Contrato de Compra e Venda
2017/2018
DIREITO DOS CONTRATOS I
Regência do Prof. Xxxxx Xxxxxxxxxxx
MAFALDA MALÓ
FACULDADE DE DIREITO
Universidade de Lisboa
A Compra e Venda no Direito Vigente
1. Noções e Aspetos Gerais
O contrato de compra e venda despenha uma importante função económica: apesar de tudo, nada impede que este tipo de contrato seja usado para finalidades diferentes daquilo que estaria, originariamente, pensado.
No Código Civil de 1966 encontra-se regulado nos artigos 874º a 939º: de acordo com a sistematização, este tipo de contrato comporta 4 blocos distintos.
1. Secções I e II: noções gerais.
2. Secções III e XVII a X: modalidades.
3. Secções IV, V, VI: perturbações.
4. Secção XI: aplicabilidade das normas relativas à compra e venda a outros contratos onerosos.
Partindo para a noção de compra e venda, prevista no artigo 874º, é possível distinguir dois elementos essenciais, que correspondem aos dois efeitos essenciais da compra e venda (879º):
a) Efeito real: transferência da propriedade de uma coisa ou direito (transferência da titularidade de um direito).
b) Efeitos obrigacionais:
a. Obrigação de pagamento do preço.
b. Obrigação (pendente) sobre o vendedor de entregar a coisa vendida.
Dentro destes limites estabelecidos pelo Código, o fundamental é o princípio da liberdade contratual, que se encontra consagrado no artigo 405º. Note-se, no entanto, que para além destes limites “gerais”, existem outros limites respeitantes ao objeto, concorrência, proteção do consumidor.
2. Classificação do Contrato de Compra e Venda
a) Contrato típico ou nominado: vem previsto no CC e no CCom como categoria de contrato (874º do CC e 463º do CCom).
b) Fundamentalmente não formal.
c) Contrato consensual: por oposição ao contrato real quoad constitutionem; há uma obigação de entrega da coisa; o contrato surge imediatamente com o acordo de vontades.
a. Podem as partes, à luz da autonomia privada, acordar que o contrato seja real quoad constitutionem? Xxxxx Xxxxxxxxxxx entende que sim.
d) Translativo: transferência da propriedade, decorre do efeito real da compra e venda;
e) Oneroso: 237º a 612º.
f) Bilateral ou sinalagmático: a cada prestação corresponde uma contraprestação.
g) Simulataneamente obrigacional e real quoad effectum
h) De execução instantânea: os efeitos esgotam-se num só momento – o efeito translativo é imediato; a obrigação de pagar o preço e de entregar a coisa também não são delimitadas em função do tempo (exemplo: preço pago em prestações; é assumido como pago integralmente no momento da ultima prestação).
i) Comutativo: pode assumir também natureza aleatória (venda de bens futuros, frutos pendentes ou partes componentes);
j) Causal (sistema do titulo): a constituição ou modificação de direitos reais dependem da existência, validade e procedência da causa jurídica (a transferência da propriedade depende de um negócio de compra e venda válido e unitário).
a. Difere de abstração: a transmissão do direito real depende apenas da eficácia do negócio real, não havendo consequências em caso de falta de validade (corresponde ao esquema do modo).
2.1 Compra e Venda – Real ou Obrigacional?
Contrato de compra e venda de um quadro e as partes não se entendem sobre se pode haver no direito português um contrato com eficácia meramente obrigacional (um contrato com efeitos translativos posteriores).
Em relação ao problema em causa, há autores que sustentam a existência, no ordenamento jurídico português, de contratos de compra e venda de acordo com o figurino obrigacional: no Direito Civil, defendem- no Assunção Cristas e Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx; no Direito Comercial, Xxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxxxx; no Direito do Valores Mobiliários, Xxxxxxxx xx Xxxxx e Xxxx Xxxx.
A regência, no entanto, entende que à luz dos artigos 874º e 879º, não há duvida de que tem de ser sempre segundo o sistema do titulo – o seja, que não é possível haver um contrato de compra e venda com meros efeitos obrigacionais, prescindindo do efeito real decorrente do contrato. No entanto, o artigo 408º admite exceções e o 409º vem admitir a compra e venda com reserva de propriedade. Ao mencionar a existência de exceções, o artigo 408º, a regra da eficácia real dos contratos translativos ou constitutivos de direitos reais, coloca a questão de uma eventual admissibilidade de situações de compra e venda com simples eficácia obrigacional.
a) Posição da regência: não é possível, nem mesmo nos casos em que não existe coincidência entre o momento da transferência de propriedade da coisa/titularidade do direito e a altura da celebração do contrato de compra e venda – razão: o efeito translativo opera automaticamente, não carecendo de qualquer intervenção do vendedor, ainda que em momento posterior.
a. Exemplos: compra e venda de bem futuro – o efeito translativo não pode ser instantâneo porque não existe propriedade para transmitir; essa transmissão ocorrerá apenas quando a coisa for adquirida pelo alienante (408º/2). O alienante fica só obrigado a desenvolver as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos (880º/1) – dispensa-se qualquer modo para que a transmissão opere.
b. Exemplos: na compra e venda indeterminada, genérica ou alternativa, a transferência da propriedade tanto poderá depender de um ato do vendedor (539º) como verificar- se por outros meios (541º e 542º) – a transmissão dá-se com a determinação. Razão: não é um ato do vendedor que opera a transmissão, mesmo que este faça a concentração – novamente a transmissão é efeito direto e imediato (539º, 541º e 549).
c. Exemplos: venda sujeita a condição suspensa ou sujeita a termo inicial – o contrato fica paralisado nos seus efeitos, mas apenas a transferência da propriedade (o contrato tem os seus efeitos suspensos)
d. Exemplo: compra e venda de frutos naturais ou parte componente ou integrante – nestes casos a transferência verifica-se no momento da colheita ou da separação; não há qualquer obrigação de dare de que fique dependente a transferência da propriedade; não depende de nenhum ato do vendedor.
e. Exemplo: compra e venda de bens alheios – uma vez adquirida pelo vendedor a titularidade do direito ou coisa vendida, a venda consolida-se e verifica-se a transmissão para o comprador. Quando o que vende, sem a propriedade, o recupera, a propriedade transfere-se para o 3º que adquiriu ao não proprietário. A nulidade
nestes casos é atípica, porque é sanável – a transmissão é imediata, apesar de haver uma dissidência temporal.
A propósito dos valores mobiliários, algumas duvidas também se podem colocar, quanto à possibilidade de se tratar de um contrato meramente obrigacional ou, por outra, um contrato de compra e venda que combina efeitos reais e efeitos obrigacionais.
a) Xxxxx Xxxxxxxxxxx: não se trata de uma compra e venda meramente obrigacional, porque se verifica uma transferência imediata do risco para o comprador.
a. Artigo 80º CVM: a partir do momento da compra e venda em mercado, o comprador tem legitimidade para proceder à sua alienação – já é assim dono, sob pena de se estar a consagrar positivamente uma situação de venda de bens alheios.
b. 210º/1 CVM: nega que a transferência não se opere com a compra e venda – este preceito compra que os direitos patrimoniais inerentes aos valores mobiliários vendidos pertencem ao comprador desde a data da operação.
c. Os atos necessários previstos nos artigos 101º e 102º garantem, apenas, a oponibilidade perante terceiro e não condicionam a titularidade dos bens.
b) Xxxx Xxxx, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx e Xxxxxxxx Xxxxx: funciona pelo sistema do título e do modo (opinião que é seguida por alguma jurisprudência) – razão: os valores mobiliários transmitem-se pelo registo na conta do adquirente (artigo 8º/1 – CVM). Alguma justificação:
a. Os valores mobiliários ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado (artigo 101º/1 do CVM).
b. Os valores mobiliários titulados nominativos transmitem-se por declaração de transmissão, escuta no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto do intermediário financeiro que o represente (artigo 102º/1 CVM).
c. Conclusão: o que transmite estes valores não é o contrato, mas os atos acima referidos.
Semelhante dúvida se pode colocar a propósito do contrato de compra e venda comercial:
a) Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxx xx Xxxxxxxxxxx: a compra e venda comercial tem efeitos meramente obrigacionais.
a. Necessidade de certeza, segurança e celeridade no âmbito comercial, que é superior ao civil (de acordo com estes princípios, deveria ser admitida no âmbito comercial).
b. Problema: não negam a natureza real da compra e venda civil.
b) Xxxxx Xxxxxxxxxxx:
a. O sistema real é mais conforme à segurança jurídica – foi o sistema recorrido para garantir maior certeza e segurança, de acordo com os dados históricos.
b. O Código Comercial não resolve a questão, pelo que se aplicam subsidiariamente as regras civis: o contrato de compra e venda comercial nunca poderia ter mera eficácia obrigacional, tendo em conta que o contrato de compra e venda civil é real e obrigacional (simultaneamente).
Para concluir, na compra e venda civil e na compra e venda comercial não há caráter obrigacional. Entende, o Prof. Xxxxx Xxxxxxxxxxx, que o sentido de mero no artigo 408º/1 é dizer que os casos de exceção serão aqueles em que a transferência ou constituição de direitos reais é anda e apenas efeito do contrato, mas acompanhado de outro facto (a particularidade deste é não haver coincidência temporal entre o contrato e a transferência da propriedade). A regência opta por concluir que todas as modalidades de compra e venda no ordenamento jurídico português são segundo o sistema do título.
2.2 Formalidades do Contrato de Compra e Venda
O contrato de compra e venda, em regra, é meramente consensual (artigos 217º e ss.) – o que significa que não lhe serão exigidas formalidades especiais (as partes podem optar livremente). No entanto, esta regra comporta algumas exceções.
a) Imóveis: 875º, CC - escritura pública ou documento particular autenticado.
b) Cessão de quotas: 228º, Código das Sociedades Comerciais – documento escrito.
c) Compra e venda de navios e contratos celebrados ao domicílio com consumidores ou equiparados: artigo 16º do Decreto Lei 143/2001, de 26 de abril.
d) Transmissão de prédios urbanos ou frações autónomas: artigo 1º do Decreto Lei 116/08, de 4 de Julho, e artigo 9º/1, do Código de Registo Predial.
e) Registo da compra e venda de bens imóveis: artigo 5º/1 do Código de Registo Predial e 11º/1/a) do Código de Registo de Bens Móveis (é condição para a opinibilidade perante terceiros do direito).
Sempre que se verifique a falta das formalidades exigidas por lei (as exceções acima indicadas), a consequência será a da nulidade (220º do Código Civil).
Há, ainda, que destacar o princípio da legitimação que, previsto no artigo 9º do Código do Registo Predial, estabelece que não podem ser titulados atos jurídicos de que resulta a transmissão de direitos ou a constituição de encargos sobre imóveis, sem estes se encontrarem definitivamente inscritos a favor de quem transmite ou constitui o encargo – as partes devem fazer prova do registo legitimador. Existem, no entanto, 4 exceções a este princípio:
(1). Artigo 9º/3: prédio situado em área onde o registo obrigatório não vigorou.
(2). Artigo 9º/1/a): expropriação, venda executiva, arresto, penhora, apreensão em processo de insolvência e outras providencias que afetem a livre disposição de imoveis.
(3). Artigo 9º/1/b): quando os atos sejam outorgados por quem tenha adquirido, em instrumento lavrado no mesmo dia, os bens transmitidos ou onerados.
a. Exemplo: A venda a B e B venda a C, no mesmo dia e sucessivamente. A a aplicação do principio da legitimação restringe-se apenas a A e não a B.
(4). Casos de urgência
Quanto ao registo, este tem mera eficácia declarativa: é a condição de oponibilidade do direito perante terceiros. No entanto, a importância do registo transcende a mera eficácia declarativa: do artigo 5º/1, o registo efetuado pelo verdadeiro titular tem efeito consolidativo, impedindo que um terceiro venha a registar uma situação incompatível De acordo com a regência, por isso, o registo não comporta qualquer exceção à regra consagrada no artigo 408º.
2.4. Os Efeitos Obrigacionais da Compra e Venda
Os efeitos obrigacionais da compra e venda desdobram-se em:
(1). Obrigação, que recai sobre o vendedor, de entregar a coisa;
(2). Obrigação, que impende sobre o comprador, de pagar o correlativo preço.
No que respeita à obrigação de entrega da coisa (1), cabe destacar as seguintes ideias:
(a) Artigo 882º/1: se a coisa se deteriorar no período que medeia a realização do contrato e a efetiva entrega, presume-se que a responsabilidade é do devedor (presunção de culpa: 799º/1 CC).
(b) Artigos 400º e 539º: regime das coisas genéricas; o devedor deverá escolher os bens de qualidade média, exceto se outra coisa houver sido acordada pelas partes; em caso de não observância desta regra, segue-se o regime do incumprimento das obrigações (918º CC).
a. Obrigações decorrentes: uma negativa, de se abster da pratica de quaisquer atos que alterem o estado da coisa; uma positiva, de fazer o necessário para a conservação da coisa no seu estado ao tempo da venda.
