Reintegração de posse - Arrendamento mercantil
Reintegração de posse - Arrendamento mercantil
- Possuidor indireto - Legitimidade ativa - VRG - Cobrança antecipada - Leasing - Não descarac- terização - Notificação pessoal - Comprovação - Ausência - Extinção do processo
Ementa: Reintegração de posse. Arrendamento mercan- til. Possuidor indireto. Legitimidade para ações pos- sessórias. Cobrança antecipada de VRG. Não descarac- terização do contrato. Notificação pessoal. Ausência de comprovação. Extinção do processo.
TJMG - Jurisprudência Cível
- Para uma pessoa ser considerada possuidora de deter- minado bem, não é necessário que esteja no poder físi- co sobre a coisa, mas que tão somente guarde com esta uma relação jurídica. Assim, pode o possuidor indireto se utilizar das medidas processuais de natureza possessória existentes no ordenamento jurídico para defesa de sua posse.
- A antecipação do VRG não implica descaracterização do contrato de leasing, transmudando-o para contrato de compra e venda a prestação, porque a opção de compra somente ocorrerá findo o prazo contratual.
- Considerando ausente a prova da entrega da notifi- cação extrajudicial pessoalmente ao réu, não há que se falar em comprovação da constituição em mora e, con- sequentemente, não resta caracterizado o esbulho, visto que a notificação deve ser feita pessoalmente ao devedor.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.09.548336-8/001 -
Comarca de Belo Horizonte - Apelante: Banco Itauleasing S.A. - Apelado: Xxxxxx Xxxxx Xxxx xx Xxxxx - Relator: DES. XXXXXXX XXXXX
Acórdão
Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Xxxx Xxxxxxx xx Xxxxx Xxxxxx, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM NEGAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 23 de setembro de 2010. - Xxxxxxx Xxxxx - Relator.
Notas taquigráficas
DES. XXXXXXX XXXXX - Banco Itauleasing X.X. xxxxxx contra a decisão de f. 26/34, visto que indeferiu a inicial da ação de reintegração de posse aforada em face de Xxxxxx Xxxxx Xxxx xx Xxxxx.
Na citada decisão, o Juiz monocrático entendeu que não foi comprovada a entrega da notificação extra-
judicial no endereço do requerido, nem a lavratura de protesto cambial, de forma a comprovar a mora satisfa- toriamente.
Para o banco, o pedido formulado na ação é regu- lamentado pelo art. 3º do Xxxxxxx-Xxx 000/00; enviou carta registrada para o endereço informado pelo próprio apelado no contrato, decorrendo a mora do simples inadimplemento, fatos que bastam para ensejar a refor- ma do decisum como requerida.
Sem contrarrazões.
Conheço do recurso, porque próprio e tempestivo. Examinando os autos, observo que o MM. Juiz da causa extinguiu a inicial por entender que o banco é carecedor da ação de reintegração de posse e inepta a
inicial, dada a impossibilidade jurídica do pedido.
Com efeito, entendo que a decisão monocrática merece ser confirmada, não só em virtude da impresta- bilidade do documento de f. 12 para o fim de compro- var a mora, visto que não há, nos autos, qualquer prova de que a referida missiva tenha sido entregue no endereço constante do contrato e recebida pelo próprio devedor, mas também por entender totalmente descabido o pedido reintegratório no caso de contrato de arrendamento mercantil, pelas razões que passo a explicar.
Do não cabimento da reintegração.
O negócio de arrendamento mercantil, a teor do parágrafo único do art. 1º da Lei 6.099/74, com redação dada pela Lei 7.132/83, que dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil e dá outras providências, sendo aceita como norma reguladora da espécie, é definido em seu pará- grafo único na forma que segue:
Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arren- damento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta.
Surge daí um direito possessório, destaque-se, de berço obrigacional, que concede ao arrendatário, deve- dor da instituição financeira, o poder de usar e gozar do bem objeto do contrato, ficando ele, portanto, com a posse direta sobre o mesmo, enquanto a arrendadora, credora do valor utilizado para aquisição, permanece com a posse indireta daquilo que foi por ela adquirido.
Trata-se de questão pacífica, como se vê:
[...] o arrendamento mercantil é negócio jurídico em que o proprietário do bem móvel ou imóvel cede a outrem, chama- do arrendatário, o uso e posse direta do objeto da avença por prazo determinado (AC 1.0702.06.306946-3/00 - Rel. Des. Xxxxxxx Xxxx Xxxxx - j. em 18.08.09).
