitos, e serão tecidos alguns comentários acerca da pertinência da renegociação na relação sob estudo.
Por derradeiro, será, então, analisado o posicionamento dos tribunais brasileiros em demandas judiciais que têm como objetivo sanar o desequilíbrio contratual superveniente na relação de embandeiramento diante de eventos como: i) o aumento do preço dos combustíveis; ii) a pandemia da COVID-19 e;
iii) o aumento da concorrência em razão da implementação de postos revendedores em localidades próximas a determinado posto já existente
Ao final, a título de elemento conclusivo, serão enfim explicitadas as considerações finais que foram alcançadas mediante a realização deste trabalho e será avaliado qual seria o caminho mais adequado a ser seguido pelas partes diante de eventual situação de desequilíbrio contratual superveniente.
1. ANÁLISE DA RELAÇÃO FIRMADA ENTRE DISTRIBUIDORAS DE COMBUSTÍVEIS E OS POSTOS REVENDEDORES
O mercado de distribuição e revenda de combustíveis, pertencente à área da indústria petrolífera denominada de “downstream”4, é um segmento bastante complexo e pouco enfrentado pela doutrina jurídica brasileira. De fato, o desenvolvimento de tal mercado é dotado de especificidades essenciais à compreensão da temática central deste trabalho, as quais serão abordadas neste momento inicial.
Em razão da elevada interdependência existente entre os diferentes elos da cadeia produtiva dos combustíveis, das limitações regulatórias vigentes e dos elevados investimentos envolvidos na logística de sua comercialização, as peculiaridades que compõem o pano de fundo da relação firmada entre distribuidoras e postos revendedores de combustíveis serão exploradas antes de ser realizado um estudo propriamente sobre o desequilíbrio contratual da relação. Nessa toada, inicialmente, o presente trabalho se dedicará a abordar a atuação das distribuidoras de combustíveis e dos postos revendedores no mercado brasileiro, bem como as limitações impostas pela Agência Nacional do
Petróleo à execução de tais atividades empresárias.
Após, a partir da exposição do pano de fundo contratual da relação, serão também expostas as suas principais premissas para que, na sequência, sejam trazidas considerações sobre a classificação da relação contratual, bem como sobre a possibilidade de compreender a cláusula de aquisição mínima de combustíveis, a qual é frequente no negócio, como sendo da categoria take or pay.
4 XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx xxx Xxxxxx. Análise do impacto dos erros de previsão no processo de planejamento de produção de uma empresa. Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Engenharia Industrial). PUC-Rio. p. 34-35. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxxx.xxxx.xxx- xxx.xx/00000/00000_0.XXX>. Acesso em: 20 ago. 2021.
1.1. Atuação das distribuidoras de combustíveis no mercado brasileiro e as limitações impostas pela Agência Nacional do Petróleo
Ao longo da década de 90, seguindo a tendência mundial do modelo de Estado Mínimo5, a qual pregava por uma interferência menos expressiva do Estado na economia, foram implementadas no Brasil uma série de reformas legislativas6, que prezavam pela desestatização e pela privatização de diversos setores da economia, que, até então, se organizavam sob o monopólio estatal.
O ideal por trás das referidas reformas era colocar o Estado não mais na posição de controlador e sim de fiscalizador da exploração econômica e garantidor da livre-concorrência7.
Nesse contexto, foi promovida a flexibilização do monopólio estatal no segmento petrolífero, mediante a promulgação de leis que permitiram a entrada de novas concorrentes no mercado e reduziram as limitações da atividade8.
O primeiro marco dessa nova fase no setor foi a Emenda Constitucional n° 09 de 1995, a qual pôs fim à exploração monopolística do petróleo, mediante a criação da possibilidade de contratação de empresas por meio do modelo das concessões, disposto no §1º do artigo 177 da Constituição Federal9.
5 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. O Brilho Da Bandeira Branca: concorrência no mercado de combustíveis no Brasil. Planejamento e políticas públicas / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada n.31. 2008. p. 37 Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxx/xxxxx.xxx/XXX/xxxxxxx/xxxx/00/00>. Acesso em: 10 set. 2021.
6 XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Cecília; XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. Quebras de contrato no setor de distribuição de combustíveis no Estado de São Paulo. XXI Encontro Nacional de Engenharia de Produção. p. 6-7. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/xxxxxx0000_xx_xxx_000_000_00000.xxx>. Acesso em: 02 set. 2021.
7 AMARAL, Xxxxxxxx xxx Xxxx; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx. Uma análise da exclusividade nas relações contratuais entre revendedor e empresa distribuidora no mercado de combustíveis. 3º. Congresso Brasileiro de P&D em Petróleo e Gás. p. 2. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx/XXXxxxx/0/xxxxxxxxx/XXX0000_00.xxx>. Acesso em: 02 set. 2021.
8 XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx de; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. A responsabilidade civil dos distribuidores e revendedores de combustíveis por vício dos produtos na indústria do petróleo e gás natural à luz do código de defesa do consumidor. p. 3-4 Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxx_xxxxxxxxx/xxxxx/xxxxx0/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxx/000000000000000 831.pdf>. Acesso 03 set. 2021. XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. O Brilho Da Bandeira Branca: concorrência no mercado de combustíveis no Brasil. Planejamento e políticas públicas / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, n.31. 2008. p 39-40. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxx/xxxxx.xxx/XXX/xxxxxxx/xxxx/00/00>. Acesso em: 10 set. 2021.
9 XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx de; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. A responsabilidade civil dos distribuidores e revendedores de combustíveis por vício dos produtos na indústria do petróleo e gás natural à luz do código de defesa do consumidor. p. 3. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxx_xxxxxxxxx/xxxxx/xxxxx0/xxxxxxxxxxx/xxxxxxxx/000000000000000 831.pdf>. Acesso 03 set. 2021.
Em razão das alterações constitucionais promovidas pela referida Emenda Constitucional, atualmente o artigo 177 da Constituição Federal prevê que a União Federal detém o monopólio das atividades de pesquisa e lavra de jazidas de petróleo, de refino e transporte marítimo de petróleo, bem como de importação e exportação de seus derivados básicos, entretanto, o seu §1º confere à União Federal a prerrogativa de contratar com empresas estatais ou privadas para a realização das referidas atividades10. Trata-se, sem dúvidas, do primeiro grande passo à abertura do mercado do setor11.
No que diz respeito especificamente à atividade de distribuição de combustíveis, inexiste previsão constitucional no sentido de que esta seja do monopólio da União Federal.
Sobre os setores de distribuição e revenda de combustíveis, a Carta Magna se limitou a prever em seu artigo 238 a necessidade de criação de lei para ordenar venda e revenda de combustíveis de petróleo, álcool carburante e outros combustíveis derivados de matérias-primas renováveis, respeitados os princípios constitucionais12:
Art. 238. A lei ordenará a venda e revenda de combustíveis de petróleo, álcool carburante e outros combustíveis derivados de matérias-primas renováveis, respeitados os princípios desta Constituição.
Nessa toada, de forma a dar efetividade ao referido dispositivo constitucional, no ano de 1997 foi promulgada a Lei 9.478/1997, a qual será a referida neste trabalho como Lei do Petróleo13. Tal norma, que diz respeito ao relevante marco regulatório para o setor petrolífero brasileiro, teve, dentre seus objetivos precípuos, o aumento da eficiência econômica, baseada, sobretudo, no incremento à competição entre os agentes econômicos.14
10 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxxx. O problema da quantificação do dano moral ambiental e seus reflexos no comércio de combustíveis adulterados. Piracicaba, 2014 Dissertação (Mestrado em Direito. Universidade Metodista de Piracicaba. p. 43-44. Disponível em:
<xxxx://xxxxxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxxxx_xxxxxxx/xxxx/xxxx/00000000_000000_xxxxxxxx.xxx>. Acesso em: 02 set. 2021.
11 XXXXXX, Xxxxxxxx xxx Xxxx. A Regulação da ANP em defesa da concorrência: uma análise da relação de exclusividade na revenda de combustíveis. Revista do IBRAC – Direito da Concorrência, Consumo e Comércio Internacional. vol. 12/2005. DTR\2011\2061. p. 101-124.
12 Ibid.
13 XXXXX XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxx Xxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxxx xxx Xxxxxx. Responsabilidade civil dos distribuidores e revendedores por adulteração de combustíveis à luz do direito do consumidor. 3º. Congresso Brasileiro de Petróleo e Gás. p.3. Disponível em: <xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx/XXXxxxx/0/xxxxxxxxx/XXX0000_00.xxx>. Acesso em: 10 jul. 2021.
Referida lei, além de dispor sobre a política energética nacional e criar a Agência Nacional do Petróleo – ANP em seu artigo 7º15, definiu, no artigo 6º XX, que a distribuição de combustíveis consiste “na atividade de comercialização por atacado com a rede varejista ou com grandes consumidores de combustíveis, lubrificantes, asfaltos e gás liquefeito envasado, exercida por empresas especializadas, na forma das leis e regulamentos aplicáveis”.
Partindo-se da sua conceituação legal vigente, observa-se que a finalidade da atividade de distribuição é atender a demanda da revenda varejista e dos grandes consumidores e, como consequência, a necessidade energética da população16 .
Ainda, é possível acrescer que, na prática, a atividade de distribuição atualmente compreende a aquisição, armazenamento, transporte, comercialização e o controle de qualidade dos combustíveis líquidos derivados de petróleo, álcool combustível e outros combustíveis automotivos17.
Fato é que desde a promulgação da Lei do Petróleo, o setor de distribuição vem evoluindo e se modificando de acordo com as tendências estatais de comando do mercado18. Embora a distribuição e a revenda de combustíveis não sejam atividades do monopólio da União Federal, conforme exposto, em razão da utilidade pública que representam, estão também sob a
14 XXXXXX, Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxx xx X. Barreiras à entrada na distribuição de combustíveis no Brasil. p. 1-2. Disponível em: < xxxxx://xxx.xxx.xx/xxx/xx- br/centrais-de-conteudo/notas-e-estudos-tecnicos/estudos-tecnicos/arquivos/2008/barreias- distirbuicao - combustivel-brasil-2008.pdf >. Acesso em: 04 set. 2021.
15 Art. 7º Fica instituída a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíves - ANP, entidade integrante da Administração Federal Indireta, submetida ao regime autárquico especial, como órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, vinculada ao Ministério de Minas e Energia.
Parágrafo único. A ANP terá sede e foro no Distrito Federal e escritórios centrais na cidade do Rio de Janeiro, podendo instalar unidades administrativas regionais.
16 XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. A Vinculação exclusiva dos revendedores às distribuidoras de combustível: infração à ordem econômica. 2010. Monografia (Graduação em Direito). Universidade Federal do Rio Grande do Norte. p. 22.
17 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx. Varejo de Gasolina. Cadernos do CADE – Varejo de Gasolina – 2014. Brasília. p. 9-10. Disponível em < xxxxx://xxx.xxxx. xxx.xx/ Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/cadernos-do-cade/varejo-de
gasolina-2014.pdf >. Acesso em 28 out. 2021.
18 XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx de; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Os meios de vinculação dos revendedores às distribuidoras de combustíveis sob o enfoque da cláusula de exclusividade. Direito e Energia. Ano 5 – Vol.8. Ago-Dez 2013. p. 3. Disponível em: < xxxxx://xxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/xxxxxx/xxxxxxx/xxxx?xxxxxXxxxxXxxxxxxxx%00Xxxxx%00X outinho%20Medeiros%20de&familyName=Luna&affiliation=&country=&authorName=Luna%2 C%20Priscilla%20Maria%20Coutinho%20Medeiros%20de >. Acesso em: 05 set. 2021.
fiscalização da ANP19, nos termos do inciso I do § 1º do artigo 1º da Lei do Petróleo.
Sobre o tema, ensina Xxxxxxxx dos Reis Amaral:
A Lei 9.847 de 1999, ao tratar da fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, em seu art. 1º, § 1º 12, também tratou da revenda e distribuição, ao dispor sobre as atividades abrangidas pelo abastecimento nacional de combustíveis, consideradas de utilidade pública.
De fato, este caráter de utilidade pública é o grande diferencial das atividades da indústria do petróleo, entre elas a revenda e distribuição, em relação a outras atividades econômicas, o que as submete à fiscalização de um órgão regulador, neste caso, a ANP20.
O que se verifica do ordenamento jurídico brasileiro atual é que a ANP é uma agência reguladora muito atuante21, responsável por exercer o poder de polícia administrativa sobre a atividade de distribuição, que fiscaliza e regulamenta o setor. São inúmeras as resoluções e portarias publicadas pela ANP que se dedicam a regular basicamente todas as etapas das atividades empresárias exercidas pelas distribuidoras pelos postos revendedores.
Acerca da aquisição de combustíveis, o artigo 18 da Resolução ANP nº 58/2014, prevê que as distribuidoras podem adquirir combustíveis de refinarias de petróleo, importadores, formuladores, centrais petroquímicas, fornecedores de etanol ou produtores de biodiesel, utilizando-se, para tanto, de contratos celebrados diretamente com esses produtores22.
No que tange à comercialização, a referida resolução, em seu artigo 29, autoriza as distribuidoras a apenas comercializarem combustíveis líquidos por atacado com os revendedores varejistas, transportadores-revendedores
19 XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx. A periodicidade e a indeterminação dos contratos de cessão de espaço e arrendamento de instalações de armazenamento de combustíveis para fins de obtenção de autorização para o exercício da atividade de distribuição: exigências da portaria 202/99 da ANP. 3º. Congresso Brasileiro de P&D em Petróleo e Gás. p. 3. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx/XXXxxxx/0/xxxxxxxxx/XXX0000_00.xxx.> Acesso 29 ago. 2021.
20 XXXXXX, Xxxxxxxx xxx Xxxx. A Regulação da ANP em defesa da concorrência: uma análise da relação de exclusividade na revenda de combustíveis. Revista do IBRAC – Direito da Concorrência, Consumo e Comércio Internacional. vol. 12/2005. DTR\2011\2061. p. 101-124. 21MELO, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Cartéis na comercialização de combustíveis e suas repercussões na economia. Ribeirão Preto (Mestrado em Direito). Universidade De Ribeirão Preto. p. 92-95. Disponível em: < xxxxx://xxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxxxx/0000-xxxxxx-xxxxxxxx-xx-xxxx/xxxx >. Acesso em: 05 set. 2021.
22 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. O Brilho Da Bandeira Branca: concorrência no mercado de combustíveis no Brasil. Planejamento e políticas públicas / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada n.31. 2008. p. 39-40 Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxx/xxxxx.xxx/XXX/xxxxxxx/xxxx/00/00>. Acesso em: 10 set. 2021.
retalhistas, outros distribuidores e grandes consumidores, observadas as demais regulações que regem o tema23.
É possível constatar das normas vigentes que o sistema de abastecimento nacional é significativamente verticalizado24, ou seja, cada agente econômico atua em uma parte do setor exercendo especificamente as suas respectivas atividades.
De fato, a verticalização é notória, ao passo que, desde a edição da Portaria ANP n.º 116/2000, restou estabelecido que os agentes econômicos atuantes na distribuição e na revenda devem ser distintos25. Isto é, o agente econômico que se dedica à distribuição não pode integrar o quadro de sócios da pessoa jurídica destinada à revenda varejista de combustíveis automotivos26.
Confira-se o teor do artigo 12 da referida Portaria:
Art. 12. É vedado ao distribuidor de combustíveis líquidos derivados de petróleo, álcool combustível, biodiesel, mistura óleo diesel/biodiesel especificada ou autorizada pela ANP, e outros combustíveis automotivos o exercício da atividade de revenda varejista.
§ 1º O caput do artigo não se aplica quando o posto revendedor se destinar ao treinamento de pessoal, com vistas à melhoria da qualidade do atendimento aos consumidores.
§ 2º O posto revendedor de que trata o parágrafo anterior deverá atender as disposições desta Portaria e ter autorização específica da ANP, como posto revendedor escola.
No mesmo sentido, o artigo 8º, incisos IX e X, da Resolução ANP n.º 41/201327 e o art. 33 da Resolução ANP n.º 58/201428 confirmam essa proibição. Ambos estabelecem que as distribuidoras estão impedidas de exercer a atividade
23 Ibid.
24 XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx de; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Os meios de vinculação dos revendedores às distribuidoras de combustíveis sob o enfoque da cláusula de exclusividade. Direito e Energia. Ano 5 – Vol.8. Ago-Dez 2013. p. 132-133. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxx/0000/0000>. Acesso em: 05 set. 2021.
25 Ibid.
26 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. O Brilho Da Bandeira Branca: concorrência no mercado de combustíveis no Brasil. Planejamento e políticas públicas / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada n.31. 2008. p. 37-38 Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxx/xxxxx.xxx/XXX/xxxxxxx/xxxx/00/00>. Acesso em: 10 set. 2021.
27 Art. 8º Será indeferida a solicitação de autorização à pessoa jurídica: (...)
IX - de cujo quadro de sócios participe pessoa jurídica que seja autorizada pela ANP à atividade de distribuição de combustíveis líquidos autorizado pela ANP.
X - que esteja autorizada pela ANP ao exercício da atividade de distribuição de combustíveis líquidos, de Transportador-Revendedor-Retalhista (TRR) ou de Transportador-Revendedor- Retalhista na Navegação Interior (TRRNI).
28 Art. 33. Fica vedado ao distribuidor de combustíveis líquidos autorizado pela ANP o exercício da atividade de transportador revendedor retalhista e de revenda varejista de combustíveis automotivos.
de revenda de combustíveis, excetuando apenas a possibilidade de operarem os denominados postos escola, os quais servem para promover o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de serviços, mão-de-obra e tecnologias29.
Isto significa que, no Brasil, a legislação vigente impede que a distribuidora de combustíveis participe do quadro de sócios de revendedor varejista e opere diretamente o posto que atende o consumidor final30, de modo que a figura de um revendedor distinto é essencial à relação31.
Em virtude dessa peculiaridade, há uma evidente relação de interdependência entre distribuidores e revendedores de combustíveis32. Ao passo que as distribuidoras dependem dos revendedores para escoar seus produtos, estes, por sua vez, compram combustíveis diretamente das distribuidoras.
Passa-se, então, a analisar como se dá a atuação dos postos revendedores, os quais, conforme se verá, podem optar por vincular-se ou não às distribuidoras.
1.2. Atuação dos postos revendedores e a liberdade de aderir ao regime de bandeira
Assim como a atividade de distribuição, a revenda de combustíveis pelos postos revendedores está conceituada na Lei do Petróleo, especificamente no inciso XXI do artigo 6º, como “atividade de venda a varejo de combustíveis, lubrificantes e gás liquefeito envasado, exercida por postos de serviços ou revendedores, na forma das leis e regulamentos aplicáveis”.
A Lei do Petróleo se refere aos postos revendedores como “postos de serviços ou revendedores”, já que o mesmo estabelecimento pode ofertar não apenas combustíveis, mas também serviços e produtos de outras naturezas33,
29 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Distribuidoras e Postos de combustíveis: Fidelidade à bandeira. Florianópolis, 2019. Dissertação (Mestrado em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação (PROFNIT). Universidade Federal de Santa Catarina. p. 22. Disponível em: <xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxx/000000000/000000/XXXX0000- D.pdf?sequence=-1&isAllowed=y>. Acesso em: 02 set. 2021.
30 Art. 12 da Portaria ANP nº 116 de 05/07/2000 e art. 26 da Resolução ANP Nº 41 DE 05/11/2013.
31 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. O Brilho Da Bandeira Branca: concorrência no mercado de combustíveis no Brasil. Planejamento e políticas públicas / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, n.31. 2008. p. 60 Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxx/xxxxx.xxx/XXX/xxxxxxx/xxxx/00/00>. Acesso em: 10 set. 2021.
32 XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx de; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Os meios de vinculação dos revendedores às distribuidoras de combustíveis sob o enfoque da cláusula de exclusividade. Direito e Energia. Ano 5 – Vol.8. Ago-Dez 2013. p. 132. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxx/0000/0000>. Acesso em: 05 set. 2021.
desde que não haja prejuízo à segurança, saúde, meio ambiente e ao bom desempenho da atividade da revenda varejista.
Nessa linha, assim dispõe o artigo 5º da Resolução ANP nº 41/2013:
Art. 5º - Adicionalmente à comercialização, a varejo, de combustíveis automotivos, de óleo lubrificante acabado envasado ou a granel, de aditivo envasado para combustíveis líquidos, de aditivo envasado para óleo lubrificante acabado, de graxas lubrificantes envasadas e de querosene iluminante a granel ou envasado, fica facultado o desempenho, na área ocupada pelos postos revendedores, de outras atividades comerciais e de prestação de serviços, sem prejuízo da segurança, saúde, meio ambiente e do bom desempenho da atividade da revenda varejista.
Ainda, de acordo com o artigo 4º XII da referida resolução, os postos revendedores de combustíveis automotivos são assim definidos:
XII - Posto revendedor de combustíveis automotivos: estabelecimento localizado em terra firme que revende, a varejo, combustíveis automotivos e abastece tanque de consumo dos veículos automotores terrestres ou em embalagens certificadas pelo Inmetro; óleo lubrificante acabado envasado e a granel; aditivo envasado para combustíveis líquidos; aditivo envasado para óleo lubrificante acabado; graxas lubrificantes envasadas e querosene iluminante a granel ou envasado;
Ou seja, trata-se dos postos de gasolina que abastecem o consumidor final e que ocupam as cidades, estradas e rodovias brasileiras. Conforme exposto no item acima, o procedimento da revenda é estritamente necessário para intermediar a relação entre distribuidoras e consumidores, tendo em vista que a verticalização impede as distribuidoras de operarem os postos34. Em suma, um segmento não pode invadir a competência do outro.
Acerca da regulação do exercício da atividade empresária dos postos revendedores, também é notória a atuação da ANP nessa seara35. Assim como feito com as distribuidoras, a agência reguladora se dedicou a emanar portarias e
33 ANP. Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Cartilha do Posto Revendedor de Combustíveis. 6ª. Edição. p. 5. Disponível em: < xxxxx://xxx.xxx.xx/xxx/xx- br/centrais-de-conteudo/publicacoes/cartilhas-e-guias/arq/cartilhapostorevendedor6ed.pdf>. Acesso em 29 ago. 2021.
34 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxx. Varejo de Gasolina. Cadernos do CADE – Varejo de Gasolina – 2014. Brasília. p. 9-10. Disponível em < xxxxx://xxx.xxxx. xxx.xx/ Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/cadernos-do-cade/varejo-de
gasolina-2014.pdf >. Acesso em 28 out. 2021.
35Melo, Xxxxxx Xxxxxxxx de. Cartéis na comercialização de combustíveis e suas repercussões na economia. Ribeirão Preto (Mestrado em Direito). Universidade De Ribeirão Preto. p. 92-95. Disponível em: < xxxxx://xxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxxxx/0000-xxxxxx-xxxxxxxx-xx-xxxx/xxxx >. Acesso em: 05 set. 2021.
resoluções disciplinando quais produtos podem ser revendidos, de quem podem ser adquiridos e com quem podem comercializar.
A primeira portaria a tratar sobre o tema foi a de nº 116/20036, mas a principal norma que regulamenta o segmento é Resolução nº 41/2013, a qual, nos termos de seu artigo 1º, se dedica a estabelecer os requisitos necessários à autorização para o exercício da atividade de revenda varejista de combustíveis automotivos e a fixar sua regulamentação.
Enquanto os artigos 14 e 15 da Resolução nº 41/2013 listam os produtos que os revendedores de combustíveis automotivos podem comercializar, o seu artigo 22 frisa que é obrigação dos postos revendedores adquirir os produtos que comercializam apenas das distribuidoras autorizadas e revendê-los a varejo em seu estabelecimento, abastecendo tanques de consumo dos veículos automotores terrestres, das embarcações marítimas, lacustres e fluviais e recipientes de combustíveis.
Ainda, são trazidas na referida resolução diversas obrigações no sentido de informar ao consumidor a procedência dos combustíveis e de somente armazenar ou comercializar combustíveis conforme as especificações técnicas delimitadas.
Também no que tange à atividade dos postos revendedores, é relevante pontuar que lhes é facultado operar de duas formas distintas: se vinculando à bandeira de alguma distribuidora (são os chamados postos bandeirados) ou não (denominados sem bandeira ou bandeira branca).
Os postos sem bandeira ou bandeira branca são autorizados no Brasil desde 1993, em razão da Portaria do Ministério de Minas e Energia nº 36237 e estes não se vinculam a nenhuma distribuidora38, podendo ostentar apenas sua
36 XXXXXX, Xxxxxxxx xxx Xxxx. A Regulação da ANP em defesa da concorrência: uma análise da relação de exclusividade na revenda de combustíveis. Revista do IBRAC – Direito da Concorrência, Consumo e Comércio Internacional. vol. 12/2005. DTR\2011\2061. p. 101-124.
37PINTO, Mariana Rodrigues; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. O Brilho Da Bandeira Branca: concorrência no mercado de combustíveis no Brasil. Planejamento e políticas públicas / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada n.31. 2008. p. 43 Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxx/xxxxx.xxx/XXX/xxxxxxx/xxxx/00/00>. Acesso em: 10 set. 2021.
38 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado - direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento - função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para inadimplemento contratual. Revista dos Tribunais, Vol. 750/1998. Abril 1998. p. 113-120. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx.xxx/0000000/xxx_xxxxxxxx/xxxxxxx/0/Xxxx%000.%00XXX VEDO%2C%20Antonio%20Junqueira%20de.%20Princ%C3%ADpios%20do%20novo%20direito
própria marca39. Por assim operarem, podem negociar com diversas distribuidoras atuantes no mercado e alcançar um melhor preço a cada compra, o que torna viável a venda de combustíveis por preços frequentemente menores do que os praticados pelos postos bandeirados40.
Ou seja, por não possuírem vínculos de exclusividade com as distribuidoras, os postos de bandeira branca conseguem comprar os combustíveis a preços menores em comparação aos revendedores bandeirados41 e, consequentemente, revendê-los por um melhor preço42.
Cabe aos postos sem bandeira, entretanto, informar na bomba medidora a origem dos combustíveis que estão sendo naquele momento revendidos, por meio da afixação de adesivos43. Além disso, os postos que não possuem bandeira não podem exibir a marca de um distribuidor de combustíveis, em consonância com o disposto nas Resoluções ANP nº 41/ 2013 e nº 57/2014.
Quanto aos postos bandeirados, estes se vinculam a uma única distribuidora e se comprometem a revender44, com exclusividade, os combustíveis por ela comercializados45. Além disso, ostentam a identidade visual
%20contratual%20e%20desregulamenta%C3%A7%C3%A3o%20do%20mercado...%201998.pdf>
. Acesso em: 02 set. 2021.
39 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxxx; XXXX'XXXX, Xxxx Xxxxx Xxxxx, XXXXXX, Xxxxxxx Xxxx. Análise da Relação entre as Distribuidoras e os Postos de Combustíveis: um Enfoque a Luz da Teoria dos Contratos, do Oportunismo e do Custo de Transação. IX Congresso Internacional de Custos. p. 3. Disponível em: <xxxx://xxxxxx.xxxxxx.xx/_xxxxxx/xxxxxxxx_xxxxxxxxxx
/2/dalmonechanalisedarelacao.pdf>. Acesso em: 14 set 2021.
40 FETTER, Xxxxx Xxxxx. Contratos de exclusividade e o trade-off entre preço e qualidade no varejo de combustíveis. In: XX Encontro Regional de Economia, 2015, Fortaleza. Anais do XX Encontro Regional de Economia, 2015. p. 3-4. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/ 160445/781488/M3_Art_3.pdf/79ed5c0a-3900-420f-8432- e3515c1b54f0>. Acesso em: 02 set. 2021.
41 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Op.cit.
42 Ibid.
43 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Contratos de exclusividade e o trade-off entre preço e qualidade no varejo de combustíveis. In: XX Encontro Regional de Economia, 2015, Fortaleza. Anais do XX Encontro Regional de Economia, 2015. p. 1. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/ 160445/781488/M3_Art_3.pdf/79ed5c0a-3900-420f-8432-e3515c1b54f0>. Acesso em: 02 set. 2021
44 XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. O Brilho Da Bandeira Branca: concorrência no mercado de combustíveis no Brasil. Planejamento e políticas públicas / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, n.31. 2008. p. 38. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxx.xxx.xx/xxx/xxxxx.xxx/XXX/xxxxxxx/xxxx/00/00>. Acesso em: 10 set. 2021.
