DIREITO CONTRATUAL DE AUTOR E LICENÇAS VOLUNTÁRIAS DE EXPLORAÇÃO DA OBRA
DIREITO CONTRATUAL DE AUTOR E LICENÇAS VOLUNTÁRIAS DE EXPLORAÇÃO DA OBRA
Pelo Dr. Xxxxx Xxxxx
Sumário:
Capítulo I — Prolegómenos. § 1.º Introdução; § 2.º Razão de ordem. Capítulo II — Enquadramento de Direito Positivo. Capítulo III — Introdução ao Direito Contratual de Autor. § 3.º Aspectos introdutórios;
§ 4.º O exclusivo de exploração económica; § 5.º Aspectos estruturantes do direito contratual de autor. 5.1. A aplicação subsidiária do Código Civil; 5.2. A solenidade dos negócios com efeitos autorais; 5.3. A regista- bilidade dos atos de disposição; 5.4. A irrelevância (relativa) da aquisição do suporte corpóreo da obra; 5.5. Princípios fundamentais de interpreta- ção contratual. § 6.º Propedêutica dos actos de disposição do conteúdo patrimonial do direito de autor. 6.1. Transmissão; 6.2. Oneração; 6.3. Autorizações ou licenças; 6.4. Critérios de distinção. Capítulo IV — As Licenças de Exploração da Obra. § 7.º Aspectos introdutórios; § 8.º Noção de licença de exploração; § 9.º Objecto do contrato de licença;
§ 10.º Forma do contrato de licença; § 11.º Conteúdo do contrato de licença. 11.1. Formas de exploração autorizadas; 11.2. Prazo da licença;
11.3. Território da licença; 11.4. Preço da licença; 11.5. Segue: conse- quências da falta de indicação dos elementos exigidos por lei. § 12.º Modalidades de licenças; § 13.º Posição jurídica das partes. 13.1. Posição jurídica do autor; 13.2. Posição jurídica do licenciado. § 14.º Efeitos, con- flitos e oponibilidade do contrato de licença. Capítulo V — Natureza Jurídica do Contrato de Licença.
Capítulo I Prolegómenos(1)
§ 1.º Introdução
I. Este trabalho tem como objeto analisar as licenças de exploração de direito de autor, enquanto fenómeno social e jurídico de disposição do conteúdo patrimonial deste direito. A utilização da palavra «exploração» pretende salientar que o que está em causa é a exploração económica da obra protegida por direito de autor através de um terceiro, tipicamente um licenciado(2).
II. Apesar do tímido tratamento a nível doutrinário e juris- prudencial — pelo menos no que concerne ao direito português(3)
—, as licenças, enquanto negócio jurídico, assumem-se, cada vez mais, como o paradigma das transações sobre direitos de explora- ção patrimonial ou de utilização de bens intelectuais(4). Trata-se, em termos simples, de uma modalidade de aproveitamento indireto de uma coisa incorpórea que se traduz na autorização concedida a um terceiro para gozar e fruir um bem imaterial.
(1) Os artigos citados seguidos de (*) encontram-se disponíveis para consulta e descarga no sítio eletrónico <xxx.xxxx.xxx> (Social Science Research Network). Quanto a principais abreviaturas utilizadas: CC (Código Civil), CDADC (Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos), CPI (Código da Propriedade Industrial), DHDA (Diretiva Harmonização de Direitos de Autor), STJ (Supremo Tribunal de Justiça), RL (Relação de Lisboa), RP (Relação do Porto) e UE (União Europeia). As disposições legais citadas, sem indicação da respetiva fonte, pertencem ao CDADC.
(2) Na sua obra, a propósito do direito contratual de autor, XXXXX XXXXX e XXXXX- XXXXXXX XXXXX também usam a expressão «contratos de exploração» para designar os atos de disposição do conteúdo patrimonial do direito de autor — Traité de la Propriété Litté- raire et Artistique, 2.ª ed., Paris, 2001, p. 389.
(3) Há, contudo, que salientar a recente obra coletiva, denominada Contratos de Direito de Autor e de Direito Industrial, Coord. Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, e, no âmbito desta obra, o texto de OLI- VEIRA ASCENSÃO, “A ‘Licença’ no Direito Intelectual”, pp. 93-113.
(4) Em geral, vide, XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos, II, Conteúdo. Con- tratos de Troca, Almedina, 2007, pp. 220 e segs., onde o autor analisa, em termos sumá- rios, os contratos de troca para o uso de coisa incorpórea.
De facto, no Direito Privado, a figura da licença foi sendo ado- tada no âmbito do regime de proteção de direitos sobre descobertas e criações intelectuais como uma forma de disposição de direitos de propriedade industrial(5). Mais tarde, foi importada para o direito de autor como uma forma de concessão, pelo titular do direito a outrem, das potencialidades económicas dos bens imateriais em causa, sendo tipicamente uma atribuição de carácter temporário que não tem qualquer efeito quanto à titularidade do direito de autor.
Por variadas razões, que mais tarde analisaremos, as licenças são o instrumento mais utilizado para potenciar a exploração eco- nómica da obra. Em regra, os autores limitam-se a criar a obra, atribuindo a outrem o direito de utilizar, com cariz económico, a sua criação intelectual por todos os modos admissíveis.
III. Também como veremos mais abaixo, apesar da impor- tância crescente das licenças de direito de autor, o CDADC(6) não contém disposições detalhadas sobre a matéria. Esta circunstância obriga a uma inter-relação contínua entre os aspetos jusautorais das licenças com o quadro civilístico comum do direito dos contratos.
§ 2.º Razão de ordem
I. Esta obra apenas incide sobre as licenças voluntárias(7) de direito de autor. A questão das licenças legais ou obrigatórias (também chamadas compulsórias), cujo um dos exemplos é a licença de tradu-
(5) Para uma análise das licenças no domínio do direito industrial, vide, em espe- cial, CARLOS OLAVO “Contrato de Licença de Exploração de Marca”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 59, vol. I, Janeiro 1999, p. 108, XXXXX XXXXXXXXX, Manual de Direito Industrial e Concorrência Desleal, 3.ª ed., Revista e Aumentada, Xxxxxxxx, 0000, pp. 111-114 e 293-298 e J.P. XXXXXXX XXXXXXX, “Contrato de Licença de Patente”, in Contratos de Direito de Autor e de Direito Industrial, ob. cit., pp. 395-455.
(6) Originalmente aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março. Este diploma já foi objeto de sucessivas alterações. A última através da Lei n.º 65/2012, de 20 de Dezembro.
(7) A expressão também é utilizada por XXXXXXXX ASCENSÃO para contrapor esta realidade às licenças legais e compulsórias — A ‘Licença’ no Direito Intelectual..., ob. cit., p. 96.
ção prevista nos artigos V-ter a V-quater da Convenção Universal do Direito de Autor, fica de fora do seu âmbito. De qualquer forma, men- cionaremos as licenças obrigatórias a propósito da distinção das licen- ças voluntárias, em termos do respetivo facto constitutivo.
Ainda no que respeita ao objeto desta obra, deve referir-se que tomámos como figura de base os casos em que a licença é conce- dida por um único autor. Partimos, portanto, da situação paradig- mática em que a titularidade do direito de autor sobre uma determi- nada obra pertence a um único sujeito.
Desta forma, os casos de criação integrada, onde existem vários titulares da mesma obra, não serão especificamente conside- rados neste trabalho. Embora seja admissível que uma obra feita em colaboração (cf. artigo 17.º) seja objeto de contratos de explo- ração do direito de autor, nomeadamente de uma licença, notamos que esta situação levantaria problemas específicos. Na realidade, o n.º 1 do artigo 17.º determina que “o direito de autor de obra feita em colaboração, na sua unidade, pertence a todos os que nela tive- rem colaborado, aplicando-se ao exercício comum desse direito as regras da compropriedade”. Portanto, à partida, a concessão de uma licença sobre uma obra feita em colaboração dependeria da anuência de todos os titulares. Ora, a situação paradigmática que tivemos em mente é aquela em que a obra tem apenas um titular e, como tal, esse titular pode conceder uma licença a terceiros, sem necessidade da intervenção de outras entidades.
Ainda neste contexto, refira-se que o tema que nos propomos tratar tem especial interesse no caso em que o concedente da licença é o próprio criador intelectual da obra. De facto, neste con- junto de casos o licenciante surge, à partida, como a parte contra- tualmente mais fraca, o que justificaria a aplicação do regime legal (mais protetor) das licenças de direito de autor.
Na verdade, como teremos oportunidade de ver, o CDADC acolhe soluções que, não raro, encontram a sua explicação no obje- tivo de proteção do autor como parte mais fraca perante o licen- ciado(8). Tipicamente, verifica-se esta situação quando o autor da
(8) Neste sentido, XXXXXXXX ASCENSÃO salienta que “basta pensar que a preocupa- ção protetiva do Direito de Autor só se justifica quando é o criador intelectual que está em
obra, ou seja, o titular do direito exclusivo de exploração econó- mica é, simultaneamente, o criador intelectual da mesma. Desta forma, ao longo da nossa exposição, teremos especialmente em vista a situação em que o concedente da licença surge como a parte carecida de intervenção das regras legais, de forma a que exista um desejável equilíbrio contratual entre as respetivas partes. Esta pers- petiva de análise será, assim, transversal a todo o texto.
Acresce referir que esta conclusão surge alicerçada na cir- cunstância de o CDADC parecer adotar como ponto de referên- cia, ao definir o regime dos contratos de direito de autor, o cha- mado contrato primário de direito de autor, ou seja, aquele em que o autor originário, tipicamente o criador intelectual, ou os seus sucessores, autorizam terceiros a utilizar a obra. No entender de OLIVEIRA ASCENSÃO — que acompanhamos nesta matéria —, esta conclusão tem como consequência que a aplicação das dis- posições mais protetoras do autor previstas no CDADC têm de ser cuidadosamente comprovadas em outras situações, como sejam aquelas em que o concedente da licença não seja o criador intelectual(9).
II. Por fim, em termos de sequência de exposição, começa- mos por uma referência ao direito positivo atual, com especial enfoque na questão das licenças de direito de autor. De seguida, faremos uma breve excursão ao conteúdo do direito de autor, tra- çando nesse capítulo uma importante distinção, a nível dogmático e teórico, entre os direitos morais e os direitos patrimoniais.
Neste seguimento, abordaremos depois alguns aspetos rela- cionados com o direito contratual de autor. De facto, parece-nos que não será possível entender, na sua totalidade, o fenómeno das licenças voluntárias de direito de autor se não for feita uma refe-
causa. Se for por sua vez o adquirente do direito de utilização [outra entidade que não o criador intelectual] quem negoceia perante terceiros, já nenhum motivo há para lhe outor- gar uma posição favorável perante esses terceiros. Ora, percorrendo todo o Código, nunca vemos que a lei tenha tido outro paradigma que não o do criador que negoceia dire- tamente a autorização” — Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos, Reimpres- são, Coimbra Editora, 2012, p. 423.
(9) Idem, p. 424.
rência, ainda que genérica, ao quadro legal em que estas se inserem e aos princípios fundamentais que lhe dão forma.
Depois de analisar esta matéria, estamos então em condições de entrar na parte fundamental do tema que nos propomos tratar, ou seja, as licenças voluntárias de direito de autor. Nesse capítulo procuraremos então analisar aspetos tão diferenciados quanto: (i) o objeto do contrato de licença, (ii) os seus requisitos de forma e de conteúdo, (iii) modalidades e efeitos e (iv) a posição jurídica do autor e do licenciado. Por fim, consideraremos a questão polémica da natureza jurídica do contrato de licença.
Capítulo II Enquadramento de Direito Positivo
I. Em termos de coordenadas legais, temos que ressaltar que as fontes existentes não são particularmente extensas(10). De facto, as referências às licenças voluntárias de direito de autor surgem, na maior parte dos casos, na sequência da caracterização do direito de exclusivo de exploração da obra.
II. No que respeita ao direito internacional(11), a Convenção de Berna relativa à Proteção das Obras Literárias e Artísticas é a mais relevante a este propósito, sendo considerada a magna carta do Direito Internacional de Autor(12).
(10) Xxx como destaca XXXXXXXX XXXXXXXX, a propósito dos atos de transmissão em geral, “en cuanto a la transmisión del derecho de explotación por acto entre vivos, los Convenios internacionales no se han ocupado en general de esta materia” — “Transmi- sión y Sucesión”, in Num Novo Mundo do Direito de Autor, tomo II, Cosmos, Lisboa, 1994, p. 459.
(11) Para uma análise das convenções citadas no texto, vide, XXXXX XXXXX XXXXXXX, A Tutela Internacional da Propriedade Intelectual, Almedina, 2008, pp. 101 e segs., OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., pp. 36 e segs., e XXXXXXX XXXXXX, Direito de Autor, Almedina, 2011, pp. 48 e segs.
(12) A expressão é de XXXXX XXXXX XXXXXXX, idem, p. 101.
O artigo 8 salienta que “os autores de obras literárias e artís- ticas protegidas pela presente Convenção gozam, durante toda a duração dos seus direitos sobre a obra original, do direito exclu- sivo de fazer ou autorizar a tradução das suas obras”. No mesmo sentido, o artigo 9, n.º 1, destaca que “os autores de obras literá- rias e artísticas protegidas pela presente Convenção gozam do direito exclusivo de fazer ou autorizar a reprodução das suas obras, de qualquer maneira e por qualquer forma”. Depois, nos artigos 10-bis, 11, 11-bis, 11-ter e 14, coloca-se sempre em desta- que a prerrogativa legal, atribuída ao autor, de autorizar os modos de exploração da sua obra que consistem na comunicação ao público da mesma, seja mediante representação cénica, radiodifu- são, recitação pública ou adaptação e reprodução cinematográfica. Já no artigo 12 consagra-se o direito exclusivo do autor de autori- zar as adaptações, arranjos e outras transformações das suas obras. Como bem se percebe, ao estabelecer que o autor pode, de forma direta ou indireta, explorar a sua obra das mais diversas maneiras, a Convenção de Berna abre a porta à temática do cha- mado direito contratual de autor, onde se incluem naturalmente as licenças. Como referido, as licenças são um dos meios privilegiados para que os autores autorizem a utilização e exploração da sua cria- ção intelectual por parte de terceiros. As licenças acabam, assim, por ser um veículo de exteriorização do consentimento prestado pelo autor para que a utilização da sua obra por terceiros seja lícita.
Também os artigos IV-bis e V da Convenção Universal sobre o Direito de Autor alinham pelo mesmo diapasão. Aqui consagra- se o direito exclusivo do autor de autorizar a exploração da sua obra(13). No mesmo sentido, poderíamos citar os artigos 6.º a 8.º do Tratado da OMPI sobre Direito de Autor.
Portanto, apesar de não existir uma referência específica às licenças de direito de autor, a sua importância emerge da caracteri- zação, feita pelas fontes de direito internacional, do direito de exclusivo. Contudo, há que notar que nas convenções atrás citadas
(13) Deve, contudo, notar-se que esta Convenção prevê, nos artigos V-ter a V-qua- ter, a chamada licença compulsória de tradução. No entanto, como se trata de uma licença que não tem origem voluntária, não a analisamos, de forma específica, neste trabalho.
inexiste qualquer caracterização, ainda que genérica, da estrutura e conteúdo do contrato de licença.
III. A nível do direito da União Europeia(14), o cenário é bastante semelhante. Também aqui não existe qualquer menção específica às licenças de direito de autor. A sua relevância, tal como nas convenções internacionais, surge a propósito da caracte- rização do direito de exclusivo.
Sem qualquer pretensão de exaustividade, podemos mencio- nar o artigo 4.º da Diretiva 91/250/CEE, de 14 de Maio, relativa à proteção jurídica dos programas de computador; os artigos 2.º e 3.º da Diretiva 93/83/CEE, de 27 de Setembro(15), relativa à coordena- ção de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retrans- missão por cabo; o artigo 5.º da Diretiva 96/9/CE, de 11 de Março, relativa à proteção jurídica das bases de dados e, por fim, os artigos 2.º a 4.º da Diretiva 2001/29/CE, de 22 de Maio, respeitante à har- monização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos cone- xos na sociedade da informação.
Importa aqui notar que o Considerando 30 desta última Dire- tiva explica que “os direitos referidos na presente diretiva [ou seja, os direitos de reprodução, comunicação da obra ao público e distri- buição], podem ser transferidos, cedidos ou sujeitos à concessão de licenças numa base contratual, sem prejuízo do direito nacional pertinente em matéria de direito de autor e direitos conexos”. Ora, existe aqui uma expressa (e, diga-se, rara) referência às licenças, como forma de permitir que terceiros participem na exploração económica da obra.
(14) Para uma explicação da evolução do direito da União Europeia a propósito do direito de autor, pode consultar-se XXXXX XXXXX XXXXXXX, A Tutela Internacional…, ob. cit., pp. 118 e segs., e XXXXX XXXXX XXXXXXXXX, “Introduzione al Diritto Europeo della Proprietà Intellettuale”, in AAVV, Direito da Sociedade da Informação, vol. VI, Coimbra Editora, 2006, pp. 29-86.
(15) É interessante notar que o artigo 2.º determina que os autores têm o direito exclusivo de autorizar a comunicação ao público, por satélite, de obras protegidas por direito de autor. Já o artigo 3.º acrescenta que a referida autorização deve ser adquirida contratualmente, o que é uma clara referência aos contratos de direito de autor.
IV. Se ao nível do direito internacional e do direito da União Europeia não existem referências significativas às licenças de direito de autor, a verdade é que o direito nacional também não é muito profícuo nesta matéria. A propósito dos atos de disposição do conteúdo patrimonial do direito de autor ou, de forma mais con- creta, dos negócios de Direitos de Autor, o CDADC apresenta a seguinte sistemática(16).
Começa por regular, em termos gerais, os contratos com efeitos autorais no Capítulo V do Título I (artigos 40.º a 55.º), aí definindo o regime das transmissões, onerações e autorizações. Estamos aqui perante situações em que, após a criação da obra, se verifica um determinado facto jurídico que provoca a constituição de um direito autoral na esfera de um terceiro, permitindo-lhe, assim, explorar economicamente a obra. Tratam-se, por isso, de aquisições deriva- das. Os artigos 40.º e segs., formam, assim, aquilo que poderíamos apelidar de parte geral(17) do “Direito Contratual de Autor”.
Já o Capítulo III do Título II (artigos 83.º a 185.º) regula os chamados contratos típicos e nominados de Direito de Autor(18), como, por exemplo, a edição (artigos 83.º a 106.º), a representação (artigos 107.º a 120.º), a fixação fonográfica e videográfica (artigo 141.º) e a reprodução (artigo 159.º). Este capítulo consagra o que poderíamos chamar de parte especial do “Direito Contratual de Autor”(19).
(16) Sobre o tema, vide, em termos gerais, XXXXX XXXXX, El Derecho de Autor en España y Portugal, tradução do original Das Urheberrecht in Spanien und Portugal, tra- dução de Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx Xxxx, Colección Análisis y Documentos, n.º 1, Ministério de Cultura, 1992, pp. 161-163 e 167 e segs.
(17) A aplicação destas disposições aos negócios de exploração patrimonial da obra é confirmado em diplomas paralelos ao CDADC. Assim, o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 252/94, de 20 de Outubro, relativo à proteção jurídica dos programas de computador, estabelece que aos negócios relativos a direitos sobre programas de computador são aplicá- veis as disposições dos artigos 40.º, 45.º a 51.º e 55.º. Esta remissão até poderia ser dispensá- vel dada a aplicação transversal do CDADC. De qualquer forma, trata-se de um aspecto que confirma a importância da existência de uma parte geral do “Direito Contratual de Autor”.
(18) Vide, neste sentido, XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, “Os Grandes Tipos de Contra- tos de Direito de Autor”, in Num Novo Mundo do Direito de Autor, tomo II, Cosmos, Lis- boa, 1994, pp. 395 e 396.
(19) Distinguindo entre parte geral e parte especial do “Direito Contratual de Autor”, XXXXX XXXXX, El Derecho de Autor en España y Portugal…, ob. cit., pp. 162 e 163.
V. Esta sistemática é muito criticável(20). Desde logo, merece muitas reservas a forma algo descuidada e, quiçá, diletante, com que o legislador nacional tratou a parte geral dos negócios de direito de autor. Com efeito, o regime consagrado é, na maior parte das vezes, insuficiente para prever todas as hipóteses de atos de disposição do conteúdo patrimonial ou, pelo menos, as mais rele- vantes. Mais grave do que isso, contudo, é o facto de o regime esta- tuído acabar por ser complexo e pouco claro. Como se dará conta mais abaixo, o regime previsto nos artigos 40.º a 44.º é claramente insuficiente para acompanhar a dinâmica que o legislador quis imprimir com a consagração de uma ampla liberdade de disposição do conteúdo patrimonial do direito de autor. Ademais, alguns aspectos que a lei trata a propósito do regime da transmissão e da oneração (cf. artigo 43.º) são, na realidade, aplicáveis aos casos de autorização. A seu tempo veremos, com mais atenção, esta matéria. Para além disto, alguns artigos dispersos pelo CDADC, como,
por exemplo, o artigo 68.º, ns. 3 e 4, deveria constar da parte geral, já que consagra princípios fundamentais para a correta compreen- são dos negócios de direito de autor(21).
Numa outra perspectiva, a circunstância de a lei tratar (e con- fundir) dentro do mesmo capítulo ou secção aspectos concernentes ao conteúdo do direito patrimonial de autor (como as faculdades de exploração económica) com matérias atinentes aos negócios auto- rais merece-nos as maiores reservas. A título de exemplo, consi- dere-se a Secção VII, do Capítulo III, do Título II. Aqui se regulam, simultaneamente, aspectos relacionados com o conteúdo do direito de exclusivo, como é o caso da norma contida no artigo 157.º, n.º 1 (que é uma decorrência do direito de comunicação da obra ao público), com a regulação do contrato típico de reprodução (arti- gos 159.º e 160.º).
Finalmente, é ainda de assinalar, em termos negativos, que no mesmo capítulo (Das Utilizações em Especial — Capítulo III do
(20) No sentido exposto no texto, OLIVEIRA ASCENSÃO, que seguimos neste aspecto
— Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., p. 418.
(21) Especificamente neste sentido, XXXXX XXXXX, El Derecho de Autor en España y Portugal…, ob. cit., p. 167.
Título II), a lei trata e mistura o regime de contratos típicos e nomi- nados de Direito de Autor, com o regime especial de determinadas obras objecto de proteção, como é o caso da obra fotográfica (artigo 164.º) e os jornais e outras publicações periódicas (artigo 173.º), circunstância que deixa bastante a desejar do ponto de vista de coerência interna de cada capítulo do CDADC.
Por estas razões, parece-nos que a sistemática do CDADC, na matéria do direito contratual de autor, mereceria um tratamento mais aprofundado e rigoroso.
De qualquer forma, a distinção entre uma parte geral e uma parte especial do direito contratual de autor tem algumas vanta- gens. Uma delas é a circunstância de a parte geral conter disposi- ções que, em princípio, devem ser aplicáveis aos tipos específicos de contratos de Direito de Autor(22), servindo para integrar ou com- plementar a sua regulamentação especial. No fundo, segue-se aqui uma sistemática parecida à do Direito das Obrigações, com uma divisão entre uma parte geral e uma parte especial.
Pode ainda acrescentar-se que a existência de uma parte geral, pautada por uma regulação genérica, ampla e abrangente, de tipos de atos de disposição favorece também a liberdade contratual das partes (artigo 405.º do CC), nomeadamente a do titular do direito patrimonial de autor. É por isso correto afirmar-se que os tipos con- tratuais nominados, detalhados na parte especial do CDADC (arti- gos 83.º a 185.º), não esgotam os atos de disposição sobre o con- teúdo patrimonial do direito de autor, sendo lícito configurar, à luz do princípio da autonomia da vontade, outros negócios, ainda que inominados, que produzam os efeitos ali previstos(23).
(22) Salientando esta virtualidade, XXXXX XXXXX, El Derecho de Autor…, ob. cit.,
p. 162.
(23) De qualquer forma, apesar da atipicidade dos negócios, é de salientar que OLI- VEIRA ASCENSÃO defende que existe uma tipicidade de conteúdo, o que o autor entende não como uma limitação ao conteúdo do negócio em si, mas como o princípio que determina que só as figuras típicas beneficiam do carácter absoluto próprio do direito de autor — Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., pp. 420 e 421.
Capítulo III
Introdução ao Direito Contratual de Autor(24)
§ 3.º Aspectos introdutórios
I. O fenómeno das licenças de direito de autor não pode ser rigorosamente apreendido sem que, primeiramente, se analise o quadro geral onde ele se insere. Na realidade, as licenças consti-
(24) Acompanhando aqui XXXXXXXX X. XX XXXXXXX e XXXXX XXXXXXX, I Contratti di Diritto di Autore, Dott. A. Giuffrè Editore, Milão, 2000, p. 10, podemos referir que o direito contratual de autor é aquela parte do direito das obrigações que se caracteriza pelo facto de o autor, como criador intelectual da obra e, em alguns casos, titular original da mesma, ser parte num contrato. Numa perspectiva mais ampla, o direito contratual de autor pode abarcar todos os negócios que tivessem como objecto o direito de exploração econó- mica da obra, fossem praticados pelo autor ou por outro sujeito que viesse a ser titular do direito de autor. Sobre o tema, vide, entre nós, sem sermos exaustivos, XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, Os Grandes Tipos de Contratos..., ob. cit., pp. 395-404, XXXXXXX XXXXXX, Direito de Autor, ob. cit., pp. 193-240, e, na doutrina estrangeira, entre outros, XXXXXX XXXXXX, Il Diritto di Autore, 3.ª ed., Parte II, Società Editrice Libraria, Milão, 1932, pp. 000-000, XXXXXX XXXXXXXX, Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxx et Artistique, 10.ª ed., Dalloz, 1980, pp. 251-297, XXXXXX XXXXX XXXX, Contrato de Edición Literaria (Un Estudio del Derecho de Autor Aplicado al Campo de la Contratación), Granada, 1994, pp. 123-169, XXXXXXXX XXXXXXXX, Transmisión y Sucesión…, ob. cit., pp. 459-467, XXXXXX XXXXXXXX-XXXX, Les Contrats d’ Exploitation du Droit de Proprieté Littéraire et Artistique. Étude de Droit Comparé et de Droit International Privé, Joly Editions, Paris, 1995, XXXXXXXX X. XX XXXXXXX e XXXXX XXXXXXX, I Contratti di Diritto di Autore…ob. cit., XXXXXXX XX XXXXXXXX e XXXXXX XXXXXXX, Précis du Droit d’ Auteur et des Droits Voisins, Bruylant, Bruxelas, 2000, pp. 311-335, XXXXX XXXXX e XXXXX-XXXXXXX XXXXX, Traité de la Propriété Litté- raire et Artistique…, ob. cit., pp. 390-445, KAMEN TROLLER, Précis du Droit Suisse des Biens Immatériels, 2.ª ed., Helbing & Lichtenhahn, Genève, pp. 283-312, onde o autor analisa, em conjunto, os negócios jurídicos sobre bens imateriais, incluindo, portanto, a propriedade industrial, XXXXX XXXXXXX, Le Droit d’ Auteur en France, 10.ª ed., Dalloz, pp. 548-658, XXXXXX XXXXXXX e XXXX XXXXXXX — Intellectual Property Law, 3.ª ed., Xxxxxx, 0000, pp. 261 e segs., e XXXXX X. BAINBRIDGE, Intellectual Property, 7.ª ed., Pear- son Education Limited, 2009, pp. 99-112. Para uma análise à lei aplicável aos contratos de direito de autor, vide, XXXXX XXXXX XXXXXXX, “Direito Internacional de Autor”, in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Xxxxxx xx Xxxxxxxxx Xxxxxxx, vol. I, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 469-506, onde o autor examina a aplicação da Convenção de Roma de 1980, sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, aos contratos de direito de autor, em especial nos contratos de licença, concluindo por considerar que, na falta de escolha das partes, a lei aplicável será a do país do beneficiário da licença, já que é a parte obrigada a fornecer a prestação característica do contrato.
tuem uma das modalidades de disposição do conteúdo patrimonial do direito de autor e um dos negócios de direitos de autor que o CDADC regula, em termos genéricos, no Capítulo V do Título I. O propósito deste capítulo é, portanto, analisar, com finalidades propedêuticas, este quadro geral e daí retirar alguns princípios fun- damentais para uma compreensão mais correta e completa das licenças de direito de autor.
II. Comece-se por notar que o direito de autor é uma reali- dade complexa e particularmente rica para a dogmática jurídica. Evidenciando a riqueza deste direito, o artigo 9.º, n.º 1, sob a epí- grafe “Conteúdo do Direito de Autor”, destaca que o “direito de autor abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de natu- reza pessoal, denominados direitos morais”. No conteúdo deste direito podem assim identificar-se, pelo menos, duas situações jurí- dicas complexas, de natureza e características diferentes, uma de carácter pessoal e outra de índole patrimonial(25).
No direito pessoal de autor(26) está essencialmente em causa a proteção da personalidade do autor e da sua liberdade criativa(27).
(25) Quanto a esta bipartição, cf., os acórdãos do STJ de 21.04.1988, de 21.05.1998, de 30.06.2008 e de 01.07.2008.
(26) A componente pessoal do direito de autor tem um conteúdo particular. Uma análise mais analítica da sua fisionomia permite detectar diversas situações jurídicas ati- vas. A doutrina tem apontado que o núcleo essencial do direito pessoal de autor pode ser dissecado em vários poderes principais. São eles: o direito ao inédito, o direito à identifica- ção na obra, o direito ao anonimato, o direito ao reconhecimento da paternidade, o direito à integridade da obra, o direito de modificação e o direito de retirada.