E mais:
[...] apenas o uso e gozo do bem arrendado são transferidos ao arrendatário, mediante o pagamento de contraprestação periódica ao arrendador, o qual permanece com a pro- priedade e a posse indireta sobre a coisa (AC 1.0024.08.957634-2/002 - Rel. Des. Elpídio Xxxxxxxxx - j. em 15.12.09).
Em razão, justamente, da condição das partes nesse contrato de arrendamento mercantil, qual seja a arrendadora como possuidora indireta e o arrendatário como possuidor direto, condição esta havida, repita-se, não em razão de um direito real, mas de uma relação jurídica de ordem obrigacional, é que surge o entendi- mento no sentido de não serem cabíveis as ações pos- sessórias, e sim as ações petitórias, como se extrai da doutrina:
[...] a melhor doutrina é no sentido de descaber ao possuidor indireto ação possessória contra o direto. A proteção que a lei oferece é com respeito a terceiros [...] (XXXXXX, Xxxx Xxxxx. Da posse. 2. ed., p. 60).
[...] o chamado possuidor indireto utiliza, em nome próprio, as ações possessórias, tão somente como substituto do chamado possuidor direto, na verdade único possuidor [...] e que [...] exatamente por exercer em nome próprio um poder alheio, o chamado possuidor indireto, como substitu- to, não pode exercê-lo contra o próprio substituído, ou seja, contra o chamado possuidor direto, pois um poder não pode ser exercido contra o seu próprio sujeito ativo (CAVALCAN-
XX, Xxxx Xxxxx. A falsa posse indireta, p. 36 e 48).
E finalmente,
[...] a posse indireta não poderá ser isoladamente objeto de agressão possessória (BAPTISTA, Olvídio A. Procedimentos especiais, p. 238).
Ainda em virtude da natureza da relação que dá origem à posse aqui discutida, um direito obrigacional, e não real, vale destacar um outro aspecto, atinente a princípio elementar de direito, qual seja a noção de que, uma vez celebrado um contrato bilateral, oneroso e comutativo, atendidos todos os requisitos necessários a sua constituição regular, pode este vir a ser desconstituí- do durante o seu curso por inadimplemento ou inexe- cução por uma das partes.
Ora, neste caso, fará jus o prejudicado, além de haver a coisa, de exigir as sanções previstas na lei ou no contrato, resguardados os limites impostos pelo CDC e a boa-fé contratual, tendo ele direito, também, à inter- venção judicial e, por esta, à ampla defesa, o que exclui a absurda hipótese de retomada do bem sem direito de discutir o contrato em caso de desacordo.
À parte da específica discussão quanto à injustiça da concessão da ordem reintegratória in limine, e diante de incontroversa situação de inadimplemento do arren-
dador, ainda assim se afigura descabida a opção pela ação de reintegração de posse no caso de contrato de arrendamento mercantil.
É que, como proprietária do bem objeto do pedido de retomada, direito este fundado no jus possidendi (direito possessório oriundo de situação jurídica), a insti- tuição financeira somente teria contra o arrendatário, ti- tular do jus possessioni (direito possessório de origem fática independente da preexistência de uma relação), direito de ação de imissão de posse.
[...] A fungibilidade das demandas possessórias não se estende à ação de imissão de posse. O direito à imissão, que se funda no ius possidendi, deve ser buscado no juízo petitório, não se incluindo, portanto, entre as possessórias, que se fundam no ius possessionis. Confusão entre o juízo possessório e o petitório [...] (AI nº 191.004.704 - TARS -
Rel. Xxxx Xxxx Xxxx Xxxxxxxx - j. em 04.04.91).
Daí a inequívoca conclusão de que a pessoa jurídi- ca, apesar de ser a arrendadora, não possui direito à ação de reintegração de posse.
Além do mais, mesmo diante de cláusula reso- lutória expressa, nada existe a autorizar a comparação do contrato de arrendamento mercantil ao de alienação fiduciária em garantia, o qual possui lei específica pre- vendo a expropriação sumária.
