O SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL - ASPECTOS GERAIS SOBRE A LEI PORTUGUESA DO CONTRATO DE SEGURO
O SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL - ASPECTOS GERAIS SOBRE A LEI PORTUGUESA DO CONTRATO DE SEGURO
Xxxxxxxx Xxxxxx xxx Xxxxx Lacerda1
O presente trabalho analisa o tratamento legal conferido pelo ordenamento jurídico português aos contratos de seguro de responsabilidade civil, com enfoque para o recém promulgado “Regime Jurídico do Contrato de Seguro” (DL 72/2008), que fixou diretrizes e regras gerais na disciplina de referido contra- to naquele país, seguindo uma tendência mundial já verificada na Espanha, Alemanha, dentre outros países de tradição no direito romano-germânico. O propósito central do presente estudo é contribuir para as discussões em torno do projeto de lei 3.555/04, em trâmite no Congresso Nacional Brasileiro, que pretende instituir a “Lei do Contrato de Seguro” no Brasil e, especialmente, ressaltar a importância de que sejam consagra- dos institutos de direito securitário, tais como a “ação direta” do lesado em face da seguradora e outros instrumentos de pro- teção dos tomadores e beneficiários destes seguros, na ocasião da celebração dos já polêmicos contratos de adesão aos quais se sujeitam.
THE LIABILITY INSURANCE – GENERAL ASPECTS OF PORTUGUESE LAW INSURANCE CONTRACT
Palavras-chave: Contrato de seguro - Seguro de responsabili- dade civil – seguros obrigatórios e facultativos – Lei Portugue- sa (Decreto Lei nº 72/2008, de 16 de abril – Regime Jurídico
1 Mestre na área de ciências jurídico-empresariais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal). Professor de direito civil e empresarial das Fa- culdades Metropolitanas Unidas e de cursos de pós-graduação em Direito e Advo- gado (Advocacia Xxx Xxxxx Xxxxxxx).
Ano 2 (2013), nº 5, 4023-4067 / xxxx://xxx.xxx-xxxx.xxx/ ISSN: 2182-7567
do Contrato de Seguro) INTRODUÇÃO
presente estudo tem por objeto a análise do di- reito material dos seguros, em especial no que se refere aos aspectos gerais dos contratos de segu- ro de responsabilidade civil no âmbito da reali- dade portuguesa, em contraposição ao fato de
existir um direito institucional2 dos seguros que abrange a or- ganização das seguradoras e a supervisão da atividade segura- dora, regulada em alguns momentos por normas de direito pú- blico e cujo conteúdo não será aqui desenvolvido.
O propósito central deste trabalho é apresentar à comuni- dade jurídica brasileira um estudo científico acerca da recém promulgada “lei portuguesa do contrato de seguro” (Decreto Lei nº 72/2008, de 16 de abril – DL 72/2008), que instituiu em Portugal o “Regime Jurídico do Contrato de Seguro” (RJCS), em especial no que se refere aos seguros de responsabilidade civil, de forma a contribuir para as reflexões e discussões em torno da elaboração de uma “lei brasileira do contrato de segu- ro”, cujo projeto de lei (PL nº 3.555/2004) já se encontra em discussão no Congresso Nacional, em respeito ao importante papel desempenhado por referida modalidade contratual na minimização dos reflexos negativos, perante lesados e lesantes, decorrentes da imputação de responsabilidade.
Não são aprofundados temas inerentes aos contratos de seguro em geral, mas apenas aspectos pontuais relacionados às principais características e particularidades dos contratos de
2 Nesse sentido, CORDEIRO, Xxxxxxx Xxxxxxx. Direito dos seguros: perspectivas de reforma. I Congresso Nacional de Direito dos Seguros – memórias. Coordenação de Xxxxxxx Xxxxxxx e X. Costa Martins. Coimbra: Almedina, 2000, p. 19 e ss. e XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito dos Seguros – Relatório. Suplemento da Re- vista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Coimbra: Coimbra Edito- ra, 2006, p.39.
seguro de responsabilidade civil, com destaque para o enqua- dramento legal da matéria naquele país e, ao longo do estudo, para as inovações trazidas pelo DL 72/2008, que veio substi- tuir, no tratamento da matéria, o já obsoleto Código Comercial Português de 18883.
Confere-se destaque ao enquadramento legal deste con- trato no ramo dos seguros “não-vida”, em preferência às de- mais classificações existentes, bem como às modalidades pelas quais o seguro de responsabilidade civil se apresenta em Portu- gal, nomeadamente nas formas de seguros obrigatórios e facul- tativos, com enfoque para o seguro obrigatório de veículos ter- restres a motor, pelo fato de tratar-se de um dos primeiros se- guros dessa natureza objeto de preocupação “comunitária”, que desperta amplo interesse e discussão doutrinária e jurispruden- cial, pelas suas particularidades em comparação ao sistema brasileiro, bem como em razão das recentes inovações legisla- tivas, nomeadamente do DL nº 291/07, de 21 de agosto e da portaria 377/08, de 26 de maio.
Diante da amplitude do tema e da natureza do presente estudo são indicadas, no decorrer do estudo, algumas das prin- cipais obras da doutrina portuguesa e estrangeira para aprofun- damento acerca de temas correlatos e alguns acórdãos do Su- premo Tribunal de Justiça (STJ)4, a fim de ilustrar as principais discussões interpretativas e o tratamento conferido à matéria pelos tribunais portugueses.
3 Embora o referido diploma comercial já tenha sido objeto de inúmeras alterações legislativas ao longo dos últimos 120 anos, inclusive no âmbito dos seguros, fazia-se necessária uma consolidação das normas e conceitos gerais que circundam a ativida- de seguradora nos mais variados ramos e o preenchimento de algumas lacunas, a fim de harmonizar a sua aplicação. Nesse sentido, ver a exposição de motivos do DL nº 72/2008, de 16 de abril.
4 A referida pesquisa jurisprudencial foi realizada na base de dados jurídicos do Ministério da Justiça de Portugal, por meio do website: xxx.xxxx.xx., sendo que os acórdãos são referenciados pelo número de identificação contido naquela base de dados, data do julgamento e nome do Relator.
1. ASPECTOS PRELIMINARES DO SEGURO DE RES- PONSABILIDADE CIVIL EM PORTUGAL
Trata-se de modalidade contratual inserida no âmbito do direito comercial e que, assim como as demais espécies de se- guros, recebe tratamento legislativo disperso e regularmente modificado, o que dificulta o estudo de suas características5.
Até o advento do DL nº 72/2008 a matéria era regula- mentada pelas normas constantes dos artigos 425.º a 462.º e 595º a 615º do Código Comercial Português de 1888 e pelas regras contratuais gerais previstas no Código Civil, observan- do-se as complementações promovidas por inúmeras leis ex- travagantes, muitas das quais motivadas pelas diretivas da Uni- ão Européia tendentes a harmonizar a legislação concernente à matéria. Nesse contexto destacam-se o DL n.º 94-B/98, de 17 de Abril6 que dispõe sobre o Regime Geral da Atividade Segu- radora (RGAS); o DL nº 289/01, de 13 de xxxxxxxx0; o DL n.º 176/95, de 26 de Julho8, que estabelece regras de transparência a serem observadas no exercício da atividade seguradora; o DL
5 Em razão das diversas e rotineiras alterações legislativas promovidas nas principais normas que constituem o regime dos seguros buscou-se, com base nos bancos de dados disponíveis em xxxx://xxxxx.xxxxxxxx.xxx e xxxx://xxx.xxx.xx, apresentar as normas atualmente em vigor.
6 Alterado pelos DL nº 8-A/2002 de 11 de janeiro; DL nº 72-A/2003, de 14 de abril; DL nº 90/2003 de 30 de abril; DL nº 251/03, de 14 de outubro; DL nº 76-A/2006, de 29 de março; DL nº 145/2006, de 31 de julho; DL nº 357-A/2007 de 31 de outubro, dentre outros.
7 Alterado pelo DL nº 195/2002, de 25 de outubro.
8 De acordo com XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 201 e ss. referido regime somente se aplica aos contratos individuais celebrados por pessoa física, em razão do disposto no artigo 17º que dispõe sobre a formação do contrato. Xx XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral: seu enquadra- mento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 257 e ss. considera que as normas previstas nesse diploma legal são aplicáveis, inclusive, nos contratos celebrados por tomadores coletivos, aplicando-se subsidiariamente as regras do código comercial. Alterado pelos DL nº 60/2004, de 22 de março; nº 357- A/2007 de 31 de outubro, dentre outros.
n.º 142/00, de 15 de julho que dispõe sobre o pagamento dos prêmios dos seguros sem prejuízo da aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais9, das normas de defesa do consu- midor, dos contratos celebrados à distância10 e das leis especi- ais que regulam outras modalidades de seguros, em especial aqueles de natureza obrigatória.
Não obstante o farto conteúdo legislativo, tais leis não apresentam uma definição do contrato de seguro de responsabi- lidade civil11, cabendo à doutrina e à jurisprudência buscar tal definição por meio da análise dos elementos e características que lhe foram conferidos.
Após algumas tentativas frustradas12 de se estabelecer um corpo de normas gerais que tratasse desta modalidade contratu- al, foi aprovado o Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril (RJCS) que, embora não tenha levado a cabo o almejado proje- to de codificação da matéria13, consolida regras contratuais gerais no âmbito dos seguros14 e, dentre outras modalidades
9 Decreto-Lei nº 249/99, de 7 de julho.
10 Conforme ressalva expressa do artigo 3º do DL nº 72/2008, de 16 de abril.
11 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral: seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 71
12 Sobre as tentativas de reformas anteriores ver XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. A reforma do direito material dos seguros: o anteprojeto de 1999. Separata da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol.XLII, nº1. Coimbra editora, 2001, p. 481/531 e do mesmo autor Direito dos seguros: perspectivas de reforma. I Congresso Nacional de Direito dos Seguros – memórias. Coordenação de Xxxxxxx Xxxxxxx e X. Costa Martins. Coimbra: Almedina, 2000, p. 17/29 e XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito dos Seguros – Relatório. Suplemento da Revista da Facul- dade de Direito da Universidade de Lisboa. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p.19/20.
13 Sobre as perspectivas de codificação ver MOTA, Xxxxxxxxx Xxxxxx da. O contrato de seguro terrestre. 1º vol. Porto: Athena Editora, DL 1985, p.155 e ss. e XXXXX- XXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito dos Seguros – Relatório. Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 94.
14 Nos termos da classificação apresentada por XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Direito dos seguros: perspectivas de reforma. I Congresso Nacional de Direito dos Seguros – memórias. Coordenação de Xxxxxxx Xxxxxxx e X. Costa Martins. Coim-
contratuais específicas, disciplina expressamente o contrato de seguro de responsabilidade civil nos artigos 137º a 148º.
Referido diploma legal, em vigor desde 1º de janeiro de 2009, conforme disposto nos artigos 6º e 7º do decreto de apro- vação, revogou expressamente alguns dos dispositivos legais supramencionados e manteve outros de caráter mais específico. Com a estruturação de normas contratuais gerais, a refe-
rida lei seguiu a tendência de conferir autonomia15 concreta ao direito dos seguros em relação ao direito comercial, baseado em princípios jurídicos próprios, terminologia e técnicas espe- cíficas16.