45 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado - direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento - função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para inadimplemento contratual. Revista dos Tribunais, Vol. 750/1998. Abr 1998. p. 113-120. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx.xxx/0000000/xxx_xxxxxxxx/xxxxxxx/0/Xxxx%000.%00XXX VEDO%2C%20Antonio%20Junqueira%20de.%20Princ%C3%ADpios%20do%20novo%20direito
da distribuidora, utilizam seu know-how e, muito embora geralmente pratiquem preços superiores aos postos sem bandeira, garantem ao consumidor a procedência de seu produto. Trata-se do vínculo denominado de embandeiramento.
Em suma, os postos bandeirados são aqueles que exibem a marca e a identidade visual de uma distribuidora específica e de renome no mercado e seguem os padrões visuais por ela estabelecidos para atrair clientes que confiam na bandeira ostentada.
Xxxxxxxx xxx Xxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx assim discorrem sobre a diferença entre os postos bandeirados e bandeira branca:
Cabe destacar que a figura do posto bandeira branca foi regulamentada pela ANP e demonstra a liberdade de escolha do comerciante deste setor, pois possibilita que o dono de posto exerça a atividade de revenda desvinculado da marca de uma empresa distribuidora e, portanto, livre para comprar do fornecedor que oferecer melhor preço e condições de pagamento.
No entanto, se este comerciante opta por tornar-se um revendedor vinculado à marca de um distribuidor, surgirá a obrigação de venda com exclusividade, não somente em razão de cláusula contratual, mas também em respeito à norma da agência reguladora, que está em perfeita consonância com o Código de Defesa do Consumidor, na medida em que garante o seu direito à informação correta sobre o produto46.
Em 2018, a ANP divulgou estatística informando que existiam 40.904 postos revendedores de combustíveis no Brasil, sendo que, desse montante, 17.826 são bandeira branca e 23.078 são embandeirados47. Verifica-se, então, que a diferença quantitativa não é expressiva, sendo certo que o mercado é praticamente dividido de forma igual.
Neste trabalho, a relação firmada entre as distribuidoras e os postos bandeirados é o tema central e, desse modo, é relevante trazer algumas considerações sobre sua operacionalização.
%20contratual%20e%20desregulamenta%C3%A7%C3%A3o%20do%20mercado...%201998.pdf> Acesso em: 02 set. 2021.
46 AMARAL, Xxxxxxxx xxx Xxxx; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx. Uma análise da exclusividade nas relações contratuais entre revendedor e empresa distribuidora no mercado de combustíveis. 3º. Congresso Brasileiro de P&D em Petróleo e Gás. p. 4.
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx/XXXxxxx/0/xxxxxxxxx/XXX0000_00.xxx>. Acesso em: 02 set. 2021.
47 ANP. Agência Nacional do Petróleo. Boletim Geral Abastecimento em Números. Rio de Janeiro, ano 13, n. 60, 4 dez. 2018. p. 6. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxx.xx/xxx/xx-xx/xxxxxxxx-xx- conteudo/publicacoes/boletins-anp/ban/boletim-n60.pdf >. Acesso em 04 set. 2021.
1.3. O pano de fundo contratual da relação
Conforme exposto, em razão do impeditivo legal das distribuidoras operarem diretamente os postos revendedores, necessariamente deve haver no mercado de comércio de combustíveis a figura de uma pessoa jurídica distinta, encarregada de promover a entrega dos produtos ao consumidor final.
Para divulgar a sua marca e formar parcerias comerciais que incrementam seu negócio, as distribuidoras se vinculam aos postos revendedores e firmam uma relação na qual os postos tornam-se bandeirados, conforme exposto. Não raro, a relação de embandeiramento se concretiza não apenas por meio de um contrato, mas de vários contratos que se interligam com o objetivo de viabilizar a comercialização do produto da empresa distribuidora ao consumidor final por meio de um posto revendedor48.
Cumpre, então, trazer algumas considerações sobre o arcabouço contratual que é criado quando distribuidoras e postos firmam contratos para pactuar a relação de embandeiramento49. Será analisado como são formalizados, na prática, os acordos de vontade desta natureza.
Embora os contratos abaixo descritos sejam os mais adotados no mercado brasileiro entre distribuidoras e postos embandeirados, impende destacar que é perfeitamente possível a adoção de outras formatações jurídicas para operacionalizar a relação. A lógica da relação contratual, contudo, independentemente da organização operacional, tende a ser mantida.
Ao optar por operar postos bandeirados, os postos revendedores firmam com as distribuidoras contratos de promessa e compra e venda mercantil50, por meio do qual se comprometem a comprar, com exclusividade, determinados
48 AMARAL, Xxxxxxxx xxx Xxxx; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx. Uma análise da exclusividade nas relações contratuais entre revendedor e empresa distribuidora no mercado de combustíveis. 3º. Congresso Brasileiro de P&D em Petróleo e Gás. p. 2.
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx/XXXxxxx/0/xxxxxxxxx/XXX0000_00.xxx>. Acesso em: 02 set. 2021.
49 Ibid.
50 XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx de; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Os meios de vinculação dos revendedores às distribuidoras de combustíveis sob o enfoque da cláusula de exclusividade. Direito e Energia. Ano 5 – Vol.8. Ago-Dez 2013. p. 133-135. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxx/0000/0000>. Acesso em: 05 set. 2021.
volumes mínimos de combustíveis (como, por exemplo, gasolina, etanol e óleo diesel) em um determinado intervalo de tempo51. Em suma, mediante a celebração deste contrato, as partes levam em conta a expectativa de venda e projeção do estabelecimento revendedor e delimitam as quantidades específicas de cada tipo de combustível a serem adquiridas com exclusividade, além de disporem acerca da periodicidade em que a distribuidora poderá proceder com a apuração para fiscalizar o cumprimento do contrato, sobre a multa decorrente do inadimplemento, bem como sobre o preço, condições de pagamento e prazo de vigência da avença.
Além disso, são celebrados contratos de licença de uso de marca e autorização do uso do trade dress, nos quais são estabelecidas as diretrizes visuais que devem ser seguidas pelos postos revendedores para que estes se caracterizem como revendedor exclusivo das distribuidoras52. Por meio destes pactos, as distribuidoras autorizam os revendedores a ostentarem as marcas por elas registradas perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial- INPI e trazem especificações particulares que devem ser observadas de modo a evitar o comprometimento de sua distintividade e a permitir a identificação da marca pelos consumidores em geral.
Também é usual que sejam celebrados contratos de comodato de equipamentos53, por meio dos quais as distribuidoras cedem aos postos revendedores itens necessários à atividade empresária, como bombas e tanques, além de contratos de franquia, tanto para implementação de loja de conveniência, quanto para implementação de loja de lubrificantes54.
51 Ibid.
52 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Distribuidoras e Postos de combustíveis: Fidelidade à bandeira. Florianópolis, 2019. Dissertação (Mestrado em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação (PROFNIT). Universidade Federal de Santa Catarina. p.28. Disponível em: <xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxx/000000000/000000/XXXX0000-X.xxx?xxxxxxxxx- 1&isAllowed=y>. Acesso em: 02 set. 2021.
53 XXXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxx. Um estudo comparativo por parte do varejista na adoção das franquias das distribuidoras de combustíveis. Fortaleza, 2013. (Monografia de Bacharel em Administração) Universidade Federal do Ceará. p. 37. Disponível em:
<xxxx://xxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxx/00000/0/0000_xxx_xxxxxxxxx.xxx>. Acesso em: 03 set. 2021.
54 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Distribuidoras e Postos de combustíveis: Fidelidade à bandeira. Florianópolis, 2019. Dissertação (Mestrado em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação (PROFNIT). Universidade Federal de Santa Catarina. p. 27-28. Disponível em: <xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxx/000000000/000000/XXXX0000- D.pdf?sequence=-1&isAllowed=y>. Acesso em: 02 set. 2021.
Ainda, é comum que outros contratos relacionados ao imóvel onde o posto opera usualmente sejam pactuados, como, por exemplo, de locação e sublocação55. Isto é, quando a distribuidora tem à disposição um imóvel para operar o posto revendedor – seja ele de sua propriedade ou até mesmo alugado -, é comum que esta, justamente por não poder operar diretamente no negócio, celebre contratos de locação ou de sublocação com o revendedor56.
Em contrapartida à celebração dos referidos pactos, as distribuidoras realizam significativos investimentos não apenas para adequar o estabelecimento dos revendedores à sua imagem, mas também para possibilitar uma melhoria de fluxo de caixa57. Trata-se de uma contraprestação que atrai significativamente os postos revendedores a aderirem ao regime de bandeira.
Em regra, as distribuidoras transferem aos postos revendedores relevantes quantias em dinheiro no início da relação contratual para incrementar a sua atividade empresária, sendo certo que tal valor se relaciona diretamente aos volumes de combustíveis a que o revendedor se comprometeu a comprar no contrato de promessa de compra e venda mercantil. Quanto maior o volume, maior o investimento. Ao tratar sobre o tema, Werter R. Xxxxx traz algumas considerações sobre tal dinâmica contratual.
As grandes sociedades petrolíferas adiantam, inclusive a fundo perdido, o dinheiro necessário aos donos de postos de gasolina para modernizarem-nos e, até mesmo, abrirem novos postos de gasolina. Em contrapartida exigem dos seus mutuários ou donatários vinculação exclusiva de compra, incidente sobre litragem, cujo montante é calculado em função das vantagens que lhe proporcionam. A duração do contrato corresponde ao tempo gasto pelo dono do posto de gasolina para dar vazão à litragem que se vinculou a comprar para revender. Ao termo fica liberado da sua dívida e da vinculação exclusiva de compra, ao mesmo tempo58.
55 XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx de; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Os meios de vinculação dos revendedores às distribuidoras de combustíveis sob o enfoque da cláusula de exclusividade. Direito e Energia. Ano 5 – Vol.8. Ago-Dez 2013. p. 133. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxx/0000/0000>. Acesso em: 05 set. 2021.
00 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx; BRAGA JUNIOR, Xxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxx. Cláusulas gerais da responsabilidade objetiva previstas no código civil sob o foco do fornecimento de combustíveis e a repercussão nas relações consumeristas. Constituição e garantia de direitos. vol. 4, n. 1, p. 1.
57 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Distribuidoras e Postos de combustíveis: Fidelidade à bandeira. Florianópolis, 2019. Dissertação (Mestrado em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação (PROFNIT). Universidade Federal de Santa Catarina. p. 28. Disponível em: <xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxx/000000000/000000/XXXX0000- D.pdf?sequence=-1&isAllowed=y>. Acesso em: 02 set. 2021.
58 FARIA, Werter R., Direito da Concorrência e Contrato de Distribuição, Sergio Antonio Fabris Editor, Rio Grande do Sul, 1992, p. 58.
Vale pontuar que essa transferência de valores se dá sob o modelo de mútuo ou a título de uma antecipação de bonificação, que é aplicável quando o posto revendedor efetivamente adquire os volumes mínimos de combustíveis a que se comprometeu a adquirir. Ou seja, partindo do pressuposto de que os volumes estipulados em contrato serão cumpridos, as distribuidoras antecipam valores aos revendedores. Como precaução, as distribuidoras exigem dos revendedores a prestação de garantia ao investimento feito, geralmente de natureza fidejussória ou hipotecária.
Os contratos descritos nos parágrafos acima, em regra, possuem prazo de 5 a 7 anos59, entretanto, podem ser mais curtos ou mais longos, a depender da negociação entre as partes e do investimento realizado pela distribuidora. Ainda, recorrentemente as partes estabelecem em contrato que, na eventualidade de os volumes mínimos não serem adquiridos pelos postos revendedores da forma acordada, o contrato pode ser prorrogado de modo a permitir que o revendedor efetivamente adquira as quantidades contratadas.
Acerca da organização das partes em contratos que disciplinam o embandeiramento de postos de combustíveis, cabem também os comentários de Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx e de Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx, respectivamente:
A relação comercial entre distribuidoras e revendedoras de combustíveis é marcada, deste modo, por intensas avenças de trato privado, visando à aquisição e revenda de produtos derivados do petróleo, álcool combustível e demais subprodutos, além da divulgação da marca. Dentre os principais instrumentos contratuais que consubstanciam esse relacionamento, encontram-se: o contrato de compra e venda mercantil de produtos; cessão de uso de marcas; comodato de equipamentos; publicidade de marcas, produtos e serviços; franquia empresarial; locação e sublocação de imóvel e financiamento para reforma ou construção do posto60.
Entre distribuidora de petróleo e os postos de revendo, o elo que os une é, por certo, o fornecimento periódico dos produtos, se bem que, ao lado do fornecimento, haja uma série de outras relações jurídicas - comodato de equipamentos, licença de uso de marca, locação de imóvel, financiamento, que entretece uma complexa trama que vincula uma empresa a outra61.
59 XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx da; XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de distribuição e revenda de combustíveis. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p. 78.
60 XXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx da; XXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Contrato de distribuição e revenda de combustíveis. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p. 78.
61 XXXXXXX, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de Direito Civil: Contratos. 11ª ed. Rio de Janeiro: Revistas dos Tribunais, 2004, vol. 3, p.280.
De fato, mediante a celebração de diversos pactos tal como descrito acima, apesar da vasta controvérsia terminológica acerca das formas de vinculação dos contratos62, fato é que as distribuidoras e postos revendedores usualmente se organizam de modo a celebrar contratos conexos, coligados, em grupo ou em rede. Na prática, cada contrato guarda seu próprio propósito e é dotado de certa individualidade, porém todos se vinculam em razão de uma finalidade econômica supracontratual63.
Exatamente nesse sentido, quando do julgamento do Recurso Especial nº
1.475.477 - MG (2014/0129218-5), o Ministro Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx, ao tratar sobre a relação de embandeiramento firmada entre distribuidoras e postos revendedores, pontuou que seria notório que esta relação possuiria uma complexidade diferenciada e envolveria, via de regra, valores consideráveis que justificariam a coligação de diversos contratos típicos para formação de um instrumento robusto e seguro que possa regular de forma satisfatória o negócio jurídico e viabilizar a finalidade econômica pretendida.
Realmente, parece ser mais adequada a celebração de contratos que se relacionem para ajustar de forma mais coerente todos os elos da relação, que é complexa e geralmente perpassa obrigações de diversas naturezas.
Ainda, em razão das mencionadas peculiaridades, é possível afirmar que pactos firmados na relação de embandeiramento podem ser caracterizados como contratos empresariais, eis que firmados por pessoas jurídicas que, daquela atividade, irão exercer a sua atividade empresária.
Apesar da inexistência de uma lei específica no ordenamento jurídico brasileiro que trate especificamente sobre contratos de cunho empresarial, é possível afirmar que estes se distinguem por serem pactos necessariamente onerosos, nos quais todas as partes contratantes são sociedades empresárias que buscam se beneficiar com os lucros que podem advir do negócio celebrado64, tal como no caso em questão.
Sobre o tema, vale trazer à baila a lição de Xxxxx Xxxxxxxx:
62 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx. O Alcance da cláusula compromissória em contratos coligados: Leitura a partir da tutela da confiança. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 63. São Paulo: out./dez. 2019, p. 5.
63 MARQUES, Xxxxxxx Xxxx. Proposta de uma teoria geral dos serviços com base no Código de Defesa do Consumidor. A evolução das obrigações envolvendo serviços remunerados direta ou indiretamente. Doutrinas Essenciais de Direito do Consumidor, v.4. São Paulo: abril 2011, p.22.
64 BULGARELLI, Waldírio. Contratos Mercantis, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 38.
A atenção do comercialista recai sobre os contratos interempresariais, ou seja, aqueles celebrados entre empresas i.e, em que somente empresas fazem parte da relação. Ao assim proceder, identificamos os contratos empresariais com aqueles em que ambos [ou todos] os polos da relação têm sua atividade movida pela busca do lucro. Esse fato imprime viés peculiar aos negócios jurídicos entre empresários65.
Note-se que, apesar da busca do lucro também ser compatível com contratos civis em geral e com os contratos de consumo, fato é que, nos contratos empresariais, este é um de traço indissociável da natureza contratual, haja vista que nenhum empresário contrata sem escopo, mas apenas porque pretende obter determinado resultado que acredita ser-lhe benéfico66.
Dessa forma, tendo em mente a típica organização contratual que se cria quando há o interesse mútuo das distribuidoras e dos postos revendedores de seguirem com a criação de um posto adepto ao regime de bandeira, bem como as peculiaridades da relação, é possível afirmar que os interesses centrais dos postos revendedores são a ostentação da marca das distribuidoras e os investimentos que delas recebem, enquanto os principais interesses das distribuidoras são a exclusividade na compra de combustíveis por elas comercializados, a divulgação de sua marca e a garantia de venda do volume mínimo a que o revendedor se compromete contratualmente a comprar67. Além de interesses centrais, essas são as premissas da relação contratual e a sua lógica de mercado.
Adiante, passa-se a explorar as premissas da exclusividade e da aquisição mínima de combustíveis para que, após, seja realizado um estudo sobre a classificação contratual.
65 XXXXXXXX, Xxxxx X. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p 59.
66 XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx. A alteração das circunstâncias fáticas nos contratos interempresariais. São Paulo. Dissertação (Mestrado em Direito Civil). Universidade de São Paulo. p. 41. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxxxx/0/0000/xxx-00000000- 083858/publico/Versao_final_Alteracao_das_circunstancias_faticas_Hugo_Tubone.pdf>. Acesso em: 07 out 2021.
67 XXXX, Xxxxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx de; XXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Os meios de vinculação dos revendedores às distribuidoras de combustíveis sob o enfoque da cláusula de exclusividade. Direito e Energia. Ano 5 – Vol.8. Ago-Dez 2013. p. 133-134. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxxxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxx/0000/0000>. Acesso em: 05 set. 2021.
1.4. Premissas da relação: cláusulas de exclusividade e de aquisição de volume mínimo
Acerca das premissas da relação contratual, merecem destaque para este estudo a cláusula de exclusividade e de aquisição de volumes mínimos de combustíveis.
No que tange à clausula de exclusividade, é imprescindível destacar que esta prevê o dever do posto revendedor de vender apenas produtos produzidos por uma única distribuidora quando este optar por operar em regime de bandeira, isto é, dispõe sobre o dever de fidelidade à bandeira68. Tal premissa é comum à praxe contratual e, no que tange à sua regulamentação, trata-se de assunto polêmico que, até agosto de 2021, era normatizado apenas pela ANP.
Fato é que a ANP se dedicou a emanar normas no sentido de determinar que seria imprescindível que o posto de combustíveis devesse, obrigatoriamente, adquirir produtos unicamente do distribuidor com quem se vinculou69, em especial para que o público consumidor tenha plena ciência acerca da origem dos combustíveis que estão sendo comercializado. Confira-se, nessa linha, o disposto no artigo 25 da Resolução ANP n. 41/2013:
Art. 25. O revendedor varejista de combustíveis automotivos deverá informar ao consumidor, e forma clara e ostensiva, a origem do combustível automotivo comercializado.
§1º. Após o deferimento, pela ANP, da informação constante na Ficha Cadastral, de que trata o art. 7º, ou alteração cadastral por meio do preenchimento da Ficha
68 Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx traz a seguinte definição da cláusula de exclusividade: “obrigação assumida por uma parte de contrair exclusivamente com outra a prestação de um bem ou serviço determinado, ou também a exclusividade quanto ao território de atuação”. (SIQUEIRA, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx. A Cláusula de Exclusividade nos Contratos Empresariais. Revista de Direito Privado, vol.13, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, p.61). Xxxxx Xxxxxxxx, ao tratar sobre o tema, assim conceitua a exclusividade: “A exclusividade é uma estipulação inserida nos mais variados contratos e, embora assuma pluralidade de significados, geralmente estabelece a proibição de a parte realizar negócios com terceiros, tornando-se ‘exclusiva’ da outra, por certo período”. (XXXXXXXX, Xxxxx X. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. 6. ed. São Paulo: Thomas Reuters Brasil, 2021. p. 300-301)
69 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado - direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento - função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para inadimplemento contratual. Revista dos Tribunais, Vol. 750/1998, p. 113-120. Abr 1998. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx.xxx/0000000/xxx_xxxxxxxx/xxxxxxx/0/Xxxx%000.%00XXX VEDO%2C%20Antonio%20Junqueira%20de.%20Princ%C3%ADpios%20do%20novo%20direito
%20contratual%20e%20desregulamenta%C3%A7%C3%A3o%20do%20mercado...%201998.pdf>
. Acesso em: 02 set. 2021.
Cadastral a que se refere o inciso I, do art. 11, a informação de opção ou não de exibir a marca comercial de distribuidor estará disponível no endereço eletrônico da Agência (xxx.xxx.xxx.xx).
§2º. Caso no endereço eletrônico da ANP conste que o revendedor optou por exibir a marca comercial de um distribuidor de combustíveis líquidos, o revendedor varejista deverá:
I - exibir a marca comercial do distribuidor, no mínimo, na testeira e no totem do posto revendedor, de forma destacada, visível à distância, de dia e de noite, e de fácil identificação ao consumidor; e
II - adquirir, armazenar e comercializar somente combustível automotivo fornecido pelo distribuidor do qual exiba a marca comercial.
§ 3º Caso no endereço eletrônico da ANP conste que o revendedor optou por não exibir a marca comercial de um distribuidor de combustíveis líquidos, o revendedor varejista:
I - não poderá exibir marca comercial de distribuidor em suas instalações, devendo retirar a(s) logomarca(s) e a identificação visual com a combinação de cores que caracterizam distribuidor autorizado pela ANP;
II - não poderá exibir qualquer identificação visual que possa confundir ou induzir a erro o consumidor quanto à marca comercial de distribuidor; e
III - deverá identificar, de forma destacada e de fácil visualização, em cada bomba medidora, o nome fantasia, se houver, a razão social e o CNPJ do distribuidor fornecedor do respectivo combustível automotivo.
§ 4º Se o posto revendedor exibir marca comercial de distribuidor em suas instalações, o revendedor deverá adquirir, armazenar e comercializar somente combustível fornecido pelo distribuidor do qual exiba a marca comercial, exceto nos casos previstos no inciso I do art. 11.
§ 5º Para efeito dos parágrafos 2º a 4º deste artigo, devem ser consideradas como marcas comerciais do distribuidor:
I - as marcas figurativas ou nominativas utilizadas para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa; e/ou
II - as cores e suas denominações, se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo, ou caracteres que possam, claramente, confundir ou induzir a erro o consumidor.
Sucede que, desde a greve dos caminhoneiros, ocorrida em maio de 2018, as previsões normativas da ANP que versam sobre o dever de fidelidade à bandeira passaram a ser pauta recorrente de exame e discussão, tanto pela Agência quanto pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE70.
De fato, o referido episódio acendeu o debate sobre o tema e as mencionadas autarquias criaram grupos de trabalho para analisar a cadeia de revenda de combustíveis com intuito de sugerir e implementar mudanças, sendo a exclusividade da bandeira um dos assuntos mais discutidos no meio. Por consequência, a partir de diretrizes instituídas pelo Conselho Nacional de
70 XXXXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Distribuidoras e Postos de combustíveis: Fidelidade à bandeira. Florianópolis, 2019. Dissertação (Mestrado em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação). Universidade Federal de Santa Catarina. p. 15-16. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxxxxxxxx/xxxxxx/000000000/000000/XXXX0000-X.xxx?xxxxxxxxx- 1&isAllowed=y>. Acesso em: 02 set. 2021.
Política Energética, a questão da tutela regulatória da fidelidade à bandeira foi inserida na Agenda Regulatória da ANP para o biênio 2020/202171.
Nesse contexto, foi aberto, na ANP, o procedimento de Tomada Pública de Contribuições nº 07/2021, cujo objetivo era colher opiniões e sugestões dos agentes econômicos e demais interessados sobre a questão da exclusividade na relação em questão, bem como realizar audiências públicas para que o tema fosse revisitado.
Ocorre que, antes mesmo da conclusão do procedimento, em 11 de agosto de 2021, foi publicada a Medida Provisória nº 1.063/2021, que alterou a Lei do Petróleo. Dentre as mudanças trazidas pela Medida Provisória, merece destaque o artigo 68-D colacionado abaixo, o qual abre margem para que o posto revendedor bandeirado possa comercializar combustíveis de outros fornecedores:
Art. 68-D. O revendedor varejista que optar por exibir a marca comercial de distribuidor de combustíveis líquidos poderá comercializar combustíveis de outros fornecedores, na forma da regulação aplicável, e desde que devidamente informado ao consumidor.
Parágrafo único. O disposto no caput não prejudicará cláusulas contratuais em sentido contrário, inclusive dos contratos vigentes na data de publicação da Medida Provisória nº 1.063, de 11 de agosto de 2021.
Sobre o tema, veja-se que muito embora o referido dispositivo tenha trazido a ressalva de que a nova regra de comercialização de combustíveis pelos postos bandeirados deveria ser regulamentada pela ANP e não afetaria cláusulas contratuais de contratos vigentes celebrados entre distribuidores e postos revendedores, fato é que trouxe certa relativização à temática.
Subsequentemente, em 13 de setembro de 2021, foi publicada a Medida Provisória 1.069/2021 para alterar a Media Provisória 1.063/2021 e, no que se refere ao dever de exclusividade, dispôs no parágrafo único de seu artigo 1º72 que o artigo 68-D acima colacionado deveria ser regulado temporariamente por
71 ANP. Agenda Regulatória (2020-2021). Disponível em: < xxxxx://xxx.xxx.xx/xxx/xx-xx/xxxxxx- a-informacao/acoes-e-programas/ar/agenda-regulatoria-2020-2021-v3-2.pdf >. Acesso em: 14 set. 2021.
72 Basicamente, o referido decreto trouxe apenas as seguintes regulamentações sobre o tema: Art. 2º O revendedor varejista de combustíveis automotivos que optar por exibir marca comercial de distribuidor de combustíveis líquidos e comercializar combustíveis de outros fornecedores deverá identificar de forma destacada e de fácil visualização a origem do combustível comercializado.
§ 1º Cada bomba medidora para combustíveis líquidos deverá exibir a inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ e a razão social ou o nome fantasia dos fornecedores.
§ 2º O painel de preços do revendedor deverá exibir, na identificação do combustível, o nome fantasia dos fornecedores.
decreto até que entrasse em vigor a regulamentação da ANP. Dessa forma, na mesma data, também foi editado o Decreto 10.792/2021, cujo objetivo exclusivo foi regular o mencionado artigo 68-D73.
Entretanto, ambos os referidos artigos dispostos nas medidas provisórias 1.063/2021 e 1.069/2021 foram revogados e, no momento, inexiste qualquer dispositivo de lei federal que autorize o rompimento do dever de exclusividade.
Por outro lado, cumpre ressaltar que, em 5 de novembro de 2021, a ANP editou a Resolução ANP n. 858/2021, a qual, além de revogar o artigo 25 da Resolução ANP n. 41/2013, trouxe dispositivo que mais uma vez relativiza a matéria, eis que abre margens para o afastamento do dever de exclusividade ao prever em seu artigo 18, §2º que “o revendedor varejista de combustíveis automotivos que optar por exibir marca comercial de distribuidor de combustíveis líquidos e comercializar combustíveis de outros fornecedores deverá exibir, na identificação do combustível, o nome fantasia dos fornecedores".
De fato, apesar de não se debruçar sobre a temática, verifica-se que norma regulamentar em comento admite a possibilidade de venda de combustíveis diversa da que o posto revendedor se vinculou. Entretanto, no que tange aos contratos de embandeiramento já celebrados, não trouxe qualquer disposição no sentido de dispor que eventuais cláusulas vigentes nesse sentido seriam ilegais, do que se extrai que estas são consideradas válidas.
Como se vê, então, recentemente a exclusividade, que até então era amplamente admitida em tal nicho mercadológico, hoje se refere a uma matéria que não está regulamentada de forma clara no ordenamento jurídico brasileiro, ao passo que os desdobramentos normativos que estão por vir certamente trarão grande peso para o rumo da abordagem e do aceitamento da exclusividade de bandeira.
No que diz respeito ao ideal por trás da cláusula que versa sobre a obrigação de aquisição exclusiva de combustíveis de postos bandeirados, vale dizer que este tem jaez precípuo nas normas de proteção da propriedade industrial, de repressão à concorrência desleal e de defesa do consumidor e é prática comum das relações contratuais entre revendedor e distribuidor de
73 Art. 1º A Medida Provisória nº 1.063, de 11 de agosto de 2021, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Parágrafo único. Decreto regulamentará o disposto no art. 68-D da Lei nº 9.478, de 1997, até que entre em vigor a norma de que trata o caput.
combustíveis, mesmo antes da normatização pela Agência Nacional do Petróleo74
. De fato, parece tratar-se de uma contraprestação razoável que se justifica em razão de toda a relação contratual e, sobretudo, devido aos investimentos realizados pelas distribuidoras e percebidos pelos postos revendedores.