Certa, também, a inexistência de lei que determine a perda da posse do bem, liminarmente, no caso do arrendamento mercantil, não havendo previsão nesse sentido nas já citadas Leis 6.099/74 e 7.132/83, tam- pouco no capítulo destinado a regular a perda da posse, arts. 1.223 e 1.224 do Código Civil, não bastando, para tanto, os regulamentos expedidos por órgãos do Poder Executivo, dada a absoluta incompetência legislativa dos mesmos.
Nem se diga que a retomada do veículo estaria autorizada pela previsão contida na cláusula denomina- da “vencimento antecipado do contrato”, a incidir quan- do do inadimplemento do contratante, pois nesta hipótese o que estaria ocorrendo seria a rescisão do con- trato de arrendamento mercantil e, com a entrega do bem para a arrendante, restaria inviabilizado o exercício da opção de compra pelo arrendatário.
Verificada essa hipótese, obrigatória seria então a concomitante restituição dos valores pagos antecipada- mente a título de valor residual garantido, sob pena do enriquecimento ilícito da pessoa jurídica, abrindo-se, nesse ponto, inclusive, extensa discussão sobre a incidên- cia da disposição do parágrafo único do art. 11 da Lei 6.099/74, cuja vigência permanece intocada até os dias de hoje, apesar da edição da Súmula 283 do STJ, de inócuos efeitos, porquanto despida de força cogente e não vinculante.
Assim é que, em arrendamento mercantil, qualquer
que seja a justificativa, não tem respaldo jurídico a
retomada do bem pela pessoa jurídica credora sob o título de reintegração de posse, até porque a relação jurídica da qual se originaria o pedido, como já anota- do, submete-se à disciplina do Direito das Obrigações, que não alberga a ação aqui considerada, a qual nega ao réu discutir matéria relacionada a composição de danos diante do desapossamento do bem.
Nesse contexto, estou levantando preliminar de impossibilidade jurídica do pedido de reintegração de posse, visto que, pela prova produzida, a posse indireta da requerente não lhe faculta tal pedido, relativamente ao bem móvel objeto da presente ação.
Assim, correta a extinção do feito em relação à reintegração nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC.
TJMG - Jurisprudência Cível
Prosseguindo a análise do processado, observo que, no contrato de f. 11, foi pactuada a cobrança do VRG, item 3.8, em parcelas mensais, portanto diluídas no curso do contrato, antecipando-se, assim, a opção de compra legalmente facultada ao arrendatário para ser exercida ao final do contrato, fato que, para mim, impli- ca a descaracterização do contrato de arrendamento mercantil para compra e venda à prestação, como segue.
Da descaracterização do contrato.
Como já anotado, o contrato de arrendamento mercantil é regulado no Brasil pela Lei 6.099/74, a qual, apesar de destinar-se a estabelecer o tratamento tribu- tário respectivo, traz em seu bojo algumas cláusulas obri- gatórias do contrato, galgando, assim, a condição de norma reguladora da espécie como segue:
Apesar de a Lei 6.099/74 ter tido por finalidade precípua apenas conferir um tratamento tributário às operações rela- tivas ao contrato de leasing, após o seu advento, não se pode mais considerar o arrendamento mercantil um contra- to misto, espécie dos contratos atípicos, porque, ainda que formado de substâncias de outros contratos, o mesmo já se tornou um contrato típico. Além disso, a lei citada, além de definir o leasing, prevê também as partes componentes do contrato, seu objeto jurídico, as opções de compra do bem e de renovação do contrato. Como exemplos legais podem ser mencionados os arts. 10, 11, § 10, 5º, alínea e, 1º e seu parágrafo único da Lei 6.099/74 como fundamentos legais para considerar o leasing como sendo um contrato típico por estar regulado em lei e também por já ter se encontrado a sua identidade (XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Leasing - doutrina
e jurisprudência, p. 54 e seguintes).
O parágrafo único do art. 1º da citada norma legal, com redação dada pela Lei 7.132/83, define as características do contrato de arrendamento mercantil, vindo o art. 5º estabelecer regras acerca de sua forma e conteúdo, como segue:
Os contratos de arrendamento mercantil conterão as seguintes disposições: a) prazo do contrato, b) valor de cada contraprestação, c) opção de compra e venda ou renovação de contrato, como faculdade do arrendatário, d) preço para opção de compra ou critério para sua fixação, quando for estipulada esta cláusula [...].
Desses dispositivos legais surgem as justificativas para se considerar como descaracterizado o contrato de arrendamento mercantil diante da cobrança do VRG de forma diluída e antecipada, como se verá.