Dentre as adequações e ajustes trazidos pelo encetado di- ploma legal cumpre destacar a norma do artigo 137º que, em- bora não traga propriamente uma definição de seguro de res- ponsabilidade civil, estabelece em linhas gerais a sua abran- gência ao disciplinar que o segurador deve cobrir o risco de
bra: Xxxxxxxx, 0000, p. 22, a presente reforma enquadra-se na denominada “refor- ma-melhoramento” ou “do 1º grau”, por meio da qual ocorre a substituição do di- ploma anterior, acolhendo-se determinados dispositivos existentes em leis extrava- gantes, a fim de reorganizar e aprimorar a matéria sem que haja “quebra de identida- de” da lei anterior.
15 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral: seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 86.
16 Outros, como CORDEIRO, Xxxxxxx Xxxxxxx. Direito dos seguros: perspectivas de reforma. I Congresso Nacional de Direito dos Seguros – memórias. Coordenação de Xxxxxxx Xxxxxxx e X. Costa Martins. Coimbra: Almedina, 2000, p. 21 e ss. con- sideram tratar-se de contrato comercial marcadamente especializado. Vide do mes- mo autor, Manual de Direito Comercial. 2ª edição. Coimbra: Almedina, 2007, p. 159 “O direito dos seguros, mau grado a falta de tratamento universitário surge, como uma recente disciplina comercial, emancipada do velho tronco comum e que vai logrando uma cultura própria. De certa forma, ela traduz uma colocação pós- industrial de responsabilidade civil, tal como o Direito bancário o faz em relação ao Direito dos contratos. De todo o modo, tem total cabimento considerar o contrato de seguro como um contrato comercial.” Nesse sentido XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p.15 e ss. XXXXXXXX, Xxxx xx Xxxxxxxx. O Direito: Introdução e teoria geral. 13ª edição. Coimbra: Almedina, 2006, p.348 e ss. verifica essa tendência do desentranhamento do direito dos seguros como novo ramo do direito comercial.
constituição, no patrimônio do segurado, de uma obrigação de indenizar terceiros e, dessa forma, demonstra a nítida preocu- pação com a proteção patrimonial do segurado, embora não deixe de resguardar outros interesses, nomeadamente do tercei- ro lesado17.
2. O SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO DI- REITO PORTUGUÊS
A matéria objeto deste estudo está enquadrada no âmbito do direito privado, pautando-se pelo princípio da autonomia privada18, embora a prevalência de contratos de adesão, a ob- servância aos princípios de ordem pública, a interferência esta- tal e a natureza dos interesses tutelados, nomeadamente no âm- bito dos seguros obrigatórios provoquem reflexões a este res- peito19. Cumpre notar, porém, que a existência de um órgão regulador e fiscalizador do sistema, no caso português o Insti- tuto de Seguros de Portugal (ISP), e um maior dirigismo dos contratos, nomeadamente com relação aos seguros obrigató- rios, não retiram a natureza privada desta modalidade de con-
17 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Direito dos seguros: perspectivas de reforma. I Congresso Nacional de Direito dos Seguros – memórias. Coordenação de Xxxxxxx Xxxxxxx e X. Costa Martins. Coimbra: Almedina, 2000, p. 24 “As mais belas leis ficarão letra morta se não forem aplicáveis ou aplicadas. O êxito de qualquer refor- ma legislativa passa pela divulgação, entre os operadores, da Ciência do Direito capaz de realizar as novas soluções encaradas.”
18 Princípio este, reforçado pelo artigo 11º do RJCS.
19 Sobre a natureza privada do contrato, ver XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito dos Seguros – Relatório. Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Univer- sidade de Lisboa. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p. 39 e ss. A respeito dessa “diminuição da autonomia da vontade” em razão da regulamentação e enquadramen- to dos contratos de seguro conclui XXXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Contrato de seguro causas de conflitualidade interpretação. I Congresso Nacional de Direito dos Seguros – memórias. Coordenação de Xxxxxxx Xxxxxxx e X. Costa Martins. Coim- bra: Xxxxxxxx, 0000, p. 174, “Esse fenómeno retira-lhe o caráter tradicional de ‘mutus consensus’, que o torna menos contratual, se assim se pode dizer, e que dele faz, em graus variáveis, segundo as espécies, um ‘contrato-regulamento’, um ‘con- trato dirigido’, um ‘contrato-tipo’ e ‘estereotipado’ ”.
trato. Salienta-se, outrossim, que o RJCS estabelece, nos arti- gos 12º e 13º, normas de imperatividade absoluta e relativa, respectivamente, no intuito de resguardar e promover o equilí- brio dos interesses envolvidos, especialmente na defesa do to- mador do seguro, do segurado ou do beneficiário.
Em complemento ao disposto no artigo 137º do DL 72/2008, pode-se definir o contrato de seguro de responsabili- dade civil20 como “o negócio jurídico bilateral por meio do qual a seguradora assume, mediante o pagamento de um prêmio, as consequências desfavoráveis ou danosas21, no âmbi- to econômico-financeiro, que possam recair sobre o patri- mônio22 do segurado, em razão do risco de responsabilização civil deste último por danos causados a um terceiro.”
Diante das diversas modalidades de contratos de seguro existentes e dos riscos por eles garantidos, são inúmeras as classificações legais e doutrinárias23 no sentido de estabelecer categorias distintas de seguros, em razão da natureza dos inte- resses tutelados ou das características próprias de cada modali- dade. Assim, já se estabeleceu a distinção entre seguros terres-
20 Baseada nos elementos apresentados por XXXXX XXXXXX, Xxxx. La Responsa- bilidad Civil y su seguro. Madrid: Tecnos, 1998, p. 123 e na definição de XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral: seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 169. Na doutrina francesa XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxx. Traité Général des Assurances Terrestres en Droit Français. Tome III. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1938, p. 285 definem “Dans um sens courant, l’assurance de responsabilité est um contrat par lequel l’assureur garantit l’assuré contre les réclamations pécuniaires des tiers au regard desquels sa responsabilité se trove engagée à raison d’um fait dommageable determine.” De acordo com MI- RANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado – parte especial. Tomo XLVI. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editor Xxxxxx, 1972, p. 50 “é seguro contra o risco de ser responsável a ressarcir danos.”
21 Nos termos e limites contratuais.
22 Entendido como o conjunto de bens e direitos de titularidade do segurado, incluí- dos aqueles que possa possuir no futuro. Nesse sentido, XXXXX XXXXXX, Xxxx. La Responsabilidad Civil y su seguro. Madrid: Tecnos, 1998, p. 121.
23 Sobre essas e outras classificações ver VASQUES, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p.37 e ss.
tres e marítimos; seguros do ramo vida e do ramo “não vida”; seguros por conta própria e por conta de outrem; seguros reais ou de coisas e seguros de pessoas; seguros de danos e de pes- soas, dentre outras, sendo essa última uma das mais recorrentes e que causa maior polêmica no âmbito dos seguros de respon- sabilidade civil24. É comum ainda que se considere o seguro de responsabilidade civil como um seguro contra ações judiciais, colocando em segundo plano a garantia econômica25.
A dificuldade em se promover a classificação pelo crité- rio de distinção entre seguro de danos e seguro de pessoas de- corre do fato de que no contrato de seguro de responsabilidade civil, além do interesse precípuo pela proteção patrimonial do segurado, emergem outras características que extrapolam aque- le interesse patrimonial e afetam direitos de figuras interveni- entes no contrato, com destaque para o terceiro beneficiário26.
24 XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 37 e ss. XXXXXXXX, Xxxxx. Teoria e prática dos segu- ros. Lisboa: Imprensa Artística, 1953, p.50 destaca sobre a classificação do seguro de responsabilidade civil “pode incidir indistintamente sobre as coisas ou as pessoas, mas como o seguro de automóveis, adentro do qual estudaremos o risco de respon- sabilidade civil, é um seguro de coisas, incluímos aquele risco no capítulo destinado a estudar os seguros reais.”
25 Cf. ressalta HERRMANNSDORFER, Fritz. Seguros privados. (trad. Xxxxxx Xx- xxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx). Barcelona: Editorial Labor S.A., 1933, p. 198
26 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Manual de Direito Comercial. 2ª edição. Coim- bra: Xxxxxxxx, 0000, p.772 e ss. “Na dogmática dos seguros existe uma contraposi- ção básica entre o seguro de danos e o seguro de pessoas. No seguro de danos, o sinistro equivale a um dano patrimonial, obrigando-se o segurador à sua indemniza- ção, nos termos e limites acordados; no seguro de pessoas, o sinistro decorre da doença, de acidente pessoal ou de morte de uma pessoa – a pessoa segura -, cabendo ao segurador efectuar as prestações previamente assumidas. (...) De notar que esta contraposição não coincide totalmente com a que opõe o “ramo vida” ao “ramo não- vida”. Os seguros de danos e de pessoas colocam problemas bem diferenciados. São objecto de regras prudenciais próprias, envolvem departamentos especializados, obtiveram diretrizes europeias distintas e disfrutam de dogmáticas específicas, difi- cultando uma teoria geral do contrato de seguro que a ambos envolva.” No direito francês XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxx. Traité Général des Assurances Ter- restres en Droit Français. Tome II. Paris: Librairie Générale de Droit et de Juris- prudence, 1938, p. 1 e ss. discorrem a respeito do seguro de responsabilidade e do seguro de coisas como categorias dos seguros de danos e as discussões que se origi-
Conforme analisado, o objetivo originário desta modali- dade contratual centra-se na proteção patrimonial do segura- do27, no tocante ao risco de que lhe seja imposta a obrigação de indenizar em decorrência de sua responsabilização civil por danos causados a terceiro, o que denota o caráter patrimonial do contrato. Atualmente, contudo, não se pode olvidar a cres- cente preocupação com a tutela dos interesses do terceiro lesa- do, sobretudo nas modalidades de seguros obrigatórios. Esta última característica confere-lhe atributos de outras modalida- des contratuais, nomeadamente do seguro de pessoas, como por exemplo, na hipótese de seguro de responsabilidade civil pa- tronal.
Não obstante tais classificações e as críticas que delas decorrem, a fim de possibilitar o melhor enquadramento do objeto deste estudo ressalta-se a distinção promovida pelo arti- go 123º, nº 10 a 13 do DL nº 94-B/98, de 17 de abril (RGAS)28, que enquadra o seguro de responsabilidade civil na modalidade de seguro do ramo “não vida”29, em contraposição ao ramo “vida”30 e dentro deste ramo o subdivide em seguros de res- ponsabilidade civil obrigatórios e facultativos. Cumpre notar que embora o RJCS opte pela sistematização que divide o se- guro de danos do seguro de pessoas, enquadrando os seguros
nam de tal classificação.
27 Conforme classificação de XXXXX XXXXXX, Xxxx. La Responsabilidad Civil y su seguro. Madrid: Tecnos, 1998, p. 119/120, que os define como aqueles que “cu- bren los riesgos a los que se somete el patrimônio del asegurado” juntamente com os seguros de crédito e caução.