Xxxxxxx Xxxx, por outro lado, dispôs que a cláusula de exclusividade neste tipo de relação seria, na verdade, uma restrição indevida e abusiva por parte das empresas distribuidoras:
Nas hipóteses de contratos de distribuição de gasolina, verifica-se, pela simples análise do negócio, que, embora usando a técnica e a forma do comodato e do financiamento compensado com juros, o que a financiadora desejou não foi realizar um comodato, mas emprestar dinheiro e receber, como contrapartida complementar do mútuo, um direito de exclusividade na venda de seus produtos no posto de gasolina construído pela mutuaria, obtendo, assim, mediante uma indevida restrição ao direito de livre comércio, uma compensação usuária pelo financiamento concedido e impedindo, por via oblíqua, a entrada de novos concorrentes no mercado.75
É bastante perceptível a existência de relevantes discussões doutrinárias no que diz respeito à existência ou não de lesão ao princípio da livre- concorrência quando se trata de cláusula de exclusividade76, todavia, esta temática não será objeto de análise deste trabalho. O que se pretende é apenas expor algumas considerações breves sobre o ideal e a regulamentação da cláusula, conforme exposto.
Trazidas então as considerações acima sobre a cláusula de exclusividade, passa-se a analisar a premissa contratual da cláusula de aquisição mínima de combustíveis.
Sobre essa temática, de pronto, vale dizer que inexiste norma ou regulamentação da ANP que discipline a possibilidade da inclusão da cláusula de aquisição mínima de combustíveis em contratos firmados entre distribuidoras e postos revendedores que optem por aderir ao regime de bandeira.
74 AMARAL, Xxxxxxxx xxx Xxxx; XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx. Uma análise da exclusividade nas relações contratuais entre revendedor e empresa distribuidora no mercado de combustíveis. 3º. Congresso Brasileiro de P&D em Petróleo e Gás. p. 2-5. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxxxxxx.xxx.xx/XXXxxxx/0/xxxxxxxxx/XXX0000_00.xxx>. Acesso em: 02 set. 2021.
75 XXXX, Xxxxxxx. Os contratos de concessão exclusiva para distribuição de gasolina no direito brasileiro. Revista Forense, vol.253, Forense, Rio de Janeiro, 1976, p. 97.
76 XXXXXXXXX, Xxxxx X.; XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx X. A Eficácia das cláusulas de Take-or-pay nos Tribunais brasileiros. Rio Oil & Gás Expo and Conference 2008. p. 2-4. Disponível em: < xxxxx://xxx.xxxx.xxx/xxxxxxx/xxxxxxxx/xxxx/00000000 >. Acesso em 28 ago. 2021.
Ressalve-se, contudo, que está em trâmite projeto de Lei nº 2.368/2077, o qual intenta alterar a Lei do Petróleo para proibir a exigência de galonagem mínima para aquisição de combustíveis e instituir multa no caso de descumprimento da norma 78.
O referido projeto, que atualmente se encontra pendente de parecer a ser emitido pelas Comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços; Minas e Energia e Constituição e Justiça e de Cidadania, tem como objetivo positivar a ilegalidade de tal prática79 mediante a inclusão de inciso XX ao artigo 4º da Lei do Petróleo.
Apesar da inexistência de norma nesse sentido e a pretensão do mencionado projeto de lei, fato é que esta prática é corriqueira em contratos de tal natureza e se relaciona diretamente aos investimentos realizados pelas distribuidoras nos postos revendedores.
Conforme exposto, é justamente baseado na quantidade a que o posto revendedor se comprometeu a adquirir que a distribuidora avalia quais serão os investimentos pertinentes ao negócio. Trata-se de prisma da relação que permeia a lógica contratual, motivo pelo qual está sendo tratada neste trabalho como uma premissa.
De fato, as cláusulas que estipulam a aquisição de cota mínima de combustíveis, buscam garantir que as expectativas da distribuidora, ao ceder a sua marca e equipamentos aos postos revendedores, sejam efetivamente atendidas. Além disso, tais cláusulas têm por objetivo assegurar que as despesas suportadas pelas distribuidoras, como o adiantamento de bonificação e/ou realização de mútuo para incremento das atividades dos postos revendedores, sejam compensadas.
77 BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta prevê multa à distribuidora que exigir compra mínima de posto de gasolina. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/000000-xxxxxxxx-xxxxx-xxxxx-x-xxxxxxxxxxxxx-xxx-xxxxxx- compra-minima-de-posto-de-gasolina/>. Acesso em: 09 jul. 2021.
78 BRASIL. Projeto de Lei. 2.368/20 Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/ proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=xxxx00xxxxxx00xxx0xxx0xxxxxxxx00000000.xx de0? codteor=1889514&filename=Tramitacao-PL+2368/2020>. Acesso em: 20 ago. 2021.
79 BRASIL POSTOS. Proposta cria posto de combustível multimarcas. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxxxxxxxxx-0/xxxxxxxx-xxxxx-xxxxx-x-xxxxxxxxxxxxx-xxx- exigir-compra-minima-de-posto-de-gasolina/>. Acesso em: 10 jul. 2021.
Sob esse prisma, é relevante esclarecer que, contando que irá vender determinadas quantidades de combustíveis ao posto revendedor, as distribuidoras calculam os valores que podem ser investidos no negócio.
Cumpre ressaltar que as quantidades mínimas são livremente pactuadas entre as partes no contrato, ambas sociedades empresárias conhecedoras do ramo onde exercem as suas atividades, e se baseiam em parâmetros negociais que levam em consideração o real potencial do comércio. Trata-se de mecanismo por meio do qual as partes contratantes, na qualidade de empresas que irão auferir lucro da atividade, gozam de sua autonomia privada e assim autorregulam a suas respectivas vontades.
Ao passo que é do interesse das distribuidoras exigir a aquisição mínima de combustíveis, por, dentre outros, ter oferecido sua marca de renome no mercado nacional e equipamentos ao posto de combustíveis, e celebrar contratos com maiores volumes mínimos garantidos, já que assim poderão vender maior quantidade de produtos, os postos revendedores também se interessam por celebrar contratos com volumes significativos, pois assim recebem maiores investimentos.
Não se entrevê, então, nas obrigações oriundas de tal cláusula nenhuma prática comercial predatória que a priori implique em infração à ordem econômica. Ao contrário, não parece ocorrer restrição de concorrência ou limitação de consumo, sendo esta, portanto, compatível com o princípio da livre concorrência e completamente justificável sob a análise da ótica mercadológica. Isto porque, a obrigatoriedade de aquisição, por parte dos revendedores, de litragem mínima de combustíveis, seria justificada pelos altos investimentos e benefícios concedidos pelas distribuidoras.
O que se espera do posto revendedor é que, previamente, efetue um trabalho de pesquisa do mercado para o qual se dispôs a explorar, de modo avaliar qual será a cota mínima razoável de sua comercialização e dê cumprimento a uma obrigação por ele considerada factível. Justamente por se relacionar a obrigações contraídas entre pessoas jurídicas que atuam nesse específico ramo comercial, permeado por obrigações de longa duração, há que se considerar que se as partes livremente estipularam quantitativo mínimo para aquisição de produtos, estas vislumbraram interesses convergentes e mútua confiança, que devem ser prestigiados.
Sobre o tema, vale dizer que foi exatamente nesse sentido o entendimento da Terceira Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina quando do julgamento do recurso de apelação nº 0003199- 16.2013.8.24.0039. Ao tratar sobre a cláusula de aquisição mínima de combustíveis, o Desembargador Relator Xxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx dispôs que como a relação de embandeiramento representa a união de interesses mútuos, fica nítido que tal cláusula não pode ser tida como abusiva ou leonina, eis que visa assegurar que sejam atendidas as expectativas da distribuidora decorrentes dos altos investimentos por ela realizados no posto revendedor. Ainda, pontuou que tal disposição ensejaria equidade à relação negocial, haja vista as vantagens obtidas pelos postos revendedores, que se utilizam dos equipamentos e da marca da distribuidora80.
80 No mesmo sentido, cabe trazer também trechos de julgados relacionados ao tema, oriundos dos Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo e do Paraná:
“Declaratória. Nulidade de cláusulas contratuais. Fornecimento de combustíveis. (...) Cláusulas de exclusividade e aquisição de cotas mínimas de combustíveis que não se mostram abusivas, e tampouco representam desequilíbrio contratual, diante da captação de recursos financeiros junto à distribuidora para fomentar a atividade empresarial da autora. Ausência de prova de tratamento discriminatório com relação a outros postos de combustíveis. Improcedência da ação declaratória. Descumprimento contratual por parte do posto de combustíveis que autoriza a procedência do pleito de rescisão contratual e aplicação das cláusulas penais avençadas.
Sentença mantida. Apelo improvido”.
(TJSP. Apelação Cível nº 0020739-12.2001.8.26.0114, rel. Des. Xxx Xxxxxxx, x. em 05.05.2016). “De início, convém ressaltar que, em observância ao princípio do pacta sunt servanda, o contrato é dotado de força vinculante, sendo que aquilo que as partes estipularam e concordaram deve ser fielmente cumprido, prevalecendo a autonomia das partes, o consensualismo e a obrigatoriedade contratual. A flexibilização de tal princípio é cabível apenas em hipóteses excepcionais, em que se revela patente a abusividade, o que, a princípio, não se verifica no caso sob exame.Isso porque, da análise dos autos, observa-se que as partes celebraram livremente o contrato de compra e venda mercantil com licença de uso da marca, por meio do qual estipularam a obrigatoriedade da parte autora adquirir junto à requerida, com exclusividade, quantidades mínimas dos produtos fornecidos, conforme indicado no ajuste, por preço pré-fixado unilateralmente, e, em contrapartida, a parte ré cedeu à autora o uso da marca e manifestação visual da rede BR, além de concessão de adiantamento de bonificação destinada ao incremento das atividades da apelante (...) Infere-se, assim, que, além do fornecimento de combustível, o contrato celebrado entre as partes prevê a exploração, por parte da revendedora, da marca e de todos os elementos de manifestação visual de propriedade da BR, o que qualifica o produto a ser revendido. Portanto, as cláusulas que estipulam a aquisição de cota mínima de combustível, de exclusividade de compra e comercialização, e de fixação unilateral dos preços, buscam garantir que as expectativas da distribuidora, ao ceder a sua marca, sejam devidamente atendidas. Além disso, tais cláusulas têm por objetivo assegurar que as despesas suportadas pela requerida, com o adiantamento de bonificação para incremento das atividades da autora – a ser utilizada para compra e/ou instalação de equipamentos, para a aquisição/instalação de elementos de imagem, ou para a execução de obras de instalação ou civis (mov. 1.6) – sejam compensadas. A este respeito, cumpre ressaltar que é certo que a utilização de uma marca notoriamente conhecida como a da requerida garantiria à revendedora autora uma maior clientela e, por consequência, maior ganho financeiro, de modo que o contrato prevê cláusulas de interesse de ambos os contratantes. Ora, se por um lado há cláusula de exclusividade e necessidade de se cumprir uma meta na aquisição dos produtos, por outro, a autora é beneficiada com o uso da marca e com o recebimento de valores para incremento de suas atividades, razão pela qual não há como se falar em desequilíbrio contratual ou onerosidade
Trata-se, pois, de prática que se coaduna com a lógica de mercado da relação e que, a priori, não se caracteriza como abusiva ou desproporcional.
Cabe ainda pontuar que, na hipótese de inadimplemento da obrigação de adquirir quantidades mínimas, habitualmente são estabelecidas contratualmente multas proporcionalmente relacionadas ao volume inadimplido.
Trazidas tais considerações sobre as cláusulas de exclusividade e de aquisição mínima de combustíveis, passa-se a tratar sobre a natureza do contrato de fornecimento pactuado em tais moldes.
1.5. Considerações sobre a classificação do contrato
Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxx Bandeira lecionam que “a classificação dos contratos, como as demais classificações e conceituações na teoria do direito, destina-se a estabelecer a disciplina jurídica correspondente a cada categoria discriminada” 81 e é justamente esse o propósito de o presente trabalho se dedicar a classificar tal avença82.
A partir de sua classificação, poderá ser melhor analisado adiante como e se tais contratos podem ser revisados ou resolvidos em razão de fatos supervenientes que, aos olhos do revendedor, tornaria a obrigação excessivamente onerosa.
No que se refere aos contratos de fornecimento de combustíveis que possuem cláusula de aquisição mínima, por mais que estes facilmente sejam enquadrados como atípicos83, onerosos84, bilaterais85 e de execução continuada86, a
excessiva, como pretende a apelante. Verifica-se que as cláusulas impugnadas pela apelante são típicas dos contratos dessa natureza e, conforme já mencionado, foram pactuadas de forma livre, de modo que cabia à parte autora, no momento da contratação, ter aferido se a quantidade de combustível estipulada pela requerida para compra era compatível com a sua capacidade de venda, sempre levando em conta o risco da atividade.
(TJ-PR - APL: 00305274720198160001 Curitiba 0030527-47.2019.8.16.0001 (Acórdão), Relator:
Xxx Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxx, Data de Julgamento: 02/09/2021, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: 15/09/2021)
81 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Fundamentos do Direito Civil. Volume 3. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 67.
82 Nessa mesma linha, ao tratar sobre a classificação contratual, Xxxxx Xxxxxxxx leciona que “classifica-se para ordenar e, dessa forma, compreender”. (XXXXXXXX, Xxxxx X. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. 6. ed. São Paulo: Thomas Reuters Brasil, 2021. p. 45).
83 Em que pese exista no ordenamento jurídico brasileiro disposições destinadas a tratar sobre os contratos de compra e venda, especificamente nos artigos 481 e seguintes do Código Civil, os contratos de fornecimento de combustíveis celebrados entre distribuidoras e postos revendedores, dadas as peculiaridades dispostas nos itens anteriores, devem ser compreendidos como atípicos, vez que inexiste no ordenamento jurídico normas específicas à relação.
classificação mais pertinente ao presente trabalho se refere especificamente à natureza das obrigações assumidas pelas partes, a qual distingue os contratos em comutativos ou aleatórios.
Isto porque, em razão de suas repercussões normativas, sobretudo no que tange à temática do equilíbrio contratual e à aplicação da resolução do contrato por superveniente onerosidade excessiva87, tal classificação pode trazer impactos às conclusões alcançadas nos tópicos seguintes.
Veja-se que sobre o tema, lecionam Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxx Bandeira que, embora exista entendimento doutrinário que afaste a possibilidade de configuração de lesão ou onerosidade excessiva em contratos aleatórios, há também aqueles que entendem que nesse tipo de relação há que se prezar pelo equilíbrio estabelecido entre a prestação e o risco assumido pelas partes. Isto é, parte da doutrina simplesmente afasta os remédios para o desequilíbrio contratual quando os contratos se classificam como aleatórios. Confira-se, nesse sentido, a seguinte lição:
Tradicionalmente, afastava-se ainda a possibilidade de lesão e de onerosidade excessiva nos contratos aleatórios, ao argumento de que eles não possuiriam equilíbrio originário entre as prestações. Entretanto, mesmo nos contratos aleatórios há o equilíbrio que se estabelece entre a prestação e o risco assumido pela outra, razão pela qual, se houver alteração nesse equilíbrio econômico, justifica-se a utilização daqueles instrumentos de tutela da parte prejudicada, se preenchidos os demais requisitos exigidos pela lei88.
84 Os contratos de fornecimento de combustíveis são contratos onerosos, visto que ambas as partes igualmente fazem parte do jogo empresarial, realizam investimentos e assim se relacionam visando obter lucros.
85 A avença sob estudo diz respeito a um contrato bilateral no que tange aos seus efeitos, visto que, tanto as distribuidoras, quanto os postos revendedores possuem suas respectivas obrigações e são credoras e devedoras de obrigações relevantes à relação e que compõem a lógica econômica do contrato. Enquanto as obrigações das distribuidoras dizem respeito, de forma ampla, à venda de combustíveis de qualidade, ao cumprimento dos investimentos pactuados e ao compartilhamento de seu know-how e marca com os postos revendedores, estes se comprometem contratualmente a adquirir quantidades mínimas de combustíveis, cumprir com a cláusula de exclusividade e a utilizar de forma devida a marca das distribuidoras.
86 Os contratos sob estudo melhor se amoldam à classificação de execução continuada, haja vista que as responsabilidades assumidas pelas partes são cumpridas de forma constante, sobretudo a obrigação das distribuidoras de vender combustíveis aos revendedores e as obrigações dos revendedores de adquirir as quantidades mínimas pactuadas, bem como de manter o estabelecimento adequado à identidade visual das distribuidoras.
87 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Fundamentos do Direito Civil. Volume 3. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 74.
88 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Fundamentos do Direito Civil. Volume 3. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 74-75.
Acerca deste ponto, Xxxxx Xxxxx Bandeira89 pontua que se impõe a superação da visão doutrinária tradicional no sentido de que seria inaplicável qualquer remédio legal de reestabelecimento do equilíbrio aos contratos aleatórios, haja vista que a proteção ao equilíbrio contratual, preconizada pelo aparato normativo vigente, incide indistintamente sobre as relações contratuais, de modo que seus efeitos também irradiam os contratos aleatórios90 e, verdadeiramente, tal entendimento se demonstra mais adequado e condizente com a ordem jurídica vigente.
De fato, não parece que tal classificação simplesmente imuniza os contratos aleatórios nessa seara, entretanto, conforme pontuado pela referida autora, persiste a utilidade na dicotomia entre contratos comutativos e aleatórios, haja vista a necessidade de aplicação distinta de determinados institutos a depender de sua classificação, sobretudo aqueles destinados à correção do desequilíbrio91.
Dessa forma, em razão da classificação em questão ocasionar a necessidade de um olhar diferenciado à análise da configuração da onerosidade excessiva e do desequilíbrio contratual, que será objeto dos capítulos subsequentes, passa-se a explorá-la.
Os contratos aleatórios e comutativos têm como denominador comum o traço da onerosidade, o que significa dizer que são contratos em que todas as partes recebem vantagens por força da celebração92.
89 Sobre o tema, nessa linha também são os ensinamentos de Xxxxxxx Xxxxxxxx: “o entendimento tradicional, segundo o qual as partes ao se submeter aos desígnios do azar ficam desprovidas de todas as proteções que visariam resguardar o equilíbrio contratual, vem sofrendo, há certo tempo, fortes críticas. Com efeito, a ideia de que a incerteza gerada pela álea sobre a extensão das obrigações das partes torna impossível a apreciação de qualquer equilíbrio contratual já não parece resistir à evidência de que, em muitos contratos aleatórios, a estipulação das prestações é precedida por um atento cálculo dos riscos envolvidos. [...] Para muitos autores, tanto da doutrina pátria como da estrangeira, a falta de equivalência entre a prestação de um contrato não impede a apreciação de um certo equilíbrio contratual [...]. Sob essa nova perspectiva, haveria, portanto, espaço para a aplicação dos mecanismos regulatórios do equilíbrio contratual aos contratos aleatórios, ainda que isto se dê de modo diverso daquele observado nos contratos comutativos”. (XXXXXXXX, Xxxxxxx. Código civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. II. p.94).
90BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Contratos aleatórios no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p. 247.
91 BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Contratos aleatórios no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p 249.
92 CAMPELLO, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx; SANTIAGO, Xxxxxxx Xxxxxxx. O limite da álea: perspectivas para análise dos contratos aleatórios. Direito civil [Recurso eletrônico on-line]/ organização CONPED/UFF. Coordenadores: Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx
O contrato comutativo é o pacto oneroso e bilateral em que cada parte recebe da outra prestação relativamente equivalente à sua, e dita equivalência é passível de constatação no momento da celebração. Ou seja, um contrato em que as prestações são conhecidas de antemão e guardam uma relativa equivalência de valores.
De fato, a comutatividade se caracteriza pela equivalência entre prestação e contraprestação, ambas definidas quanto à sua existência e extensão, de modo proporcional e de prévio conhecimento das partes93 e, sobre esse tocante, é relevante pontuar que isto não quer dizer que seja exigida uma igualdade rigorosa entre as prestações recíprocas, mas é imperioso que minimamente se correspondam. Nesse passo, Xxxxxxx Xxxxx ensina que:
[...] nos contratos comutativos pode não haver equivalência objetiva das prestações, exigível, tão-só, nos que podem ser rescindidos por lesão. Basta equivalência subjetiva. Cada qual é juiz de suas conveniências e interesses. O que os distingue não é tanto a correspondência das vantagens procuradas, mas a certeza objetiva das prestações, obtida no ato de conclusão do negócio jurídico. Assim, ao celebrar, por exemplo, um contrato de compra e venda, o vendedor sabe que deverá receber o preço ajustado na medida de sua conveniência, e o comprador, que lhe será transferida a propriedade do bem que quis adquirir94.
Sobre esse ponto, ressalve-se que a autonomia privada encontra franco espaço de atuação na introdução do risco nos contratos comutativos95, de modo que não há impedimentos aos contratantes de atrelarem expressamente o alcance da função pretendida à assunção do risco96. Ou seja, as partes podem reduzir ou ampliar os riscos no âmbito dos contratos comutativos.97
Noutro turno, o contrato aleatório é aquele em que pelo menos uma das prestações é incerta e está ligada a um risco futuro e duvidoso98. Dessa forma, desde a celebração de um contrato aleatório, as partes são submetidas à eventualidade recíproca de perda ou de ganho99. Há, então, uma incerteza para as
Senise Lisboa. Florianópolis: FUNJAB, 2012. p. 4.Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/ artigos/? cod=4fc28b7093b135c2 2>. Acesso em: 02 set. 2021.
93 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Fundamentos do Direito Civil. Volume 3. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 73.
94 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 17. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 74.
95 BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Contratos aleatórios no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p 157.
96 Ibid, p 202.
97 Ibid, p 203.
98 FIÚZA, Xxxxx. Direito civil: curso completo,.13. ed. rev., atual. e ampl., 2ª tir., Belo Horizonte: Xxx Xxx, 2009. p. 475.
partes no tocante ao fato de a vantagem esperada ser proporcional ao sacrifício e existe, portanto, um risco, uma álea100.
Isto é, o resultado econômico do contrato aleatório é incerto e não sujeito a prévia determinação pelas partes, já que condicionado a evento hipotético101 e, nessa modalidade, as partes voluntariamente perseguem resultado econômico indeterminado102. Ao tratar sobre o tema, Xxxxxx Xxxxxxxxx ensina que, nos contratos aleatórios “a extensão das prestações de uma ou de ambas as partes não é certa, porque depende de acontecimento delas ignorado”103.
Ao definir os contratos aleatórios, Xxxx Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxx assevera
que:
São aleatórios os contratos em que a prestação de uma das partes não é precisamente conhecida e suscetível de estimativa prévia, inexistindo equivalência com a da outra parte. Além disso, ficam dependentes de um acontecimento incerto. (...) Se é certo que em todo contrato há um risco, pode-se contudo dizer que no contrato aleatório este é da sua essência, pois que o ganho ou a perda consequentemente está na dependência de um acontecimento incerto para ambos os contratantes. O risco de perder ou de ganhar pode ser de um ou de ambos; mas a incerteza do evento tem que ser dos contratantes, sob pena de não subsistir a obrigação.104
Dessa forma, enquanto no contrato cumulativo não há risco, contratualmente assumido, de que a prestação não se realize ou se realize em grau incerto, no contrato aleatório esse risco é justamente a causa da avença105.
Ainda acerca da distinção entre contratos comutativos e aleatórios, Xxxxx Xxxxx Bandeira leciona que a clássica diferença entre os contratos comutativos e aleatórios se dá por duas razões básicas: i) o fato de que as prestações dos contratos comutativos são ab initio conhecidas, certas e determinadas, quando
99 CAMPELLO, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx; SANTIAGO, Xxxxxxx Xxxxxxx. O limite da álea: perspectivas para análise dos contratos aleatórios. Direito civil [Recurso eletrônico on-line]/ organização CONPED/UFF. Coordenadores: Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx Lisboa. Florianópolis: FUNJAB, 2012. p.5. Disponível em: < xxxx://xxx.xxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/ artigos/? cod=4fc28b7093b135c2 2>. Acesso em: 02 set. 2021. 100 Ibid.
101 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Fundamentos do Direito Civil. Volume 3. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 73.
102 Ibid.
103 BEVILAQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Rio de Janeiro: Ed. Xxxxx xx Xxxxxxx Ltda., vol IV, 1958, p. 229
104PEREIRA, Xxxx Xxxxx xx Xxxxx. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2009, p. 59.
105 XXXXXXXX, Xxxxxxxxx. A onerosidade excessiva nos contratos aleatórios. São Paulo (Tese de Doutorado) Universidade de São Paulo. p. 56. Disponível em:
<xxxxx://xxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxxxx/0/0000/xxx-00000000-000000/xxxxxxx/xxxx_xxxx_ exame_ Xxxxxxxxx_Xxxxxxxx.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2021.
nos contratos aleatórios há incertezas desde o ato de estipulação do contrato quanto à existência e extensão das suas prestações e; ii) enquanto nos contratos comutativos as prestações guardariam equilíbrio entre si, nos contratos aleatórios essa equivalência não existiria106.
Dito isto, é possível inferir que, no que diz respeito aos contratos de fornecimento de combustíveis com cláusula que impõe a venda de volume mínimo sob estudo, entende-se que estes são de natureza comutativa, visto que se pode verificar uma previsibilidade, equivalência e proporcionalidade entre as obrigações assumidas pelas partes quando da sua celebração.
Enquanto no âmbito dos contratos de fornecimento de combustíveis, de um lado, as distribuidoras são responsáveis por atender aos pedidos de compra de combustíveis feitos pelos revendedores e a realizar o investimento inicial previamente negociado, de outro, os revendedores devem cumprir, essencialmente, com a exclusividade na compra dos produtos e adquirir a quantidade mínima a que se comprometeram contratualmente.
Trata-se, pois, de obrigações conhecidas certas e determinadas e que também são capazes de guardar equilíbrio entre si. Conforme exposto, ambas as partes empresárias contratantes, conhecedoras do nicho de mercado, optam por assim se organizar contratualmente para obter vantagens econômicas.
Em razão de seus respectivos e diversos interesses econômicos, as partes sabem de antemão suas obrigações e seus direitos estabelecidos contratualmente, os quais produzirão os efeitos previamente conhecidos. Realmente, não se entrevê na relação incertezas aptas a caracterizar o contrato como aleatório e por outro lado, é notória a existência de uma correspectividade das obrigações pactuadas, típica dos contratos comutativos.
Com efeito, desde a celebração, existe uma prévia determinação das obrigações assumidas pelas partes, que perseguem um resultado certo107, sendo, portanto, adequado caracterizá-lo como comutativo. Por outro lado, não se pode afirmar que tais obrigações não seriam certas e dependeriam de acontecimentos ignorados pelas partes108.
106 BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Contratos aleatórios no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p 246.
107 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Fundamentos do Direito Civil. Volume 3. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 73.
Apesar de existirem riscos decorrentes da prática negocial em si, que podem frustrar o negócio ou torná-lo menos lucrativo do que o esperado, não se vislumbra aleatoriedade na relação posta sob estudo apta a caracterizar a avença como tal. Fato é que a relação em questão não depende da eventualidade de determinado acontecimento se configurar para que os seus efeitos sejam surtidos ou para que a partes alcancem o fim econômico pretendido.
A partir da conclusão de que os contratos de fornecimento sob estudo podem se classificar como comutativos, nos seguintes capítulos deste trabalho, serão analisadas as temáticas da onerosidade excessiva e do desequilíbrio contratual sob tal ótica, levando-se em consideração, sobretudo, os riscos assumidos pelas partes e o peso da autonomia privada em tal negócio de cunho empresarial.
Trazidas essas linhas sobre a classificação do contrato sob estudo, passa- se a analisar a possibilidade de enquadramento cláusula de aquisição mínima de combustíveis como take or pay.
1.6. Possível compreensão da cláusula de aquisição mínima de combustíveis como sendo take or pay
Assim como foi classificado o contrato de fornecimento de combustíveis alvo do presente estudo, também é relevante trazer algumas considerações sobre a obrigação específica comum a esse tipo de relação que se refere à cláusula de aquisição mínima de combustíveis.
Optou-se, por, nesse estudo, avaliar se referida cláusula pode ser compreendida como cláusula take or pay, já que referida classificação também possui o condão de interferir na verificação da configuração da onerosidade excessiva e do desequilíbrio contratual. De fato, em regra, em se tratando de cláusula take or pay, nota-se uma tendência menor de o Poder Judiciário brasileiro interferir na relação contratual diante de pedidos de revisão ou resolução do contrato109.