É que o parágrafo único do art. 11 da Lei 6.099/74, que não sofreu qualquer alteração pela Lei 7.132/83, editada com vistas a dar-lhe nova redação assim dispõe:
Art. 11 [...]
§ 1º A aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo com as disposições desta Lei, será considerada operação de compra e venda a prestação.
Do cotejo das prescrições legais, verifica-se que não foi prevista, em nenhum momento, a possibilidade de o arrendatário exercer a opção de compra e venda antecipadamente por qualquer meio ou forma, sendo a opção de compra do bem, como faculdade, uma das características formais e necessárias do contrato de arrendamento mercantil, condição esta que, com toda a certeza, se perde quando efetuado o pagamento do VRG, mensalmente, ao longo do contrato, uma vez que, desde o primeiro mês, já estará o arrendatário pagando uma importância pelo direito de uso do bem, junto com outra parcela referente à própria aquisição deste.
Até 27.08.03, data em que foi cancelada a Súmula 263, o STJ seguiu essa lúcida orientação, a qual cedeu lugar a um posicionamento totalmente contrário, esposa- do na Súmula 293.
Esse novo entendimento surgiu a partir de interpre- tação jurídica de grande criatividade e questionável constitucionalidade, porque sustentada, em síntese, no raciocínio que, considerando-se a Lei 6.099/74 como diploma regulador exclusivamente do tratamento fiscal conferido ao arrendamento mercantil, entendia que a operação feita em desacordo com as disposições da referida lei, apta a desqualificar o contrato, somente pro- duziria efeito no âmbito tributário, não atingindo o negó- cio realizado entre a instituição financeira e o particular, dado se tratar de relações jurídicas distintas, não inter- ferindo a questão tributária no negócio inter partes, porquanto limitado tal efeito à relação Estado/arren- datária.
Aqui, cabe abrir um parêntese para considerar, sem esquecer que o contrato de arrendamento mercantil encarta relação de consumo, que a Constituição Federal de 1988 guindou à condição de garantia fundamental a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII), tornando oportu- nas as palavras de Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, que, ao discor- rer sobre os direitos fundamentais, in Curso de direito constitucional positivo, 26. ed., p.178, dá a seguinte explicação:
[...] no qualitativo fundamentais acha-se a indicação [...] fun- damentais do homem no sentido de que a todos, por igual,
devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.
de reintegração de posse, já que é possuidor indireto do bem.
Nesse quadro, não se pode conceber um trata- mento desigual para relações originadas em um mesmo negócio jurídico, e mais, regidas por uma mesma norma legal.
Não se pode entender que a desqualificação possa se realizar quando diante de interesse fiscal, e não quan- do em face do interesse do consumidor.
Não se pode assimilar que a lei que disciplina for- malmente o contrato de arrendamento mercantil e o informa para fins tributários possa ter um mesmo artigo aplicado, por força de simples exercício interpretativo, de modo tal que seus efeitos somente favoreçam o Poder Público, em detrimento do consumidor, cuja proteção deveria aquele tutelar.
Bom lembrar, ainda, que o CDC determina que a lei seja interpretada de forma mais favorável ao consu- midor. Ora, mesmo se considerado que a lei de que aqui se trata tenha exclusiva destinação fiscal, em sendo ela mais benéfica, deveria a interpretação conferida a bem do Poder Público ser estendida também ao consumidor. Nesse norte, a referida norma mereceria interpre- tação sistemática e harmônica com o ordenamento jurídico, hábil em autorizar a arguição da aludida descaracterização a quem quer que entendesse no direi- to de pleiteá-la, sempre que, no contrato de arrenda- mento mercantil, restasse fixado o fracionamento do VRG a ser pago pelo arrendatário na forma de
prestações periódicas mensais.
Não há que se restringir a aplicação das dis- posições da Lei 6.099/74, sob qualquer argumento, até porque, quando quis, cumpriu o legislador de expressa- mente fazê-lo, como, por exemplo, no art. 2º, em que consignou:
Não terá o tratamento previsto nesta Lei o arrendamento de bens contratado entre pessoas jurídicas direta ou indireta- mente coligadas ou interdependentes, assim como o con- tratado com o próprio fabricante.