28 Em decorrência das normas do direito comunitário. Nesse sentido XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito dos Seguros – Relatório. Suplemento da Revista da Facul- dade de Direito da Universidade de Lisboa. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p.11 e ss.
29 Notar que o artigo 125º do mesmo decreto-lei veda a possibilidade das segurado- ras adotarem classificação de riscos distinta daquela estabelecida pelos artigos 123º e 124º.
30 Também sujeita a críticas, especialmente, por abranger operações de capitalização e gestão de fundos, conforme esclarece VASQUES, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 41.
de responsabilidade civil no primeiro grupo, reconhece expres- samente a validade da classificação vigente na União Europeia que os classifica como seguros do ramo “não vida”.
Entende-se abrangidas nesta categoria de seguros as mais diversas espécies de seguro de responsabilidade civil31, nomea- damente o seguro de responsabilidade civil de veículos terres- tres automotores, seguro de responsabilidade civil de aerona- ves, seguro de responsabilidade civil de embarcações maríti- mas lacustres e fluviais e o seguro de responsabilidade civil geral, que compreende a modalidade de seguro de responsabi- lidade civil do risco inerente à energia nuclear32 e na alínea seguinte, sob a denominação “outras”, autoriza a celebração de contratos desta natureza para cobertura de riscos diversos, com destaque para os seguros de responsabilidade civil profissio- nais. O artigo 123º, alínea 13, “b” autoriza até mesmo a ampli- ação de determinadas garantias, com exceção das hipóteses previstas no próprio caput da alínea 13 do artigo 123º.
Diante da necessidade de se aferir os riscos inerentes às mais diversas atividades sujeitas a esta modalidade contratual, a doutrina estabelece que tais contratos sejam divididos em três áreas principais33, de acordo com a natureza destes riscos.
31 Conforme artigo 123º do DL 94-B/98 nº 10 a 13.
32 Cf. XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de responsabili- dade civil geral: seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 127, entende-se tratar-se de um seguro de responsabilida- de civil facultativo, destinado a todos aqueles que mantém contato com referida fonte de energia, abrangendo tanto o explorador das instalações nucleares, como o médico que se utiliza de material nuclear na execução de tratamentos, sobretudo pelo fato de que os riscos inerentes a tal fonte energética são excluídos da cobertura de outras modalidades de contrato de seguro. Nesse sentido, XXXXXXX, Xxxx. Con- trato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 358.
33 Ver XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p.70. No mesmo sentido, XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral: seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 143. HER- RMANNSDORFER, Xxxxx. Seguros privados. (trad. Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx). Barcelona: Editorial Labor S.A., 1933, p.199 e ss. também apresenta
A primeira área abrange os riscos ligados à vida privada, são exemplos de responsabilidades abrangidas, a do pai em razão de atos praticados pelo filho; do dono em relação ao seu animal doméstico; do proprietário sobre seu imóvel.
A segunda área relaciona-se à exploração empresarial e engloba, por exemplo, os riscos ambientais e os riscos do pro- duto inerentes à atividade. A terceira área, por fim, refere-se aos riscos inerentes ao exercício de atividades profissionais, como por exemplo, dos médicos, advogados, engenheiros, ad- ministradores das sociedades, dentre outros.
2.1. ESPÉCIES DE SEGUROS DE RESPONSABILIDADE CIVIL NA REALIDADE PORTUGUESA
Não obstante o seguro de responsabilidade civil admita diversas classificações e o RJCS tenha adotado a sistematiza- ção de seguros de danos e seguros de pessoas, conforme abor- dado no item anterior, a opção legal europeia foi por enquadrá- lo na modalidade de seguros do ramo “não vida” e dentro de tal ramo subdividi-lo em seguros de responsabilidade civil obriga- tórios e facultativos34.
Além de um propósito didático, tal subdivisão se justifica e ganha notoriedade diante da própria evolução do contrato de seguro de responsabilidade civil35 e em razão das semelhanças
vasto rol de atividades sujeitas ao seguro de responsabilidade civil.
34 A classificação entre seguros obrigatórios e facultativos não se confunde com a classificação entre seguros privados e seguros de direito público, conforme relata XXXXXXX, Pontes. Tratado de Direito Privado – parte especial. Tomo XLVI. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972, p. 95 “Não se pode dizer que o seguro privado seja, sempre, voluntário, e não no seja o seguro de direito público. Há segu- ros privados obrigatórios e seguros de direito público voluntários.”
35 Nesse sentido CAMPOS, Xxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxx de. Seguro da Responsabili- dade Civil fundada em acidentes de viação – da natureza jurídica. Coimbra: Alme- dina, 1971, p. 23/24 “A transição do seguro facultativo para o obrigatório reflecte uma significativa alteração dos interesses em causa. No primeiro momento, o segu- ro, embora indo beneficiar o lesado, é contratado por quem quer tutelar o seu próprio patrimônio contra eventualmente pesadas obrigações de indemnizar. É, portanto, o
e diferenças entre os contratos de seguros obrigatórios e facul- tativos.
Em ambas as figuras, por exemplo, com o pagamento da indenização opera-se a sub-rogação, em favor do segurador, de todos os direitos do segurado em face do terceiro causador do sinistro. Por outro lado, no tocante ao montante da garantia, a mesma se limita ao valor estabelecido pelo contrato, lembrando que, consoante preceitua a norma do artigo 142º do RJCS, se o segurado responder perante vários lesados e o valor total das indenizações superar o capital segurado, as pretensões destes serão reduzidas proporcionalmente até o limite desse capital, liberando-se o segurador que de boa-fé e por desconhecimento de outras pretensões tenha efetuado o pagamento de indeniza- ções de valor superior ao montante do capital segurado. Entre- tanto, enquanto nos seguros obrigatórios tal valor é estabeleci- do pela lei, nos seguros facultativos tal montante corresponderá ao valor livremente pactuado pelas partes.
Diante de tais aspectos, discorre-se a seguir sobre as principais características de ambas as figuras, destacando-se o exemplo dos seguros de responsabilidade civil de veículos ter- restres a motor no âmbito dos seguros de responsabilidade civil obrigatórios.
Os seguros obrigatórios surgem em decorrência da indus- trialização e do aumento dos riscos inerentes às variadas ativi- dades humanas, que obrigam os Estados a desenvolver meios concretos de reparação de danos. Dessa forma, foi imposta a contratação destes seguros, para proteger o patrimônio do segu- rado e principalmente para evitar a frustração dos interesses do lesado36, promovendo-se a repartição social de determinados
interesse do segurado que prevalece. Numa segunda fase, o legislador ao tornar o seguro obrigatório, fá-lo com vista à protecção dos eventuais lesados, colocando, deste modo, o benefício que de tal contrato resulta para o lesado na posição de fina- lidade principal do seguro.”
36 O artigo 10º da nova lei preserva esse direito de regulamentação dos seguros obrigatórios pelo estado português.
danos37. Destaca-se, nesse sentido, a existência de fundos de garantia específicos para a cobertura dos danos na hipótese de frustração da indenização perante o segurador.
Em razão dos seguros obrigatórios decorrerem de impo- sição legislativa e não da liberdade das partes alguns doutrina- dores38 questionam a própria natureza contratual de tais segu- ros39.
Diante de tais fatores, passa-se a destacar alguns dos elementos caracterizadores desta figura específica de contrato. Diversas leis esparsas disciplinam os mais variados contratos de seguros obrigatórios de responsabilidade civil existentes em Portugal, sendo que tal arcabouço normativo é complementado pelo RJCS, que dedica uma subsecção específica para tratar da matéria nos artigos 146º a 148º.
O RJCS reforça o direito de propositura da ação direta do
37 Nesse sentido CORDEIRO, Xxxxxxx Xxxxxxx. Manual de Direito Comercial. 2ª edição. Coimbra: Almedina, 2007, p. 773 “a existência de seguros obrigatórios – os seguros representam um mercado universal e garantido, obrigando a medidas norma- lizadoras do comércio. Neste domínio joga ainda, com eficácia, o regime legal das cláusulas contratuais gerais. Finalmente, as modernas sociedades técnicas implicam uma repartição social de determinados danos: pense-se nos acidentes de trabalho, nos acidentes de viação ou nos incêndios em condomínios. Essa repartição social consegue-se, tecnicamente, através da obrigatoriedade de celebração de contratos de seguro. O Estado impõe esses seguros e obriga, naturalmente, a determinadas cláu- sulas.
38 Acresça-se a tais argumentos a existência de apólices uniformes.
39 XXXXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxx de. Seguro da Responsabilidade Civil fun- dada em acidentes de viação – da natureza jurídica. Coimbra: Almedina, 1971, p. 161 e ss. considera tratar-se de verdadeiro contrato sob os seguintes argumentos “para efeito da sua inclusão na categoria dos contratos, não deverá tomar como ponto de partida o grau de liberdade existente na sua constituição e no preenchimen- to do seu regime, mas sim a aplicabilidade ou não, à relação em análise, das regras dos contratos.” Ver no mesmo sentido VASQUES, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 207. Com opinião diver- sa a respeito, ver XXXXXXX, Pontes. Tratado de Direito Privado – parte especial. Tomo XLV. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972, p. 283 e ss. “De passa- gem observemos que as limitações à vontade nem sempre vão a ponto de descontra- tualizar os institutos, de modo que a respeito de cada seguro social se tem de levan- tar o problema, que é a posteriori.”
lesado em face do segurador40 e dispõe que o valor devido ao lesado a título de indenização não está sujeito a outras dívidas do segurado.
No tocante às matérias de defesa oponíveis pelo segura- dor em face do lesado, tais questões se restringem à invalidade do contrato, às condições contratuais e à cessação do mesmo. Embora patente o caráter social de referida modalidade de con- trato, os seguros obrigatórios não perdem seu caráter de segu- ros privados e não devem ser confundidos com os denomina- dos “seguros sociais”, nos quais o próprio Estado figura, quase sempre41, na posição de segurador.
A resolução do contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório após a ocorrência de sinistros sucessivos não pode ser livremente pactuada entre as partes, dependendo de autorização legal expressa nesse sentido42. A nova lei admite ainda que os litígios emergentes de validade, interpretação, execução e descumprimento do contrato de seguro sejam diri- midos pela via arbitral, inclusive aqueles referentes aos seguros obrigatórios43.
São exemplos de seguros obrigatórios de responsabilida- de civil em Portugal, dentre outros44, aqueles que regulam a responsabilidade civil do caçador (Lei nº 173/99, de 21 de se- tembro e DL n.º 202/2004, de 18 de Agosto, alterado pelo DL n.º 201/2005, de 24 de Novembro); das mediadoras imobiliá- rias (DL n.º 211/04, de 20 de agosto); automóvel (DL n.º
40 Sem prejuízo do disposto em leis específicas como, por exemplo, o artigo 64º do DL 291/07 que caracteriza tal direito como verdadeiro dever.
41 De acordo com XXXXXXX, Pontes. Tratado de Direito Privado – parte especial.
Tomo XLVI. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972, p. 98-99.