Questão que se coloca, a propósito da obrigação de entrega da coisa, é a de saber se a compra e venda, opera, mesmo sem a entrega, a transmissão da coisa por constituto possessório (artigos 1263º e 1264º). Ou seja, pretende-se saber se a transmissão da posse opera por mero efeito do contrato, independentemente da entrega da coisa. E, na verdade, é a propósito deste problema que se coloca o verdadeiro significado da obrigação de entregar a coisa. Para a regência, deve entender-se que o essencial não é a obrigação de entrega, mas os efeitos desta.
A obrigação de entrega da coisa, de acordo com a regência, impõe 3 condutas ao vendedor:
(a) Comportamento irrelevante: a coisa já se encontra em poder do comprador.
(b) Não impedir o comprador de tomar para si a coisa colocada à disposição.
(c) O vendedor tem de proceder à entrega da coisa.
Apesar de só no caso (c) estarmos perante o verdadeiro cumprimento da obrigação de entrega, em sentido estrito nos vários casos verificamos o cumprimento da dita obrigação. E o cumprimento desta obrigação envolve a entrega da coisa propriamente dita e das partes integrantes, frutos pendentes e documentos (882º).
No que respeita, por outro lado, à obrigação de pagamento do preço (2), importa, desde logo, destacar a não necessidade de se tratar de dinheiro – embora, tendencialmente, corresponde a um valor monetário. Em termos gerais de regime, é de destacar:
(a) Momento do pagamento: 885º, no momento da entrega da coisa; salvo estipulação em contrário.
(b) Lugar: 885º, no lugar onde a coisa é vendida; no caso de haver uma dissociação temporal entre o cumprimento das duas obrigações, deverá ser no lugar do domicílio que o credor tiver ao momento do cumprimento (artigo 774º).
Quanto aos problemas que se podem colocar a propósito da obrigação de pagamento do preço: a possibilidade de resolução do contrato por falta de pagamento; a determinação do preço;
Nos termos do artigo 886º, o Código Civil prevê um regime específico para os casos de falta de pagamento do preço:
(a) Exceção ao artigo 801º: se já se tiver transmitido a propriedade, ou direito sobre ela, e feita a respetiva entrega, o vendedor não pode resolver o contrato – salvo declaração em contrário.
A propósito deste regime, importa, então, esclarecer as situações em que o vendedor pode resolver o contrato, com base em não pagamento do preço: (1) se tal for convencionado; (2) se ainda não se verificou a entrega da coisa; (3) em caso de venda com reserva de propriedade (409º). Se já se verificou a entrega da coisa e/ou a transferência do direito de propriedade, então não há lugar à resolução do contrato, apenas poderá, o credor do pagamento do preço, recorrer à ação de incumprimento.
No que respeita à determinação do preço, estipula o artigo 883º que, na falta de determinação pelas partes, cabe determinação supletiva do preço, pela ordem determinada:
(1). Preço fixado por entidade pública
(2). Preço normalmente praticado pelo vendedor à data da conclusão do contrato.
(3). Preço do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar que o comprador deve cumprir.
(4). Preço estipulado pelo tribunal, segundo juízos de equidade.
Não obstante, importa referir que a determinação do preço pode ser cometida a terceiro, que tem apenas como função completar o negócio, ou a uma das partes – conforme, aliás, estipula o artigo 400º. Se
estipularem critérios, estes devem ser respeitados; em caso de falta de definição desses critérios, funciona a
equidade.
(a) Problema: e se o terceiro ou a parte não estipulam de acordo com os critérios definidos?
a. Possibilidade de aplicação do artigo 400º/2 de forma analógica: apesar deste facto não se inserir na previsão normativa do preceito;
b. Xxxx Xxxxxxx: aceitar a aplicação do artigo 400º/2 seria impor à parte uma determinação judicial, quando houvesse ocorrido um acordo de vontades em que se estipulasse critérios específicos; apesar disso, entende que, para prevenir a nulidade, dever-se-ia (a parte interessada) declarar a nulidade do ato de determinação e requerer, para determinação, a intervenção judicial.
c. Xxxxx Xxxxxxxxxxx: não há uma aplicação analógica, mas sim uma aplicação direta do artigo 400º/2 – a realidade para a qual se projeta o artigo 400º/2 corresponde a qualquer perturbação no processo de determinação do preço.
i. O juiz, nestas circunstâncias, deve respeitar os critérios acordados pelas partes, enquanto substituição do terceiro decisor.
A determinação do preço, no entanto, revela traços mais peculiares no âmbito do Direito Comercial: nos termos do artigo 466º, a determinação do preço pode dar-se por qualquer meio ou por arbítrio de terceiro; se tal ficar acordado e o terceiro não puder, o contrato fica sem efeito, se outra coisa não for acordada (presume-se que a indicação é intuitu personae).
(b) Regência: esta regra, prevista no artigo 466º, pode ser estendida ao contrato de compra e venda civil, quando o critério fixado pelas partes, para a escolha do terceiro, seja o arbítrio.
a. Sempre que haja má fé, dolo ou abuso de direito por parte do terceiro, o tribunal pode intervir.
No que respeita à possibilidade de redução do preço: vem regulada nos artigos 884º. Se as partes não estipularem preços divisíveis no contrato, a redução deve ser feita por meio de avaliação, que pode ser extrajudicial ou, na falta de acordo, judicial (882º/2).
Ainda no contexto do regime substantivo, é de notar que, nos termos do artigo 878º do CC, é ao comprador que incumbe suportar as despesas (inerentes à celebração do contrato e não à execução) relativas à celebração do contrato de compra e venda.
No que respeita à possibilidade de resolução do contrato, esta vem regulada no artigo 801º/2 e é admitida nos casos em que se verifique um não cumprimento definitivo imputável ao devedor. Fora dos casos previstos no artigo 886º, a resolução do contrato é legítima.
Em caso de não cumprimento, assim, pode o credor recorrer a:
(a) Resolução: 801º/2.
(b) Ação de cumprimento: para pagamento do preço (817º) e exigir os juros moratórios (806º).
3. O Problema Geral da Transmissão do Risco
CASOS TÍPICOS VENDEDOR COMPRADOR RISCO
CASO 1 | Tem a propriedade e tem o domínio | O risco corre por conta do vendedor (artigo 796º/3 do CC) |
EX: COMPRA E VENDA | ||
SUJEITA A CONDIÇÃO | ||
SUSPENSIVA |
(2)
Divergência doutrinária
Tem o domínio
Tem a propriedade
CASO 3
EX: COMPRA E VENDA COM RESERVA DE PROPRIEDADE E ENTREGA DA COISA
CASO 2
EX: JÁ HOUVE CELEBRAÇÃO DO CONTRATO, MAS NÃO HOUVE ENTREGA DA COISA
Tem o domínio Tem a propriedade
(1)
O risco core por conta do comprador (artigo 796º/1)
CASO 4
EX: CONTRATO JÁ CONCLUIDO OU COMPRA E VENDA SUJEITA A CONDIÇÃO RESOLUTIVA
Tem a propriedade e tem o domínio
O risco corre por conta do comprador (artigo 796º/3/2ª parte)
(1) Poderá bulir com o princípio do domínio (quem tem o domínio assume o risco)?
Neste caso, o risco corre por conta de quem tem a propriedade e não por conta de quem tem o domínio. No entanto, há que ter em atenção o facto de, neste caso, tendo o comprador a propriedade, é ele quem beneficio dos frutos do bem. O vendedor, neste caso, apenas funciona como mero depositário, não tem o direito de gozo e fruição do bem (artigo 1189º do CC).
(2) Várias posições para esta questão.
§ 1 – o risco corre por conta do vendedor: por via do artigo 796º/3/2ª parte (a reserva de propriedade é uma condição suspensiva) e o risco corre por conta do proprietário do bem (796º/1).
§ 2 – o risco corre por conta do comprador [Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxx]
(a) O risco corre por conta de quem adquire a vantagem: tendo em conta que o comprador adquire o gozo e fruição da coisa, então adquire ele próprio a vantagem.
(b) Princípio do domínio: verifica-se uma transmissão do domínio da coisa, logo, nos termos do artigo 796º/1, a transferência do risco.
(c) O artigo 796º/3/2ª parte estipula que, em caso de estipulação de condição suspensiva, o risco corre por conta do alienante: no entanto, este preceito, ao contrário do que acontece na 1º parte do mesmo, não esclarece dos efeitos quando haja entrega da coisa; assim, havendo entrega da coisa (caso da reserva de propriedade) o caso não é já o estipulado, mas o oposto (o risco corre por conta do adquirente).
§ 3 – o risco é distribuído pelas duas partes: no caso de deterioração da coisa, na compra e venda com reserva de propriedade, o comprador perde a coisa e continua obrigada obrigado a pagar o preço; o vendedor, por outro lado, perde a sua garantia de pagamento do preço.
Modalidades da Compra e Venda
1. Venda Com Reserva de Propriedade
A compra e venda vem regulada no artigo 409º/1 do Código Civil e consiste num contrato de compra e venda no qual as partes acordam que o vendedor reserve para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à produção de algum outro evento. A reserva de propriedade é parte integrante do contrato, uma clausula do mesmo.
Pode perguntar-se, no entanto: podem as partes, depois de celebrada a compra e venda, inserir no contrato uma clausula de reserva de propriedade?
Para o vendedor, a reserva de propriedade assume uma função de garantia, permitindo ao vendedor a defesa da sua posição:
(a) Incumprimento por parte do comprador: o alienante conserva para si a coisa objeto do contrato de compra e venda.
(b) Insolvência do comprador: os credores não poderão, em principio, fazer-se pagar pelo valor da coisa vendida com reserva de propriedade;
a. Problema diverso – insolvência do vendedor:
Quanto à forma, a convenção está sujeita às mesmas exigências e formalidades que o contrato. Se, no entanto, ocorrer insolvência do comprador, artigo 104º/4 do CIRE impõe a forma escrita (garantir a oponibilidade à massa insolvente).
1.1. A Oponibilidade da Clausula de Reserva de Propriedade a Terceiros
(a) Bens sujeitos a registo: a oponibilidade da clausula de reserva de propriedade depende do registo.
(b) Bens não sujeitos a registo
a. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx [Xxx Xxxxx]: a clausula de reserva de propriedade tem eficácia
inter partes, mas não é oponível a terceiros.
i. Necessidade de tutela da aparência: paralelismo com o penhor (669º e ss.) e com a compra e venda a comerciante.
ii. Relatividade dos contratos (artigo 406º/2 CC).
iii. Não faria sentido que, nos imóveis, dependesse do registo, a oponibilidade da clausula, e que, nos móveis, fosse oponível erga omnes.
iv. Incumprimento, por falta de pagamento: cabe ao vendedor resolver os contratos (886º), no entanto, essa resolução não prejudica xxxxxxxxx xx xxx xx (000x/0).
x. Xxxxxxx Xxxxxxxxxxx: não havendo obrigatoriedade de registo, a clausula é sempre oponível a terceiros de boa fé.
i. Não há analogia nas situações: penhor e compra e venda a comerciante e reserva de propriedade.
ii. Relatividade dos contratos: significaria que a transferência da coisa e a titularidade não poderiam ser alegadas perante terceiros. Isso não acontece, porque se trata de direito real oponível perante terceiros.
iii. Levada às ultimas consequências: os negócios sobre coisas móveis nunca poderiam ser oponíveis perante terceiros de boa fé.
iv. No caso da compra e venda com reserva de propriedade, o vendedor mantém a propriedade, logo não afeta nenhum direito adquirido por terceiro: como o comprador não é proprietário, não pode transmitir ou alienar mais do que os próprios direitos de que é titular.
v. Argumento adicional: o artigo 104º/4 – mesmo nos cenários de insolvência do credor, admite-se a oponibilidade da clausula apenas com subordinação ao requisito de a sua estipulação se fazer por escrito.
1.2. A Declaração de Nulidade da Alienação pelo Comprador
(a) Xxx Xxxxx Xxxxxxx: o vendedor não se pode servir da reserva de propriedade para obter a declaração de nulidade da venda feita pelo comprador.
a. Seria estranho permitir ao vendedor interpor uma ação declarativa da nulidade do segundo negócio de alienação se, antes ou imediatamente após a sentença, o comprador viesse a adquirir a propriedade (sanado a nulidade da venda).
(b) Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx
a. A transferência da propriedade só se dá se se assistir ao evento ao qual as partes subordinaram a transferência. Pode dar-se ou não.
b. O vendedor pode interpor a ação para prevenir que o evento não venha a ter lugar.
c. Levada as ultimas consequências a tese da autora: nunca poderia a nulidade da compra e venda de bens alheios ser interposta.
1.3. A Reserva de Propriedade a Favor de Terceiro
Em contratos de crédito do consumo tem-se estabelecido, a favor do mutuante ou das entidades financiadores, a clausula de reserva de propriedade. A análise da jurisprudência permite, em linhas gerais, identificar tanto posições no sentido da admissibilidade da figura como posições no sentido da inadmissibilidade da figura.