108 BEVILAQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Rio de Janeiro: Ed. Xxxxx xx Xxxxxxx Ltda., vol IV, 1958, p. 229.
109 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Cláusula take or pay em contratos de longo prazo. Dissertação de São Paulo, 2018, (Mestrado em Direito). Fundação Xxxxxxx Xxxxxx-SP. p. 12-13. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxxx/xxxxxx/00000/00000/Xxxxxxxx%X0%X0x_Xx%X0
Sobre a cláusula take or pay, vale dizer que estas são recorrentes em contratos de compra e venda de energia e de transporte de minérios que possuem longa duração110. Sua lógica consiste em estabelecer a obrigação, não apenas de pagar quantia pela disponibilização de determinada quantidade de bem ou serviço, como também de entender como devida a obrigação independentemente do efetivo consumo de tal bem ou serviço. Caso a demanda seja maior do que o mínimo contratualmente previsto, o pagamento é proporcionalmente maior.
Ou seja, o adquirente dos bens ou serviços se compromete a pagar quantia pela disponibilização de determinada quantidade mínima do objeto do contrato e a efetuar o pagamento mesmo nas hipóteses em que não ocorra o efetivo consumo desse bem ou serviço111. De um lado, propicia a uma das partes realizar investimentos na medida em que o fornecimento mínimo do seu produto está garantido e, de outro, garante ao comprador um conforto e o resguarda da falta de produto, a fim de que ele possa se comprometer com a sua produção e seus clientes.
Dito de outro modo, a referida cláusula permite que fornecedor tenha a garantia que a sua produção será adquirida e que o comprador tenha a segurança que não lhe faltará o produto112.
Como consequência, o adquirente da prestação assume os riscos da não utilização, principalmente porque usualmente há investimentos de grande monta relacionados ao cumprimento do contrato, e se compromete ao pagamento haja o que houver. O consumo mínimo nessa seara, portanto, situa-se não no plano obrigacional, mas no risco assumido pelo comprador e, de fato, o pagamento correspondente ao consumo mínimo é devido, ainda que não haja a aquisição.
usula%20take%20or%20pay%20em%20contratos%20de%20longo%20prazo_2018.pdf?sequence
=6>. Acesso em:20 ago. 2021.
110 VEIRANO Advogados. Resolução de Conflitos. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx
/Upload/2020/03-Mar/Veirano_Client_Alert_Conflitos_MAR2020.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2021.
111 VELLOSO, Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxx. Cláusulas de take or pay em contratos de fornecimento de energia elétrica durante a pandemia do covid-19. Migalhas. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/000000/xxxxxxxxx-xx-xxxx-xx-xxx-xx-xxxxxxxxx-xx- fornecimento-de-energia>. Acesso em: 20 ago. 2021.
112 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Cláusula take or pay em contratos de longo prazo. Dissertação de São Paulo, 2018, (Mestrado em Direito). Fundação Xxxxxxx Xxxxxx-SP. p. 11-12. Disponível em:
<https://xxxxxxxxxxxxxxxxx.xxx.xx/dspace/bitstream/handle/10438/22992/Disserta%E7% E3o_Cl%E1usula%20take%20or%20pay%20em%20contratos%20de%20longo%20prazo_2018.p df?sequence=6>. Acesso em:20 ago. 2021.
Esse é o risco que se assume em prol da previsibilidade e segurança almejadas em um mercado em que não se cogita ficar sem determinado produto113.
Na mesma toada, a referida cláusula impõe a obrigatoriedade de disponibilização de bens ou serviços, sendo certo que o descumprimento de tal obrigação poder cessar o pagamento. Acerca da conceituação e sistemática da cláusula de take or pay, assim leciona Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx:
A cláusula take or pay estipula uma obrigação de o comprador pagar por uma quantidade mínima de determinado produto contratualmente estabelecida ainda que referida quantidade de insumo não seja efetivamente adquirida.
O cumprimento da obrigação constante da cláusula take or pay pode variar de acordo com a atividade empresarial exercida. A obrigação de consumo mínimo é ajustável. Pode ser, por exemplo, diária, mensal, trimestral, anual, a depender das necessidades operacionais de fornecimento e consumo das empresas envolvidas. O que interessa é que em caso de descumprimento contratual, os valores devidos em decorrência da cláusula take or pay deverão ser pagos.
Vale dizer que o referido pagamento incide sobre a diferença entre a quantidade efetivamente adquirida e a quantidade mínima a que o comprador se obrigou a adquirir114.
Desse modo, infere-se que, quando da pactuação de tal cláusula, de um lado o vendedor garante a estabilidade da demanda pelo seu serviço/produto, de outro lado devedor obtém maior segurança de que a oferta está garantida115.
No que diz respeito ao enquadramento da cláusula de aquisição mínima de combustíveis como sendo take or pay, é relevante trazer à baila a lição de Xxxxx X. Xxxxxxxxx e Xxxxxxxxx X. Travassos, que entendem ser possível a classificação:
Ab initio podemos dizer que as cláusulas de take-or-pay se norteiam pela rationale a seguir enumerada, porém, como veremos mais adiante, inúmeras são as interpretações sobre o tema.
a) Proteger os investimentos efetuados pelo produtor/fornecedor. A indústria do gás natural, verbi gratia, demanda altos investimentos por parte do produtor/fornecedor quer seja no desenvolvimento dos poços produtores quer na construção de todas as facilities (gasoduto, city gates, etc.) intrínsecas ao transporte do gás natural até a sua efetiva entrega ao consumidor. Desta feita,
113 Ibid, p. 18.
114 Ibid, p. 14.
115 GIANOTTI, Lucca. A cláusula de take or pay e a equação econômica do contrato de fornecimento. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/0000-xxx-00/xxxxxxx-xxxxxxxx-xxxx-xx- paye-contrato-fornecimento>. Acesso em: 26 ago. 2021.
em via de regra, o produtor/fornecedor recorre a project finance objetivando viabilizar o empreendimento. Face ao exposto a solução contratual através da qual o produtor/fornecedor busca mitigar os riscos advindos dos investimentos de tamanho vulto são os contratos de longo prazo com cláusulas de take-or-pay;
b) Garantia de suprimento. Em atividades nas quais o consumo se dá mediante consumo contínuo e ininterrupto, tais como indústrias, estações de serviço (posto de gasolina) é vital que o comprador da commodity tenha a certeza e garantia do fornecimento da mesma sob pena de incorrer em inadimplemento contratual ou, ainda, perda efetiva de clientela. Assim sendo, a cláusula de take-or- pay utilizada no sentido inverso (supply-or-pay) almeja proteger o consumidor final de eventuais interrupções no fornecimento da commodity.
c) Alocação dos Riscos. A partir do momento que as partes se comprometem através da cláusula de take-or-pay as duas premissas anteriormente expostas propiciam a mitigação do risco de maneira proporcional as obrigações e direitos das partes.116
Consoante o entendimento de tais autores, portanto, como nos contratos de fornecimento de combustíveis firmado entre as distribuidoras e os postos revendedores, o consumo dos combustíveis é ininterrupto e essencial ao funcionamento do estabelecimento, estar-se-ia caracterizada a cláusula de take or pay.
Todavia, em que pese tal linha de compreensão dos autores, discorda-se que a cláusula de aquisição de combustíveis se enquadre como cláusula take or pay, porque, na verdade, a relação firmada entre as distribuidoras e os postos revendedores aparenta ser mais complexa e não relaciona o efetivo consumo ao pagamento pelo produto.
No que diz respeito à descaracterização da cláusula de aquisição mínima como sendo take or pay, como defendem tais autores, de pronto, há que se pontuar que, diferentemente do quanto exposto no trecho acima colacionado, a essencialidade dos combustíveis aos postos revendedores e a continuidade de compras de tais produtos das distribuidoras, por si só, não ensejam a caracterização da cláusula de aquisição mínima como sendo take or pay. De fato, tais aspectos não são distintivos à cláusula take or pay em si, já que constância e a essencialidade são comuns às obrigações de trato sucessivo em geral.
Ademais, diferentemente do que ocorre com a cláusula take or pay, nas hipóteses dos contratos de fornecimento que formam o vínculo de bandeira, há que se pontuar que o posto revendedor se obriga a adquirir quantidades mínimas
116 XXXXXXXXX, Xxxxx X.; XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx X. A Eficácia das cláusulas de Take-or-pay nos Tribunais brasileiros. Rio Oil & Gás Expo and Conference 2008. p. 1-2. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxx.xxx/xxxxxxx/xxxxxxxx/xxxx/00000000>. Acesso em 28 ago. 2021.
de combustíveis sob pena de multa contratual, e não sob pena de pagamento da mercadoria desvinculada do consumo.
Ou seja, por meio da pactuação da cláusula que impõe a aquisição de volumes mínimos de combustíveis, o devedor/posto revendedor se obriga a adquirir determinado volume, mas, se não adquirir, deve somente pagar pelo que efetivamente adquiriu e, em compensação, arcar com multa contratual por ter descumprido sua obrigação. Por outro lado, se tal cláusula efetivamente se enquadrasse como take or pay e o posto revendedor não adquirisse todo o volume dos combustíveis prometidos, ele não arcaria com multa contratual, e simplesmente teria que pagar tudo, como se tivesse adquirido tudo.
Isto é, em que pese o posto revendedor tenha punições contratuais pelo não cumprimento da aquisição de volume mínimo, tal consequência não se assimila verdadeiramente ao que ocorre em contratos que efetivamente possuem cláusula take or pay. Não se verifica a alternatividade no que diz respeito ao pagamento do valor pecuniário da prestação, e sim de multa contratual.
Sendo desnaturalizada na hipótese, então, a principal característica da cláusula take or pay, que é justamente o pagamento pelo preço do produto ou serviço independentemente do consumo, diverge-se do entendimento doutrinário exposto e conclui-se que a cláusula de aquisição mínima não se amolda a tal categorização.
Parece correto, então, analisá-la por um viés próprio e peculiar, considerando as especificidades da relação, principalmente no tocante à configuração da onerosidade excessiva e do desequilíbrio contratual. Tal obrigação diz respeito a uma contraprestação que se coaduna com a lógica negocial e pode ser compreendida também como forma de garantir os investimentos realizados pelas distribuidoras.
Com isso em mente, passa-se a analisar a temática do desequilíbrio contratual e da onerosidade excessiva atreladas à relação contratual sob estudo.
2. DESEQUILÍBRIO SUPERVENIENTE NOS CONTRATOS DE FORNECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS
Uma vez demonstradas as particularidades acerca da atividade empresária exercida pelas distribuidoras de combustíveis e pelos postos revendedores, bem como expostas as principais nuances da relação contratual que se constitui quando as partes optam por formar o vínculo do embandeiramento, passa-se à análise da temática que consiste no cerne principal da discussão enfrentada pelo presente trabalho: o desequilíbrio contratual superveniente.
Atualmente, o judiciário brasileiro se depara com uma verdadeira enxurrada de processos que visam a revisão ou a resolução de contratos de fornecimento com cláusula que prevê a aquisição obrigatória de volume mínimo pelo revendedor, com amparo nos artigos 478 e 317 do Código Civil. Por se tratar de uma relação que, conforme exposto, não se concretiza mediante a celebração de contratos de curta duração, verifica-se que recorrentemente os postos revendedores, fundamentados nos remédios trazidos pelo legislador para o desequilíbrio superveniente do contrato, buscam guarida na tutela jurisdicional para resolver ou revisar a relação de embandeiramento.
Trata-se, realmente, de demandas que assumem desfechos muitas vezes inusitados e que apontam para um dissenso jurisprudencial sobre o tema, o qual será objeto de análise no capítulo 3. E é justamente esse antagonismo que incita o aprofundamento da investigação nesse campo que se pretende fazer nesta dissertação.
Neste segundo capítulo, portanto, será demonstrado, inicialmente, que o elemento do risco é considerado aspecto inerente à atividade empresarial e que o instrumento do contrato se revela um importante mecanismo de gestão de riscos na formação da equação econômica da operação empresarial.
Ainda, serão trazidas considerações sobre o fato de que, em se tratando de uma relação de cunho empresarial, na qual as partes detêm expertise acerca da operação do mercado em que operam, é necessário um olhar diferenciado à vontade das partes, sobretudo em razão da importância da segurança jurídica em tal seara. Nessa toada, também serão abordadas algumas alterações promovidas pela Lei da Liberdade Econômica no Código Civil e será realizada uma análise sobre o princípio do equilíbrio contratual.
Após o enfrentamento de tais premissas, serão então analisados os remédios trazidos pelo diploma civil ao desequilíbrio contratual superveniente, bem como os seus respectivos efeitos. Para além disso, também serão trazidas algumas considerações sobre a pertinência da renegociação na relação sob estudo.
2.1 A importância da gestão de risco contratual e da autonomia privada na formação da equação econômica do contrato
O risco é um complexo elemento outrora compreendido pelos romanos como perigo (periculum) ou até mesmo como dano (damnum)117, que, apesar de habitar a linguagem cotidiana, não é objeto de consenso quanto ao seu significado preciso, comportando diversas acepções e facetas118. A despeito da imprecisão quanto à sua definição, parece correto, entretanto, pontuar que o conceito de risco abrange em seu campo semântico o fator da incerteza119.
Trata-se, portanto, de elemento que se relaciona à indefinição do futuro e que, no mundo contratual, se atrela ao resultado dos pactos mediante a dúvida quanto ao cumprimento ou não de obrigações futuras assumidas120. Ao se dedicar ao estudo do risco, a professora Xxxxx Xxxxx Bandeira leciona que são espécies risco do econômico o risco extracontratual e o risco contratual e, quanto ao último, aponta que a sua definição é múltipla entre a doutrina121.
117 XXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx de. Risco Contratual, onerosidade excessiva e contratos aleatórios. Curitiba: Juruá Editora, 2015, p.27.
118 “Conceituar ‘risco’ é, portanto, uma tarefa ‘arriscada’, pois é um embate contra o mito, contra a onipotência da racionalidade científica e contra o poder, mas também o é contra a miséria e contra a iniquidade. Além disso, como lembrou Kadvany (1997), ‘risco’ pressupõe um conceito inerentemente dúbio” (XXXXXX, Xxxxxx Xxxxx e LIEBER, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx. Disponível em: <xxxx://xxxxx.xxxxxx.xxx>. Acesso em: 10 fev. 2022.
119 XXXXXX, Xxxx. O risco nas ciências sociais: uma visão crítica ao paradigma dominante. Revista Alagoana de Sociologia, 2010; n°s 5 e 6. p. 12. Disponível em:
<xxxx://xxxxxxxxxxxx.xxxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxxx/0000/00000/0/Xx%x0%x0x%00Xxxxxx%00X%00xx sco%20nas%20ciencias%20sociais.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2022.
120 FEITOSA, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxx. O contrato como regulador e como produtor de riscos. Prima Facie - Direito, História e Política. v.12, n.22, p.64-85, 2013. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxx.xxxx.xx/xxx/xxxxx.xxx/xxxxxxxxxx/xxxxxxx/xxxx/0000>. Acesso em: 23 jul. 2015. 121Ao tratar sobre as múltiplas definições sobre o risco contratual, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx assim leciona: “Xxxxx X. Xxxxxxxxx sustentou já em 1924, de modo simples e eficaz, que o risco contratual se compõe de diversos fatores (i) o evento; (ii) a causa; (iii) o dano; e (iv) a incidência sobre os contratantes. Xxxxx Xxxxx, em conhecido trabalho sobre o tema, afirma que o risco contratual compreende genericamente (i) o risco e inadimplemento, quando uma das prestações não é adimplida por culpa do devedor, por faro de terceiro, por fato do príncipe ou por caso fortuito; e (ii) o risco de diminuição da satisfação econômica do negócio, pela pré-existência ou
Para o presente trabalho, a análise da espécie do risco contratual é a que se demonstra relevante, visto que, ao analisar a pertinência da intervenção judicial na relação sob estudo, há que se levar em consideração o risco assumido contratualmente pelas distribuidoras e postos revendedores quando optam pela adesão ao regime de bandeira.
No que diz respeito às distribuidoras de combustíveis, é possível constatar que os maiores riscos envolvidos na relação se referem ao retorno econômico que se espera diante dos investimentos realizados nos postos a título de antecipação de bonificação, bem como à concreção do quantitativo de vendas que foi pactuado no início da relação. Por sua vez, quanto aos postos revendedores, o risco mais relevante se refere ao cumprimento da obrigação de compra da litragem mínima e exclusiva de combustíveis da distribuidora com quem se vinculou.
Dessa forma, tendo em vista que o contrato é um instrumento de gestão dos riscos econômicos que atingem a sua execução, notadamente os riscos econômicos supervenientes122, os postos e as distribuidoras, no gozo de sua autonomia privada, se valem de instrumento contratual para gerir os riscos oriundos da operação negocial123, tal como demonstrado no capítulo 1 deste trabalho, e alocam entre si os riscos das dificuldades que eventualmente possam desordenar a atuação do programa contratual.
Conforme exposto, neste tipo de relação, é recorrente que as partes estipulem multa pelo descumprimento das obrigações assumidas, bem como a devolução do investimento inicialmente realizado na hipótese de não aquisição das quantidades mínimas estabelecidas no contrato, de modo que é possível constatar as consequências a que as partes se submeteram ao contratar.
O instrumento contratual, portanto, desempenha, verdadeiramente, uma função econômica de reduzir e distribuir riscos entre as partes124 e é utilizado para
superveniência de circunstancias previstas e imprevisíveis que não comportam inadimplemento em sentido técnico, mas desordenam a economia originária do negócio. Tais riscos, embora conceitualmente distintos in abstracto, encontram-se entrelaçados in concreto” (BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Contratos aleatórios no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p 8.).
122 TERRA, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx e BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. A cláusula resolutiva expressa como instrumento de gestão positiva de risco nos contratos Cadernos do Programa de Pós- Graduação em Direito – PPGDir./UFRGS, Sep 2017, p. 96. Disponível em:
<xxxxx://xxxx.xxxxx.xx/xxxxxx/xxxxxxx/xxxx/00000/00000>. Acesso em: 14 fev. 2022.
123 Ibid, x. 00.
000 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxx; XXXXX, Xxxxx. Direito, economia e mercados. Rio de Janeiro: Xxxxxxxx, 0000, p. 121-125.
que os agentes econômicos alcancem os seus interesses dentro do mercado, do ambiente institucional125. Em verdade, além de revelar a equação econômica desejada pelos contratantes, a alocação de riscos promovida pelas partes, define o sinalagma contratual126 e se insere na própria causa do negócio, eis que retrata os efeitos que são perseguidos pelos contratantes para a realização de suas pretensões127.
E justamente por trazer impactos à relação contratual em si e à economia das partes128, parece correto afirmar que a alocação de riscos merece ser privilegiada e ponderada durante toda a vida contratual129.Sobre o tema, cabe trazer a lição das professoras Aline Terra e Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx sobre o assunto:
Em relações paritárias, em que não há assimetria de informações, a equação econômica estabelecida pelos contratantes por meio da alocação de riscos há de ser observada em toda a vida contratual. Afinal, a repartição dos riscos traduzirá a finalidade almejada pelos contratantes com o concreto negócio, os quais buscam satisfazer os seus interesses por meio daquela específica alocação de riscos130.
Aliado a isso, as referidas autoras pontuam, ainda, que a alocação de riscos no contrato se relaciona ao conceito de equilíbrio, uma vez que, negocialmente, as partes repartem riscos para definir o devido equilíbrio do ajuste131. Nesse particular, é possível concluir que, ainda que não em maneira desmedida, a repartição de riscos promovida contratualmente pelas partes merece prestígio132. Sobre o tema, de Xxxxx Xxxxx Bandeira leciona expressamente que “há que se prestigiar a repartição de riscos estabelecida pela vontade negocial, que traduz o equilíbrio do negócio”133.
125 XXXXXXXX, Xxxxxxxx. Lesão e Onerosidade Excessiva nos contratos empresariais. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 27.
126 TERRA, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx e XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxx. A cláusula resolutiva expressa como instrumento de gestão positiva de risco nos contratos Cadernos do Programa de Pós- Graduação em Direito – PPGDir./UFRGS, Sep 2017, p.97. Disponível em:
<xxxxx://xxxx.xxxxx.xx/xxxxxx/xxxxxxx/xxxx/00000/00000>. Acesso em: 14 fev. 2022.
127 BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. O contrato como instrumento de gestão de riscos e o princípio do equilíbrio contratual. Revista de Direito Privado (São Paulo), v. 65, p. 198.
128 Ibid, p. 196.
129 Ibid, p. 196-197.
130 TERRA, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx e BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Op. cit, p.98.
131 TERRA, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx e BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. A cláusula resolutiva expressa como instrumento de gestão positiva de risco nos contratos Cadernos do Programa de Pós- Graduação em Direito – PPGDir./UFRGS, Sep 2017, p. 98. Disponível em:
<xxxxx://xxxx.xxxxx.xx/xxxxxx/xxxxxxx/xxxx/00000/00000>. Acesso em: 14 fev. 2022.
132 BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Contratos aleatórios no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p 9-10.
Desde já, é importante ressaltar que não se nega que a evolução de fatos e eventos de ordem imprevista e extraordinária seja capaz de tornar inviável o pleno cumprimento do contrato exatamente da forma inicialmente estabelecida pelas partes e que estes precisam ser avaliados e eventualmente considerados em sua natureza para que sejam criadas alternativas justas e viáveis de solução para os contratantes.
De fato, não se demonstra adequado analisar o espectro obrigacional apenas sob a ângulo da força obrigacional absoluta, no qual se parte do pressuposto de que as circunstâncias e ambientes sejam idênticas às que vigoravam no momento da celebração se conservam inalteradas quando da execução, na medida em que o próprio Código Civil abre espaço para a reavaliação dos termos contratuais em determinadas situações134 conforme se verá de forma detida adiante.
Entretanto, no que tange especificamente aos contratos empresariais, tais como os contratos de fornecimento de combustíveis sob apreço, é possível pontuar que a força obrigatória dos contratos, abarcada pelo princípio do pacta sunt servanda135 acaba por promover a existência de uma economia de mercado e se tornar relevante ao giro mercantil 136, de modo que merece ser analisada sobre um viés que também leve tal fato em consideração.
Considerando que o desenvolvimento do mercado se dá justamente por meio das relações entre os seus agentes econômicos, os quais se concretizam mediante a celebração de contratos137e que o texto do contrato celebrado entre as partes é o mais forte indício das suas intenções138, é possível concluir que se
133 XXXXXXXX, Xxxxx. Greco. O contrato como instrumento de gestão de riscos e o princípio do equilíbrio contratual. Revista de Direito Privado (São Paulo), v. 65, p. 198.
134 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx. Teoria da Imprevisão e o Novo Código Civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 830, dez. 2004. p. 6.
135 Ao tratar sobre o princípio do pacta sunt servanda, assim dispõem Xxxxxx Xxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxxx dos Santos: “Este princípio ainda se traduz na razão de ser dos contratos (ratio essendi), consubstanciando-se na alma e na vida dos contratos. O pacta sunt servanda é a expressão do princípio da confiança que deve presidir as relações obrigacionais. E a ideia de confiança (Vertrauenstheorie) é tão cara ao direito obrigacional que o ordenamento jurídico atribui responsabilidade à palavra dada antes mesmo da celebração de um contrato, falando-se, por exemplo, em culpa in contrahendo e em eficácia vinculativa das cartas de intenções, ambas tutelas das relações jurídicas das negociações contratuais (Rechtsverhältnis der Vertragsverhandlungen).” (NERY JUNIOR, Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxxxx dos. Renegociação Contratual. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 000, x. 0, x.000, xxx. 2011. Mensal).
136 XXXXXXXX, Xxxxx X. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. p. 111.
137 XXXXXXXX, Xxxxxxxx. Lesão e Onerosidade Excessiva nos contratos empresariais. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 28.
demonstra adequado um olhar atento sobre as particularidades dos contratos empresariais e sobre os impactos da inobservância da estrita vontade das partes.
No que tange a tais particularidades, merece destaque o fato de que o empresário, por ser profissional e possuir expertise na atividade econômica, ao travar negócios paritários139, tem consciência dos riscos da situação negocial, isto é, possui uma noção com maior profundidade dos riscos do negócio que são levados em consideração quando da celebração do contrato140.
Realmente, a profissionalidade dos contratantes empresários é aspecto que não se pode perder de mente na seara dos contratos empresariais, posto que se relaciona diretamente ao grau de conhecimento de risco do negócio.
Considerando a relação sob estudo, tem-se que, ao assumirem as responsabilidades concernentes ao contrato de embandeiramento, tanto os revendedores quanto as distribuidoras avaliam as possibilidades de cumprirem as disposições da avença e, com a expertise que detêm, analisam a sistemática de mercado do nicho que ocupam para que possam efetivamente concluir que a operação é vantajosa e economicamente viável. Por exemplo, ao estipularem as quantidades mínimas de combustíveis que devem ser adquiridas – as quais, conforme exposto, são diretamente proporcionais ao investimento inicial -, as partes avaliam a plausibilidade do cumprimento da obrigação levando em consideração o conhecimento de mercado e a profissionalidade que detém.
Dessa forma, acerca desta temática, vale trazer à baila a lição de Xxxxx Xxxxxxxx, a qual demonstra que a profissionalidade dos contratos empresariais implica em um maior prestígio à vontade das partes e em desincentivo a interferências externas no teor do contrato:
138 XXXXXXXX, Xxxxx X. Op.cit. p. 101.
139 No que diz respeito ao fato de os negócios empresariais serem considerados paritários, vale a lição de Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxx Xxxxxxxxxx: “O campo interempresarial não é apenas paritário, no sentido de que não há flagrante desequilíbrio entre as partes a ser corrigido pela atividade jurisdicional, mas se caracteriza, ainda, pela presença de pessoas jurídicas, que, em situação de equilíbrio econômico e jurídico, negociam direitos e obrigações, de forma puramente patrimonial e até matemática. Desse modo, à aquisição de cada direito corresponde o custo que, de uma forma ou de outra, acaba incorporado ao preço da operação”. (XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXXXX, Laís. Notas sobre as alterações promovidas pela Lei n.º 13.874/2019 nos artigos 50, 113 e 421 do Código Civil. In: XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx; XXXXXX, Xxx (Coord.). Lei de liberdade econômica e seus impactos no direito brasileiro. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2020, p. 489).
140 Xxxxx, Xxxxxx X. Braga, XXXXXXXX XXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Breve ensaio sobre a autonomia dos contratos interempresariais. Revista de Direito Privado, vol. 63. São Paulo: jun./set 2015, p. 109.
Empresas celebram contratos para que sejam cumpridos, vinculando-se aos seus termos [pacta sunt servanda]. Esses negócios somente poderão ser alterados com a concordância de todos os partícipes. Trata-se de forma de governança inerente aos acordos interempresariais que, em princípio, requer o consenso para modificação do vínculo, i.e., das bases da vinculação(...)
Se o sistema admitir a revisão contratual ou a liberação do vínculo por qualquer simples percalço, ruirá a obrigatoriedade dos contratos e restará prejudicado o fluxo das relações econômicas141.
Ademais, parece correto afirmar que os contratos interempresariais devem gozar de uma maior independência142 também porque o desmedido afastamento da vontade das partes poderia culminar em uma deturpação da lógica natural do livre mercado143 e criar risco moral e insegurança jurídica144.
No que tange à segurança e a previsibilidade jurídicas do negócio, é relevante frisar que estas são pilares caros à relação empresarial, eis que um ambiente mercadológico dotado de inseguranças e imprevisibilidades desestimula a prática de diversas atividades econômicas e desincentiva o ingresso de novos agentes ao mercado, o que consequentemente reduz a competitividade e culmina no aumento do custo final da operação.
De fato, consoante leciona Xxxxx Xxxxxxxx, “os contratos empresariais somente podem produzir riqueza em um ambiente que privilegie a segurança e a previsibilidade jurídicas”145, uma vez que para que os agentes econômicos possam realizar os cálculos da operação, estes precisam contar com a segurança e a previsibilidade146.
141 XXXXXXXX, Xxxxx X. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. p. 281.
142 Sobre o tema, vale mencionar que, quando do julgamento do Resp 1409849/PR, o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão de relatoria do Ministro Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxxxxx expressamente consignou que “Efetivamente, no Direito Empresarial, regido por princípios peculiares, como a livre iniciativa, a liberdade de concorrência e a função social da empresa, a presença do princípio da autonomia privada é mais saliente do que em outros setores do Direito Privado. O controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia” (REsp 1409849/PR, Rel. Ministro XXXXX XX XXXXX XXXXXXXXXXX, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 05/05/2016).