42 Conforme artigo 117º/3 da nova lei, ao qual foi atribuída imperatividade relativa.
43 Artigo 122º da nova lei.
44 Ver ampla relação de seguros obrigatórios em Portugal no banco de dados dispo- nível em xxxx://xxx.xxx.xx. Ver também CORDEIRO, Xxxxxxx Xxxxxxx; XXX- XXXX, Xxxxx Xxxxxxxx. Leis dos Seguros anotadas. Coimbra: Xxxxxxxx, 0000, p. 988/991 e XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito dos Seguros – Relatório. Suplemen- to da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Coimbra: Coim- bra Editora, 2006, x. 00.
000/00, xx 00 xx xxxxxx); xx xxxxxxxxxx xxxxx (XX n.º 321/89, de 25 de setembro, alterado pelo DL nº 279/95, de 26 de outu- bro); de manutenção de ascensores (DL n.º 320/02, de 28 de dezembro); de instalação de gás (DL n.º 263/89, de 17 de agos- to) e respectivas alterações.
Em contraposição aos seguros obrigatórios, destacam-se os denominados seguros “facultativos”, “não obrigatórios”45 ou “voluntários” de responsabilidade civil. Nesta modalidade de contratos de seguro de responsabilidade civil impera o princí- pio da autonomia da vontade, pois não há qualquer dispositivo legal que obrigue a sua contratação. As partes são livres para estabelecer o conteúdo e a abrangência do contrato, nomeada- mente no que se refere aos riscos que serão garantidos e ao montante indenizatório, dentre outros. É importante que deli- mitem o âmbito de abrangência do contrato.
No seguro de responsabilidade civil profissional, por exemplo, deve-se estabelecer, por meio das cláusulas de exclu- são e de limitação de responsabilidade, a abrangência dos ris- cos assegurados, a fim de delimitar os eventos cobertos46 e o eventual universo dos potenciais beneficiários.
São exemplos de seguros facultativos de responsabilida- de civil em Portugal, aqueles que garantem as consequências econômicas decorrentes de danos causados pelos profissionais das mais variadas áreas de atuação, tais como médicos, advo- gados, engenheiros, dentre outros47.
45 XXXXXXXX, Xxxxxxx Xxxxxxx. Manual de Direito Comercial. 2ª edição. Coim- bra: Xxxxxxxx, 0000, p. 564.
46 XXXXX XXXXXX, Xxxx. La Responsabilidad Civil y su seguro. Madrid: Tecnos, 1998, p. 155 ilustra com o seguinte exemplo: “el abogado que ejerce como adminis- trador de fincas o como agente de la propriedad inmobiliaria, pese a que por su titulación profesional, este capacitado para el ejercicio de dichas actividades, no puede tener cubierta a través de su póliza de RC profesional como abogado, las responsabilidades que contraiga em el desarrollo de esas otras actividades.”
47 Cf. demonstra XXXXXXX, J.C. Moitinho de. A Responsabilidade Civil do projec- tista e o seu seguro. Separata do boletim do ministério da justiça, Lisboa, 1973 e do mesmo autor A Responsabilidade Civil dos advogados. Lisboa: Coimbra Editora, 1985.
No caso da atividade médica, por exemplo, as apólices costumam abranger a responsabilidade contratual e extracon- tratual, assentada na culpa resultante do exercício da profissão médica48.
Oportuno notar, que caso determinada atividade seja abrangida por uma das inúmeras modalidades de seguros obri- gatórios previstas no ordenamento jurídico português, nada impede a celebração de contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo, de forma a complementar as garantias ineren- tes ao risco já coberto pelo seguro obrigatório.
2.1.1. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DE VEÍCULOS TERRESTRES A MOTOR
O seguro obrigatório de responsabilidade civil de veícu- los terrestres a motor em Portugal é disciplinado pelo DL nº 291/07, de 21 de agosto, que transpôs para o ordenamento jurí- dico português a 5ª Diretiva Automóvel (2005/14/CE) do par- lamento europeu, revogando o então vigente DL nº 522/85, de 31 de dezembro. A seguir serão apresentadas as principais ca- racterísticas do modelo adotado pelo Estado Português49, em adequação às diretivas comunitárias, sem, contudo, ingressar na análise de controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais mais específicas da matéria, que extrapolam o objeto deste estudo.
É seguro de natureza obrigatória50 e o dever de contratá- lo recai sobre todo aquele - proprietário, usufrutuário, locatário financeiro - que possa ser civilmente responsável pela repara- ção de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de
48 Cf. analisa atentamente XXXXXXX, J.C. Moitinho de. A Responsabilidade Civil do médico e o seu seguro. Lisboa: Secção portuguesa da associação internacional do direito dos seguros, 1972.
49 Sobre o regime jurídico ver MATOS, Xxxxxx Xxxxxxxxxxx. O contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel – alguns aspectos do seu regime jurídico. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. vol. LXXVIII, Coimbra, 2002, p.329/364.
50 Em decorrência de imposição comunitária.
lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veí- culo terrestre a motor51, sob pena de apreensão do veículo caso o contrato de seguro não seja celebrado52. Resta nítido o caráter social conferido à referida modalidade contratual, na garantia do direito de indenização às vítimas de eventos desta natureza, isentando-as dos riscos decorrentes das limitações que possam incidir sobre o patrimônio do lesante. Em razão desse caráter social de atribuição de um direito próprio da vítima, parte da doutrina considera tratar-se de verdadeiro contrato em favor de terceiro53. Paralelamente a esse efeito de proteção de terceiros, há que se mencionar a consequência social de estabilização dos níveis de conflito54.
O segurador não pode se recusar a celebrar o contrato55, sendo certo que a não contratação configura a circulação irre- gular do veículo, sujeita à apreensão do automóvel. Na hipóte-
51 Os veículos de circulação terrestre não motorizados continuam a ser regulados pelo disposto no artigo 503º e seguintes do Código Civil. Observar também exclu- sões do artigo 4º/2, 3 e 4 do DL 291/07.
52 artigo 81º do DL 291/07.
53 Dentre os argumentos que fundamentam a posição doutrinária que considera os seguros de automóveis como contratos em favor de terceiro destacam-se i) a aquisi- ção de um direito, pelo terceiro, por mero efeito do contrato; ii) a inexistência de obrigações por parte do terceiro; iii) a liberação da obrigação de indenizar em favor do promissário; iv) a possibilidade do terceiro rejeitar o benefício, por sua inércia. Aqueles que entendem não tratar-se de contrato em favor de terceiro ponderam que o objeto do contrato é a proteção do patrimônio do segurado e que as partes não querem atribuir direito a terceiro, tratando-se apenas de um benefício reflexo do contrato, bem como que a obrigação de indenizar decorre da lei, enquanto no contra- to em favor de terceiro o benefício (ou favor) decorre do contrato. Xxx XXXXXX, Xxxxx Xxxx Xxxxxxx Xxxxx de. Seguro da Responsabilidade Civil fundada em aciden- tes de viação – da natureza jurídica. Coimbra: Almedina, 1971, p. 152. ALMEIDA,
J.C. Moitinho de. O contrato de seguro no direito português e comparado. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1971, p.288/295 analisa os argumentos favoráveis e contrários à caracterização de um verdadeiro direito em favor do lesado.
54 Conforme constata XXXXXX, Xxxxxxxxx xx Xxxxx. Contrato de seguro causas de conflitualidade interpretação. I Congresso Nacional de Direito dos Seguros – me- mórias. Coordenação de Xxxxxxx Xxxxxxx e X. Costa Martins. Coimbra: Almedina, 2000, p. 177.
55 Na hipótese de recusa o interessado deve dirigir-se ao ISP, que indicará as condi- ções do contrato.
se de promover a transferência da propriedade do bem, o pro- prietário deve comunicar o fato à seguradora56.
O seguro garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar e dos legítimos detentores e condutores do veículo57. Garante até mesmo os danos causados por autores de roubo ou furto do veículo58, sem prejuízo de que o causador dos danos seja responsabilizado por via da ação de regresso59.
Em razão de seu caráter social e de proteção a terceiros, estão excluídos da garantia do seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo e os danos materiais sofridos por este, por seu cônjuge, ascendentes e des- cendentes quando coabitem ou vivam a cargo do condutor60, evitando, dessa forma, que o benefício da indenização se rever- ta à esfera patrimonial do lesante.
Havendo pluralidade de lesados e caso o montante global das indenizações supere o valor do capital seguro, impõe-se o rateio proporcional da indenização até o valor limite do contra- to61. Em situações excepcionais, nas quais o responsável seja desconhecido ou não se beneficie de seguro válido ou eficaz ou em caso de falência da seguradora62 a satisfação das indeniza- ções por morte ou lesões corporais caberá ao Fundo de Garan-
56 Artigo 21º DL 291/07.
57 Ver XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 122 e 173 “O seguro de responsabilidade civil automóvel configura hoje, provavelmente, o caso mais freqüente de seguro por conta de ou- trem, na medida em que o contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar [...] e dos legítimos detentores e condu- tores do veículo (art. 8, n.1, do DL 522/85, de 31 de dezembro)” (atualmente artigo 15/1 do DL 291/07)
58 Ver artigo 15º DL 291/07, inclusive as exceções.
59 Cujo rol exaustivo encontra-se previsto no artigo 27º do DL 291/07.
60 Ver artigo 14º DL 291/07.
61 Ver artigo 24º DL 291/07.
62 Dentre outras ver artigo 47º e ss. do DL 291/07. Sobre os limites da garantia prestada pelo FGA ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nº 04B296, de 3 de julho de 2003, relator Xxxxxx Xxxxxx, disponível em xxxx://xxx.xxxx.xx.
tia Automóvel (FGA), que pagará a indenização ao lesado e se sub-rogará nos direitos daquele, o que evidencia o caráter soci- al deste seguro. Oportuno mencionar, porém, a exclusão da garantia do FGA com relação aos danos materiais sofridos por incumpridores da obrigação de segurar, bem como pelos pas- sageiros que voluntariamente se encontrem no veículo causa- dor do acidente, neste caso se o FGA provar que tinham conhe- cimento de que o veículo não se encontrava seguro, conforme previsão expressa do artigo 52º “a” e “b” do RJCS.
Nesta modalidade de seguro, a ação direta do lesado em face da seguradora, mais do que uma faculdade, representa um dever. O civilmente responsável somente poderá ser acionado na hipótese do pedido formulado exceder os limites do seguro obrigatório63.
A seguradora, por sua vez, detém o direito de regresso em face do responsável pelos danos nas hipóteses taxativamen- te previstas pela lei,64 dentre as quais se constata uma postura, ao menos, reprovável do lesante, bem como situações em que o condutor agiu dolosamente, não estava legalmente habilitado ou agiu sob a influência de álcool ou outras substâncias estupe- facientes. Importante consignar, sob tal aspecto, que o atual artigo 27º do DL 291/07 alterou a redação do artigo 19º do DL 522/85. Embora tal alteração não encerre as discussões ineren- tes ao exercício do direito de regresso da seguradora65, sobre- tudo no que se refere ao encargo do ônus probatório, o disposi- tivo legal agora vigente procura estabelecer uma distinção entre algumas das causas que fundamentam o direito de regresso,
63 Artigo 64º “b” e ss. do DL 291/07.
64 Ver artigo 27º e ss. DL 291/07.
65 Para maiores detalhes a respeito das discussões doutrinárias e jurisprudenciais inerentes às hipóteses de direito de regresso previstas pela lei portuguesa ver XX- XXXXX, Xxxxxxx. O reembolso da seguradora nos seguros obrigatórios de respon- sabilidade civil automóvel. Lisboa: 2006 e XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Regresso e con- dução sob a influência de álcool na actividade seguradora. III Congresso Nacional de Direito dos Seguros – memórias. Coordenação de Xxxxxxx Xxxxxxx e X. Costa Martins. Coimbra: Almedina, 2003, p. 201/214.
nomeadamente no tocante ao enquadramento diferenciado atri- buído aos condutores que dirigem com uma taxa de álcool su- perior à legalmente admitida66 daqueles condutores que não estejam legalmente habilitados67. O nº 2 do referido artigo 27º do DL nº 291/07 acrescenta, ainda, a obrigação a cargo da se- guradora, de advertir o cliente acerca do teor do presente arti- go68.
Há que se ressaltar, ainda, as recentes inovações promo- vidas pelo DL nº 352/07 que, seguindo uma tendência de ou- tros estados europeus, institui, por meio de seu anexo II, a “Ta- bela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil” e da portaria 377/08, de 26 de maio, que fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados, por acidente automóvel, de proposta razoável para indenização do dano corporal, nos termos do disposto no capí- tulo III, do título II do DL n.º 291/2007 e cujo objetivo não é a fixação definitiva de valores indenizatórios69, mas estabelecer regras e princípios que permitam agilizar a apresentação de propostas razoáveis, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do refe- rido DL n.º 291/2007.
Independentemente da existência de regras próprias do seguro de responsabilidade civil de veículos terrestres a motor, que buscam preservar os interesses do lesado garantindo-lhe a
66 Sobre a polêmica questão a respeito da condução sob efeito de álcool, a necessi- dade de se demonstrar o nexo de causalidade e o ônus da prova ver acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, nº 07A3584, de 13 de novembro de 2007, relator Xxxxx Xxxxxxx e nº 07B2998, de 15 de novembro de 2007, relator Bettencourt de Faria, disponíveis em xxxx://xxx.xxxx.xx.
67 Sobre a condução sem habilitação ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nº 07B3544, de 8 de novembro de 2007, relator Xxxxxxx Xxxxxxxx, disponível em xxxx://xxx.xxxx.xx.
68 Antes de referida alteração, tal dever de informação decorria do DL 466/85, con- forme se compreende do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nº 07A4318, de 15 de janeiro de 2008, relator Xxxxxxx Xxxxx, disponível em xxxx://xxx.xxxx.xx.
69 Sobre a natureza meramente indicativa de tais tabelas ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nº 08A1266, de 17 de junho de 2008, relator Xxxx Xxxxxxx, disponível em xxxx://xxx.xxxx.xx.
reparação dos danos que recaem sobre sua esfera jurídica, não se pode olvidar a necessidade de fortalecimento dos mecanis- mos de prevenção da ocorrência de acidentes, tais como a veri- ficação e fiscalização regular dos veículos colocados em circu- lação e a realização de exames médicos e psicotécnicos dos condutores, dentre outras medidas aptas a minimizar a ocorrên- cia de acidentes70.
2.2. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS E CONTEÚDO DO CONTRATO
As principais características do contrato de seguro de responsabilidade civil são as mesmas inerentes aos contratos de seguro em geral. Devem ser observados os princípios gerais do contrato e aqueles próprios do contrato de seguro71, tais como os princípios do interesse, indenizatório, da sub-rogação, da máxima boa-fé dentre outros. Aplicam-se ainda as regras refe- rentes ao processo de formação do contrato72, responsabilidade pré-contratual73, as disposições relativas à atuação de mediado- res dentre outros, sendo que respeitadas as devidas particulari- dades, o conteúdo do contrato não apresenta significativas dife- renças em comparação às demais modalidades de contratos de seguro do ramo “não vida” e por esta razão a presente análise não se aprofundará nas discussões inerentes a tais característi-
70 Cf. XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxx. Traité Général des Assurances Terres- tres en Droit Français. Tome I. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurispruden- ce, 1938, p. 153 “Comme la prévention des accidents d’automobiles comporte un double aspect – à la fois vérification du bon état mécanique des machines et examen médical et psychotechnique des conducteurs.”
71 XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 141 e ss. A respeito das características e conteúdo geral do contrato de seguro ver também XXXXXXX, Pontes. Tratado de Direito Privado
– parte especial. Tomo XLV. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1972, p. 323- 340.
72 Conforme descrito no DL 176/95, de 26 de julho. Previstas nos artigos 26º e ss. da nova lei.
73 Artigo 227º/1 do Código Civil Português.
cas, restringindo-se a apresentá-las.
Trata-se de negócio jurídico i) bilateral sinalagmático, por gerar direitos e obrigações a ambas as partes contratantes;
ii) oneroso, pois representa sacrifício patrimonial para ambas as partes, na busca de seus respectivos objetivos; iii) formal74, pois a lei impõe a sua celebração pela forma escrita, nos termos do disposto no artigo 426º do Código Comercial; iv) aleatório, conforme entende a maior parte da doutrina portuguesa75; v) de
74 Nesse sentido, XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral: seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 184, entende indispensável a apólice e COR- DEIRO, Xxxxxxx Xxxxxxx. Manual de Direito Comercial. 2ª edição. Coimbra: Almedina, 2007, p. 795 “O contrato de seguro tem, assim, natureza formal: sujeita- se à forma escrita, sob pena de nulidade, nos termos gerais.” XXXXXXX, X.X. Moi- tinho de. O contrato de seguro no direito português e comparado. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1971, p. 37. O artigo 37º da nova lei vem alterar tal caracterís- tica, ao conferir natureza meramente probatória à apólice.
75 Cf. TELLES, Xxxxxxxxx Xxxxxx. Manual dos contratos em geral. 4ª edição. Co- imbra: Coimbra Editora, 2002, p. 482/484 os contratos de seguro enquadram-se como contratos aleatórios de ‘segundo-tipo’. XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxx. Traité Général des Assurances Terrestres en Droit Français. Tome I. Paris: Librai- rie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1938, p. 210 e ss. destacam a diferença em classificá-lo como um contrato aleatório sob o “ponto de vista jurídico” e sob um “ponto de vista econômico e técnico”. XXXXXXXX, Xxxx; XXXXX, Xxxxxxx; VI- VANTE, Xxxxx. Derecho Comercial. Tomo XIV. Del Contrato de Seguro de La prenda-del deposito em los almacenes generales. Vol. I. trad. Santiago Sentís Me- lendo. Buenos Aires: Ediar, Soc.Anon. Editores, 1952, p.36 e ss. ponderam que o contrato de seguro é aleatório e não se pode cometer o erro de definir o contrato com base nas características da indústria a que pertence. XXXXXXX, Xxxxxx. Tratado de Direito Privado – parte especial. Tomo XLV. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editor Xxxxxx, 1972, p. 285 discorre sobre a álea do seguro no seguinte sentido “Não se pode dizer que o segurador, se ocorre o sinistro, ou se cedo ocorre, presta a soma do seguro e, se não ocorre, enriquece-se com o prêmio, ao passo que o segurado, mes- mo se há sinistro, não ganha, porque só recebe indenização do que perdeu. O risco foi coberto até que se desse o sinistro e o segurado obteve a cobertura, mesmo se o sinistro não sobreveio, cobriu-se-lhe o risco. Há sempre a prestação e a contrapresta- ção, porque a entrega da soma é em virtude do que aconteceu, devido à álea.” Im- portante consignar a existência de corrente doutrinária contrária e presente no direito brasileiro, fortalecida pelo disposto no artigo 757 do Código Civil Brasileiro, que considera tratar-se de contrato comutativo e não aleatório, conforme XXXXXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXXXXXX, Xxxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxx; XXXXXXXX Xxxxxx. O Con- trato de Seguro – de acordo com o Novo Código Civil Brasileiro. 2ª edição. São
execução continuada, pois sua execução se protrai no tempo;
vi) por adesão76, em razão da maioria das cláusulas ser pré- estabelecida pela seguradora; vii) empresarial, pois é indispen- sável que a seguradora seja sociedade empresária, nomeada- mente sociedade anônima, legalmente autorizada para tal fim, sobretudo em razão da função social desempenhada77.
Assim como em qualquer contrato, a boa-fé é importante requisito a ser observado pelas partes nos contratos de seguro de responsabilidade civil, pois as declarações e informações prestadas são fundamentais na celebração do contrato, na análi- se dos riscos, na fixação do prêmio e durante toda a execução do contrato.
O conteúdo do contrato de seguro de responsabilidade civil, em geral, não destoa daquele previsto para os contratos do ramo “não vida”. Encontra-se descrito no artigo 13º do DL nº 176/95, revogado expressamente pelo artigo 37º do RJCS78.
Embora se trate de contrato de adesão há a possibilidade das partes negociarem alguns aspectos específicos no âmbito das condições especiais e particulares79, especialmente no que se refere à fixação de garantias adicionais à cobertura padrão e particularidades do contrato a ser celebrado, observando-se a possibilidade de fixação de franquias80, bem como o âmbito de
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 30 e ss.
76 O que autoriza a aplicação do artigo 11º/2 do DL 446/85, de 25 de outubro, que estabelece “na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente”, conforme amplamente aceito pela doutrina. Nesse sentido, XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 352.
77 Tais características são também observadas no direito francês, por XXXXXX, Xxxxxxx; XXXXXX, Xxxxx. Traité Général des Assurances Terrestres en Droit Français. Tome I. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1938, p. 200 e ss.
78 Vide artigo 6º, nº 2 e) do decreto que sancionou a nova lei.
79 Sobre a prevalência das cláusulas particulares sobre as cláusulas gerais da apólice ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nº 07B2636, de 4 de outubro de 2007, relator Xxxxxxx xx Xxxxx, disponível em xxxx://xxx.xxxx.xx.
80 Que nas palavras de XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Contratos Comerciais - Apon- tamentos. S. Xxxx do Estoril Cascais: Principia, 2001, p. 88 “corresponde a um valor que é descontado no montante a pagar pela seguradora (...) para evitar que a segura-
cobertura do seguro, o conteúdo das denominadas “cláusulas de exclusão”, que podem ser de natureza “absoluta”, decorren- tes da lei e que não podem ser afastadas ou negociadas pelas partes, como no caso dos seguros obrigatórios ou aquelas que excluem a responsabilidade criminal81, comportamentos dolo- sos82, danos causados por atos de guerra, terrorismo ou danos próprios83; e por outro lado, as cláusulas de exclusão “relativa” que, respeitados os princípios e finalidades do contrato, podem ser negociadas pelas partes e implicar, inclusive, no acréscimo do prêmio do seguro, dentre outros aspectos.
No tocante ao montante indenizatório a ser pago, este de- ve respeitar os limites impostos pelo contrato ou pela lei84, ten- do como escopo a reconstituição da situação existente antes da ocorrência do sinistro85, pautando-se pelo disposto nos artigos 342º nº1 e 566º nº2 do Código Civil Português. O valor da con- traprestação, por sua vez, o denominado prêmio, é obtido por meio de cálculos atuariais que levarão em consideração todos os elementos necessários a estimar a probabilidade de ocorrên- cia do sinistro, tais como o perfil do segurado, a natureza do
xxxx seja chamada a pagar pequenos sinistros.” XXXXXXX, Xxxxxx. Tratado de Direito Privado – parte especial. Tomo XLV. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editor Xxxxxx, 1972, p. 310 e ss. define como sendo a “cláusula em que se exclui o ressar- cimento de dano inferior a determinada soma. Assim se evita o seguro de pequenos sinistros, que não justificaria despesas de verificação e liquidação. PERÁN ORTE- GA, Juan. La Responsabilidad Civil y su seguro. Madrid: Tecnos, 1998, p. 203/205 descreve vários tipos de franquia.
81 Nesse sentido, na doutrina espanhola XXXX XXXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx de.
Tratado de Seguros. vol. II. Madrid: Instituto Editorial Réus, 1955, p. 606 e ss.
82 Ver artigo 427º CódigoComercial prevista também nos artigos 14º e 46º da nova lei, com exceção do disposto no artigo 141º da mesma lei. Ver XXXXX XXXXXX, Xxxx. La Responsabilidad Civil y su seguro. Madrid: Tecnos, 1998, p. 131 e ss.
83 Ver artigos 45x x 00x xx XX xx 02/2008, de 16 de abril.
84 Conforme artigo 142º da nova lei, admitindo-se o rateio da indenização na hipóte- se de haver pluralidade de lesados.
85 Mais detalhes a respeito do âmbito do dever de indenizar ver XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Contrato de seguro: âmbito do dever de indemnizar. I Congresso Nacional de Direito dos Seguros – memórias. Coordenação de Xxxxxxx Xxxxxxx e X. Costa Martins. Coimbra: Almedina, 2000, p.155/168.
bem jurídico exposto a risco, dentre outros.
As questões inerentes às circunstâncias que envolvam o evento danoso, bem como sua constituição, fixação de respon- sabilidades e efetiva apuração dos danos devem ser tratadas à luz da responsabilidade civil86. Num primeiro momento, cons- tatada a ocorrência do sinistro deve-se apurar se o evento esta- va abrangido pelos riscos e circunstâncias previamente pactua- dos entre as partes, bem como verificar a presença dos pressu- postos do dever de indenizar. Superada essa etapa inicial, cum- pridas determinadas obrigações por parte do segurado como, por exemplo, o pagamento da franquia, a seguradora indeniza o lesado pelos danos suportados, respeitando-se os limites fixa- dos pela lei ou pelo contrato.
Entende-se que o objeto87 deste contrato é o interesse le- gítimo do segurado, representado pela garantia88 de pagamento da indenização perante terceiros na hipótese de ocorrência do
86 Sob os critérios de fixação de responsabilidade civil ver acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça nº 07A1555, 18 de setembro de 2007, relator Fonseca Ramos; nº 07A2732, 18 de dezembro de 2007, relator Xxxxxxxxx Xxxxxx; nº 07A4598, de 7 de fevereiro de 2008, relator Xxxxx Xxxxx; nº 07B4772, de 7 de fevereiro de 2008, relator Xxxxxxxx xx Xxxxx; nº 07B1706, de 10 de julho de 2008, relatora Maria dos Prazeres Beleza; disponíveis em xxxx://xxx.xxxx.xx.
87 Observando o disposto no artigo 280º do Código Civil Português. Xxxx XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral: seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 218, no seguro de responsabilidade civil de automóvel o objeto é a própria responsabilidade civil.
88 Nesse sentido XXXXX XXXXXX, Xxxx. La Responsabilidad Civil y su seguro. Madrid: Tecnos, 1998, p. 121/122. Consoante XXXXXXXXX, Xxxxxxx. O Contrato de Seguro – de acordo com o Novo Código Civil Brasileiro. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.29 a garantia constitui o objeto imediato do contrato de seguro, pois representa a finalidade maior buscada pelo segurado na ocasião em que celebra o negócio jurídico, sendo o interesse legítimo do segurado o objeto mediato deste contrato. Xxxx XXXXXXX, X.X. Moitinho de. O contrato de seguro no direito português e comparado. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1971, p. 148 e ss. “o interesse nos seguros de responsabilidade incide sobre aquele bem do patri- mónio do segurado que seria necessário sacrificar, na falta de seguro, para o paga- mento do débito.”
sinistro. Sendo a causa89 do contrato de seguro de responsabili- dade civil o risco de que o segurado seja obrigado a indenizar os danos causados a um terceiro.
Importante destacar, ainda no âmbito do conteúdo dos contratos desta natureza, que compete ao segurador a “defesa jurídica”90 do segurado, conforme estabelece a norma do artigo 140º do RJCS. Tal proteção consiste na assunção, por parte da seguradora, da direção do litígio91, de forma a proteger seus próprios interesses. Na maioria das apólices tal dever é enqua- drado entre aqueles a serem suportados pelo segurado embora o principal interessado em exercê-lo seja o próprio segurador que, em última análise, arcará com as consequências de uma defesa eventualmente mal sucedida. Tal dever de proteção jurí- dica não se estende ao âmbito penal92, pois nesta esfera os inte-
89 Conforme XXXXX XXXXXX, Xxxx. La Responsabilidad Civil y su seguro. Ma- drid: Tecnos, 1998, p. 121/122. Em sentido contrário, XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 139 “tudo aponta para que se considere o interesse como a causa do negócio jurídico de segu- ro” e XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de responsabilida- de civil geral: seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coim- bra Editora, 2007, p. 218 “que a causa está intimamente relacionada com o interesse do contrato”.
90 XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral: seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 229/230. A fim de evitar a restrição legal imposta pelo artigo 127/3 e 4 do DL 94-B/98, observar a distinção mencionada por XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 74 “Não pode confundir-se o contrato de seguro de protecção jurídica com um contrato em que a prestação consista na realização de trabalhos de assessoramento profissio- nal por meio de advogados da seguradora, o qual não poderia qualificar-se como contrato de seguro, além de que tal contrato seria nulo por violar o artigo 53 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo DL 84/84, de 16 de março.”
91 XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 297, “A direcção do litígio corresponde a uma obrigação da seguradora (ainda que este tipo de cláusulas surja normalmente integrada entre as obrigações do tomador do seguro), na medida em que não poderá entregar ao segu- rado a respectiva defesa.
92 Por razões de ordem pública, bem como pelo fato da responsabilidade penal se basear no princípio da personalidade das penas e sanções o seguro não abrange as situações decorrentes de responsabilização penal. Nesse sentido XXXXX, Xxxx Xxx-
resses do segurado e da seguradora podem, inclusive, ser coli- dentes. A “defesa jurídica” não se confunde com o “seguro de proteção jurídica”93 previsto nos artigos 167º e seguintes da nova lei e que se caracteriza pela cobertura dos custos inerentes à prestação de serviços jurídicos e de despesas decorrentes de um processo judicial ou administrativo. Embora possam apre- sentar algumas características semelhantes, a última é mais abrangente do que a primeira e deve, inclusive, constar de do- cumento distinto ou capítulo autônomo do contrato de seguro de responsabilidade civil. Oportuno observar, ainda, as ressal- vas legais expressas no tocante a tal modalidade específica de contrato no âmbito dos seguros de responsabilidade civil para veículos automotores, bem como o disposto no artigo 172º “b” do mesmo diploma legal.
2.3. ELEMENTOS DO CONTRATO
No tocante aos elementos essenciais do contrato, embora a doutrina apresente algumas divergências com relação à fixa- ção daqueles efetivamente necessários à formação dos contra- tos de seguro em geral94 e considerando que tais discussões podem ser transportadas para o âmbito do seguro de responsa-
xxxxxx Xxxxxxxx xx. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral: seu en- quadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 122.
93 Sobre esse assunto ver XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx e. O contrato de seguro de protec- ção jurídica. II Congresso Nacional de Direito dos Seguros – memórias. Coordena- ção de Xxxxxxx Xxxxxxx e X. Costa Martins. Coimbra: Almedina, 2001, p. 165/176. 94 Alguns doutrinadores como XXXXXXX, J.C. Moitinho de. O contrato de seguro no direito português e comparado. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1971, p.20/24 consideram o risco, a empresa de seguros e o prêmio elementos essenciais. XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Co- imbra Editora, 1999, p. 89/94, 125 e ss. acrescenta como elementos essenciais o tomador do seguro, o suporte do risco e realização da a prestação pela seguradora. Na visão de XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de respon- sabilidade civil geral: seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 200, os elementos seriam apenas o risco, o interesse, o objeto e a causa.
bilidade civil, opta-se por tratar dos elementos que despertam maior interesse no âmbito desta matéria.
Dessa forma, são essenciais ao contrato de seguro os elementos risco95, interesse, empresarialidade, sinistro e prêmio96. Faz-se pertinente, no presente estudo, o aprofunda- mento na abordagem dos elementos sinistro e interesse, con- forme se demonstra a seguir.
A doutrina97 apresenta diferentes interpretações com re- lação à configuração do momento em que se verifica o sinis- tro98. Destacam-se, basicamente, três posicionamentos: i) quando praticado o fato gerador de danos99; ii) quando verifi-
95 Os artigo 436º do Código Comercial e 44º/1 da nova lei manifestam a importância do elemento risco para existência do contrato. Xxxxxxxx XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral: seu enquadra- mento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 202 “no contrato de seguro de responsabilidade civil geral, o risco pode ser definido como a possibilidade de o segurado ser civilmente responsável e, consequentemente, obri- gado a reparar os danos por si causados e um terceiro lesado, de acordo com a ordem jurídica vigente.”
96 Considera-se elemento essencial, pois é inerente à própria noção de seguro. Basta observar o imperativo “sem prêmio, sem cobertura”. Nesse sentido, corroboram os artigos 1º e 59º da nova lei que consagram o prêmio como elementos componentes do conteúdo típico do contrato de seguro. Nesse sentido, XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p.125 e ss. Em sentido contrário, XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral: seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 200, “não concordamos com aqueles autores que classificam o prémio como elemento essencial do contrato de seguro, nomea- damente do contrato de seguro de responsabilidade civil geral.” que considera que o pagamento da contraprestação representa condição suspensiva. No mesmo sentido xx XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral: seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007; XXXXXXXXX, Xxxx xx Xxxxx. Comentário ao Código Comercial Português. Vol. II, Lisboa: Livraria Moraes, 1916, p. 547. “A meu ver, porém, o pagamento do prémio é, apenas, uma condição suspensiva.”
97 XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 286.
98 A respeito das correntes doutrinárias sobre a caracterização do sinistro ver AL- MEIDA, J.C. Moitinho de. O contrato de seguro no direito português e comparado. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1971, p. 269 e ss.
99 XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra:
cado o dano; iii) quando apresentada a reclamação pelo lesa- do100.
Delimitados os momentos de caracterização dos sinistros ressalta-se a existência do “sistema da cobertura anterior” ou “base reclamação” que considera como sinistros as reclama- ções havidas durante a vigência do contrato, mesmo que o fato gerador e o próprio dano sejam anteriores a esta vigência; o “critério da ação” pelo qual o sinistro corresponde aos danos ou reclamações, desde que o fato gerador ocorra durante a vigên- cia do contrato, ainda que os danos sejam verificados após o término deste contrato e, por fim, o “sistema de ocorrência” que privilegia os danos ocorridos na vigência do contrato, in- dependentemente do fato gerador e da reclamação.
O artigo 139º/2 do RJCS dispõe que são válidas as cláu- sulas que delimitem o período de garantia, com base nos três posicionamentos anteriormente descritos, tendo em conta o fato gerador do dano, a manifestação do dano ou a sua reclamação. Porém, o artigo 139º/1 privilegia a abrangência dos fatos gera- dores ocorridos durante a vigência do contrato ao prever que não havendo convenção entre as partes a garantia abrange a responsabilidade civil do segurado por fatos geradores de res- ponsabilidade civil ocorridos no período de vigência do contra- to, incluindo-se os pedidos de indenização apresentados após o termo do seguro.
Destaca-se, ainda, que na hipótese de não ter havido con- venção entre as partes a lei se preocupa em evitar a ocorrência de vazios de cobertura ao prever, por meio do artigo 139º/3, o pagamento de indenizações resultantes de eventos danosos desconhecidos das partes ocorridos durante a vigência do con- trato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte
Coimbra Editora, 1999, p.286 considera que este entendimento deve ser rechaçado, vez que a simples prática de atos potencialmente danosos não implica na necessária ocorrência de danos.
100 Que pode abranger a reclamação em âmbito extrajudicial ou judicial e sua conde- nação.
ao termo do contrato, quando a delimitação da cobertura aten- der à data da reclamação e não estando o risco coberto por con- trato de seguro celebrado posteriormente.
As partes podem livremente combinar as características inerentes a cada figura, considerando que não há qualquer ve- dação expressa nesse sentido, gerando, inclusive, maiores dis- cussões a respeito da configuração de cláusulas abusivas e de vazios de cobertura101, a serem dirimidos com base na análise do caso concreto.
Conforme estabelecem os artigos 100º e 101º do mesmo diploma legal o segurador deve ser comunicado pelo tomador, segurado ou beneficiário, quando da ocorrência do sinistro, dentro do prazo estabelecido no contrato ou, na falta deste, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento. Por meio de tal comunicação devem ser explicitadas as circunstân- cias, eventuais causas e consequências que envolvam o sinistro. Caso não sejam cumpridos os deveres de participação do sinis- tro ao segurador, o contrato pode prever a redução da prestação do segurador e até mesmo a perda da cobertura. A aplicação de tais consequências dependerá do prejuízo ocasionado ao segu- rador e da natureza da conduta do segurado102.
Com relação à análise do elemento interesse, há que con- signar algumas particularidades no âmbito dos contratos de seguro de responsabilidade civil, em face dos contratos de se- guro em geral.
A definição clássica103 do “interesse” o considera como sendo a relação econômica existente entre uma pessoa e um
101 Ver XXXXX XXXXXX, Xxxx. La Responsabilidad Civil y su seguro. Madrid: Tecnos, 1998, p. 183/187.
102 Conforme artigos 137º e 144º nos seguros obrigatórios, o segurador não pode opor-se a promover a cobertura em favor do terceiro lesado, com exceção do dispos- to no artigo 147º do mesmo diploma legal.
103 XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 131 e 132. No mesmo sentido, XXXXXXX, J.C. Moitinho de. O contrato de seguro no direito português e comparado. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1971, p.149.
bem exposto a risco. Parte da doutrina questiona a caracteriza- ção do interesse nos contratos de seguro de responsabilidade civil, por considerar que, além dos bens específicos do patri- mônio do segurado não sofrerem qualquer dano com a recla- mação do terceiro, admite-se a celebração deste contrato até mesmo por quem não seja titular de um patrimônio ativo.
A fim de afastar tais críticas e manter o interesse como elemento indispensável à formação deste contrato, deve-se considerar o patrimônio como o conjunto de ativos e passivos que já existam ou que venham a compor o patrimônio do segu- rado.
Xxxxxxxx, a nova lei, por meio do artigo 43º, consagra a necessidade de que o segurado tenha um “interesse digno de protecção legal” sob pena de nulidade do contrato. Na alínea seguinte define que no seguro de danos, tal interesse corres- ponde à conservação ou integridade de coisa, direito ou patri- mônio seguros, afastando-se eventuais dúvidas que possam recair sobre a caracterização do legítimo interesse no âmbito do seguro de responsabilidade civil.
2.4. PARTES E INTERVENIENTES NO CONTRATO
As partes do contrato de seguro de responsabilidade civil são o segurador e o tomador de seguros. Em Portugal o segura- dor é sociedade anônima, devidamente habilitado nos termos do RGAS104 e sujeito à supervisão do Instituto de Seguros de Portugal. É aquele que em troco de uma retribuição – o prêmio
- assume os riscos de determinado evento futuro e incerto105. O tomador do seguro, por sua vez, se caracteriza pela pessoa que celebra com o segurador o contrato de seguro, tornando-se de- vedora da referida retribuição.
104 Artigos 7º e ss. do RGAS.
105 Para os fins deste estudo e sem adentrar nas particularidades inerentes a outras modalidades de seguros.
O tomador do seguro pode coincidir com a pessoa do se- gurado106. A análise de tal correspondência incide sobre o inte- resse tutelado pelo contrato de seguro. Tratando-se de interesse do próprio tomador, pode-se dizer que o tomador é também o segurado, configurando-se um contrato de seguro por conta própria107.
O segurado108 é aquele que tem o patrimônio protegido pelo contrato de seguro de responsabilidade civil. É a pessoa civilmente responsável que não figura, necessariamente, entre as partes da relação contratual, mas que figura como titular de algumas obrigações no contrato109. Portanto, caso a pessoa cujo interesse protegido pelo seguro seja distinta daquela que cele- brou o contrato não se pode falar em seguro por conta própria, mas sim de seguro por conta de outrem110.
A outra figura que merece destaque, na qualidade de in- terveniente do contrato de seguro de responsabilidade civil é a do beneficiário ou terceiro lesado. Trata-se da pessoa111 que, embora não sendo parte no contrato, será a destinatária da pres- tação devida na hipótese de ocorrência do sinistro. No contrato
106 XXXXX, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx. Seguro de acidentes de trabalho. Lisboa: Lex Editora, 1999, p. 65 “no seguro de responsabilidade civil o segurado será sempre o tomador de seguro, se o objeto do contrato for a cobertura da sua responsabilidade para com terceiros.” Há a possibilidade de que o tomador figure como um dos segu- rados como ocorre, por exemplo, no seguro de responsabilidade civil familiar.
107 Conforme artigo 47º da nova lei. Nesse sentido, XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 172 “Fre- quentemente, é o próprio segurado que assume o papel de tomador do seguro, subs- crevendo-o por sua própria conta.”
108 XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 102 “é a pessoa no interesse da qual o contrato é celebra- do ou a pessoa (pessoa segura) cuja vida, saúde ou integridade física se segura.”
109 Como por exemplo, aquelas dispostas no artigo 24º e ss. da nova lei com relação à prestação das informações para o cálculo do risco. Mais detalhes a respeito da distinção entre tomador e segurado em XXXXX XXXXXX, Xxxx. La Responsabili- dad Civil y su seguro. Madrid: Tecnos, 1998, p. 211/213.
110 Artigo 48º da nova lei. Sobre o contrato de seguro por conta de outrem ver BRI- TO, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx Xxxxx de. Contrato de seguro por conta de outrem: o seguro por conta de outrem nos seguros de danos. Lisboa, 2005.
111 Que pode ser pessoa indeterminada, mas determinável.
de seguro de responsabilidade civil o beneficiário propriamente dito112 não coincide com o tomador do seguro ou segurado. A lei exclui expressamente da qualificação de terceiros algumas pessoas que, embora não sejam partes no contrato de seguro, tenham alguma ligação com o tomador ou segurado113.
Dentre os principais deveres e obrigações contratuais do segurador destacam-se, além dos deveres gerais ordinários de informação e observância das regras de transparência, a prote- ção do patrimônio do segurado, com autonomia para negociar diretamente eventual acordo com o lesado114. Cabe-lhe, ainda, a proteção dos interesses do terceiro lesado - beneficiário do contrato de seguro de responsabilidade civil - fato que lhe atri- bui um caráter social115.
No tocante aos deveres contratuais do tomador e do segu- rado, para além dos deveres de informação e comunicação sem inexatidões ou omissões de todos os elementos necessários para apuração do risco, cabe-lhes colaborar com o segurador no
112 Sem afastar a pertinente ponderação de XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral: seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 232 “Não podemos deixar de referir que, na nossa opinião, o segurado encontra-se também ele numa posição de beneficiário, uma vez que com a celebração daquele contrato de seguro pretende proteger o seu patrimônio das conseqüências patrimoniais danosas que poderia sofrer.”
113 Como, por exemplo, aquelas pessoas descritas no artigo 14º DL 291/07.
114 Que o caracteriza como um direito de libertação do segurado do ataque de tercei- ros. Presente tanto nos seguros obrigatórios, como nos facultativos.
115 Nesse sentido, XXXXX, Xxxx Xxxxxxxxx Xxxxxxxx da. Do contrato de seguro de responsabilidade civil geral: seu enquadramento e aspectos jurídicos essenciais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 105. Alguns doutrinadores não admitem essa vertente social. Importante distinguir “caráter social” de “seguro social”. Cf. XXX- XXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito dos Seguros – Relatório. Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, p.97, “Em sentido amplo, poder-se-ia afirmar que a segurança social corresponderia a uma modalidade de seguro, opondo-se ao seguro privado; contudo, este meio de garantir o bem-estar das pessoas mediante um sistema de contribuições obrigatório, gerido pelo Estado, estriba-se em diferentes pressupostos. Além do caráter obrigató- rio, não assenta numa estrutura industrial, nem tem por base a gestão do risco. Ten- do isso em conta, a segurança social é analisada como figura afim do seguro.”
sentido de fornecer-lhe todos os elementos e provas necessárias à melhor defesa de tais interesses. Não poderão reconhecer a sua responsabilidade civil116 perante o terceiro lesado, nem oferecer promessa de pagamento ou transacionar com este, de forma a não comprometer a atuação da empresa de seguros117, sobretudo em razão da assunção da direção do litígio por parte desta. Cumpre lembrar que a celebração do contrato de seguro não opera a transferência da responsabilidade civil ou do pró- prio risco do segurado para a seguradora, mas apenas das con- sequências econômicas oriundas de eventual responsabiliza- ção.118
A sub-rogação da seguradora nos direitos do segurado não impede, porém, que o segurado, por meio da ação própria em face dos responsáveis, pleiteie o ressarcimento por outros danos sofridos como, por exemplo, a perda de lucros oriundos da utilização do bem segurado.
Importante destacar, sobretudo nos seguros de responsa- bilidade civil obrigatórios, o papel desempenhado pelo Instituto de Seguros de Portugal119 que, na qualidade de instituto públi-
116 XXXXXXX, X.X. Moitinho de. O contrato de seguro no direito português e com- parado. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1971, p. 272 e ss. analisa a questão sob a óptica de diversos ordenamentos jurídicos, para concluir que a declaração da verdade por parte do tomador não representa violação da referida cláusula contratu- al.
117 Situação distinta, porém, é aquela na qual a seguradora se recusa a promover o pagamento sob o argumento de que o evento não estaria coberto pelo contrato de seguro e que o segurado vê-se obrigado a pagar a indenização e, posteriormente, pleitear o ressarcimento em face da seguradora conforme decidido no acórdão do STJ nº 08B1846, de 10 de julho de 2008, relator Xxxx Xxxxxx, disponível em xxxx://xxx.xxxx.xx.
118 Nesse sentido, XXXXXXX, Xxxx. Contrato de seguro: notas para uma teoria geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 92. Importante tal ponderação, pois há situações nas quais se denota um maior interesse do segurado em assumir a lideran- ça do litígio.
119 Sobre a origem, estrutura e atribuições do ISP ver VASQUES, Xxxx. Direito dos seguros: Regime jurídico da actividade seguradora. Coimbra: Coimbra editora, 2005, p. 65 e ss. e XXXXXXXX, Xxxxx Xxxxxx. Direito dos Seguros – Relatório. Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Coim- bra: Xxxxxxx Xxxxxxx, 0000, p. 44 e ss.
co, é responsável por garantir a solidez do sistema, o controle e a fiscalização da atividade seguradora promovendo, por exem- plo, a elaboração de apólices uniformes para determinados con- tratos, o registro obrigatório de determinadas categorias profis- sionais, dentre outras atribuições.
Além das figuras ora indicadas, podem participar dos contratos de seguro de responsabilidade civil outros sujeitos comuns às demais espécies de contratos de seguro, como o co- segurador, o ressegurador, dentre outros.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo acerca dos aspectos gerais do seguro de responsabilidade civil e sobre o tratamento conferido à ma- téria pelo ordenamento jurídico português proporciona, além de uma abordagem desta modalidade contratual sob um “novo regime geral”, algumas conclusões e reflexões a respeito do importante papel desempenhado por referidos contratos atual- mente. Referidas conclusões concentram-se na análise da espé- cie contratual em sua essência, seus objetivos e os principais dilemas decorrentes de sua ampla utilização, na realidade por- tuguesa, traçando-se suas principais características, em especial no tocante às perspectivas trazidas pelo RJCS.
Verifica-se que, desde suas origens, a utilização do con- trato de seguro com o objetivo de promover a mitigação dos problemas decorrentes da responsabilização civil gera questio- namentos. Se atualmente, diante da complexidade das ativida- des desenvolvidas pelo Homem e do deslocamento do interesse meramente patrimonial para abarcar a proteção de terceiros, a celebração de contratos de seguro de responsabilidade civil soa natural e em alguns casos até mesmo indispensável para o exercício de determinadas atividades potencialmente causado- ras de danos – como demonstra o rol crescente de seguros obrigatórios – não se pode olvidar as consequências negativas
oriundas da utilização cada vez maior dos contratos de seguro na solução dos problemas da responsabilidade, bem como a necessidade de que sejam fixados parâmetros capazes de coibir eventuais excessos. A função reparadora da responsabilidade civil e a garantia de que tal reparação não restará frustrada em razão de eventual dificuldade econômico-financeira enfrentada pelo lesante, proporcionam maior segurança às relações sociais e são as principais razões que impulsionam a contratação do seguro desta natureza.
Tais garantias, contudo, não contribuem para prevenir a ocorrência de danos, pois não estimulam as partes a adotarem uma postura precavida. Além disso, frequentemente utilizadas de modo indiscriminado, propiciam distorções que transfor- mam o contrato de seguro em verdadeiro pressuposto da fixa- ção da responsabilidade e não como instrumento que atua a posteriori na minimização das consequências decorrentes da responsabilização civil.
É indiscutível a importância do contrato de seguro que, inclusive, se mostra como uma solução, do ponto de vista glo- bal, eficiente aos problemas enfrentados pela responsabilidade civil, pois é fato que referido contrato acaba por atingir resulta- dos não satisfatórios no tocante à adoção de medidas aptas a evitar a ocorrência de danos, por não estimular as partes e in- tervenientes a adotarem medidas de caráter preventivo.
Faz-se imperiosa, portanto, uma reflexão contínua volta- da ao aprimoramento de mecanismos aptos a incentivar a pre- venção de danos e que busque coibir a postura irresponsável do segurado e demais envolvidos que podem variar, por exemplo, desde a fixação de franquias e cláusulas de exclusão até o su- porte efetivo e integral dos danos em situações específicas, partindo-se sempre do conceito central de que o contrato de seguro opera a transferência das consequências econômicas decorrentes da responsabilização e não da responsabilidade civil em si, pois esta sempre deverá recair sobre o causador dos
danos.
A análise objetiva da realidade portuguesa denota uma concreta tendência de autonomia dos direitos dos seguros em relação ao direito comercial. Partindo-se da noção de seguro de responsabilidade civil positivada pela norma do artigo 137º do RJCS, que deixa nítido o interesse pela proteção patrimonial do segurado e do enquadramento deste seguro no ramo “não vi- da”, em observância às regras comunitárias, percebe-se que o RJCS evita, e com acerto, apresentar uma definição de contrato seguro. Tal função cabe, a nosso ver, à doutrina e promovida pela lei poderia “engessar” a utilização e a própria evolução desta modalidade de contrato.
O RJCS mantém a clássica distinção entre seguros de responsabilidade civil obrigatórios e facultativos e destaca, inclusive, uma subsecção específica destinada aos seguros obrigatórios nos seus artigos 146º a 148º, que disciplina, dentre outros fatores, o direito de acionar diretamente a seguradora e as matérias de defesa oponíveis pelo segurador em face do le- sado. Tal postura manifesta o reconhecimento expresso da lei acerca do “alargamento” do conceito de interesse, que da mera proteção patrimonial passa a abranger também, e em casos es- pecíficos, a proteção de terceiros e a consequente imposição de se contratar o seguro para realização de determinadas ativida- des, destacando-se as principais semelhanças, diferenças e exemplos de ambas as modalidades de contratos.
Tal fenômeno pode ser confirmado com relação ao segu- ro obrigatório de responsabilidade civil de veículos terrestres a motor, regulado pelo DL nº 291/07, de 21 de agosto, que em vista de seu caráter social, prevê a existência do FGA que ga- rante o pagamento das indenizações em situações específicas e, na hipótese de não contratação do seguro, enseja a apreensão do veículo. O RJCS preceitua, ainda, que o direito atribuído ao lesado tem natureza autônoma e não sujeita a vítima ao concur- so com demais credores do segurado, sendo que o direito de
ação direta em face do segurador representa aqui verdadeiro dever e não mera faculdade.
Ainda no tocante aos seguros de responsabilidade civil automóvel, merecem destaque as inovações legislativas do ar- tigo 27º do DL 291/07 que alterou a redação do artigo 19º do DL 522/85, no intuito de estabelecer a distinção entre algumas das causas que justificam a ação de regresso por parte da segu- radora e, dessa forma, mitigar discussões doutrinárias e juris- prudenciais acerca da matéria e a portaria 377/08, de 26 de maio, que fixa critérios orientadores para elaboração de pro- postas de indenização dos danos corporais decorrentes de aci- dentes automóveis, que nos parece uma alternativa interessante para evitar decisões discrepantes na análise de casos análogos.
No que diz respeito ao conteúdo e características do con- trato, além daquelas próprias dos seguros em geral, ressalta-se o disposto no artigo 37º do RJCS, que disciplina o teor da apó- lice, bem como o disposto no artigo 140º do mesmo diploma, que dispõe sobre a assunção da direção do litígio pela segura- dora. Consigna-se que o interesse é representado pelo patri- mônio do segurado, entendido como o conjunto de ativos e passivos presentes e futuros, conforme se extrai da norma do artigo 43º do RJCS. O período de garantia, por sua vez, é deli- mitado pela norma artigo 139º do RJCS, que privilegia os fatos geradores ocorridos durante a vigência do contrato, mas abran- ge também eventos danosos desconhecidos das partes ocorri- dos durante a vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo do contrato, quando a delimitação da cobertura atender à data da reclamação e não estando o risco coberto por contrato de seguro celebrado poste- riormente, de forma a evitar a ocorrência de vazios de cobertu- ra e delimitar o alcance do contrato.
Merece destaque o disposto nos artigos 47º e 48º do RJCS, com relação às partes e intervenientes no contrato, espe- cificamente quanto à possibilidade de tomador e segurado
coincidirem ou não na mesma pessoa, hipóteses nas quais se configuram, respectivamente, um contrato de seguro por conta própria ou um contrato de seguro por conta de outrem.
No tocante aos intervenientes, dá-se enfoque à figura do terceiro lesado e aos direitos que lhe são atribuídos, com desta- que para o mecanismo da “ação direta”, especialmente nos se- guros obrigatórios cuja figura do lesado é objeto de específica preocupação legal, sem entrar no mérito da discussão de tratar- se ou não de contrato em favor de terceiro.
Constata-se, por fim, que o advento do RJCS, além de substituir definitivamente o ultrapassado regime do Código Comercial de 1888, tem função importante na consagração e fortalecimento de outros mecanismos de proteção dos interes- ses envolvidos no contrato e que, apesar dos avanços, não se pode jamais relativizar a importância do aprimoramento contí- nuo dos mecanismos de incentivos à prevenção de danos, mos- trando-se necessário o acompanhamento e fiscalização da ma- téria, no âmbito da atividade seguradora e da atuação do Poder Judiciário. Por tais razões, conclui-se que a despeito das críti- cas que podem recair sobre o tratamento conferido pela lei por- tuguesa, a análise e reflexões ora apresentadas acerca de referi- do regime legal contribuem de modo significativo para os de- bates acerca da elaboração de uma “lei brasileira do contrato de seguro”.
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Justiça de Portugal)
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
DISPONÍVEIS EM xxxx://xxx.xxxx.xx:
- nº 08A1266, de 17 de junho de 2008, relator Xxxx Xxxxxxx;
- nº 08B1846, de 10 de julho de 2008, relator Xxxx Xxxxxx;
- nº 07A4604, de 28 de fevereiro de 2008, xxxxxxx Xxxxx Xxxxx;
- nº 07A1555, 18 de setembro de 2007, relator Xxxxxxx Xx- xxx;
- nº 07B1706, de 10 de julho de 2008, relatora Xxxxx xxx Xxx- xxxxx Xxxxxx;
- nº 07B2636, de 4 de outubro de 2007, relator Xxxxxxx xx Xxx- xx;
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- nº 07A4598, de 7 de fevereiro de 2008, relator Xxxxx Xxxxx;
- nº 07A4318, de 15 de janeiro de 2008, relator Xxxxxxx Xx- xxx;
- nº 07A3447, de 6 de novembro de 2007, relator Xxxx Xx- xxxxx;
- nº 07A2732, 18 de dezembro de 2007, relator Xxxxxxxxx Xx- voas;
- nº 04B296, de 3 de julho de 2003, relator Xxxxxx Xxxxxx;
- nº 07A3425, de 27 de novembro de 2007, relator Xxxxx Xxxx;
- nº 07A3584, de 13 de novembro de 2007, relator Xxxxx Xxxx- xxx;
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