Assim, é indiscutível que a Lei 6.099/74 discrimina o tratamento tributário para as arrendadoras e, também, veicula norma de natureza civil com previsão de cláusu- las contratuais obrigatórias, estipulando cominação pelo descumprimento dos fins da lei, hábil a operar efeito tanto nas relações havidas entre o Estado e as institu- ições financeiras, como entre estas e os particulares.
Com esses fundamentos, nego provimento ao recurso e confirmo a decisão combatida, mantendo a extinção do feito na forma do art. 267, I e VI, c/c o art. 295, I, parágrafo único, III, ambos do CPC.
Custas, pelo apelante.
DES. XXXX XXXXXXX DA COSTA CÔRTES - Aduz
o ilustre Relator que o apelante não possui direito à ação
Todavia, no meu entendimento, ainda que seja o recorrente apenas detentor da posse indireta do bem, em decorrência do contrato de arrendamento mercantil, tem legitimidade para a propositura de ações possessórias, conforme restará esclarecido.
O art. 1.196 do CC/02 define os requisitos para que seja atribuída a alguém a qualidade de possuidor:
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes ine- rentes à propriedade.
Percebe-se, portanto, que, para uma pessoa ser considerada possuidora de determinado bem, não é necessário que esteja no poder físico sobre a coisa, mas que tão somente guarde com esta uma relação jurídica. Nesse sentido, confira as lições do tradicional civilista Xxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxxxx (Instituições de direi- to civil - Direitos Reais. 18. ed. revista e atualizada de acordo com o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro:
Editora Forense, v. 4, 2004):
Com o Código Civil de 1916, hoje revogado, a doutrina objetiva entrou em nossa sistemática, com a relegação da subjetiva dominante entre os civilistas anteriores, bem como da concepção dos glosadores, presente no também revoga- do art. 200 do Código Comercial de 1850. O Código Civil de 2002, que em certa medida promoveu a unificação le- gislativa dos Direitos Civil e Comercial, manteve-se fiel à doutrina objetivista.
A posse, em nosso direito positivo, não exige, portanto, a intenção de ser dono, e nem reclama o poder físico sobre a coisa. É a relação de fato entre a pessoa e a coisa, tendo em vista a utilização econômica desta. É a exteriorização da con- duta de quem procede como normalmente age o dono. É a visibilidade do domínio (Código Civil, art. 1.196).
Ou seja, o fato de o apelante não deter fisicamente o bem, não lhe retira a qualidade de possuidor, poden- do o banco se utilizar das medidas processuais de natureza possessória existentes no ordenamento jurídico para defesa de sua posse.
Nesse sentido, já decidiu este Tribunal:
Agravo de instrumento. Ação possessória. Espólio. Legitimidade ativa. Liminar. Ausência dos requisitos. Indeferimento. A posse passível de proteção possessória pode ser tanto a posse direta quanto a posse indireta. Aquele, portanto, que detém apenas a posse indireta de um determinado bem pode exigir que lhe seja conferida a pro- teção possessória, pois pratica atos de disposição da coisa. Em sendo o espólio passível de deter a posse indireta sobre bens móveis ou imóveis, naturalmente que é possível que ele possa proteger a sua posse através das ações possessórias, sendo, dessa forma, patente a sua legitimidade ativa. Ausentes os requisitos previstos no art. 927 do Código de Processo Civil, deve ser indeferida a liminar postulada na ação de reintegração de posse. V.v. O Espólio é parte ilegíti-
ma para figurar no pólo ativo de ações possessórias (Número do processo: 1.0024.05.802023-1/001 - Relator: Des. Xxxxxxxx Xxxxxxx - pub. em 23.04.2008).
O Relator entende, ainda, que a cobrança anteci- pada do Valor Residual Garantido (VRG) descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil para um contrato de compra e venda financiada.
Entendo que a antecipação do VRG não implica descaracterização do contrato de leasing, transmudan- do-o para contrato de compra e venda a prestação, porque a opção de compra somente ocorrerá findo o prazo contratual.
Nesse sentido, foi o julgamento da Apelação Cível nº 429.851-7 de minha relatoria:
TJMG - Jurisprudência Cível
O Valor Residual Garantido - VRG - que é o valor mínimo a ser recebido pela arrendadora, na venda do bem arrendado, pode ser pago mensalmente, sem que descaracterize o arrendamento mercantil, e ao final do contrato, caso haja opção pela aquisição, o adquirente só terá direito à dife- rença do que pagou a maior - considerando o VRG previsto
e o valor total das parcelas pagas.