143 XXXXX, Xxxxxx X. Braga, XXXXXXXX XXXXX, Xxxxxxxx Xxxx. Breve ensaio sobre a autonomia dos contratos interempresariais. Revista de Direito Privado, vol. 63. São Paulo: jun./set 2015, p. 111.
144 XXXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxx Xxxx. Direito empresarial esquematizado. 3 ed. São Paulo: Método, 2013.p.517.
145 XXXXXXXX, Xxxxx X. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. p. 121.
Também sobre a importância da previsibilidade no mercado, cabe a lição de Xxxxx Xxxxx Xxxxxx:
O ambiente institucional marcado pela previsibilidade das decisões judiciais é uma das condições para a atração de investimentos e realização de negócios. O empresário, ao fazer os cálculos destinados à definição do preço dos produtos ou serviços que oferecerá ao mercado, adota como premissa a efetividade da lei e dos contratos. Mais que isso, parte do pressuposto de que a lei será aplicada tal como resulta do seu sentido imediato e que, se o contratante não honrar o contratado, o Poder Judiciário garantirá, firme e prontamente, o resultado equivalente ao adimplemento. As decisões judiciais são, para o empresário, imprevisíveis quando o juiz interpreta a lei de forma não assimilável diretamente por ele ou libera o contratante do cumprimento da obrigação assumida em contrato147.
Nessa mesma toada, o respeito à confiança148 e à sua preservação é fator crucial aos contratos empresariais e aspecto fundamental para o adequado fluxo de relações econômicas149. Ao tratar sobre o valor da confiança, Xxxx Xxxxxx leciona que “uma sociedade em que cada um desconfia do outro assemelhar-se-ia a um estado de guerra latente entre todos, e em lugar da paz dominaria a discórdia. Onde se perdeu a confiança, a comunicação humana resta profundamente perturbada”150.
Em se tratando da relação firmada entre as distribuidoras e aqueles postos que desejam aderir ao regime de bandeira, verifica-se que as partes, amparadas na confiança, contratam mediante a legítima expectativa de que as obrigações
146 YAMASHITA, Xxxx Xxxxxx. A alteração das circunstâncias fáticas nos contratos interempresariais. São Paulo (Mestrado em Direito). Universidade de São Paulo. p. 236. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxxxx/0/0000/xxx-00000000- 000000/xxxxxxx/Xxxxxx_ xxxxx_Xxxxxxxxx_xxx_xxxxxxxxxxxxxx_xxxxxxx_Xxxx_Xxxxxx.xxxx. Acesso em: 07 fev. 2022.
147 XXXXXX, Xxxxx Xxxxx. Curso de Direito Comercial. Vol.1. São Pauli: Saraiva 2012, p. 16.
148 Nas palavras de Gerson Branco: “O valor confiança é um dos pilares centrais de todo o direito. Somente existe a possibilidade de convivência social se o valor confiança está presente. Os mecanismos de proteção deste valor são muitos e, regra geral, existem leis e procedimentos para sua proteção. E, justamente em razão da crescente valorização da confiança e da consciência do fenômeno, o valor confiança passou a ser considerado como um valor econômico, em razão de grandes investimentos realizados no mercado de consumo após os anos setenta, por meio de ‘estratégias de confiabilidade’” (XXXXXX, Xxxxxx Xxxx Xxxxxx. A proteção das expectativas legítimas derivadas das situações de confiança: elementos formadores do princípio da confiança e seus efeitos. Revista de direito privado, n.12, out./dez. 2002, p. 177).
149 XXXXXXXX, Xxxxx X. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação, 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 73.
150 XXXXXX, Xxxx. Derecho Civil – Parte general. Trad. Esp. Xxxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxx-Xxxxxxx. Caracas: Edersa, 1978, p. 59.
inicialmente pactuadas serão cumpridas para que, assim, tenha razão e tome vida a operação econômica, de modo que esses aspectos não podem ser desconsiderados no curso da relação a qualquer preço e o seu cumprimento merece, em regra, ser imposto aos contratantes.
Frise-se que a proteção à confiança nas relações econômicas veicula-se principalmente pelo princípio da boa-fé objetiva151. Sobre o tema, vale dizer que a boa-fé objetiva se consubstancia em um princípio geral do direito, o qual deve ser observado antes, durante e depois da realização do negócio jurídico e, na seara dos contratos empresariais, parece correto afirmar que a sua acepção não deva se destinar ao reequilíbrio de desigualdades sociais ou à eliminação de posições de vantagem legítimas, mas sim para assegurar condições transparentes e colaborativas que sejam compatíveis à atividade negocial.
Ao tratar sobre o assunto, Xxxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxxxxxx pontuam que “em relações paritárias, como as que são tuteladas pelo Código Civil, não faz sentido atribuir uma função reequilibradora à boa-fé, pela simples razão de que, a princípio, não há, nestas relações, desequilíbrio a corrigir”152.
Assim, o que se extrai do princípio da boa-fé diante de uma relação empresarial paritária, tal como a que se analisa sob o presente estudo, é que este impõe às partes se comportem de acordo com o standard de conduta que é legitimamente esperado naquele meio empresarial, sem paternalismos, mas com a lealdade. Nesse sentido, também é a relevante a lição da professora Xxxxx Xxxxxxxx:
Quando o direito manda interpretar os acordos conforme a boa-fé não está apenas dando guarida a uma regra monacal, mas vivificando tradicional norma de direito mercantil, útil às empresas e ao mercado. Nessa perspectiva, a boa-fé despe-se de tantos aspectos morais que a revestem em outros contextos, exsurgindo objetivada, ou seja, segundo os padrões de comportamento aceitos em determinado local [ou em determinada praça]. [...] A boa-fé que assume relevância para fins de interpretação dos negócios comerciais é a objetivada, na medida em que permite a objetivação da conduta esperada da outra parte e um melhor cálculo [aumentando o grau de certeza e de previsibilidade presente no mercado.153
151 XXXXXX, Xxxxxx Xxxx Xxxxxx. A proteção das expectativas legítimas derivadas das situações de confiança: elementos formadores do princípio da confiança e seus efeitos. Revista de Direito Privado, v.3. n.12. São Paulo: out./dez. 2002, p. 179.
152 XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Os efeitos da Constituição em relação à cláusula de boa-fé no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil. Revista da EMERJ, v. 6, n. 23, 2003, p. 143.
Tudo isso leva a crer, portanto, que, em se tratando de contratos empresariais, estes merecem ser analisados dentro de uma ótica própria, se não como uma categoria específica, ao menos como um grupo distinto de contratos154
, nos quais a vontade das partes possui especial relevância em razão da profissionalidade das partes e em prol dos valores da confiança, segurança e previsibilidade da relação.
Mais uma vez, contudo, é relevante ressalvar que não se defende aqui que o Estado se exima de qualquer atuação ou interferência perante os contratos empresariais, mas apenas que a relação merece ser olhada sob uma ótica distinta e que leve em consideração a diferente perspectiva155, sem que seja desconsiderado em absoluto o princípio da solidariedade social, bem como com outros parâmetros interpretativos que emanam de um mandamento supralegal. Na mesma toada, observa-se que a necessidade de segurança e previsibilidade não significa uma absoluta imutabilidade do negócio156, tampouco a perpetuação de abusos ou infrações à normas cogentes de ordem pública157.
Isto é, o Estado não deve ser visto necessariamente como um inimigo da liberdade de contratar do empresário, uma vez que não se pode perder de mente a essencialidade na intervenção do Estado nas relações contratuais, seja para assegurar a força vinculante dos contratos, seja para garantir a incidência das normas jurídicas, inclusive as constitucionais, às relações privadas158.
153 XXXXXXXX, Xxxxx X. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação, 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 255-256.
154 YAMASHITA, Xxxx Xxxxxx. A alteração das circunstâncias fáticas nos contratos interempresariais. São Paulo (Mestrado em Direito). Universidade de São Paulo. p. 173. Disponível em: <xxxx://xxxxxx.xxxxxx.xx/xxxxxxxxxx_xxxxxxx/xxxx/xxxx/ 11112014_105344_rodrigoc.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2022.
155 Sobre o tema é oportuno transcrever o Enunciado 21 da I Jornada de Direito Comercial: “Nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais”.
Na mesma linha, ao julgar o REsp 936.741/GO, o qual foi relator o Min. Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que os “contratos empresariais não devem ser tratados da mesma forma que contratos cíveis em geral ou contratos de consumo. Nestes admite-se o dirigismo contratual. Naqueles devem prevalecer os princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória das avenças”. (STJ - REsp: 936741 GO 2007/0065852-6, Relator: Ministro XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX, Data de Julgamento: 03/11/2011, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/03/2012).
156 YAMASHITA, Xxxx Xxxxxx. A alteração das circunstâncias fáticas nos contratos interempresariais. São Paulo (Mestrado em Direito). Universidade de São Paulo. p. 57. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxxxx/0/0000/xxx-00000000-000000/xxxxxxx/Xxxxxx
_final_Alteracao_das_circunstancias_faticas_Hugo_Tubone.pdf. Acesso em: 15 fev. 2022.
157 XXXXXXXX, Xxxxx X. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. p. 279.
O que se aduz é que, neste tipo de relação, é necessário um olhar amplo e condizente com a relação empresarial, de modo que seja dada relevância à alocação de riscos promovida pelas partes e sejam levados em consideração os aspectos mercadológicos inerentes à relação.
2.2. Repercussões da lei de liberdade econômica
No sentido de ressaltar a relevância que deve ser dada ao quanto disposto nas avenças criadas pelas partes e às peculiaridades que merecem ser analisadas quando da interpretação de uma relação de cunho empresarial, a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), que é fruto da conversão da Medida Provisória 881/2019159, revela em seu texto um escopo eminentemente liberal, o qual visa a conferir maior liberdade econômica às pessoas naturais e jurídicas160.
De fato, é possível perceber que os dispositivos da Lei da Liberdade Econômica tem como intuito a promoção da segurança jurídica a implementação de uma atmosfera empresarial liberal, na qual o Estado atua como verdadeiro coadjuvante frente à vontade das partes e ao livre mercado.
Referida lei, além de trazer novidades na seara do direito público e do direito econômico, promoveu uma série de modificações no Código Civil, especialmente em matéria contratual161,dentre as quais destaca-se adiante neste
158 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Alterações da MP 881 ao Código Civil - Parte I . Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/xxxxxxxxxx-xx-xx-000-xx-xxxxxx-xxxxx- parte-i?ref=feed>. Acesso em: 13 jan. 2022.
159 Sobre o tema, vale pontuar que o fato de a Lei da Liberdade Econômica ser fruto de uma Medida Provisória foi um aspecto entendido como demasiadamente problemático e contraditório por relevante parte dos estudiosos do direito civil, já que se a intenção de medida era resguardar a liberdade econômica, para a qual a segurança jurídica é imprescindível, buscar estabilidade por meio de uma menina provisória seria inadequado. Sobreo tema, assim lecionam Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx e Luccas Xxxxxxxx Xxxxxxx: “A grande maioria dos operadores do ordenamento jurídico brasileiro – advogados, professores, magistrados, juristas em geral – foram surpreendidos no dia 30 de abril de 2019 com a edição da Medida Provisória nº 881, que, da noite para o dia, modificou institutos basilares do direito civil brasileiro, como a desconsideração da personalidade jurídica, a função social dos contratos, o regime dos contratos de adesão e a onerosidade excessiva. A regulação original desses institutos pelo Código Civil tinha sido debatida por especialistas no Congresso por mais de trinta anos e, subitamente, por meio de um ato do Poder Executivo, foram todos modificados”. XXXXXX, C. N.; XXXXXXX, L. G. . A função social do contrato após a Lei de Liberdade Econômica. Revista brasileira de direito contratual, v. 7, p. 14.
160 XXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Os contratos civis e empresariais e a lei de liberdade econômica.
Revista diálogo jurídico, vol. 18, n. 2, p. 71, jul./dez. 2019. Disponível em
<xxxx://xxxxxxxxxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxx.xxx/xxxxxxx-xxxxxxxx/xxxxxxx/xxxx/00/00>. Acesso em: 10 jan. 2022.
161 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 2ª ed., p.87.
trabalho i) as alterações promovidas no 421; ii) a criação do artigo 421-A; iii) a criação dos incisos II e V do §1º do artigo 113.
Antes, contudo, de adentrar à análise da redação dos referidos dispositivos, cumpre ressalvar que, no geral, as alterações realizadas pela Lei da Liberdade Econômica no Código Civil foram objeto de árduas críticas por relevante parte da doutrina, tais como o fizeram Gustavo Tepedino162, Anderson Schreiber163, Carlos Nelson Konder164 e Eduardo Nunes de Souza165 em artigos especificamente relacionados ao tema.
Por meio dos referidos estudos, os autores puderam constatar que a falta de cuidado redacional e de técnica fruto do apressamento do processo legislativo166da Lei da Liberdade Econômica fazem com que não sejam atendidos por completo alguns intuitos que a norma se propôs a assumir na prática167, principalmente no que tange à mitigação da insegurança jurídica168. Para além
162 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Editorial. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 20, p. 11-13, abr./jun. 2019. DOI: 10.33242/rbdc.2019.02.001. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxx/xxxx/000/000>. Acesso em: 13 jan. 2021.
. Notas sobre as alterações promovidas pela Lei nº 13.874/2019 nos artigos 50,113 e 421 do Código Civil. In: XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx; XXXXXX, Xxx (Xxxxxx.). Lei de Liberdade Econômica e seus impactos no direito brasileiro. 1 ed. –São Paulo: Thomas Reuters Brasil, 2020, p. 487-513.
163 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Princípios constitucionais versus liberdade econômica: a falsa encruzilhada do Direito Contratual brasileiro. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxx-xxxxxxxxxxx/000000/xxxxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxxx- versus-liberdade-economica--a-falsa-encruzilhada-do-direito-contratual-brasileiro>. Acesso em: 13 jan. 2021.
164 XXXXXX, C. N.; XXXXXXX, L. G.. A função social do contrato após a Lei de Liberdade Econômica. Revista brasileira de direito contratual, v. 7, p. 5-22, 2021.
165 XXXXX XX XXXXX, Xxxxxxx. Lei da Liberdade Econômica e seu desprestígio à autonomia privada no Direito Contratual brasileiro. In: Migalhas Patrimoniais. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxx-xxxxxxxxxxxx/000000/xxx-xx-xxxxxxxxx-xxxxxxxxx-x- seu-desprestigio-a-autonomia-privada-no-direito-contratual-brasileiro>. Acesso em: 13 jan. 2021.
166 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Princípios constitucionais versus liberdade econômica: a falsa encruzilhada do Direito Contratual brasileiro. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxx-xxxxxxxxxxx/000000/xxxxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxxx- versus-liberdade-economica--a-falsa-encruzilhada-do-direito-contratual-brasileiro>. Acesso em: 13 jan. 2021.
Sobre o tema, Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxx lecionam que “A grande maioria dos operadores do ordenamento jurídico brasileiro – advogados, professores, magistrados, juristas em geral – foram surpreendidos no dia 30 de abril de 2019 com a edição da Medida Provisória nº 881, que, da noite para o dia, modificou institutos basilares do direito civil brasileiro, como a desconsideração da personalidade jurídica, a função social dos contratos, o regime dos contratos de adesão e a onerosidade excessiva. A regulação original desses institutos pelo Código Civil tinha sido debatida por especialistas no Congresso por mais de trinta anos e, subitamente, por meio de um ato do Poder Executivo, foram todos modificados”. (XXXXXX, C. N.; XXXXXXX, L. G.. A função social do contrato após a Lei de Liberdade Econômica. Revista brasileira de direito contratual, v. 7, p. 5- 22, 2021).
167 XXXXXX, C. N.; XXXXXXX, L. G.. A função social do contrato após a Lei de Liberdade Econômica. Revista brasileira de direito contratual, v. 7, p. 6, 2021.
disso, denotou-se que o teor da Lei da Liberdade Econômica causou incompreensões e discussões desnecessárias no que se refere à positivação de normas garantidoras de liberdades que jamais haviam sido questionadas169.
Sobre o tema, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx leciona que as alterações da Lei da Liberdade Econômica no Código Civil se insurgem “sua ampla maioria, contra falsos obstáculos à livre iniciativa e investem contra cláusulas gerais e princípios que não deixam de produzir seus efeitos por conta das modificações introduzidas, em caráter aparentemente cosmético” 170 e, também pelas razões expostas, conclui que apesar de ser possível identificar algumas poucas alterações positivas, o saldo geral das alterações promovidas pela Lei da
Liberdade Econômica é decididamente negativo171.
Nessa mesma linha, confira-se, ainda, a lição de Xxxxxxx Xxxxxxxx:
“O Código Civil, por sua vez, foi alterado em diversos artigos, sem qualquer cuidado redacional ou proveito prático. Mais uma vez, verifica-se o propósito de se reduzir a interferência arbitrária do Judiciário nos contratos, o que seria benfazejo caso se buscasse estabelecer, na esteira do esforço empreendido pela doutrina, balizas objetivas para a incidência normativa. Entretanto, foram trazidos a lume novos conceitos indeterminados, que exigirão necessariamente a intervenção judicial que se almeja reduzir” 172.
168 Nesse sentido, ao tratar sobre a Medida Provisória 881/2019, a qual foi convertida na Lei da Liberdade Econômica, Xxxxxxx Xxxxxxxx leciona que “Movida pelo propósito de fortalecer a autonomia privada e reduzir a intervenção dos juízes nas relações contratuais, a Medida Provisória nº 881 mostra-se atécnica, confusa e ociosa”. (XXXXXXXX, Xxxxxxx. Editorial. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 20, p. 11-13, abr./jun. 2019. DOI: 10.33242/rbdc.2019.02.001. Disponível em: <xxxxx://xxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxx/xxxx
/421/289>. Acesso em: 13 mar. 2022).
169 XXXXX XX XXXXX, Xxxxxxx. Lei da Liberdade Econômica e seu desprestígio à autonomia privada no Direito Contratual brasileiro. In: Migalhas Patrimoniais. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxx-xxxxxxxxxxxx/000000/xxx-xx-xxxxxxxxx-xxxxxxxxx-x- seu-desprestigio-a-autonomia-privada-no-direito-contratual-brasileiro>. Acesso em: 13 jan. 2021.
170 XXXXX XX XXXXX, Xxxxxxx. Lei da Liberdade Econômica e seu desprestígio à autonomia privada no Direito Contratual brasileiro. In: Migalhas Patrimoniais. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxx-xxxxxxxxxxxx/000000/xxx-xx-xxxxxxxxx-xxxxxxxxx-x- seu-desprestigio-a-autonomia-privada-no-direito-contratual-brasileiro>. Acesso em: 13 jan. 2021.
171 XXXXX XX XXXXX, Xxxxxxx. Lei da Liberdade Econômica e seu desprestígio à autonomia privada no Direito Contratual brasileiro. In: Migalhas Patrimoniais. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxx-xxxxxxxxxxxx/000000/xxx-xx-xxxxxxxxx-xxxxxxxxx-x- seu-desprestigio-a-autonomia-privada-no-direito-contratual-brasileiro>. Acesso em: 13 jan. 2021.
172 XXXXXXXX, Xxxxxxx. Editorial. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 20, p. 11, abr./jun. 2019. DOI: 10.33242/rbdc.2019.02.001. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxx/xxxxxxx/xxxx/000/000>. Acesso em: 13 jan. 2021.
. Notas sobre as alterações promovidas pela Lei nº 13.874/2019 nos artigos 50,113 e 421 do Código Civil. In: XXXXXXX, Xxxx Xxxxxx; XXXXX, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxx; XXXXXX, Xxx (Xxxxxx.). Lei de Liberdade Econômica e seus impactos no direito brasileiro. 1 ed. –São Paulo: Thomas Reuters Brasil, 2020, p. 487-513.
Dessa forma, é possível inferir que considerável parte da doutrina civilista atual compreende que as alterações promovidas pela Lei da Liberdade Econômica no Código Civil não teriam o condão de realmente mitigar as inseguranças das intervenções estatais no campo dos contratos tal como se propôs a fazer, ou a promover tamanho liberalismo.
Trazidas estas considerações, passa-se então à análise do teor dos referidos artigos do Código Civil para que sejam verificadas as intenções do legislador, bem como os possíveis impactos que elas poderiam trazer ao estudo da relação firmada entre as distribuidoras de combustíveis e os postos revendedores.
No que se refere às alterações promovidas no artigo 421 do Código Civil, infere-se que o acréscimo de seu parágrafo único retrata um propósito claro do legislador de reduzir a interferência do Poder Judiciário nos contratos firmados entre particulares, sobretudo naqueles de natureza empresarial, tal como aqueles de fornecimento de combustíveis.
A partir de sua leitura, é possível constatar que foi instituído no ordenamento jurídico brasileiro um princípio da intervenção mínima e foi determinada a excepcionalidade da revisão contratual, de modo acentuar a impropriedade da intervenção desmedida por parte do judiciário na relação contratual e acentuar a importância da vontade das partes173.
O dispositivo sob comento, que se situa nas disposições gerais acerca dos contratos, ao dispor sobre o denominado princípio da intervenção mínima e versar sobre a excepcionalidade da revisão contratual não deixa dúvidas, portanto, de que sua finalidade reside na reafirmação do respeito aos contratos e intenta conter ao máximo o dirigismo contratual174. De fato, é bastante clara a intenção do legislador de colocar a letra do contrato em uma posição de superioridade.
Entretanto, em que pese referido dispositivo esteja sendo objeto de fundamentação de diversas decisões recentes proferidas pelos tribunais brasileiros, as quais entendem por sua utilidade175, compreende-se que para que
173 Nesse mesmo sentido, verifica-se que o inciso III do artigo 421-A repisa essa regra e reanima a noção geral que privilegia o pacta sunt servanda.
174 XXXX, Xxxxxx Xxxxxx. Os contratos civis e empresariais e a lei de liberdade econômica.
Revista diálogo jurídico, vol. 18, n. 2, p. 83, jul./dez. 2019. Disponível em:
<xxxx://xxxxxxxxxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxx.xxx/xxxxxxx-xxxxxxxx/xxxxxxx/xxxx/00/00>. Acesso em: 10 jan. 2022.
fosse possível a consagração de um princípio da intervenção mínima, seria necessária a elaboração de uma reforma mais ampla, ou até mesmo de um novo Código Civil, pois a ratio trazida por essa inovação não se coaduna com a realidade da legislação civil atual, que traz diversos outros artigos em sentido contrário176.
Realmente, o dispositivo em questão menciona a existência de um princípio que não se sustenta em razão de diversas outras normas em sentido diverso dispostas no ordenamento jurídico, o que tenderia a levar a crer que a sua falta de técnica culminaria em um efeito prático mitigado, incapaz de atingir a relação sob estudo. Entretanto, verifica-se que, como tal princípio vem sendo adotado pelo judiciário brasileiro como um fundamento para a vedação à intervenção judicial na seara dos contratos, há que se mencionar que tal alteração pode sim ter o condão de interferir na análise de um pleito judicial de revisão ou resolução por onerosidade excessiva de um contrato de fornecimento de combustíveis e até mesmo se sobrepor à análise dos requisitos que serão adiante analisados, ainda que tal conduta não se demonstre adequada.
Nessa mesma toada, no que tange à inclusão da previsão de que a revisão dos contratos deve ser excepcional, é relevante destacar que a revisão contratual não constitui regra ou exceção, mas sim um remédio que deve ser utilizado quando da ocorrência de determinadas situações que contemplem os requisitos constantes nos artigos 317 e 478 do Código Civil177,.
175A título de exemplo, confira-se ementa de julgado oriundo da 8ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal a qual fundamentou o indeferimento de pleito revisional apenas no princípio da intervenção mínima:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA RECURSAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO. PACTA SUNT SERVANDA. ATOS JURÍDICOS. AUTONOMIA DE VONTADES. PRESERVAÇÃO. PATERNALISMO ESTATAL. AUTODETERMINAÇÃO. PESSOAS CAPAZES. OBSERVÂNCIA. LEI Nº 13.874/2019. DECLARAÇÃO DE DIREITOS DA LIBERDADE ECONÔMICA. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA. (...). A Lei nº
13.874/2019 instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecendo garantias de livre mercado e alterando vários dispositivos legais, dentre eles o Código Civil, cujo art. 421 passou a prever que a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Embora posterior ao negócio firmado entre as partes, seus princípios são atemporais. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e excepcional da revisão de seus dispositivos. 5. A modificação unilateral do índice de correção monetária previsto expressamente no contrato firmado entre as partes representaria verdadeira imposição de moratória à empresa agravada, o que não é possível diante da ausência de previsão legal. 6. Recurso conhecido e não provido. (TJ-DF 07156747320218070000 XX 0000000-00.0000.0.00.0000,
Relator: XXXXXXX XXXXX XXXXXXX, Data de Julgamento: 12/08/2021, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 24/08/2021.)
176 Como, por exemplo, os artigos 223, 187, 413, 416, 422, 423, 424, 473 e 2.035 do próprio Código Civil.
Nessa linha, confira-se a lição de Xxxxxxxx Xxxxxxxxx:
A nova norma é inteiramente inútil. A revisão contratual não é regra, nem exceção. Trata-se de um remédio aplicável diante da presença dos requisitos que o próprio Código Civil estabelece para tantos nos seus artigos 317 e 4786. Dizer que a revisão é "excepcional e limitada", sem alterar aqueles requisitos, não traz qualquer inovação no mundo do direito - como, aliás, não traria dizer que "não é excepcional", que é "ilimitada" ou que deve ocorrer "com frequência" ou "em regra". Ou se modificam os requisitos que atraem a revisão ou tudo permanece como era antes178.
Depreende-se dos ensinamentos do referido autor que, o parágrafo único do artigo 421, do Código Civil, ao dispor que a revisão é "excepcional" não traz propriamente uma novidade capaz de conferir efetividade à inovação legislativa, na medida em que para que seja alterado o modelo de revisão contratual, os artigos específicos para tanto é que deveriam ser alterados179.
Entretanto, por meio de pesquisas jurisprudenciais, é possível constatar que tal fundamento também tem amparado decisões judiciais dos mais diversos tribunais de justiça brasileiros, o que leva à mesma conclusão de que, embora não se demonstre adequado, este fundamento pode sim acabar por trazendo impactos à relação e embandeiramento que acabe por ser apreciada pelo Poder Judiciário.
Dessa forma, conclui-se que as mudanças promovidas pela Lei da Liberdade Econômica no artigo 421 do Código Civil, apesar carecerem de fundamentos eminentemente técnicos vem servindo de amparo aos julgadores e são passíveis de servir como fundamentação para decisão judicial que verse sobre o desequilíbrio contratual superveniente na relação sob estudo, mesmo que tal conduta não se mostre efetivamente adequada ou desejada.
Em outra via, o artigo 421-A, caput, além de mencionar, pela primeira vez no Código Civil, a expressão “contratos empresariais”, acrescenta que, tanto os contratos civis quanto os empresariais deverão ser considerados paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção.
177 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Princípios constitucionais versus liberdade econômica: a falsa encruzilhada do Direito Contratual brasileiro. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/xxxxxxxx-xxxxxxxxxxx/000000/xxxxxxxxxx-xxxxxxxxxxxxxxx- versus-liberdade-economica--a-falsa-encruzilhada-do-direito-contratual-brasileiro>. Acesso em: 13 jan. 2021.
178 Ibid.
179 Ibid.
No que se refere a esta alteração, fato é que, antes mesmo da promulgação da Lei da Liberdade Econômica, a referida presunção já existia, de modo que propriamente não ocorreu uma inovação legislativa a seu respeito. Entretanto, ao mencionar a presunção de paridade, remete o legislador ao privilégio da autonomia da vontade das partes, bem como da gestão de riscos tal qual pactuada, consoante disposto no tópico acima, o que pode ser compreendido como um aspecto relevante à interpretação da relação sob estudo, capaz de trazer o proveito prático de reforçar esse aspecto.
O mesmo pode ser dito sobre os incisos I e II do artigo 421-A os quais dispõem, respectivamente, que os negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução e que a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada.
De fato, a inclusão dos referidos incisos tampouco se consubstancia em uma verdadeira inovação, visto que antes da sua implementação os contratantes podiam se utilizar das prerrogativas nele dispostas, com fundamento na autonomia privada180, entretanto, é possível confirmar que estas também ressaltam que deve ser privilegiada a vontade ajustada pelas partes no gozo de suas liberdades econômicas181 e podem vir a corroborar entendimentos judiciais nesse sentido, desde que não aptas a perpetrar qualquer ilegalidade.
No que diz respeito ao artigo 113 do Código Civil182, é relevante mencionar que a Lei da Liberdade Econômica acrescentou a ele o §1º, o qual conta com 5
180 TARTUCE, Flavio. A MP 881/19 (liberdade econômica) e as alterações do Código Civil. Segunda parte - teoria geral dos contratos, direito de empresa e fundos de investimento. Disponível em:<xxxxx://xxxxxxxx.xxx.xxx.xx/xxxxxx/000000/x-xx-000-00--xxxxxxxxx-xxxxxxxxx--x-xx-xxxxxxx oes-do-codigo-civil--segunda-parte---teoria-geral-dos-contratos--direito-de-empresa-e-fundos-de- investimento>. Acesso em: 13 mar. 2021.
181 XXXXXXXX, Xxxxx X. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. p. 279.
182 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:
I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio;
II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio; III - corresponder à boa-fé;
IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e
V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração.
§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei.
incisos, bem como o §2º. Trata-se de dispositivos que se relacionam à interpretação do negócio jurídico e tratam sobre aspectos relevantes ao estudo da relação sob estudo.
Sobre o tema, destaca-se que, no que se refere ao inciso V do §1º do artigo 113, este preleciona que a interpretação do negócio jurídico deve levar em consideração, para além das disposições do negócio, também a negociação e a racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração.
Muito embora Xxxxxx Xxxxxx compreenda essa disposição como prolixa183, para Flavio Tartuce184, a racionalidade econômica das partes, seria uma nova cláusula geral no diploma Civil a ser preenchida pelo aplicador do direito nos próximos anos, a qual deve considerar, por exemplo, os comportamentos típicos das partes perante o mercado e em outras negociações similares, os riscos alocados nos negócios e as expectativas de retorno dos investimentos, o que demonstra, portanto, que pode se depreender tal inovação como sendo positiva e capaz de trazer efeitos práticos proveitosos.
Também sobre o tema, a professora Xxxxx Xxxxxxxx leciona que a menção à racionalidade econômica como pauta interpretativa demonstra que a função econômica do negócio também deve ser incluída no processo hermenêutico, para que sejam evitadas decisões judiciais que fujam da racionalidade dos agentes185.
Realmente, percebe-se que o referido acréscimo da Lei da Liberdade Econômica confirma o quanto exposto no tópico acima e positiva que o julgador não deveria se dissociar da racionalidade econômica do negócio quando de sua interpretação. Trata-se, portanto, de uma alteração legislativa de potencial relevante à relação em estudo, na medida em que o desenvolvimento deste conceito pode aprimorar a análise dos negócios empresariais e não deixar dúvidas
183 VENOSA, Sílvio de Salvo; XXXX, Luiza Wander. Interpretação dos negócios jurídicos e a liberdade econômica. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/000000/xxxxxxxxxxxxx-xxx-xxxxxxxx-xxxxxxxxx-x-x-xxxxxxxxx- economica >. Acesso em: 13 jan. 2021).
184 TARTUCE, Flavio. A Lei da Liberdade Econômica e os seus principais impactos para o Direito Civil. Segunda Parte. Mudanças no âmbito do Direito Contratual. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxx-xx-xxxxxxxxx-xxxxxxxxx-x-xx-xxxx- principais-impactos-para-o-direito-civil-segunda-parte-mudancas-no-ambito-do-direito- contratual>. Acesso em: 13 jan. 2021.
185 XXXXXXXX, Xxxxx X. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. p. 273.
quanto à necessidade de o legislador analisá-los também sob o ponto de vista que leve em consideração o racional econômico que levou as partes a celebrá-los.
Além disso, o referido dispositivo ressalta que a interpretação do negócio deve também guardar correspondência com a negociação das partes sobre a questão discutida, em uma primazia à alocação de riscos estabelecida inicialmente pelas partes.
Nesse diapasão, constata-se que a aplicação de tal inciso à relação contratual sob estudo revela que o racional das partes mantido no início da relação de embandeiramento não pode ser deixado de lado no curso da execução dos contratos, tampouco a racionalidade econômica já exposta, que fez com que ambas as partes deliberadamente optassem por aderir a tal modelo de operação de postos de combustíveis. Isto é, também o diploma civil trouxe acréscimo recente que aponta para a necessidade de uma interpretação ampla do negócio, tal como se demonstrou ser necessário no item acima, o que não se verifica como sendo propriamente negativo.
Ressalve-se que tampouco se afirma, aqui, na mesma linha do quanto já exposto, que a novidade legislativa constante no inciso V em comento se refere a positivação de uma interpretação antes considerada inadequada, na medida em que a interpretação do contrato, antes mesmo da promulgação da Lei da Liberdade Econômica, demonstra-se adequada e desejável quando parte de uma análise ampla, que não ignora o que foi racionalizado e negociado pelas partes. Entretanto, consoante leciona Xxxxxx Xxxxxxx a referida alteração legislativa “em alguns casos, especialmente em negócios paritários, pode ser muito útil para a prática a inclusão de determinada regra de interpretação contratual que não contravenha disposição absoluta de lei” 186.
186 TARTUCE, Flavio. A Lei da Liberdade Econômica e os seus principais impactos para o Direito Civil. Segunda Parte. Mudanças no âmbito do Direito Contratual. Disponível em:
<xxxxx://xxxxxxxxxxxxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxx/000000000/x-xxx-xx-xxxxxxxxx-xxxxxxxxx-x-xx-xxxx- principais-impactos-para-o-direito-civil-segunda-parte-mudancas-no-ambito-do-direito- contratual>. Acesso em: 13 jan. 2021.
Em outro sentido, contudo é a lição de Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxx: “Com os novos itens trazidos pela lei 13.874 adiciona-se ao antigo artigo 113 do Código Civil parágrafos e incisos, com novas regras interpretativas para um negócio jurídico. Aliás, diga-se, todas essas regras introduzidas são de sobejo conhecidas na doutrina e utilizadas nos tribunais. Ademais, não é conveniente que o texto legal esteja pleno de regras, a atulhar o raciocínio do julgador, pois esse trabalho é doutrinário e jurisprudencial. No entanto, o novel legislador parece estar longe dos ensinamentos de Xxxxxxx, Xxxxxx e tantos outros autores, nacionais e estrangeiros, do passado e do presente”.(VENOSA, Xxxxxx xx Xxxxx; XXXX, Luiza Wander. Interpretação dos negócios
Nessa mesma toada, destaca-se que o inciso II do §1º do artigo 113 do Código Civil, também acrescido pela Lei da Liberdade Econômica, ao ressaltar que a interpretação ao negócio jurídico deveria corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio, denota que não é possível desgarrar o contrato da realidade em que se insere e das práticas que se verificam usualmente no nicho específico da relação, tornando-o mera peça estéril de obrigações desconexas da realidade187.
Ao inserir os usos e costumes como pauta de interpretação dos negócios empresariais, é possível afirmar que intentou o legislador, ressaltar a importância do contexto da relação à sua interpretação e imprimir na letra da lei a importância da previsibilidade, vez que os usos e costumes188 se relacionam à presunção de que as partes se comportarão de acordo com o modelo usual, no qual cada agente é capaz de planejar a sua jogada189.
Mais uma vez, não se trata de uma alteração legislativa propriamente inovadora, na medida em que a importância da observância à prática civil e empresarial de um negócio já era subentendida mesmo na ausência desse texto legal, mas que acabou por positivar de forma expressa uma deferência à previsibilidade e à segurança jurídica, elencadas acima como aspectos relevantes aos contratos empresariais190.Desse modo, tampouco se compreende tal acréscimo
jurídicos e a liberdade econômica. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/000000/xxxxxxxxxxx
ao-dos-negocios-juridicos-e-a-liberdade-economica >. Acesso em: 13 jan. 2021).
187 XXXXXXXX, Xxxxxxxx. Lesão e Onerosidade Excessiva nos contratos empresariais. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 45. Sobre o tema, vale citar a valiosa lição de Xxxxx Xxxxxxxx: O contrato não é apenas letra fria do instrumento. É o negócio embebido na realidade que o circunda, concebido e conduzido por seres humanos que, durante a vida do negócio, nele refletem suas tendências. A compreensão de seu entorno impõe-se para a disciplina das demandas e conflitos que surgem ao longo de sua vida (FORGIONI, Xxxxx X. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. p. 102).
188 Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxx, ao comentar sobre o conceito de usos e costumes dipõe que: “Desses conceitos, de forma muito resumida, se tem: "usos" é algo que é feito pelo próprio mercado de forma rotineira; "costume" é a prática reiterada e que as partes entendem como necessária para o negócio; e "práticas de mercado" são os atos comuns no desenrolar de cada negócio”. (XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx; XXXX, Luiza Wander. Interpretação dos negócios jurídicos e a liberdade econômica. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/000000/ interpretacao-dos-negocios-juridicos-e-a-liberdade-economica >. Acesso em: 13 jan. 2021).
189 XXXXXXXX, Xxxxx X. Op. cit., p. 143.
190 Nesse sentido, é a lição de Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxx Xxxx: “Além dos usos do local da celebração, que já estavam previstos no caput do artigo 113 referente aos negócios jurídicos, a novidade passa a ser a menção dos usos, costumes e práticas do mercado para o respectivo tipo de negócio na interpretação. Esse aspecto já era sobejamente conhecido da doutrina e da jurisprudência”. (XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx; XXXX, Luiza Wander. Interpretação dos negócios jurídicos e a liberdade econômica Disponível em: <xxxxx://xxx.xxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxx/000000/ interpretacao-dos-negocios-juridicos-e-a-liberdade-economica >. Acesso em: 13 jan. 2021).
como nocivo à interpretação do negócio jurídico, na medida em que efetivamente trata de aspecto relevante e capaz de nortear o intérprete para uma análise adequada.
Trazidas esta análise sobre as modificações recentes do Código Civil promovidas pela Lei da Liberdade Econômica, passa-se ao estudo do princípio do equilíbrio contratual.
2.3. Considerações sobre o princípio do equilíbrio contratual
Se é verdade que a palavra dada pelas partes tem um peso jurídico relevante, principalmente no que diz respeito às relações empresariais, não é menos correto que a vontade das partes não é a exclusiva chave hermenêutica para a compreensão do contrato191. Ao lado da letra da lei, é relevante mencionar que a teoria contratual contemporânea se baseia também nos denominados princípios emergentes do direito contratual: a boa-fé, a função social do contrato e o equilíbrio contratual192. De fato, consoante leciona Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx, “a superação do liberalismo econômico e do excessivo individualismo trouxe, como consequência mais evidente, a socialização de certos institutos jurídicos”193.
Desse modo, considerando que o intuito precípuo do presente trabalho é analisar a pertinência e amplitude da aplicação dos remédios criados pelo legislador para coibir o desequilíbrio contratual superveniente em uma relação de embandeiramento e que, conforme exposto, a alocação de riscos estabelecida pela autonomia privada traduz o equilíbrio contratual194 promovido negocialmente pelas partes, demonstra-se necessária a realização de uma análise acerca da temática do equilíbrio contratual sob a ótica de relações paritárias.
Junto da boa-fé objetiva e da função social do contrato, o equilíbrio contratual é considerado um princípio emergente no direito brasileiro, que aponta para uma ordem jurídica renovada195. Entretanto, diferentemente da boa-fé
191 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. O princípio do equilíbrio contratual. Rio de Janeiro. Revista de direito processual geral, nº 66, 2009, p. 185.
192 Ibid, p. 184.
193 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx. A Função Social do Contrato e a Tutela Jurídica do Contratante Vulnerável. Revista Brasileira de Direito Civil Constitucional e Relações de Consumo, v. 01, 2009, p. 129.
194 XXXXXXXX, Xxxxx. Greco. O contrato como instrumento de gestão de riscos e o princípio do equilíbrio contratual. Revista de Direito Privado (São Paulo), v. 65, p. 200.
objetiva e da função social, as quais são noções anunciadas de modo aberto no diploma civil, o equilíbrio contratual não foi aludido nominalmente, muito embora possa ser deduzido de princípios constitucionais e induzido das normas regulamentares constantes da legislação, em especial dos dispositivos do Código Civil que tratam da lesão (art. 156), do estado de perigo (art. 157) e da revisão e resolução contratual por onerosidade excessiva (arts. 317 e 478 a 480)196. Isto é, dentre os princípios emergentes, o equilíbrio contratual é o que se encontra em zoxx xx xxxxx xxxxxxxx000.
O fato de o equilíbrio não ter menção expressa na lei não parece afastar, contudo, a sua caracterização como princípio autônomo reconhecido amplamente no direito, muito embora exista entendimento doutrinário em sentido diverso198. Sobre o tema, ao se referir sobre o equilíbrio contratual, Xxxxxxxx Xxxxxxxx leciona que, “existe uma inteira classe de princípios implícitos, privados de uma mais sucinta formulação normativa, o que de forma alguma os exclui do ordenamento ou lhes retira a qualidade de princípios”199.
No que diz respeito à definição do princípio do equilíbrio contratual, muito embora seja notória a indecisão da doutrina ao conceituá-lo200, vale trazer a lição de Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx:
195 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. O princípio do equilíbrio contratual. Rio de Janeiro. Revista de direito processual geral, nº 66, 2009, p. 183.
196 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 2ª ed., p. 41-42.
197 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx O equilíbrio contratual nas locações em shopping center: controle de cláusulas abusivas e a promessa de loja âncora. Scientia Iuris (online), v. 20, p. 188, 2016.
198 Ao tratarem sobre o tema, Xxxxx Xxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx assim dispõem: “Anote-se, inclusive, que o princípio do equilíbrio do contrato ou da equivalência material é tido como de alcance dogmático reduzido, uma vez que classificado não como um princípio autônomo em si, mas tão apenas um subprincípio dos dois demais princípios sociais do contrato (função social e boa-fé objetiva)”.(GAGLIANO, Xxxxx Xxxxxx; PAMPLONA FILHO, Xxxxxxx. Novo curso de direito civil: contratos - teoria geral. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.97-98. v. 4)
199 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Op.cit., p. 187.
Da mesma forma, assim leciona Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx: “Assim, muito embora não haja dúvidas de que o princípio do equilíbrio contratual foi acolhida pelo Código Civil, também não podemos negar que ele é um princípio implícito, que decorre da interpretação dos dispositivos acima mencionados (arts. 157,156,317 etc.), na medida em que não há no Código Civil nenhum dispositivo expresso que estabeleça o princípio do equilíbrio contratual” (SCHUNK, Xxxxxxxx Xxxxxxx. A Onerosidade Excessiva Superveniente no Código Civil: Críticas e Questões Controvertidas, São Paulo: LTr, 2010,p. 77-78).
200 Xxxxxxxx Xxxxxxxxx denota a doutrina brasileiro mostra-se indecisa ao definir o equilíbrio contratual e ora fazem remissão à “justiça contratual”, à “justiça material”, “proteção dos contratantes vulneravais” e a outras noções de caráter geral e por vezes se utilizam de outras expressões para designa-lo, tais como equilíbrio das prestações, equivalência material do contrato, justiça contratual e etc (XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Op.cit., p. 57-61).
Do ponto de vista técnico, pode-se enunciar o equilíbrio contratual como princípio que objetiva garantir a equivalência entre as prestações assumidas pelos contratantes, preservando a correspectividade ou sinalagma pactuado no decorrer da inteira execução do contrato, de modo a satisfazer os interesses pretendidos por ambos os contratantes com o negócio. A equivalência – repita- se – não quer significar correspondência objetiva de valores, mas a correspectividade entre as prestações que satisfaz os interesses concretos das partes contratantes. Dito diversamente, o princípio do equilíbrio contratual tem por escopo preservar a equação econômica entre as prestações, estabelecida pela autonomia privada a partir dos mecanismos de alocação de riscos201.
Na falta do legislador, fato é que incumbe então à doutrina e à jurisprudência a construção de parâmetros eficazes e seguros para a aplicação do equilíbrio nas relações contratuais202, sobretudo naquelas de natureza empresarial. Dessa forma, no que tange à sua aplicação, é relevante pontuar, que em negócios formados entre partes com paritário poder de barganha, é necessária a atuação diversa do intérprete diante do caso concreto203, uma vez que ele prima facie não se destinaria à proteção de vulnerabilidades nem atenderia a
imperativos de justiça distributiva.
Para que seja ponderada a aplicação o princípio do equilíbrio em relações de tal natureza, deve ser levada em consideração a síntese dos efeitos essenciais do contrato sob exame, isto é, a função econômico-individual que as próprias partes deram à operação negocial na sua globalidade204. Consoante lecionam Xxxxxx Xxxxxx do Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx e Xxxxxxxx Xxxx Xxxx o estudo do equilíbrio contratual não deve ser realizado pontualmente, apenas levando em consideração uma obrigação estaticamente considerada, “mas de forma global, levando em conta a relação jurídica como um todo, a abranger as especificidades de cada situação jurídica em concreto, em perspectiva dinâmica”205 .
Isto é, a análise do equilíbrio de determinada relação jurídica empresarial deve observar a relação jurídica como um processo, de modo a contemplar todas as suas circunstâncias206. Em se tratando da relação sob estudo, absolutamente
201 XXXXXXXX, Xxxxx. Greco. O contrato como instrumento de gestão de riscos e o princípio do equilíbrio contratual. Revista de Direito Privado (São Paulo), v. 65, p. 203.
202 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. O equilíbrio contratual nas locações em shopping center: controle de cláusulas abusivas e a promessa de loja âncora. Scientia Iuris (online), v. 20, p. 181.
203 Ibid, p. 179.
204 Ibid, p. 185.
205 XXXXXXXX XXXXX, Xxxxxx Xxxxxx do Rêgo; RITO, Xxxxxxxx Xxxx Xxxx Xxxxxxx. Subsídios para o equilíbrio funcional dos contratos. In: XXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXX, Xxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Xxxxx (Coord.). O direito civil entre o sujeito e a pessoa: estudos em homenagem ao Professor Xxxxxxx Xxxxxx. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 440.
todos os seus pilares descritos no capítulo 1, que formam todo o pano de fundo da relação, devem ser considerados, sem que qualquer aspecto seja olvidado.
É necessário, portanto, que o intérprete leve em conta toda a complexidade funcional do contrato207, para que o princípio do equilíbrio contratual seja adequadamente ponderado com o princípio da obrigatoriedade dos pactos208, eis que se influenciam reciprocamente, em relação de complementariedade, e usufruem de igual importância no ordenamento jurídico brasileiro209.
Ao ponderá-los, merece prestígio a função perseguida pelos contratantes com o negócio, a qual justamente motivou a alocação de riscos por eles promovida. Desse modo, deve-se evitar ao máximo a invocação generalizada de normas principiológicas apenas para corroborar retoricamente posições pessoais do julgador, uma vez que tal prática acaba por esvaziar seu conteúdo normativo210. Além disso, frise-se que o controle a ser exercido pelo julgador no conteúdo do contrato, além de não poder anular a autonomia das partes, deve ser fundamentado, bem como deve presar pela preservação da comutatividade.
Ademais, cumpre ressalvar que a inexistência de aferição de lucro desejável por algum dos contratantes não se demonstra como aspecto suficiente para que se constate uma situação de desequilíbrio.
De fato, a liberação do contratante porque, no seu entender, pura e simplesmente o negócio não foi capaz de trazer o lucro pretendido, implicaria em subversão completa da ordem econômica e conduziria a um nível de insegurança e imprevisibilidade comprometedor211. Faz-se mister a ocorrência de uma verdadeira deturpação do negócio, e não apenas um lucro menor.
Sobre o tema, vale a lição de Xxxx Xxxx:
206 Ibid, p. 440.
207 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. O equilíbrio contratual nas locações em shopping center: controle de cláusulas abusivas e a promessa de loja âncora. Scientia Iuris (online), v. 20, p. 185.
208 Muito embora seja comum a conclusão doutrinária no sentido de que o princípio da obrigatoriedade dos pactos ou da autonomia privada teria sido remodelado pelo princípio do equilíbrio, há que se ressalvar que estes não são excludentes e devem ser vistos como complementares, uma vez que o princípio da obrigatoriedade dos pactos privilegia a alocação de riscos estabelecida pelas partes e, portanto, o equilíbrio do negócio.
209 XXXXXXXX, Xxxxx. Greco. O contrato como instrumento de gestão de riscos e o princípio do equilíbrio contratual. Revista de Direito Privado (São Paulo), v. 65, p. 206.
210 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx.; XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx Xxxxx. Op.cit., p. 178.
211 XXXXXXXX, Xxxxx X. A interpretação dos negócios empresariais no novo Código Civil brasileiro. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros. v. 42, n. 130, abr./jun. 2003. p. 17.
O agente econômico que despreza o risco, ‘errando’ a sua jogada ou previsão, sofre perdas econômicas. Igualmente, a parte pode frustar-se porque o cenário futuro que concebeu no momento da contratação não se verificou. Tudo isso faz parte da dinâmica de mercado212.
Dessa forma, não se demonstra adequado que princípio do equilíbrio sirva como subterfúgio apto a chancelar uma situação de oportunismo econômico por parte de um contratante que deseja se liberar de determinado vínculo. Consoante leciona Xxxxx Xxxxxxxx, o fato de uma parte se vincular a um parceiro comercial e, ao mesmo tempo, permanecer livre para abandonar aquela relação e abraçar outra que eventualmente se faça mais interessante e proveitosa configuraria uma situação de oportunismo do agente econômico e, para coibir o comportamento oportunista da parte que abortaria o contrato, entende-se extremamente necessária a força obrigatória dos contratos para o funcionamento do sistema213.
É dizer, não se pode permitir que a parte empresária se escore nas diretrizes do princípio do equilíbrio para se ver livre de um vínculo porque não lhe é mais vantajoso. Em se tratando da hipótese sob estudo, frise-se que parece ser recorrente a alegação, por parte dos postos revendedores, de que a relação de embandeiramento estaria desequilibrada, quando, na verdade, o que se verifica é um desinteresse em manter o vínculo, eis que já foram recebidos investimentos e bonificações e abandonar a avença se verifica como uma vantajosa opção econômica.
O princípio do equilíbrio contratual, então, indubitavelmente, detém o seu relevante espaço na seara interpretativa, mas não pode amparar esse tipo de mazela e servir como subterfúgio ao empresário oportunista. Nessa toada, vale colacionar a lição de Xxxxxxxxx Xxxxxxx:
o contrato é um instrumento privilegiado da autonomia privada. Trata-se provavelmente da mais importante espécie de negócio jurídico. Por seu intermédio, as partes podem criar, modificar e extinguir relações jurídicas obrigacionais. A delimitação do conteúdo do negócio fica essencialmente a cargo dos contratantes. Para o direito privado, todos são livres para assumir os riscos julgados apropriados. Não podem depois, todavia, recusar as consequências de sua materialidade. Liberdade e
212 GRAU, Xxxx Xxxxxxx. O Estado a Empresa e o Contrato. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 112- 113.
213 XXXXXXXX, Xxxxx X. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. p. 159.
responsabilidade são faces de uma mesma moeda. Sem isso não há sociedade de direito Privado. Sem isso, não há cidadãos.214
Com efeito, a análise do desequilíbrio contratual em uma relação empresária é complexa e deve ser exercida com demasiada cautela por parte do julgador, que não deve perder de mente as nuances acima apontadas. Definitivamente, não é qualquer alteração de circunstância que possui o condão de desequilibrar o contrato, uma vez que, se o sistema admitir a liberação do vínculo por qualquer percalço, ruirá a obrigatoriedade dos contratos e será prejudicado o fluxo das relações econômicas215.
Desse modo, para que seja realizada tal análise, demonstra-se necessária a configuração dos remédios trazidos nos instrumentos de tutela do equilíbrio contratual pelo Código Civil para remediar o desequilíbrio. Isto é, são os requisitos trazidos em lei que deverão apurar a incidência da aplicação do princípio à hipótese, os quais serão analisados adiante.
2.4. As disposições do Código Civil que visam a remediar o desequilíbrio contratual superveniente
Conforme exposto, o equilíbrio contratual serve de alicerce teórico para os institutos da lesão, do estado de perigo (art. 157) e da revisão e resolução contratual por onerosidade excessiva (arts. 317 e 478 a 480) e, sobre esse ponto, há que se mencionar que enquanto a lesão e o estado de perigo são institutos que se relacionam ao desequilíbrio originário, isto é, aquele que se verifica já no momento da formação do contrato, a revisão e resolução contratual por onerosidade excessiva se relacionam ao desequilíbrio superveniente, aquele surge após a formação do contrato216.
Dessa forma, para a análise da concreta situação jurídica sob enfoque neste trabalho – a melhor maneira de lidar com a ocorrência de eventos supervenientes capazes de alterar a base circunstancial em que a relação contratual de
214 XXXXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. O risco contratual. In: XXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; XXXXX, Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx; XXXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxx Xxxx (Xxxxx.). Sociedade de risco e direito privado. Desafios normativos, consumeristas e ambientais. São Paulo: Atlas, 2013. p.455-456.
215 XXXXXXXX, Xxxxx X. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. p. 281.
216 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 2ª ed., p.72.
embandeiramento foi firmada –, passa-se à análise dos requisitos contidos nos dispositivos do Código Civil que visam a coibir o desequilíbrio contratual superveniente.
No que tange à revisão e resolução de contratos em razão de desequilíbrio contratual superveniente, é possível afirmar que, diferentemente do quanto disposto no Código Civil de 1916217, referida matéria é tratada precipuamente nos artigos 317218 e 478 a 480219 do atual Código Civil brasileiro.
Enquanto o artigo 317 prevê que, quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz revisar o conteúdo do contrato, o artigo 478 dispõe de alguns requisitos que, se presentes, permitem que o juiz resolva o contrato firmado entre as partes, quais sejam: i) deve o contrato ser de execução diferida ou continuada; ii) a prestação precisa ser excessivamente onerosa para uma das partes; iii) a outra parte, por sua vez, deve gozar de extrema vantagem e;
iv) deve ser configurada a ocorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis e trazem considerações sobre a possibilidade de redução equitativa das condições do contrato.
Em que pese as pertinentes críticas ao modelo de revisão e resolução de contratos disposto no código brasileiro220, que são inúmeras e não serão objeto de
217 Sobre o tema: “O Código Civil de 1916 não regulamentou expressamente a revisão contratual. Porém, o princípio que permite a sua postulação em razão de modificações da situação de fato foi acolhido em artigos esparsos, como o 401, que permitia o ajuizamento de ação revisional de alimentos, se sobreviesse mudança na fortuna de quem os supria, podendo ser ainda lembrados, como exemplos, os arts. 594 e 1.058 do mesmo diploma”. (XXXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxxx. Contratos e atos unilaterais - Coleção Direito civil brasileiro volume 3 – 17. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 55).
218 Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
219 Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
220 Em razão da extrema similaridade entre a legislação brasileira e italiana, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx comenta que: “Não deixa de ser impressionante que o arco temporal de mais de meio século entre aquela codificação editada em 1942, e o Código Civil brasileiro de 2002 não tenha impedido que nosso Poder Legislativo chancelasse, sem qualquer discussão mais profunda, os dispositivos relativos ao tema”( XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio Contratual e Dever de Renegociar, São Paulo: Saraiva, 2018, p. 163).
análise neste estudo, é possível afirmar que, em matéria de desequilíbrio contratual superveniente, o Código Civil brasileiro de 2002 seguiu o modelo previsto no Código Civil italiano, eis que, da leitura dos seus artigos 478 a 480, infere-se que, apesar de poucas supressões, acréscimos e diferenças de linguagens, estes se assemelham ao quanto disposto nos artigos 1.467 a 1.468 do Codice221.
Realmente, da comparação entre as duas codificações percebe-se uma notável semelhança entre o Código Civil italiano e o Código Civil brasileiro222, contudo, no que tange ao artigo 317 do Código Civil brasileiro, que trata sobre a revisão contratual, cumpre registrar que este não encontra correspondente no Código italiano.
Tem-se, portanto, claras saídas dispostas no diploma civil que reconhecem que determinadas conjunturas são capazes de ensejar a intervenção judicial em relações particulares visando a coibir o desequilíbrio contratual superveniente, as quais não trazem qualquer distinção quanto à sua aplicação aos contratos empresariais, como aqueles objeto de estudo neste trabalho, ou os trata como uma exceção à regra.
Dessa forma, demonstra-se imperioso que, diante da análise de um caso concreto de desequilíbrio superveniente de contrato empresarial, o julgador analise a presença dos requisitos legais dos artigos 317 e 478 do Código Civil e, ao fazê-lo, não se abstenha de considerar tanto a natureza do contrato quanto as peculiaridades concernentes aos contratantes e à operação de mercado.
O maior desafio, realmente, é que o julgador preencha os conceitos indeterminados trazidos no Código Civil, e analise a matéria mediante uma ótica realmente interdisciplinar, entre direito e economia, eis que o conteúdo da avença tem natureza econômica. Assim, não apenas as nuances jurídicas da questão, mas também as econômicas devem ser consideradas, para que seja possível uma regulação justa dos contratos.
Sobre o tema Xxxx Xxxxx leciona que “o contrato-conceito jurídico e o direito dos contratos são instrumentais da operação econômica, constituem a veste formal, e não seriam pensáveis abstraindo dela”223.
221 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 2ª ed., p. 206.
222 Ibid, p. 207.
Dessa forma, para que o juiz possa atuar sobre a relação afetada por contingências imprevistas é extremamente necessário que este compreenda, sob o ponto de vista econômico, exatamente como as partes chegaram ao acordo estipulado em contrato e como tal alteração afeta a sua execução. Consoante leciona Xxxxx Xxxxxxxx, sem que ocorra a compreensão interdisciplinar do contexto do contrato “não se pode interpretá-lo, imprimir-lhe execução. É preciso enxergar os vínculos que vão surgindo durante a vida do contrato, e os fatores jurídicos e extrajurídicos que impulsionam e aplacam os conflitos”224.
Diante, portanto, da análise de desequilíbrio contratual superveniente por postos revendedores em relações de embandeiramento, repita-se que não se pode perder de mente todas as premissas e nuances da relação expostas no capítulo 1 deste trabalho.
Trazidas estas considerações, passa-se a analisar cada um dos requisitos elencados no diploma civil para a revisão e resolução judicial dos contratos, levando-se em conta as particularidades dos contratos de fornecimento de combustíveis.
Considerando que o Código Civil reproduz no artigo 317 substancialmente os requisitos constantes de seu artigo 478 – com exceção apenas ao requisito da “extrema vantagem”225 – optou-se por realizar a análise dos seguintes requisitos, em separado: a) contratos de execução continuada ou diferida; b) fato superveniente, extraordinário e imprevisível e motivos imprevisíveis; c) resolução por onerosidade excessiva e desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução; d) extrema vantagem para a outra parte.
2.4.1. Contratos de execução continuada ou diferida
223 XXXXX, Xxxxxxx. Contratos. 24a ed. Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.10.
224 XXXXXXXX, Xxxxx X. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. p. 102-103.
225 Sobre o tema, assim pontua Xxxxxxxx Schreiber “O próprio Código Civil, em seu art. 317, reproduz substancialmente os requisitos constantes do art. 478, com exceção justamente da ‘extrema vantagem’. Assim, aos ‘acontecimentos extraordinários e imprevisíveis’ do art. 478 associam-se os ‘motivos imprevisíveis’ do art. 317; à prestação que ‘se tornar excessivamente onerosa’ do art. 478 associa-se à ‘desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução’ do art. 317; e mesmo para aos ‘contratos de execução continuada’ do art. 478 pode-se encontrar paralelo no ‘sobrevier’ do art. 317, que alude explicitamente ao lapso temporal existente entre a assunção do débito prestacional e o ‘momento de sua execução’”. (XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. 2ª ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p.233).
Justamente por incidirem sobre o desequilíbrio superveniente à celebração do pacto, os remédios trazidos pelo legislador nos artigos 317 e 478 pressupõem a existência de intervalo de tempo entre a formação do negócio e a sua execução226. De fato, constata-se que o artigo 478 do Código Civil expressamente restringe seu campo de incidência aos “contratos de execução continuada ou diferida”227 e, em que pese o artigo 317 não traga expressamente tal referência, infere-se que é possível extrair o mesmo racional do termo “sobrevier” empregado na sua redação, eis que remete de forma clara ao lapso temporal existente entre a celebração do contrato e o “momento de sua execução”228.
Vale pontuar, desde logo, que, muito embora tenha o legislador mencionado apenas os “contratos de execução continuada e diferida” na redação do artigo 478 do Código Civil, se demonstra adequado compreender que, com isso, este quis abarcar as relações contratuais cujo cumprimento se estende no tempo de forma geral229. Consoante leciona Francisco Marino, o legislador tomou a parte pelo todo e empregou a expressão em comento no sentido de contratos de duração230.
Isto é, da leitura de ambos os dispositivos se extrai o intuito do legislador de reservar a sua aplicação aos contratos duradouros, excluindo, portanto, os contratos instantâneos.
Com efeito, é nos contratos cujo cumprimento se estende no tempo é que o tema da onerosidade excessiva se situa, vez que é necessário ao menos um decurso de tempo para que possa ocorrer um fato superveniente capaz de causá- la231. Ao contratar, as partes estipulam a antecipação dos seus direitos e deveres, mas, é no tempo que os efeitos da avença se concretizam e é o tempo a base sobre a qual ocorrem alterações circunstanciais capazes de distanciar a expectativa dos contratantes da realidade dos fatos.
226 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Fundamentos do Direito Civil. Volume 3. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 136.
227 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. 2ª ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 209.
228 Ibid, p.233.
229 Ibid, p.212.
230MARINO, Xxxxxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxx. Classificação dos contratos. In XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxx; XXXXXXX XXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx (coord.). Direito dos Contratos. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.32.
231 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Op.cit., p. 210.
Dessa forma, caso as prestações sejam cumpridas de forma imediata e de forma simultânea à celebração do contrato, torna-se impossível a ocorrência de um fato superveniente e, consequentemente, não poderá haver desequilíbrio superveniente232. Sobre o tema, Xxxxxx Xxxxxxx de Xxxxxxxx Xxxxxx leciona que “as obrigações instantâneas não sofrem a ação do tempo para resultar excessivamente onerosas por motivos supervenientes”233.
A partir de tais considerações, é possível constatar que os contratos firmados entre distribuidoras de combustíveis e postos revendedores que desejam aderir ao regime de bandeira se enquadram na chave classificatória dos contratos duradouros, visto que as obrigações neles assumidas se protraem no tempo234.
Conforme explicitado no capítulo 1, a relação de embandeiramento, em regra, se consubstancia em contratos cujos prazos são de 5 a 7 anos, nos quais as obrigações assumidas pelas partes são cumpridas de forma constante durante toda a sua vigência, sobretudo a obrigação das distribuidoras de vender combustíveis aos revendedores e as obrigações dos revendedores de adquirir as quantidades mínimas pactuadas e de manter o estabelecimento adequado à identidade visual das distribuidoras. Em verdade, trata-se de contratos que se caracterizam como de execução continuada, eis que, segundo a lição de Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxx Bandeira “nos contratos de execução continuada, a prestação é cumprida, por certo intervalo de tempo, de forma incessante” 235.
Dessa forma, sem maiores delongas, é possível constatar que não pairam maiores dúvidas quanto ao fato de que os contratos ora em análise se amoldam ao primeiro requisito ora em análise. Trata-se, do requisito mais evidente e menos polêmico a ser analisado neste trabalho, o qual legitima a aplicação dos remédios em comento à situação sob estudo.
232 Sobre o tema, frise-se que caso haja desequilíbrio no momento da conclusão do contrato, trata- se de desequilíbrio contratual originário – e não superveniente -, devendo, nesta hipótese, ser analisada a incidência dos pressupostos da lesão e do estado de perigo.
233 SALLES, Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxxx. O Desequilíbrio da Relação Obrigacional e a Revisão dos Contratos no Código de Defesa do Consumidor: Para Um Cotejo com o Código Civil. In XXXXXXXX, Xxxxxxx (coord.). Obrigações: Estudos na Perspectiva Civil Constitucional. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p.322.
234 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Fundamentos do Direito Civil. Volume 3. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 79.
235 Ibid, p. 79-80.
2.4.2. Fato superveniente, extraordinário e imprevisível e motivos imprevisíveis
Outro requisito estabelecido pelo legislador nos artigos 317 e 478 do Código Civil se refere à imprevisibilidade e extraordinariedade do evento superveniente. Como se vê, pretendeu o legislador restringir a aplicação dos remédios para o desequilíbrio superveniente ao acontecimento de situações ocorridas após a celebração do contrato que fogem ao esperado entre as partes. Enquanto o artigo 478 emprega a expressão “acontecimentos extraordinários e imprevisíveis”, o artigo 317 menciona “motivos imprevisíveis”.
No que diz respeito à terminologia utilizada pelo legislador, vale dizer que, em que pese exista discussão doutrinária relacionada ao fato de os acontecimentos “imprevisíveis” e “extraordinário” deverem ou não ser empregados como sinônimos236, realidade é que tal discussão não parece denotar demasiada relevância prática. Isto porque, a consoante leciona Xxx Xxxxxx Xxxxxx, mesmo que seja possível identificar a diferença entre eles, os dois conceitos são tratados na letra da lei como se tivessem o mesmo significado:
Embora seja possível identificar a diferença (...), a verdade é que na prática os dois conceitos são tratados como se tivessem o mesmo significado. ‘Extraordinário e imprevisível’ funcionam como os conceitos de ‘caso fortuito e força maior’, distinguíveis teoricamente, mas usados na nossa prática de modo a tratar indistintamente as situações.237
Ademais, quanto à expressão “motivos imprevisíveis”, constante do artigo
317 do Código Civil, Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx leciona que “motivos imprevisíveis’ extraídos do art. 317 e os ‘acontecimentos extraordinários e imprevisíveis’ constantes do art. 478 consistem exatamente no mesmo requisito”238
236 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 2ª ed., p.215.
237 XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de. Comentários ao Novo Código Civil. vol. VI, tomo II. In: XXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx (Coord.). Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 900.
238 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx. Onerosidade Excessiva no Contrato Civil. São Paulo: Saraiva, 2011, p.133-134. Na mesma toada, Xxxx xx Xxxxxxxx Ascensão pontua que “Os ‘motivos imprevisíveis’ são os ‘acontecimentos extraordinários e imprevisíveis do art. 478. O art. 478 não os qualifica como extraordinários, mas dissemos já que esta qualificação está implícita na da imprevisibilidade, até porque é por serem extraordinários que os eventos são imprevisíveis”
.
Isto é, trata-se aqui de um requisito que remete à ocorrência de um fato
não imputável à parte que teve sua prestação excessivamente onerada, incomum e que não era possível de ser antevisto. Refere-se, portanto, a novas circunstâncias que ultrapassem o que razoavelmente se podia prever ao tempo do mútuo consenso dos contraentes, quer elas tenham sobrevindo subitamente, ou com excessiva rapidez, quer tenham resultado de uma gradual e paulatina alteração das condições econômicas ou sociais. Diferentemente do primeiro requisito analisado anteriormente, este não se constata de maneira descomplicada.
Conforme exposto, os empresários, ao contratarem, tem plena liberdade para delimitar o conteúdo do negócio que pretendem executar e, com isso, naturalmente, assumem riscos comuns ao negócio que necessariamente devem ser suportados pelas partes. Os riscos iminentes ao contrato são aquelas oscilações que, mesmo capazes de alterar em algum modo as obrigações de cada uma das partes, são consideradas decorrentes de cada tipo contratual 239.
De fato, o risco é inerente ao negócio empresarial, bem como a incerteza quanto ao seu resultado econômico, ao passo que não se pode encaixar a toda e qualquer alteração circunstancial ou custos adicionais no requisito em questão240. Por outro lado, sabe-se que por mais cautelosas e bem assessoradas que estejam as partes, podem sobrevir fatos absolutamente estranhos aos riscos contratados241, que extrapolam a denominada “álea normal” do negócio e que merecem tutela específica.
Acerca do conceito de álea normal, vale a lição de Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx:
(ASCENÇÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx. Alteração das Circunstâncias e Justiça Contratual no Novo Código Civil. In Revista Trimestral de Direito Civil, v. 25. Rio de Janeiro: Padma, 2006, p. 106).
239 DIAS, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxx. Onerosidade excessiva e revisão contratual no direito brasileiro. In: XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx (Coord.). Contratos empresariais: fundamentos e princípios dos contratos empresariais. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 424.
Também nesse sentido, confira-se que os estudiosos presentes na IV Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em 2006, aprovaram o enunciado n. 366 que determina que “art. 478. O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação.
240 Sobre o tema, o enunciado firmado na IV Jornada de Direito Civil do STJ determina que “o fato extraordinário e imprevisível causador da onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos da contratação”.
241 XXXXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. O risco contratual. In: XXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; XXXXX, Xxxxxxxx Xxxx Xxxxxxxx; XXXXXXXXX XXXXXX, Xxxxxx Xxxx (Xxxxx.). Sociedade de risco e direito privado. Desafios normativos, consumeristas e ambientais. São Paulo: Atlas, 2013. p.461.
De acordo com Xxxxxxxxx Xxxxxx, denomina-se álea normal do contrato os acontecimentos que, embora, a princípio, não sejam levados em consideração pelas partes ao determinarem o conteúdo do contrato, são previsíveis. A álea normal designa o evento normal e previsível que possa vir a ocorrer no curso da relação contratual, em contraposição aos eventos extraordinários e imprevisíveis que tornam excessivamente onerosa a prestação e propiciam a resolução do contrato242.
Dessa forma, o mecanismo predisposto para se avaliar a extraordinariedade e a imprevisibilidade de um evento é sintomático da necessidade de valorar, no caso concreto, se este se engloba na álea normal ou anormal do negócio243. Uma vez delimitada a álea normal no caso em concreto, a ela deve ser confrontada o fato que se pretende qualificar como extraordinário e imprevisível.
Não se trata, pois, de um requisito que é dotado de total objetividade, vez que há subjetividade do julgador ao apreciar se um evento específico se enquadra em uma acepção maior ou menor do conceito da álea normal do negócio.
De forma genérica e abstrata, portanto, não se demonstra adequado enquadrar determinado evento como imprevisível ou extraordinário, posto que se ter em conta a sua causa e o seu grau de previsibilidade perante a situação específica.
Essa análise se consubstancia, então, em um verdadeiro desafio ao legislador. Realmente, para correta interpretação e análise da imprevisibilidade devem ser levadas em consideração todas as concretas circunstâncias do negócio, a capacidade de antevisão do evento, bem como as características do ramo de atividade no qual a prestação devida está inserida. Sobre o tema, vale a lição de Xxxx Xxxxx:
É preciso que o desequilíbrio determinado entre prestação e contraprestação supere a medida que corresponde às normais oscilações de mercado dos valores trocados; se permanece dentro delas, não há razão para liberar de seus compromissos a parte que sofre um agravamento econômico que podia muito bem ter previsto e prevenido244.
242 BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Contratos aleatórios no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p 51.
243 Ibid, p 164.
244 XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1998. p. 262.
Sobre a complexidade do referido enquadramento, é possível inclusive pontuar que essa parece ser uma das causas do amplo dissenso jurisprudencial sobre o tema, que faz nascer nas partes uma insegurança quanto ao resultado de um eventual pleito de revisão ou resolução, o qual será objeto de análise no capítulo subsequente.
Ressalve-se, contudo, que o fato imprevisível e extraordinário não pode ser imputável à parte que teve sua prestação excessivamente onerada, sendo defeso invocar a teoria da onerosidade excessiva e, tal caso. Ou seja, o contratante não pode ser o causador do evento reputado como anormal, que deve ocorrer independentemente da vontade das partes, até porque, se houver responsabilidade atribuível a alguma delas, o tema desloca-se para o inadimplemento e para a responsabilidade contratual.
2.4.3. Onerosidade excessiva e desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução
Tanto o artigo 478 quanto o artigo 317 do Código Civil trazem requisito relacionado ao fato de a prestação ter se tornado excessivamente onerosa para uma das partes para que possam ser aplicados os remédios previstos para o desequilíbrio contratual superveniente, os quais serão analisados conjuntamente. Enquanto o artigo 478 menciona a necessidade de a prestação tornar-se excessivamente onerosa, o artigo 317 menciona a existência de desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o momento de sua execução245.
Trata-se também de termos dotados de subjetividade e indeterminação, que merecem ser aplicados mediante detida análise do caso concreto. Da mesma forma do quanto consignado para o requisito acima, não é possível aferir a onerosidade excessiva e a desproporção manifesta entre o valor da prestação
245 Ao tratar sobre tal requisito, Judith Martins Costa defende que a “desproporção manifesta” equivale à “onerosidade excessiva”: “A ‘onerosidade excessiva’ é para a parte devedora da prestação cujo valor se alterou, tornando manifestamente desproporcional a relação entre o valor ajustado para a prestação devida e aquele a ser pago no momento do adimplemento (assim leia-se o termo ‘execução’ constante do art. 317. O núcleo duro da reversibilidade das prestações está na relação entre dois conceitos antagonicamente gemelares, o ‘equilíbrio’, de um lado e a ‘desproporção manifesta’, de outro causador de uma ‘excessiva onerosidade’ para um dos contratantes, causada por um fator externo ou não imputável às partes e que vem se refletido na própria prestação no momento do pagamento” (XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. Comentários ao novo Código Civil, v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 91.
devida e o do momento de sua execução de forma genérica e abstrata, na medida em que sua análise deve ser confrontada à situação fática.
Dito isso, tem-se que, se o equilíbrio contratual é o princípio que ampara a intervenção estatal na relação contratual, a onerosidade excessiva e a desproporção manifesta mencionadas no Código Civil representam sua verdadeira antítese, expressando uma alteração significativa na economia do contrato246. Uma vez constatado a sua ocorrência, juntamente com os demais requisitos legalmente previstos, impõe a deflagração dos remédios voltados ao desfazimento do desequilíbrio.
É importante ressaltar que tal requisito não merece ser compreendido como algo que prega que deve necessariamente haver uma absoluta equivalência entre toda e qualquer relação e merece ser analisado de forma objetiva, de modo a desconsiderar as condições subjetivas das partes. Ademais, frise-se que este não se confunde com a frustração da finalidade do contrato ou com impossibilidade superveniente da prestação, mas sim com a dificuldade em prestá-la247.
Em que pese o dissenso doutrinário248 existente quanto à definição exata do requisito, parece adequado compreendê-lo como um agravo quantitativo notável no curso da operação, que exige um sacrifício extremo do devedor para cumprimento da avença, de proporção irrazoável.249, consoante lecionam Ruy Rosado250 e Antonio Junqueira de Azevedo251.
246 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx xx. Um panorama jurisprudencial da onerosidade excessiva. Revista Fórum de Direito Civil - RFDC, Belo Horizonte, ano 0, x. 00, x. 00, xxx./xxx. 2018.
247 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 2ª ed., p. 224.
248 Ibid, p. 226.
249 XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx. Onerosidade Excessiva no Contrato Civil. São Paulo: Saraiva, 2011, p.133-149.
250 “A onerosidade corresponde a um agravo quantitativo notável no custo da operação”.(XXXXXX XXXXXX, Xxx Xxxxxx de. Comentários ao Novo Código Civil: Da Extinção dos Contratos, v. VI,
t. II. In XXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxxxxxx (coord.). Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 908).
251 “Como entender a ‘excessiva onerosidade da prestação? Ela se caracteriza pelo agravamento quantitativamente relevante do custo econômico da prestação, perceptível no momento da execção do contrato e excedente em relação própria do tipo contratual”. (XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Contrato de Opção de Venda de Participações Societárias. Variação Imprevisível do Valor da Coisa Prometida em Relação ao Preço de Mercado. Possibilidade de Revisão por Onerosidade Excessiva com base nos arts. 478 a 480 do Código Civil em Contrato Unilateral. In XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 207).
Em realidade, a verificação do requisito em apreço deve ser analisada na perspectiva global das vantagens e custos produzidos na economia geral do contrato. Não se trata, portanto, de apenas estabelecer a comparação entre uma prestação que se tornou excessivamente onerosa ou desproporcional quando comparada com outra contraprestação, mas sim de apurar o desequilíbrio sob a perspectiva do conjunto das prestações, faculdades, ônus e direitos potestativos contidos no negócio jurídico, que ocorreram desde a sua celebração. O estudo, portanto, deve levar em conta o panorama das obrigações, vantagens, custos e sacrifícios incorridos pelos contratantes em toda a vida contratual, de forma a estabelecer o que estaria fora do quadro econômico geral do programa contratual. Remetendo ao quanto exposto no tópico acima, a ideia de álea normal do negócio também deve ser considerada quando se analisa o requisito, vez que, por meio de tal acepção, pode-se inferir o que seria ou não excessivo e desproporcional mediante a análise do caso concreto. Sobre o tema, leciona Xxxxx Xxxxx Bandeira que “verificado o desequilíbrio entre as prestações originariamente acordadas por força da álea normal do contrato, a parte prejudicada não poderá invocar a excessiva onerosidade para corrigir o desequilíbrio, inserindo-se a álea normal no risco do negócio a ser suportado
pelos contratantes”252.
Tendo em mente as nuances da relação sob estudo, deve ser realizada uma análise precisa quanto à verificação do requisito, que leve em consideração todo o racional da relação econômica para que se verifique a desproporção e onerosidade excessiva. Por ser um contrato de natureza empresarial, conforme exposto, as características do mercado não podem ser dissociadas da apreciação de tal requisito.
Ademais, na aferição da onerosidade excessiva na relação sob estudo, não se pode olvidar dos investimentos que os revendedores recebem quando do início da relação contratual de embandeiramento. Conforme exposto, é bastante comum que as distribuidoras, no começo da relação, adiantem relevantes quantias ao
252 BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx. Contratos aleatórios no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000. p 60. Também sobre o tema, é a lição de Xxxx Xxxxx: “É preciso que o desequilíbrio entre a prestação e a contraprestação supere a medida que corresponde às normais oscilações de mercado dos valores trocados; se permanece dentro delas, não há razão para liberar de seus compromissos a parte que sofre um agravamento econômico que podia muito bem ser previsto e prevenido”. (XXXXX, Xxxx. O contrato. Tradução de Xxx Xxxxxxx e M. Januário C. Xxxxx. Coimbra: Almedina, 1988, p.262).
revendedor a título de antecipação de bonificação pelo volume a que o posto se comprometeu a adquirir, as quais são usadas para realizar investimentos no negócio e para melhorar o fluxo de caixa, de modo que tal aspecto deve ser levado em consideração diante de uma alegação de onerosidade excessiva ou desproporção manifesta.
Isso é, tal quantia deve ser ponderada e considerada diante da análise deste requisito. De fato, percebe-se que a desconsideração de tal montante não é rara na linha argumentativa constante em ações judiciais que visam revisar ou resolver os contratos sob estudo, mas ela não deve ser olvidada, sob pena de se chancelar uma situação de oportunismo, na qual o revendedor recebe tal benefício e depois se livra de forma impune do vínculo, sem adquirir as quantidades de combustíveis que a distribuidora tinha expectativa de vender e que consubstanciaram os investimentos.
Ademais, repise-se que a alegação pura e simples de que um posto revendedor não está auferindo o lucro que almejou ao optar pelo regime de bandeira, a princípio, tampouco justifica a configuração do requisito em apreço. Isto porque, conforme já exposto, em qualquer espécie negocial, as partes, ao contratar, desconhecem o resultado econômico final do negócio, não sabendo, portanto, se irão lucrar ou perder, ou se o negócio será bom o ruim 253.Sobre o tema, confira-se a lição de Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx Junior:
Há sempre o risco dos lucros obtidos não cobrirem as despesas. É este risco que é remunerado pelo lucro e que justifica o poder de direção do empresário como chefe de empresa que define a sua política econômica. O empresário é o detentor do poder econômico, o poder de dizer como e o que será produzido, e lhe atribui o controle da empresa. Como parte do exercício do poder de condução da empresa, o empresário lança mão de contratos, e estes poderão conduzir aos melhores resultados ou frustrá- los254.
Dessa forma, muito embora o legislador não tenha trazido qualquer quantificação objetiva para nortear a aplicação do requisito em questão, a mera ocorrência prejuízos ou de lucros indesejáveis não justifica a configuração do requisito em apreço e evidentemente faz parte do jogo negocial. É dizer, o
253 XXXXXXXX, Xxxxx. Greco. O contrato como instrumento de gestão de riscos e o princípio do equilíbrio contratual. Revista de Direito Privado (São Paulo), v. 65, p. 207.
254 XXXXXXX, Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx; XXXXXXX XXXXXX; Irineu. Teoria Geral dos Contratos:
contratos empresariais e análise econômica. Rio de Janeiro: Xxxxxxxx, 0000, p. 164.
requisito em questão não pode servir como uma escusa ampla a socorrer o empresário 255.
Conclui-se, portanto, que a aplicação de tal requisito à hipótese deve se dar de maneira seletiva e atenta às especificidades da relação, eis que não se pode admitir que um contratante – a pretexto de reequilibrar prestações contratuais em seu benefício ou mesmo extingui-lo porque perdeu utilidade -, imponha a outra parte os riscos de sua atividade e se esconda diante do requisito em questão.
Entretanto, tal como no requisito analisado anteriormente, é relevante destacar que o enquadramento de uma situação como excessivamente onerosa ou desproporcionalmente manifesta perpassa pelo subjetivismo do julgador, em razão da ausência de critérios objetivos em lei, o que faz com que daí também nasça uma natural insegurança das partes na sua averiguação.
2.4.4. Extrema vantagem para a outra parte
Quanto ao último requisito a ser analisado, este se refere à configuração da extrema vantagem para um dos contratantes, em contrapartida à excessiva onerosidade suportada pela parte prejudicada. Muito embora o requisito em questão não conste na redação do artigo 317 do Código Civil256, e nem mesmo no artigo 1467 do Código Civil Italiano, o qual, como se demonstrou, inspirou o diploma brasileiro, ele está presente de forma clara no artigo 478 do Código Civil.
No que diz respeito, então, ao requisito da extrema vantagem para a outra parte, é possível perceber que relevante parte da doutrina compreende que há que se mitigar a caracterização da extrema vantagem como requisito para aplicação do instituto257. Realmente, são frequente as considerações doutrinárias no sentido de que este requisito seria inadequado e tornaria infrequente a
255 PELA, Xxxxxxx Xxxxxxx. Risco e contratos empresariais: a aplicação da resolução por onerosidade excessiva. In: XXXXXX, Xxxxxx; XXXXXX, Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxx; Xxxxxxxx, Tarcísio Direito Empresarial. Estudos em homenagem ao Professor Xxxxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxx Verçosa. São Paulo: IASP, 2015, pp. 494.
256 Considerando, portanto, que este requisito não se encontra na redação do artigo 317 do Código Civil, ele não se aplica às hipóteses de revisão contratual.
257 XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx. Fundamentos do Direito Civil. Volume 3. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 136.
utilização do dispositivo, inclusive se a extrema vantagem for entendida como lucro exorbitante258.
Também nessa linha, infere-se que os tribunais brasileiros parecem conferir pouca importância a esse requisito, pois, na grande maioria das vezes, o analisam de forma conjunta com a onerosidade excessiva, sem que se lhe dispense uma argumentação autônoma259. Sobre o tema, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx pontua que a análise das decisões judiciais brasileiras relativas ao desequilíbrio contratual superveniente revela que a jurisprudência pouco diz sobre o requisito da extrema vantagem260.
Dessa forma, o que se depreende deste requisito é que ele frequentemente será uma consequência da onerosidade excessiva e dependerá do cotejo das atribuições patrimoniais correspectivas das xxxxxx000.
Sendo assim, para análise da verificação do desequilíbrio contratual superveniente na relação sob estudo, não parece este requisito ser crucial, eis que a sua exigência não tem o impacto prático. Sobre o tema, pontua-se que o
258 Nesse sentido, assim leciona Xxxxx Xxxxxx Xxxxx “Com efeito, a inclusão deste novo requisito que também não se apresenta na evolução jurisprudencial da teoria da imprevisão, se levado ao extremo, poderá vir a ‘engessar’ a efetiva aplicação da figura da onerosidade excessiva, dado o rigor necessário à configuração da facti scpicie, que além de requerer a imprevisibilidade do evento, impõe a demonstração de vantagem auferida pela outra partes, demonstração quiça impossível se der feita com precisão pela parte em desvantagem”.(XXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxx xx Xxxxxxxxx. Onerosidade excessiva e revisão contratual no direito brasileiro. In: XXXXXXXXX, Xxxxxxxxx (Coord.). Contratos empresariais: fundamentos e princípios dos contratos empresariais. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 414-415.
A mitigação do requisito da “extrema vantagem” ou a aplicação com reservas é defendida por Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx. Ademais, Sílvio de Salvo Venosa, ao abordar os requisitos, sequer inclui a “extrema vantagem” para a outra parte, bastando a onerosidade excessiva gerada para um dos contratantes, no entender de que o instituto se caracteriza pela incidência sobre a prestação devida, tornando-a excessivamente onerosa para o devedor, e não pela extrema vantagem gerada para a outra parte. (XXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx; BANDEIRA, Xxxxx Xxxxx; XXXXXXXX, Xxxxxxx (Org.). Contratos. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 138; XXXX, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxx de. Direito civil: contratos. 2. ed. rev. atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 309; XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Manual de direito civil contemporâneo. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 488-489; XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007,
p. 434; GAGLIANO, Xxxxx Xxxxxx; PAMPLONA FILHO, Xxxxxxx. Novo curso de direito civil, volume IV: contratos, tomo 1: teoria geral. 2. ed. rev. atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 275-276).