(27) Neste sentido, XXXXXXX XX XXXXXXXX, que fala numa vertente juspersonalís- tica do direito de autor — “Os Direitos de Personalidade de Autor”, in Num Novo Mundo do Direito de Autor, tomo II, Cosmos, Lisboa, 1994, p. 546, XXXXXXXXX XXXX XXXXXXX, que defende que “a razão de ser do direito moral é proteger a honra e reputação do autor, enquanto tal (…). À semelhança do direito à imagem previsto no Código Civil (…), o direito moral protege a personalidade o autor (…). Por isso se trata de um direito de per- sonalidade — Direitos de Autor e Liberdade de Informação, Xxxxxxxx, Xxxxxxx, 0000,
p. 466 e XXXX XXXXX, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., com a colaboração de Xxxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxx Xxxxx, Coimbra Editora, 2005, p. 337. Também OLIVEIRA ASCENSÃO parece alinhar neste sentido, apesar de a sua posição ser menos clara, Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., pp. 668-670. XXXXXXX XXXXX defende expressamente esta posição, considerando que: “partant de ces principes, on est obligé d’admettre que l’auteur, à côté et indépendamment du droit pécuniaire, doit avoir
Em termos jusfilosóficos, estamos aqui verdadeiramente na esfera de autodeterminação do indivíduo, o qual, através da sua atividade criatividade, faz projetar na sociedade uma obra própria, que é uma expressão do seu espírito, como ser humano criador. Sendo as obras literárias ou artísticas um contributo pessoal do criador e uma expressão da sua personalidade, o direito moral pretende tute- lar esse “laço” pessoal entre a obra e o seu autor(28).
Mas para a análise das licenças de direito de autor interessa, sobretudo, atentar no conteúdo patrimonial deste direito(29). Ao contrário dos direitos de natureza pessoal, trata-se aqui de um con- junto heterogéneo de situações jurídicas patrimoniais que resultam do ato criativo(30) e que não têm um limite preciso definido na lei. Todavia, é pacífico considerar que o núcleo central da componente patrimonial do direito de autor é constituído pelo exclusivo de exploração económica, o qual admite no seu seio várias ramifica- ções que, não raro, em termos técnico-jurídicos, se reconduzem a faculdades ou poderes de utilização dirigidos à exploração econó- mica da obra(31). Atualmente, é pacífico considerar (sobretudo
sur son ouvre, avant comme âpres sa publication, une pleine souveraineté morale qui lui permette, sous le couvert de cette ouvre, de défendre sa personnalité ou sa renommée — Du Droit Moral de L’Auteur, Imprimerie J. Xxxxxxx, Xxxxxxx, 0000, pp. 12-13. Contra, XXXX XXXXXXX XXXXXX, A Estrutura do Direito de Autor no Ordenamento Jurídico Português, AAFDL, Lisboa, 1992, pp. 69-74 e XXXXXXX XX XX X XXXXX, O Direito Pessoal de Autor no Ordenamento Jurídico Português, Sociedade Portuguesa de Autores, Lisboa, 1989, pp. 145 e segs.
(28) Xxx como salienta XXXXXXX XXXXX, “L’ouvre ne consiste pas dans un simple agencement de matière dont l’auteur puisse se désintéresser après l’avoir façonnée; c’est un objet représentatif d’idées présentées sous une forme déterminée. Ces idées son celles de l’auteur, et il existe entre elles et lui un lien, pour ainsi dire, indissoluble. Les idées étant un attribut de la personnalité et se confondant avec elle (…)” — Du Droit Moral de L’Auteur…, ob. cit., p. 11.
(29) Sobre o tema, vide, sem sermos exaustivos, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., pp. 197-210, XXXXXXXXX XXXX XXXXXXX, Direitos de Autor…, ob. cit., pp. 489 e segs., XXXX XXXXXXXXX XXXXXXX, Introdução ao Direito de Autor, vol. I, Lisboa, SPA, Dom Quixote, 1994, pp. 133-154, XXXXXXX XXXXXXX, O Direito de Reprodução de Obras Literárias e Artísticas no Ambiente Digital, Coimbra Editora, 2006, pp. 85 e segs., em especial, pp. 100-108, XXXXXXX XXXXXX, Direito de Autor..., ob. cit., pp. 122 e segs., e XXXXXX XXXXXX, Il Diritto di Autore, ob. cit., pp. 424-510.
(30) Vide, neste sentido, XXXX XXXXXXX XXXXXX, A Estrutura do Direito de Autor…, ob. cit., p. 51.
(31) Sobre esta matéria, vide, com indicações sobre jurisdições estrangeiras, ALE-
após a publicação da DHDA) que o âmago do direito exclusivo de exploração económica compreende, fundamentalmente, quatro direitos de utilização distintos sobre a obra: direito de reprodução, direito de distribuição, direito de comunicação da obra ao público e direito de transformação.
XXXXXX XXXX XXXXXXX, Direitos de Autor…, ob. cit., pp. 492 e segs., e XXXXXXX XXXXXXX, O Direito de Reprodução…, ob. cit., pp. 105 e segs. Uma das primeiras tentativas de orde- nação foi realizada por XXXXXX XXXXXXX e ALMENO DE SÁ. Estes autores distinguem dois grandes tipos de direitos de utilização: (i) o direito de reprodução (reportando-se à fixação material da obra que permite a sua comunicação de forma indireta) e (ii) o direito de comu- nicação (englobando as formas de apresentação direta das obras ao público, como a recita- ção, execução pública, a representação, a radiodifusão, etc.). É uma proposta muito pró- xima da posição normativa do direito francês — “Direito de Autor e Comunicação Pública de Emissões de Rádio e Televisão”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1994. Esta posição, com algumas nuances, parece ser seguida por XXXX XXXX- XXXXX REBELLO, Introdução ao Direito de Autor…, ob. cit., pp. 201 e segs. Um outro modelo, entre nós seguido por XXXXXXXX XXXXXXXX, distingue no direito de exclusivo as faculdades essenciais e faculdades instrumentais atendendo ao seu conteúdo e finalida- des. Nas primeiras procede-se diretamente ao aproveitamento da obra e assim se concre- tiza o exclusivo de exploração económica; as segundas são meramente instrumentais em relação a esse aproveitamento, constituindo apenas atos preparatórios da exploração eco- nómica da obra. Assim, para este autor, seriam faculdades instrumentais a fixação, a reprodução, a transformação, etc., e faculdades essenciais a apresentação da obra ao público (incluindo, por exemplo, a recitação, execução e exibição cinematográfica), a representação de obras fixadas, a comunicação em ambiente diferente e a construção de obra arquitectónica. Esta posição aproxima-se da tipologia utilizada na lei alemã, que dis- tingue entre formas de exploração corpóreas e incorpóreas. Uma consequência impor- tante desta classificação, para este autor, é a circunstância de as faculdades essenciais ou substanciais serem atípicas, podendo incluir novos poderes de exploração desde que se amoldem ao conceito de exploração económica; já as faculdades instrumentais, por não corresponderem a nenhum conceito, são típicas e só se admitem as previstas na lei — Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., pp. 206-208. Esta posição é também seguida por XXXX XXXXXXX XXXXXX, A Estrutura do Direito de Autor…, ob. cit.,
p. 57, embora este autor se refira a poderes e não a faculdades para designar a mesma rea- lidade jurídica. Um terceiro modelo, que podemos apelidar de síntese, decorre direta- mente da DHDA (Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos cone- xos na sociedade da informação). Este ato normativo definiu três grandes grupos de direi- tos autorais de conteúdo económico: o direito de reprodução, o direito de comunicação da obra ao público e o direito de distribuição. Tipicamente, costuma incluir-se ainda nesta tipologia o direito de transformação. De notar que esta é a solução seguida na lei espa- nhola (cf., artigos 17.º e segs. do Real Decreto Legislativo 1/1996, que aprova a Lei da Propriedade Intelectual).
§ 4.º O exclusivo de exploração económica
I. A atribuição do direito de exclusivo ao autor pelo ato de criação decorre, desde logo, do artigo 9.º, n.º 2, onde se estabelece que “no exercício dos direitos de carácter patrimonial o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total ou par- cialmente”. A mesma ideia é repisada, mais à frente, no artigo 67.º, n.º 1, quando se determina que “o autor tem o direito exclusivo de fruir e utilizar a obra, no todo ou em parte, no que se compreen- dem, nomeadamente, as faculdades de a divulgar, publicar e explorar economicamente por qualquer forma, direta ou indireta- mente, nos limites da lei” (sublinhados nossos)(32).
A atribuição de um direito de exclusivo justifica-se pelas cir- cunstâncias especiais da criação intelectual. Com efeito, o resultado da criação é, por definição, um bem ou uma coisa incorpórea, insus- ceptível de apropriação individual(33). A sua particular natureza levaria, na falta de tutela, a que todas as pessoas a pudessem utilizar em seu próprio benefício e sem qualquer autorização do criador. Por conseguinte, de forma a proteger a criação e a atividade do espírito, foi necessário desenhar, a nível legal, um exclusivo de utilização da obra concedido a certo sujeito (tipicamente o criador), proibindo todos os demais de utilizarem ou explorarem o resultado da criação (a obra) sem o consentimento do respectivo titular(34). Cria-se,
(32) Tal como referido, a Convenção de Berna acolhe este princípio nos artigos 8.º, 9.º, 11.º, 11.º bis, 11.º ter, 12.º e 14.º. Em todos se fala no direito exclusivo dos autores de obras literárias e artísticas protegidas pela Convenção de autorizar as diferentes modalida- des de utilização dessas obras.
(33) Neste sentido, XXXXX ARE, referindo que “La mancanza di localizzazione nello spazio e l’astrattezza e la circolabilità dell’opera in un indefinito numero di esem- plari, implicano, con ho accennato, una possibilità di plurimo integrale godimento, che è invece da escludersi per le cose materiale a causa della loro stessa fisica unicità, e corris- pondente una impossibilità di possesso esclusivo e, quindi, di tutela possessoria e di usu- capione, una volta che l’opera, attraverso la pubblicazione (implicita nell’utilizzazione economica del bene), sia uscita dalla sfera privata dell’autore per passare alla conos- cenza di un determinato numero di soggetti” — L’ Oggetto del Diritto di Autore, Dott. A Giuffrè, Milão, 1963, pp. 260-261.
(34) Neste sentido, XXXXX XXXXX XXXXXXX, A Tutela Internacional…, ob. cit., p. 15 e OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., pp. 11-12.
assim, um espaço de atuação reservada que advém não da apro- priação da coisa imaterial (como ocorre nas coisas físicas), mas sim do cerceamento da liberdade de atuação dos demais sujeitos da sociedade(35).
Ao contrário do que sucede nos direitos pessoais, o direito de exclusivo têm como principal objetivo colocar sob o controlo do autor a utilização, aproveitamento ou exploração económica da sua obra. Isto resulta de forma clara do artigo 67.º, n.º 2, quando se refere que “a garantia das vantagens patrimoniais resultantes dessa exploração constitui, do ponto de vista económico, o objecto fundamental da proteção legal”(36). Como decorre desta norma, o que a lei pretende reservar para o autor não são todas e quaisquer formas de exploração ou utilização da obra, mas apenas aquelas que se traduzem num aproveitamento económico deste bem imate- rial(37).
Daqui decorrem duas importantes consequências: a primeira é a de que todos os atos que atinjam, ou sejam susceptíveis de atin- gir, a exploração económica da obra (não sendo forçoso existir um intuito lucrativo, bastando existir uma mera aptidão para tal(38))
(35) OLIVEIRA ASCENSÃO, idem, p. 685.
(36) Contudo, importa salientar que alguma doutrina entende que os direitos de uti- lização não representam puros direitos patrimoniais já que conteriam, simultaneamente, aspectos que se inserem no âmbito moral ou pessoal de autor. Vide, ALMENO DE SÁ, “Liber- dade no Direito de Autor: A Caminho das Condições Gerais do Contrato”, in Num Novo Mundo do Direito de Autor, tomo II, Cosmos, Lisboa, 1994, p. 388.
(37) XXXX XXXXXXX XXXXXX refere a este propósito o seguinte: “a susceptibilidade de exploração económica marca, desta forma, a extensão da proteção legal — de carácter patrimonial — à obra e delimita a fronteira entre o exclusivo do autor, entendido neste contexto como titular do direito de autor, e a liberdade de terceiros, no sentido de todos os outros, no acesso e desfrute intelectual da obra” — “Download de Obra Protegida pelo Direito de Autor e Uso Privado”, in AAVV, Direito da Sociedade da Informação, vol. VIII, Coimbra Editora, 2009, p. 441.
(38) Do artigo 108.º, n.º 1, emerge um princípio importante nesta matéria. Aqui se estabelece que “a utilização da obra por representação depende da autorização do autor, quer a representação se realize em lugar público, quer em lugar privado, com ou sem entradas pagas, com ou sem fim lucrativo” (sem destaque no original). Tal como defen- dem FERRER CORREIA e ALMENO DE SÁ, “é hoje pacífico o princípio de que é devida ao autor uma compensação económica sempre que a obra é utilizada, mesmo que da utiliza- ção não resulte qualquer benefício económico. A remuneração é, pois, independente do lucro ou proveito propiciado pelo uso da obra (...). É da essência do direito de utilização
necessitam, por força do direito de exclusivo, de autorização do titular do direito, sendo ilícitos em caso contrário; a segunda, é de que todos os atos que não envolvam exploração económica da obra estão excluídos do direito de exclusivo(39).
II. Em acréscimo à análise ao conteúdo do direito de exclu- sivo, importa ainda destacar alguns princípios conformadores, que permitem uma melhor caracterização do direito patrimonial de autor(40). São eles: (i) o princípio da indeterminação, (ii) o princí- pio da destinação e (iii) o princípio da autonomia.
O princípio da indeterminação faz relevar a circunstância de o direito de exploração económica não ser limitado a formas de utili- zação taxativamente tipificadas. Trata-se de um direito de contornos fluidos e flexíveis. Esta ideia resulta, de forma clara, do artigo 68.º, n.º 1, onde se refere que “a exploração e, em geral, a utilização da obra podem fazer-se, segundo a sua espécie e natureza, por qual- quer dos modos atualmente conhecidos ou que de futuro o venham a ser” (sublinhado nosso). Também o artigo 68.º, n.º 2, ao
assegurar ao autor o controlo sobre o aproveitamento da obra, sem que importe saber se o utilizador tem ou não em vista a obtenção de lucros” — Direito de Autor e Comunicação Pública..., ob. cit., p. 132.
(39) Intervêm aqui considerações de ordem diversa que se destinam a atingir um ponto de equilíbrio entre a tutela exclusiva atribuída ao nível do sistema de Direito de Autor com as necessidade sociais, culturais e colectivas de acesso livre a bens intelectuais. Trata-se aqui da função social do direito de exclusivo, o qual exige a sua compatibilização com o interesse da colectividade. São considerações desta ordem que também justificam que a tutela do Direito de Autor seja transitória. Findo o prazo de proteção (na nossa lei, regra geral, 70 anos após a morte do criador intelectual — artigo 31.º), prevalece o princí- pio da liberdade. Assim, o direito de autor só se prolonga o tempo suficiente para permitir recompensar o contributo intelectual trazido para a sociedade através da criação. Para uma análise desta problemática e as questões levantadas pelo cerceamento do espaço de liber- dade provocado pelo direito de exclusivo, vide, OLIVEIRA ASCENSÃO, “Direito Intelectual, Exclusivo e Liberdade”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 61, vol. III, Dezembro 2001, pp. 1195-1217, XXXXX XXXXXXXXX “Liberdade e Exclusivo na Constituição”, in AAVV, Direito Industrial, vol. IV, Almedina, 2005, pp. 57-71 e REMÉDIO MARQUES, “Pro- priedade Intelectual, Exclusivos e Interesse Público, in AAVV, Direito Industrial, vol. IV, Almedina, 2005, pp. 199-235.
(40) Em termos rigorosos, como se verá mais abaixo, alguns destes princípios, em particular o princípio da destinação, deveriam constar da parte do CDADC que trata dos negócios de Direito de Autor, ou seja, nos artigos 40.º segs.
enumerar as formas de exploração da obra, utiliza uma fórmula abrangente, indicando claramente que se trata de uma listagem meramente indicativa, que não preclude ou afasta outras formas de exploração. O exclusivo de exploração é, por isso, um direito elás- tico capaz de captar no seu conteúdo todas as formas de aproveita- mento económico da obra, ainda que não conhecidas ou utilizadas no momento da criação. Parece-nos ser assim correto afirmar que “todos os modos, em abstracto, pelos quais seja possível realizar a exploração económica pertencem ao autor”(41).
Já o princípio da destinação coloca em destaque a prerroga- tiva exclusiva do titular do direito patrimonial em “escolher livre- mente os processos e as condições de utilização e exploração da obra” (artigo 68.º, n.º 3). Transparece desta regra a finalidade do exclusivo em colocar sob o comando do titular do direito o con- trolo da utilização da sua obra. É a ele que compete definir quais as formas de exploração da sua obra por terceiros, alargando ou res- tringindo os atos de exploração que se podem exercer sobre a mesma. Assim, por exemplo, uma autorização para a edição de um livro, em suporte físico, só autoriza o editor a fazer a edição dessa obra através do meio autorizado (físico), sendo-lhe vedada, por exemplo, a edição electrónica da mesma obra.
Por fim, o princípio da autonomia surge plasmado no artigo 68.º, n.º 4, onde se estabelece que “as diversas formas de utilização da obra são independentes umas das outras e a adopção de qualquer delas pelo autor ou pessoa habilitada não prejudica a adopção das restantes pelo autor ou terceiros”. Ora, numa visão congregada dos princípios da destinação e da autonomia, parece claro que o seu objectivo é potenciar a maximização da exploração económica da obra, permitindo, por um lado, que o autor determine quais os modos de exploração da obra concedidos a terceiros e, por outro, estabelecendo que o exercício de uma das formas de exploração não afecta as demais. Por esta razão, nada impede que o direito de repro- dução da obra seja concedido a um editor e o direito de transforma- ção da mesma obra seja concedido a um estúdio de cinema. Todavia,
(41) XXXX XXXXXXX XXXXXX, A Estrutura do Direito de Autor…, ob. cit., p. 52. No mesmo sentido, XXXXXX XXXXXX, Il Diritto di Autore…, ob. cit., p. 399.
note-se que este princípio é válido quer para formas diferentes de utilização da obra, como também para formas idênticas(42).
III. O titular do direito de exclusivo, por exemplo, o criador intelectual, pode, como é evidente, utilizar, explorar e fruir direta- mente a sua obra. Assim, nada o impede de reproduzir a sua obra literária ou artística, distribuí-la ou comunicá-la ao público. Esta- ríamos assim perante uma exploração direta da obra. No entanto, importa reconhecer que, na maioria dos casos, não é isso que acon- tece. Seja por dificuldades financeiras, operacionais, logísticas ou outras, a obra acaba, quase sempre, por ser objecto de atos de exploração praticados por terceiros. Estamos então aí no campo da exploração indireta, a qual encontra conforto nos artigos 9.º, n.º 2 e 67.º, n.º 1. Mas para que terceiros utilizem licitamente a obra, é necessário que o titular do direito de autor assim o autorize (cf. artigo 9.º, n.º 1 in fine). Caso não exista autorização, os atos praticados por terceiros serão ilícitos e entramos no campo da vio- lação do direito de autor, podendo tais atos consistir um caso de usurpação (cf. artigo 195.º).
Assim, de forma a assegurar ao titular do direito patrimonial os meios suficientes para alcançar a exploração económica que lhe está reservada, o legislador, não só definiu um conteúdo muito abrangente para o direito patrimonial de autor, como consagrou uma ampla (diríamos mesmo amplíssima...) autonomia negocial nesta matéria. De facto, o CDADC prevê um conjunto significa- tivo de negócios com efeitos autorais que permitem a terceiros, de uma forma legal, utilizar e explorar uma obra protegida.
Basta atentar na redação do artigo 40.º para perceber a ampla liberdade de disposição do conteúdo patrimonial do direito de autor. De acordo com este artigo “o titular originário, bem como os seus sucessores ou transmissários podem: a) autorizar a utiliza- ção da obra por terceiro; b) transmitir ou onerar, no todo ou em parte, o conteúdo patrimonial do direito de autor sobre essa
(42) Por exemplo, o autor que concede autorização para uma edição da sua obra, pode sempre contratar a reedição da mesma com outro editor e pode sempre fazê-lo para a edição completa ou conjunta das suas obras). Cf., artigo 103.º, n.º 1.
obra”. Prevêem-se aqui três atos distintos de disposição do con- teúdo patrimonial do direito de autor: a transmissão, a oneração e a mera utilização(43). Este aspeto marca uma importante diferença do conteúdo patrimonial do direito de autor em relação ao conteúdo pessoal. É que enquanto na componente pessoal há limitações sig- nificativas no que toca à liberdade de disposição dos respetivos direitos(44), nos direitos de exploração económica existe uma ampla liberdade de disposição, podendo os respetivos direitos ser transmitidos, onerados ou licenciados a terceiros(45).
§ 5.º Aspectos estruturantes do direito contratual de autor
5.1. A aplicação subsidiária do Código Civil
Ao considerar o direito contratual de autor, um dos primeiros aspectos que importa chamar à atenção é a sua permeabilidade e aproximação às regras comuns civilísticas. Vale a pena convocar aqui a regra do artigo 1302.º, n.º 2, do CC, que refere que as regras do Código Civil são subsidiariamente aplicáveis à Propriedade
(43) A forma como o CDADC surge configurado nesta matéria permite combinar várias hipóteses de negócios dispositivos sobre o conteúdo patrimonial do direito de autor. O objectivo, assim parece, passa pela maximização da exploração económica da obra. Assim, admite-se que o titular do direito patrimonial possa transmitir ou onerar o seu direito, no todo ou apenas em parte, assim como autorizar terceiros a utilizar a sua obra, de forma exclusiva ou não.
(44) O artigo 56.º, n.º 2, é expresso em que determinar que os direitos morais ou pessoais de autor são inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis e o artigo 42.º deter- mina que “não podem ser objeto de transmissão nem oneração, voluntárias ou forçadas, os poderes concedidos para tutela dos direitos morais (...)”.
(45) No direito italiano a situação é idêntica. Tal como destaca XXXXXXXX X. XX XXXXXXX e XXXXX XXXXXXX, “L’attività contrattuale nel campo del diritto di autore ha a oggetto i diritti di utilizzazione economica delle opere dell’ingegno (...). Nell’attività con- trattuale non possono essere presi in considerazione i diritti morali di autore, che costi- tuiscono l’altro aspetto dei diritti che la legge riserva agli autori e che sono posti a difesa della loro personalità. Essi sono indipendenti dai diritti di utilizzazione economica e anche dopo la cessione di questi restano nella disponibilità dell’ autore (...). Considerata la loro natura, i diritti morali non sono suscettibili di alienazione e costituiscono, quindi, un limite all’attività contrattuale” — I Contratti di Diritto di Autore…, ob. cit., pp. 7 e 8.
Intelectual, onde se inclui o Direito de Autor, quando “se harmoni- zem com a natureza daqueles direitos e não contrariem o regime para eles especialmente estabelecido”. Desta forma, parece-nos ser pacífico considerar que o regime dos negócios de Direito de Autor deve ser complementado e integrado pela aplicação do Código Civil(46). Esta conclusão tem, a nosso ver, pelo menos três consequências relevantes.
Primeira, o regime civil comum em matéria de formação, interpretação, execução e eficácia de contratos é plenamente apli- cável aos negócios de Direito de Autor(47) e deve servir para com- plementar o regime previsto no CDADC. Além disso, são ainda aplicáveis aos negócios de Direito de Autor os princípios comuns de Direito Civil, como a boa-fé na negociação dos contratos (artigo 227.º do CC) e a sujeição ao abuso de direito (artigo 334.º do CC). Como veremos, será importante ter estes aspectos em atenção quando analisarmos as licenças de direito de autor.
Segunda, a análise à disciplina legal das transmissões, onera- ções ou autorizações de Direito de Autor permite, desde já, consi- derar que estamos perante tipos contratuais abstractos(48). Tal como salienta OLIVEIRA ASCENSÃO, referindo-se ao regime dos arti- gos 40.º e segs., “estes actos de autorização revestem tipos nego- ciais específicos, segundo o seu objectivo. Esses tipos ou formas podem ser os mais variados. Aqui não encontramos vinculação
(46) XXXXXXXXX XXXX XXXXXXX, Direitos de Autor…, ob. cit., p. 197. De igual forma, XXXXXX XXXXXXXX, Os Grandes Tipos de Contratos de Direito de Autor…, ob. cit., p. 397. Também J.A.L. XXXXXXXX destaca o seguinte a este propósito: “There is first what may be called the general law of contract, applicable in respect of all contracts, whether involving copyright or not. Then there is what might be called copyright contract law, dealing with contractual issues specifically related to the exercise of copyright, rela- ted rights and the associated sui generis rights, such as the form and content of contracts concerning assignment and licencing, capacity of parties to deal with future works, publishing contracts and so forth” — world Copyright Law, 2.ª ed., Xxxxx & Xxxxxxx, Londres, 2003, p. 488.
(47) Neste sentido, XXXXXXX XX XXXXXXXX e XXXXXX XXXXXXX, Précis du Droit d’Auteur…, ob. cit., p. 312 e XXXXX XXXXX e XXXXX-XXXXXXX XXXXX, Traité de la Propriété Littéraire et Artistique…, ob. cit., p. 394.
(48) Neste sentido, XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX, A Eficácia dos Contratos de Direito de Autor, Almedina, 1995, p. 27.
legal ao uso de modelos determinados. Vigora um verdadeiro prin- cípio da atipicidade das formas negociais (…)”(49).
Na verdade, parece-nos que o que a lei disciplina são efeitos jurídicos (transmissão, oneração e autorização), mas nada aponta sobre quais os negócios concretos que podem estar na origem des- ses efeitos(50). Há, portanto, aqui um princípio de atipicidade das formas negociais. Desta forma, nada impede que contratos não tipificados no CDADC, como é o caso dos contratos do Código Civil, produzam efeitos autorais. Assim, é admissível que a trans- missão do direito patrimonial de autor se faça através de um con- trato de compra e venda ou através de uma doação, consoante, res- pectivamente, exista ou não um preço.
Aliás, no que toca ao efeito translativo do direito patrimo- nial de autor, importa notar que a maior parte dos contratos nominados de Direito de Autor regulados no Capítulo III do Título II não é apta a produzir tal efeito, pelo que, necessaria- mente, se tem de recorrer a outros negócios jurídicos não espe- cialmente regulados no CDADC(51). De facto, os contratos com maior regulação legal, como é o caso da edição, representação e fixação, não têm como efeito — pelo menos na formulação típica prevista na lei — a transmissão do direito patrimonial de autor para um terceiro; limitam-se a autorizar que um terceiro exerça determinados atos de exploração sobre a obra, sem afectar a titu- laridade do direito.
Terceiro, o CDADC refere determinadas figuras jurídicas cujo entendimento e análise não estarão completas sem uma confronta- ção com o regime previsto no Código Civil. Um dos melhores exemplos desta conclusão é o que se dispõe a propósito do usufruto no artigo 45.º. À luz do disposto no artigo 1302.º do CC, as regras
(49) Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., p. 419.
(50) Neste sentido, XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX, “Contratos da Propriedade Inte- lectual. Uma síntese”, in Contratos de Direito de Autor..., ob. cit., pp. 10, 13 e 14.
(51) XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX xxxxxxxx, a este propósito, que “deveremos supor que a lei não prevê tipos concretos de transmissão ou de oneração. Donde se infere neces- sariamente que só no domínio do princípio da autonomia da vontade é possível celebrar negócios que operem a transmissão ou a oneração do direito de autor” — A Eficácia…, ob. cit., p. 27.
aqui consagradas devem ser integradas e complementadas pelo regime civilístico.
5.2. A solenidade dos negócios com efeitos autorais
I. Um aspecto generalizado aos vários contratos de Direito de Autor é o de que se tratam de negócios formais(52). Não vale aqui, portanto, a regra do artigo 219.º do CC. Os contratos de direito de autor, quer se tratem de transmissões, onerações ou licenças, devem ser sempre reduzidos a escrito. Esta regra decorre dos artigos 41.º, n.º 2, 43.º, n.º 2, e 44.º, sendo que o grau de exi- gência vai subindo consoante o ato de disposição em causa: mais leve nas autorizações e mais exigente nas transmissões. Esta regra é depois confirmada, de forma escusada e tautológica, em várias disposições da parte especial, como sejam os artigos 87.º, n.º 1, 109.º, n.º 2, 141.º, n.º 2, 159.º, n.º 2, e 169.º, n.º 2.
Daqui resulta que a solenidade é uma característica que liga os diversos contratos de Direito de Autor, tratando-se, por isso, de um aspecto estruturante desta matéria(53).
(52) Xxx como ensina MOTA PINTO, “os negócios formais ou solenes são aqueles para os quais a lei prescreve a necessidade de observância de determinada forma, o aca- tamento de determinado formalismo ou de determinadas solenidades. Os negócios não solenes (consensuais, tratando-se de contratos) são os que podem ser celebrados por quaisquer meios declarativos aptos a exteriorizar a vontade negocial, porque a lei não impõe uma determinada roupagem exterior para o negócio” — Teoria Geral do Direito Civil…, ob. cit., p. 392. Em rigor, como todos os negócios jurídicos têm uma forma, a clas- sificação verdadeiramente relevante é a que separa os negócios para os quais se exige algum tipo de solenidade na exteriorização da vontade — negócios solenes — daqueles em que a forma da declaração é deixada ao critério do declarante — negócios não solenes. Vide, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil — Teoria Geral, Ações e Factos Jurídicos, vol. II, Coimbra Editora, 2002, p. 49. Quanto às questões de forma nos contratos de Direito de Autor, vide, em termos genéricos, XXXXX XXXXXXXX XXXXX, “Questões de Forma nos Con- tratos de Exploração de Direitos de Autor e Direitos Conexos em Portugal”, in AAVV, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxxx, vol. II, Coimbra Editora, 2009, pp. 769-795.
(53) Neste sentido, XXXXXXX XX XX E XXXXX salienta que “a lei de autor de Portu- gal afigura-se inequívoca quanto ao carácter formal dos atos quais pelos quais ocorra toda e qualquer atribuição de direito de autor” — Contrato de Direito de Autor. A Auto- nomia Contratual na Formação do Direito de Autor, Almedina, 2008, p. 478.
II. Tem sido discutido, contudo, qual a finalidade ou o pro- pósito de tamanha exigência do CDADC. A nosso ver, estão aqui em causa, fundamentalmente, dois objectivos distintos(54).
Por um lado, é sabido que os negócios formais se explicam, na maior parte dos casos, por necessidades de reflexão e de ponde- ração das partes envolvidas face às consequências resultantes da sua celebração(55). Desta forma, a exigência de formalidade do CDADC pode ser vista como um meio de obrigar o titular do direito patrimonial de autor a medir o seu ato, evitando decisões irrefletidas ou precipitadas. Por outro lado, a exigência de um documento escrito pode ter como objectivo assegurar a existência de um comprovativo que demonstre a celebração de um contrato de Direito de Autor(56). Neste caso, são exigências de prova que podem servir para explicar o eventual radicalismo do legislador nacional.
Não querendo antecipar a nossa análise, mais à frente, a pro- pósito da forma das licenças de direito de autor, verificaremos se se tratam de exigências ad probandum ou ad substantiam. A nosso ver, a resposta a esta dúvida poderá servir para atenuar os efeitos das exigências legais ou, pelo contrário, servir para agravar o regime previsto no CDADC.
(54) Xxx como salienta XXXXXX XXXXXXXX-XXXX, “deux finalités différents, parfois contradictoires, son contenus dans la règle de l´écrit — le désir de protection de la partie faible, l’auteur: l’écrit permet de fixer le contenu de la cession, l’auteur signe ainsi le con- trat ne connaissance de cause, et les tribunaux ont la possibilité d’apprécier le respect des exigences légales concernant le contrat d’exploitation du droit d’auteur; — la volonté de préserver la sécurité des transactions: l’écrit este le moyen privilégie pour le cessionnaire de faire valoir ses droits lors d’une action en justice (…)”— Les Contrats d’ Exploita- tion… ob. cit., p. 171.
(55) Xxxxxxx XXXXXXX XXXXXXXX, a exigência de forma negocial pode ser justifi- cada por razões de reflexão, que se relacionam “com a gravidade que, para os contratan- tes, possam ter certos negócios que eles celebrem ou venham a celebrar; tais negócios não devem, deste modo, ser produzidos de ânimo ligeiro. A exigência de forma, até porque nor- malmente conectada com uma certa morosidade, por ela provocada, facultaria essa refle- xão” — Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral, Tomo I, 3.ª ed., Almedina, 2009, p. 568.
(56) Neste sentido, XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX, A Eficácia…, ob. cit., pp. 28 e 29.
5.3. A registabilidade dos atos de disposição(57)
O direito de autor, como realidade jurídica, nasce na esfera do criador intelectual independentemente de qualquer registo, depó- sito ou qualquer outra formalidade(58). É esta a regra geral que decorre dos artigos 12.º e 213.º. O registo é, na maior parte dos casos, uma mera formalidade. O registo só tem efeito constitutivo do direito nos casos previstos no artigo 214.º.
No entanto, importa notar que o artigo 215.º, n.º 1 a), deter- mina que os factos que importem a constituição, transmissão, one- ração, alienação, modificação ou extinção do direito de autor estão sujeitos a registo(59). Note-se que nada se refere relativamente às licenças (ou autorizações como veremos). Para além disto, o objecto do registo é o facto em si e não os direitos derivados do contrato de transmissão ou de oneração(60).
Tal como informa OLIVEIRA ASCENSÃO, apesar da consagração do instituto do registo, é um facto que raramente se recorre a ele(61). A este facto não será alheia a circunstância de o regime legal aplicá- vel ao registo ser o vetusto Decreto n.º 4114, de 17 de Abril de 1918.
5.4. A irrelevância (relativa) da aquisição do suporte cor- póreo da obra(62)
Sendo a obra um bem imaterial, ela tipicamente exterioriza-se num suporte corpóreo (corpus mechanicum). Não se trata, con-
(57) Sobre esta matéria, vide, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., pp. 397-411 e MENEZES LEITÃO, Direito de Autor..., ob. cit., pp. 309-319.
(58) Neste sentido, cf., os acórdãos do STJ de 07.12.1983 e de 01.07.2008 e da RP de 23.11.2006.
(59) XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX considera que esta exigência legal indicia que o registo da transmissão é requisito de eficácia em relação a terceiros, tal como sucede para a transmissão de direitos de propriedade industrial — Contratos da Propriedade Intelec- tual..., ob. cit., p. 16.
(60) Vide, XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX, A Eficácia…, ob. cit., p. 29.
(61) Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., p. 407.
(62) Sobre o tema, consultar, numa perspectiva histórica, XXXXXX XXXXXX, Il Diritto
tudo, de um requisito de existência da obra(63). Assim, uma obra literária ou artística é, por via da regra, fixada num determinado suporte e depois reproduzida, tendo em vista a sua distribuição ao público(64). Ora, os negócios jurídicos sobre o suporte material da obra em nada atingem a própria obra em si. Esta permanece na esfera do titular, ainda que o seu suporte material seja da proprie- dade de um terceiro. Este aspecto é mais uma manifestação da especialidade e riqueza do Direito de Autor, que admite que sobre um suporte mecânico, que incorpora uma obra, incidam direitos, reais ou obrigacionais, que em nada conflituam com o feixe de direitos que atinge a obra em si.
Nos termos do CDADC, esta regra geral resulta de forma clara do artigo 10.º, n.º 1, onde se determina que “o direito de autor sobre a obra como coisa incorpórea é independente do direito de propriedade sobre as coisas materiais que sirvam de suporte à sua fixação ou comunicação”, acrescentando o n.º 2 do mesmo artigo que “o fabricante e o adquirente dos suportes referi- dos no número anterior não gozam de quaisquer poderes com- preendidos no direito de autor”(65). Como decorrência desta regra, o artigo 141.º, n.º 4, a propósito do contrato de fixação fonográfica e videográfica, explícita que “a compra de um fonograma ou videograma não atribui ao comprador o direito de os utilizar para quaisquer fins de execução ou transmissão públicas, reprodução, revenda ou aluguer com fins comerciais”. Trata-se aqui de atos compreendidos no núcleo do direito de autor, pelo que só ao res- pectivo titular pertencem.
di Autore…, ob. cit., Parte II, pp. 582-597, e também OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., pp. 392 e segs.
(63) Pense-se nos casos das obras literárias que são exteriorizadas oralmente num determinado evento. Sendo obra, é objecto de proteção pelo Direito de Autor, mesmo não estando corporizada num determinado suporte.
(64) A obra literária pode manifestar-se através de um documento escrito e a obra artística pode constar de um suporte físico, como a tela de um quadro, um CD, um DVD, etc.
(65) Há, contudo, em termos rigorosos, duas importantes exceções a esta regra, nos artigos 157.º, n.º 2, e 166.º.
5.5. Princípios fundamentais de interpretação contratual
I. Para além dos princípios gerais de interpretação que pos- sam resultar da aplicação do regime civilístico, a autonomia pró- pria do Direito de Autor tem levado alguma doutrina(66) a sustentar a existência de princípios específicos de interpretação contratual.
II. Um dos exemplos, e talvez o mais importante, é o cha- mado princípio da funcionalidade(67). Este princípio traduz a ideia de que os contratos de direito de autor devem ser interpretados de acordo com uma perspectiva finalística, que deve iluminar toda a determinação do conteúdo contratual(68).
Na verdade, não raro acontece que ao celebrarem um negócio de Direito de Autor as partes definam a finalidade do negócio mas não cuidem em concretizar, pelo menos de forma detalhada, quais os meios para atingir essa finalidade, ou seja, numa linguagem mais
(66) Vide, em termos gerais, XXXXXX XXXXXXXX-XXXX, Les Contrats d’Exploita- tion…, ob. cit., pp. 206 e segs. O autor refere a este propósito que “en définitive, seuls les pays de tradition romano-germanique ont édicté des règles d’interprétation spécifiques aux contrats d’exploitation du droit d’auteur. Ces règles traduisent leur volonté de protec- tion de l’auteur en limitant au minimum indispensable la portée de la cession de droit con- sentie” (p. 208) e XXXXX XXXXX e XXXXX-XXXXXXX XXXXX, Traité de la Propriété Littéraire et Artistique…, ob. cit., pp. 416 e segs.
(67) Também chamado, por alguns autores, como princípio da especialidade. Vide, XXXXXX XXXXXXXX-XXXX, Les Contrats d’ Exploitation…, ob. cit., pp. 210 e segs. Este prin- cípio assume na Alemanha uma dimensão particularmente relevante na interpretação dos contratos decorrente da máxima in dubio pro autore. A este princípio foi dado o nome de “teoria do fim da cessão” (Zweckubertragungstheorie), significando que, em caso de dúvida, se considera que o autor não concedeu mais direitos do que os necessários para a prossecução do fim do contrato. Entre nós, na sua obra A ‘Licença’ no Direito Intelec- tual..., ob. cit., pp. 108 e 109, OLIVEIRA ASCENSÃO nega autonomia a este princípio, con- cluindo que todo o negócio deve ser interpretado à luz do seu fim e o contrato interpreta-se à luz das finalidades que se possam apurar como comuns às partes. Diz o autor que esta é uma regra de bom senso e de teoria geral, que não precisa de ser consagrada nas leis do Direito Intelectual para ter aplicabilidade.
(68) O artigo 11.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 252/94, de 20 de Outubro, relativo à proteção jurídica dos programas de computador, consagra textualmente o princípio da fun- cionalidade, ao referir que as estipulações contratuais das partes, nos contratos informáti- cos, devem ser sempre entendidas de acordo com o âmbito justificado pelas finalidades do contrato.
técnica, quais os poderes de exploração da obra que são concedidos para atingir o desiderato desejado com a celebração do negócio. Este problema surge porque, por um lado, as diversas formas de exploração da obra são independentes umas das outras (artigo 68.º, n.º 4) e, por outro, os artigos 40.º e segs., exigem que do contrato constem obrigatoriamente os modos de utilização da obra autoriza- dos a terceiros. Ora, como é perfeitamente compreensível, pode dar-se o caso de as partes não cuidarem em detalhar os modos de exploração da obra, com isso prejudicando a execução do negócio e a finalidade que tiveram em vista ao celebrá-lo(69). Por conse- guinte, o CDADC reconheceu a necessidade de, em diversos casos, estender o conteúdo dos negócios celebrados, de forma a ir ao encontro da vontade das partes e garantir que o objectivo econó- mico do contrato seria cumprido(70). Como bem se percebe, este princípio é especialmente relevante no caso de meras autorizações, já que na transmissão, como se verá mais abaixo, todo o direito
(69) OLIVEIRA ASCENSÃO dá o seguinte exemplo nesta matéria, “nenhum sentido teria normalmente uma autorização para reproduzir se depois dessa reprodução o utente [beneficiário] ficasse nas mãos do autor, a quem tivesse de solicitar uma nova autoriza- ção, para o efeito de distribuir e vender os exemplares reproduzidos” — Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., p. 392 e segs. De facto, à partida, a autori- zação concedida para a fixação de uma obra deve abarcar a autorização para a reprodução e distribuição da obra, de forma a garantir o objectivo económico tido em vista pelas partes com a celebração do contrato.
(70) A título de exemplo, notem-se os artigos 127.º, n.º 2, a propósito do contrato de produção cinematográfica, e 141.º, n.º 2, relacionado com o contrato de fixação. No pri- meiro caso, o legislador estabeleceu que, salvo estipulação em contrário, a autorização para a produção cinematográfica (tipicamente está aqui envolvido o direito de transforma- ção) implica a autorização para a distribuição e exibição do filme, bem como a sua explo- ração económica por este meio. Ou seja, a mera autorização para a transformação da obra (por exemplo, obra literária para obra cinematográfica) abrange a autorização para a distri- buição e comunicação da obra derivada ao público. Este é um exemplo acabado da vontade do legislador em garantir que o conteúdo do negócio celebrado permite cumprir a sua fina- lidade, indo, assim, ao encontro da vontade tendencial das partes. No segundo caso, o legislador determinou que a autorização para a fixação da obra autoriza o beneficiário (o utente) a reproduzir e vender os exemplares produzidos. Aqui já nem sequer se permite, pelo menos em termos literais, estipulação em contrário. Isto dá a entender que indepen- dentemente da vontade das partes, o conteúdo do contrato será estendido ope legis de forma a cumprir o seu objectivo económico. Caso exista estipulação contratual em sentido contrário (admitindo que seria válida), já não estaremos perante um contrato típico de fixa- ção, mas sim perante um negócio atípico.
patrimonial de autor passa para o transmissário, pelo que não será necessário “corrigir” a vontade das partes através do recurso ao princípio da funcionalidade.
Assim, podemos concluir que, em regra e salvo cláusula em contrário, a autorização ou a oneração do direito patrimonial do direito de autor abrangerá todas as faculdades ou poderes imanen- tes dessa situação jurídica complexa que forem essenciais para retirar do negócio a utilidade a que o mesmo se destina, ainda que não expressamente mencionadas no documento contratual(71). Esta é uma das manifestações do princípio da funcionalidade.
Mas o princípio da funcionalidade tem outra vertente igual- mente relevante. É que sendo a finalidade visada o que deve comandar a interpretação do conteúdo dos contratos, daqui retira- se que, na dúvida, não se consideram abrangidos pelo negócio faculdades ou poderes que não sejam necessários para atingir a referida finalidade(72). Trata-se aqui de um mecanismo de defesa
(71) Neste sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., p. 433 e XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX, A Eficácia…, ob. cit., p. 60, salientando estes autores que a finalidade sobrepõe-se à literalidade das palavras usadas. O limite, claro está, é quando existe uma vontade expressa das partes em afastar determi- nado ato, caso em que a estipulação das partes deve prevalecer. Para uma perspectiva de direito inglês, mas em termos semelhantes ao exposto, vide, XXXXXX XXXXXXX e XXXX XXXXXXX, Intellectual Property Law…ob. cit., p. 268. Estes autores salientam o seguinte: “where courts are implying terms for particular cases, they look at the existing express terms and the surrounding context. It has been said that for a term to be implied it must be reasonable and equitable, necessary to give business efficacy to the contract, obvious that it ‘goes without saying’, capable of clear expression, and must not contradict any express term of the contract”. Também XXXXXXXX X. XX XXXXXXX e XXXXX XXXXXXX destacam este princípio, I Contratti di Diritto di Autore…, ob. cit., p. 14.
(72) A propósito desta matéria, XXXXX XXXXXXX salienta o seguinte: “une cession ne comporte que les moyens nécessaires pour assurer l’exploitation normale du droit cédé. C’est pourquoi l’éditeur, qui a acquis le droit de reproduction, n’est pas investi, à default d’une stipulation exempte d’équivoque, du droit de représentation, et, réciproquement, l’entrepreneur de spectacle ne peu s’improviser éditeur” — Le Droit d’Auteur…, ob cit., pp. 582 e 583. Este princípio parece ter alguma ressonância nos EUA. A este propósito, XXXX XXXXXXXXX refere que “some, but not all, state and federal courts construing copy- right contracts will place a thumb on the scale in favour of authors by applying a presump- tion that interests not expressly conveyed are impliedly reserved to the author”. Mais à frente, o mesmo autor destaca que “drawing on the principle that the Copyright Act aims to protect authors in their contract dealings the court fashioned a countervailing federal law presumption favouring copyright owners, so that copyright licenses are assumed to
do autor. Tal como salienta OLIVEIRA ASCENSÃO: “os contratos de utilização, quando são celebrados com entidades empresariais por um autor isolado, tendem a descrever com grande amplitude os poderes que concedem. É difícil para o autor modificar uma por uma as disposições no sentido de evitar dúvidas. Mas tem a defesa da racionalidade: só se podem considerar atribuídas aquelas faculdades que se ligam àquele fim. São excluídas outras formas de utilização da obra, ainda que na progressão da utilização reali- zada, mas que não estejam implicadas naquela finalidade”(73).
O campo de aplicação do princípio da funcionalidade é, como se viu, nas situações em que suscitam dúvidas ou existem omissões no que toca à vontade expressa das partes. Por conseguinte, para compreender o verdadeiro conteúdo dos negócios autorais, haverá que atender igualmente ao disposto nos artigos 236.º a 239.º do CC, na medida em que se compatibilizem com a natureza do direito de autor (artigo 1303.º, n.º 2, do CC).
Um outro princípio interpretativo referido pela doutrina a pro- pósito do direito contratual de autor, embora menos consensual do que o anterior, é o chamado princípio da interpretação restri- tiva(74). Quanto a este ponto, importa, em primeiro lugar, salientar a proximidade deste princípio ao princípio da funcionalidade, prin- cipalmente na vertente de proteção do autor. A proximidade é de tal ordem que quase se poderia dizer que este princípio consome o princípio da interpretação restritiva. Temos, contudo, um entendi- mento diferente.
prohibit any use not authorized” — “Paternalism and Autonomy in Copyright Contracts”, in Intellectual Property in the New Millennium. Essays in Honor of xxxxxxx X. Cornish, Cambridge University Press, 2004, pp. 262 e 264.
(73) Direito Civil. Direito de Autor..., ob. cit., p. 433 e 434.
(74) Sobre este ponto, vide, em especial, XXXXXXX XX XXXXXXXX e XXXXXX XXXXXXX, Précis du Droit d’Auteur…, ob. cit. pp. 316-318, onde os autores defendem este princípio. Também XXXXX XXXXXXX, que tem uma leitura muito ampla deste princípio, em certos casos englobando o próprio princípio da funcionalidade — Le Droit d’Auteur…, ob. cit., pp. 582 e segs. XXXXXX XXXXX XXXX defende igualmente este princípio — Contrato de Edición Literaria…, ob. cit., p. 120. Entre nós, XXXXX XXXXXXXX XXXXX parece defender um princípio de interpretação restritiva, favorável ao autor (in dubio pro autore) — Ques- tões de Forma nos Contratos de Exploração…, ob. cit., pp. 774 e 775.
Já acima se explicou que o conteúdo patrimonial de autor beneficia de um princípio de indeterminação (artigo 68.º, n.º 2), significando que todas as formas de exploração económica da obra, atualmente conhecidas ou futuramente inventadas, perten- cem ao titular do direito patrimonial de autor. Este princípio é um reflexo da elasticidade do direito de exclusivo, cujo conteúdo irá variar consoante a evolução da sociedade e o desenvolvimento de novas formas de exploração.
Ora, entendemos que o princípio da interpretação restritiva tem a virtualidade de manter na esfera de disposição do autor aqueles modos de exploração que — embora possam servir para cumprir a finalidade económica do contrato — não eram conhecidos à data da celebração do mesmo(75). Este princípio impede que, com base no princípio da funcionalidade, o beneficiário de uma autorização se possa vir a arro- gar o direito de explorar a obra através de um meio que não era conhe- cido à data da celebração(76). Veremos melhor este aspecto ao conside- rar o objecto e conteúdo das licenças de direito de autor.
Assim, em caso de dúvida quanto à vontade das partes, por força do princípio da interpretação restritiva, tendemos a conside- rar que a dúvida se deve resolver a favor do autor, tipicamente a parte contratualmente mais fraca(77). Este princípio, a nosso ver, permite ainda temperar algum excesso que poderia resultar de uma aplicação mais estrita do princípio da funcionalidade, a qual pode- ria não ter em conta os devidos interesses do autor.
(75) Neste sentido, ao que tudo indica, XXXXX XXXXXXX, Le Droit d’Auteur…, ob. cit., p. 580.
(76) No mesmo sentido, XXXXX XXXXX e XXXXX-XXXXXXX XXXXX, Traité de la Pro- priété Littéraire et Artistique…, ob. cit., p. 418.
(77) Convém aqui recordar que o Direito de Autor, com as vestes atualmente conhecidas, apareceu, precisamente, como forma de defesa da criação intelectual, pelo que o princípio da interpretação restritiva não é mais do que a transformação em princípio do substrato histórico-filosófico presente na génese do Direito de Autor. Neste sentido, XXXXXX XXXXXXXX-XXXX, referindo que “l’une des préoccupations essentielles de la pro- priété littéraire et artistique dans le système romano-germanique est la protection de l’au- teur en tant que partie faible au contrat. Les règles d’interprétation du contrat d’exploita- tion du droit d’auteur participent à la réalisation de ce dessein en restreignant le plus possible la portée du droit concédé (principe d’interprétation stricte)”— Les Contrats d’Exploitation…, ob. cit., p. 211.
§ 6. Propedêutica dos actos de disposição do conteúdo patrimonial do direito de autor
Tal como se referiu, o artigo 40.º define três tipos negociais abstractos (transmissão, oneração e autorização) que potenciam a chamada exploração indireta da obra, ou seja, através de outro sujeito que não o titular do direito patrimonial de autor. Advirta-se, desde já, que cada uma das modalidades ali previstas levanta diver- sos problemas que, porventura, mereceriam um tratamento autó- nomo. Estando a nossa investigação centrada nas licenças ou, como veremos de seguida, nas autorizações, o propósito deste capítulo é fazer apenas uma referência sumária e introdutória aos três tipos de atos de disposição do conteúdo patrimonial de autor previstos no CDADC.
6.1. Transmissão
I. No que toca à transmissão, o CDADC prevê no artigo 40.º, b), a transmissão total ou parcial do direito patrimonial de autor, sujei- tando-as a regimes diferentes. No caso da transmissão parcial vale o disposto no artigo 43.º. Já no caso de transmissão total aplica-se
o disposto no artigo 44.º.
Numa primeira abordagem, poder-se-ia entender que, no caso da transmissão total, seria o próprio direito exclusivo de explora- ção económica da obra (como direito subjetivo), incorporando todas as faculdades ou poderes em que este se desdobra, que passa- ria para a esfera do transmissário. Já no caso de transmissão par- cial, apenas as faculdades de exploração ou os modos de utilização indicados no título se transmitiriam (cf. artigo 43.º, n.º 1).
À partida, esta distinção parece ter algum sentido: de facto, o titular do direito de exclusivo poderia transmitir globalmente o seu direito, perdendo o exclusivo de exploração económica da obra e ficando apenas (eventualmente) com os direitos morais sobre a mesma. Neste caso, o transmissário assumiria a posição do autor na exploração da obra, nos termos previstos nos artigos 67.º e 68.º. O titular do direito de exclusivo poderia, ainda, transmitir apenas
uma das diversas faculdades de exploração da obra, por exemplo, a reprodução, mantendo, contudo, o exclusivo relativamente às res- tantes faculdades (ex: a comunicação ao público e a representação). Neste caso, o direito de exclusivo ficaria amputado (ou quantitati- vamente diminuído) de uma das suas características principais. Há autores que admitem plenamente este último cenário(78).
No entanto, a nosso ver, esta hipótese não é de admitir.
A possibilidade de transmissão parcial do direito de autor parte da ideia de que o direito de autor é um mero somatório de faculdades de que o titular se poderia desfazer, sucessivamente, ao longo da vida do direito. Mas não é assim. Tal como ensina OLI- VEIRA ASCENSÃO, esta “teoria do desmembramento” tem origens e justificações históricas de aproximação do direito de autor ao direito de propriedade numa altura em que se concebia a constitui- ção de direitos reais menores (como o usufruto), como um des- membramento da propriedade e não como uma oneração(79).
Todavia, a doutrina do desmembramento do direito de pro- priedade foi sendo paulatinamente abandonada. Hoje em dia, a constituição de direitos reais menores é vista como a constituição
(78) É o caso expresso de XXXX XXXXXXXXX XXXXXXX, Introdução ao Direito de Autor…, ob. cit., pp. 138 e segs., e, assim parece, de XXXXXXXXX XXXX XXXXXXX — Direitos de Autor…, ob. cit., p. 196. É de notar que a possibilidade de ceder ou transmitir apenas parte do direito patrimonial de autor parece ser admitida em algumas jurisdições. É o caso do sistema britânico. Vide, J.A.L. STERLING, world Copyright Law…, ob. cit., p. 486, XXXXX X. XXXXXXXXXX, Intellectual Property…, ob. cit., p. 101 e XXXXXX XXXXXXX e XXXX XXXXXXX — Intellectual Property Law…ob. cit., p. 262. Estes últimos autores referem, a este propósito, o seguinte: “In contrast with other types of property, where the tendency is to simplify transfers by limiting the ways in which the rights can be divided up, copyright law takes a liberal view of what may be assigned. In particular, copyright allows partial assignments by reference to ‘times, territories and classes of conduct’”. Também para o direito italiano, XXXXXXXX X. XX XXXXXXX e XXXXX XXXXXXX salientam que “l’autore può trasferire a terza una o più delle facoltà che la legge gli attribuisce nei limiti previsti dalla legge stessa e che il terzo, se a ciò autorizzato, potrà a sua volta trasferire ad altri soltanto i diritti i modi di utilizzazione che gli derivano dalla precedente trasmissione. Questo prin- cipio dell’indipendenza delle varie facoltà di autore è applicato dalla legge con norme specifiche relativamente al trasferimento a terzi delle stesse facoltà nei vari campi” — I Contratti di Diritto di Autore…, ob. cit., p. 13.
(79) Sobre este tema em Direito Reais, vide, por todos, XXXX XXXXXXX XXXXXX, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2008, pp. 99 e segs., aderindo o autor expressamente à “teoria da oneração”.
de um direito real menor ex novo na esfera do beneficiário. Não há, assim, nenhuma transmissão, mas sim a constituição de um direito novo. Neste sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO conclui por considerar que “não há uma verdadeira fragmentação do direito de autor, porque este conserva sempre a elasticidade em relação ao direito derivado. Nomeadamente, se esse direito derivado se extinguir não cai no domínio público, porque a lei não prevê nunca um ingresso parcial do conteúdo do direito no domínio público, antes este é reabsorvido pelo direito-base. Esta situação é corretamente desig- nada como a de oneração do direito-base pelo direito derivado. O ato é sempre constitutivo de uma oneração do direito-fonte”(80). Concordamos com esta orientação, já que nos parece a mais rigorosa do ponto de vista técnico-jurídico. Por conseguinte, a nosso ver, as transmissões parciais correspondem, na verdade, a onerações do direito de autor(81), devendo seguir o regime para
estas definidas no CDADC.
Já a transmissão total ocorre quando a totalidade do conteúdo patrimonial do direito de autor (ou o que não estiver excluído por lei) se transfere para a esfera jurídica do transmissário, ficando este investido na posição de titular do direito patrimonial de autor nos termos legais(82). Nesta situação, o criador intelectual fica ampu- tado, para sempre, deste direito, deixando, à partida, de poder exer- cer atos de exploração económica sobre a obra. De referir que o direito transmitido mantém-se igual nas duas esferas jurídicas, mantendo a mesma natureza que tinha aquando da transmissão(83). Desta forma, a transmissão total tem um efeito meramente transla- tivo e não constitutivo(84).
(80) Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., pp. 381-383. Vide, ainda, do mesmo autor, a obra A ‘Licença’ no Direito Intelectual..., ob. cit., pp. 102 e 103.
(81) No mesmo sentido, XXXXX XXXXXXXX XXXXX, Questões de Forma nos Contra- tos de Exploração…, ob. cit., p. 780 e XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX, A Eficácia…, ob. cit., pp. 29 e segs.
(82) Recorde-se que o artigo 27.º, n.º 3, é claro em considerar que a referência legal ao autor abrange o transmissário dos direitos.
(83) Quaisquer modos de exploração da obra que venham a ser inventados depois do facto transmissivo já pertencem ao transmissário e não ao transmitente.
(84) Xxx como afirma XXXXX XXXXXXX, “dans le patrimoine du cessionnaire, le droit de reproduction, de représentation ou d’adaptation conservera les mêmes caractères
II. Para além de transmissões parciais e totais é ainda possí- vel distinguir entre transmissões definitivas e temporárias(85). A distinção, apesar de não reflectida no artigo 40.º, b), surge refe- rida especificamente no artigo 44.º, no artigo 43.º, n.º 4, e também, se bem que noutro contexto, no artigo 88.º, n.º 1.
O caso das transmissões temporárias parece-nos ser de aceitar à luz dos princípios gerais que emanam do Código Civil, nomeada- mente do artigo 409.º e do artigo 1307.º, n.º 2(86), referentes ao direito de propriedade, mas de onde se extraem princípios impor- tantes nesta matéria. A transmissão temporária do direito de exclu- sivo levanta problemas delicados que não cabe aqui aprofundar(87) já que o objectivo é apenas uma aproximação aos atos de disposi- ção do conteúdo patrimonial do direito de autor.
III. Quanto ao regime aplicável, o artigo 44.º só prevê a situação da transmissão total e definitiva, aí se estipulando que “a transmissão total e definitiva do conteúdo patrimonial do direito de autor só pode ser efectuada por escritura pública com identifi- cação da obra e indicação do preço respectivo, sob pena de nuli- dade”. Dado que a transmissão total é a mais gravosa do ponto de vista de defesa do criador intelectual (admitindo que este é o titular do direito patrimonial) — implicando uma perda definitiva do
qu’avant la cession. Is sera exclusif, absolu, discrétionnaire. Comme son cocontractant, le cessionnaire aura toute latitude pour exploiter le droit qu’il a acquis (…)” — Le Droit d’Auteur…, ob cit., p. 585. No mesmo sentido, XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX, A Eficácia…, ob. cit., pp. 78 e 79.
(85) À luz do texto legal, a verdade é que parece ser admissível uma junção de várias modalidades de transmissão. Assim, poder-se-iam admitir as hipóteses de: (i) trans- missão total e definitiva; (ii) transmissão total e temporária; (iii) transmissão parcial e defi- nitiva e (iv) transmissão parcial e temporária. Sobre estas situações cruzadas, vide, XXXX XXXXXXXXX XXXXXXX, Introdução ao Direito de Autor…, ob. cit., pp. 138 e 139.
(86) Contra a possibilidade de transmissão temporária do direito de autor, XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX, Contratos da Propriedade Intelectual..., ob. cit., p. 14. Entende este autor que as referências legais do artigo 43.º, n.º 4, do CDADC à transmissão transitória devem ser entendidas, consoante o contexto, como onerações ou licenças.
(87) Por exemplo, tendo a transmissão temporária total um prazo definido (na falta de estipulação é de 25 anos — artigo 43.º, n.º 4), o que é que acontece ao direito findo o prazo? Cai no domínio público ou volta para a esfera do transmitente até ao final do prazo de duração legal?
direito de exploração da obra — pode entender-se a preocupação do legislador. As exigências legais não são, contudo, muito prote- toras do autor. Exige-se apenas a identificação da obra em causa(88) e o preço acordado. Quanto à exigência de escritura pública, pode legitimamente questionar-se, face às reformas do Código do Nota- riado, introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho — que praticamente veio equiparar os documentos particulares auten- ticados às escrituras públicas para a maioria dos atos relativos a direitos reais (cf. artigo 33.º) — em que medida é que a regra do artigo 44.º continua a fazer sentido. É, todavia, uma matéria que não abordaremos aqui.
De todo o modo, relativamente ao que se dispõe no CDADC, importa notar, em termos lapidares, que se trata de uma regulação deficiente do fenómeno da transmissão do direito patrimonial de autor, que deixa muitas brechas num regime jurídico que deveria ser uno.
Em primeiro lugar, notamos que o artigo 44.º só regula a transmissão total e definitiva, o que significa que as transmissões totais, mas temporárias, admitidas genericamente pela nossa lei, podem não estar sujeitas a este regime, ou seja, à exigência de escritura pública(89). Em segundo lugar, o facto de o artigo 44.º
(88) A exigência de identificação da obra, coadjuvada pela regra do artigo 48.º — que se refere à disposição antecipada do direito de autor — tem levado alguma doutrina a considerar que não se podem alienar indiscriminadamente todas as obras futuras e que o artigo 44.º não se aplica a disposições sobre obras futuras, já que exigiria sempre a identi- ficação da obra. Neste sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO — Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., p. 379.
(89) Vide, neste sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO — Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., pp. 381-383. Contra, XXXX XXXXXXXXX XXXXXXX, Introdução ao Direito de Autor…, ob. cit., p. 138 e XXXXX XXXXXXXX XXXXX, Questões de Forma nos Contratos de Exploração…, ob. cit., p. 790. Da nossa parte, tendemos a concordar com estes últimos autores. Consideramos que existem razões suficientes para estender o regime mais gravoso, do ponto de vista de forma, aos casos de transmissão gratuita. De facto, teria pouco sentido que fosse necessária a escritura pública no caso em que o autor recebe uma contrapartida económica pela transmissão do seu direito, mas já não no caso em que essa transmissão é feita de forma gratuita. Como bem se percebe, as razões que subjazem à necessidade de proteção do autor, quando este transmite o seu direito de forma onerosa, são igualmente relevantes (ou talvez até mais) nos casos em que o autor transmite o seu direito de forma gratuita.
exigir a indicação do preço não significa que não possam existir contratos gratuitos que operem a transmissão de uma obra. Já vimos que vigora no Direito Contratual de Autor um princípio de atipicidade das formas negociais, pelo que é plenamente admissí- vel transmitir o direito de exploração económica da obra através de uma doação. O grave desta conclusão é que, assim parece, o CDADC não regula as transmissões gratuitas.
Qualquer uma das situações anteriores surge agravada pela eventual limitação de aplicação analógica, já que as exigências de forma, à luz do artigo 219.º do CC, são consideradas excepcionais e o artigo 11.º do CC expressamente refere que as normas excep- cionais não comportam aplicação analógica(90).
6.2. Oneração
I. Para além da transmissão, o artigo 40.º, b), refere que o titular do direito patrimonial de autor pode também onerar, total ou parcialmente, o conteúdo do direito patrimonial de autor. A onera- ção tem sempre como objecto o direito patrimonial de autor como um todo ou apenas algumas das suas faculdades (cf. artigo 43.º, n.º 1). Já acima referimos que, no nosso entender, a transmissão par- cial será, na realidade, um caso de oneração e não de transmissão. À luz do que dispõem os artigos 40.º b) e 43.º, n.º 4, seria pos- sível conceber várias hipóteses de oneração: (i) oneração total e transitória; (ii) oneração total e definitiva; (iii) oneração parcial e transitória e (iv) oneração total e definitiva. No entanto, basta aten- tar nos artigos 40.º e segs. para perceber que, apesar das hipóteses admitidas pela formulação utilizada na nossa lei, o regime previsto só é aplicável, pelo menos de uma forma direta, às onerações par- ciais (cf. artigo 43.º). Este aspecto demonstra, mais uma vez, a
regulação deficitária do CDADC nesta matéria.
(90) Sobre o tema, vide, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., p. 379.
II. Quanto ao regime da oneração parcial, em termos for- mais, exige-se que o contrato seja elaborado por escrito, com reco- nhecimento notarial das assinaturas. Deve aqui distinguir-se a forma exigida (documento escrito) das formalidades (reconheci- mento notarial das assinaturas)(91).
Quanto ao reconhecimento notarial, é de referir que esta exi- gência já não faz qualquer sentido uma vez que no Código do Notariado foram abolidos os reconhecimentos notariais de letra e assinatura, ou só de assinatura. É suficiente a indicação, feita pelo signatário, de elementos pertinentes de identificação pessoal. Além do mais, atualmente, tanto os advogados como os solicitadores podem fazer reconhecimentos com menções especiais ou por seme- lhança. Assim, a exigência de reconhecimento notarial das assinatu- ras já não é um requisito aplicável ou, pelo menos relevante, neste domínio. De qualquer forma, sempre se entendeu que a nulidade prevista no artigo 43.º, n.º 2, apenas abrangia a falta de forma escrita e não a ausência de reconhecimento das assinaturas(92).
Por outro lado, impõe-se que no título contratual se determi- nem as faculdades que são objecto de disposição e as condições de exercício, designadamente quanto ao tempo e quanto ao lugar e o preço, se o negócio for oneroso. Por fim, no caso de não ter sido convencionada a duração da oneração, o artigo 43.º, n.º 4 prevê uma norma supletiva que limita o período de vigência a 25 anos em geral e a 10 anos nos casos de obra fotográfica ou de arte aplicada(93).
Algumas formas de oneração do direito de autor vêm previstas nos artigos 45.º, 46.º, 47.º e 50.º. O usufruto é, de facto, a figura mais
(91) Sobre esta distinção, vide, XXXXXXX XXXXXXXX, Tratado de Direito Civil Por- tuguês, I, Parte Geral, Tomo I…, ob. cit., p. 566. Este autor salienta que “enquanto a forma dá sempre corpo a uma certa exteriorização da vontade — ela é essa própria exterioriza- ção — a formalidade analisa-se em determinados desempenhos que, embora não reve- lando, em si, qualquer vontade, são, no entanto, exigidos para o surgimento válido de cer- tos negócios jurídicos”.
(92) Neste sentido, cf., o acórdão da RL de 26.03.1998.
(93) Em relação ao prazo de duração da oneração podem levantar-se vários proble- mas. Assim, sendo o usufruto a modalidade típica da oneração, a verdade é que o artigo 1443.º limita a duração do usufruto à vida do usufrutuário pelo que levanta-se o pro- blema de saber se esta norma deve prevalecer face à estipulação das partes ou, ainda, face à disposição supletiva do artigo 43.º, n.º 4.
relevante nesta matéria. A nosso ver, a caracterização geral desta figura deve passar pela necessária inter-relação entre o disposto no CDADC com as regras do Código Civil (artigos 1439.º e segs.), na medida em que sejam compatíveis com a natureza do direito de autor.
III. Do regime da oneração, importa reter, para a matéria que nos ocupa, que o que existe tipicamente é a criação de um direito novo, de 2.º grau, sobre o direito patrimonial de autor, que o vai limitar. Não há, assim, qualquer cessão global. Findo esse direito, a esfera jurídica do titular do direito patrimonial de autor, que permanecia onerada, reassume a sua plenitude(94). É o fenó- meno da elasticidade que já atrás se indicou.
6.3. Autorizações ou licenças
I. A última modalidade de disposição do conteúdo patrimo- nial do direito de autor que o legislador consagra no artigo 40.º é a autorização. A expressão utilizada pelo nosso legislador não é muito feliz. De facto, da análise ao CDADC resulta que o legisla- dor utiliza esta expressão com uma dupla propriedade(95), dificul- tando a atividade do intérprete-aplicador.
Por um lado, a expressão “autorização” surge intimamente conotada com a noção de consentimento necessário para a modifi- cação de uma obra alheia (artigo 59.º, n.º 1), ou para utilização pes- soal ou comercial por terceiro (artigos 68.º, n.º 2, e 169.º, n.º 1). Neste caso, em termos técnico-jurídicos, estamos perante um ato jurídico quase negocial(96), que se traduz numa pura manifestação
(94) Xxx como indica XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX, “a oneração implica a consti- tuição de um direito novo, embora derivado do direito patrimonial, o qual será, por con- sequência, de igual natureza que o direito de raiz” — A Eficácia…, ob. cit., p. 79.
(95) Especificamente neste sentido, XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX — A Eficácia…, ob. cit., pp. 32 e 33 e “As licenças: uma Análise de Direito Português e de Direito Compa- rado”, in Num Novo Mundo do Direito de Autor, vol. II, Cosmos, Lisboa, 1994, p. 408, que seguimos de perto no texto.
(96) O conceito é tratado em MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Portu- guês, I, Parte Geral, Tomo I…, ob. cit., p. 480.
de vontade, reflexo do exercício da autonomia privada do titular do direito.
Por outro lado, e mais importante para o tema que nos ocupa, a expressão “autorização” é utilizada para designar um tipo abs- tracto de negócios de Direito de Autor que se pode dar o nome clássico de licença(97). Só neste último caso estamos perante um verdadeiro contrato de Direito de Autor. As autorizações mencio- nadas no CDADC correspondem assim, na maior parte dos casos, a licenças de utilização ou de exploração da obra(98).
II. As autorizações ou licenças, na perspectiva atrás indi- cada, constituem a modalidade mais frequente de exploração do conteúdo patrimonial do direito de autor(99). De facto, como vere- mos mais abaixo, o seu regime é aquele que está mais apto a permi- tir ao titular do direito patrimonial de autor explorar economica- mente a obra.
Há várias razões para isso. Uma delas é a circunstância, já referida, de o artigo 68.º, n.º 4, ao consagrar o princípio da autono- mia, estar a pensar na concessão de licenças a terceiros e não na transmissão (onde este princípio não tem aplicação, já que se trata de uma cessão global) nem propriamente na oneração (apesar de esta, como vimos, poder ser parcial). De facto, ao contrário da transmissão, nada impede que existam várias licenças sobre a obra, concedendo a diferentes entidades a possibilidade de a gozarem
(97) Vide, neste sentido, a título de exemplo, o artigo 83.º a respeito da noção do contrato de edição e o artigo 109.º, n.º 1, a propósito do contrato de representação.
(98) OLIVEIRA ASCENSÃO admite este entendimento. De facto, o reputado Prof. con- sidera que a equivalência entre a expressão «autorização» e a expressão «licença» pode ser um tanto ou quanto forçada nas licenças legais ou compulsórias, uma vez que é duvidoso que as características que resultam do artigo 41.º existam neste tipo de licenças. Todavia, nada refere em relação à licenças voluntárias de exploração, pelo que parece admitir a con- clusão expressa no texto, ou seja, de que pode entender-se autorização como licença volun- tária — Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., p. 385. Na sua recente obra sobre A ‘Licença’ no Direito Intelectual, OLIVEIRA ASCENSÃO acolhe mesmo esta conclusão, referindo que não existe nenhum motivo que impeça que as expressões “licença” e “autorização” sejam consideradas equivalentes — ob. cit., p. 101.
(99) Neste sentido, XXXX XXXXXXXXX XXXXXXX, Introdução ao Direito de Autor…, ob. cit., p. 135.
através dos diversos modos de exploração admissíveis. Aliás, até podem existir licenças (não exclusivas) que digam respeito ao mesmo modo de aproveitamento. Outra razão para a conclusão atrás indicada tem que ver com o facto de os tipos concretos de contratos de Direito Autor regulados na parte especial consistirem todos em licenças de utilização da obra.
6.4. Critérios de distinção
I. A distinção entre os diversos tipos de atos de disposição atrás considerados é uma matéria de elevadíssima complexidade. A principal questão que aqui se levanta é saber em que medida é que a transmissão se deve distinguir da oneração, a oneração da autori- zação e esta daquelas duas. De facto, a nossa lei previu uma tripar- tição de atos de disposição sem cuidar em estabelecer as necessá- rias fronteiras ou, pelo menos, critérios de demarcação mais ou menos precisos.
II. À partida, a transmissão é facilmente distinguível dos demais atos de disposição. Como vimos, a transmissão produz um efeito translativo (definitivo ou temporário) do direito de exclusivo da esfera do autor para a esfera do transmissário, assumindo este, nos termos da lei, a figura de “autor” no que toca à exploração eco- nómica da obra.
As dúvidas mais relevantes suscitam-se, por isso, a propósito da distinção entre onerações e autorizações (ou licenças). Em ambos os casos há a constituição de um direito novo na esfera de um terceiro que lhe permite gozar e fruir de um determinado bem imaterial. Em tese, a diferença deve estabelecer-se atendendo às consequências de cada uma destas figuras(100).
(100) Como se decidiu no acórdão do STJ de 15.12.1998, “enquanto a autoriza- ção não afecta a extensão dos direitos de autor sobre a sua obra, já a transmissão e a oneração envolvem, aquela uma privação translativa do anterior para o novo titular, esta uma compressão na órbita do titular anterior e uma aquisição originária a favor do novo titular”.
A oneração acaba sempre — como o próprio nome indica — por onerar o direito de autor, diminuindo as possibilidades de exploração económica por parte do titular do direito de raiz, até ao momento em que cessa, caso em que o direito de base (re)assume a sua configuração original. À partida, a oneração partilhará da natu- reza do direito de autor, ou seja, será absoluta e, por conseguinte, oponível erga omnes(101).
Já as licenças, em termos técnicos, não representam uma one- ração do direito de autor, mantendo este a sua plenitude. Sempre que se autorize a fruição ou utilização da obra por terceiro, total ou parcialmente, o direito de autor permanecerá na esfera jurídica do criador intelectual, não havendo qualquer fenómeno transmis- sivo(102). Para além disto, as licenças têm uma natureza diferente das onerações. À partida, não beneficiam do carácter absoluto do direito de autor. Este tópico será por nós mais aprofundado nos capítulos finais da nossa investigação.
Capítulo IV
As Licenças de Exploração da Obra
§ 7.º Aspectos introdutórios
I. Tal como se referiu atrás, o artigo 40.º, a), prevê, ao lado das transmissões e onerações, que o autor possa autorizar a utiliza- ção da obra por terceiro. Trata-se da modalidade mais frequente de exploração económica de um bem imaterial.
Em termos simples, podemos dizer que os contratos tipifica- dos ao longo do Capítulo III do Título II (edição, representação,
(101) Xxx como indica XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX, “a oneração implica a consti- tuição de um direito novo, embora derivado do direito patrimonial, o qual será, por con- sequência, de igual natureza que o direito de raiz” — A Eficácia…, ob. cit., p. 79.
(102) Neste sentido, cf., o acórdão da RP de 23.11.2006.
fixação fonográfica, etc.) do CDADC são verdadeiros tipos nomi- nados de licenças de exploração da obra. Daqui resulta um impor- tante corolário: o regime previsto na parte geral do CDADC, para as autorizações em abstracto é aplicável aos tipos concretos previs- tos na parte especial, servindo para complementar e integrar o seu conteúdo. Portanto, por exemplo, a análise ao regime específico do contrato de edição deverá ser cotejada com o regime geral do CDADC, só assim se alcançando a regulação legal completa deste tipo contratual.
Por outro lado, numa outra perspectiva, a construção dogmá- tica das licenças de direito de autor exige a consideração dos tipos negociais previstos no CDADC, em particular do contrato de edi- ção(103), como tipo paradigmático das licenças de exploração da obra(104). Daqui podem retirar-se os elementos que permitem cons- truir juridicamente o edifício das licenças, como atos de disposição.
II. Não há tipicidade taxativa de autorizações ou licenças(105). Assim, como as formas de exploração da obra não se esgotam
(103) Sobre este tipo contratual, vide, sem sermos exaustivos, na doutrina portu- guesa, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., pp. 439-458, e XXXXXXX XXXXXXX, “Contrato de Edição”, in Contratos de Direito de Autor..., ob. cit., pp. 275-297, na doutrina espanhola, XXXXXX XXXXX XXXXX, Estúdios Completos de Propriedad Intelectual, XXXXX, Xxxxxx, 0000, pp. 313-332, onde o autor detalha a evolução da regulação legal do contrato de edição na legislação espanhola e ISA- BEL ESPÍN ALBA Contrato de Edición Literaria…, ob. cit., em especial, pp. 169 e segs., e, na doutrina italiana, XXXXXXXX X. XX XXXXXXX e XXXXX XXXXXXX, I Contratti di Diritto di Autore…, ob. cit., pp. 93-166.
(104) Expressamente neste sentido, XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX, sustentando que o “o regime do contrato de edição é o modelo jurídico de outras modalidades contra- tuais de exploração de obras a partir da reprodução e distribuição de suportes físicos; o regime dos contratos de representação cénica aplica-se a outros contratos destinados à exibição pública de obras” — Contratos da Propriedade Intelectual..., ob. cit., p. 18. De igual forma, também CLÁUDIA TRABUCO salienta o seguinte a este propósito: “o contrato de edição é um contrato típico e nominado que, assumindo um papel paradigmático rela- tivamente aos demais contratos de direito de autor, em virtude da sua importância social (pelo menos histórica), concentra no seu regime disposições que são mandadas aplicar pelo legislador a outros tipos de contratos jus-autorais” — Contrato de Edição..., ob. cit., pp. 294 e 295.
(105) Neste sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., p. 385 e XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, Os Grandes Tipos de Contratos de
(evoluem com o desenvolvimento tecnológico), também a possibi- lidade de concessão de licenças é especialmente vasta. Recorde-se aqui o princípio da autonomia das formas de aproveitamento da obra, consagrado no artigo 68.º, n.º 4, que tem aqui uma importante aplicação. Por força do princípio da autonomia privada, existe uma atipicidade das licenças de direito de autor(106).
Em termos sistemáticos, em primeiro lugar, o CDADC trata de algumas licenças típicas e nominadas que já acima se identificaram. O regime que lhes é aplicável é o especificamente previsto para cada tipo contratual, complementado com o disposto na parte geral. A par destas surgem, em segundo lugar, outras autorizações que,
em regra, também equivalem a negócios jurídicos Seguindo aqui a sistemática propugnada por XXXXX XXXXXX XXXXXXXX(107), é o caso da autorização para a produção cinematográfica (artigo 124.º), a auto- rização para a radiodifusão sonora ou visual da obra (artigo 149.º), a autorização para a exposição pública de obras de arte (artigo 149.º) e a autorização para a transformação da obra (artigo 169.º).
Todas estas autorizações comungam de elementos comuns às licenças típicas atrás referidas, nomeadamente a circunstância de não terem nenhum efeito sobre a titularidade do direito patri- monial de autor, mantendo-se este na esfera do concedente. Como regra, estas “autorizações” podem ser qualificadas como licenças de direito de autor. Apesar de surgirem identificadas no CDADC, o seu regime não surge detalhado, pelo que haverá que
Direito de Autor…, ob. cit., p. 403. XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX, depois de se referir aos tipos contratuais previstos na Parte Especial do CDADC, conclui que “o conjunto não é taxativo, porque, ao abrigo e nos limites da autonomia contratual (…), outros tipos sociais e atípicos podem ser engendrados” — Contratos, II…, ob. cit., p. 229.
(106) Apesar da aticipidade nesta matéria, há autores que propõem alguns critérios de “arrumação”. É o caso de XXXXX XXXXXX XXXXXXXX, que distingue quatro tipos de autorizações para: (i) divulgação da obra; (ii) utilização da obra; (iii) modificação da obra e (iv) gestão de direitos patrimoniais do autor — Os Grandes Tipos de Contratos de Direito de Autor…, ob. cit., pp. 403 e 404. Não comungamos da visão do autor quanto a este último tipo de licença, que nos parece que não deveria ser equiparado aos restantes tipos. Já XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX divide os contratos de licença de direito de autor em qua- tro grandes categorias: (i) contratos para reprodução da obra; (ii) contratos para a explora- ção da fruição sensorial direta; (iii) contratos para a produção modelar e (iv) contratos para a transformação da obra — Contratos, II…, ob. cit., p. 229.
(107) Os Grandes Tipos de Contratos de Direito de Autor…, ob. cit., p. 396.
considerar o regime geral das autorizações dos artigos 40.º e segs., e, eventualmente, alguns aspectos de regime consignados na parte especial.
Por fim, em terceiro lugar, face à autonomia privada nesta matéria, são ainda configuráveis licenças sem qualquer reflexo na parte especial do CDADC, que poderíamos chamar inomina- das(108). Quanto a estas, o regime aplicável é, unicamente, o pre- visto na parte geral do CDADC, suplementado pelo disposto no Código Civil.
§ 8. Noção de licença de exploração
I. O CDADC não oferece qualquer noção do que se deve entender por contrato de licença de exploração. De todo o modo — e ainda que como primeiro ensaio — entendemos que a licença (voluntária), corresponde a um negócio jurídico pelo qual o titular do direito patrimonial de autor (na nossa investigação, em especial o criador intelectual) autoriza uma outra pessoa a explorar um ou mais modos de aproveitamento económico de um bem imaterial(109).
(108) Não consideramos estas licenças como atípicas pelo facto de o CDADC pre- ver — ainda que, é certo, sem grande desenvolvimento — um regime geral aplicável, em nosso entender, a qualquer tipo de licença de exploração de direito de autor. A regulação legal é suficiente para afastar a qualificação de atipicidade. No sentido da distinção entre contratos nominados e inominados no direito francês, XXXXX XXXXX e XXXXX-XXXXXXX XXXXX, Traité de la Propriété Littéraire et Artistique…, ob. cit., p. 393.
(109) Numa formulação próxima, XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX sugere uma defi- nição ampla de contrato de licença como sendo o “contrato pelo qual o titular de um direito sobre uma coisa incorpórea (licenciante) proporciona a outrem (licenciado) o uso desse direito ou de uma faculdade desse direito” — Contratos, II…, ob. cit., p. 220. Este autor retoma esta definição na sua obra mais recente, Contratos da Propriedade Intelec- tual..., ob. cit., p. 17, onde sustenta que o contrato de licença “é aquele pelo qual o titular de um direito sobre um bem intelectual proporciona a outrem, normalmente de modo tem- porário e oneroso, o uso da totalidade ou de algumas das faculdades desse direito”. Na perspetiva do direito industrial, J.P. XXXXXXX XXXXXXX define licença voluntária de patente como o “negócio jurídico pelo qual o titular (ou, inclusivamente, o requerente) de um direito de patente autoriza temporariamente, conquanto por todo o tempo de vigência da patente, uma outra pessoa a exercer a totalidade ou somente algumas das faculdades jurídicas singulares de utilização económica inerentes ao direito de patente de que se é titular” — Contrato de Licença de Patente..., ob. cit., p. 398.
Desta noção preliminar resulta que, para nós, a licença tem que ser um negócio jurídico e, em regra, será multilateral ou con- trato(110) e sinalagmático. Só haverá licença de direito de autor quando seja concedida pelo titular do direito patrimonial, e este poderá ser o criador intelectual ou uma outra entidade. Outra nota característica é o facto de, através da licença, o licenciante ficar autorizado a participar na exploração económica da obra.
Ilustrando a situação poderíamos referir — num tom mais romanceado — que a “barreira” que impede que terceiros se imis- cuam na exploração económica de uma obra é levantada pela licença de forma a permitir ao beneficiário da licença gozar, com reflexos económicos, de uma coisa incorpórea(111). Todavia, essa participação tem de ser feita com integral respeito pelas condições definidas no respectivo título, o que se destina a salientar o domí- nio do titular do direito patrimonial de autor nesta matéria(112). É a
(110) Para efeitos da nossa investigação, interessam-nos sobretudo os casos de negócios multilaterais ou contratos.
(111) Colocando este aspeto em destaque, XXXXXX XXXXXXX e XXXX XXXXXXX refe- rem que “at a basic level a licence is merely a permission to do an act that would other- wise be prohibited without the consent of the proprietor of the copyright. A licence enables the licensee to use the work without infringing. So long as the use falls within the terms of the licence, it gives the licensee an immunity from action by the copyright owner” — Intel- lectual Property Law… ob. cit., p. 264. No mesmo sentido, XXXXX X. BAINBRIDGE salienta que “a licence is an agreement between the owner of the copyright (the licensor) and anot- her person (the licensee) whereby that person is permitted to do certain acts in connection with the work that would otherwise infringe the copyright in the work” — Intellectual Pro- perty…, ob. cit., pp. 103 e 104. Também XXXXXXXX X. XX XXXXXXX e XXXXX XXXXXXX refe- rem que “quanto alla licenza, questa ha lo scopo di consentire al licenziatario lo svolgi- mento di determinate utilizzazioni economiche dell’ opera, secondo le condizioni ed entro i limiti di tempo indicati dalla licenza stessa. La licenza rende lecite attività di utilizza- zione dell’ opera che altrimenti sarebbero illecite e comporterebbero responsabilità civili e penali” — I Contratti di Diritto di Autore…, ob. cit., p. 34. No sentido do texto, vide, ainda, OLIVEIRA ASCENSÃO, o qual considera que a licença é uma autorização, no sentido em que o “titular abre uma brecha no seu exclusivo, admitindo o exercício do direito de outrem. Admite alguém a partilhar do exercício do direito, nas condições legal ou autono- mamente estabelecidas” — A ‘Licença’ no Direito Intelectual…, ob. cit., p. 97.
(112) A necessidade de respeitar os termos da autorização é um princípio bem explícito no artigo 112.º. Aqui se determina que a “a representação sem autorização ou que não se conforme com o seu conteúdo confere ao autor o direito de a fazer cessar ime- diatamente, sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal do empresário ou promo- tor do espetáculo” (sem destaque no original). Este artigo equipara as situações de explo-
este que compete determinar os modos e as condições de explora- ção admitidas.
II. A este propósito, é de notar que tem sido discutido na doutrina qual a sanção aplicável no caso de os limites da licença serem excedidos. Note-se que o tema não é despiciendo, na medida em que o direito de autor beneficia de uma tutela civil e penal (e ainda contraordenacional). Assim, caso o licenciado exerça os direitos que lhe foram concedidos para lá dos limites impostos (tipicamente em termos contratuais), o que interessa saber é se incorre apenas em responsabilidade civil (aquiliana ou contratual) ou também em responsabilidade penal. MENEZES XXXXXX parece inclinar-se para esta última posição, salientando que a “autoriza- ção apenas permite a utilização ou exploração dentro dos estritos limites em que é concedida, já que se a parte a utilizar fora desses limites, comete o crime de usurpação (art. 195.º, n.º 2, c)), para além da responsabilidade civil inerente”(113). Já OLIVEIRA ASCEN- SÃO tem um entendimento diferente. Entende este autor que apenas as violações que atingem o exclusivo autoral, e mais concreta- mente o direito sobre o bem intelectual em causa, geram responsa- bilidade penal, mas não já as violações de puras cláusulas contra- tuais, embora reconheça que, na prática, pode ser difícil distinguir estas situações(114).
A nosso ver, a razão parece estar com este último autor. De facto, concordamos com a sua visão de que os crimes contra os direitos intelectuais têm que ter um fundamento forte, sob pena de se criminalizar condutas que não têm a necessária ressonância ética negativa na comunidade que justifique a aplicação da sanção mais grave que o ordenamento jurídico consagra. Pense-se, por exemplo, num mero atraso ou mesmo incumprimento do paga- mento do preço. Será que deve gerar responsabilidade criminal?
ração da obra, sem qualquer autorização, às de exploração com desrespeito do estabelecido no título constitutivo, o que demonstra bem a importância de respeitar o disposto na licença.
(113) Direito de Autor..., ob. cit., p. 180.
(114) A ‘Licença’ no Direito Intelectual..., ob. cit., p. 110.
Não nos parece. Trata-se pura e simplesmente da violação de uma cláusula contratual que gera a necessária responsabilidade civil, mas nada mais para além disso. Já a utilização de uma obra através de um modo de aproveitamento económico que não foi autorizado na licença, atinge o direito de exclusivo do autor e, como tal, é pas- sível de merecer a sanção penal prevista, para além, naturalmente, da responsabilidade civil(115).
§ 9. Objecto do contrato de licença
I. Do artigo 41.º, n.º 3, parece decorrer que as licenças de exploração teriam como objecto as formas de utilização da obra (há aqui uma referência implícita para o artigo 68.º) designadas no título constitutivo. O próprio artigo 43.º, n.º 1, a propósito das one- rações, refere que estas têm por mero objecto os modos de utiliza- ção designados no ato que as determina. Estas referências legais necessitam, contudo, de algum aprofundamento.
De facto, o legislador parece confundir o conteúdo do negócio em si com o seu objecto. No entanto, a doutrina é clara em distinguir estas realidades. Tipicamente, chama-se objecto imediato (ou con- teúdo do negócio) aos efeitos jurídicos a que o negócio tende, ou seja, à relação jurídica por ele instituída, e objecto mediato ou strictu sensu ao quid sobre o qual irão recair os efeitos do negócio(116).
(115) A título de exemplo, note-se que no acórdão da RL de 16.7.2009 considerou- se que a difusão de uma obra musical para além do período autorizado na respetiva licença envolvia responsabilidade civil aquiliana.
(116) Vide, XXXX XXXXX, Teoria Geral do Direito Civil…, ob. cit., p. 553 e MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I…, ob. cit., pp. 673 e 674. Este último autor salienta que o “conteúdo do negócio corresponde à regulação por ele desencadeada; ao conjunto das regras que, por ele ter sido celebrado, tenham aplica- ção ao espaço que as partes tenham entendido reger (...). Do conteúdo deve distinguir-se o objecto; este tem a ver não com a regulação em si, mas com o quid sobre que irá recair a relação negocial propriamente dita. Por exemplo, celebrado um contrato de compra e venda, verifica-se que as regras aplicáveis, por via dele, às partes, constituem o seu con- teúdo; assim, a transmissão da propriedade e as obrigações de entrega da coisa e do preço; a coisa ou direito transmitidos formam o seu objecto”. Importa ainda notar o que refere XXXXXXXXX XXXXXX XXXXXX a este propósito. Vide, Manual dos Contratos em Geral,
Munidos desta conceptualização doutrinária, podemos assentar que o objecto mediato da licença de exploração é a obra em si(117), como bem imaterial que transcende a sua exteriorização num suporte corporal. De facto, é sobre a obra que irão recair os efeitos do negócio. Já o objecto imediato consiste nos modos de aproveita- mento da obra que são concedidos pelo titular do direito patrimonial a um terceiro. Em regra, a definição das formas de utilização da obra corresponderá ao conteúdo essencial do negócio jurídico em si, defi- nindo os contornos e a essência da relação jurídica das partes(118).
II. Ainda quanto ao objecto, note-se que lei não impõe que as licenças de exploração só possam ter como objecto mediato uma única obra. O artigo 85.º, ao permitir que o contrato de edição tenha por objecto uma ou mais obras, é expresso nesse sentido(119).
Refundido e Atualizado, Coimbra Editora, 2002, pp. 406-412. Este autor salienta que “o ‘objecto imediato’ cifra-se, pois, na substância da relação, nos direitos e obrigações que a integram (...). Objecto mediato da relação jurídica é, por sua vez, o quid sobre que recaem os direitos (e obrigações) integrantes do objecto imediato. Esse quid reconduz-se, basicamente, a uma pessoa, um facto ou uma coisa”.
(117) Não concordamos, por isso, com XXXXXXX XXXXXX XXXXXXXX quando este autor sustenta que “só aparentemente o objecto de todos os contratos de direito de autor é o gozo de uma obra intelectual. Ao gozo destas coisas se referem as transmissões, as onera- ções e as licenças. Se a obra for transmitida o transmissário adquire com ela o direito de autor. Também a oneração pressupõe a constituição na esfera jurídica do usuário de um direito de gozo, por decomposição de uma das possibilidades de aproveitamento da obra que integra o exclusivo de exploração económica, o qual fica parcialmente diminuído (...). A obra será, portanto, o objecto das transmissões e das onerações, enquanto o objecto das licenças não é a coisa incorpórea, mas a prestação devida pelo seu dono” — A Eficácia… ob. cit, pp. 150 e segs. Aliás, como veremos mais abaixo, esta conclusão permite diferenciar as licenças consoante o objecto destas seja ou não a obra, o que poderia ser mais complicado no caso de o objecto do contrato ser uma prestação do titular do direito.
(118) Embora, em rigor, não seja particularmente claro, a regulação dos tipos con- tratuais específicos da parte especial do CDADC permite acomodar a conclusão. Assim, a título de exemplo, o artigo 85.º salienta que o contrato de edição tem sempre como objecto uma ou mais obras (objecto mediato). Contudo, se atentarmos na definição de contrato de edição que emana do artigo 83.º, percebe-se que aí se regula o objecto imediato do negócio ou, se quisermos, o seu conteúdo típico: “considera-se edição o contrato pelo qual o autor concede a outrem, nas condições nele estipuladas ou previstas na lei, autorização para produzir por conta própria um número determinado de exemplares de uma obra ou con- junto de obras, assumindo a outra parte a obrigação de os distribuir e vender”.
(119) Explicando que o objecto do contrato de edição é uma obra, KAMEN TROLLER,
Précis du Droit Suisse…, ob cit., p. 290. Mais à frente o mesmo autor destaca que “l’objet
Assim, nada impede, em nosso entender, que uma licença de exploração tenha como objecto várias obras. Já será mais proble- mático saber se devem ser obras da mesma natureza ou se podem ser de natureza diferente. Supomos que a última interpretação deve ser a correta. Todavia, como na maior parte dos casos os modos de exploração diferem consoante a obra em causa, entendemos que deve existir uma preocupação adicional, no conteúdo da licença, em distinguir entre as formas de utilização admitidas para uma obra e para a outra. Trata-se aqui de dar cumprimento à exigência do artigo 41.º, n.º 3, que impõe a especificação dos modos de utili- zação concedidos ao terceiro através da licença. Aliás, será até desejável que igual preocupação existisse mesmo perante obras da mesma natureza, já que nada impede que as formas de exploração sejam mais abrangentes numas obras do que noutras.
III. Sendo a obra, como bem intelectual ou coisa incorpó- rea, o objecto imediato da licença, pode questionar-se se este con- trato só pode ter como objecto obras preexistentes ou se pode tam- bém abranger obras futuras(120).
A nosso ver, a resposta correta é a segunda(121). Tal resulta, desde logo, do artigo 48.º. Apesar de o legislador parecer restringir esta norma aos atos de transmissão e de oneração, não vemos nenhuma razão para que o princípio ali ínsito não seja extensível às
du contrat de licence este un bien immatériel que le preneur de licence veut utiliser. Des lors, l’existence du bien immatériel ainsi que la faculté du donneur de licence de pouvoir en disposer librement en faveur du preneur de licence sont des conditions essentielles du contrat de licence” (p. 294).
(120) Sobre esta questão, vide, na perspectiva do direito francês, XXXXXXX XX XXX- XXXXX e XXXXXX XXXXXXX, Précis du Droit d’ Auteur…, ob. cit., pp. 328 e segs. Estes auto- res entendem — e acompanhamos o seu raciocínio — que obras futuras são todas as que ainda não foram criadas, abrangendo aquelas em relação às quais o criador intelectual possa já ter uma ideia ou um esboço (p. 29.).
(121) Notamos, contudo, em termos de direito comparado, que o artigo 131-1 do Code de La Propriété Intellectuelle veda a cessão global de obras futuras. Já a lei alemã (Urheberrechtsgesetz) admite genericamente os acordos sobre obras futuras (não determi- nadas ou determinadas apenas pelo género). O §40(1) exige que estes acordos sejam cele- brados por escrito e consagra o direito do autor de os revogar no prazo de 5 anos após a sua celebração. Este direito é irrenunciável (cf., o §40(2)).
licenças de exploração da obra(122). E, é tanto assim, que logo no artigo 104.º, a propósito do contrato de edição, o legislador vem dar o dito por não dito e admite expressamente a edição de obras futuras(123). Por outro lado, o próprio artigo 399.º do CC vem admitir a prestação de coisa futura em termos gerais, não se encon- trando em nenhum lado do CDADC, bem pelo contrário, uma proi- bição de prestação de coisa (incorpórea) futura.
Ora, com base nesta ordem de ideias, pensamos poder erigir um princípio geral que admite que as licenças de exploração tenham como objecto não apenas obras preexistentes, como tam- bém obras futuras. Assim, por exemplo, pensamos ser admissível uma licença que autorize a representação cénica de obras futuras de um determinado criador intelectual ou a fixação de obras musicais futuras ou outros modos de exploração económica de uma obra.
IV. A nosso ver, a questão mais relevante que aqui se levanta nem é tanto saber se as licenças de exploração podem ter como objecto obras futuras; é, sim, saber se devem existir limites à celebração de licenças sobre obras futuras. Em relação a esta ques- tão, o nosso entendimento é afirmativo.
Por uma questão de proteção do autor, consideramos aplicável o prazo máximo de 10 anos previsto no artigo 48.º, n.º 1. Assim, a atribuição de uma licença de exploração sobre obras futuras só pode abranger as que o autor vier a criar neste lapso temporal(124/125),
(122) No mesmo sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., pp. 428 e 429.
(123) Importa aqui recordar que o regime dos vários contratos tipificados na parte especial do CDADC remete, na maior parte das vezes, para o regime do contrato de edição, pelo que esta é mais uma das razões que podem justificar, em nosso entender, que se infira destas disposições um princípio de carácter geral.
(124) Uma questão relevante que aqui se pode suscitar é a seguinte: Admitindo que uma obra foi iniciada antes do prazo de 10 anos, mas concluída depois deste prazo, deve entender-se que ainda está abrangida pelo artigo 48.º ou não? Xxxxxx ver, a questão deverá ser resolvida pelas partes, mas, em caso de dúvida, o que deve contar é a data de conclusão da obra pois é aí que assume a forma final de criação intelectual que justifica, na maior parte dos casos, a sua proteção através do sistema de Direito de Autor. Tal como salientam XXXXXXX XX XXXXXXXX e XXXXXX XXXXXXX : “Le critère ne doit pas être différente de celui qui détermine si et à partir de quand il y a œuvre protégée par un droit d’auteur” — Précis du Droit d’Auteur…, ob. cit., p. 329.
(125) O artigo 48.º, n.º 3, estabelece que é nulo o contrato de transmissão ou onera
sendo o artigo 104.º, já atrás referido, um precioso argumento para esta conclusão.
OLIVEIRA ASCENSÃO, defende que o artigo 48.º exige sempre a determinação da obra, o que exclui, portanto, contratos de alienação de todas as obras que o autor vier a produzir no espaço de 10 anos. Este autor estende esta limitação às autorizações ou licenças. Salvo o devido respeito, não acompanhamos o insigne Professor nesta maté- ria. Sendo as autorizações ou onerações atos de disposição do con- teúdo patrimonial do direito de autor particularmente gravosos, per- cebe-se e concorda-se com o que OLIVEIRA ASCENSÃO sustenta(126). Mas já não no caso das autorizações. Estas não atingem o direito patrimonial de autor, limitam-se a permitir que um terceiro participe na exploração da obra. Além do mais, o artigo 41.º, ao contrário do artigo 44.º, não exige a identificação da obra. Idêntica conclusão pode ser extraída a propósito do artigo 104.º, que, constituindo o regime mais detalhado das licenças de exploração sobre obras futu- ras, em lado nenhum exige a identificação das obras a concluir.
ção de obras futuras sem prazo limitado. Como referimos, entendemos que este artigo é igualmente aplicável aos casos de licença de exploração. De qualquer forma, importa salientar que a sanção de nulidade é excessiva. A melhor solução, para as situações de falta de indicação de prazo, seria a limitação temporal do contrato em causa aos dez anos postu- lados no n.º 1 do artigo 48.º. Neste sentido, XXXX XXXXXXXXX XXXXXXX, Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, Anotado, 3.ª ed., Revista e Atualizada, Âncora Editora, Lisboa, 2002, p. 91. Esta já é a consequência legal quando o contrato vise obras produzidas em prazo mais dilatado do que os 10 anos (cf., artigo 48.º, n.º 2). Além do mais, esta inter- pretação daria cumprimento ao princípio geral do direito civil de melhor aproveitamento dos negócios jurídicos. Neste sentido, vide, XXXXXX XXXXXX, que distingue entre os contra- tos de transmissão sobre toda e qualquer obra que o autor criará, considerando que os mes- mos são nulos, por consistirem uma excessiva limitação à personalidade do autor; dos con- tratos que tenham por objecto ou mais obras que o autor criará num espaço de tempo determinado, considerando que estes já serão válidos, uma vez que se trata de um vínculo temporário — Il Diritto di Autore…, ob. cit., p. 550.
(126) Xxxx, XXXXXXX XX XXXXXXXX e XXXXXX XXXXXXX, Précis du Droit d’ Auteur…, ob. cit., pp. 329 e 330, defendendo que para a cláusula ser válida é necessária a determinabi- lidade da obra: “est évidemment valable la cession de droits sur une ouvre future déterminée («la biographie, que je viendrais à écrire, de telle personne»)”. Concordamos com os auto- res quando exigem a determinabilidade da obra, embora notemos que a sua principal preo- cupação parece ser o caso de transmissão do direito patrimonial de autor que é, claramente, a situação onde a posição do legislador deve ser mais exigente. Mas não nos parece, con- tudo, que idêntico raciocínio se possa importar, sem mais, para as licenças de exploração.
Assim, a nossa posição é a de que é possível que as licenças tenham como objecto obras futuras, quer estas sejam já identificá- veis ou não. O limite é que é sempre o de 10 anos, de acordo com o artigo 48.º.
V. Acresce referir que entendendo que do artigo 104.º emerge um princípio geral nesta matéria, temos de daí retirar todas as conclusões. Assim sendo, consideramos que o regime previsto neste artigo, em especial a possibilidade de fixação judicial de prazo para a entrega da obra, deve ser aplicável a qualquer licença de exploração de obra, mesmo quanto às inominadas. A exceção será quando as partes disciplinam de forma diferente, o que também é sinal da supletividade da maior parte das normas nesta matéria.
VI. Por fim, sendo o objecto da licença uma coisa incorpó- rea, é possível traçar uma distinção fundamental a este propósito. É que os artigos 40.º e segs., em especial o artigo 41.º, só se apli- cam quando estamos perante contratos que tenham como objecto a própria obra em si e não outras realidades.
Assim, é evidente que este regime não se aplica aos contratos que têm como objecto, não a obra em si, mas sim o seu suporte cor- póreo (corpus mechanicum). Por exemplo, a compra e venda de um suporte que contém uma obra, à partida, não tem a obra como objecto e, nessa medida, não lhe é aplicável o regime dos artigo 40.º e segs. Mais importante do que este exemplo são os casos das licen- ças de utilização que se podem projetar sobre a obra, mas que não tem este quid como objecto.
O caso tem sido particularmente analisado a propósito das licenças de software(127). Nestes casos, o titular do software autoriza
(127) Estes tipos de contratos são tipicamente chamados de “acordos de licença de utilização de suporte lógica”. Sobre esta matéria, vide, XXXXX XXXXXXXX, “Contratos de Software”, texto preparado por Xxxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx in Direito dos Contratos e da Publicidade, Coimbra, 1996, XXXXX XXXXX, “Contratos de Licença de Utilização e Contra- tos de Encomenda de ‘Software’”, in Num Novo Mundo do Direito de Autor, tomo II, Cos- mos, Lisboa, 1994, pp. 695 e segs., e XXXXXXXX XXXXXXXX, “Il Contratti ad Oggeto Infor- matico: La Licenza d’Uso e Il Contrato di Sviluppo Software”, in Il Nuovo Diritto, n.º IX, 2003 (*), pp. 88 e segs., CLÁUDIA TRABUCO, O Direito de Autor e as Licenças de Utilização sobre Programas de Computador…, ob. cit., pp. 139-169.
a utilização do programa por terceiros, regra geral, um utilizador final. Nestes casos, pode questionar-se se este tipo de contratos deve ou não ficar sujeito ao regime do artigo 41.º? A resposta deve ser negativa. E é negativa pela circunstância de que neste tipo de contra- tos não se trata nem de transmitir direitos sobre o programa, nem de autorizar a sua exploração económica, mas antes permitir somente a um utilizador final que utilize, licitamente, uma cópia do programa.
O objecto destes acordos não é, portanto, a obra em si, mas sim meramente uma cópia ou um exemplar da obra(128). De facto, este conjunto de licenças de utilização versa não sobre a fruição económica do programa (como obra protegida pelo direito de autor), que se encontra reservada, como vimos, ao respectivo titu- lar do direito patrimonial de autor, mas sim sobre a utilização de uma sua cópia. Ou seja, estamos no nível de consumo de cópias do programa. Diferentemente do que sucede ao nível das licenças de exploração de software, em que o objecto é o próprio programa em si e onde um terceiro fica investido no direito de participar na exploração económica da obra, as licenças que tenham por objecto as cópias ou exemplares do programa de computador não atribuem quaisquer direitos sobre o software em si, porquanto o programa não constitui o objecto da licença concedida.
Sendo assim, podemos então concluir que o regime do CDADC para as licenças (ou autorizações), em especial o artigo 41.º, só se aplica aos negócios jurídicos que tenham por objecto as próprias obras em si e não os respectivos exemplares ou cópias. Para estes valerão as regras gerais sobre negócios jurídicos(129).
(128) Tal como salienta XXXXX XXXXXXXX, “o objecto desta constelação de licenças é uma cópia do programa, não o programa em si”, idem, p. 113. No mesmo sentido, CLÁU- DIA TRABUCO, O Direito de Autor e as Licenças de Utilização sobre Programas de Compu- tador…, ob. cit., pp. 167 e 168. Esta autora refere, nesta última página, que “contrariamente ao que sucede com as licenças de exploração das obras intelectuais em geral, incluindo também os programas de computador, são contratos que não visam o aproveitamento eco- nómico dos programas, mas a utilização final de cópias destes (...). Não se verifica a dispo- sição do direito de reprodução do programa (não são, pois, licenças de exploração) nem de um direito de propriedade sobre o exemplar (pelo que é de rejeitar a qualificação como compra e venda). O objecto da licença é um exemplar do programa de computador, resul- tante da incorporação da criação intelectual num suporte material (...)”.
(129) O entendimento é igual no direito francês, já que se considera que as regras
§ 10. Forma do contrato de licença
I. Já acima referimos que um dos traços comuns aos vários atos de disposição do conteúdo patrimonial do direito de autor é a sua solenidade. No caso das licenças, o artigo 41.º, n.º 2, estabelece em termos gerais e de forma expressa que “a autorização a que se refere o número anterior só pode ser concedida por escrito (…)”(130).
Quanto a esta regra lapidar, é nosso entendimento que a cir- cunstância de o legislador ter inserido esta exigência, na parte geral do direito contratual de autor, só pode querer significar que as licenças inominadas têm de seguir esta forma, não podendo ser atribuídas sem ser através de documento escrito. No caso das licen- ças nominadas, previstas na parte especial do CDADC, é o próprio regime de cada uma que acaba por determinar o seu carácter for- mal, pelo que, em boa verdade, a norma genérica do artigo 41.º, n.º 2, nada acrescenta no caso das licenças previstas no CDADC, ape- nas reforça a sua formalidade.
Podemos assim concluir que, em regra, as licenças de explo- ração da obra têm de assumir a forma escrita(131). São, por esta razão, negócios solenes.
II. No entanto, a este propósito podem levantar-se vários problemas. Desde logo, de um ponto de vista estritamente formal, o artigo 41.º, n.º 2, diz-nos que as exigências de forma só se apli- cam às autorizações previstas no número anterior e a verdade é que o n.º 1 do mesmo artigo só se refere às autorizações para divulgar,
de forma aplicáveis às transmissões e às licenças não se aplicam às coisas materiais que incorporam um obra. Neste sentido, XXXXXXX XX XXXXXXXX e XXXXXX XXXXXXX, que salien- tam que: “La règle [de forma] s’applique à «tous les contracts» (cessions, licences, etc.) mais il a été rappelé à jus titre que la règle ne s’applique pas aux contrats portant sur un objet (livre, statue, disque, et.) reproduisant une ouvre ou une prestation” — Précis du Droit d’ Auteur…, ob. cit., p. 316.
(130) Salientando a necessidade de redução a escrito da licença, cf., o acórdão do STJ de 14.03.2006.
(131) A exceção parece ser as licenças de bens informáticos, uma vez que o artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 252/94, não remete para o artigo 41.º do CDADC. Neste sentido, XXXXXXXXX XXXX XXXXXXXX, Contratos de Licença de Software e Bases de Dados..., ob. cit., p. 352.
publicar, utilizar ou explorar a obra. Poderia assim questionar-se se a exigência de forma é apenas para estes casos ou se também deve abranger outras licenças.
Uma resposta a esta pergunta exigiria, em primeiro lugar, que fosse possível conceber uma licença que não coubesse em nenhum dos quatro tipos previstos no n.º 1 do artigo 41.º. Atendendo à abrangência dos conceitos ínsitos nesta norma, nomeadamente a noção de “utilização” e de “exploração”, a tarefa afigurasse-nos complicada. De facto, parece que todas as formas de utilização da obra referidas no artigo 68.º, n.º 2, cabem (sem grande esforço) no âmbito das noções de divulgação, publicação, utilização e explora- ção utilizadas no artigo 41.º.
Todavia, mesmo que fosse possível configurar uma licença que escapasse ao esforço conceptual do legislador (o que é, à par- tida, possível, uma vez que o artigo 68.º, n.º 1, admite formas de exploração da obra ainda não conhecidas), a nossa resposta não se alteraria. Com efeito, não vemos nenhuma razão que pudesse justi- ficar que licenças que não fossem de divulgação, publicação, utili- zação ou exploração tivessem um regime, em termos de forma, diferente das demais.
III. Mas a grande questão que se levanta a propósito das exi- gências de forma das licenças é saber se o requisito imposto pelo legislador traduz uma formalidade ad substantiam ou apenas ad pro- bationem. A diferença, como se sabe, assenta na circunstância de a primeira ser necessária para a própria consubstanciação do negócio em si e a segunda ter como principal propósito demonstrar a existên- cia do negócio, facilitando, assim, a sua prova(132). Nesta matéria, existe uma grande polémica na doutrina e na jurisprudência(133).
A questão levanta-se, desde logo, pelo facto de o artigo 41.º, ao contrário dos artigos 43.º, n.º 2 e 44.º, referentes às transmissões e onerações, não cominar com nulidade a falta da forma exigida
(132) Vide, MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I…, ob. cit., p. 566.
(133) Para uma análise mais extensa deste tópico, vide, XXXXX XXXXXXXX XXXXX, Questões de Forma nos Contratos de Exploração…, ob. cit., pp. 778 e segs.
para o negócio. Assim, entre nós, no sentido de que se trata de uma formalidade ad probationem encontram-se XXXX XXXXXXXXX XXXXXXX(134) e XXXXXXX XX XXXXXX XXXXXXXX(135). Também a
jurisprudência tem vindo, quase unanimemente, a defender esta posição(136). Em sentido contrário, encontra-se XXXXX XXXXXXXX
(134) Este autor refere, a este propósito, o seguinte: “discute-se, porém, se se trata de uma condição substancial — caso em que, na sua ausência, o negócio seria nulo, por força do disposto no artigo 220.º do Código Civil —, ou apenas uma exigência probatória, uma vez que, diversamente do que acontece em relação às figuras da transmissão (artigo 43.º, n.º 2) e da alienação (artigo 44.º), não se comina no artigo 40.º a nulidade como sanção para a sua falta. A segunda alternativa parece mais lógica, o que leva a transferir para o usuário o onus probandi da autorização” — Introdução ao Direito de Autor…, ob. cit., p. 136. Também no comentário ao artigo 41.º do CDADC, o mesmo autor sublinha que “diversamente, porém, do que se verifica em relação aos atos de transmissão (total ou parcial) do direito, que a lei fere de nulidade se não for observada a forma pres- crita nos artigos 43.º/2 e 44.º, o documento escrito exigido para a autorização constitui mera formalidade ad probationem, e não, como naqueles casos, ad substantiam, o que, na sua ausência, leva a transferir para o utilizador o ónus da prova” — Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos…, ob. cit., pp. 85 e 86.
(135) Em referência à regra do artigo 41.º, n.º 2, este autor defende que “[tem], pois, um alcance limitado e reduzido, de mera eficácia ad prodandum e não ad substan- tiam” — A Eficácia… ob. cit., pp. 27 e 28. Refere que esta norma justifica-se mais na necessidade tida por geral no CDADC de assegurar a existência de um documento que comprove a celebração do contrato de autorização. Este autor, contudo, não se refere espe- cificamente às questões de transmissão, pelo que fica, assim nos parece, uma lacuna no seu raciocínio. Para além disso, parece-nos que sua posição desconsidera completamente a própria letra da lei, já que no artigo 87.º, n.º 2, o legislador foi claro ao referir que a falta de redução do contrato a escrito conduz à nulidade do negócio, pelo que não se percebe como conceder neste caso que a formalidade é meramente ad probandum. No sentido de que não é conciliável com a sanção de nulidade uma mera forma ad probationem, OLIVEIRA ASCEN- SÃO, Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., pp. 426.
(136) Neste sentido, o acórdão do STJ de 21.04.1988, onde se estabelece que “o contrato de reprodução deve revestir a forma escrita. Tal exigência de forma escrita cons- titui uma formalidade ad probationem reclamada apenas e de modo não absoluto para a prova do negócio”. Em igual sentido, o acórdão do STJ de 15.12.1998, onde se considerou que “o próprio autor da obra pode autorizar a fruição e utilização da obra por terceiro, autorização que deve ser concedida por escrito e se presume ser onerosa. Este escrito é uma forma legal ‘ad probationem’”. Mais recentemente, o acórdão do STJ de 14.03.2006 alinha pelo mesmo diapasão, salientando que “a não redução a escrito da autorização a que se reporta o art. 41.º, n.º 2 do Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos não fulmina aquela de nulidade, já que se está ante uma formalidade ad probationem cuja ausência leva, tão só, a transferir para o utilizador o ónus da prova”. No acórdão do STJ de 01.07.2008, decidiu-se que “a não redução a escrito da autorização a que se reporta o artigo 41.º, n.º 2, do Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos não fulmina
ROCHA(137). OLIVEIRA ASCENSÃO(138) deixa a questão em aberto. Que pensar de tudo isto?
Ora, em nosso entender, o problema deve ser considerado numa dupla perspectiva. De iure constituto, não nos parece que exista margem para defender outra coisa que não a de que a exi- gência de forma escrita é uma formalidade ad substantiam. Há diversas razões que apontam claramente neste sentido.
Por um lado, e mais importante, a nosso ver, a maior parte dos autores parece esquecer o princípio condutor que decorre do artigo 220.º do CC. Daqui decorre, de forma clara, que “a declara- ção negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei”. Por conseguinte, impondo o artigo 41.º, n.º 2, a forma escrita para as licenças de exploração da obra, quando a declaração negocial não respeite esta formalidade, o Código Civil impõe a nulidade do negócio. Parece-nos assim carecer de justificação a posição doutri- nária que pretende retirar da falta de referência à nulidade no artigo 41.º, n.º 2, um argumento para sustentar que se trataria de uma mera formalidade ad probationem(139). É que, em rigor, nem sequer seria necessário cominar de nulidade a falta de cumpri- mento do requisito de forma. O próprio artigo 220.º do CC, como regra transversal a todo o sistema civilístico privado, encarrega-se de o fazer. Desta forma, o facto de o artigo 41.º, n.º 2, não apontar como consequência a nulidade do negócio celebrado sem ter sido
aquela nulidade, já que se está ante uma formalidade ad probationem cuja ausência é suprida nos termos do n.º 2 do artigo 364.º e, em termos probatórios, com os limites do artigo 393.º, ambos do Código Civil”. Por fim, no acórdão da RP de 23.11.2006 defendeu-
-se que a validade das autorizações não depende de forma escrita.
(137) Questões de Forma nos Contratos de Exploração…, ob. cit., p. 780. Concor- damos com alguns aspectos citados pela autora, mas não acompanhamos, na totalidade, o seu raciocínio.
(138) Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., p. 427.
(139) Em anotação ao artigo 219.º do CC, XXXX XXXXXXX XXXXXX destaca que “são hoje relativamente raros os casos de forma ad probationem. O Código Civil e a legislação avulsa mais importante de Direito privado não deixam documentar com facilidade casos de forma ad probationem. Quando o direito exige uma forma particular, fá-lo como pres- suposto de validade do negócio, quer dizer, ad substantiam” (sem destaque no original)
— Xxxxxxx Xxxxxxxx. Anotação ao Regime do Código Civil (Artigos 217.º a 295.º), Coim- bra Editora, 2006, p. 22.
reduzido a escrito não colide com a conclusão de que se trata de um elemento requerido para a validade do negócio, pelo que, na sua ausência, haverá que concluir pela sua invalidade(140). Este é, para nós, o argumento de maior peso que nos leva a defender a tese da forma ad substantiam.
Acresce referir, por outro lado, que a regulação legal do con- trato de edição, que — como referimos atrás — é o modelo para- digmático das licenças de exploração da obra, prevê expressa- mente no artigo 87.º que o contrato só tem validade quando celebrado por escrito e no n.º 2 indica que a sanção é a nulidade. Assim, também por aqui se poderia erigir um outro argumento que aponta no sentido de que a forma exigida é ad substantiam.
Ainda nesta ordem de ideias, concordamos com XXXXX XXX- XXXXX XXXXX quando, a propósito do artigo 43.º, n.º 2, e da referên- cia expressa à nulidade, salienta que “está por demonstrar que as hipóteses previstas no art. 43.º sejam mais gravosas para o autor do que as autorizações previstas no art. 41.º. Tudo depende de cada concreto contrato. Xxxxx pensarmos numa autorização, que se traduza numa licença exclusiva para a exploração de várias faculdades do conteúdo patrimonial do direito do autor, por um longo período, no limite por todo o prazo de proteção, frente a uma “transmissão” (oneração) de uma única faculdade por um curto período de 2 anos, por exemplo”(141). De facto, sendo evi- dente, como parece ser o caso, que as exigências de forma foram estatuídas pelo legislador como forma de proteção do autor — em especial no caso de ser este o criador intelectual da obra —, teria pouco sentido considerar que uma licença exclusiva e prolongada no tempo pudesse ser celebrada de forma consensual e que uma oneração pontual e transitória tivesse que ter uma forma escrita. Além do mais, a exigência de forma escrita parece traduzir, para o campo da formalidade, as regras erigidas no artigo 68.º a
(140) Mais uma vez, XXXX XXXXXXX XXXXXX, em anotação ao artigo 220.º do CC, des- taca que “a consequência jurídica da falta de forma legal é a nulidade do negócio jurídico. Quando a forma é ad substantiam, ela é um verdadeiro pressuposto de validade do negó- cio jurídico” — Idem, p. 24.
(141) Questões de Forma nos Contratos de Exploração…, ob. cit., p. 781.
propósito dos diversos modos de exploração da obra, os quais devem, por questões de clareza e proteção do autor, ficar descritas com o maior detalhe possível num documento escrito.
Concluímos, assim, que as regras de forma erigidas no CDADC, a propósito das licenças de exploração de obra, têm como finalidade a proteção do autor(142) e correspondem a formali- dades ad substantiam. Tratam-se de requisitos de validade do pró- prio ato de disposição que, na sua ausência, conduzem à nulidade do negócio (artigo 220.º do CC). Estas exigências aplicam-se ainda, em nosso entender, aos contratos de licença que tenham por objecto obras futuras(143).
IV. Esta é, aceite-se ou não, a perspectiva do problema de iure constituto e, portanto, são com estes dados legais que temos que contar neste momento. Isto não nos deve impedir que, numa leitura do problema de iure condendo, se defenda e se propugne o contrário. O que não nos parece possível é que se distorça o direito positivo atual para tentar chegar a uma solução que, presumivel- mente, seria a mais desejável.
E, de facto, a solução consagrada pelo legislador português não é, em nosso entender, a melhor. Com efeito, tinha mais sentido reservar as exigências de forma para os casos que, por implicarem uma gravidade acrescida na disposição do conteúdo patrimonial do direito de autor (pela sua extensão ou duração), deveriam requerer
(142) Segundo XXXXXX XXXXXXXX-XXXX, nos países de tradição romano-germânica, as exigências formais traduzem um princípio de proteção do autor; já nos países anglo-saxóni- cos, o principal objectivo é a segurança no tráfego — Les Contrats d’ Exploitation…, ob cit., pp. 172 e 173.
(143) É ainda de notar que XXXXXXX XX XX X XXXXX vai ao ponto de aplicar as regras de forma do CDADC, relativas aos atos de aquisição derivada de direito de autor, aos próprios atos que consubstanciem uma atribuição constitutiva do direito de autor. Refere este autor, a propósito das exigências de forma escrita, que a “lei exige-o para todos os atos que impliquem transmissão (“parcial”) ou oneração do direito, como condi- ção de validade — ex art. 43.º/2 CDA* e até para certas (“meras”) autorizações de utili- zação. Não se entenderia que a dispensasse em situações em que o autor convenciona a atribuição a outrem (…) de faculdade de direito de autor que conformam a situação de direito de autor, como acontece no caso previsto no art. 14.º CDA*” — Contrato de Direito de Autor…ob. cit., p. 482. Contra OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., p. 429.
uma ponderação especial. Assim acontece em alguns ordenamentos jurídicos, onde só as transmissões do direito patrimonial de autor e as licenças de carácter exclusivo carecem de forma escrita(144). Tal como refere acertadamente OLIVEIRA ASCENSÃO(145), é pouco com- preensível que pequenas autorizações, muitas vezes pontuais e de efeito imediato(146), tenham de revestir a forma escrita. Aliás, hoje em dia, as razões que justificam as exigências de forma são cada vez mais questionadas(147), criticando-se os seus fundamentos tra- dicionais.
(144) É o que acontece com os assignments do direito anglo-saxónico e também com as licenças exclusivas. Tal como referem XXXXXX XXXXXXX e XXXX XXXXXXX, “in order for an assignment to be valid, it must be in writing and signed by or on behalf of the assignor (…). where an assignment is made orally, this will be ineffective at law (…). Exclusive licences of legal interests in copyright have to be in writing and signed by or on behalf of the assignor if the licensee wishes to take advantage of their statutory entitlement to sue for infringement. This is in contrast to a non-exclusive licence, which may be made orally, or in writing; and might be contractual or gratuitous, express or implied” — Intel- lectual Property Law… ob. cit., pp. 263 e 265.
(145) Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., p. 425, salien- tando o autor que, ao menos para pequenas utilizações, os requisitos de forma exigidos por lei deveriam ser mais maleáveis.
(146) Pense-se, por exemplo, na autorização concedida por um artista (ao abrigo do artigo 68.º, n.º 2) a uma associação sem fins lucrativos para que a sua música passe num jantar de beneficência. A exigência, neste caso, de forma escrita, acoplada à sanção de nuli- dade, é, de facto, excessiva e até incompreensível. Uma possibilidade de ultrapassar este problema poderia passar por uma interpretação restritiva do artigo 40.º, limitando a sua aplicação aos casos de negócios jurídicos, mas não aos atos jurídicos simples. Neste último caso, as exigências de forma do CDADC não seriam aplicáveis. Todavia, face aos dados legais atuais, parece-nos que esta solução não tem grande conforto e poderia dar azo a vários problemas. Não obstante, é de referir que perante negócios inválidos por falta de forma, o instituto civil da conversão (artigo 293.º do CC) pode ser utilizado para assegurar o aproveitamento do negócio celebrados.
(147) Sobre o tema, vide, MENEZES CORDEIRO, salientando, a propósito das razões de reflexão que justificam as exigências de forma (e que estão na base da proteção do CDADC) que “o arvorar da reflexão a finalidade das exigências formais dos negócios implicaria a possibilidade de, em cada caso, indagar da sua efetiva ocorrência: em con- creto, verificar-se-ia se houve, ou não, a reflexão requerida, independentemente da forma. Acresce ainda que (…) o Direito atual patentearia um total desfasamento entre as exigên- cias formais e o relevo dos negócios por eles atingidos: não se requer forma especial para atos que, pelo seu papel, solicitariam reflexão madura, enquanto, pelo contrário, negócios secundários ficam dela, dependentes” — Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I…, ob. cit., pp. 568 e 569.
Por estas razões, propugnamos uma revisão profunda do regime relativo à forma das licenças de exploração da obra no sen- tido atrás propugnado. Dever-se-ia diferenciar as exigências legais de acordo com um critério de impacto e consequências do ato de disposição em causa para o autor. Atualmente, contudo, esta posi- ção esbarra com a radicalidade do nosso legislador que não parece admitir, pelo menos em termos rigorosos, outra solução que não a de que a exigência de forma das licenças é condição de validade do próprio negócio.
V. Uma última questão levanta-se a este propósito. Assu- mindo que a ausência de forma escrita conduz à nulidade do negó- cio (como parece resultar do atual direito positivo) e atendendo aqui que as razões de exigência de forma servem, sobretudo, para tutelar o autor (em especial quando este assume as vestes de cria- dor intelectual), pode perguntar-se se a nulidade do negócio deve seguir o regime geral ou não(148). Note-se que este problema não é meramente teórico.
Na verdade, o artigo 87.º, n.º 2, indica que quando o contrato de edição não é reduzido a escrito, a nulidade resultante da falta de forma presume-se imputável ao editor e só pode ser invocada pelo autor. Ora, estamos aqui perante uma nulidade atípica. Como o contrato de edição é o modelo paradigmático das licenças de exploração da obra, pode legitimamente questionar-se se o legisla- dor quis consagrar neste artigo um princípio geral que valesse para toda e qualquer licença, nominada ou inominada. A questão é per- tinente e merece uma brevíssima atenção da nossa parte.
Quanto às licenças nominadas, a questão reside em saber se as remissões, para o contrato de edição, efetuadas pelos artigos 139.º, n.º 1, 147.º, n.º 1 e 156.º, n.º 1, devem ou não abranger a regra do artigo 87.º. A nosso ver, à partida, a resposta deve ser positiva, e isto por duas ordens de razões.
(148) O regime geral da nulidade decorre do artigo 286.º. Aqui se determina que a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficio- samente pelo tribunal.
A primeira é a de que entendemos, como indicámos acima, que as licenças de exploração da obra, ainda que nominadas e com o regime, de certa forma, tipificado na lei, devem sempre seguir a forma escrita. Trata-se de uma exigência de proteção do autor, como parte mais débil. Ora, se assim é, então a norma do artigo 87.º deve ser aplicável às restantes licenças tipificadas no CDADC. Face à razão que fundamenta a exigência de forma escrita, não vemos qual a razão que poderia justificar a criação de um regime excep- cional para a edição que não fosse aplicável às outras licenças, até por força do regime de remissões internas do próprio CDADC. Em segundo lugar, é pacífico que a edição é o regime paradig- mático das licenças de direito de autor, pelo que as suas regras devem servir para integrar e complementar o quadro normativo em
que estas se inserem.
Porém, já nos parece que a questão poderá assumir outros contornos no caso das licenças inominadas. Neste caso, a ausência de uma regra de remissão, como a existente para as restantes licen- ças previstas no CDADC, pode, de facto, comprometer a aplicação da regra contida no artigo 87.º, n.º 1. Assim, supomos que se deve seguir o regime geral da nulidade previsto no artigo 286.º do CC. De facto, não existindo uma regra especial nesta matéria (que poderia constar dos artigos 40.º e segs.), vemos com alguma difi- culdade que se possa justificar a exclusão do regime regra da nuli- dade. A alternativa seria tentar extrair do referido artigo 87.º, n.º 1, um princípio normativo que permitisse sustentar a sua extensão a toda e qualquer licença. Tal propósito não seria inteiramente inusi- tado, na medida em que, ínsito ao regime de nulidade atípica do artigo 87.º está a proteção do autor, e é manifesto que este objec- tivo está presente (ou deveria estar) tanto nas licenças nominadas como nas licenças inominadas. No entanto, parece-nos que envere- dar por este caminho seria desviar-nos, em demasia, do nosso caminho de investigação. Fica, contudo, apontado o caminho para
uma eventual alteração legislativa.
§ 11. Conteúdo do contrato de licença
I. Em termos simples, o conteúdo do contrato de licença, como, de resto, o conteúdo de qualquer negócio jurídico, corres- ponde à regulação por ele desencadeada, tendo em vista a defini- ção dos contornos da relação jurídica que se institui. Tipicamente, o conteúdo do negócio jurídico exprime-se através das cláusulas negociais acordadas e fixadas pelas próprias partes (trata-se aqui de elementos voluntários do negócio). No entanto, o conteúdo do negócio é ainda formado por elementos normativos, que corres- pondem às regras que o direito associe à celebração dos negócios, independentemente da vontade das partes.
No caso concreto das licenças de exploração, o CDADC deter- mina, no n.º 3 do artigo 41.º, que “da autorização escrita devem constar obrigatória e especificamente a forma autorizada de divul- gação, publicação e utilização, bem como as respetivas condições de tempo, lugar e preço” (sem destaque no original). Ora, daqui resulta que apesar de o legislador ter deixado margem às partes para detalharem o conteúdo da licença, aparentemente, impôs um con- teúdo mínimo, obrigatório, para estes tipos negociais.
II. Esta formulação perfunctória do legislador não parece, à partida, levantar problemas de maior. No entanto, em boa verdade, esta norma esconde inúmeras interrogações, algumas delas de resolução complexa. A sua resposta exige uma adequada pondera- ção de princípios gerais de direito civil, assim como a consideração das regras previstas pelo legislador a propósito dos tipos específi- cos de licenças de exploração. Em termos gerais, pode afirmar-se que a ratio desta regra é a proteção do autor, como parte mais fraca, e é a essa luz que nos parece que deve ser interpretada. Comecemos por uma análise individualizada de cada um dos ele- mentos referidos pelo legislador, para depois nos debruçarmos sobre os problemas levantados nesta matéria.
Contudo, antes de avançarmos na nossa análise, vale a pena destacar desde já alguns aspectos gerais.
Em primeiro lugar, importa salientar que a regra do artigo 41.º, n.º 3, não impede que as partes estipulem outras cláusulas e estabe-
leçam uma regulação que vá muito para além dos elementos indi- cados pelo legislador. Vigora aqui uma amplíssima liberdade de negociação e a verdade é que, na maior parte dos casos, a regula- ção acordada pelas partes nos contratos de licença de exploração estende-se bem para lá das indicações legislativas a este propósito. Aliás, basta atentar nos tipos contratuais específicos previstos no CDADC para ter perfeita noção de que o conteúdo das licenças de exploração é bastante mais extenso do que as breves referências feitas no artigo 40.º(149).
Também não é necessário que cada modo de exploração da obra tenha que ser objecto de uma licença independente. A mesma licença pode tratar vários modos de exploração da obra. Assim, nada impede que, através de uma única licença, se conceda ao beneficiário a possibilidade de, por exemplo, reproduzir uma obra e comunicá-la ao público.
Em segundo lugar, importa destacar que os elementos referi- dos pelo legislador no artigo 41.º, n.º 3, não têm um carácter nor- mativo. Por outras palavras, o legislador não previu regras especí- ficas para suprir a falta de manifestação de vontade das partes sobre os elementos referidos naquele artigo. Apenas salientou a necessidade de autorregulação no que concerne a determinados aspectos das licenças de exploração. Em rigor, portanto, tratam-se de elementos voluntários, eventualmente necessários para a com- pletude do negócio em si, mas não de elementos normativos.
11.1. Formas de exploração autorizadas
I. A primeira exigência do legislador no artigo 41.º, n.º 3, é a de que as formas autorizadas de divulgação, publicação e utiliza- ção da obra constem, obrigatória e especificamente, da autoriza- ção.
(149) A este propósito e meramente a título de exemplo, cf., os artigos 86.º e 109.º.
II. Diga-se, a começar, que não nos parece que o facto de o legislador se ter prendido neste artigo aos conceitos de «divulga- ção», «publicação» e «utilização» possa servir para interpretar res- tritivamente esta exigência(150). Não cremos que tal interpretação tivesse sentido, dado que a ratio legis da norma é a proteção do autor e essa preocupação existe nos casos referidos, bem como em todos os outros em que existe exploração económica da obra. Assim, propendemos a generalizar a exigência legislativa no sen- tido de que toda e qualquer forma de exploração económica da obra (pois é disso que se trata) deve constar obrigatória e especifi- cadamente do título constitutivo, ou seja, in casu, da autorização ou licença.
Como se referiu, esta regra legal serve, sobretudo, como forma de defesa do autor e surge como corolário do seu direito de exclusivo, em especial do disposto nos artigos 68.º, n.os 3 e 4. De facto, fica na exclusiva discricionariedade do titular do direito de autor escolher e autorizar as diversas formas de exploração da obra. O autor deve poder dispor da sua obra da maneira que melhor lhe aprouver, sendo certo que as diversas formas de utilização da obra são autónomas e permitem que sobre o mesmo objecto incor- póreo (a obra) recaiam diversos direitos, pertencentes a esferas jurídicas diferentes. Assim, a exigência de que do texto da licença constem os modos de exploração da obra autorizados é uma forma de refletir as características do direito de exclusivo, permitindo, por um lado, que o respectivo titular controle melhor as formas de exploração da sua obra e que, por outro, a autorização para a prá- tica de determinado ato de exploração não prejudique o titular do direito de exclusivo, ou um terceiro, de exercer sobre a obra a mesma ou diferentes formas de utilização.
Tal como já referimos, é assim perfeitamente possível que sobre a mesma obra incida uma licença de reprodução concedida
(150) De qualquer forma, em bom rigor, não podemos deixar de notar que no cotejo do artigo 41.º, n.º 1, com o n.º 3, o legislador ter-se-á “esquecido” de incluir, no n.º 3, o conceito de «exploração» que é, sem dúvida, um conceito muito importante para a matéria que nos ocupa. É mais uma das falhas do legislador nacional que, no caso concreto, não nos parece que lhe deva ser atribuído outro significado que não o de mero lapso legislativo.
a Z e uma licença de tradução concedida a Y. A obra poderá ter tan- tos modos de exploração quanto aqueles que sejam agora ou futu- ramente conhecidos. Aliás, como se verá mais abaixo, é ainda pos- sível que sobre a mesma obra incidam licenças de exploração com o mesmo conteúdo (licenças não exclusivas).
Por estas razões, não andaremos muito longe da verdade se concluirmos que a exigência do artigo 41.º, n.º 3, para além de ser uma defesa do autor, encontra também eco na necessidade de maior segurança no tráfego jurídico, atendendo aqui à multiplici- dade de formas objectivas e subjetivas de exploração económica que podem incidir sobre a obra(151).
III. Ao se referir a formas autorizadas de «divulgação»,
«publicação» e «utilização», o legislador teve em vista os modos de aproveitamento económico da obra previstos no artigo 68.º, n.º 2. São precisamente essas formas que irão dar corpo à relação jurídica instituída entre o titular do direito patrimonial de autor e o terceiro licenciado. Como se viu anteriormente, esta disposição consagra uma enumeração exemplificativa das formas de explora- ção económica da obra que não afastam outras modalidades (incluindo as que venham a ser descobertas), o que é uma evidên- cia da elasticidade do direito de exclusivo. Assim, é admissível que através da licença se concedam formas de exploração que não encontram uma direta e imediata correspondência com a listagem constante do artigo 68.º.
É também a este propósito que os princípios interpretativos atrás indicados têm particular aplicação, em especial o princípio da funcionalidade.
(151) Ao se referir a exigências de conteúdo similares na lei francesa, XXXXXXX XX XXXXXXXX e XXXXXX XXXXXXX salientam o seguinte: “le but du législateur este d’obliger les parties à négocier clairement l’étendue des droits consentis par l’auteur et d’ainsi faire prend conscience à celui-ci du niveau de sa rémunération au regard des possibilités d’ex- ploitation très diverses et potentiellement très lucratives demandées par son cocontrac- tant” — Précis du Droit d’ Auteur …, ob. cit., pp. 319-320.
IV. De qualquer forma, tenha-se presente que o legislador refere que os modos de utilização da obra devem ser especificada- mente indicados na licença(152). Esta exigência legal leva-nos a afastar as situações (comuns na prática) de autorizações genéricas para a exploração da obra(153). A nosso ver, para cumprir o requi- sito legal é necessário que exista um mínimo de determinabilidade no que se refere às formas de exploração da obra autorizadas e à finalidade pretendida pelas partes com a licença; caso contrário, estar-se-ia a desvirtuar a ratio subjacente ao artigo 41.º, n.º 3. Na verdade, se a referência contratual for demasiado genérica ou vaga, desprotege-se o autor e prejudica-se o comércio jurídico (já que através de formulações imprecisas surge a dúvida — quiçá insaná- vel — sobre quais as formas de exploração concedidas, com isso afectando a relevância do artigo 68.º, n.º 4(154). A exigência quanto
(152) O artigo 109.º, n.º 3, a propósito da representação cénica, estabelece que o contrato deve definir, com precisão, as condições e os limites em que a representação da obra é autorizada. Temos, portanto, o regime geral que exige que as formas de exploração sejam especificadas e o regime do contrato de representação cénica, que exige a indicação precisa dos termos em que a exploração da obra pode ser feita. Em qualquer caso, a preo- cupação do legislador é garantir que esta matéria fica suficientemente clarificada no título constitutivo, de forma a que não restem dúvidas.
(153) Assim, entendemos que uma licença que se limitasse a prever que o utente fica autorizado a explorar a obra X sem nada acrescentar quanto às condições de explora- ção não cumpre as exigências legais. Neste sentido, XXXXX XXXXXXXX XXXXX, Questões de Forma nos Contratos de Exploração…, ob. cit., p. 781 e XXXX XXXXXXXXX XXXXXXX, Intro- dução ao Direito de Autor…, ob. cit., p. 137. Este último autor salienta que “uma declara- ção, ainda que escrita, que se limitasse a dizer, por exemplo, ‘autorizo F... a utilizar e minha obra x...’, sem especificar o modo de utilização ou as respectivas condições, seria insusceptível de produzir efeitos na ordem jurídica”. Este autor chama aqui à colação o artigo 238.º do CC, respeitante aos negócios formais (que estabelece que nos negócios for- mais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspon- dência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso). Tendemos a concordar com o autor quanto à solução dos casos mais graves, ou seja, das licenças apa- rentes sem conteúdo ou com um conteúdo manifestamente insuficiente. Já em outras situa- ções, parece-nos que será necessário recorrer a outras ferramentas de interpretação, desig- nadamente o princípio in dubio pro autore. De qualquer forma, o artigo 238.º do CC permitirá esclarecer outros aspectos quanto ao conteúdo da licença, como se detalhará mais abaixo.
(154) Colocando este aspecto em destaque, KAMEN TROLLER refere que: “Contrai- rement aux brevets ou aux marques, dont le transfert ne vise en règle générale que la seule possibilité d’utiliser le bien transféré pour produire et/ou vendre des objets, le transfert d’un droit d’auteur peut avoir pour but les utilisations les plus diverses du droit transféré.
à indicação especificada dos modos de aproveitamento económico da obra surge, precisamente, para evitar as situações de concessões genéricas e imprecisas.
Mas então, pergunta-se, de que forma as exigências legais podem ser satisfeitas?
Apesar de a resposta a esta questão não ser evidente, parece-
-nos que o requisito de especificação estará satisfeito quando sejam indicados na licença os atos de aproveitamento da obra de uma forma suficientemente precisa, que não levante dúvidas. Tal pode ser feito através de uma referência concreta para as formas de utili- zação mencionadas no artigo 68.º ou para as constelações, mais ou menos precisas, das faculdades de exploração que emanam do direito de exclusivo (reprodução, distribuição, comunicação e transformação), desde que, em qualquer caso, exista sempre alguma referência aos atos concretos que ficam autorizados pela licença(155). Por exemplo, parece-nos que a mera referência à reprodução da obra será insuficiente para cumprir a exigência legal, uma vez que fica a dúvida sobre saber se o autor quis autori- zar apenas a reprodução analógica ou também a reprodução digital, ou se quis autorizar apenas a reprodução permanente ou somente a reprodução temporária, etc.(156).
Des lors, il est important de rédiger l’ instrument de transfert avec une grande précision, de spécifier quelle utilisation pourra être faite de l’ ouvre transférée, par exemple si la statue ou le tableau peuvent être reproduit dans les but d’ en revendre des copies ou s’ ils peuvent aussi être représentés dans un livre ou être utilisés dans un film comme objet de décoration ou encore constituer l’ élément accrocheur d’ une publicité, si une ouvre musicale peut ser- vir pour une chanson ou être utilisée comme musique de film, ou être simplement exécutée à l ‘ occasion d’ un concert symphonique” — Précis du Droit Suisse…, ob cit., p. 288.
(155) A este propósito é de citar XXXXXXX XX XXXXXXXX e XXXXXX XXXXXXX quando referem que “le mode d’exploitation dont la loi exige la mention express, est donc une catégorie d’actes d’exploitation, définie à la fois par le droit patrimonial concerne (repro- duction, communication) et par un domaine concret, quoique formule en termes généraux, d’actes vises (…). L’exigence légale est satisfaite dès le moment où sont spécifies para la clause contractuelle d’une part le droit patrimonial en cause, et, d’autre part, le type de supports (reproduction) ou de modes de communication au public” — Précis du Droit d’Auteur …, ob. cit., pp. 321-323.
(156) No mesmo sentido, vide, XXXXX XXXXXXXXX, Le Droit D’Auteur, Maison Fer- dinand Larcier, Bruxelas, 1984, p. 96. Explica o autor que “il faut donc veiller, dans les contrats de cession de droits, à préciser l’objet du droit cédé et éviter les expressions ambigues comme «droit d’utilisation» ou «cession des droits musicaux»”.
Não se deve esquecer que a razão que justifica esta regula- mentação é a proteção do autor (maxime do criador intelectual). Como tal, cremos que o princípio base que deve nortear as partes ao estipularem uma licença de exploração deve ser o seguinte: quanto mais precisa e detalhada, mais a licença se aproxima das exigências legais. De facto, por força do princípio da interpretação restritiva favorável ao autor, somos levados a concluir que qual- quer situação de dúvida, em que o princípio da funcionalidade não seja suficiente para permitir chegar a uma regulação equilibrada do caso, deve ser resolvida de forma favorável ao titular do direito patrimonial. Por outras palavras, caso se levante uma dúvida sobre se determinada forma de exploração foi ou não concedida através da licença, entendemos que a questão se deve resolver a favor do autor, ou seja, considerando que tal forma de exploração não foi concedida, sendo necessária uma nova autorização (ou licença) para permitir ao utente aproveitar o bem imaterial através de uma forma diferente(157).
Assim, referências genéricas à exploração da obra não devem ser admitidas e mesmo as referências a faculdades de exploração demasiado vagas devem ser temperadas com a referência a atos concretos de exploração, em especial quando, na mesma facul- dade, se incluam diversos actos de exploração que consubstan- ciem, cada um, uma fonte de aproveitamento económico da obra relevante. Voltando ao exemplo anterior, é reconhecido que o direito de reprodução pode abranger tanto a reprodução analógica como a reprodução digital, sendo que cada um destes actos consti- tui uma fonte de aproveitamento da obra distinto. Assim, propen- demos a considerar que uma licença de reprodução de uma obra deverá especificar quais os atos de reprodução abrangidos, sendo insuficiente a mera referência ao ato de reprodução em si.
V. No entanto, também se deve evitar o exagero. Não nos parece imprescindível ser extremamente minucioso ou prever
(157) Neste sentido, XXXXX XXXXXXXXX, destacando que “on considère qu’en cas de doute, les cessions s’interprètent restrictivement en faveur de l’auteur” — Idem, p. 97.
todas as variantes de ordem técnica de uma determinada forma de aproveitamento. À partida, e salvo estipulação em contrário, a refe- rência a uma determinada forma técnica de aproveitamento deve abranger todas as formas conhecidas ou típicas.
A nosso ver, um método auxiliar nesta matéria poderá passar pela consideração do tipo de procura de cada modo de aproveita- mento da obra. Não raro, cada forma de exploração da obra corres- ponde a uma diferente procura. Sendo assim, apenas se deverão considerar incluídos na licença aqueles modos de exploração desti- nados a suprir determinada procura ou, dito de outra maneira, só se devem considerar incluídos na licença aqueles actos direccionados à mesma procura e que não criam nenhum mercado novo(158/159). Para além deste aspecto, não será despiciendo considerar a circuns- tância de um ato de exploração, que não surge devidamente reflec- tido no texto da licença, poder alterar a natureza da utilização eco- nómica da obra. Se a resposta a esta questão for positiva, então poderemos estar fora das fronteiras de exploração autorizadas pelo titular do direito patrimonial(160).
A nossa lei, embora de uma forma tímida, é certo, parece dar algum conforto a esta conclusão. Por exemplo, o artigo 127.º, n.º 2, diz que a autorização para a produção cinematográfica implica a
(158) Por exemplo, uma autorização para comunicar a obra ao público através de satélite pode abranger a comunicação ao público através de cabo. Na sua essência, o pro- cesso de comunicação da obra permanece intocado. Para além disto, à partida, não existe nenhum mercado diferente entre a procura para serviços de televisão por satélite e a pro- cura para serviços de televisão por cabo. O mercado é o mesmo.
(159) Note-se a este propósito o que referem, com particular lucidez, XXXXXXX XX XXXXXXXX e XXXXXX XXXXXXX nesta matéria: “par conséquent, nous pensons que l’exigence légale est satisfaite des le moment où sont spécifies par la clause contractuelle d’une part le droit patrimonial en cause et, d’autre part, le type de supports (reproduction) ou de modes de communication au public, sans devoir en donner toutes les variantes ou détails et sans avoir égard à des variations d’ordre purement technique qui ne modifient pas réel- lement la nature économique de l’exploitation, en particulaire le public vise” (sem des- taque no original) — Précis du Droit d’ Auteur…, ob. cit., p. 323.
(160) Procurando dar aqui um exemplo para melhor compreensão. A autorização para a distribuição de uma obra através de CD ou de outras formas semelhantes em termos técnicos, não deve abranger a exploração da obra através da comercialização dos chama- dos ringtones. Neste caso, a utilização de uma obra musical como ringtone constitui, na realidade, um ato que altera a natureza de exploração da obra. Por conseguinte, deve con- siderar-se fora do escopo da licença concedida.
autorização para a distribuição e exibição do filme em salas públi- cas de cinema. Mas o artigo 127.º, n.º 3, já exige uma autorização adicional para a radiodifusão sonora ou visual da película através de ondas hertzianas, fibras ópticas, cabo ou satélite, e a sua repro- dução, exploração, ou exibição sob a forma de videograma. Ora, parece claro que como o mercado da produção cinematográfica é diferente do mercado da radiodifusão visual (com procuras distin- tas), as autorizações têm que ser diferentes, não se podendo enten- der que de uma decorre a outra. No mesmo sentido, pode ver-se o artigo 88.º, n.º 2, que indica que a autorização para uma edição da obra não confere ao editor o direito de a traduzir, transformar ou adaptar a outros géneros ou formas de utilização. Tratam-se de públicos diferentes e de formas de aproveitamento que alteram a natureza da exploração comercial da obra.
VI. As considerações anteriores podem parecer demasiado garantísticas dos autores. No entanto, não é assim. Recordamos aqui o importante papel que o princípio da funcionalidade tem neste campo(161). Desde que seja possível determinar a finalidade tida por relevante pelas partes na celebração do contrato, através daquele princípio, será possível chegar a uma regulação contratual mais pre- cisa, acabada e aproximada da vontade das partes e, assim, temperar as exigências legais e a leitura que fazemos das mesmas(162).
Aliás, é de referir que, em alguns casos, o legislador, anteci- pando as dificuldades das partes em determinar, com a necessária precisão, o conteúdo da licença, veio considerar incluídos neste acto de disposição determinados modos de exploração. O artigo 127.º, n.º 2, já referido, é um bom exemplo nesta matéria. Também os artigos 152.º, n.os 1 e 2, depõem no mesmo sentido. O princípio aqui subjacente é o de garantir que a licença serve de título neces-
(161) Notamos que a lei espanhola adere expressamente a este princípio ao deter- minar que a cessão se limitará às formas de utilização que se deduzam da interpretação do contrato e que sejam necessárias para assegurar a finalidade do mesmo (artigo 43(2) do Real Decreto Legislativo 1/1996).
(162) De qualquer forma, não podemos deixar de sustentar que, em caso de dúvida, deve entender-se que a forma de exploração em causa está fora do âmbito contratual tradu- zido na licença. É a consequência do princípio in dubio pro autore.
sário para assegurar a finalidade que as partes tiveram em vista ao celebrar o negócio, mas nada mais do que isso.
VII. Por fim, para além das situações em que não existe uma indicação precisa sobre os modos de aproveitamento concedi- dos pela licença, suscita-se a questão de saber se é válida a conces- são de formas de exploração ainda não conhecidas ou que depen- dem de tecnologias ignoradas ao tempo da licença(163). Como já vimos, o direito de exclusivo beneficia do fenómeno da elastici- dade, pelo que as formas de exploração da obra que venham a ser criadas pertencem ao autor. A questão que se coloca, portanto, é se este pode antecipadamente dispor das mesmas a favor de um ter- ceiro(164).
(163) Pode colocar-se a questão de saber qual o momento relevante para questionar a falta de cognoscibilidade da forma de exploração. A nosso ver, a resposta correta é a de que este momento deve ser a data de celebração do contrato. É de mais difícil resolução saber se a questão deve ser abordada do ponto de vista objectivo ou subjetivo. Embora não se trate de uma matéria isenta de dúvidas, parece-nos que o contrato não poderá servir de fonte para uma exploração económica da obra se essa forma de exploração era desconhe- cida das partes, em especial do autor, à data da celebração do contrato, embora pudesse já ter sido inventada (desconhecimento subjetivo). Desta forma, ainda que a forma de explo- ração em causa já existisse ao tempo da celebração do contrato, se era desconhecida das partes, tendemos a considerar esta hipótese da mesma forma do que quando a forma de exploração ainda não tinha sido inventada.
(164) Em termos comparados, em França, o artigo L131-6 do Code de La Propriété Intellectuelle prevê esta situação, estabelecendo que “La clause d’une cession qui tend à conférer le droit d’exploiter l’œuvre sous une forme non prévisible ou non prévue à la date du contrat doit être expresse et stipuler une participation corrélative aux profits d’exploi- tation”. Já em Espanha, o artigo 43(5) do Real Decreto Legislativo 1/1996 determina que “la transmisión de los derechos de explotación no alcanza a las modalidades de utiliza- ción o medios de difusión inexistentes o desconocidos al tiempo de la cesión”. Na Alema- nha, durante bastante tempo foi proibido por lei celebrar contratos que tivessem em vista formas de exploração não conhecidas à data do contrato. No entanto, com a alteração à Urheberrechtsgesetz, de 2008, o legislador alemão abandonou esta perspectiva. A nova redação dos §31a e §32c vem permitir que o autor conceda direitos de utilização da sua obra através de formas desconhecidas ao tempo do contrato. Existem, contudo, algumas condicionantes. Assim, em primeiro lugar, o titular do direito tem de receber uma remune- ração adequada pela nova forma de exploração. Em segundo lugar, o beneficiário da exploração tem de notificar previamente o titular do direito antes de iniciar a exploração da obra através de um modo não conhecido ao tempo do contrato. Neste caso, o autor tem um período de três meses, a contar da notificação, para se opor à exploração da obra através dessa nova forma. (cf., o §31a deste diploma). Apesar de a solução alemã poder ser uma
Face ao que ficou dito atrás, é patente que a nossa opinião é negativa(165). E é negativa não apenas por um argumento de ordem formal, já que o artigo 40.º, n.º 3, exige que os modos de explora- ção da obra sejam especificados (não existindo em Portugal uma cláusula similar à da lei francesa) e, por natureza, não pode haver especificação do que ainda não é conhecido ou não foi inven- tado(166), mas também, e sobretudo, por uma razão de carácter mais substancial. É que o artigo 68.º, n.º 3, pretende reservar para o titu- lar do direito patrimonial de autor o monopólio de gestão sobre os processos e condições de exploração da sua obra. Quer dizer, o legislador quis reservar ao referido titular o direito de determinar, perante cada forma de exploração, os processos que admite e os que afasta. É quase um “direito a uma primeira decisão” sobre a matéria. Ora, se fosse admitida a disposição antecipada de modos de aproveitamento da obra, estar-se-ia a violar, em nosso entender, este princípio fundamental.
Por conseguinte, recorrendo novamente aqui ao princípio da interpretação restritiva, concluímos que não é válida a concessão antecipada de formas de exploração da obra ainda não conhecidas. A conclusão poderá complicar-se no caso de se tratar de uma forma
melhor forma de compatibilização entre os interesses do autor e os interesses do beneficiá- rio da licença e da comunidade em geral, não nos parece que seja muito diferente da posi- ção defendida no texto. Em qualquer caso, o autor terá de dar a sua anuência à exploração da obra através de novas formas. Num sentido mais aberto para a concessão de formas de exploração desconhecidas, XXXXX XXXXXXXXX, Le Droit D’Auteur…, ob. cit., pp. 101-103. Numa perspectiva de direito inglês, XXXXX X. XXXXXXXXXX salienta que a questão deve ser primariamente resolvida através da interpretação da vontade das partes no respectivo acordo — Intellectual Property…, ob. cit., p. 106.
(165) Também XXXXX XXXXXXXX XXXXX aponta neste sentido ao referir que “fica patente que está excluída a possibilidade de atribuir faculdades/poderes de exploração que venham a ser descobertos no futuro, uma vez que não poderão ser objecto de especifi- cação” — Questões de Forma nos Contratos de Exploração…, ob. cit., p. 788.
(166) A este propósito, é relevante salientar que o artigo 238.º do CC estabelece, a propósito da interpretação do negócio jurídico, que nos negócios formais a declaração não pode “valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do res- pectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”. Ora, também por aqui se pode- ria retirar que não tendo determinada forma de exploração sido concedida e estando perante um negócio solene, não se pode retirar da licença aquilo que não encontra o mínimo de expressão no texto do documento, o que pode, de facto, acontecer perante for- mas de exploração ainda não conhecidas.
de exploração que, à partida, se inclua na finalidade pretendida pelas partes com a concessão da licença. O princípio da funcionali- dade poderá ter um importante campo de aplicação nesta matéria. Com efeito, caso se entenda que a nova forma de utilização tinha sido prevista pelas partes e serve para cumprir o objectivo econó- mico do contrato, poder-se-á entender que não é necessário uma nova autorização(167).
De qualquer forma, a interpretação da vontade das partes deverá ser cuidadosamente analisada, na medida em que, em rela- ção a novas formas de exploração, o titular do direito de autor poderá não ter exercido o seu “direito a uma primeira decisão”.
11.2. Prazo da licença
A segunda exigência do artigo 41.º, n.º 3, é a indicação do prazo da licença. Também não é difícil antecipar que o interesse tutelado por esta regra é o do autor, exigindo a ponderação das con- sequências do seu ato no momento da celebração da licença.
Trata-se de matéria que, apesar de ser requerida pelo legisla- dor, é deixada à livre estipulação das partes. De facto, nem mesmo as licenças típicas preveem regras sobre prazo. Assim, é admissível que o contrato tenha uma duração determinada ou determinável ou mesmo indeterminada, com ou sem renovações.
Nos casos de duração determinada ou determinável, a situa- ção mais comum poderá ser a estipulação de uma data concreta, mas não é necessário que assim seja. Com efeito, nada impede as partes de convencionarem a duração da licença para um número preciso de atos de exploração(168), ou ligar o tempo da licença à
(167) Neste sentido, note-se que o acórdão da RL de 07.02.2008 determinou que “pertencendo em exclusivo ao titular do direito de autor a faculdade de escolher livre- mente os processos e as condições de utilização da obra (art. 68.º, n.º 3 do CDADC), desde que haja uma nova forma de utilização da obra, tem de haver uma nova autoriza- ção, a não ser que, independentemente da sua autonomia, na faculdade acordada se possa ter como implícita, em função do objectivo final por esta perseguido, a autorização de qualquer outra forma de utilização.”
(168) Assim, por exemplo, autoriza-se a difusão de uma obra na televisão apenas por três vezes.
cessação de efeitos de uma forma de exploração que se prolongue no tempo(169).
Quanto às licenças de duração indeterminada, à partida pode- ríamos ser tentados a restringir a sua admissibilidade, numa perspec- tiva de proteção do autor. No entanto, importa aqui não esquecer que é um princípio basilar do direito civil comum a liberdade de desvin- culação das partes nos contratos de duração indeterminada. Tal como ensina OLIVEIRA ASCENSÃO, “se se celebra um contrato sem se marcar um termo, subentende-se, salvo disposição em contrário, a possibilidade de denúncia. Qualquer das partes pode unilateral- mente realizar o efeito potestativo de pôr termo à relação”(170).
Desta forma, propendemos a aceitar que as licenças de explo- ração da obra possam ter uma duração indeterminada(171). A apa- rente excessividade desta conclusão é temperada pela liberdade de desvinculação reconhecida em termos genéricos, embora tal direito potestativo deva ser exercido em conformidade com os ditames da boa-fé e, portanto, com uma antecedência razoável em relação à data de produção dos seus efeitos.
11.3. Território da licença
I. O terceiro aspecto exigido por lei diz respeito à definição do lugar ou do território da licença. Também aqui estamos perante um aspeto onde existe uma ampla margem de liberdade das partes. A definição do território onde os atos de exploração concedi-
dos pela licença podem ser praticados é uma forma de garantir ao titular do direito patrimonial de autor a maximização da explora- ção económica da obra. Assim, e pensando aqui no exemplo para- digmático da edição, o titular do direito poderia conceder a um ter- ceiro o direito de editar e distribuir a obra apenas num país,
(169) Por exemplo, até que determinada edição de uma obra literária se esgote ou até que sejam distribuídas todas as cópias de uma obra artística.
(170) Direito Civil — Teoria Geral, vol. III…, ob. cit., p. 334.
(171) No mesmo sentido, XXXXXXX XX XXXXXXXX e XXXXXX XXXXXXX — Précis du Droit d’Auteur …, ob. cit., p. 324.
reservando a possibilidade de vir a conceder a outra entidade o direito de editar a mesma obra numa zona diferente.
Tipicamente, a definição do território onde a licença produz efeitos não levantava problemas de maior. No entanto, com o advento da Internet e a possibilidade de difusão de obras numa rede mundial, esta questão ganhou grande acuidade. Assim, os prestadores de serviços da sociedade de informação são muitas vezes obrigados a instalar mecanismos que permitam detectar a origem de um determinado usuário, restringindo as hipóteses de contratação electrónica aos utilizadores sediados nos países em relação aos quais dispõem de licença para explorar a obra.
II. Para além do que fica dito, convém aqui referir que a definição do território da licença (impedindo os utentes de praticar atos para outros territórios) pode, muitas vezes, levar a uma com- partimentação de mercados e assim colidir com as regras de circu- lação de mercadorias no interior da UE e, também, com as regras de concorrência(172).
Para além disto, importa ter em atenção que o artigo 68.º, n.º 5, determina que “os actos de disposição lícitos, mediante a primeira venda ou por outro meio de transferência de proprie- dade, esgotam o direito de distribuição do original ou de cópias, enquanto exemplares, tangíveis, de uma obra na União Europeia”. Esta norma consagra a regra do esgotamento ao nível da União Europeia, o que significa que após a primeira venda do original ou de cópias tangíveis de uma obra, estes exemplares passam a poder circular livremente no mercado da União Europeia, sem que o titu- lar do direito de exclusivo se possa opor à sua venda, importação,
(172) Vide, os artigos 34.º a 36.º e 101.º do TFUE e, a nível interno, o artigo 4.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio. Para uma análise da interação entre as licenças e a defesa da concorrência, pode consultar-se, XXXXX XXXXXX XXXXXXX, As Licenças de Direitos da Propriedade Intelectual…, ob. cit., pp. 327-343. A este propósito, XXXXXX XXXXXXX e XXXX XXXXXXX referem o seguinte: “restrictions that are geographical in nature are sub- ject to EC rules, so that agreements that are intended to divide up the Common Market will be prohibited” — Intellectual Property Law…ob. cit., p. 263 e, em termos mais gerais, sobre a interação do Direito de Autor com o Direito da Concorrência da UE, vide, pp. 286-294.
distribuição, etc.(173). Assim, as limitações territoriais, impostas no contrato de licença, não prevalecem em relação à regra do esgota- mento.
11.4. Preço da licença(174)
I. O último elemento referido no artigo 41.º, n.º 3, diz res- peito ao preço da licença. Quanto a este aspecto, diga-se que esta referência não deve ser lida em termos absolutos. De facto, nada impede que as licenças, como os atos de disposição em geral, sejam celebradas a título gratuito(175). A indicação do legislador deve ser lida na decorrência do artigo 41.º, n.º 2, onde se estabe- leceu que as licenças se presumem onerosas(176). Esta regra trata-se claramente de uma presunção iuris tanto, que só fun- ciona no caso de existir alguma dúvida. Portanto, podemos con- cluir que as partes são livres de celebrar uma licença a título gra- tuito.
Podem ainda as partes definir uma contrapartida em espécie. A referência do legislador a um “preço” no artigo 41.º, n.º 3, pode- ria conduzir à conclusão de que a compensação a atribuir ao autor deveria ter sempre um valor pecuniário. Mas não é assim. A pre- sunção de onerosidade é apenas uma decorrência do princípio geral do artigo 67.º, n.º 2, quanto à finalidade do exclusivo de exploração económica da obra. De facto, o artigo 91.º, n.º 2, ao se referir à retribuição do contrato de edição, admite expressamente a retribuição em espécie, estabelecendo que a compensação do autor
(173) Sobre o tema, vide, em termos específicos, OLIVEIRA ASCENSÃO, “Direito de Distribuição e Esgotamento”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 51, vol. III, Dezembro 1991, pp. 625-639.
(174) Para uma análise do direito francês referente à retribuição do autor, vide, a exposição exaustiva de XXXXX XXXXX e XXXXX-XXXXXXX XXXXX, Traité de la Propriété Lit- téraire et Artistique…, ob. cit., pp. 423-445.
(175) O artigo 108.º, n.º 3, refere que um caso de licença não onerosa, quando a concessão do direito de representar é feita a amadores.
(176) Esta ideia é depois repisada em inúmeros artigos do CDADC como, por exemplo, nos artigos 91.º, n.º 1, e 159.º, n.º 2, o que demonstra, novamente, a má técnica legislativa utilizada na nossa lei.
pode consistir na atribuição de certo número de exemplares da obra. Não vemos razão que impeça a generalização desta regra, em especial às licenças inominadas, já que nas licenças previstas espe- cialmente no CDADC a extensão desta regra é mais clara, por força do regime de remissões interno deste diploma.
II. A fixação do preço, nos casos em que este existe, está sujeita a ampla liberdade. Basta considerar os artigos específicos da parte especial para perceber esta conclusão(177). Assim, é possível que o valor da retribuição consista: (i) numa quantia certa global;
(ii) numa percentagem sobre as receitas de cada ato de exploração da obra (ex: venda de cada exemplar ou cada ato de comunicação ao público); (iii) numa quantia concreta por cada ato de exploração ou
(iv) qualquer outra forma determinada no contrato.
Havendo uma ampla liberdade nesta matéria, a maior parte das questões levanta-se a propósito de saber que regras aplicar no caso de a compensação não ter sido convencionada. Neste caso, sendo a licença onerosa, compete às partes, em primeira linha, acordar esta matéria. Não havendo acordo, caberá então aos tribu- nais a difícil tarefa de fixar a remuneração justa, sendo que nos parece que os critérios atrás indicados poderão ser utilizados e adaptados consoante o tipo de licença em causa(178).
Pode ainda levantar-se o mesmo problema quando a remune- ração acordada se mostre, original ou supervenientemente, despro- porcional face aos benefícios que o licenciado retira da exploração da obra. Vimos atrás que na maior parte dos sistemas jurídicos ana- lisados (Espanha, França e Alemanha) admite-se que o autor soli- cite uma revisão da remuneração acordada quando se verifica que esta deixou de ser equitativa face aos proveitos que o licenciado retira da obra. Em Portugal, apesar de não existir uma regra especí- fica a este propósito (nem na parte geral nem na parte especial), não vemos razões para limitar esta possibilidade. Nestes casos, parece-nos que o autor, em especial quando se trate da parte con-
(177) Cf., os artigos 91.º e 110.º e o acórdão da RL de 18.12.2008.
(178) Neste sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., p. 428.
tratualmente mais fraca, poderá solicitar uma alteração à remune- ração acordada(179).
Em termos teóricos, poder-se-ia questionar a aplicação ana- lógica do artigo 49.º, relativo à compensação suplementar, aos contratos de licença. É verdade que, em termos literais, o n.º 1 do referido artigo parece apontar que este mecanismo de “reposição do equilíbrio contratual” só se aplica às situações de transmissão ou oneração. No entanto, como se referiu antes, há situações em que as licenças podem, de facto, ser mais gravosas do que a mera oneração. Basta pensar-se no caso de licenças exclusivas concedi- das durante um longo período de tempo. Por esta razão, à partida, não afastamos a hipótese de aplicar o artigo 49.º às licenças, em especial quando exista uma manifesta desproporção entre os pro- veitos auferidos pelo licenciado em relação à retribuição acordada com o autor.
III. Por fim, diga-se que quando a concessão da licença é onerosa, entendemos, à partida, que a ausência de exploração da licença não afecta a obrigação de pagamento do preço(180). Esta situação pode, contudo, levantar alguns problemas quando a remu- neração é fixada atendendo aos resultados da utilização da obra(181). No entanto, parece-nos que o autor terá sempre direito a uma remuneração, ainda que o licenciado, por razões não imputá- veis ao licenciante, não explore a obra objecto da licença.
(179) É de notar aqui que o Real Decreto Legislativo 1/1996 (artigo 47) o Code de La Propriété Intellectuelle (artigo L131-5) e a Urheberrechtsgesetz (o §32a) admitem ple- namente esta hipótese, sendo uma solução que merece a nossa concordância.
(180) No mesmo sentido, KAMEN TROLLER, Précis du Droit Suisse…, ob. cit.,
p. 297.
(181) Neste caso, KAMEN TROLLER salienta o seguinte: “Pour se prémunir contre l’inactivité du preneur (...), le donneur peut assortir la redevance proportionnelle d’une redevance minimale fixe ou proportionnelle (la redevance minimale de licence). Celle-ci lui assure un revenu minimum dans le cas où le preneur n’exploite pas (ou insuffisamment) les droits qui lui ont été octroyés” — Idem, p. 297.
11.5. Segue: consequências da falta de indicação dos ele- mentos exigidos por lei
I. Analisados que estão os elementos que o legislador exigiu como «conteúdo mínimo» das licenças de exploração da obra, é tempo de saber qual a consequência para a falta de indicação dos referidos elementos(182).
Comece-se por referir que, ao contrário do que o legislador definiu sobre a forma das transmissões e das onerações (arti- gos 43.º, n.º 2, e 44.º), cominando com a nulidade a ausência de forma, nada se prevê para as situações em que as partes não respei- tam o conteúdo mínimo do ato de disposição relevante, in casu, das licenças. Assim, surge efetivamente a dúvida sobre qual a sanção
— se é que existe alguma — quando as partes não estipulam nada sobre os requisitos mínimos exigidos por lei. A questão torna-se problemática porque, como referimos acima, o CDADC não prevê normas supletivas que possam integrar e complementar a regula- ção contratual definida pelas partes.
O problema agudiza-se se pensarmos que a sanção poderá ser a ineficácia, em sentido amplo, do negócio para a produção dos seus efeitos prototípicos. De entre o quadro geral das ineficácias do negocio jurídico(183), avulta a questão das invalidades, ou seja, em regra, a nulidade e a anulabilidade. Assim, perante uma licença que não cumpre os requisitos definidos no CDADC pode questionar-se a sua validade à luz das regras gerais da eficácia do negócio jurí- dico, cabendo depois perceber se a sanção em causa deve ser a nulidade ou a anulabilidade(184).
(182) Diga-se que esta questão só se levanta a propósito dos elementos especifica- mente exigidos no CDADC. Quanto aos restantes elementos tipicamente acordados pelas partes, a sua ausência não acarreta qualquer consequência do ponto de vista legal.
(183) Sobre o tema, vide, XXXXXXX XXXXXXXX, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I…, ob. cit., pp. 856 e segs.
(184) Não é claro, muitas vezes, distinguir estas situações quando a lei nada refere, como acontece no caso do artigo 41.º, n.º 3. Tem-se entendido, contudo, que exis- tirá nulidade quando falte algum elemento essencial do negócio, como é o caso da vontade ou do objecto, ou quando exista contrariedade à lei imperativa (artigo 298.º do CC). Por estas razões, MENEZES CORDEIRO conclui que “a nulidade é o tipo residual da ineficácia;
Há autores que entendem que a falta de qualquer um dos ele- mentos exigidos por lei conduz à invalidade do negócio(185). Temos, contudo, um entendimento diferente. Com efeito, parece-
-nos que o nosso legislador nem sempre considerou os aspectos referidos no artigo 41.º, n.º 3, como elementos essenciais do negó- cio. Assim, ao invés de se retirar uma conclusão genérica para todos os elementos referidos neste artigo, parece-nos mais rigoroso e ajustado analisar cada um destes aspectos, verificando qual a consequência legal da sua ausência do texto da licença.
II. Começando pelo mais fácil. Quanto ao preço, já acima indicámos que não se trata de um elemento essencial das licen- ças. O artigo 41.º, n.º 2, refere apenas que as licenças se presu- mem onerosas, mas nada impede que as partes decidam celebrar uma licença a título gratuito. Por estas razões, não nos parece que a ausência de indicação do preço na licença conduza a alguma sanção legal, muito menos que seja suficiente para sujeitar a licença em causa ao regime da invalidade(186). Na ausência de uma estipulação concreta sobre o preço, presume-se que a autori- zação é onerosa (cf., artigo 41.º, n.º 2). A forma de remuneração poderá ser posteriormente acordada(187). Na falta de acordo, com- petirá, em última instância, ao tribunal fixar uma remuneração equitativa, tendo em atenção as especiais condicionantes do Direito de Autor.
perante uma falha negocial, quando a lei não determine outra saída, a consequência é a nulidade” — Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I…, ob. cit., p. 860.
(185) É o caso de XXXX XXXXXXXXX XXXXXXX, Introdução ao Direito de Autor…, ob. cit., p. 137.
(186) OLIVEIRA ASCENSÃO também refere que a ausência de indicação de remunera- ção não parece apontar para a invalidade. Xxxxx, este autor salienta a dificuldade em deter- minar a sanção para a inobservância desta regra. Conclui por referir que estamos perante uma regra imperfeita — Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., p. 428.
(187) No sentido exposto no texto, note-se o decidido no acórdão do STJ de 15.12.1998. Neste aresto, o Tribunal decidiu que “da presunção legal de onerosidade da autorização decorre que a eventual omissão do escrito a respeito do preço, não sendo causa de nulidade, não significa que o mesmo não seja devido, podendo a sua exigência ter lugar em momento posterior” (sem destaque no original).
Entender de forma diferente, seria esvaziar de conteúdo útil a presunção do n.º 2 do artigo 41.º. De facto, se nos casos em que as partes nada estipulassem sobre a matéria a autorização fosse invá- lida, então a presunção teria muito pouco sentido(188).
III. A nosso ver, é de concluir de igual forma no que toca ao tempo da licença. Também referimos acima que não nos parece que uma licença por tempo indeterminado seja contra legem, principal- mente porque o sistema jurídico permite uma desvinculação a qualquer tempo de negócios de duração indeterminada, pelo que, o autor tem sempre esta proteção do seu lado. Assim, nada impede que as partes convencionem que a licença de exploração é de dura- ção indeterminada.
A questão coloca-se noutros termos quando as partes nada digam sobre a matéria. Em nosso entender, aqui há duas possibili- dades: ou se entende que a licença é de duração indeterminada (admissível, como vimos) ou então suscita-se a aplicação analó- gica do artigo 43.º, n.º 4. Determina esta norma que “se a transmis- são ou oneração forem transitórias e não se tiver estabelecido duração, presume-se que a vigência máxima é de 25 anos em geral e de 10 anos nos casos de obra fotográfica ou de arte aplicada”. Admitindo como válida — como parece ser o caso —que as licen- ças podem, do ponto de vista do autor, ser mais gravosas do que as onerações, parece-nos que está aberto o caminho para a aplicação deste regime às licenças(189).
Em qualquer um dos casos, é possível complementar o con- teúdo do negócio jurídico, recorrendo quer às regras do Código Civil, quer ao próprio regime do CDADC(190), assegurando sempre
(188) Concordamos aqui com XXXXX XXXXXXXX XXXXX quando refere que “nada constando quando ao preço, presume-se que a autorização é onerosa. Parece, então, que o montante acordado poderá ser objecto de prova, nos termos gerais, através de outros elementos retirados do quadro negocial” — Questões de Forma nos Contratos de Explo- ração…, ob. cit., p. 783.
(189) No sentido de admitir a aplicação analógica do artigo 43.º, n.º 4, às licenças, em especial quando existe exclusivo, vide, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos…, ob. cit., p. 385.
(190) Saber que regra aplicar exigirá uma ponderação dos vários elementos que rodearam o negócio e, também, do tipo de licença em causa.
a proteção do autor. Por isto, consideramos que, à partida, a ausên- cia de uma estipulação concreta sobre o prazo da licença não deve conduzir à invalidade da mesma(191). Parece-nos que se trata de uma sanção demasiado pesada quando o sistema jurídico, conside- rado como um todo, dispõe de meios suficientes para garantir a subsistência do negócio jurídico. Também assim se dá cumpri- mento ao princípio geral de melhor aproveitamento dos negócios jurídicos.
IV. Tendemos a manifestar a mesma conclusão no que toca ao elemento lugar das licenças. De facto, parece-nos excessivo considerar o negocio inválido apenas e só pela circunstância de nele não se mencionar o lugar de exploração. Todavia, a ausência de indicações sobre o lugar de exploração pode ser mais problemá- tica, na medida em que não existe uma norma que possa suplemen- tar a falta de autoregulação das partes. De qualquer forma, inexis- tindo elementos interpretativos, entendemos que haverá que considerar a licença restrita ao território português(192). Afinal, tal é a conclusão que resulta do fenómeno da territorialidade dos direi- tos de autor, nada mais(193).
(191) Em sentido contrário, defendendo a invalidade da licença, XXXXXXX XX XXX- XXXXX e XXXXXX XXXXXXX, Précis du Droit d’ Auteur…, ob. cit., p. 325 e, para a maior parte dos casos, XXXXX XXXXXXXX XXXXX, Questões de Forma nos Contratos de Exploração…, ob. cit., p. 782.
(192) Notamos que na lei espanhola (cf., artigo 43/2 do Real Decreto Legislativo 1/1996) contempla expressamente a solução de considerar o ato de disposição limitado ao país em que ocorreu a cessão.
(193) Deve referir-se que XXXXX XXXXXXXX XXXXX tem um entendimento diferente
— Questões de Forma nos Contratos de Exploração…, ob. cit., p. 782. Entende esta autora
— de uma forma que nos parece, porventura, exagerada — que “se faltar a menção ao lugar, a nulidade parece-nos também a consequência normal, uma vez que de outro modo não se determina o âmbito espacial do contrato”. Todavia, a autora acaba por chegar à mesma solução apresentada no texto, embora o faça por considerar que a parte final do artigo 41.º, n.º 3, ou seja, quanto às condições de tempo, lugar e preço, é meramente uma exigência ad probationem. Não concordamos com o caminho percorrido pela autora para chegar a esta conclusão. A nosso ver, é mais rigoroso e substancial procurar perceber a importância de cada um dos elementos referidos no artigo 41.º, no quadro do regime pro- tetor do direito de autor, do que realizar uma mera interpretação literal, que coteja a pri- meira parte do n.º 3 deste artigo com a última.
V. Até agora concluímos que a ausência dos elementos preço, tempo e lugar não dão lugar à invalidade da licença. Já o mesmo não se deve concluir, a nosso ver, a propósito do último elemento exigido pelo artigo 41.º, n.º 3, ou seja, a indicação das formas autorizadas de divulgação, publicação e utilização da obra. Com efeito, este é, a nosso ver, o núcleo central das licenças,
o aspecto fulcral cuja falta inquina todo o negócio e deve conduzir à sua invalidade. De facto, nos casos em que nada se dispõe sobre as formas autorizadas de exploração da obra, ou o que se dispõe é insuficiente para permitir chegar a uma conclusão segura sobre a finalidade pretendida pelas partes, por força das características do direito de exclusivo, não vemos qualquer possibilidade de aprovei- tar o negócio jurídico, sendo este ineficaz para produzir os seus efeitos.
Principalmente nas licenças inominadas, o legislador não pre- viu qualquer tipo de norma que pudesse suprir a ausência de uma estipulação concreta das partes nesta matéria(194). No que toca às modalidades de exploração da obra admitidas, cabe às partes a especial responsabilidade de definirem o conteúdo do negócio. Na sua falta, o negócio é defeituoso e de forma a assegurar a defesa do autor, mas também a segurança no comércio jurídico, tendemos a considerar que o negócio será inválido.
VI. Sendo esta a conclusão que retiramos da análise ao regime legal, importa agora apurar qual a concreta invalidade em causa. Será a nulidade ou a mera anulabilidade? Ora, face ao que ficou exposto, não há dúvidas de que para nós a estipulação sobre as formas de exploração admitidas é um elemento essencial e imprescindível das licenças. Desta forma, na ausência de uma con- sequência clara no CDADC, seguimos aqui a orientação de MENE- ZES CORDEIRO(195), que considera que a nulidade é o tipo residual
(194) Como se viu anteriormente, nas licenças nominadas o legislador, em diversas situações, previu uma extensão aos conteúdos das licenças, de forma a garantir que estas seriam aptas a assegurar a finalidade das partes. Não existe qualquer norma semelhante para as licenças inominadas.
(195) Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I…, ob. cit., p. 860.
de falha negocial quando a lei não determine outra consequência, em especial, quando falta um elemento essencial do negócio, o que é aqui o caso, a nosso ver(196).
Por conseguinte, concluímos que as licenças onde (i) falte a estipulação sobre os modos de aproveitamento económico autori- zados ou (ii) exista uma deficiência insanável das cláusulas acorda- das pelas partes, são nulas, não produzindo, por isso, quaisquer efeitos(197).
§ 12.º Modalidades de licenças
I. Do que vêm sendo dito resulta evidente que as licenças de exploração podem assumir várias modalidades. Na realidade, podem combinar-se entre si, para dar origem a modelos mais ou menos complexos. Tudo dependerá da vontade das partes.
No que respeita à categorização das licenças de exploração da obra, há que reconhecer que o nosso legislador foi muito parco em palavras. Esta é uma matéria em que a “arrumação” das várias modalidades de licenças resulta, em primeira linha, de um esforço interpretativo. Com efeito, no artigo 41.º, n.º 2, o legislador refere apenas que “a autorização a que se refere o número anterior só pode ser concedida por escrito, presumindo-se a sua onerosidade e carácter não exclusivo” (sem destaque no original). É verdade
(196) No direito francês, que tem uma redação próxima do direito nacional, XXXXX XXXXX e XXXXX-XXXXXXX XXXXX defendem uma posição idêntica à apresentada no texto: “(...) les mentions exigées par l’article L.131-3 [“La transmission des droits de l’auteur est subordonnée à la condition que chacun des droits cédés fasse l’objet d’une mention distincte dans l’acte de cession et que le domaine d’exploitation des droits cédés soit délimité quant à son étendue et à sa destination, quant au lieu et quant à la durée”] alinéa 1er, doivent être interprétées restrictivement. Mais if faut noter dès main- tenant que le contrat qui ne les comporterait pas serait prive d’efficacité, d’où s’ensui- vrait la nullité pour absence d’objet” — Traité de la Propriété Littéraire et Artistique…
, ob. cit., p. 402.
(197) No sentido exposto, XXXXXXX XX XXXXXXXX e XXXXXX XXXXXXX, Précis du Droit d’ Auteur…, ob. cit., p. 320, salientando que a nulidade poderá afectar a totalidade do contrato ou apenas os modos de exploração em relação aos quais existe uma ausência ou uma deficiência insanável de estipulação das partes.
que daqui resultam duas potenciais modalidades de licenças de exploração. Mas há mais.
II. Uma primeira distinção que se pode traçar nesta matéria é entre licenças nominadas, que o CDADC trata na parte especial, e inominadas, cujo regime, ainda que parcelar, resulta dos artigos 40.º e segs. Este é um primeiro critério de distinção que não é de somenos importância, já que o regime não é totalmente idêntico, existindo aspectos particulares das licenças nominadas, como já se referiu.
Pode ainda distinguir-se as licenças consoante o seu facto constitutivo. Assim, teríamos as licenças voluntárias por contrapo- sição às licenças obrigatórias ou legais(198). Em termos simples, a diferença entre estas modalidades de licença radica na circunstân- cia de nas licenças voluntárias ser essencial a expressão de vontade do titular do direito de autor, enquanto pressuposto para que uma outra pessoa pratique sobre a obra determinados atos de explora-
(198) Tipicamente, a doutrina distingue entre licenças legais e licenças obrigatórias ou, numa outra terminologia, compulsórias. Nas primeiras, as obras protegidas podem ser utilizadas livremente, desde que o utilizador pague a quantia determinada por uma autori- dade competente. Nas segundas, o titular do direito de autor pode ser obrigado a conceder uma autorização, mas não fica privado de negociar as condições dessa autorização, pese embora, na falta de acordo, a determinação do montante da remuneração seja da responsa- bilidade de uma autoridade administrativa ou judiciária. Segundo OLIVEIRA ASCENSÃO, um exemplo de licença legal encontra-se no artigo 70.º, n.º 3. Todavia, este autor refere que as licenças legais não seriam verdadeiras licenças, mas sim limites ao direito de autor. Con- cordamos com esta posição na medida em que, a referência a licenças legais abarcaria rea- lidades que, em bom rigor, constituem limites ao direito de autor, como é o caso das utili- zações livres (cf., artigo 75.º). O mesmo autor refere, como exemplo das licenças compulsórias, os artigos 52.º e 53.º. Outros casos de licenças obrigatórias, como a licença de tradução prevista na Convenção Universal, foram recusados pelo legislador nacional. A Convenção de Berna só reserva aos Estados a possibilidade de introduzir licenças deste tipo em relação a certas modalidades de utilização (reprodução de obras musicais e radio- difusão). Cf., os artigos 13.º, al. 1, e 11.º bis, al. 2. Sobre o tema, vide, OLIVEIRA ASCENSÃO, A ‘Licença’ no Direito Intelectual..., ob. cit., pp. 95 e 96, XXXXXXXXX XXXXXXX XXXXX, Novas Tecnologias de Comunicação e Direito de Autor, SPA, 1986, pp. 41 e segs., XXXX XXXXXXXXX XXXXXXX, Introdução ao Direito de Autor…, ob. cit., pp. 218 e segs., XXXXX XXXXXXXXX, Le Droit D’ Auteur…, ob. cit., pp. 103-105, e, na perspectiva da propriedade industrial, XXXXXXX XXXXXXX, Licenças (Voluntárias) e Obrigatórias de Direitos de Pro- priedade Industrial, Almedina, 2008, pp. 191 e segs.
ção. Já nas licenças obrigatórias, a vontade do titular do direito deixa de ser relevante, sendo uma entidade administrativa quem define as condições de utilização da obra.
Outro critério de distinção poderá ser a existência ou não de compensação como correlativo da concessão da licença. Como vimos, o CDADC apenas presume que as licenças são onerosas, mas não impede que a licença seja concedida a título gratuito. Assim, poder-se-ia distinguir entre licenças onerosas e licenças gratuitas. As licenças podem ainda distinguir-se consoante o território para que foram concedidas. Haveria assim licenças regionais ou multi-regionais (que poderá ser relevante em países com regiões cultural ou legalmente distintas), nacionais ou multi-nacionais e
mesmo licenças mundiais.
Um outro critério de distinção pode ser o próprio conteúdo das licenças. Como se viu atrás, a licença pode abranger uma única forma de exploração da obra (ex: recitação ao público) ou ter um conteúdo mais vasto, abrangendo diversas formas de exploração (ex: reprodução de uma obra literária em suporte escrito e a repre- sentação da mesma). Adicionalmente, as licenças podem também ter como objecto uma única obra ou então várias obras, presentes ou futuras. Assim, naquele caso, teríamos uma licença singular e neste uma licença multi-obras (no sentido de que abrangeria mais do que uma obra)(199).
Por outro lado, atendendo ao beneficiário da licença, podería- mos ter licenças individuais, que têm como beneficiário uma única entidade, ou licenças colectivas, que abrangem vários destinatá- rios, concretizados no título da licença ou através de um critério demarcador(200). Um outro critério de distinção é o da exclusivi-
(199) Neste sentido, tal como referido atrás, note-se que o artigo 85.º admite expressamente que o contrato de edição tenha por objecto uma ou mais obras, pelo que é perfeitamente admissível uma licença multi-obra.
(200) As licenças colectivas levantam problemas particulares, já que, na maior parte dos casos, são utilizadas pelos organismos de gestão colectiva de direitos de autor. Sobre esta problemática, ligada à disponibilização de obras no mundo digital, vide, DEBO- RAH DE ANGELIS, “Le Licenze Collettive Estese e la Condivisione di Opere Dell’Ingegno sulle Reti Xxxx-xx-Xxxx”, xx Xx Diritto di Autore, Ano LXXX, Julho-Setembro, n.º 3, Giuffrè Editore, 2009, pp 408-417.
dade ou não da licença. Enfim, a nossa lei é particularmente aberta a diversas modalidades de licenças de exploração.
III. Pela sua relevância, vale a pena atentar com maior por- menor na distinção entre licenças exclusivas e não exclusivas. Em termos genéricos, licença exclusiva é aquela em que o titular do direito patrimonial de autor se obriga a não conceder uma licença, com o mesmo conteúdo da anterior, ou com um conteúdo que possa conflituar com essa, durante todo o tempo em que a licença exclusiva durar(201). Trata-se de uma forma de defesa do licen- ciado, que muitas vezes incorre em custos elevados para realizar a exploração económica da obra. Através de uma licença exclusiva, o beneficiário fica investido num direito de aproveitamento econó- mico da obra, de acordo com as formas de utilização autorizadas, sem a concorrência de outros sujeitos.
Importa notar que hoje em dia as licenças exclusivas se gene- ralizaram, com isso privando os criadores intelectuais de uma maior flexibilidade na gestão das suas obras do ponto de vista eco- nómico. Na verdade, as licenças exclusivas acabam por constituir um limite ao artigo 68.º, n.º 4, na medida em que retira ao autor a liberdade de exercer, por si ou através de um terceiro, os modos de
(201) O CDADC não contém qualquer noção de licença exclusiva. No entanto, é de salientar que, num domínio paralelo, o CPI define licença exclusiva no artigo 32.º, n.º 6, como “aquela em que o titular do direito renuncia à faculdade de conceder outras licen- ças para os direitos objecto de licença, enquanto esta se mantiver em vigor”. O traço mais característico da licença exclusiva é, precisamente, a circunstância de o titular do direito em causa se obrigar a não conceder novas licenças que possam conflituar com a concedida. Esta característica existe tanto no Direito Industrial como no Direito de Autor. Segundo XXXXXX XXXXXXX e XXXX XXXXXXX: “An exclusive licence is an agreement according to which a copyright owner permits the licensee to use the copyright work. At the same time, the copyright owner also promises that they will not grant any other licences and will not exploit the work themselves. The legal consequence of this is that the licence confers a right in respect of the copyright work to the exclusion of all others including the licensor”
— Intellectual Property Law… ob. cit., p. 265. No mesmo sentido, XXXXX X. BAINBRIDGE, Intellectual Property…, ob. cit., p. 104. Como se verá mais abaixo, não concordamos com a última parte do texto, na medida em que não nos parece que a exclusão do autor da explo- ração da obra seja um elemento essencial da licença exclusiva. De referir que, no direito inglês, a concessão de uma licença exclusiva acaba por ter os mesmo efeitos práticos do que uma transmissão do direito de autor, dado que o licenciado exclusivo tem os mesmos poderes, em termos legais, do que o transmissário.
aproveitamento da obra que foram cedidos a título exclusivo. Todavia, mantém-se o princípio da autonomia das formas de apro- veitamento da obra, pelo que todas as formas de utilização que não tenham sido expressamente concedidas ou que não sejam necessá- rias para atingir a finalidade do contrato em causa, podem ser livre- mente exercidas pelo autor ou por terceiros por si autorizados, sem que isso afecte a licença exclusiva.
Uma vez que a exclusividade limita a possibilidade de explo- ração da obra, compreende-se a opção do legislador em determinar que, para que esta exista, tem que resultar de estipulação contra- tual. No silêncio do contrato, a licença presume-se não exclusiva. Há, contudo, excepções a esta regra geral.
Uma delas decorre do artigo 88.º, n.º 3, quando se determina que o contrato de edição “inibe o autor de fazer ou autorizar nova edição da mesma obra na mesma língua, no País ou no estran- geiro, enquanto não estiver esgotada a edição anterior o não tiver decorrido o prazo estipulado”(202). Outra das excepções previstas no CDADC está contida no artigo 128.º, n.º 1, a propósito do con- trato de produção cinematográfica. Aqui se determina que “a auto- rização dada pelos autores para a produção cinematográfica de uma obra, quer composta para esta forma de expressão quer adap- tada, implica a concessão de exclusivo, salvo convenção em con- trário”. Também aqui se admite que as partes disciplinem esta matéria de outra forma, pelo que esta exceção não tem um campo de aplicação muito importante.
Assim, podemos concluir que, na vasta maioria dos casos, quando o contrato de licença nada disponha sobre a matéria, aplica-se a regra geral da não exclusividade.
(202) Esta regra de exclusividade encerra, ela própria, várias exceções. Assim, pode ser afastada por estipulação em contrário (artigo 88.º, n.º 3, 1.ª parte); não se aplica se sobrevierem circunstâncias tais que prejudiquem o interesse da edição e tornem necessária a remodelação ou atualização da obra (artigo 88.º, n.º 3, parte final) e não vale nos casos em que tenha sido contratada apenas a edição separada de cada obra, tendo o autor, neste caso, livre disponibilidade para conceder uma licença para a edição completa ou conjunta da sua obra a outro editor (artigo 103.º, n.º 1). Estas exceções são de tal ordem que nos arriscaríamos a dizer que o artigo 88.º, n.º 3, na realidade, não é uma exceção muito rele- vante à regra geral da não exclusividade das licenças.
Poder-se-á, contudo, perguntar se a estipulação de uma cláu- sula de exclusividade apenas limita o titular do direito a conceder uma licença conflituante a terceiros ou se, para além disso, também condiciona a própria liberdade de o titular efetuar, por si próprio, a exploração da obra através do modo de aproveitamento concedido com exclusividade? A pergunta é pertinente e não oferecendo o nosso legislador uma noção de licença exclusiva, não raro haverá casos em que as partes não disciplinam em toda a sua plenitude esta matéria.
Supomos que esta questão deva ser, primariamente, resolvida pelas partes. Pode existir uma exclusividade apenas perante tercei- ros ou perante terceiros e o próprio autor. Caberá às partes acordar os termos concretos desta cláusula. Todavia, consideramos que caso a cláusula estipulada pelas partes não seja clara e não existam elementos acessórios que permitam esclarecer o sentido da von- tade das partes, a cláusula de exclusividade deve ser interpretada restritivamente a favor do autor. Assim, só lhe estaria vedada con- ceder novas licenças a terceiros, mas não explorar, por si próprio, a obra(203). Notamos, no entanto, que esta não é a solução consa- grada em Espanha(204) e no Reino Unido(205). Já na Alemanha, admite-se que a utilização pelo autor fique ressalvada desde que essa seja a vontade das partes(206).
IV. A licença não exclusiva (ou simples), tal como o nome indica, permite que o titular do direito patrimonial de autor con-
(203) Deve referir-se que no domínio paralelo da propriedade industrial, esta ques- tão é resolvida nos termos indicados no texto. De facto, o artigo 32.º, n.º 7, do CPI deter- mina que “a concessão da licença de exploração exclusiva não obsta a que o titular possa, também, explorar diretamente o direito objecto de licença, salvo estipulação em contrario” (sem destaque no original). Quer isto portanto dizer que a concessão de uma licença exclusiva só inibe o licenciante no sentido de não conceder a terceiros novas licen- ças, mas não o priva de explorar diretamente o direito objecto da licença, excepto se existir estipulação em contrário. Parece-nos que esta conclusão pode ser facilmente importada para o Direito de Autor. Em sentido contrário, KAMEN TROLLER, Précis du Droit Suisse…, ob. cit., p. 295.
(204) Cf., o artigo 48(1) do Real Decreto Legislativo 1/1996.
(205) Cf., artigo 92 do Copyright, Designs and Patents Act.
(206) Cf., o §31 (3) da Urheberrechtsgesetz.
ceda licenças a terceiros com conteúdos potencialmente confli- tuantes, sem que com isso entre em incumprimento contratual. Assim sendo, a licença não exclusiva é uma forma de garantir a maximização da sua obra. Por exemplo, será lícito ao criador de uma obra intelectual autorizar mais do que um empresário a pro- mover a representação da sua obra, porventura distinguindo o terri- tório em que cada representação pode ter lugar.
§ 13.º Posição jurídica das partes
A celebração de uma licença de exploração institui uma rela- ção jurídica com contornos que podem ser mais ou menos com- plexos consoante o tipo de licença em causa, a sua finalidade e a autorregulação instituída pelas partes. Tanto o licenciante como o licenciado ficam, no âmbito daquela relação, com uma posição jurídica composta por situações jurídicas distintas.
Dada a latitude de cada constelação de direitos e obrigações imaginável, é de todo impossível oferecer um quadro completo da posição jurídica das partes nos contratos de licença de exploração da obra. Todavia, não nos parece inexequível nem despiciendo apontar alguns dos elementos mais característicos que podem ser- vir para gizar, ainda que com alguma vacuidade, a posição das par- tes nestes contratos. Para isso, a nosso ver, importa considerar as características destes atos e, sobretudo, o regime tipificado na “parte especial” do CDADC, ou seja, a regulamentação própria de cada tipo nominado de licença.
Importa ainda ressaltar que a tentativa de definição de um quadro sistemático nesta matéria é prejudicada pelo facto de a maior parte das normas do CDADC, a propósito do direito contra- tual de autor, serem de natureza supletiva (cf. artigo 113.º, n.º 1), pelo que as partes podem licitamente decidir afastar-se do modelo típico delineado por lei.
13.1. Posição jurídica do autor
I. A nosso ver, a posição jurídica do autor nos contratos de licença pode ser construída atendendo a alguns artigos específicos da parte especial onde a matéria surge com maior acutilância. Assim, para além de outras normas que fomos citando ao longo deste trabalho, é esta a situação dos artigos 86.º, n.º 7, 89.º, 94.º, n.os 1 e 4, 97.º, 98.º, 105.º, n.º 2, 110.º, n.º 3, 113.º, 122.º, n.os 1 e 2, 134.º, n.º 2, 142.º, 143.º, 144.º, n.º 3, 154.º, 160.º e 161.º. Se aten- tarmos nestas disposições percebe-se que o legislador consagrou um conjunto de direitos e obrigações, no que toca às licenças de exploração, que poderíamos tentar categorizar da seguinte forma.
II. Do ponto de vista patrimonial, o principal direito do autor é o direito à retribuição. Já vimos em que é que este direito se caracteriza e também concluímos que não é um elemento funda- mental das licenças de exploração.
Outro dos direitos do autor pode ser genericamente apelidado de direito de fiscalização. Este direito surge de forma clara nos arti- gos 86.º, n.º 7, 110.º, n.º 3, 113.º, n.º 1, f), e 143.º. Através de uma lei- tura e interpretação teleológica destas normas podemos afirmar, sem grande margem para erro, que o escopo deste poder é, sobretudo, per- mitir ao autor controlar a aplicação do seu direito à retribuição(207) e verificar se os limites da licença, particularmente de ordem quantita- tiva (ex: número de exemplares autorizados por edição) ou qualitativa (ex: qualidade ou técnica de impressão ou fixação(208) e, até mesmo, da representação da sua obra), são respeitados pelo licenciado.
(207) Neste sentido, note-se que o artigo 96.º estabelece a prestação de contas do editor ao autor nos casos em que a retribuição depende dos resultados da venda ou nos casos em que o seu pagamento for subordinado à evolução desta. Trata-se aqui, mais uma vez, de um mecanismo destinado a permitir ao autor controlar a forma de cálculo e de pagamento da retribuição que lhe é devida. De forma a garantir a exequibilidade deste direito, o artigo 96.º, n.º 3, determina que o editor deve facultar ao autor ou ao seu repre- sentante os elementos da sua escrita que sejam indispensáveis para a boa verificação das contas. É um preceito que nos parece que deve ser generalizado aos restantes contratos.
(208) O artigo 144.º, n.º 3, é um bom exemplo nesta matéria, na medida em que confere o direito ao autor de fazer cessar a exploração da obra sempre que a qualidade téc- nica da fixação comprometer a correta comunicação da obra.
A nosso ver, é esta a principal finalidade do poder de fiscaliza- ção, o que não impede que possa assumir outros contornos, mais ou menos complexos. Além do mais, a existência de um poder de fiscali- zação é reflexo do facto de que a celebração de um contrato de licença não tem efeitos sobre a titularidade do direito patrimonial do autor. Continuando o autor a ser titular deste direito, é importante que tenha meios que lhe garantam o controlo sobre os seus ativos patrimoniais. Ora, é precisamente para isso que este poder de fiscalização serve. O direito à identificação do autor é outra situação jurídica ativa que decorre de forma evidente das normas citadas atrás (arti- gos 97.º, 122.º, n.º 1, 134.º, n.º 2, 142.º, 154.º, 160.º, n.º 3 e 161.º).
Em rigor, não se trata aqui de um direito de conteúdo patrimonial, mas sim de um direito moral. A sua sede legal genérica é o artigo 28.º, e esta é uma das situações em que a intersecção dos direitos morais e patrimoniais se manifesta.
O direito à identificação não é mais do que a possibilidade, atribuída ao autor, de associar uma determinada obra à sua esfera criativa, ainda (e especialmente nestes casos) que esta seja explo- rada por terceiros. Como consideramos este elemento um aspecto marcante da posição do autor nas licenças de exploração, caso nada seja indicado no contrato ou existam dúvidas sobre a forma de identificação do autor, entendemos que será da responsabilidade do licenciado xxxxx a dúvida, questionando o autor sobre o modo de identificação que prefere. Caso contrário, poderá existir viola- ção de contrato ou da lei que pode justificar a resolução do contrato (artigo 106.º, n.º 1, d) parte final).
Acresce que do conjunto de normas que referimos no início parece resultar que o autor tem um direito ao controlo prévio das formas de exploração da sua obra. Este direito emerge dos arti- gos 94.º, n.º 1, 98.º, 113.º, n.º 1 e 160.º, n.º 2. A nosso ver, este direito destina-se a tutelar, em primeira linha, interesses pessoais do autor, relacionados(209) com a essência da sua obra e/ou com a
(209) Xxxxxxxxxxx, por isso, com XXXXXXXX ASCENSÃO quando este refere que a maior parte dos poderes conferidos ao autor no artigo 113.º (que é uma das normas mais importantes nesta matéria) são de ordem pessoal — Direito Civil. Direito de Autor e Direi- tos Conexos…, ob. cit., p. 460.
qualidade que deve exigir dos atos de exploração exercidos sobre a obra.
De facto, na maior parte dos casos, a exploração de uma obra literária ou artística por um terceiro pode provocar alguma tensão com a essência criativa da obra e, consequentemente, afectar a marca e o cunho pessoal do autor. Acresce que o autor pode ter um interesse legítimo em evitar ficar associado a determinadas formas de exploração que poderiam depreciar a obra e afectar a sua repu- tação ou que não tenham a qualidade exigida. Compreende-se, por- tanto, que o legislador tenha sujeitado determinados atos de explo- ração a um controlo prévio do autor.
Esta conclusão resulta muito clara do facto de ser no contrato de representação cénica(210) que o direito de controlo prévio do autor é mais extenso. Com efeito, neste caso, o legislador atribuiu ao autor o direito de, por exemplo, ser ouvido sobre a distribuição dos papéis, sobre a escolha de colaboradores da realização artística e (chega mesmo ao ponto de permitir ao autor) opor-se à exibição enquanto não considerar o espetáculo suficientemente ensaiado. É também esta ordem de razões que justifica, em nosso entender, que as reproduções dos exemplares de obras plásticas, ou simila- res, só possam ser postas à venda quanto o autor aprovar o exem- plar que lhe tenha sido submetido a exame.
Em qualquer situação, deve entender-se que o autor só pode exercer este direito (que é particularmente gravoso do ponto de vista do licenciado) de acordo com os ditames da boa-fé (artigo 113.º, n.º 1 f), parte final), sendo aqui plenamente aplicável o critério cor- retor do artigo 334.º do CC, que veda o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito.
(210) Fica a dúvida sobre as razões que terão levado o legislador a não prever idênti- cos poderes, pelo menos de forma expressa, no caso do contrato de produção cinematográfica, já que a semelhança de situações poderia justificar um tratamento idêntico. De qualquer forma, é de notar que o artigo 139.º, n.º 1, determina que “ao contrato de produção cinemato- gráfica são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições relativas ao contrato de edição, representação e execução”, o que lança a dúvida sobre saber se os direitos do autor consagrados no artigo 113.º podem ou não ser aplicados no caso da produção cinematográfica.
Para além do direito de controlo prévio, parece-nos ser possí- vel descortinar, nas várias regras citadas acima, um direito à intro- dução de modificações(211). Este direito pode desdobrar-se em várias situações. Por um lado, pode estar em causa a mera introdu- ção de modificações no suporte corpóreo da obra (artigo 94.º, n.º 4), situação que está muito próxima do direito de controlo prévio que referimos atrás e cujas finalidades são semelhantes; por outro lado, admite-se que o autor possa, após a celebração de uma licença de exploração, modificar a sua obra (artigo 105.º, n.º 2, e 113.º, n.º 1 a)), desde que não implique modificação substancial da obra primi- tiva, não diminua o seu interesse dramático ou espetacular nem pre- judique a programação dos ensaios e a representação.
III. Do lado das situações passivas nos contratos de licença, a prestação principal do autor é, sem dúvida, proporcionar ao licenciado o aproveitamento ou o gozo da obra. Nalguns casos, a conduta a que o autor está vinculado pode envolver uma obrigação de conteúdo positivo (de facere ou mesmo de dare), como, por exemplo, entregar ao licenciado o corpus mechanicum da obra, de forma a permitir a sua exploração. Este aspecto resulta claro do artigo 89.º, n.º 1. Aí se estabelece que “o autor obriga-se a propor- cionar ao editor os meios necessários para cumprimento do con- trato, devendo, nomeadamente, entregar, nos prazos convenciona- dos, o original da obra objecto da edição em condições de poder fazer-se a reprodução”.
No entanto, na prestação principal do autor pode também estar envolvida uma obrigação de conteúdo negativo (de non facere). Em especial nas licenças exclusivas, o autor não deve per- turbar o gozo da obra por parte do licenciado, não concedendo novas licenças de exploração nem praticando, por ele próprio (caso esta restrição seja acordada), atos de exploração económicos sobre
(211) Neste sentido, para o contrato de edição, mas num sentido que nos parece generalizável, KAMEN TROLLER, explicando que “l’auteur conserve, pendant l’exécution du contrat d’édition et même pendant la réalisation de la reproduction de l’œuvre, le droit d’améliorer l’œuvre ou d’y apporter des corrections. Il va de soi que ces modifications ne doivent pas intervenir en temps inopportun ni nuire aux intérêts de l’éditeur ou lui rendre plus difficile l’exécution du contrat (...)” — Précis du Droit Suisse…, ob cit., p. 291.
a obra. Por fim, não é de negar a hipótese de a prestação do autor ser qualificada como obrigação de pati, ou seja de suportar ou tole- rar um atividade que, na falta da licença de exploração, se poderia opor. Só no caso concreto se poderá perceber, com maior rigor, que tipo de prestações vinculam o autor.
Num outro quadrante, é de notar que outra obrigação rele- vante do autor é a de assegurar a genuidade da sua obra, prote- gendo assim o licenciado contra atos de usurpação(212).
13.2. Posição jurídica do licenciado
I. Tendo presente as advertências feitas no início deste capítulo, consideramos que a posição jurídica do licenciado pode ser alicerçada de forma idêntica à que utilizámos para definir a posição do autor.
Claro que as situações jurídicas ativas na esfera do autor terão como correlativo as situações jurídicas passivas na esfera do licen- ciado, designadamente obrigações e deveres. Assim, à partida, pode concluir-se, em termos genéricos, que os direitos do autor indicados atrás corresponderão a obrigações, em regra de facere, de non facere e de dare para o licenciado(213). No entanto, para além disto, através da consideração de alguns artigos específicos da parte especial do direito contratual de autor é possível avançar um pouco mais na construção jurídica da posição do licenciado. É aqui o caso dos artigos 90.º, 93.º, 95.º, 96.º, n.º 3, 105.º, n.º 4, 111.º, 115.º, 122.º, n.º 3, 143.º, n.º 3 e 162.º.
(212) Neste sentido, embora somente a propósito do contrato de edição, XXXXXX XXXXX XXXX, Contrato de Edición Literaria…, ob. cit., pp. 351 e segs.
(213) Assim, por exemplo, o direito de retribuição do autor terá como correlativo uma obrigação pecuniária do licenciado. O direito de identificação terá como correlativo a obrigação do licenciado de colocação do nome do autor nos suportes de exploração da obra autorizados. O direito de fiscalização do autor terá como corresponde uma obrigação de facere do licenciado, consubstanciando-se esta na obrigação de conceder acesso ao autor, ou aos seus representantes, aos arquivos e escrituração do licenciado.
II. Daquilo que foi sendo exposto atrás, em particular no que toca à definição do conteúdo da licença, é manifesto que o direito mais relevante do ponto de vista do licenciado é o de explo- rar e utilizar a obra. Claro que o seu direito de gozo e fruição se deve ater aos modos, termos e condições definidos na licença e autorizados pelo autor. O CDADC contém diversas referências no sentido de que qualquer modo de aproveitamento que não tenha sido especificadamente autorizado deve ser objecto de nova autori- zação por parte do autor(214). A regulação do direito contratual de autor por parte do CDADC contém ínsito um princípio que impede o licenciado de utilizar a obra de forma diversa da que foi autori- zada ou para uma finalidade distinta.
Importa, contudo, não esquecer o campo de aplicação rele- vante dos princípios de interpretação contratual atrás analisados e, bem assim, a possibilidade de existirem autorizações implíci- tas(215) ou tácitas, admitidas em termos gerais.
Ainda em termos de direitos, é de salientar que o licenciado tem o direito de introduzir alterações na obra, desde que estas não afectem a sua essência ou substância. É o que resulta dos arti- gos 93.º e 95.º. Estes artigos traduzem, em termos contratuais, o que vimos atrás a propósito do direito à integridade da obra (direito pes- soal), que permite as modificações que não afectam a honra e repu- tação do autor (artigo 56.º, n.º 1). É por este critério que nos parece que o direito concedido ao licenciado deve ser lido e interpretado. Este direito, apesar de consagrado especificamente para o caso da edição, na realidade, decorre de um princípio geral do Direito de Autor, pelo que, à partida, deve ser considerado extensí- vel a todas as licenças de exploração, permitindo ao licenciado introduzir modificações na obra, desde que não impliquem altera-
ções na sua substância ou essência.
(214) Neste sentido, cf., a título de exemplo, os artigos 127.º, n.os 3 e 4, 129.º e 152.º, n.º 1.
(215) Um dos exemplos desta matéria decorre do artigo 129.º, n.º 2. Aqui se dispõe que a “autorização para a exibição ou distribuição de filme estrangeiro em Portugal con- fere implicitamente autorização para a tradução ou dobragem” (sem destaque no origi- nal). Em sentido semelhante, note-se o artigo 150.º.