O próprio Superior Tribunal de Justiça, mudando seu entendimento, revogou a Súmula 263 editando a de nº 293 com o seguinte enunciado: “A cobrança do Valor Residual Garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil”.
Por outro lado a Resolução nº 2.309, de 28 de agosto de 1996, do Banco Central do Brasil, que disci- plinou e consolidou as normas relativas às operações de arrendamento mercantil em seu art. 7º, inciso III, letra a, prevê a possibilidade de pagamento antecipado do VRG em qualquer momento:
A previsão de a arrendatária pagar o valor residual garanti- do em qualquer momento durante a vigência do contrato, não caracterizando o pagamento do Valor Residual Garantido o exercício da opção de compra.
Assim, inexiste a transmudação do contrato de arrendamento mercantil para contrato de compra e venda a prestação, quando previsto no contrato o paga- mento antecipado do Valor Residual Garantido ou mesmo diluído nas prestações.
Mérito.
No caso dos autos, contudo, ainda que tenha o banco apelante legitimidade para se valer das ações possessórias, não merece reforma a decisão de primeira instância que extinguiu o processo sem resolução do mérito.
Como é cediço, para que seja concedida a reinte- gração de posse, de acordo com o art. 927 do CPC, cabe ao autor provar:
I - a sua posse;
II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III - a data da turbação ou do esbulho;
IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.
Portanto, resta claro que, para a ação de reinte- gração de posse, se exige a presença dos requisitos elen- cados no artigo acima transcrito, quais sejam: posse do autor, prática do esbulho e perda da posse.
E a comprovação do esbulho praticado pelo réu, um dos requisitos essenciais, se dá pela notificação pre- monitória, realizada mediante envio de correspondência com aviso de recebimento, como forma de caracterizar a mora do devedor.
Sobre o tema, já se manifestou o ilustre Ministro Xxx Xxxxxx xx Xxxxxx:
[...] Para propor a ação de reintegração de posse, há de exis- tir o pressuposto da mora da arrendatária, pois ela é a causa do esbulho. Havendo a mora, há, consequentemente, a pos- sibilidade de purgá-la. [...] Por isso, tenho que, no leasing, a arrendatária tem o direito de ser previamente notificada para exercer o direito de purgar a mora [...]. Se não for assim, a arrendatária ficará submetida a graves conseqüências pela simples demora, sem que se lhe oportunize demonstrar a inexistência da mora ou o oferecimento da prestação devida. Tratando-se de contrato de adesão celebrado na vigência do Código do Consumidor, devem ser desconsideradas as cláusulas que submeterem o aderente a um regime contra- tual que não se coaduna com os princípios do Código Civil quanto à extinção do contrato, caracterização da mora e
possibilidade de purgá-la (REsp. 139.305/RS).
Vê-se dos autos que o apelante provou sua posse indireta através do contrato de f. 11. Entretanto, não restou comprovada a ocorrência do esbulho, tendo em vista que o documento de f. 12 que o recorrente juntou aos autos como comprovação da mora do recorrido, não evidencia o recebimento pessoal pelo devedor.
Tal documento traduz notificação extrajudicial não expedida por Cartório de Títulos e Documentos, mas produzida pelo escritório de advocacia que assiste ao apelante, não sendo possível auferir-se que foi enviada ao endereço constante no contrato firmado entre as partes, nem que foi recebida pelo recorrido ou por qual- quer outra pessoa, restando clara a ausência de com- provação de que o devedor foi devidamente notificado. Dessa forma, diante da ausência de prova da entrega da notificação extrajudicial pessoalmente ao apelado, entendo que não ficou comprovada a consti- tuição em mora do devedor e, consequentemente, não restou caracterizado o esbulho, razão pela qual se man- tém a decisão que extinguiu o processo sem resolução do mérito, em face da ausência de comprovação regular
da mora.
Sobre a matéria já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 19.12.02, do REsp 187.444-DF, Relator Ministro Xxxxxx Xxxxxxxx:
Prova. Constituição. Mora. Ciência inequívoca. Devedor. Para que seja caracterizada a constituição em mora, é necessário que exista prova nos autos de que o devedor tenha recebido a notificação, não bastando, apenas, a sim- ples postagem da correspondência. Precedentes citados do STF: RE 93.299/PR, STJ; REsp 158.035/DF e REsp
100.688/DF.