(a) Inadmissibilidade [Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxxxxx].
a. Argumentação – Xxxxx Xxxxxxxxxxx:
i. Não vigora o princípio da autonomia privada, mas o princípio da tipicidade dos direitos reais (1306º): o comprador adquire com a reserva de propriedade uma expetativa real de aquisição, limitando o âmbito de direito de propriedade do alienante.
ii. Efeito semelhante: convenção das garantias reais de crédito; transmissão da reserva de propriedade.
iii. O artigo 409º não admite a reserva de propriedade a favor de terceiro, em virtude da proibição de pacto comissório (694º CC).
(b) Admissibilidade [Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx xx Xxxxx e Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx].
i. Interpretação atualista: se o legislador pudesse ter previsto, teria inserido aquela realidade/circunstancia na previsão normativa.
ii. Liberdade contratual (principio geral).
1.4. Transmissibilidade da Reserva de Propriedade
O problema da transmissibilidade: saber se a posição jurídica emergente da reserva de propriedade pode ser transmitida.
(a) Admissibilidade [Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx xxx Xxxxxx]:
a. Argumentos – Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx: o alienante pode sub-rogar o terceiro nos respetivos direitos: implicaria a transmissão para o terceiro das garantias e acessórios que não sejam inseparáveis da pessoa (artigo 589º do CC).
b. Argumentos - Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx
i. Tratar-se de clausula e por isso é intransmissível: não se tramitem as clausulas, transmitem-se os efeitos das clausulas (os direitos subjetivos de
natureza não pessoal são livremente transmissíveis, logo há possibilidade de transmissão do direito de propriedade, ainda que esta seja limitada a funções de garantia).
ii. Não pode haver cessão (Gravato Morais): apenas vale para quando já tenha havido pagamento ao alienante por parte do terceiro.
iii. É possível a sub-rogação do terceiro pelo vendedor: opera a transmissão das garantias (589º + 599º do CC).
iv. Indefinição da União de Contratos: o argumento apenas vale para as situações de conjugação de compra e venda com reserva de propriedade com financiamento realizado por terceiro.
v. Os meios alternativos não são, apesar de existirem, impeditivos da aceitação da transmissão.
(b) Inadmissibilidade [Xxx Xxxxx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx]
a. Argumentos – Pinto Duarte
i. A reserva não geraria um direito diverso do de propriedade, logo, em si mesma, seria intransmissível.
ii. A transmissibilidade é incompatível com o artigo 409º.
b. Argumentos – Gravato Morais
i. Não é possível recorrer à cessão de créditos: não há interesses relevantes a ponderar.
ii. Existem outros meios que permitem ultrapassar os prejuízos da intransmissibilidade.
iii. Insuficiência da definição da união de contratos.
1.5. A Estipulação da Reserva de Propriedade a Favor do Alienante, Mas Sujeita ao Pagamento a Terceiro
Comporta-se, neste ponto, as situações em que a propriedade se transfere mediante o pagamento ao financiador.
(a) Admissibilidade [Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx]:
a. Xxxxx Xxxxxxxxxxx:
i. Crítica a Gravato Morais: os seus argumentos, em parte, só se aplicam à venda de veículos automóveis;
ii. Havendo união interna voluntária entre o contrato de compra e venda e o contrato de mútuo: as vicissitudes de um refletem-se no outro; logo, o incumprimento do contrato de mútuo, permitiria ao vendedor exigir a entrega da coisa.
(b) Inadmissibilidade [Xxxxxxx Xxxxxx]: para argumentar, apresenta uma série de situações que resultariam do incumprimento
a. O financiador resolve o contrato de mútuo, mas não poderia exigir a restituição da coisa.
b. O vendedor não pode resolver o contrato de compra e venda, porque não houve incumprimento do adquirente relativamente a esse contrato; assim como não pode resolver o contrato de empréstimo.
c. O financiador não pode socorrer-se do procedimento cautelar de apreensão de veículo automóvel, pois não é titular do registo de reserva de propriedade.
d. O vendedor não pode socorrer-se do procedimento cautelar de apreensão, porque, apesar de já titular do respetivo registo, não tem motivo para propor a ação de resolução do contrato de compra e venda (artigo 18º/1 do DL 54/85).
1.6. A Nomeação para Execução, pelo Alienante, do Bem Objeto da
Reserva
1.7. A Reserva de Propriedade e a Exigência de Cumprimento do Contrato
O problema em causa reside no facto de alguma doutrina e jurisprudência entenderem que o beneficiário da reserva de propriedade só pode exigir a restituição da coisa, se exercer o direito de resolução sem previamente ter exigido o cumprimento pontual do contrato.
(a) Xxxxx Xxxxxxxxxxx discorda
a. O vendedor pode ter interesse em exigir o cumprimento do contrato e manter a reserva de propriedade
b. Ius variandi: o facto de exigir o cumprimento do contrato não faz caducar o direito de depois vir a declarar a resolução.
i. O inverso é que é impossível: não se pode exigir o cumprimento de um contrato resolvido.
c. Não há nenhuma regra, na reserva de propriedade, que retire ao vendedor a faculdade de exigir o cumprimento até ao limite.
d. Perante a ação de cumprimento: mantém-se a reserva de propriedade até ao efetivo pagamento do preço.
e. A mora não permite a resolução do contrato: apenas o incumprimento definitivo (808º/1) – é a interpelação que permite o surgimento de um direito de resolução.
1.8. A Natureza Jurídica do Contrato de Compra e Venda
TEORIAS AUTORES ARGUMENTOS CONTRA
TEORIA DA CONDIÇÃO SUSPENSIVA | Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx | (1) o pagamento do preço não é uma condição (facto exterior ao contrato, futuro e incerto), mas uma contraprestação. (2) quando esteja sujeita a outro evento: a condição nunca atingiria todos os efeitos do contrato; suspenso ficava apenas o efeito translativo da propriedade. |
TEORIA DA CONDIÇÃO RESOLUTIVA | Xxxxx Xxxxxxxxx | (...) mesmos argumentos contra a tese anterior. (3) vai contra a lógica do artigo 409º: é o vendedor que conserva a propriedade da coisa ou direito. |
(1) artigo 408º: as exceções | ||
respeitam a uma dilação | ||
temporal, mas não a uma | ||
TEORIA DA VENDA OBRIGACIONAL | França Gouveia | compra e venda com eficácia obrigacional. |
(2) efeitos da compra e venda: artigo 879º do CC. | ||
(1) o direito de propriedade é um | ||
TEORIA DA DUPLA PROPRIEDADE | Xxxxx Comporti | direito exclusivo (2) não se concilia com o artigo 409º do CC. |
(3) pouco ligada à realidade da figura e não resolve outros problemas.
TEORIA DA VENDA COM EFICÁCIA TRANSLATIVA IMEDIATA ASSOCIADA À
ATRIBUIÇÃO AO VENDEDOR DE UMA POSIÇÃO JURÍDICA REAL QUE LHE GARANTE A REAQUISIÇÃO DO BEM EM CASO DE INCUMPRIMENTO
(1) Esquema não compatível com o previsto no artigo 409º.
(2) O artigo 886º é uma regra geral e não configura nenhuma posição jurídica real.
A TEORIA DA EFICÁCIA TRANSLATIVA DIFERIDA AO MOMENTO DO PAGAMENTO DO PREÇO, COM A CONCESSÃO AO COMPRADOR, NO PERÍODO ENTRE A CELEBRAÇÃO DO CONTRATO E O PAGAMENTO, DE UMA POSIÇÃO JURÍDICA DIVERSA DA PROPRIEDADE
Xxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxx
Concretizações:
(1) O vendedor mantém a propriedade: mas esta fica restringida pela posição jurídica do comprador (não tem a propriedade plena).
(2) O vendedor tem um direito real de garantia: apesar de se tratar de uma figura próxima da propriedade, substancialmente, o que está em causa é a garantia do preço ou de cumprimento de uma outra prestação.
(3) O comprador também tem um direito real: o comprador é possuidor (pode recorrer às ações possessórias);
2. Compra e Venda de Bens Futuros, Frutos Pendentes e de
Partes Componentes ou Integrantes de uma Coisa
2.1. Regime Geral
A venda de bens futuros, frutos pendentes e partes componentes ou integrantes de uma coisa
estão previstos no artigo 880º do Código Civil. Quanto a aspetos gerais de regime:
(1). A venda de bem futuros stricto sensu ocorre quando o vendedor alienar bens inexistentes ao tempo da celebração do contrato, que não estejam em seu poder ou a que não tem direito.
(2). Distingue-se da compra e venda alheia (892º): já que ninguém ignora não pertencer o bem ao devedor.
Quanto aos efeitos decorrentes da compra e venda de bens futuros, frutos pendentes, partes componentes ou integrantes de um bem:
(1). Obrigação de exercer as diligências necessários para o comprador adquirir os bens: o vendedor tem de adquirir o bem alienado, momento no qual se verifica a transmissão da propriedade (artigo 408º do CC).
(2). Quando não exerça essas diligências:
a. Xxxx Xxxxxxx: entende a venda de bens futuros como um negócio incompleto, pelo que, em caso de incumprimento, a indemnização fica limitada ao interesse contratual negativo.
b. Menezes Leitão: entende que se está diante de um contrato completo, validamente celebrado, logo, a indemnização não poderia ser limitada pelo interesse contratual negativo.
c. Xxxxx Xxxxxxxxxxx: está em causa um negócio incompleto, mas que produz alguns efeitos jurídicos; ao incumprimento culposo deve corresponder uma indemnização pelo interesse contratual positivo.
(3). Em caso de impossibilidade, total ou parcial, não culposa ou imputável ao vendedor: extinção do contrato ou comprimento parcial (o vendedor perde direito à prestação, 795º/1, ou há redução na medida da impossibilidade, 793º/1).
Quanto à obrigação de entrega da coisa, algumas especificidades:
(a) Compra e Venda de bem futuro e aleatória: se o comprador preferir bem diferente, em vez de nada, pagando mesmo assim o preço, há uma alteração voluntária do objeto contrato.
a. Em caso de vícios ou falta de qualidades da coisa futura: entende, Xxxxx Xxxxxxxxxxx, que a natureza aleatória do contrato não abrange os defeitos da coisa (o comprador admite o pagamento do preço mesmo se a coisa não chegar a existir).
(b) Xxxxxx e venda de bem futuro: mantém-se a garantir em caso de vícios ou falta de qualidade da coisa futuro (assim o comprova o artigo 918º do CC).
2.2. Natureza da Figura
TEORIAS AUTORES ARGUMETOS
TEORIA DA CONDIÇÃO | Vaz Serra Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx | (1) O vendedor está obrigado a diligenciar para que se verifique a aquisição dos bens (2) A condição é um elemento exterior do contrato: o objeto não é um elemento exterior ao contrato. |
TEORIA DO NEGÓCIO OBRIGACIONAL | Menezes Leitão | (1) artigo 408º: as exceções respeitam a uma dilação temporal, mas não a uma compra e venda com eficácia obrigacional. |
(2) efeitos da compra e venda: artigo 879º do CC. | ||
(1) Estamos perante uma realidade incompleta: assiste-se à produção de alguns efeitos do negócio, mas não à respetiva completude. | ||
TEORIA DO NEGÓCIO INCOMPLETO | Xxxxx Xxxxxxxxxxx Xxxx Xxxxxxx | (2) O comprado fica investido numa expetativa. |
(3) O vendedor fica obrigado a fazer o necessário para o comprador adquirir os bens. |
3. Compra e Venda de Bens de Existência ou Titularidade Incerta
Esta modalidade da compra e venda vem prevista no artigo 881º do Código Civil e no artigo 467º/1 do Código Comercial: foge à regra geral segundo a qual só podem ser alienados bens existentes e pertencentes ao devedor. Note-se que, para efeitos da validade, tem que ser feita menção à incerteza no contrato.
(a) Presume-se que as partes pretendem atribuir natureza aleatória: o preço é pago mesmo se os bens não existirem e não pertencerem ao devedor.
(b) É possível ilidir a presunção: nessa situação, recusando as partes atribuir natureza aleatória, o preço só será pago se a coisa existir ou pertencer ao devedor.
Tendo em conta a incerteza que caracteriza este tipo de negócio, o vendedor não está obrigado a exercer as diligencias necessárias para o comprador adquirir o bem – não terá, por conseguinte, de promover qualquer atividade para dissipar a incerteza.
4. Compra e Venda de Coisas Sujeitas a Pesagem, Contagem e
Medição
Esta modalidade de compra e venda, prevista no artigo 887º, está dependente de uma operação posterior: contagem, pesagem ou medição. Xxxxx Xxxxxxxxxxx entende que não se inserem nesta modalidade casos como: comprar certa quantidade de determinado fruto ou tantos quilowatts de eletricidade.
(a) Casos que se inserem: situações em que o objeto do contrato, que foi inteiramente entregue, não se adaptar à menção, juízo ou calculo sobre ele feito pelas partes ou uma delas.
(b) Exemplo: comprar um saco de batatas mencionando ter dez quilos, mas só possui nove. Quanto aos requisitos de aplicação do preceito:
(1). Coisa determinada
(2). Aquisição imediata da propriedade (artigo 408º/1): o risco corre por conta do comprador.
Nos termos do artigo 889º do Código Civil: no caso de existência de um só contrato, em que a quantidade declarada é inferior à real, a compensação entre as faltas e excessos é feita até ao limite da sua ocorrência. Alguma doutrina, a propósito da solução prevista no artigo 889º, questiona se a compensação está sujeita aos limites previstos no artigo 888º/2.
(a) Admissibilidade [Pires de Lima e Xxxxxxx Xxxxxx]: se, efetuado o encontro, se provar exceder a diferença, entre o preço global e o resultante dos preços unitários que os contraentes tiveram ou deveriam ter em vista, um vigésimo daquele, deve permitir-se o aumento ou redução proporcional do preço.
(b) Inadmissibilidade [Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxxxx]
a. A vontade das partes forma-se relativamente ao preço global e não haver prejuízo.
b. Este preceito só se aplica se, após a compensação, subsistir uma diferença de um vigésimo entre a quantidade declarada e efetivamente vendida.
O artigo 890º, restrito a esta modalidade de compra e venda, estabelece um prazo mais curto para o exercício do direito à diferença: seis meses em caso de coisa móvel; um ano em caso de coisa imóvel. O prazo inicia-se a partir do momento em que a diferença se torna exigível. O Sr. Prof. Xxxxx Xxxxxxxxxxx entende que tanto há direito ao excesso favorável ao vendedor como a redução em benefício do comprador: estas situações, ambas, inserem-se na previsão normativa do artigo 890º.
Ainda de notar a possibilidade de resolução do contrato atribuída ao comprador, nos termos do artigo 891º, caso o preço sofra um aumento excessivo – neste caso, não obstante, está excluída a hipótese de
resolução pelo vendedor em resultado da redução do preço. Está, também, o exercício deste direito sujeito a prazo (artigo 891º/2).
5. Compra e Venda a Contento e Sujeita a Prova
(a) Pontos em comum: subordinação do contrato à aprovação da coisa vendida por parte do comprador.
(b) Pontos em dissonância:
a. Compra e venda a contento: o comprador reserva-se o direito de contratar ou de resolver o negócio, segundo entender.
b. Compra e venda sujeita a prova: o contrato está dependente de uma avaliação objetiva do comprador relativamente às qualidades da coisa.
No que respeita às regras de conjugação das duas modalidades: presume-se terem adotado a modalidade de compra e venda sob reserva de a coisa agradar ao comprador (ad gustum) – artigo 926º.
5.1. Modalidades de Venda a Contento
A compra e venda a contento tem duas modalidades:
(a) Compra e venda ad gustum: é estipulado que a coisa tem de agradar ao comprador.
a. Artigo 923º do CC: os efeitos da compra e venda dependem do agrado do comprador – os efeitos do contrato não se produzem até à aceitação ou vencimento do prazo.
i. Se rejeita dentro do prazo: a venda julga-se como não celebrada e não carece de justificação.
ii. Se declaração de aceitação sujeita a condições ou com novos termos:
tem-se como uma não aceitação.
iii. Se declaração se prolongamento do prazo: de acordo com a regência, vale como proposta de alteração do negócio celebrado.
b. Atribui-se um valor ao silêncio: nos termos do artigo 923º/1, a coisa julga-se aceite se o comprador não se manifestar dentro do prazo de aceitação (228º/1). A contagem do prazo depende da entrega (artigo 923º/3 – já que se depende do exame).
c. Obrigação do vendedor: obrigação autónoma de entrega da coisa, para ser apreciado – não se pode eximir do cumprimento alegando que o comprador não vai aceitar; se a coisa tiver um defeito, o vendedor deve proceder à substituição ou reparação.
d. Obrigações do comprador: deve atuar de forma prudente durante o exame; a boa fé pode permitir que o exame seja feito por terceiro;
i. Encarregue dos custos associados à avaliação, assim como os encargos da devolução.
e. Recusa ilícita ou abusiva: se for demonstrado ter, no momento da celebração do contrato, o adquirente o propósito de recursar e ocultado esse facto ao vendedor causando-lhe com isso danos.
f. Risco: só se dará a transferência do risco com o vencimento do prazo ou com a aceitação expressa/tácita.
(b) Compra e venda (2ª modalidade): concede-se ao comprador a possibilidade de resolver o contrato se a coisa não lhe agrada (artigo 924º).
a. A venda torna-se imediatamente eficaz: o comprador adquire o objeto e contrai a obrigação de o pagar, mas tem o direito de desfazer o negócio, dando os efeitos por não produzidos se o objeto o não satisfizer.
b. A resolução não é impedida pela entrega da coisa (artigo 924º/2).
c. A resolução está dependente de um prazo: pode ser fixado um limite razoável para o exercício do direito (924º/3).
d. Risco: transfere-se para o comprador, na pendencia do exercício do direito de resolução.
i. Em caso de danos ou destruição: o comprador já não pode proceder à devolução, nos termos do artigo 432º/2 do CC.
ii. Problema – depende da entrega da coisa, nos termos do artigo 796º/3? Pressupõe estar-se perante uma condição resolutiva, questão que carece ser avaliada.
5.2. Natureza da Venda a Contento
TEORIAS AUTORES ARGUMENTOS
PROPOSTA DE VENDA | ------------------- | (1) Problemas: a venda a contento pressupõe um assentimento das partes para a sua própria formação; (2) Problemas: estaria sujeito às regras da proposta negocial, pelo que o silêncio não teria qualquer valor. (3) Problemas: antes da coisa ser aceite, já produz, o negócio, obrigações em relação ao vendedor. (4) Problemas: caso o vendedor transmita a coisa a terceiro -> incumprimento contratual. |
(1) Problemas: não se trata de condição resolutiva, porque há efeitos que dependem da aceitação. | ||
TEORIA DA CONDIÇÃO | Menezes Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx | (2) Problemas: não se trata de condição suspensiva, porque o negócio produz efeitos. |
(3) Problemas: a produção de efeitos depende da vontade das partes, logo, não é uma verdadeira condição (uma condição impropria – potestativa). | ||
CONTRATO | Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx | (1) Constitui um direito típico de ação: a vinculação definitiva de uma das partes associa-se à obrigação de fornecer o exame da coisa; a outra parte reserva o direito de aceitar ou não aceitar. |
PRELIMINAR |
5.3. Venda Sujeita a Prova
Esta modalidade vem regulada nos artigos 925º e ss. do Código Civil:
(a) Não depende só da vontade do comprador: depende de aspetos positivos suscetíveis de apreciação judicial – a eficácia do contrato está sujeita à objetiva idoneidade do contrato para satisfação do fim/fins a que se destina (exame de aptidão do objeto).
(b) Obrigação do vendedor: obrigação autónoma de entrega da coisa, para ser apreciado – não se pode eximir do cumprimento alegando que o comprador não vai aceitar; se a coisa tiver um defeito, o vendedor deve proceder à substituição ou reparação.
(c) A prova deverá ser feita dentro do prazo, segundo o estabelecido pelo contrato ou pelos usos: artigo 925º/2.
(d) Obrigação do comprador: nos termos do artigo 925º/3, transmissão do resultado da prova antes de expirar o prazo, sob pena de definitividade dos efeitos.
5.4. Natureza da Venda Sujeita a Prova
TEORIAS AUTORES ARGUMENTOS
TEORIA DA CONDIÇÃO RESOLUTIVA | ------------------- | (1) Problemas: a produção de efeitos depende da vontade das partes, logo, não é uma verdadeira condição (uma condição impropria – potestativa). |
CONTRATO DE FORMAÇÃO IMEDIATA, MAS SUJEITO À REVOGAÇÃO UNILATERAL DO COMPRADOR | ------------------- | (1) Problemas: se a coisa não agradar ao comprador, o contrato é resolvido com eficácia retroativa (artigo 924º/1 + 432º e ss.). |
TEORIA DA CONDIÇÃO SUSPENSIVA | Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx Xxxxx xx Xxxx e Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx | (1) É deste modo que o contrato é definido no artigo 925º/1. (2) Problemas: a produção de efeitos depende da vontade das partes, logo, não é uma verdadeira condição (uma condição impropria – potestativa). |
(1) Os efeitos dependem da averiguação positiva de uma qualidade da coisa que a torna adequada à sua utilização pelo adquirente. | ||
MODALIDADE DE COMPRA E VENDA ESPECÍFICA | Menezes Leitão | (2) Problemas: desconsidera-se a diferença entre a compra e venda e a compra e venda sujeita a prova. (3) Problemas: os efeitos da não produção estão previstos no artigo 913º; os efeitos da compra e venda não se chegam a produzir e são suprimidos. |
TEORIA DO | Xxxxx xx Xxxxxxxxxxx | (1) Negócio incompleto de formação sucessiva: os efeitos só se produzem de forma perfeita com a observação ou constatação do funcionamento do condicionalismo a que as partes subordinaram o negócio. |
NEGÓCIO | ||
INCOMPLETO |
6. Venda a Retro
A venda a retro, prevista no artigo 927º do Código Civil, consiste num contrato no qual o vendedor reserva para si o direito de reaver a propriedade da coisa ou o direito vendido, mediante a restituição do preço (o vendedor reserva para si a possibilidade de resolver o contrato – no qual se aplicam os artigos 432º e ss.).
Processam-se, em caso de o vendedor acionar este direito, os efeitos da resolução do contrato: no caso de este não puder reembolsar o preço, o contrato não pode ser resolvido.
Como distinguir, no entanto, a venda a retro do pacto de revenda/retrovenda?
(a) Xxxxx a retro: uma única compra e venda, onde se estipula uma clausula acessória que confere ao vendedor a faculdade de resolver o contrato.
(b) Pacto de revenda/retrovenda: verifica-se uma venda, por exemplo, de A a B, que, no mesmo instante ou posteriormente, volta a vender a A.
a. Para a venda entre B e A (B volta a vender a A): aplicação das regras do contrato de compra e venda e das perturbações – não há xxxxx x xxxxxxxxx xxx xxxxxxx 000x e ss.
O Prof. Xxxxx Xxxxxxxxxxx, para a justificação da figura, apresenta o seguinte exemplo:
Situação de quem, necessitando de dinheiro, não pretenda, todavia, valer-se do crédito – por não desejar suportar os respetivos encargos – nem se desfazer definitivamente dos seus bens. Em hipóteses como esta a venda a retro permite ao vendedor a obtenção do dinheiro, conservando o direito e a esperança de recuperar os bens vendidos
O artigo 929º estabelece um prazo improrrogável para o exercício do direito de resolução: dois ou cinco anos a contar da data da venda, consoante se trate de bens móveis ou imóveis, salvo estipulação em contrário. As partes mantêm, assim, a autonomia privada para prazos mais breves: na falta de prazo, garante-se um não entrave ao comércio jurídico. Na decorrência desse prazo, podem as partes estabelecer um prazo suspensivo.
Quanto a formalidades específicas relativas a bens imóveis: observar o previsto no artigo 930º do Código Civil.
Quando exista compropriedade da coisa: aplicação do artigo 933º, os vendedores só podem exercer o direito de resolução em conjunto.
Pergunta-se, no entanto, o que acontece aos direitos adquiridos por terceiros? Regra geral, a resolução não os atinge (435º/1). A esta regra exceciona-se o disposto no artigo 932º: respeita ao registo da clausula, enquanto oponível a resolução a terceiros. Assim, quando se trate de bens imoveis e bens moveis sujeitos a registo, a clausula tem eficácia real; nas outras situações, tem eficácia inter partes (artigo 435º/1).
Quanto ao risco:
(a) Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx: pertence ao comprador – artigo 796º/3.
(b) Xxxxx Xxxxxxxxxxx:
a. Contra a aplicação do artigo 796º/3: não estamos perante uma condição, mas perante uma vontade unilateral do vendedor.
b. O comprador é apenas possuidor de boa fé: 1269º CC – apenas responde pela perda ou deterioração se tiver procedido com culpa (em caso de negligencia ou dolo, querendo o vendedor resolver, deve demandar o comprador pelos prejuízos produzidos).
c. Em caso de perda furtuita: a propriedade perde-se e o vendedor, em principio, não quererá exercer o seu direito de resolver o contrato; o risco desta perda corre por conta do comprador;
i. Se pretender exercer o Direito: Xxxx Xxxxxxx entende que não pode; Xxxxx Xxxxxxxxxxx entende que pode e que caberá ao vendedor suportar os efeitos da perda ou deterioração.
6.1. A Natureza da Venda a Retro
(1). Condição resolutiva potestativa [Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx].
(2). Simples direito de resolução pelo vendedor, sem eficácia retroativa [Menezes Leitão].
(3). Propriedade temporária, revogável ou resolúvel por força de um direito potestativo conferido ao vendedor.
(4). Contrato atributivo de um direito de resolução, a exercer ad nutum, pelo comprador e dotado de eficácia retroatia (artigo 432º e ss. do Código Civil) – na linha da letra da lei (artigo 927º) [Xxxxx Xxxxxxxxxxx].
7. Venda a Prestações
A venda a prestações vem regulada nos artigos 934º e ss. do Código Civil: na verdade, não se tratam de várias prestações, há só uma prestação; na verdade, a realização desta é que é feita em parcelas.
Podem, no entanto, destrinçar-se regimes especiais:
a) Dividas: artigo 791º do CC - a não realização de uma das prestações importa o vencimento de todas as outras.
b) Compra e venda: 886º (casos de não pagamento do preço pelo credor – inadmissibilidade de resolução do contrato), 934º (afasta-se da solução prevista no artigo 781º) e 935º.
a) Artigo 934º:
i. vendida a coisa a prestações com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao comprador, a omissão de uma prestação cujo valor excede a oitava parte do preço (todas as quantias pagas ou a pagar pelo comprador ao devedor) ou de duas ou mais prestações, independentemente do seu valor, dá ao vendedor o direito de resolver o contrato de compra e venda;
1. Preço: noção alargada – engloba todos os valores
2. Apenas em relação à resolução:
a. Xxxxx xx Xxxx Xxxx Xxxxxx/Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx – uma interpretação literal comportaria uma solução excessivamente gravosa.
b. Xxxxx Xxxxxxxxxxx: não segue a posição anterior, logo, entende que se deve aplicar tanto quando se verifique tradição, como quando naõ se verifique tradição.
ii. a falta de pagamento de uma prestação, com ou sem reserva de propriedade, a falta de pagamento de uma prestação de montante inferior a um oitavo do preço não determina a perda de benefício do prazo.
A propósito do regime previsto no artigo 781º, tem-se colocado a questão de saber se se trata de (1) vencimento antecipado ou (2) exigibilidade antecipada. Xxxxx Xxxxxxxxxxx entende que se está perante (2) exigibilidade antecipada: o credor passa a ter a faculdade de exigir ou não exigir o pagamento imediato e enquanto não o fizer o devedor não está em mora. A mesma solução vale para o artigo 934º: faltando uma prestação superior a 1/8, o vendedor poderá interpela-lo – só a partir desse momento estará constituído em mora relativamente a todas as prestações em mora (artigo 808º).
A respeito do artigo 934º: Xxxxx Xxxxxxxxxxx entende que a falta de pagamento se refere a mora; no entanto, nos casos em que esteja em hipótese o exercício do direito de resolução, há que se verificar a situação de incumprimento definitivo.
A propósito do artigo 934º debate-se, ainda, a natureza imperativa ou supletiva.
(a) No sentido da imperatividade: Xxxxx Xxxxxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx xx Xxxx e Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx.
a. Argumentos: caracter restritivo em relação ao regime geral e o objetivo de defesa do comprador perante o vendedor, dos perigos e seduções da venda a pretaçõs.
Outro problema, a propósito do artigo 934º: havendo venda sem reserva de propriedade, a falta de pagamento de uma das prestações poderá permitir o vendedor resolver o contrato, nos termos do artigo 886º?
(b) Xxxxxxxx Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx Xxx, Xxxx Xxxxxx: não havendo reserva, ainda que haja entrega da coisa, as partes podem convencionar uma clausula resolutiva para a hipótese de o comprador faltar ao pagamento de alguma prestação (ainda que o valo da prestação seja igual ou inferior a 1/8 parte do preço).
(c) Xxxxxx Xxxxxxxx: defende a imperatividade do artigo 934º CC, logo, discorda da posição anterior.
(d) Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx: entende, criticando Xxxxxx Xxxxxxxx, que o artigo deve ser interpretado no sentido de o vendedor só não ter o direito potestativo de resolução quando a coisa tiver sido entregue ou se o comprador faltar ao pagamento de uma fração do preço que não exceda a oitava parte (este é o sentido útil da imperatividade); entende que se aplica analogicamente quando não haja reserva de propriedade.
(e) Xxxxx Xxxxxxxxxxx: entende a interpretação de Xxxxx xx Xxxxxxxx muito restrita e entende que este autor esquece o requisito da reserva de propriedade.
a. Quanto à possibilidade de aplicação analógica aos casos de ausência de reserva: apesar de ser uma norma excecional; não concorda, aparentemente, que as normas excecionais sejam insuscetíveis de analogia.
b. Entende que o sentido normativo é: mesmo a compra e venda com reserva de propriedade está sujeita às condicionantes impostas pelo artigo 934º (argumento por maioria de razão?).
c. Conclusão: inadmissibilidade da convenção de uma clausula de resolução na compra e venda a prestações, com entrega da coisa, mas sem reserva de propriedade, para a hipótese de o incumprimento não respeitar a uma prestação superior à oitava parte do preço ou à falta de duas, independentemente do valor.
7.1. Cláusula Penal
O regime da cláusula penal é definido no artigo 935º, em caso de o comprador não cumprir (a respeito da venda a prestações). Não obstante, note-se que a clausula penal é admitida para todos os contratos (810º), enquanto forma de indemnização prévia.
Quanto às limitações impostas pelo preceito:
a) Não pode exceder metade do preço.
b) Exceção: se as partes ajustarem o ressarcimento a todos os prejuízos sofridos.
Pergunta-se: o disposto no artigo 935º vale para as situações de resolução ou para todas as situações de incumprimento (quando o alienante exige do comprador o cumprimento do contrato, apesar do incumprimento)?
a) Xxxxx xx Xxxx Xxxx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx Xxx e Xxxxxxx Xxxxxx: o artigo 935º aplica- se apenas na eventualidade de o alienante resolver o contrato.
a. Menezes Leitão entende que o artigo 935º deve ser interpretado restritivamente, porque a letra vai além do espirito: o artigo 934º respeita a interesse contratual negativo e essa restrição só pode valer se o vendedor resolver o contrato fundado na falta de cumprimento, pedindo a devolução da coisa e a indemnização pelo interesse contratual negativo (801º/2).
b) Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx: posição intermédia.
c) Pires de Lima e Xxxxxxx Xxxxxx: aplicação do artigo 935º tanto para as situações de resolução como para as situações em que se exige o cumprimento.
a. Problema: as clausulas penais têm diversas funções.
i. A este propósito – Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx: podem distinguir-se clausulas penais moratórias (em mora) e clausulas penais compensatórias (em incumprimento) – podem ser meramente indemnizatórias (facilitar a reparação do dano), compulsórias (são autónomas do montante de indemnização –
funcionam como pena acrescida) ou penais stricto sensu (visa compelir o devedor ao cumprimento, legitimando o credor a pedir um valor em acréscimo).
d) Xxxxx Xxxxxxxxxxx:
a. Entende que a norma do artigo 806º não é imperativa: é supletiva, já que as partes podem estipular um juro moratório diferente do legal.
b. Tem dúvidas sobre a limitação, ao interesse contratual negativo, da indemnização quando haja resolução.
c. Se o vendedor pretender a manutenção do contrato: não aplicação do artigo 811º/1, se a clausula penal tiver natureza meramente compulsória (funcionam como pena acrescida); mas vale, no entanto, o limite do artigo 935º - o vendedor pode pedir o cumprimento da prestação e a indemnização (limitada – 935º) e a pena (clausula pena compulsória)
d. Se a clausula penal for compensatória indemnizatória ou penal stricto sensu: não aplicação do artigo 935º, se se destinarem a acautelar um incumprimento definitivo e total e o comprador desejar manter o contrato (o alienante ficava privado da coisa e só receberia metade do preço). Esta estará sempre sujeita ao artigo 812º.
NÃO ESTÃO ANALISADOS TODOS OS PROBLEMAS
7.2. Aplicação do Regime da Compra e Venda a Prestações a Outros Contratos
O artigo 936º determina a valência do regime da venda a prestações para todos os contratos que pretendam obter um efeito semelhante: envolvam, ou não, a transmissão onerosa de bens (p.e. empreitada).
7.3. Contrato de Compra e Venda de Consumo a Prestações
Os contratos de compra e venda a prestações, no âmbito das relações de consumo, encontram-se regulados no Decreto-Lei 133/2009, de 2 de Junho, republicado pelo Decreto-Lei nº 42/A/2013 de 28 de Março – em especial, artigos 00x x 00x, xxxxx xxx xx xxxxxx 00x xx afasta o disposto no artigo 934º CC.
8. Compra e Venda Sobre Documentos
Este tipo de compra e venda vem regulada nos artigos 937º e ss: tem por objeto bens representados por títulos – logo, o objeto do contrato não são os documentos, são os títulos aos quais esses documentos se reportam. Assim, a obrigação do vendedor cinge-se aos documentos (artigo 937º do CC).
Em termos de risco:
(a) Aplicação das regras gerais.
(b) Exceção: artigo 938º/1/c) do CC – o risco corre por conta do comprador desde o momento da compra, se estiver em causa uma compra e venda e viagem, e mencionado este facto, figurar entre os documentos entregues a apólice de seguro perante os riscos do transporte (quando o seguro valha apenas para parte dos riscos – a regra aplica-se apenas à parte segurada, artigo 938º/3).
(c) Duas primeiras alíneas do artigo 938º: não se aplicam se o vendedor já sabia encontrar-se a coisa perdida ou deteriorada e dolosamente não o revelou ao comprador de boa fé (938º/2).
9. Locação-Venda
Este regime vem mencionado no artigo 936º/2 do Código Civil: na prática o contrato concretiza-se de forma simples, ou seja, as partes estabelecem um contrato de locação, no entanto, integram uma clausula que transforma o contrato em compra e venda, findo o pagamento das prestações. Assim, em termos práticos,
o pagamento não tem como fundamento a locação, mas sim a própria transmissão (desempenha a mesma função que a compra e venda com reserva de propriedade).
Este contrato distingue-se da: (1) locação com opção de compra, já que nesta existe uma verdadeira relação de locação, sendo que o locatário tem o direito potestativo de efetivar a transferência da propriedade.
9.1. A Natureza da Locação-Venda
TEORIAS AUTORES ARGUMENTOS
TEORIA DA | Xxxxx Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xxx | (1) Problemas: se o comprador não pagar a totalidade do preço há incumprimento da compra e venda (reserva de propriedade); na locação venda, não sendo pago o preço, mantém-se o contrato como uma locação (se o vendedor assim o entender). |
COMPRA E | ||
VENDA SUJEITA | ||
A RESERVA DE | ||
PROPRIEDADE | ||
UNIÃO | Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx | (1) Problemas: a locação já compreende aspetos ligados à venda (o valor das prestações já toma em conta a transmissão e não apenas o gozo). |
ALTERNATIVA | ||
DE CONTRATOS | ||
MODALIDADE | Menezes Leitão Xxxxx Xxxxxxxxxxx | A transferência da propriedade é diferida para o momento do pagamento integral do preço e, nesse intervalo, o vendedor obriga-se a proporcionar ao comprador o gozo da coisa. |
ESPECÍFICA E | ||
TÍPICA DE | ||
COMPRA E | ||
VENDA |
Perturbações Típicas da Compra e Venda
1. A Compra e Venda de Bens Alheios
1.1. Aspetos Essenciais
Em termos gerais, apesar da não concretização do conceito no CC, esta corresponde a: alienação de coisa cuja propriedade pertence a terceiro, como própria; não tendo, assim, o vendedor legitimidade para realizar a venda.
(a) Compra e venda de bens alheios no Código Civil: nulidade.
(b) Compra e venda de bens alheios no Código Comercial: validade (artigo 467º/2).
1.2. Pressupostos da Venda de Bens Alheios
1. Venda da coisa como própria:
a. Se as partes souberem, ambas, que a coisa pertence a terceiro, está em causa a compra e venda de coisa futura (893º CC); se se tratar de compra e venda comercial esta é valida; a venda de coisa genérica não pertencente ao vendedor não é nula: para a sua estipulação não é necessária a qualidade de proprietário ao tempo do contrato (539º e ss. do CC) – em todas estas, existe uma obrigação de aquisição que impende sobre o vendedor.
b. A venda como própria é pressuposto essencial: é necessário que haja realmente essa vontade.
c. Outras situações de bens alheios: 2076º/2; 291º.
1.3. A Promessa de Venda de Coisa Alheia
1. Admissibilidade: posição maioritária.
a. Argumentos: não é legalmente impossível, uma vez que o comprador pode adquirir a coisa até ao momento da celebração do contrato definitivo (não adquirindo, haveria incumprimento).
2. Admissibilidade limitada:
a. Xxxx Xxxxxxx: apenas admissível se for afastada a execução específica (seria nulo, exceto se houvesse convenção contrária à execução específica: noutra hipótese, o artigo 830º não seria operável, dado que não se poderia verificar uma declaração do tribunal que se substituísse ao cumprimento do promitente faltoso).
1.4. A Falta de Legitimidade
Xxxxx Xxxxxxxxxxx levanta a questão de saber se a existência de legitimidade (ou, p.e., autorização judicial – 674º) para proceder à venda retira a natureza de venda de bens alheios ao contrato – conforme defende alguma doutrina. Entende que não: não deixaria, nestas situações, de se verificar uma compra e venda de bens alheios, se o sujeito os vendesse como próprios, ainda que legitimado. Assim, as hipóteses referidas pelo artigo 892º, de venda de bens alheios por sujeito legitimado, apenas se referem às situações em que o sujeito vendo os bens como alheios.
Questiona, ainda, se se aplica o regime da venda de bens alheios às situações em que o alienante declara atuar como representante de outrem, mas sem possuir a legitimidade necessária:
(a) Xxxxx Xxxxxxxxxxx: estas hipóteses estariam abrangidas pelo regime dos artigos 892º e ss.
a. Argumentos (Xxxxxx Xxxxxxxx): o regime da representação sem poderes, com a possibilidade de rejeição do negócio, não pode conduzir a solução diversa da estabelecida na venda de bens alheios; em termos indemnizatórios deve ficar na
mesma posição que o que vende coisas alheias; a ratificação compra um direito de exercício transitório (268º/4) – na falta desta, aplica-se a venda da venda de bens alheios.
Para Xxxxx Xxxxxxxxxxx estão também sujeitas à venda de bens alheios os casos de venda em gestão não representativa (sem revelar a qualidade), no mesmo sentido, exceto se o dono do negócio vier a ratificar os atos praticados. Revelando a qualidade, a solução é distinta: não há venda de bens alheios.
1.5. Efeitos da Venda de Xxxx Xxxxxxx – A Nulidade
Em geral, a doutrina coincide no entendimento de que estamos perante um regime de nulidade atípica: já que apesar de o efeito ser o da nulidade, a forma como este regime se processa, na compra e venda, é distinta da forma como se processa no regime geral (286º).
1.5.1. Legitimidade para arguir a nulidade:
Seguindo a sistematização de Xxxx Xxxxxxx:
1. Vendedor e comprador de boa fé: o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador, mas o comprador pode invoca-la perante o vendedor.
2. Vendedor de má fé e comprador de boa fé: só o comprador pode suscitar a nulidade.
3. Vendedor de boa fé e comprador de má fé: só o vendedor pode arguir a nulidade.
4. Vendedor de má fé e comprador de má fé: a nulidade pode ser suscitada por qualquer um.
Pergunta-se, ainda a este respeito, o que deve o proprietário, cujo bem foi vendido por terceiro, deve fazer para clarificar a situação: (1) ação de declaração de negócio ou (2) ação declarativa de ineficácia.
a) Xxxx Xxxxxxx: prioridade da nulidade, dado que numa ação declarativa contra o negócio teria que ser necessariamente analisada a nulidade;
b) Xxxxx Xxxxxxxxxxx: discorda de Xxxx Xxxxxxx, posto que argumenta o facto de no comércio a venda de bens alheios não ser sempre nula, pelo que a ineficácia pode não pressupor a nulidade, e que o proprietário é titular de um direito absoluto, pelo que em ação declarativa se irá fundamentar em razões absolutas (provar a sua titularidade e não a nulidade do negócio).
a. Deve considerar improcedente uma ação de declaração de nulidade proposta pelo proprietário? De acordo com Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx, o juiz tem o poder-dever de corrigir o erro na qualificação jurídica do efeito pretendido e declarar a ineficácia do contrato.
Para além disto, pode ainda perguntar-se se a nulidade pode ser arguida por qualquer interessado:
a) Admissibilidade [Xxxxxx Xxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxx, Xxxxx xx Xxxx e Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx e Xxxx Xxxxx xx Xxxxxxxx].
b) Inadmissibilidade [Menezes Leitão]: entende que a nulidade da compra e venda de bens alheios está estabelecida no interesse apenas das partes.
E, ainda, se coloca a pergunta de saber se a nulidade pode ser conhecida oficiosamente:
a) Admissibilidade [Xxxxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxxxx, Xxxxx xx Xxxx e Xxxxxxx Xxxxxx e alguma jurisprudência].
b) Inadmissibilidade [Xxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxx Xxxxx Xxxxxxxx]: e Xxxxx Xxxxxxxxxxx, já que, de outro modo, estar-se-ia a afastar (indiretamente) as proibições de invocação da nulidade.
1.5.2. Efeitos da nulidade: obrigação de restituição do preço e da coisa vendida
O resultado da sanção de nulidade é a restituição, pelo comprador, ao vendedor (esteja ou não de boa fé) – este ponto é importante, já que se determina que a coisa não é entregue ao seu verdadeiro proprietário1. Na eventualidade de tal não ser possível: fica obrigado à entrega do valor correspondente. Acresce aos efeitos, nos termos dos artigos 289º/1 e 290º: a restituição do preço.
Em especial, no que respeita à obrigação de restituição do preço: esta obedece a um regime específico, distinto do artigo 289º (varia segundo exista, ou não, boa fé do obrigado).
a) Artigo 894º/1 – restituição integral do preço: o comprador de boa fé tem direito a exigir a restituição integral do preço, mesmo se os bens se hajam perdido, estejam deteriorados ou tenham diminuído de valor.
Em termo deste preceito, de facto, muitas interpretações se desenvolvem:
b) Argumento a contrario: o comprador de má fé não pode pedir a restituição integral do preço (ao contrário do que resulta do regime geral).
c) Diogo Bártolo/Xxxx Xxxxxxx: o artigo 894º/1 não visa dar ao comprador de boa fé o direito à restituição integral do preço (esse direito já resulta do artigo 289º/1); o sentido deste preceito é desligar a restituição integral do preço de vicissitudes sofridas pela coisa, enquanto esta esteja em poder do comprador de boa fé (não se pode exigir ao comprador de boa fé a prudência com o bem similar ao devido se ele soubesse que é alheio).
a. Consequência: o comprador de má fé só não tem o direito à restituição integral do preço nas situações enunciadas no preceito. Se estiver de má fé, vale o artigo 289º e 290º, que lhe permite restituir o preço.
d) Xxxxxxx Xxxxxxxx: harmoniza o artigo 894º/1 com o artigo 1269º - o comprador de boa fé, de bem alheio, só beneficiaria do regime estabelecido no artigo 894º se as vicissitudes não se deverem a culpa sua.
e) Menezes Leitão: o adquirente de boa fé beneficia, por via do artigo 894º/1, de uma proteção superior à do possuidor de boa fé (o grau de diligência exigido ao primeiro é inferior ao exigido ao segundo) – entende que o artigo 894º funciona como uma limitação, pelo enriquecimento sem causa, do valor a restituir.
f) Xxxxx Xxxxxxxxxxx: o regime dos artigos 1269º estabelece uma responsabilidade, ou não, do possuidor perante o proprietário e um direito aos frutos e às benfeitorias nas relações entre possuidor e proprietário.
a. Relações vendedor-comprador: como defende Xxxxxxx Xxxxxx, vale a solução prevista no artigo 894º; a culpa é irrelevante e não influencia o direito à restituição integral do preço.
i. A partir do conhecimento do vício da compra: passa a responder pela perda, deterioração ou diminuição (recebe do vendedor o preço limitado pelas circunstancias).
ii. Acresce-se, em qualquer das circunstancias, o previsto no artigo 894º/2.
iii. Nos termos do artigo 903º/1, o artigo 894º tem natureza supletiva.
b. Relações proprietário-comprador de boa fé: regem os artigos 1269º e seguintes; portanto, se destruir com culpa, o comprador responde perante o dono pela perda ou deterioração.
1.5.3. Convalidação do contrato de compra e venda de bens alheios e obrigação de convalescença
A propriedade transfere-se para o comprador no momento em que o vendedor a adquira: assim o estipula o artigo 895º do CC. Não obstante, o artigo 896º prevê exceções. E, ainda, o artigo 897º/1 prevê um
1 Assim não será se, eventualmente, tiver sido intentada uma ação possessória ou de reivindicação.
dever jurídico de validação do contrato de compra e venda de coisa alheia, em caso de boa fé do comprador (entendida por alguma doutrina como uma obrigação de resultado – são-lhe aplicáveis as regras previstas nos artigo 798º e ss.).
1.5.4. Indemnização fundada na nulidade do contrato
a) Artigo 898º (comprador de boa fé): exigir uma indemnização pelos prejuízos sofridos que não teriam sido sofridos se (1) o contrato fosse válido desde o inicio (sanada a nulidade) ou se (2) o contrato não tivesse sido realizado (não sanada a nulidade).
b) Artigo 899º (comprador de boa fé): danos emergentes que não resultem de despesas voluptuárias – não depende de culpa do vendedor.
1.5.5. Indemnização fundada na obrigação de convalidar o contrato
O artigo 900º prevê ainda a indemnização pelo incumprimento da obrigação de convalidação do contrato (que existe em caso de boa fé do comprador) e que é cumulável com as demais indemnizações.
a) Havendo boa fé de ambos os contraentes o vendedor não pode opor a nulidade do contrato à outra parte; responde pelo risco e pelo interesse contratual negativo nos termos do artigo 899º, e pelo interesse contratual positivo segundo o artigo 900º;
b) se o vendedor estiver de má fé́ no momento da celebração do contrato e o comprador de boa fé só o comprador pode suscitar a nulidade626; o alienante responde de acordo com o artigo 898.o, pelo interesse contratual negativo, e por força do artigo 900.o pelo interesse contratual negativo.
c) se ambos estiverem de má fé, qualquer um pode suscitar a nulidade do contrato, mas não se aplica nem a obrigação de convalidação (artigo 897º), nem qualquer das indemnizações constantes dos artigos 898º a 900º. O regime aplicável será́ o geral, com relevo para o artigo 570º do Código Civil;
d) Se o alienante se encontrar de boa fé e o comprador de má fé́ só́ o primeiro pode suscitar a nulidade; aplica-se apenas o regime do artigo 898.o – indemnização pelo interesse contratual negativo a cargo do comprador.
Note-se que, nos casos de má fé do comprador, não há nunca possibilidade de cumulação.
1.5.6. Garantia de Restituição por Benfeitorias
O vendedor é, nos termos do artigo 901º, garante solidário do pagamento das benfeitorias a reembolsar ao comprador de boa fé (remissão para o artigo 1273º). O vendedor, como garante, fica sub- rogado em todos os direitos do comprador em relação ao dono da coisa (592º/1 do CC). Pode perguntar-se, neste cenário, em que posição fica o comprador de má fé: este tem direitos à devolução ou reembolso das benfeitorias (1273º), mas não beneficia da garantia prevista no artigo 901º.
1.6. Casos Singulares: Venda de Bens Parcialmente Alheios e de Quota Indivisa
Ao artigo 902º deve aplicar-se o disposto no artigo 292º: se se mostrar que o negócio não teria sido realizado sem a parte alheia, o contrato é totalmente nulo (vale a regra constante do artigo 892º). Se, por outro, tivesse sido realizado, independentemente de parcialmente alheio: nos termos do artigo 902º, o contrato é reduzido.
A compra e venda de bens alheios aplica-se igualmente à coisa indivisa: quando um dos cotitulares vende uma parte ou a totalidade sem o consentimento dos restantes, em virtude dos artigos 1408º/1 e 2091º/1 (apenas se autoriza a disposição isolada da própria quota – 2124º e 2127º).
Semelhança raciocínio deve ser aplicado no contexto da compropriedade (artigo 1408º/2 – o comproprietário é considerado como estando a alienar ou onerar coisa alheia se vier a alienar ou onerar parte especificada da coisa comum sem o consentimento dos outros consortes). De acordo com Xxxxxxx Xxxxxx, a disposição vale igualmente se o objeto for toda a coisa comum. Não obstante, é sempre admissível a hipótese de redução (Xxxxxx Xxxxxxxxx, Xxx Xxxxx, Xxxxxx xx Xxxxxxx): transformando o negocio numa venda de coisa de quota ideal com a consequente limitação do contrato a essa quota – naturalmente, esta possibilidade de redução ou conversão depende sempre da vontade hipotética das partes (292º e 293º CC).
1.6. Caracterização do Instituto da Venda de Bens Alheios
TEORIAS AUTORES ARGUMENTOS
VICIOS DA VONTADE | Problemas: nulidade da compra e venda de bens alheios; pelo facto de o dolo referido em Carneiro da Frada vários preceitos ser na realidade á má fé́ ética; e pela consagração de uma obrigação de convalidação. |
CULPA IN CONTRAHENDO | Problema: incompatível com a nulidade; Xxxxxx Xxxxxx incompatível com um dever de indemnização por parte do vendedor de boa fé ao comprador (899º); |
MECANISMO ESPECIAL | Mecanismo destinado a avantajar a boa fé ou a Xxxxx Xxxxxxxxxxx penalizar a má fé, com predomínio dos aspetos sancionatório da má fé. |
2. A Compra e Venda de Bens Onerados
A venda de bens onerados aplica-se às situações em que incidem, sobre o bem transmitido, ónus que excedam os limites normais de direitos da mesma categoria (exemplos: servidão de passagem; contrato- promessa com tradição da coisa, contrato de locação, hipoteca, etc.). Nestes casos, aplica-se o regime previsto nos artigos 905º e ss. Esta modalidade corresponde, genericamente, a um cumprimento defeituoso.
Este regime, tem, no entanto, restrições:
a) O ónus tem de ser concomitante com a celebração do contrato.
b) Não se aplica quando os ónus ou limitações estiverem dentro dos limites normais inerentes a direitos daquela categoria.