259 XXXXXXXX, Xxxxxx Xxxxxx xx. Um panorama jurisprudencial da onerosidade excessiva.
Revista Fórum de Direito Civil - RFDC, Belo Horizonte, ano 0, x. 00, x. 00, xxx./xxx. 2018.
260 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 2ª ed., p.233.
261 XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx. A onerosidade excessiva no direito civil brasileiro. São Paulo (Mestrado em Direito). Universidade de São Paulo. p. 107. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxxxx/0/0000/xxx-00000000- 082708/publico/A_onerosidade_excessiva_no_direito_civil_brasileiro_Luiz_P.pdf>. Acesso em: 14 fev. 2022.
enunciado 365 da IV Jornada de Direito Civil é justamente no sentido de que a extrema vantagem deve ser interpretada como elemento acidental da alteração de circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena262.
De fato, para a situação em questão, são os requisitos descritos nos itens
2.4.2 e 2.4.3 aqueles que, efetivamente, deverão nortear o julgador diante de uma situação concreta para que se verifique a pertinência ou não da aplicação dos remédios em questão para a hipótese sob estudo. Uma vez verificados, o requisito sob análise pode ser considerado atendido e não aparenta ser óbice para a conclusão de qualquer consequência.
2.5. Possíveis consequências para o desequilíbrio contratual superveniente
Examinados os pressupostos para a aplicação dos remédios trazidos pelo legislador nos artigos 317 e 478 do Código Civil, verifica-se que cabe ao intérprete confrontar os fatos do caso concreto em que há alegação de desequilíbrio contratual superveniente com cada um dos requisitos presentes nos referidos artigos, os quais foram analisados acima.
Como se infere, o papel do julgador, portanto, é de extrema importância e deve considerar os fatos e informações atinentes ao contrato e à sua execução, bem como a intenção e demais aspectos negociados pelas partes no momento de sua celebração.
No que se refere aos efeitos que podem se concretizar diante da configuração da presença dos mencionados artigos, tem-se que, enquanto o artigo 317 do Código Civil traz como saída a revisão judicial no contrato, na medida em que prevê que, em se verificando os requisitos nele dispostos, cumpre ao juiz corrigir o contrato, o artigo 478 traz como solução a resolução do contrato.
Para além disso, ressalve-se que o artigo 479263 dispõe que a resolução do contrato poderá ser evitada, caso o réu ofereça modificar equitativamente as
262 Enunciados da IV Jornada de Direito Civil: A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração das circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena.
263 Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
condições do contrato e o que o artigo 480264 traz também a saída do pleito de redução da prestação da obrigação para a hipótese dos contratos unilaterais.
Adiante, passa-se então a analisar cada uma das saídas previstas no diploma civil aplicáveis à relação sob estudo, bem como a alternativa da renegociação. No que se refere ao disposto no artigo 480, como os contratos de fornecimento de combustíveis não se enquadram na classificação de contrato unilateral, sua análise não será objeto do presente trabalho.
Em se tratando da resolução do contrato prevista no artigo 478 do Código Civil, pode-se afirmar que esta consiste em um remédio terminativo, na medida em que reconduz os contratantes para o mesmo estado que se encontravam quando da celebração do contrato265.
Dessa forma, considerando a análise da relação sob estudo, em se caracterizando presentes os requisitos do artigo 478, poderiam as distribuidoras ou os postos revendedores pleitear a resolução do contrato e verdadeiramente romper o vínculo obrigacional de embandeiramento que as unia. No que tange ao momento de produção dos efeitos da sentença, a parte final do art. 478 do Código Civil dispõe que estes retroagem à data da citação, e não ao momento em que as partes celebraram o acordo, uma vez que o pedido de resolução procura alcançar as prestações ainda não realizadas.
A resolução, dessa forma, é uma causa anormal da extinção do contrato cuja intenção é de liberar o devedor, e não preservar o contrato, a qual deriva da ideia de que seria melhor destruir o vínculo contratual defeituoso do que mantê-lo em prejuízo de uma das partes266.
Trata-se, portanto, da opção mais drástica, que realmente encerra a relação entre os contratantes e que não deixa aberto um caminho de volta. De acordo com parte da doutrina, seria adequada a opção do legislador de adotar a resolução como saída prioritária, posto que não seria preferível que o magistrado sobrepusesse sua vontade ao querer das partes para lhes determinar a observância
264 Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
265 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 2ª ed., p.333.
266 CORDEIRO, Xxxx Xxxxx de Moura. Da revisão dos contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 257.
das novas condições do contrato, uma vez que tal medida violaria a autonomia privada267.
Entretanto, a despeito da opção do legislador e das opiniões divergentes sobre o tema, fato é que tanto relevante parte da doutrina quanto os tribunais brasileiros têm exercido um intenso controle de merecimento de tutela sobre o exercício do direito à resolução do contrato, de forma a impedir que o emprego desse remédio de caráter terminativo ocorra sempre que existam outros meios menos gravosos para a realização de ambos os contratantes268. Sobre o tema, confira-se a lição de Xxxx xx Xxxxxxxx Xxxxxxxx:
Servir a justiça consiste assim em preservar a manifestação concreta de autonomia que foi substancialmente consentida, e não em impor uma cega subordinação aos preceitos que a exprimiram em circunstâncias históricas diferentes. Por isso, só nos casos em que esse realinhamento não for realizável é que nos teremos de resignar a admitir que a defesa da autonomia concreta das partes não permite atribuir efeitos àquele negócio. Quer dizer, tendencialmente, só perante a impossibilidade fática ou legal de modificação teremos de aceitar a resolução do contrato269.
Também nessa linha, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx leciona que quando ao menos um dos contratantes tenha pedido a revisão do contrato, o juiz pode assim proceder, já que a resolução não é a única saída que se vislumbra para a
267 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxx. Teoria da Imprevisão e o Novo Código Civil. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 830, dez. 2004. p.6.
268SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 2ª ed., p.317-318.
Em sentido contrário, Xxxxxxxx entende que, em hipótese de onerosidade excessiva, a solução legal autorizada ao julgador deve ser a de simplesmente se resolver o contrato e não promover qualquer espécie de revisão e/ou readequação das prestações contratuais, sob pena de impor às partes (ou, ao menos, a uma delas) obrigação não convencionada, sendo que esta solução é considerada ilegal pela redação do artigo 478, do Código Civil; ou seja: seria verdadeira agressão à autonomia da vontade dos contratantes, considerando que “vigora a faculdade de contratar e de não contratar, isto é, o arbítrio de decidir, segundo os interesses e conveniências de cada um, se e quando estabelecerá com outrem um negócio jurídico contratual. [...] a liberdade de contratar espelha o poder de fixar o conteúdo do contrato, redigidas as suas cláusulas ao sabor do livre jogo das conveniências dos contratantes. De regra, este lhes imprimem a modalidade peculiar ao seu negócio, e atribuem ao contrato redação própria, estipulando condições, fixando obrigações, determinando prestações etc. [...] Em linhas gerais, eis o princípio da autonomia da vontade, que genericamente pode enunciar-se como a faculdade que têm as pessoas de concluir livremente seus contratos”. (PEREIRA, 2004, p. 21-22).” (XXXXXXXXX, Xxxx Xxxxxx. A alteração das circunstâncias fáticas nos contratos interempresariais. São Paulo. Dissertação (Mestrado em Direito Civil). Universidade de São Paulo. p. 41. Disponível em:
<xxxxx://xxx.xxxxx.xxx.xx/xxxxx/xxxxxxxxxxx/0/0000/xxx-00000000- 083858/publico/Versao_final_Alteracao_das_circunstancias_faticas_Hugo_Tubone.pdf>. Acesso em: 07 out 2021).
269 ASCENÇÃO, Xxxx xx Xxxxxxxx. Alteração das Circunstâncias e Justiça Contratual no Novo Código Civil. In Revista Trimestral de Direito Civil, v. 25. Rio de Janeiro: Padma, 2006, p. 67
configuração dos requisitos do artigo 478 do Código Civil, a qual deve ser aplicada apenas como “último remédio” para tanto”270.
Veja-se, ainda, que tal compreensão encontra também guarida do princípio da conservação dos negócios jurídicos que se extrai dos artigos 183 e 184 do Código Civil271 e do racional de quem pode o mais (a resolução), pode o menos (a revisão)272.
Dessa forma, conclui-se que o caráter preferencial da revisão não decorre de uma opção legislativa expressa, mas se trata de efeito de um processo de controle de merecimento de tutela do concreto exercício do direito de resolução273.
No que se refere ao fundamento normativo da revisão do contrato, frise-se que, tanto o artigo 317 oferece a possibilidade de revisão judicial de contrato bilateral em caso de desequilíbrio superveniente, quanto o artigo 479 assegura à parte a possibilidade de evitar a resolução, ao mencionar que esta poderá ser evitada, desde que o réu se ofereça a modificar equitativamente as condições do contrato274.
Realmente, a disposição trazida no artigo 479 se refere a saída trazida pelo legislador para que o negócio seja revisado e readaptado às novas circunstâncias mediante a oferta do réu, a qual tem aplicação na relação sob análise. De acordo com a orientação do referido dispositivo, então, diante da oferta de modificação
270AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Contrato de Opção de Venda de Participações Societárias. Variação Imprevisível do Valor da Coisa Prometida em Relação ao Preço de Mercado. Possibilidade de Revisão por Onerosidade Excessiva com base nos arts. 478 a 480 do Código Civil em Contrato Unilateral. In XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 211.
271 Ainda, o Enunciado nº 176, da III Jornada de Direito Civil, dispõe que, “em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual”.
272 Xxxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxxxx leciona que:
“O próprio art. 478 do Código Civil de 2002 também deve ser interpretado no sentido de permitir a revisão dos contratos bilaterais em que uma das prestações tenha se tornado excessivamente onerosa. Primeiramente, porque o artigo seguinte, o 479, estabelece que a resolução somente será decretada se não houver a modificação equitativa das condições do contrato, deixando claro que se privilegia a revisão, para somente admitir a resolução como último remédio”. (XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Contrato de Opção de Venda de Participações Societárias. Variação Imprevisível do Valor da Coisa Prometida em Relação ao Preço de Mercado. Possibilidade de Revisão por Onerosidade Excessiva com base nos arts. 478 a 480 do Código Civil em Contrato Unilateral. In XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Novos Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 211)
273 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 2ª ed., p.338.
274 Sobre o tema, acrescente-se, ainda, que o artigo 480 do Código Civil dispõe que, se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva. Entretanto, como a relação contratual sob análise não se amolda à disposição - uma vez que traz obrigações a ambas as partes- este não será objeto de análise aprofundada.
formulada pelo réu275, o juiz deverá ouvir o autor e, se a oferta for aceita, caberá ao juiz homologar o acordo alcançado pelas partes. Entretanto, se a oferta for recusada, o juiz, na decisão, resolverá previamente acerca da onerosidade excessiva superveniente (sem a qual não haverá fundamento para a revisão ou resolução do contrato) e, depois, examinará a oferta formulada pelo réu276.
De fato, a análise da oferta pelo juiz é algo que se adequa à modalidade, já que, se assim não ocorresse, não teria sentido a disposição do art. 479, visto que apenas facultaria às partes transigirem, sem possibilitar que o juiz pudesse impor a proposta do réu caso entendesse cabível. Desta feita, uma vez reconhecida e declarada pelo juiz a justiça do oferecimento, as partes devem se adaptar às novas condições.
No que se refere à revisão judicial prevista no artigo 317277, esta consiste na atuação judicial de ativamente modificar as alterações contratuais, para que sejam realizados reajustes aptos a permitir o cumprimento das legítimas expectativas de ambos os contratantes.
Para proceder devidamente com a revisão judicial, é importante que o juiz preze por recompor o equilíbrio substancial que as partes pretenderam ao contratar, levando em consideração as nuances da relação, e não deve insistir em poderes ou vinculações que deixaram de se justificar. Ao revisar um contrato, então, cabe ao juiz preservar a manifestação concreta de autonomia que foi substancialmente consentida pelas partes, e não em impor uma cega subordinação aos preceitos que a exprimiram em circunstâncias históricas diferentes.
Trata-se, naturalmente, de um desafio posto ao julgador, mas que, se realizada com o devido cuidado de analisar as nuances da relação econômica e os
275 No que tange ao conteúdo da proposta efetuada pelo réu, ressalve-se que esta é ideal que esta seja capaz de modificar equitativamente o acordo, o que significa dizer que a relação deve ser reacomodada de modo a restabelecer a proporcionalidade inicial. É importante que ambos os contratantes se empenhem no estabelecimento de um diálogo a fim de reequilibrar o pacto, restaurando o interesse comum. Para isso, mostra-se essencial que o juiz incentive a cooperação entre as partes em todo curso processual, como preceitua o Código de Processo Civil em suas normas fundamentais.
276 XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx. Relatório brasileiro sobre revisão contratual apresentado para as Jornadas Brasileiras da Associação Xxxxx Xxxxxxxx. In: XXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxxxx de. Novos Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 195-196.
277 Nas palavras de Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, o artigo 317 tornou-se uma espécie de “puxadinho hermenêutico” dos artigos 478 a 470, de modo que a maior parte da doutrina brasileira, acaba por alcançar a conclusão de que, diante de situações de desequilíbrio contratual superveniente em relações exclusivamente regidas pelo diploma civil, o remédio da revisão é aplicável. (XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 2ª ed., p.317-318).
impactos diretamente causados pelos eventos de desequilíbrio, torna-se uma saída interessante para que os contraentes sigam com o vínculo contratual.
Seja no caminho da revisão, seja no caminho da resolução, o que importa é que, ao analisar uma demanda sobre o tema, o juiz não deixe de verificar adequadamente a ocorrência dos referidos requisitos de acordo com as nuances da relação, das negociações pactuadas, bem como os riscos assumidos pelas partes, de forma evitar qualquer comportamento oportunista daquele que, sob a alegação de desequilíbrio, visa apenas se livrar de um vínculo contratual.
Por se tratar de uma tarefa subjetiva e complexa, além de comum, é compreensível que as partes contratantes sintam insegurança quanto ao resultado de uma demanda de tal natureza, seja pela ausência de expertise do julgador, seja pela ampla discricionaridade que lhe é incumbida278, de modo que, em razão disso e de todo o exposto, parece forçoso concluir que, apesar da recorrente judicialização da relação, seria a renegociação da avença a melhor alternativa para lidar com uma situação de desequilíbrio contratual superveniente.
Ora, ninguém melhor do que os próprios contratantes para estabelecer as melhores condições para lidar com tal cenário, afinal, são eles mesmos quem irão cumprir com o acordado. Em se tratando de um ambiente empresarial, torna-se ainda mais evidente que a composição é o caminho mais adequado às partes.
Sobre o tema, vale pontuar que, gozando de sua autonomia privada, as partes podem não apenas renegociar os termos da relação contratual a qualquer tempo, mas também se utilizar de mecanismos de gestão de risco para se prevenir de um cenário de desequilíbrio contratual mediante a estipulação de cláusulas que prevejam adaptações automáticas ou semiautomáticas, bem como que antevejam situações nas quais se obrigam a renegociar a relação de modo a reestabelecer o seu equilíbrio279.
Inquestionavelmente, ao se utilizarem de disposições que preveem o dever de reorganizar a relação contratual na hipótese de advento de situações que
278 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 2ª ed., p.354.
279 Segundo Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxx, as cláusulas de adaptação automática se verificam quando um determinado evento previsto se realiza (como exemplo, a Autora menciona as cláusulas de reajuste de preço por ato das partes, indexadas a tal ou qual valor). Quanto às cláusulas, leciona a Autora que estas preveem uma adaptação semiautomática, como as que estipulam a "resolução- salvaguarda" ou chamadas "cláusulas de alinhamento”. (XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A cláusula de hardship e a obrigação de renegociar nos contratos de longa duração. in Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 7, n. 25. São Paulo, abr.-jun./2010, p. 1-2).
alterem fundamentalmente a base circunstancial existente, as partes privilegiam a conciliação de seus interesses e optam por distribuir, entre elas, os prejuízos decorrentes do desequilíbrio contratual para preservar a relação.
Uma tentativa de alcançar uma composição previamente ao início de um litígio se demonstra extremamente oportuna, eis que propositura de uma demanda judicial, por si só, é percebida pelas partes como um fato perturbador à relação e, consoante leciona Xxxxxxxx Xxxxxxxxx “produz, não raro, um acentuado efeito de desestímulo à obtenção do consenso, na medida em que, por sua própria estrutura e por certa conduta beligerante do contencioso, o processo costuma acirrar divergência entre as partes”280.
Trata-se de uma manifestação ao autorregramento da vontade que demonstra, portanto, extrema utilidade à preservação da relação contratual. Muito embora não seja recorrente a cláusula de renegociação em contratos de fornecimento de combustíveis, entende-se que tal alternativa se demonstra extremamente adequada à hipótese, eis que, além de diminuir a quantidade de litígios envolvendo a relação, é capaz de trazer às partes resultados mais vantajosos. De fato, considerando que se trata de relação de longa duração e o patente risco de desequilíbrio de algum eixo da relação por eventos supervenientes inerente à complexidade desta, a definição de mecanismos de renegociação torna-se um valioso instrumento apto à manutenção da relação jurídica.
A cláusula cuja eficácia consiste em provocar uma renegociação do contrato na hipótese de desiquilíbrio superveniente ocorrer, é denominada pela doutrina como cláusula de hardship281 ou cláusula de renegociação282. A cláusula de
280 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 2ª ed., p.353.
281 Segundo Xxxxxx Xxxxxxx-Xxxxx, são imputadas à cláusula de hardship quatro funções: “(a) assegurar a preservação do equilíbrio econômico e a continuação do contrato, impedindo que o princípio da intangibilidade do pactuado conduza a um rigor excessivo no momento da execução contratual; (b) atuar como meio de repartição, entre os contratantes, dos custos resultantes do evento superveniente e incerto, de modo que a etapa da renegociação permite às partes acordar sobre essa repartição dos ônus, por si mesmas, ou através de um terceiro, que a arbitrará; (c) impedir a extinção contratual devida à resolução por excessiva onerosidade de um contrato que ainda pode ser útil, atendendo aos mútuos interesses das partes; (d) encontrar um novo regime adaptado aos mútuos interesses (self tailored rule), viabilizando-se, nos limites do princípio da atipicidade contratual (art. 425 do CC/2002 (LGL\2002\400)), uma reorganização do pactuado, sendo essa, precipuamente, a função "adaptativa" da autonomia privada” (XXXXXXX-XXXXX, Xxxxxx. A cláusula de hardship e a obrigação de renegociar nos contratos de longa duração. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 7, n. 25. São Paulo, abr.-jun./2010, p. 3).
hardship283 teve sua origem no Direito Internacional Privado284 e a sua criação neste âmbito do direito se deu em razão da inexistência de padronização de leis entre as mais variadas ordens jurídicas internacionais para um eventual processo de revisão e renegociação de conteúdos avençados na seara do comércio internacional.
Por meio da hardship, busca-se esgotar, pelo próprio instrumento contratual, uma solução para eventual controvérsia na execução do contrato mediante o estabelecimento de um dever de renegociação diante de modificação substancial de conjunturas285. Na prática, o mecanismo acarreta às partes uma dupla obrigação: primeiramente, as partes devem se reunir para rediscutir a execução do contrato e, uma vez reunidas, deverão atentar-se à boa-fé quando das negociações.
Normalmente, a cláusula de hardship estabelece mecanismos de proposta e contraproposta, com o intuito de conjugar a vontade das partes286, mas também pode dispor sobre parâmetros de equidade287, sendo ambas as modalidades aconselháveis à hipótese sob estudo. A utilização de cláusulas que especifiquem claramente as etapas do procedimento de renegociação a serem observadas pelas partes, que delimitem, de forma mais cristalina possível, as situações que possam
282 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. A obrigação de renegociar e as consequências de seu inadimplemento. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 15, São Paulo: abr./jun., 2018, p. 3-4. 283 Xxxxxxx Xxxxx, em parecer transcrito por Xxxx Xxxxx Xxxxxxx, define a cláusula de hardship, como: “uma cláusula que permite a revisão do contrato se sobrevierem circunstâncias que alterem substancialmente o equilíbrio primitivo das obrigações das partes. Não se trata de aplicação especial da teoria da imprevisão à qual alguns querem reconduzir a referida cláusula, (...). Trata-se de nova técnica para encontrar uma adequada reação à superveniência de fatos que alterem a economia das partes, para manter... sob o controle das partes, uma série de controvérsias potenciais e para assegurar a continuação da relação em circunstâncias que, segundo os esquemas jurídicos tradicionais, poderiam levar à resolução do contrato”. (XXXXXXXX, Xxxx Xxxxx. Dos Contratos Internacionais – Uma Visão Teórica e Prática. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 143-144).
284 No que diz respeito à previsão jurídica da cláusula de hardship, tem-se que esta decorre dos Princípios dos Contratos do Comércio Internacional elaborados pelo Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT). Os artigos 6.2.2 e seguintes dos Princípios da UNIDROIT regem especificamente a situação de hardship e suas implicações.
285PEREIRA, Xxxxx Xxxxxxx. A obrigação de renegociar e as consequências de seu inadimplemento. v. 15, p. 209–237, São Paulo: Revista de Direito Civil Contemporâneo. abr./jun., 2018, p.2.
286 Sobre o tema, Xxxxxxxx Xxxxxxxxx assim leciona sobre as cláusulas de renegociação: “Tais cláusulas, operando uma espécie de distribuição convencional dos riscos de desequilíbrio contratual, com base em critérios e parâmetro estabelecidos pelas próprias partes, ou indicando o método a ser seguido na busca de uma solução consensual para a readequação do contrato desequilibrado, exprimem o que os franceses sintetizaram na fórmula ‘le contract as propre révision’(‘o contrato organiza sua própria revisão’)”. (XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 2ª d., p.400-401).
287 XXXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. A obrigação de renegociar e as consequências de seu inadimplemento. Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 15. São Paulo: abr./jun. 2018, p. 4.
ensejar o desequilíbrio e considerem a lógica de toda a relação jurídica firmada por trás dos complexos contratuais, torna-se, então, um aspecto fundamental à sua utilização e aos seus efeitos práticos.
Trata-se, pois, de um mecanismo que se coaduna com as normas vigentes e que seria capaz de trazer implicações positivas à preservação da relação contratual sob estudo. Certamente, o estabelecimento da obrigação de renegociar a complexa relação em questão, que se rege por uma rede de contratos celebrados na relação de embandeiramento, mediante a estipulação de uma cláusula que vincule os pactos e elenque a necessidade de rediscussão da relação na hipótese de desequilíbrio tem o condão de preservar a relação e atenuar a litigiosidade neste tipo de arranjo contratual.
Xxxxxxxx Xxxxxxxxx, ao tratar sobre a temática das cláusulas de renegociação, além de dispor que as cláusulas de renegociação consistem na “via mais simples e imediata” para resolver a problemática do desequilíbrio contratual, pontua que estas representam o caminho mais seguro capaz de afastar os receios que gravitam em torno das intervenções heterônomas na relação contratual288. E é justamente o que se conclui: trata-se de uma via que merece ser explorada pelas partes e que se demonstra como uma excelente alternativa para lidar com a alteração das circunstâncias, sobretudo na relação sob estudo, em que se verifica um grande subjetivismo no preenchimento dos requisitos legais e um evidente dissenso jurisprudencial quanto ao resultado.
Realmente, optar por um caminho de renegociação pautado pela boa-fé demonstra-se a melhor saída capaz de garantir a tão almejada previsibilidade dos contratantes empresários, uma vez que, conforme exposto, os remédios trazidos pelo legislador não dispõem de critérios de ordem totalmente objetiva.
288 XXXXXXXXX, Xxxxxxxx. Equilíbrio contratual e dever de renegociar. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, 2ª ed., p.400.
3. O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS FRENTE AO DESEQUILÍBRIO SUPERVENIENTE DOS CONTRATOS DE FORNECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS
Uma vez expostas as considerações acerca do funcionamento mercadológico da relação sob estudo no capítulo 1 e analisada a temática do desequilíbrio contratual superveniente no capítulo 2, passa-se ao estudo de alguns casos concretos, com o intuito de demonstrar como o Poder Judiciário brasileiro se posicionou diante de situações particulares em que há alegação de desequilíbrio contratual superveniente na relação de embandeiramento.
Com o intuito de selecionar determinados eventos que serviram para motivar o ajuizamento de demandas judiciais, nas quais as partes objetivam a aplicação dos remédios dispostos nos artigos 317 e 478 do Código Civil na relação em comento e, assim, delimitar o escopo de análise deste trabalho, optou- se por realizar uma investigação de decisões judiciais proferidas pelos tribunais estaduais dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina.
Mediante o levantamento de dados realizado por meio de pesquisa jurisprudencial específica disponível nos sítios eletrônicos dos referidos tribunais, do período de 01/01/2017 a 30/04/2022, utilizando os termos “desequilíbrio contratual superveniente” e “fornecimento de combustíveis” nos campos disponibilizados para a pesquisa específica, foram coletados um total de 710 processos que não tramitavam em segredo de justiça 289.
Dentre a totalidade dos processos localizados, 205 não cumpriram com os critérios de inclusão e se referiam a processos relacionados a fornecimento de energia elétrica, bem como a relações contratuais diferentes daquela sob estudo neste trabalho, os quais foram desconsiderados na pesquisa. A amostra final resultou, então, em 505 processos cíveis.
Mediante a análise dos processos constantes da amostra final, verificou- se que o aumento do preço dos combustíveis, a pandemia da COVID-19 e o aumento da concorrência em razão da implementação de postos revendedores em localidades próximas a determinados postos já existentes foram temáticas que se
289 Tendo em vista que é comum a cláusula de confidencialidade nos contratos firmados quando da pactuação da relação de embandeiramento, processos que envolvam a análise do desequilíbrio superveniente do contrato de fornecimento de combustíveis recorrentemente tramitam sob segredo de justiça.
repetiram como a causa do desequilíbrio contratual superveniente, motivo pelo qual optou-se por destacá-los neste trabalho290.
Dessa forma, neste capítulo será realizada uma análise pontual de cada um desses eventos, para que seja possível constatar quais foram os fundamentos levados em consideração pelos referidos tribunais em decisões e acórdãos selecionados da amostra analisada. Além disso, será demonstrada a existência de decisões que alcançaram posições antagônicas, mesmo diante da verificação de casos análogos.
Ademais, considerando que, conforme já exposto, existe um evidente dissenso jurisprudencial que permeia a temática em apreço, em razão não apenas das significativas peculiaridades da relação, mas também da subjetividade dos requisitos legais que foram detidamente analisados no capítulo anterior, será reforçado que, também por essa razão, o caminho da renegociação se revela como uma positiva solução para os possíveis riscos causados pelas intervenções assistemáticas do Poder Judiciário na relação sob estudo.
3.1 Aumento do preço dos combustíveis
Consoante exposto no capítulo 1 deste trabalho, até meados da década de 1990, a interferência do Estado brasileiro na distribuição e revenda de combustíveis automotivos contemplava o controle de preços, margens de comercialização e fretes291. Realmente, foi apenas naquela época que se iniciou um processo de liberalização de preços em toda a cadeia produtiva de petróleo, gás natural e biocombustíveis292.
290 Foi possível também perceber que a prática distinta de preços pelas distribuidoras de combustíveis entre os postos bandeirados e bandeira branca, bem como a realização de obras no entorno dos postos revendedores e questões subjetivas dos contratantes (como morte e doença do administrador e desentendimentos entre sócios) também foram assuntos que se repetiram dentre os processos selecionados, mas estes não serão objeto de estudo deste trabalho.
291 XXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxxxxx; XXXXXXX, Cecília; PAULILLO, Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx. Quebras de contrato no setor de distribuição de combustíveis no Estado de São Paulo. XXI Encontro Nacional de Engenharia de Produção. p. 6-7. Disponível em:
<xxxx://xxx.xxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxxxx/xxxxxx0000_xx_xxx_000_000_00000.xxx>. Acesso em: 02 mai. 2022.
292 BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Histórico da liberação dos preços de combustíveis no mercado brasileiro. Disponível em: <xxxxx://xxx.xxx.xx/xxx/xx-xx/xxxxxxxx/xxxxxx-x-xxxxxx-xx- concorrencia/historico-da-liberacao-dos-precos-de-combustiveis-no-mercado-brasileiro>. Acesso em: 10 mai. 2022.