No mesmo sentido, já se manifestou este eg. Tribunal no Acórdão de nº 2.0000.00.400287-5/000, Relator Des. Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxx:
Ementa: Reintegração de posse. Leasing. Cobrança anteci- pada de VRG. Descaracterização do contrato. Notificação pessoal. Imprestabilidade. Extinção do processo. [...] Erigida que foi a notificação pessoal em um pressuposto processual, a sua irregularidade leva à extinção do processo.
Com tais considerações, nego provimento ao recurso, mantendo a decisão proferida em primeira instância.
Custas, pelo apelante.
DES. XXXXXXXX XXXXXXX - Preliminares. De acordo com o eminente Revisor.
Mérito.
Vê-se, pelo contrato anexado às f. 11/11v.-TJ, que o Banco Itauleasing S.A. firmou com Xxxxxx Xxxxx Xxxx xx Xxxxx contrato de arrendamento mercantil, tendo como objeto o veículo ali discriminado, ficando estipula- do que este pagaria àquele quarenta e oito parcelas mensais a partir de 10 de novembro de 2007.
Alega o ora apelante, na inicial, que o arrendatário teria se tornado inadimplente a partir de 10 de janeiro de 2009 e sustenta ter constituído o devedor em mora por meio de notificação extrajudicial.
Ressalto, inicialmente, que a notificação extrajudi- cial acostada à f. 12 não foi remetida por qualquer cartório, mas pelo escritório de advocacia que represen- ta o apelante.
Observa-se, entretanto, que não há como compro- var que a correspondência recebida no endereço apon- tado pelo apelante contivesse exatamente a carta notifi- catória.
Esta dúvida não ocorre em caso de notificação enviada pelo Cartório de Títulos e Documentos em face da fé pública do Oficial, que certifica sobre o conteúdo da correspondência.
Consequentemente, por não restar demonstrada a mora do devedor, deve-se extinguir o processo, sem res- olução do mérito, porquanto, nos termos do enunciado da Súmula nº 369 do Superior Tribunal de Justiça, “no contrato de arrendamento mercantil (leasing), ainda que haja cláusula resolutiva expressa, é necessária a notifi- cação prévia do arrendatário para constituí-lo em mora”.
Com tais considerações, também nego provimento ao recurso.
Custas recursais, pelo apelante.
...
Locação - Cobrança - Aluguel - Purga da mora - Custas processuais - Honorários advocatícios - Inclusão - Justiça gratuita - Irrelevância
Ementa: Ação de cobrança de aluguéis. Purga da mora. Necessidade de inclusão das custas processuais e verba honorária. Locatário beneficiário da justiça gratuita. Irrelevância.
- Na ação de despejo por falta de pagamento, exercendo a escusa potestativa da mora, o locatário estará obrigado ao pagamento dos honorários do advo- gado constituído pelo locador e das custas processuais que antecipou, mesmo sendo ele beneficiário da assistência judiciária, nos termos do art. 62, II, d, da Lei nº 8.245/91.
- Efetuada a purga da mora, se o locador alegar que a oferta não é integral, justificando a diferença, o locatário poderá complementar o depósito no prazo de 10 (dez) dias.
AAPPEELLAAÇÇÃÃOO CCÍÍVVEELL NN°° 11..00770022..0099..557722880088-66//000011 -
CCoommaarrccaa ddee UUbbeerrllâânnddiiaa - AAppeellaannttee:: AAnnddrreeaa AAllbbuuqquueerrqquuee MMoorreeiirraa - AAppeellaaddaa:: SSiirrlleeyy AAuugguussttaa ddee AAqquuiilleess - RReellaattoorr:: DDEESS.. LLUUCCAASS PPEERREEIIRRAA
AAccóórrddããoo
Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Xxxxxxx Xxxxxx xx Xxxxx, incorporando neste o relatório de fls., na con- formidade da ata dos julgamentos e das notas taquigrá- ficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO, PARA CASSAR A SENTENÇA.
Belo Horizonte, 5 de agosto de 2010. - Xxxxx Xxxxxxx - Relator.
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DES. XXXXX XXXXXXX - Trata-se de “ação de despejo por falta de pagamento c/c cobrança” ajuizada por Xxxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxxx, em face de Xxxxxx Xxxxxxx xx Xxxxxxx.
Alegou a autora haver locado à ré, em
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO.