ACÓRDÃO N.º17 /2013 – 26.NOV-1ªS/PL
ACÓRDÃO N.º17 /2013 – 26.NOV-1ªS/PL
RECURSO ORDINÁRIO Nº 06/2013-R
(Processo de fiscalização prévia nº 1862/2012)
SUMÁRIO
1. Ao apreciar o contrato com referência à qualificação, conteúdo e fundamentação legal que lhe foram atribuídos pelos outorgantes, a 1.ª instância não incorreu em erro de julgamento, uma vez que a qualificação e regime legal agora invocados em recurso não têm correspondência com o conteúdo do contrato em apreciação.
2. O artigo 69.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2012, ao remeter para as normas especiais previstas no Decreto-Lei n.º 194/2009, estabeleceu uma regra de compatibilização entre os regimes constantes dos dois diplomas. Nas áreas em causa devem observar-se todas as regras especiais do Decreto-Lei 194/2009 a par das regras gerais da Lei n.º 50/2012 que por aquele decreto- lei não sejam prejudicadas.
3. As relações contratuais entre um município e uma empresa municipal que tenha por objecto as actividades a que se reporta o Decreto-Lei n.º 194/2009 passam forçosamente pela celebração de um contrato de gestão delegada entre o município e a empresa local delegatária. Este contrato, celebrado por
10 anos, deve regular, além do mais, as necessidades e critérios do financiamento municipal da empresa, critérios que devem respeitar tanto as regras especiais previstas no Decreto-Lei n.º 194/2009 como as regras gerais da Lei n.º 50/2012 que com aquelas não sejam incompatíveis.
4. Os contratos que titulem a atribuição municipal a empresas locais de indemnizações compensatórias, de subsídios à exploração, de subsídios a políticas de preços ou de subvenções à prestação de serviços de interesse geral (conforme os casos), designados de contratos programa, de contratos de gestão ou outros, estão sujeitos a fiscalização prévia do Tribunal de Contas, em função do respectivo valor, porquanto regulam substancialmente a prestação de serviços públicos em condições sinalagmáticas e a
correspondente remuneração, enquadrando-se na tipologia estabelecida na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 46.º da LOPTC.
5. Embora nem a lei nacional nem a lei comunitária sejam prescritivas ou explícitas quanto à exacta forma de calcular o montante dos subsídios públicos a atribuir para compensar a prestação de serviços de interesse geral, das mesmas decorre que:
Os parâmetros de cálculo da compensação devem ser estabelecidos de forma prévia, objectiva e transparente. Para as actividades a que se refere o Decreto-Lei n.º 194/2009, e nos termos dos respectivos artigos 17.º, 20.º e 25.º, esses critérios devem constar do contrato de gestão delegada;
Deve ser assegurado que não é atribuída uma compensação excessiva, desnecessária à gestão do serviço de interesse geral e que possa atribuir uma vantagem económica susceptível de favorecer a empresa beneficiária relativamente a eventuais concorrentes;
Como resulta do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012, a actividade não pode ser remunerada a um nível superior àquele que resultaria da sua prestação a preços de mercado, o que implica, para efeitos de fiscalização prévia, a correspondente demonstração, a qual compete à entidade fiscalizada;
Poderá não ser excessivo que sejam cobertos os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as receitas obtidas, assim como uma remuneração dos capitais investidos. No entanto, há que demonstrar que a subvenção não origina uma remuneração desses capitais a um nível superior ao razoável. Os n.ºs 2 e 3 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 194/2009 estabelecem a forma como se determina, no caso, a remuneração desses capitais e o n.º 1, alínea c), do artigo 20.º do mesmo diploma impõe que as regras para essa determinação constem do contrato de gestão delegada;
É necessário que se demonstre a necessidade da compensação para a gestão do serviço de interesse geral, o que deve ser feito tanto em termos sectoriais como globais. Essa necessidade deve ser demonstrada com base no défice sectorial mas tendo também em conta os resultados globais da empresa, a remuneração global anual dos capitais investidos e a receita proveniente das tarifas, como instrumento legal de remuneração daqueles capitais.
6. A inobservância das regras referidas constitui violação de norma financeira e as ilegalidades praticadas são susceptíveis de alterar o resultado financeiro do contrato, verificando-se os fundamentos de recusa de visto previstos nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC.
Lisboa, 26 de Novembro de 2013 Relatora: Xxxxxx Xxxxx Xxxxx
ACÓRDÃO N.º 17 /2013 – 26.NOV-1ªS/PL
RECURSO ORDINÁRIO Nº 06/2013-R
(Processo de fiscalização prévia nº 1862/2012)
I. RELATÓRIO
I.1. Pelo Acórdão n.º 8/2013-1.ABR-1.ªS/SS, o Tribunal de Contas recusou o visto ao contrato programa celebrado, em 7 de Dezembro de 2012, entre o Município de Braga e a AGERE – Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga, EM1, com o valor de € 3.040.576,56, para vigorar de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2013.
I.2. A recusa do visto foi proferida ao abrigo do disposto nas alíneas b) e c) do nº 3 do artigo 44.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC)2 e teve por fundamento a violação do disposto no n.º 3 do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de Agosto (regime jurídico da actividade empresarial local), por falta de justificação adequada do montante do subsídio atribuído.
I.3.Inconformado com o Acórdão, o Município de Braga veio dele interpor recurso, pedindo a revogação do acórdão recorrido, o reconhecimento, para o caso, da “inexistência legal” de visto ou, em alternativa, a concessão do visto.
Em defesa do pretendido apresentou as alegações processadas de fls. 2 a 20 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas, e que culminam nas seguintes conclusões:
“1.ª O Douto Acórdão do Tribunal de Contas recorrido enferma de um erro de julgamento por errada qualificação jurídica da situação
1 Doravante também designada como AGERE.
2Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, 35/2007, de 13 de Agosto, 3-B/2010, de 28 de Abril, 61/2011, de 7 de Dezembro, e 2/2012, de 6 de Janeiro, e as Rectificações n.ºs 1/99, de 16 de Janeiro, 5/2005, de 14 de Fevereiro, e 72/2006, de 6 de Outubro.
sub judice, aplicando-lhe e subsumindo-a a um regime jurídico diferente do expressa e imperativamente estabelecido na lei: o Acórdão recorrido, no seu julgamento, aplica ao processo o regime da Lei n.º 50/2012, quando esta mesma Lei impõe que lhe seja aplicável o regime especial estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 194/2009, que estabelece, precisamente, o regime jurídico- especial- dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos. Este erro de julgamento tem como consequência a nulidade do Acórdão;
2.ª Aquele erro de julgamento traduz-se, no caso, numa negação do regime substantivo de conformação do conteúdo da relação contratual legalmente estabelecido e, consequentemente, numa negação do direito subjectivo à obtenção de um lucro adequado no exercício da actividade de interesse económico geral em causa;
3.ª No plano jurídico-constitucional, uma tal negação equivale à violação do direito de propriedade do acionista privado, que é consabidamente um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Pelo que, no plano da relação entre o Município e os accionistas privados da AGERE, EM, a decisão do Douto Acórdão do Tribunal de Contas, a ser mantida, conduzirá a um inevitável conflito jurisdicional, uma vez que aqueles suscitarão a constituição do tribunal arbitral nos termos contratualmente previstos, com as inerentes consequências a todos os níveis – prejuízos para a prestação do serviço público e replicações dispêndios financeiros públicos para o Município de Braga;
4.ª E tudo a agravar com o facto de o contrato em causa não se encontrar legalmente sujeito a visto prévio do Tribunal de Contas: há no caso, uma inexistência legal de visto prévio, pois, nem o referido regime especial aplicável o prevê, nem o tipo contratual em causa é subsumível aos tipos contratuais previstos na lei orgânica do Tribunal de Contas, que estabelece a respectiva organização e o processo;
5.ªMas, mesmo raciocinando sob o pressuposto meramente hipotético da aplicação do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012 – cuja se encontra afastada ex vi legis -, o Douto Acórdão do Tribunal de Contas faz igualmente uma errada aplicação do regime aí estabelecido, pois a esse regime preside um princípio constitucional de transparência
financeira, impondo a lei, por virtude dele, a demarcação sectorial de objectivos e a inerente contabilidade analítica separada entre as possíveis actividades sectoriais exercidas por uma e mesma empresa municipal, evitando-se a confusão ou o cruzamento contabilístico- financeira entre sectores ou actividades;
6.ª Pelo que a interpretação e aplicação que o Douto Acórdão do Tribunal de Contas faz do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012, ao considerar a margem sectorial de 5% - que é o que está em causa no processo – no contexto da actividade global da empresa, revela-se em contradição com aquela Lei;
7.ª E continuando ainda a raciocinar sob o pressuposto meramente hipotético da aplicação do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012 – cuja aplicação, no caso concreto, se encontra ex vi legis afastada -, o Douto Acórdão do Tribunal de Contas deixa por decidir a questão essencial dos autos, o que, em termos processuais ou judicativos, se traduz numa omissão de pronúncia, com as inerentes consequências imperativamente estabelecidas pela lei (cfr. O artigo 668.º do Código do Processo Civil);
8.ª Efectivamente tal como o regime especial imperativamente aplicável ao conteúdo da relação contratual em causa no processo – o regime do Decreto-Lei n.º 194/2009 – que estabelece e garante o direito a um lucro adequado, também o Direito Europeu estabelece e garante o direito a um lucro razoável: direito que consta da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia; das Decisões da Comissão Europeia; das Comunicações da Comissão Europeia; e de Regulamento da União Europeia. Este direito – jurisprudencial e legal – da União Europeia vigora, por força da Constituição Portuguesa, no direito interno nacional, vinculando consequentemente (e também) o Tribunal de Contas.
9.ª Contudo, apesar das duas Conclusões anteriores, o Douto Acórdão recorrido remete a sua apreciação para momento posterior, mas, numa contradição manifesta, recusa, desde já, a concessão do visto.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso proceder, por provado, revogando-se, em consequência o Acórdão recorrido, reconhecendo-se, para o caso, a inexistência legal de visto ou concedendo-se nos termos exactamente requeridos.”
I.4. O Procurador Geral Adjunto junto do Tribunal de Contas pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso e da confirmação do acórdão recorrido, com fundamentos que adiante se referenciam.
I.5. Corridos os demais vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Dos factos
A factualidade fixada no Acórdão recorrido não foi objecto de impugnação, pelo que se dá aqui por confirmada e reproduzida. Os aspectos mais relevantes para a decisão retomam-se nos pontos seguintes.
II.2. Da qualificação do contrato e do respectivo regime legal
A primeira questão suscitada pelo recorrente é a de a primeira instância ter eventualmente procedido a uma errada qualificação jurídica do contrato e do regime jurídico aplicável.
Sendo esta questão determinante para a decisão das demais, impõe-se decidi-la em primeiro lugar.
a) O contrato celebrado
O contrato que foi remetido a este Tribunal para fiscalização prévia é denominado de contrato-programa.
Nos seus considerandos refere-se que a AGERE explora, por delegação do Município de Braga e desde 1999, os sistemas públicos de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de drenagem e tratamento de águas residuais, de recolha e deposição de resíduos sólidos urbanos, de limpeza e higiene pública e o canil/gatil. Refere-se ainda que a AGERE obtém as tarifas correspondentes à prestação desses serviços, mas
que as tarifas cobradas na recolha de resíduos não são suficientes para financiar toda a actividade de limpeza e higiene pública.
Também nos termos desses considerandos, o contrato programa foi celebrado para regular a prestação dos serviços de limpeza e higiene pública por parte da AGERE, atendendo a que essa actividade é deficitária, o que dá lugar a uma compensação financeira por parte do município “fixada através de contrato programa anual”.
O considerando V do contrato é do seguinte teor:
“V. A Lei n.º 50/2012, de 31 de Agosto3, que estabelece o regime jurídico da actividade empresarial local e das participações locais, permite, nos termos do art. 47.º4, que os Municípios celebrem contratos-programa com empresas locais de serviços de interesse geral, em termos que protejam os direitos e deveres de cada uma das partes.”
O contrato respeita apenas ao ano de 2013, fixando para esse período:
Os objectivos de limpeza e higiene pública a realizar (recolha dos resíduos sólidos urbanos, manutenção geral da higiene e limpeza, incluindo varredura e lavagem de espaços públicos e gestão do canil/gatil do município);
A atribuição pelo município à AGERE de uma contrapartida financeira, no valor indicado em I.1, “sob a forma de estimativa de subsidiação à política de preços”, a acertar a posteriori em função do efectivo diferencial entre receitas e despesas dos sectores de actividade.
O contrato foi complementado por uma adenda que estabeleceu indicadores para mensuração da prossecução dos objectivos sectoriais estabelecidos. O teor do segundo considerando dessa adenda é o seguinte:
“Considerando que, nos termos da Cláusula 2.ª do referido Contrato, foram indicadas as obrigações da Agere em sentido amplo, mas o n.º 2 do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto5, estabelece a necessidade de se definir conjunto de indicadores ou referenciais que permitam medir a realização dos objetivos setoriais, afim de aferir a eficácia e eficiência.”
3 Negrito nosso.
4 Idem.
5 Idem.
Acresce que, conforme consta designadamente dos pontos I.4.d) e I.4.e) do acórdão recorrido, a autarquia, quando questionada por este Tribunal no âmbito da análise do processo, invocou sempre o artigo 47.º da Lei n.º 50/2012 como norma reguladora do contrato. Tal sucedeu nomeadamente a propósito da sujeição do contrato a controlo prévio e do método de cálculo do subsídio contratado.
b) Das alegações do recorrente quanto à errada qualificação jurídica do contrato e errada determinação do respectivo regime legal
Alega agora o recorrente:
“Do ponto de vista legal, o Douto Acórdão do Tribunal de Contas, que recusa a concessão de visto ao contrato-programa celebrado entre o Município de Braga e a empresa municipal AGERE – Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga – EM (AGERE, EM), fundamenta-se no artigo 47.º da Lei n.º 50/2012, que aprova o regime jurídico da actividade empresarial local e das participações locais;
Sucede que, por expressa previsão e imposição legal, aquele regime não é aplicável ao casio sub judice;
Efectivamente, é a própria Lei n.º 50/2012 que, no seu artigo 69.º, sob a epígrafe “Regime especial e remissões”, determina que “o regime estabelecido na presente lei não prejudica a aplicação das normas especiais previstas nos Decretos-Leis n.ºs 194/2009, de 20 de Agosto (regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos)…”;
Como expressa e claramente resulta da letra do artigo citado, a Lei n.º 50/2012 salvaguardou a existência de regimes especiais, mantendo-se estes plenamente vigentes;
Ora, como ensina a doutrina e a jurisprudência e por resultar da teoria geral do direito, dispensamo-nos aqui a respectiva citação por desnecessária, o regime especial derroga o regime geral, sendo certo que, no caso, aquele regime, para além de não ter sido revogado, foi, pelo contrário – e para que qualquer dúvida não existisse -, objecto de uma expressa salvaguarda pela Lei n.º 50/2012, até porque “A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador” (cfr. O n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil).
Ora, no caso concreto – repete-se -, não só a lei geral do sector empresarial local não revogou – e muito menos inequivocamente- o regime especial do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de Agosto, como inequivocamente quis precisamente o contrário, isto é, mantê-lo em vigor;
Tanto basta, pois, para concluir que o regime da Lei n.º 50/2012, e especificamente o seu artigo 47-º, não é aplicável à situação sub iudice, o tudo se traduz, pois, num erro de julgamento, por erro de direito aplicável;
Ao que acresce o facto de a doutrina nacional mais autorizada se referir, também inequivocamente, à salvaguarda e manutenção em vigor desse regime. (…);
Consequentemente, o Douto Acórdão recorrido deve ser revogado por erro de julgamento, em virtude do erro de direito aplicável. (…)”
Na parte II das suas alegações, o recorrente vem concluir que, aplicando-se o regime do Decreto-Lei n.º 194/2009, o contrato celebrado entre um município e uma empresa municipal que tenha por objecto as actividades a que esse diploma se reporta tem de ser forçosamente o que consta desse diploma, ou seja, o regime do contrato de delegação da gestão do serviço, sendo a delegação efectuada através da celebração de contrato de gestão delegada entre o município e a empresa local delegatária.
Mais considera que o contrato em apreciação não se encontrará sujeito a fiscalização prévia do Tribunal de Contas porque “para o contrato de gestão delegada regulado no Decreto-Lei n.º 194/2009 (…) há uma inexistência legal de visto do Tribunal de Contas, porque, precisamente, trata-se, tão só, de um contrato de gestão delegada de serviços numa empresa municipal, não se subsumindo a nenhum dos tipos legais previsto na Lei do Tribunal de Contas, nem aquele regime especial submete tal modelo contratual ao controlo prévio deste Tribunal”, o que o diferenciará dos contratos a que se refere o artigo 47.º da Lei n.º 50/2012.
A toda esta argumentação importa contrapor que se a autarquia pretendia celebrar um contrato de gestão delegada, nos termos do Decreto-Lei n.º 194/2009, a verdade é que não o fez e que o contrato remetido a este Tribunal para apreciação não corresponde a esse tipo contratual.
De facto, não só o contrato não tem essa designação, como não invoca esse regime e como não corresponde ao conteúdo que a lei estabelece para os contratos de gestão delegada.
Nos termos do artigo 20.º daquele Decreto-Lei um contrato de gestão delegada, celebrado entre um município e uma empresa municipal, é celebrado pelo prazo mínimo de 10 anos, regula o âmbito da delegação, os serviços a prestar, a tipologia de utilizadores, o espaço territorial abrangido, a data a partir da qual a empresa municipal assume a responsabilidade pela prestação dos serviços, as regras de determinação da taxa de remuneração dos capitais próprios, a respectiva base de incidência, as sanções aplicáveis pelo incumprimento de objectivos, as obrigações da empresa municipal (em que se incluem os objectivos e indicadores), as principais iniciativas de carácter estratégico a implementar, o plano de investimentos e, ainda, o tarifário a praticar e a sua trajectória de evolução temporal.
Compulsado o conteúdo do contrato submetido a este Tribunal, verifica-se que o mesmo é celebrado apenas para o ano de 2013, fixa objectivos sectoriais apenas para uma parte da actividade da empresa municipal nesse ano e estabelece uma contrapartida financeira a pagar pela autarquia apenas no ano de 2013.
Ora, quer a sua duração quer o seu conteúdo são manifestamente insuficientes para permitir qualificar substancialmente o contrato como de gestão delegada, face ao regime legal invocado.
Deve pois concluir-se que, a existir um erro na qualificação jurídica do contrato e no respectivo enquadramento legal, tal erro é da responsabilidade dos seus contraentes, pois o contrato não foi qualificado como de gestão delegada, não invoca em qualquer momento o Decreto-Lei n.º 194/2009 e não tem o conteúdo típico e necessário desse tipo contratual.
Ao invés, foi denominado de contrato-programa, afirma ser efectuado nos termos do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012 e tem um conteúdo que se reconduz ao estipulado neste artigo.
Não restava, pois, ao Tribunal senão apreciá-lo em face do regime legal a que o mesmo se arrimava e com o qual se mostrava coerente.
Deve acrescentar-se que, não obstante as alegações de recurso, tudo no texto contratual se mantém.
Não ocorreu, pois, qualquer erro de julgamento nesta vertente.
c) O regime legal efectivamente aplicável
Mas independentemente daquilo que concretamente foi contratado, vejamos como deveria legalmente suceder.
Como fixado no probatório do acórdão recorrido, e consta dos seus estatutos, a AGERE é uma empresa municipal de capitais maioritariamente públicos, detida em 51% pelo Município de Braga, cujo objecto social principal é a “(…) captação, tratamento e distribuição de água para consumo público; a recolha, tratamento e rejeição de efluentes; a recolha e deposição de resíduos sólidos urbanos e a limpeza e higiene públicas”.
A Lei n.º 50/2012, de 31 de Agosto, estabelece o regime jurídico da actividade empresarial local, nela se incluindo a actividade das empresas locais em que os municípios detenham a maioria do capital. Esta mesma lei regula as relações contratuais entre os municípios e as referidas empresas bem como os termos em que podem ser feitas transferências financeiras pelos primeiros às segundas.
Efectivamente, e como alegado, o artigo 69.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2012, determinou que o regime nela estabelecido “não prejudica” a aplicação das normas especiais previstas no Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de Agosto. Este decreto-lei estabelece o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos (em que se pode incluir a limpeza urbana), prevendo em que condições um município pode delegar esses serviços numa empresa do sector empresarial local.
Tendo em conta o seu objecto social, afigura-se-nos pacífico que os serviços prestados pela AGERE se enquadram no âmbito de aplicação deste diploma legal, parecendo-nos igualmente claro que a ele se reconduzem os concretos serviços abrangidos no contrato em apreciação.
Diga-se, aliás, que isso mesmo foi reconhecido no acórdão de 1.ª instância, que, no seu ponto 10 referiu: “Deve igualmente ter-se presente o disposto no Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto (regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos), por força do disposto no artigo 69.º do RJAEL.”
Mas será que a aplicabilidade do Decreto-Lei n.º 194/2009 afasta a aplicação da Lei n.º 50/2012, como parece pretender o recorrente?
A este respeito disse o Ministério Público no seu parecer o seguinte:
“As conclusões 1.ª e 3.ª do recurso assentam no pressuposto de que seria inaplicável o artigo 47.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto. Ora do texto do artigo 69.º desta Lei não podemos extrair tal conclusão, porquanto nele se consagra não uma regra de exclusão, mas sim uma regra de compatibilização, ou seja, o regime estabelecido na Lei n.º 50/2012 é aplicável, sem prejuízo da aplicação das normas especiais previstas no Dec-Lei n.º 194/2009, de 20 de setembro. Logo, o regime jurídico dos contratos-programa de gestão delegada, no âmbito das actividades de abastecimento público de água às populações, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos, é constituído por normas quer do Dec-Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto, quer pelas normas da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto.
A terminologia utilizada na epígrafe do artigo 69.º da Lei n.º 50/2012 induz o leitor em erro, pois no corpo do artigo alude-se simplesmente a normas especiais e não a regime especial.”
Concordamos inteiramente com este entendimento do Ministério Público.
Esta leitura é, de resto, plenamente confirmada pelo preâmbulo do Decreto-Lei n.º 194/2009. Nele se refere que se pretende articular o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanos e de gestão de resíduos com o regime jurídico do sector empresarial local. Nessa linha, diz-se nesse preâmbulo o seguinte: “Atendendo às especificidades próprias das actividades em causa, o presente decreto-lei concretiza, nalguns aspectos, e introduz especificidades noutros, relativamente às normas gerais constantes daqueles diplomas legais”.
E tanto assim é que a própria Lei n.º 50/2012 inclui normas que se referem expressamente às actividades de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos e limpeza pública. Veja-se o artigo 45.º e, coerentemente, os que se lhe seguem, em que se inclui o controvertido artigo 47.º.
O que resulta, então, desta necessária compatibilização de regimes?
Tem razão o recorrente quando afirma que as relações contratuais entre um município e uma empresa municipal que tenha por objecto as actividades a se reporta o Decreto-Lei n.º 194/2009 passam forçosamente pela celebração de um contrato de gestão delegada entre o município e a empresa local delegatária. É uma especificidade deste diploma.
Com efeito, o artigo 17.º deste Decreto-Lei estipula que a delegação por um município a uma empresa municipal dos serviços em causa (em que se incluem os serviços de gestão de resíduos urbanos e limpeza urbana) implica a celebração de um contrato de gestão delegada. E o artigo 80.º do mesmo diploma legal estabelece que esse artigo 17.º, entre outros, é aplicável a entidades gestoras de serviços municipais em gestão delegada (desde 20 de Agosto de 2011).
Ou seja, ainda que a empresa municipal AGERE tenha sido constituída em 1999 e que tenham sido usados outros instrumentos contratuais para, nessa data, o município de Braga lhe delegar serviços, desde 20 de Agosto de 2011 que é obrigatória a celebração entre ambos de um contrato de gestão delegada.
Já referimos atrás, de modo geral, qual o conteúdo que, nos termos da lei, esse contrato deve ter. Ora, quando regula esse conteúdo, o artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 194/2009 estabelece em especial, no seu n.º 4, que “o contrato de gestão delegada pode definir obrigações da entidade delegante quanto ao financiamento da prestação dos serviços delegados através da atribuição de subsídios ou outras transferências financeiras, nos termos do artigo 25.º”.
Por sua vez, o artigo 25.º, sob a epígrafe “Subsídios da entidade delegante à empresa municipal delegatária”, prescreve que, caso haja subvenção da prestação dos serviços de interesse geral a cargo da empresa municipal delegatária, por parte da entidade delegante, a mesma obedece ao regime que regula as transferências financeiras necessárias ao financiamento anual da actividade de interesse geral, devendo constar do contrato de gestão delegada.
Ora, o regime das transferências financeiras necessárias ao financiamento das empresas locais que prestem serviços de interesse geral consta designadamente do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012.
Nesse sentido, bem se compreende a posição do Ministério Público quando afirma que resulta da regra de compatibilização estabelecida no artigo 69.º da Lei n.º 50/2012 que “as transferências financeiras necessárias ao financiamento anual da actividade de interesse geral têm de obedecer ao regime regulado nos n.ºs 3 e 4 do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012, por expressa remissão do artigo 25.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto. É o que resulta da interpretação sistemática destes dois artigos.”
Há inequivocamente necessidade de compatibilizar os regimes dos dois diplomas.
De ambos resulta que não há delegação de serviços municipais nem transferências financeiras do município para empresas locais sem contratos que as suportem e em ambos se estabelecem regras para esses contratos. Na área que ora nos importa, os artigos 69.º da Lei n.º 50/2012 e 25.º do Decreto-Lei n.º 194/2009 impõem que se observem todas as regras especiais do Decreto-Lei 194/2009, a par das regras gerais da Lei n.º 50/2012 que por aquele decreto-lei não sejam prejudicadas.
Significa isto que entre o município e a empresa deve ser celebrado um contrato de gestão delegada por dez anos que regule, além do mais, as necessidades e critérios do financiamento municipal da empresa, critérios que devem respeitar tanto as regras especiais previstas no Decreto-Lei n.º 194/2009 como as regras gerais da Lei n.º 50/2012 que com aquelas não sejam incompatíveis.
E significa também que a atribuição anual dos subsídios deve constar de contrato programa, a celebrar nos termos do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012, que se conforme com a legislação aplicável e com os termos do contrato de gestão xxxxxxxx0. Analisaremos alguns desses termos mais à frente.
II.3. Da sujeição a fiscalização prévia
Antes de prosseguirmos na análise da legalidade do contrato face ao regime legal que acabámos de estabelecer, há que tratar a matéria da sua sujeição a fiscalização prévia, uma vez que ela vem suscitada no recurso.
O recorrente vem invocar que, sendo o contrato em apreciação um contrato de gestão delegada regulado no Decreto-Lei n.º 194/2009, nada obriga à sua fiscalização prévia pelo Tribunal de Contas (vide alegações 9 a 11 da petição de recurso). Considera o recorrente que, em primeiro lugar, o diploma que regula o contrato não estabelece essa obrigatoriedade para aquele modelo contratual, em segundo lugar, que o contrato apenas delega serviços numa empresa municipal e, em terceiro, que ele não se subsume a nenhum dos tipos legais previstos no artigo 46.º da LOPTC.
Neste âmbito, o Ministério Público pronuncia-se no sentido de que a questão foi resolvida positivamente pelo acórdão recorrido, que, no seu entender,
6 O no n.º 4 do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012 remete, ele próprio, para uma negociação prévia dos termos das transferências financeiras a efectuar por contrato-programa, admitindo, pois, esta compatibilização de instrumentos contratuais.
exprime uma orientação jurisprudencial constante e uniforme nesta matéria (ver por todos o Acórdão n.º 2/2012, de 7 de Janeiro, do Plenário da 1.ª Secção).
De facto, no acórdão de 1.ª instância afirma-se com clareza que há lugar a fiscalização prévia atendendo a que, para além de celebrado por entidade sujeita à jurisdição e poderes de controlo do Tribunal de Contas, de abrangido pela competência material essencial deste Tribunal tal como definida nos artigos 2.º, n.º 1, alínea c), e 5.º, n.º 1, alínea c), da LOPTC e de gerador de uma despesa superior ao limiar legal para essa fiscalização, o contrato programa em causa traduz substancialmente uma aquisição de serviços de recolha de resíduos sólidos urbanos, de manutenção geral da higiene e limpeza do município e ainda de gestão do seu canil/gatil, mediante o pagamento de uma contrapartida. Assim, concluiu-se que, traduzindo o contrato efectivamente uma prestação/aquisição de serviços ou, em geral, aquisições patrimoniais, está sujeito a controlo prévio deste Tribunal, por força da alínea
b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 46.º e do artigo 48.º da LOPTC, conjugados com o artigo 145.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
Nada do que o recorrente veio alegar é suficiente para contrariar este entendimento.
Como tem sido afirmado em vários arestos deste Tribunal, o regime jurídico da actividade empresarial pública local impõe que quaisquer transferências financeiras para as empresas municipais, destinadas ao respetivo financiamento, estejam necessariamente associadas a contrapartidas de serviço público, obrigatoriamente sujeitas a uma contratualização.
Desse modo, os contratos que titulem a atribuição municipal a empresas locais de indemnizações compensatórias, de subsídios à exploração, de subsídios a políticas de preços ou de subvenções à prestação de serviços de interesse geral (conforme os casos), designados de contratos programa, de contratos de gestão ou outros, são sempre substancialmente idênticos na sua natureza. Regulam substancialmente a prestação de serviços públicos em condições sinalagmáticas e a correspondente remuneração.
Tanto basta, no entender deste Tribunal, para que se enquadrem na tipologia estabelecida na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 46.º da LOPTC e, consequentemente, estejam sujeitos a controlo prévio do Tribunal de Contas se atingirem o limiar de valor necessário.
Já vimos acima que, ao contrário do que o recorrente pretende, o contrato celebrado não é um contrato de gestão delegada. No entanto, mesmo que o
fosse, nada se alteraria nesta matéria. Um contrato pelo qual um município delega serviços numa empresa municipal é um contrato pelo qual o município adquire esses serviços à empresa e um contrato através do qual se regula o modo como esses serviços serão prestados pela empresa ao município, incluindo as respectivas contrapartidas financeiras.
II.4. Da compensação financeira fixada
a) Critérios utilizados
Como resulta do texto contratual e de todo o processo de primeira instância, a principal motivação para a celebração do contrato remetido a este Tribunal é a atribuição pelo Município de Braga de uma compensação financeira à AGERE, em contrapartida dos serviços a prestar pela empresa ao município no ano de 2013 relativamente à recolha dos resíduos sólidos urbanos e de manutenção geral da higiene e limpeza na área do município e, ainda, de gestão do canil/gatil municipal.
Esta compensação visa fazer face ao défice gerado pela exploração das actividades de higiene e limpeza urbana e canil/gatil municipal, em resultado dos montantes não recebidos no decorrer dessas actividades por virtude da prática de preços ou tarifas sociais e reduzidas.
A questão que esteve na base da recusa de visto e que suscitou a maioria das alegações de recurso relaciona-se com os critérios de cálculo dessa compensação financeira.
De acordo com a factualidade fixada na 1.ª instância, o valor da transferência financeira a operar foi calculado em função da estimativa dos custos directos e indirectos das actividades em causa, acrescidos de uma percentagem de 5% (cinco por cento), deduzidos da estimativa das receitas respectivas. Este critério foi acordado entre o município e os parceiros privados que participam no capital da AGERE, em acordo parassocial entre eles celebrado.
Em 1.ª instância, tal como em recurso, informa-se que a referida margem de 5% se destina a remunerar o capital accionista.
Das estimativas apresentadas relativas à área de negócio que inclui a recolha de resíduos sólidos urbanos, a varredura, o canil e os sanitários públicos resulta para 2013:
Um montante total de custos de € 9.335.899,08
Uma margem de 5% sobre os custos de € 466.794,95
Um montante total de proveitos de € 6.762.117,48
Uma diferença entre custos e proveitos de € 2.573.781,60
Um montante de € 3.040.576,56 para a transferência a atribuir, correspondente à soma da diferença entre custos e proveitos com a margem de 5% sobre os custos.
Todos os valores serão objecto de correcção após o encerramento anual das contas da empresa.
Ficou ainda provado em 1.ª instância que o valor do resultado líquido total previsto para a AGERE em 2013 é positivo, mesmo sem este subsídio à exploração.
b) Aspectos controvertidos
Na decisão recorrida e no recurso interposto discutem-se vários aspectos relacionados com os critérios utilizados no cálculo do subsídio:
Observância do critério legal para determinação do subsídio;
Possibilidade de ele incluir uma componente autónoma destinada à remuneração de capitais investidos;
Possibilidade de atribuição da compensação numa situação em que o resultado líquido da empresa é positivo, mesmo sem essa compensação.
c) Critério legal de determinação do subsídio
Deve reconhecer-se que a lei é pouco clara nesta matéria.
E deve também observar-se que, não obstante o contrato se ter apresentado fundamentado apenas no artigo 47.º da Lei n.º 50/2012 e de o acórdão recorrido ter decidido apenas com referência a esta norma legal, o Decreto- Lei n.º 194/2009 contém algumas normas relevantes que devem ser tidas em conta.
Da norma geral constante do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012 verifica-se que se permite a atribuição de subsídios à exploração às empresas locais que prestem serviços de interesse geral, estando os serviços de gestão de
resíduos urbanos e de limpeza pública definidos como serviços de interesse geral no artigo 45.º.
Os princípios orientadores da prestação dos serviços de interesse geral, definidos no artigo 46.º da Lei n.º 50/2012, tal como os princípios gerais de prestação das actividades especificamente reguladas no Decreto-Lei n.º 194/2009, definidos no seu artigo 5.º, incluem a necessidade de os serviços de interesse geral serem prestados aos cidadãos em condições de generalidade, universalidade, igualdade no acesso, continuidade e condições financeiras equilibradas, adaptadas às reais situações dos utilizadores.
As obrigações de serviço público não afastam a possibilidade de cobrar os serviços aos utilizadores, mas determinam que eles sejam oferecidos “ao menor custo”, garantindo a igualdade e universalidade no acesso e em condições financeiras adaptadas às situações dos utilizadores.
O artigo 47.º da Lei n.º 50/2012 consente que, nestas actividades de interesse geral, possam ser aplicadas políticas de preços das quais decorram receitas inferiores aos custos.
É óbvio que estas condições podem gerar défices de exploração das actividades de interesse geral, situação que justifica a subsidiação desses défices.
A questão está em saber como se calculam esses défices e esses subsídios.
Os n.ºs 3 e 4 do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012 afirmam que nas actividades em causa só podem ser praticados preços dos quais decorram receitas operacionais anuais inferiores aos custos anuais quando:
Xxxx uma justificação objectiva para isso, obviamente fundada no interesse geral;
Se adoptem sistemas de contabilidade analítica que permitam apurar a diferença entre o desenvolvimento da actividade a preços de mercado e o desenvolvimento assente no preço subsidiado;
Tenha existido uma negociação prévia com as entidades públicas participantes dos termos que regulam as transferências financeiras necessárias ao financiamento anual da actividade de interesse geral.
Estas regras parecem permitir intuir, como foi feito em 1.ª instância, que o financiamento anual da actividade de interesse geral deve permitir cobrir os respectivos custos anuais até ao montante que corresponderia às receitas
operacionais resultantes do desenvolvimento da actividade a preços de mercado.
Só que esta conclusão encerra várias dificuldades:
O que deve ser compensado é apenas a diferença entre as receitas operacionais e os custos anuais ou, antes, a diferença entre as receitas operacionais efectivas e aquelas que resultariam da aplicação de preços de mercado?
E o que são, para este efeito, os preços de mercado? Será que, como se refere no ponto 14 da decisão recorrida, “na determinação do preço de mercado terá naturalmente de ter-se em conta a remuneração de todos os factores de produção, incluindo o capital investido”?
Tanto os diplomas que vimos citando, como outros relativos à actividade autárquica, permitem que sejam aplicadas taxas, tarifas ou preços relativamente aos serviços prestados. Quer o artigo 16.º da ainda vigente Lei das Finanças Locais (Lei n.º 2/2007) quer o artigo 21.º da nova lei que estabelece o regime financeiro das autarquias locais, que entrará em vigor em 1 de Janeiro de 2014 (Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro), são coincidentes quando dizem que os preços e demais instrumentos de remuneração a fixar por serviços municipais prestados não devem ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com a prestação desses serviços. Esses custos são medidos em situação de eficiência produtiva e, quando aplicável, de acordo com as normas de regulamento tarifário. Os mesmos artigos referem que, relativamente às actividades de exploração de sistemas municipais de gestão de resíduos devem existir regulamentos tarifários.
O Decreto-Lei n.º 194/2009 traz ainda elementos adicionais a esta problemática.
Os seus artigos 20.º e 23.º estipulam que o contrato de gestão delegada a celebrar entre um município e uma empresa local delegatária de serviços de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas, de gestão de resíduos urbanos e de limpeza urbana, deve definir as tarifas a aplicar pela empresa municipal e a sua trajectória de evolução temporal.
Os artigos 20.º, n.º1, alínea c), e 21.º consagram que a trajectória tarifária deve permitir uma adequada remuneração dos capitais próprios dos accionistas e que o contrato de gestão delegada deve conter as regras de
determinação da taxa de remuneração desses capitais bem como da sua taxa de incidência. Mais estipula o artigo 21.º qual é o valor do capital próprio que é objecto de remuneração e diz o n.º 3 desse artigo que “ a taxa de remuneração de referência a aplicar ao capital previsto no número anterior corresponde ao valor mais recente da taxa de juro sem risco, à data dos estudos que fundamentam a criação da empresa municipal delegatária, ou outra equivalente que a venha a substituir, acrescida de prémio de risco definido no contrato de gestão delegada.”
O artigo 29.º do mesmo diploma regula a revisão do contrato de gestão delegada e contém, igualmente, regras detalhadas sobre como regular e estimar a remuneração do capital accionista e as revisões da trajectória tarifária.
Face a todos estes preceitos legais, parece que os preços não subsidiados a fixar por serviços municipais e pelas empresas locais delegatárias dos serviços que nos ocupam podem situar-se entre o montante necessário a remunerar os custos directos e indirectos da actividade e o montante desses custos acrescido de uma componente que permita, anualmente, remunerar os capitais próprios dos accionistas. São esses os preços a considerar para efeitos de cálculo do subsídio? E em que posição desse intervalo?
Deve, ainda, acrescentar-se que o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 194/2009 consagra que os subsídios do município à empresa municipal delegatária para financiar a prestação de serviços de interesse geral podem ser condicionados, minorados ou até majorados conforme o grau de desempenho da empresa municipal delegatária na concretização dos objectivos contratados relativos, designadamente, a qualidade de serviço, produtividade e eficiência, sempre de acordo com os termos do contrato de gestão delegada.
Parecem, assim, ser várias as hipóteses legais.
d) Regime comunitário dos auxílios estatais
Quer em sede de argumentação produzida pela autarquia em 1.ª instância, quer em sede de decisão do processo, quer em sede de recurso, foram avançados argumentos baseados no regime comunitário e na jurisprudência europeia sobre os auxílios estatais às empresas e as condições da sua conformidade com os tratados europeus.
A legislação nacional impõe expressamente a observância dos princípios e regras estabelecidos na matéria. Nos termos do artigo 34.º, n.ºs 2 e 3, da
Lei n.º 50/2012, os fluxos financeiros entre as empresas locais e as entidades participantes no seu capital social devem garantir o cumprimento das exigências nacionais e comunitárias em matéria de concorrência e auxílios públicos e quaisquer excepções à proibição destes auxílios, baseadas na realização de missões de serviços de interesse económico geral, devem ser devidamente justificadas e respeitar os pressupostos dos regimes derrogatórios especiais. Como se referiu em 1.ª instância, são relevantes a Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio, os artigos 106.º e 107.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia bem como diversos acórdãos do Tribunal de Justiça da União e decisões e comunicações da Comissão Europeia, todos identificados no acórdão recorrido e para os quais se remete.
Os pressupostos para a admissibilidade das compensações de serviço público resultantes daqueles instrumentos foram largamente explanados em 1.ª instância e em recurso. Sem necessidade de repetir tudo o que nessas sedes se referiu a respeito, importa atender ao essencial que deles emana e que é o seguinte:
Nem a lei nacional nem a lei comunitária são prescritivas ou explícitas quanto à exacta forma de calcular o montante dos subsídios públicos a atribuir para compensar a prestação de serviços de interesse geral;
É, no entanto, seguro que os parâmetros de cálculo da compensação devem ser estabelecidos de forma prévia, objectiva e transparente;
O objectivo a realizar é também claro: assegurar que não é atribuída uma compensação excessiva, desnecessária à gestão do serviço de interesse geral e que possa atribuir uma vantagem económica susceptível de favorecer a empresa beneficiária relativamente a eventuais concorrentes;
Não é considerado excessivo que sejam cobertos os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as receitas obtidas, assim como um lucro razoável;
Por lucro razoável entende-se a taxa média de rendibilidade do capital que seria exigida por uma empresa média que ponderasse a prestação do serviço, ao longo da totalidade do período de atribuição, tendo em consideração o nível de risco;
Os critérios de determinação e cálculo desse lucro devem estar estabelecidos;
É necessário que se avalie a necessidade da compensação para a gestão do serviço de interesse geral;
Se a empresa prestar vários serviços de interesse económico geral a compensação não pode ser excessiva no que se refere a cada um desses serviços.
e) Remuneração dos capitais próprios dos accionistas
O acórdão recorrido considerou que o subsídio, ao incluir uma componente autónoma destinada à remuneração dos capitais investidos, se afastou do disposto no artigo 47.º, n.º 3, da Lei n.º 50/2012.
Mas o acórdão também foi dizendo que na determinação do preço de mercado deve ter-se em conta a remuneração de todos os factores de produção, incluindo o capital investido, e que a própria legislação, doutrina e jurisprudência comunitária admite que as compensações de serviço público cubram os custos ocasionados pelo cumprimento das correspondentes obrigações, acrescidos de um lucro razoável. Como entendeu o Ministério Público, no seu parecer, não se vislumbra do acórdão qualquer juízo de negação do direito subjectivo à obtenção de um lucro adequado/razoável no exercício da actividade em causa, pelo contrário.
Como vimos na alínea c), o disposto nos artigos 20.º e 21.º do Decreto-Lei n.º 194/2009 também reconhece a necessidade de remunerar os capitais próprios dos accionistas.
Não há, pois, dúvida de que esta remuneração deve ter lugar.
A questão está apenas em determinar se a forma como essa remuneração foi estabelecida no contrato programa foi adequada.
f) Análise da conformidade do subsídio atribuído com os respectivos requisitos
Face a tudo o que acima se referiu, a análise da conformidade do subsídio com os respectivos pressupostos tem de permitir concluir que o mesmo subsídio:
Obedece a critérios determinados de forma prévia, objectiva e transparente. Nos termos dos artigos 17.º, 20.º e 25.º do Decreto-Lei
n.º 194/2009, esses critérios devem constar de um obrigatório contrato de gestão delegada;
Não implica a remuneração da actividade a um nível superior àquele que resultaria da sua prestação a preços de mercado, como resulta do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012, o que implica a correspondente demonstração;
Não origina uma remuneração dos capitais investidos a um nível superior ao razoável. Os n.ºs 2 e 3 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 194/2009 estabelecem a forma como se determina, no caso, a remuneração desses capitais e o n.º 1, alínea c), do artigo 20.º do mesmo diploma impõe que as regras para essa determinação constem do contrato de gestão delegada;
Não excede o estritamente necessário à gestão do serviço de interesse geral em causa.
g) Definição prévia dos critérios de determinação do subsídio
Conforme estabelecido no ponto I.3.c) do acórdão recorrido, os critérios de cálculo do subsídio resultaram de obrigação assumida na cláusula 7.ª do acordo parassocial celebrado entre o Município de Braga e os parceiros privados que participam no capital da AGERE.
Ora, tal acordo regula a relação entre o município e os restantes sócios da empresa e não a relação entre o município e a empresa. Tal relação, como já vimos, deve ser regulada por um contrato de gestão delegada, que deve dispor sobre os critérios de determinação das subvenções a pagar pela autarquia à empresa num horizonte de dez anos.
Não se prova a existência desse contrato de gestão delegada nem a conformidade do subsídio com as regras que nele deviam dispor sobre a matéria.
Foi, pois, incumprido o disposto nos artigos 17.º, 20.º, n.º 4, e 25.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 194/2009.
h) Demonstração de que o subsídio não excede a diferença entre as efectivas receitas operacionais anuais e as que resultariam do desenvolvimento da actividade a preços de mercado
O efectivo fundamento de recusa de visto constante do acórdão de 1.ª instância foi a não demonstração de que o concreto subsídio atribuído corresponde à diferença entre o desenvolvimento da actividade a preços de mercado e o desenvolvimento assente no preço subsidiado.
Mesmo abordando outras questões, o acórdão considera a final que todas elas deveriam ser reconduzidas e absorvidas nesta demonstração, que não foi feita.
Sendo este um critério legal a cumprir, nos termos do artigo 47.º, n.º 3, da Lei n.º 50/2012, confirma-se que, em momento algum, se faz esta demonstração, pelo que se confirma o juízo nesta parte formulado em 1.ª instância.
i) Demonstração de que a remuneração dos capitais investidos não excede uma taxa razoável e a alegada omissão de pronúncia
Como vimos acima, tanto a lei nacional como o direito e a jurisprudência da União Europeia aceitam que a remuneração dos serviços de interesse geral incluam a remuneração dos capitais accionistas.
No acórdão recorrido entendeu-se que os poderes e metodologias de fiscalização prévia não permitem avaliar se o montante previsto de remuneração dos capitais investidos corresponde a um “lucro razoável” para efeitos de aplicação das regras comunitárias. Alega o recorrente que, ao fazê-lo, o Tribunal deixou por decidir a questão essencial dos autos, incorrendo em “omissão de pronúncia”.
No entanto, uma leitura atenta do acórdão permite perceber que o que não cabe ao Tribunal em sede de fiscalização prévia fazer é a determinação quantitativa do que deve ser esse lucro razoável. Essa é uma matéria que cabe ao município demonstrar.
É efectivamente o município que deve esclarecer que a parcela que foi dedicada à remuneração dos capitais investidos corresponde a um “lucro razoável” para efeitos da regulamentação comunitária e a uma legítima componente daquele que seria o preço de mercado da actividade.
O fundamento da recusa de visto foi a circunstância de o município não ter feito essa necessária demonstração.
Não houve, pois, qualquer omissão de pronúncia.
Mas, nesta matéria, e para além do aspecto referido, que, de resto, se mantém, importa acrescentar o que resulta da legislação especial aplicável (Decreto-Lei n.º 194/2009).
De acordo com este diploma, a remuneração desses capitais deve respeitar os critérios gerais definidos no artigo 21.º, n.ºs 2 e 3, e obedecer aos critérios específicos constantes do contrato de gestão delegada para um período de dez anos, como exige o artigo 20.º, n.º 1, alínea c).
Ora, nem há contrato de gestão delegada nem se faz qualquer demonstração de que a remuneração dos capitais accionistas se conforma, no caso, com os critérios definidos no artigo 21.º, n.ºs 2 e 3 do decreto-lei referido.
Mas há, ainda, outros aspectos a analisar.
Seria suficiente que se demonstrasse que a percentagem de 5% dedicada a essa remuneração e aplicada sobre os custos das actividades de recolha de resíduos sólidos urbanos, de higiene e limpeza urbana e de gestão do canil se ajusta aos critérios gerais de determinação da taxa de remuneração definidos no artigo 21.º, n.º 3?
Na nossa opinião não seria.
O que o artigo 21.º, n.º 2, determina é que aquilo que é objecto de remuneração é o valor do capital próprio apurado no início de cada exercício económico, deduzido do valor de reservas de reavaliação e do valor de capital social subscrito mas ainda não realizado nessa data.
Ora, esta base de incidência não tem qualquer correspondência com o critério utilizado no caso concreto, em que a percentagem incidiu sobre os custos das actividades.
Acresce que a remuneração do capital é calculada na globalidade, enquanto que a percentagem aplicada no caso incidiu sobre os custos de uma parcela apenas da actividade da empresa, sem considerar a remuneração dos capitais já proveniente da actividade rentável da empresa.
Ou seja, a demonstração de que a remuneração dos capitais investidos se conforma com o critério legal e razoável implicaria a consideração da remuneração proveniente da parte rentável da actividade da empresa e a demonstração de que, a final e relativamente a todo o capital determinado nos termos do n.º 1, alínea c), do artigo 20.º e do n.º 2 do artigo 21.º, não seria excedida a remuneração global admissível.
Por outro lado, uma análise cuidada do regime legal (em especial dos artigos 20.º, 21.º, 23.º e 29.º do Decreto-Lei n.º 194/2009) evidencia que o mesmo determina que as tarifas a cobrar pela empresa são estabelecidas de modo a assegurar a adequada remuneração do capital accionista de acordo com os critérios legais.
Afirma, designadamente, o n.º 1 do artigo 21.º daquele diploma ( invocado, aliás, no ponto 18 das alegações de recurso) que “a trajectória tarifária prevista no contrato de gestão delegada deve permitir previsionalmente que, no decurso de cada período vinculativo, os accionistas aufiram a adequada remuneração dos capitais próprios”.
Este mesmo princípio constava já do artigo 5.º, n.º 1, alínea f), do Decreto- Lei n.º 147/95, de 21 de Junho, vigente antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 194/2009, também para a fixação de tarifas.
Ora, se as tarifas devem ser fixadas de modo a assegurar a adequada remuneração do capital investido isso significa que o instrumento previsto na lei para a remuneração desse capital são as tarifas cobradas aos utilizadores e não as transferências financeiras da entidade pública participante.
Para além disso, nos casos em que efectivamente as empresas cobram tarifas que conduzem a um resultado líquido positivo, como acontece nesta empresa, as quais terão de ter sido calculadas de modo a remunerar os capitais accionistas, incluir uma remuneração com o mesmo fim nos subsídios às actividades não tarifadas ou insuficientemente tarifadas poderá corresponder a uma remuneração duplicada e excessiva.
Por último, e tendo presente o quadro de proveitos e custos constante do ponto I.4.c) do acórdão recorrido que a seguir se reproduz, verificamos que a actividade de recolha de resíduos sólidos urbanos não é sequer deficitária, sendo os respectivos proveitos superiores aos custos. Será que nessa actividade foram cobrados preços e que eles incluíram, nos termos da lei, uma parcela destinada a remunerar capitais investidos?
Ora, verifica-se que, apesar disso, foi ainda apurada uma percentagem de 5% sobre os custos desta actividade e adicionado o respectivo valor ao subsídio a atribuir à AGERE.
Ano de 2013 | ||||||
RECOLHA RSU | VARREDURA | CANIL | Sanitários | Total Geral | ||
PROVEITOS | 6.725.382,18 | 26.594,74 | 8.943,20 | 1.197,37 | 6.762.117,48 | |
VENDAS + Prestações Serviços | 6.448.075,62 | 0,00 | 8.260,92 | 0,00 | 6.456.336,54 | |
OUTROS PROV. GANHOS OPERACIO | 270.692,90 | 17.915,11 | 429,63 | 864,77 | 289.902,40 | |
SUBSÍDIOS À EXPLORAÇÃO | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | |
Repartição de outros proveitos indiretos | 6.613,66 | 8.679,63 | 252,65 | 332,60 | 15.878,53 | |
CUSTO | -6.014.589,26 | -3.078.228,64 | -95.905,22 | -147.175,95 | -9.335.899,08 | |
DIRECTOS OPERACIONAIS | -4.770.792,93 | -1.815.501,47 | -59.243,23 | -98.294,64 | -6.743.832,27 | |
OUTROS CUSTOS DIRECTOS | -319.309,62 | -49.450,12 | -1.345,52 | -2.388,75 | -372.494,02 | |
INDIRECTOS | -924.486,71 | -1.213.277,05 | -35.316,47 | -46.492,56 | -2.219.572,79 | |
Total Geral | 710.792,92 | -3.051.633,90 | -86.962,02 | -145.978,58 | 2.573.781,60 | |
Margem 5% sobre custos e Limpeza Estimativa anual do Contrato-programa para 2013 | 466.794,95 3.040.576,56 |
Tipo Descrição
Observe-se, aliás, que o próprio acordo parassocial, na parte transcrita no ponto I.3.c) do acórdão de 1.ª instância, só previa a compensação dos défices gerados nas actividades de higiene e limpeza e do canil/gatil e a aplicação da percentagem de 5% aos custos dessas actividades.
Assim, sem prejuízo da inadequação destes critérios, parece, de qualquer modo, que a concreta determinação do subsídio nem sequer os respeitou.
Por tudo o que se referiu, verifica-se que não foi minimamente demonstrado que foram cumpridos os critérios legais de remuneração dos capitais accionistas e que, consequentemente, a parcela do subsídio destinada a essa remuneração carece de adequada fundamentação.
j) Demonstração da necessidade do subsídio para a gestão do serviço de interesse geral em causa
É liquido que a AGERE foi constituída para a satisfação de necessidades de interesse geral.
O seu objecto social7 enquadra-se nas alíneas c), d) e e) do artigo 45.º da Lei n.º 50/2012 e nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 e n.º 5 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 194/2009: abastecimento público de água, saneamento de águas residuais urbanas e gestão de resíduos urbanos e limpeza pública.
7 Vide ponto I.3.b) do acórdão recorrido.
Devemos entender que estamos perante um ou vários serviços de interesse geral?
As normas referenciadas permitem que as referidas actividades sejam desenvolvidas ou atribuídas tanto conjunta como separadamente, podendo, por hipótese, cada uma delas ser atribuída a uma diferente empresa ou ser desenvolvida em modalidades de gestão diferentes: directamente, por delegação ou por concessão8.
Atenta a permissão legal e a autonomia das actividades, não temos dificuldade em considerar que estamos perante vários serviços de interesse geral.
O recorrente invoca nas suas alegações de recurso que resulta do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012 que uma empresa que desenvolva simultaneamente mais de uma actividade fica sujeita a uma repartição sectorial de objectivos, de avaliação e de preços, tendo, consequente ou concomitantemente, de adoptar sistemas de contabilidade analítica autónomos, daí resultando poder haver subsídios à exploração nuns sectores e esses subsídios não se justificarem noutros sectores.
Mais considera que tal solução se impõe também por razões de transparência financeira, de modo a que a demarcação sectorial de objectivos e a inerente contabilidade separada assegurem que a dinâmica financeira contratual ou a execução financeira do contrato decorra com inteira transparência em relação a cada sector de actividade, evitando-se a confusão ou miscigenação contabilístico-financeira entre sectores ou actividades.
Por isso, conclui o recorrente que a margem de 5% em causa na situação sub iudice tem, por força do regime do artigo 47.º da Lei n.º 50/2012, de ser objecto de um enquadramento sectorial.
Consideramos que, podendo estar em causa a aplicação da taxa de remuneração do capital accionista por sectores de actividade, a questão é também a de saber se o apuramento do défice de exploração e da necessidade do subsídio deve ser feito em termos de sectores de actividade ou em termos dos resultados globais da empresa.
A este respeito, o Ministério Público defendeu que, não obstante a necessidade da transferência financeira poder surgir num determinado sector, o teor dos artigos 21.º e 25.º do Decreto-Lei n.º 194/2009 e 47.º da
8 Vide artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 194/2009.
Lei n.º 50/2012 aponta para que as transferências financeiras anuais, a título de subvenções públicas, tenham uma dimensão global ou integral, uma vez que se destinam ao financiamento anual da actividade e se devem alinhar com os objectivos estratégicos da empresa e tendo também em atenção que a remuneração do capital accionista se reporta ao todo e não à parte.
Nesta matéria deve, ainda, recuperar-se o exposto nos pontos 27, 29 e 30 do acórdão de 1.ª instância, quando nele se refere que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e a doutrina da Comissão Europeia preveem que o limite da compensação seja a medida do necessário para cobrir total ou parcialmente os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviços público e que sempre que uma empresa seja encarregada de vários serviços de interesse económico geral as suas contas internas devem permitir verificar a ausência de uma compensação em excesso no que se refere a cada um dos serviços.
Não há dúvida de que a situação impõe a adopção de sistemas de contabilidade analítica, a qual visa, entre outros objectivos, e através de centros de custos, uma evidenciação dos custos de concretos produtos e serviços e a justificação de preços e taxas.
Consideramos que as normas legais e contabilísticas aplicáveis e as orientações europeias permitem a leitura feita pelo recorrente, mas deve também atender-se, na linha do que refere o Ministério Público e como já atrás aludimos, a que a lei também impõe que o cálculo da remuneração accionista se faça com base no capital global e de forma igualmente global.
Neste sentido, não basta invocar, como faz o recorrente, que a necessidade de definição de objectivos sectoriais e a obrigatoriedade da adopção de sistemas de contabilidade analítica impõem uma aplicação sectorial da taxa de remuneração dos capitais próprios. O que estes instrumentos impõem é tão só uma análise contabilística separada de cada uma das actividades para que os seus resultados sejam evidentes e avaliáveis.
No final, e nos termos do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 194/2009, a remuneração do capital accionista é efectuada na globalidade e, em princípio, com base nas receitas provenientes das tarifas (que, no caso, conduzem a um resultado positivo global). Por isso, deve verificar-se, nos termos já referidos na alínea anterior, se, em termos globais, a remuneração accionista é conforme às regras aplicáveis.
Mas, para além disso, as cautelas necessárias a garantir que a compensação financeira pública não seja excessiva impõem que, a par de verificar que a subvenção é estritamente necessária à gestão da actividade sectorial deficitária, se confirme também que esse défice não é, de algum modo, financiado pelos proveitos de outros sectores. Sobretudo em casos, como o presente, em que na mesma empresa coexistem várias actividades de prestação de serviços gerais e o resultado global é positivo.
Ou seja, a demonstração e aferição do cumprimento do pressuposto relativamente ao sector de actividade considerado pressupõe a verificação simultânea de como se formaram os proveitos nos outros sectores de actividade da empresa, para garantir que, por essa via, não se cria uma compensação desnecessária e excessiva.
O regime consagrado nos artigos 17.º, 20.º, 21.º e 25.º do Decreto-Lei n.º 194/2009 visa, precisamente, garantir esta visão global. Sem prejuízo da admissão e conveniência de proceder a cálculos de natureza sectorial, estes preceitos apontam para que haja também uma visão e uma definição de critérios de natureza global, com a inclusão no contrato de gestão delegada de todo o regime que fundamente as transferências financeiras necessárias ao financiamento anual e global da empresa num horizonte temporal alargado e em conjunto com a trajectória tarifária e com o regime de remuneração dos capitais. Saliente-se que, nos termos das referidas normas, o contrato de gestão delegada, para além de definir previsões para 15 anos, estabelece vinculações a 5 anos tanto para tarifas como para transferências.
Não se fundamentando nessas análises e critérios globais que deveriam constar de um contrato de gestão delegada nem contendo a necessária demonstração de que o montante do subsídio estabelecido é integralmente necessário à gestão do serviço de interesse geral em causa, também por esta via se deve concluir que o contrato em análise é ilegal.
II.5. Conclusões
Do exposto conclui-se que:
Como se referiu no ponto II. 2, o acórdão de 1.ª instância não incorreu em erro de julgamento quanto à qualificação do contrato e ao respectivo enquadramento legal;
Pelas razões constantes do ponto II.3, o contrato submetido a este Tribunal para fiscalização prévia está efectivamente sujeito a esta modalidade de controlo, nesta parte se confirmando o acórdão recorrido;
Como explicitado no ponto II.4, não foi feita a necessária demonstração de que o contrato programa e o subsídio por ele atribuído à AGERE se conformam com os respectivos pressupostos legais, constantes do artigo 47.º, n.º 3, da Lei n.º 50/2012 e, ainda, dos artigos 17.º, 20.º, 21.º e 25.º do Decreto-Lei n.º 194/2009, entre os quais se contam a conformidade com critérios definidos num contrato de gestão delegada que, no caso, não existe. Nesta parte igualmente se confirma o decidido em 1.ª instância, embora com fundamentos jurídicos acrescidos;
O acórdão recorrido não traduziu qualquer omissão de pronúncia, pois a demonstração do cumprimento de todos aqueles requisitos cabe aos outorgantes do contrato e à entidade fiscalizada, com base, designadamente, em todos os dados contabilísticos, económicos e financeiros necessários;
As normas violadas têm natureza financeira e as ilegalidades praticadas podem ter alterado o resultado financeiro do contrato, verificando-se, assim, tal como indicado em 1.ª instância, os fundamentos de recusa de visto previstos nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC.
III. DECISÃO
Assim, pelos fundamentos expostos, acorda-se em Plenário da 1ª Secção em negar provimento ao recurso, mantendo a recusa de visto ao contrato.
São devidos emolumentos nos termos da al. b) do n.º 1 do artº 16° do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, anexo ao Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de Maio.
Lisboa, 26 de Novembro de 2013
Os Juízes Conselheiros,
(Xxxxxx Xxxxx Xxxxx - Relatora)
(Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx)
(Xxxx Xxxxxx Xxxxxxx)
O Procurador-Geral Adjunto
(Xxxx Xxxxxxx)