A função da regulação desta perturbação é proteger o adquirente, com vista a que este não fique sujeito a limitações provenientes de direitos de terceiro. Só se aplica, assim, em caso de desconhecimento do comprador – ou seja, não se aplica se houver comunicação por parte do vendedor.
2.1. O Caso Particular da Compra e Venda de Ações
A doutrina debate se, na compra e venda de ações, o facto de o comprador não ter sido devidamente informado acerca da situação económica da empresa integra, ou não, a compra e venda de bens onerados.
a) Xxxxxx Xxxxxxxx: entende que, mesmo quando a sociedade tenha assumido dívidas ou prestado garantias que não foram dadas a conhecer ao adquirente, se está perante um problema de culpa in contrahendo (227º do CC). Porquê? Não incidem ónus que excedam os
limites normais; o que antes ocorre é que as ações não representam o valor esperado no capital social (deficiente informação).
2.2. As Consequências Jurídicas – A Resolução
O regime 905º prevê: anulabilidade do contrato, fundada em erro ou dolo. O prof. Xxxxxx Xxxxxxxx entende, no entanto, que não se trata de uma remissão para o regime geral do erro ou do dolo (247º e ss.) nem para o regime da anulabilidade (285º e ss.) – antes se deve remeter para a resolução. Porquê?
a) Ao regime do erro e do dolo não se aplica as consequências previstas na Secção em causa (expurgação do ónus, redução do preço ou pedido de indemnização – estas coadunam-se com o regime geral do incumprimento).
a. O regime do erro não se coaduna com a eliminação, substituição, redução ou indemnização.
b. O cumprimento defeituoso, enquanto regime, procura reequilibrar as partes: não sendo possível, então poder-se-á por termo ao contrato.
b) Não se está perante um problema de invalidade negocial: antes perante um cumprimento defeituoso.
c) A errónea representação da realidade (erro ou dolo) não se harmoniza com a convalescença do contrato: a possibilidade de convalidação está prevista para o erro e para o dolo, mas depende do errante (288º) e não do que causou o erro (como ocorre na venda de bens onerados).
d) O regime do erro não se coaduna com a perda do direito de anulação, se o vicio se houver sanado.
e) Se a coisa for genérica: não há erro, mas só cumprimento defeituoso.
Assim o artigo 905º deve ser interpretado em duas vertentes: (1) o comprador não pode pôr termo ao contrato com base em defeito de que tenha, ou pudesse ter tido conhecimento, no momento da celebração do contrato; (2) só se justifica a cessação do vínculo se a violação for de tal modo grave que não permita a manutenção do negócio.
2.2. As Consequências Jurídicas – Convalescença do Contrato
A convalescença vem prevista no artigo 906º: pretende-se sanar o vício através da sua remoção. Esta obrigação recai sobre o vendedor que, sem dar conhecimento à outra parte, vendeu um bem onerado. Em termos gerais:
1. O pedido de resolução não está dependente da exigência do dever de eliminar o defeito não satisfeita (905º).
2. Sanado o vício (feita de acordo com o art. 907º), pode ser requerida a resolução, se o prejuízo derivado do ónus ou limitação já tiver sido causado (906º/2).
3. O incumprimento desta obrigação conduz a responsabilidade civil, impondo o pagamento de indemnização (art. 910º).
2.3. As Consequências Jurídicas – Redução do Preço
O pedido de redução do preço vem previsto no artigo 911º: regula-se pelo disposto no artigo 884º.
2.4. As Consequências Jurídicas – Obrigação de Indemnizar
A obrigação de indemnizar pode assentar em duas causas: (1) culpa do vendedor, nos termos do art.
908º do CC; (2) responsabilidade objetiva, nos termos do art. 909º do CC.
Quando derive da culpa (1), é importante ter em conta que a noção de dolo tem por referência uma forma agravada de erro, ou seja, abarca, quer o dolo em sentido próprio, quer a negligência. Para além disto, esta indemnização engloba todos os danos que integram o interesse contratual negativo.
Quando derive de responsabilidade objetiva (2), a indemnização só abrange os danos emergentes, incluindo as despesas voluptuárias (artigo 909º e artigo 899º).
Nota: estas obrigações de indemnização podem ser cumuladas com a que resulta do não cumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato.
3. A Compra e Venda de Coisas Defeituosas
A compra e venda de coisas defeituosas encontra-se regulada nos artigos 913º e seguintes e consubstancia um tipo de cumprimento defeituoso – ou seja, o comprador pode recursar a entrega do bem defeituoso (conforme resulta do artigo 763º/1).
Tem como pressupostos (913º/1):
a) Vício: imperfeições relativamente à qualidade norma de coisas daquele tipo.
b) Desconformidade de qualidade: discordância em relação ao fim acordado ou ao fim normal das coisas daquela categoria (913º/2).
Note-se que o Prof. Xxxxxx Xxxxxxxx entende que o regime da compra e venda de coisas defeituosas vale tanto para a entrega de coisas com defeito, como para a entrega de coisa diferente da devida. No entanto, alguma doutrina, como o Prof. Menezes Cordeiro, discorda, dado que, nessa circunstância, já estaremos perante puro incumprimento.
Cabe, ainda, distinguir a aplicação deste regime a vícios originários ou vícios supervenientes:
a) Defeito originário: aplicação de compra e venda de coisas defeituosas, desde que o comprador desconheça, sem culpa, do defeito (não conhece nem pode conhecer do defeito).
b) Defeito superveniente: o artigo 918º remete para o regime do não cumprimento, mas nada impede que, nas especificidades próprias, seja aplicado o regime das coisas defeituosas (913º e ss.).
a. Considerar o regime do risco.
3.1. As Consequências de Regime
(1). Denúncia: o comprador tem de denunciar o defeito, nos termos previstos no artigo 916º (tendo em conta os prazos previstos e, ainda, o prazo especial para o regime da compra e venda comercial – art. 471º do CC).
i. O que é? Declaração negocial receptícia, sem forma especial para ser emitida, mediante a qual se comunicam, de forma precisa e circunstanciada, os defeitos de que a coisa padece.
ii. Pode ser dispensada se o vendedor tiver agido com dolo (916º/1).
(2). Regime de incumprimento (venda de bens onerados – 903º): e não o regime da anulabilidade (igualmente defendido pela jurisprudência); a prova do defeito incumbe ao comprador (art. 342º/1) e a culpa do vendedor presume (relação obrigacional – art. 799º). Como pode o vendedor reagir?
i. Reparação/eliminação do defeito.
ii. Não sendo possível ou sendo excessivamente onerosa: substituição da coisa.
iii. Não sendo possível ou sendo excessivamente onerosa: redução do preço (911º ex vi
913º).
iv. Não sendo possível ou sendo excessivamente onerosa: resolução do contrato.
(3). Cumulação com a indemnização: tem em vista cobrir os danos não ressarcíveis por estes meios, resultando do regime da venda de bens onerados (art. 562º e seguintes + 908º ex vi 93º/1).
NOTA: o vendedor tem um direito à reparação? Sim. O devedor (vendedor) entra em mora quando entrega a coisa com defeito (tendo decorrido o prazo – 805º). Pode oferecer a reparação, substituição ou redução do preço nos termos acima descritos. Naturalmente, o credor (comprador) pode recusar: a recusa será legítima
se o credor tiver perdido o interesse objetivo na obrigação (808º); a recusa será ilegítima se tal não se verificar, entrando o credor em mora (813º).
Contrato de Empreitada
A Empreitada no Direito Vigente
1. Noção e Aspetos Gerais
O contrato de empreitada vem definido no artigo 1207º: empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.
Não obstante o rigor da noção, há que notar uma evolução social do contrato de empreitada, que, para alguns autores, uma atualização do regime civil. Entende-se que a tendência atual vai no sentido da simplificação externa e da complexificação interna dos esquemas contratuais. Assim:
a) A obrigação de obter técnicos de eletricidade, de canalização, de engenharia, etc., pertence, cada vez mais, ao empreiteiro.
b) Cada vez mais, quem executa a obra não é o próprio empreiteiro: fica, antes, numa posição de controlo e responsabilidade das prestações de outrem, garantindo, perante o dono da obra, o resultado final.
Quanto aos elementos essenciais do contrato de empreitada (que são simultaneamente o objeto das duas obrigações principiais e sinalagmáticas que decorrem do contrato de empreitada):
a) Realização da obra,
b) Pagamento do preço.
2. Elementos Essenciais: a Obra
O problema relacionado com a noção de obra provém já do Direito Romano e prende-se com a questão de saber se as obras intelectuais, que não envolvem a empreitada tradicional, relacionada com estão englobadas no conceito de obra.
Numa primeira aproximação: no artigo 1207º, caberá a construção ou criação, reparação, modificação, demolição ou destruição de uma coisa, móvel ou imóvel. Assim: ficam abrangidas coisas imóveis, mas também coisas móveis – ultrapassando, em parte, um possível conceito tradicional de obra.
Numa segunda aproximação, o problema ganha outra dimensão: estarão, incluídas, obras intelectuais?
a) Doutrina maioritária [Xxxxxxxx Xxxxxxx, Xxxxx xx Xxxx e Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxx xx Xxxxx, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx]: a noção de obra abrange apenas e só um resultado material, excluindo-se, à partida, a obra intelectual (ou, de outro modo, incorpórea).
a. O regime do contrato de empreitada tem, em vista, coisas corpóreas.
b. Na encomenda de obras intelectuais não existe um plano convencional para a realização da obra.
c. A
d. Nas obras artísticas, deve admitir-se sempre que o criador se desvincule da prestação, que pode não conseguir cumprir – na empreitada, tal só é permitido ao dano (art. 1229º).
e. Artigo 14º (Código de Direito de Autor e Direitos Conexos): nomina o contrato cujo objeto seja obra intelectual como contrato de encomenda de obra, o qual deve, por isso, ser considerado um tipo contratual autónomo.
b) Consequência:
a. Classificam-se como prestações de serviços atípicas, aplicando-se-lhes o regime subsidiário do artigo 1156º (mandato).
b. Xxxxxx Xxxxxxxx (por exemplo): tal classificação seria desadequada, pelo que a solução passaria pela aplicação de, pelo menos, algumas regras da empreitada.
Para outro setor da doutrina, a noção de obra é mais ampla:
a) Doutrina minoritária [Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxxx]: qualificação, como empreitada, do contrato que tenha por objeto a produção de uma obra intelectual.
a. Há obra, para efeitos da empreitada: um escrito, um projeto de arquitetura, etc.
b. Pressuposto (corpus mechanicus): concretização da atividade e suporto suscetível de ser entregue ao dono da obra – seria suficiente.
c. A qualificação como empreitada é mais adequada do que a remissão para o regime do mandato (art. 1156º e seguintes).
b) Consequência: aplicação do regime da empreitada. Relativamente à posição adotada pela regência:
a) Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxxxx: a obra intelectual é, também ela, passível de ser objeto de um contrato de empreitada (desde que se verifiquem todos os elementos típicos do contrato de empreitada).
a. Existência de corpus mechanicum.
b. O resultado exteriorizar-se numa coisa concreta, corpórea ou incorpórea, suscetível de entrega e aceitação.
c. O resultado ser específico e concreto: puder ser separado do processo produtivo, do modo de realização e atividade e conteúdo espiritual, ou, ele próprio assuma a relevância de um significado ou utilidade própria desligada da atividade que esteve na sua origem (mesmo que constitua uma coisa incorpórea)2.
d. O resultado ter sido concebido e alcançado em conformidade com um projeto3.
b) Consequências: verificados estes pressupostos, aplica-se o regime do contrato de empreitada.
a. Nem todo os casos se reconduzem a empreitada; poder-se-á excluir, por exemplo, situações em que as partes não pretendem conferir ao processo de elaboração da coisa a centralidade e a sujeição ao escrutínio do dono da obra, pressupostos do contrato de empreitada.
b. Como resolver estes casos? Passa pela qualificação como contratos de prestação de serviços atípica, cuja melhor solução passa pela aplicação das regras do regime da empreitada, embora com diversas limitações.
3. Elementos Essenciais: O Preço
A empreitada é, segundo o artigo 1207º, um contrato oneroso, exigindo, por isso, uma contraprestação (como obrigação do dono da obra). Mais: exige-se a fixação deste em dinheiro. Assim: sempre que não seja possível distinguir uma contraprestação monetária, estar-se-á perante um contrato atípico (reconduzível, por exemplo, a uma prestação de serviços atípica e gratuita ou, eventualmente, a um contrato misto, composto por elementos típicos da empreitada e elementos típicos da permuta).
No que respeita à estipulação do preço – que tem, necessariamente, em conta o risco -, no contexto da empreitada, é possível distinguir várias modalidades:
a) Empreitada por preço global: o preço é fixado globalmente, independentemente das quantidades de trabalho ou materiais a realizar efetivamente.
2 Por exemplo: o parecer jurídico tem de estar, em princípio, excluído da noção de obra intelectual, para efeitos de contrato de empreitada, dado que, em regra, não é indissociável do seu autor.
3 Pode consistir em: cadernos de encargos; encomenda mais ou menos especificada.
a. Há uma clara assunção do risco pelo empreiteiro: a obra poderá sair mais cara ou mais barata do que o esperado.
b) Empreitada por artigo, por medida ou por tempo de trabalho: é feita uma fixação prévia de preços unitários, sendo o preço final a multiplicação dos preços pelas quantidades efetivamente utilizadas ou realizadas (não são certas aquando da celebração do contrato, mas meras estimativas).
a. Neste caso, ambas as partes assumem algum risco: o empreiteiro sofre com a fixação prévia e unitária dos custos; o dono da obra sofre pelo desconhecimento das quantidades exatas e necessárias.
c) Empreitada por percentagem: a remuneração encontra-se por contabilização dos custos que o empreiteiro teve na realização da obra, que lhe são reembolsados, acrescidos de um valor que resulta de uma razão/percentagem, a título de margem de lucro (calculada em função daquele valor de custos).
a. Maior risco para o empreiteiro: a remuneração ficará sempre limitada à percentagem previamente delimitada (apesar de vantajoso, dado que este sabe sempre que será reembolsado dos custos). É extremamente vantajoso para o dono da obra: pode controlar os custos.
Ponto chave é que, apesar de o preço ser, de facto, um elemento essencial do contrato de empreitada, este não tem de estar determinado à partida – é o que resulta, aliás, do art. 1211º/2 do CC, ao remeter para o art. 883º (define critérios subsidiários de determinação do preço). Para além disto, as regras gerais são igualmente aplicáveis: art. 400º, determinação por terceiro; art. 466º do Código Comercial, por força do artigo 939º (na parte que determina a possibilidade de um critério sujeito a arbítrio de terceiro).
Por fim, pode perguntar-se: o preço determinado inclui cargas fiscais, nomeadamente, o imposto de valor acrescentado? Apesar de a jurisprudência tender para um entendimento negativo, a regência discorda: caberá ao empreiteiro provar que as partes pretendiam que ao preço fixado ainda acrescesse o IVA (sob pena de se considerar que já o incluía).
4. Distinção em Relação a Figuras Próximas4
a) Distinção em relação à prestação de serviços: o contrato de empreitada é um contrato de prestação de serviços (a remuneração na empreitada é em função do resultado do trabalho, enquanto na prestação de serviços é em função do tempo de atividade – este critério é tendencial)
a. Prestação de serviços atípica: o resultado do trabalho, na empreitada, tem de ser uma obra, enquanto que na prestação de serviços atípica o resultado do trabalho não se reconduz a uma obra (delimitação pela negativa);
b. Mandato (prestação de serviços típica): no mandato, o mandatário realiza atos jurídicos e atua por conta de outrem (1157º); na empreitada, o empreiteiro realiza atos materiais e atua por conta própria;
c. Depósito (prestação de serviços típica): a obrigação do empreiteiro é a realização da obra, sendo que a guarda da obra tem natureza eventual; no depósito, a obrigação de guarda é exercida a título principal.
b) Distinção em relação ao contrato de trabalho: o contrato de trabalho pressupõe a prestação do trabalho enquanto atividade (obrigação de meios), sob a autoridade ou direção de outrem; já a empreitada pressupõe a realização de uma obra (obrigação de resultado), sendo a atuação autónoma em relação ao dono (ainda que este possa elaborar o projeto, determinar alterações ou fiscalizar a obra).
4 Informação retirada, exclusivamente, do manual do Prof. Menezes Leitão. No manual do Prof. Xxxxx Xxxxxxxxxxx e do Prof. Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx está tratada nas páginas 189 e seguintes.
c) Distinção em relação à compra e venda:
5. Classificações do Contrato de Empreitada
a) Nominado e típico: previsto nos artigos 1207º e seguintes.
b) Não formal: não está sujeito a particulares exigências de forma (princípio da liberdade de forma – art. 219º).
c) Consensual: basta o acordo das partes para que o contrato seja eficaz (a entrega de bens coloca-se, já, no âmbito da execução do contrato.
d) Obrigacional: regra geral, não tem eficácia real; os efeitos que decorrem são a obrigação de realizar uma obra e a obrigação de pagar o preço.
a. Exceção: sê-lo-á (contrato com eficácia real), quando opera a transferência de direitos reais
– quando o empreiteiro forneça materiais a incorporar na obra (por exemplo).
e) Oneroso: como foi já desenvolvido supra (ponto 3).
f) Sinalagmático: cria obrigações recíprocas e interdependentes.
g) Comutativo: as prestações de ambas as partes são, à partida, certas quanto à existência e conteúdo.
a. Exceção: esporadicamente, poderá ter natureza aleatória (p.e.: ficar acordado o pagamento do preço, independentemente da realização da obra, por dúvidas acerca da propriedade do solo).
h) Contrato de execução instantânea, mesmo se prolongada: a realização da obra poderá prolongar- se ao longo de um período de tempo, mais curto ou mais extenso, no entanto, tal extensão não é relevante para determinar o conteúdo da obrigação (o interesse do credor só fica satisfeito com a execução e entrega da totalidade da obra).
Os Efeitos do Contrato de Empreitada
1. Direitos e Deveres das Partes – Os Direitos do Dono da Obra
1.1 Aquisição e Receção da Obra
A aquisição e receção da obra corresponde à satisfação do interesse primordial do dono da obra:
nos termos do art. 1208º do CC, ou seja, de acordo com o que fora convencionado.
Implica, naturalmente, esta entrega o cumprimento de todas as regras da arte aplicáveis à atividade do empreiteiro (inserindo-se no cumprimento segundo a boa fé – 762º/2). Assim, a boa fé implica que o empreiteiro dê conta ao dono da obra da existência de problemas (p.e. violação de regras de segurança), já que, em ultima instancia, o que se pretende é uma obra isenta de vícios. A violação destes deveres de informação pode dar lugar a cumprimento defeituoso.
Questão colocada: tem o dono da obra o direito a receber uma prestação que seja desconforme com as regras da arte ou outras que norteiem o exercício da atividade do empreiteiro?
Problema concreto: casos onde o empreiteiro, tendo notado, de acordo com o dever de diligência exigido, que a execução do projeto nos termos convencionados e/ou com os materiais convencionados colocaria riscos sérios de segurança, salubridade ou integridade física dos utilizadores da obra, é colocado perante uma insistência do dono da obra na realização da mesma, nesses exatos termos. Eventualmente, até com a assunção expressa, pelo comitente, da responsabilidade decorrente dessa execução.
a) Entendimento favorável [Xxx Xxxxx, Xxxxxxxx xx Xxxxxxx]: se o dono da obra, adequadamente informado, continua a insistir na execução nos termos inicialmente convencionados, o empreiteiro deve cumprir, mas fica exonerado de responsabilidade.
a. Argumentação: o empreiteiro não pode recusar executar fielmente o projeto (não tem interesse em contrário); o único interesse a tutelar é o do dono da obra, que pode dispor do projeto como bem entender.
b) Xxxxx Xxxxxxxxxxx: (1) reconhecimento ao empreiteiro, quando isso seja na sua perspetiva ainda razoável em função do acordado, a possibilidade de impor alterações ao projeto ao dono da obra (mas não a possibilidade de pôr termo ao contrato, uma vez que isso permitiria eximir-se de um contrato a que se comprometeu e que ainda era passível de cumprimento; (2) caso o dono da obra não concorde com as alterações, não pode exigir o cumprimento nos termos iniciais, mas pode sempre opor-se a que tais alterações se concretizem, podendo termo ao contrato (1229º - indemnizando o empreiteiro); (3) caso o dono da obra continue a insistir no cumprimento do contrato e a execução do projeto conduza a consequências nefastas para o empreiteiro, nomeadamente, responsabilidade criminal5, admite-se que este resolva o contrato.
a. O empreiteiro responde, ainda, perante terceiros a titulo de responsabilidade civil: a declaração do dono da obra apenas exonera o empreiteiro a titulo de responsabilidade contratual.
b. É errado o entendimento de que o único interesse em jogo é o do dono da obra, já que o empreiteiro tem também uma reputação profissional: o empreiteiro tem, assim, o direito de recusar a vinculação absoluta ao projeto se com isso ficar vinculado a executar um contrato que ponha em causa a segurança de terceiro.
c. Solução mais consonante com o art. 1215º CC.
5 O cumprimento de uma obrigação não é exigível se ela corresponder a uma conduta ilícita ou criminal.
1.2. Fiscalização da Obra
Nos termos do art. 1209º, o dono da obra pode fiscalizar o processo de execução da mesma, sempre de acordo com os ditames da boa fé (não prejudicando a execução). Determinando um terceiro, naturalmente, o dono responderá por danos que este causar, nos termos do artigo 800º.
Os custos associados à fiscalização, supletivamente, correm por conta do dono (salvo estipulação em contrário no contrato, não poderá descontar os custos ao valor pago).
Questão colocada: podem as partes afastar o direito do dono da obra a fiscalizar a sua execução?
a) Xxxxxxx Xxxxxx: o artigo 1209º é uma disposição injuntiva
a. Tal possibilidade tornaria o contrato numa compra e venda de coisa futura: considerando a fiscalização um elemento qualificativo do contrato de empreitada.
b) Xxxxxx Xxxxxxxx: admite a possibilidade (autonomia privada e liberdade contratual), porquanto poderá servir um interesse das partes.
c) Xxxxx Xxxxxxxxxxx/Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx: o poder de fiscalização é essencial à qualificação como empreitada, logo, as partes afastarem implica afastarem o regime da empreitada.
a. A injunção não implica que: não se exerça os poderes de fiscalização (faculdade e não dever); não possam ser regulados esses poderes de fiscalização no próprio contrato.
Nos termos do art. 1209º/2, o exercício dos poderes de fiscalização não implica uma renuncia aos direitos resultantes de uma má execução. Tal renuncia só ocorre nos termos do art. 1209º/2 in fine: se o dono da obra tiver dado expresso consentimento à forma como a obra foi, naquele caso, executada.
Problema que o art 1209º/2 não parece solucionar: a hipótese de o dono da obra ter, não apenas a possibilidade, mas conhecimento efetivo de o empreiteiro se encontrar em desvio face ao plano convencionado ou às regras de construção e, no entanto, nada dizer, vindo mais tarde a invocar direitos relativamente aos defeitos de execução.
a) Xxxxxx Xxxxxxxx: a invocação dos direitos pelo dono da obra comportaria abuso de direito, nomeadamente, venire contra factum proprium.
b) Xxxxxxx Xxxxxx: interpretação literal, pelo que, só na circunstancia prevista no art 1209º/2 se poderá efetivar uma situação de renuncia.
c) Xxxxx Xxxxxxxxxxx/Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx:
a. Regra geral: a fiscalização satisfaz um interesse do dono a obra e não garante, ao empreiteiro, uma instancia de controlo externo, logo, não afasta, o exercício de fiscalização, a existência de um cumprimento defeituoso. O exercício da fiscalização não pode funcionar de forma desvantajosa para o dono.
b. Apesar disto: o contrato de empreitada não foge aos institutos gerais da boa fé (nomeadamente, 334º do CC), logo, nem sempre a ausência de declaração expressa justifica a não renuncia.
i. Provando-se possuir o dono da obra/comissário conhecimentos do desrespeito das regras da arte, como aceitar vir ele, posteriormente, na hora da verificação, a invocar direitos perante aquela má execução?
ii. Assim: havendo conhecimento efetivo dos erros, não há lugar a beneficio pelo dono da obra/comissário.
2. Direitos e Deveres das Partes – Os Deveres do Dono da Obra
2.1. Pagamento do Preço
O pagamento do preço corresponde ao dever principal do dono da obra: note-se que, apesar da regra geral da estabilidade, por acordo das partes (art. 406º CC) podem as partes rever o preço contratualmente estipulado (em especial, arts. 1214º e 1217º).
Em especial, quanto ao tempo de pagamento: o preço deve ser pago, nos termos do art. 1211º/2, no momento de aceitação da obra. Esta disposição é supletiva, funcionando apenas no silencio das partes (nesta circunstância, só a partir do ato de aceitação da obra pode a contraparte exigir o cumprimento da obrigação de pagamento do preço).
A falta de pagamento do preço do contrato, uma vez que se trata de contrato sinalagmático, permite ao empreiteiro invocar a exceção de não cumprimento (art. 428º CC), recusando-se a executar a obra até que este ocorra. Ainda: indemnização por danos moratórios (art. 804º CC) e, se eventualmente se converter em incumprimento definitivo, a resolução do contrato (arts. 801º/2, 802º/1 e 808º CC). Na eventualidade de invocação da exceção de não cumprimento e da decorrência do prazo de execução: há lugar a prorrogação do prazo de execução. Este raciocínio, como se compreende, funciona inversamente.
Nota acerca da exceção de não cumprimento: os prazos de cumprimento não carecem de ser simultâneos, bastando que a prestação da parte que se faz valer deste instituto seja efetuada depois da do contraente que está em incumprimento.
2.2. Verificação, Comunicação e Aceitação e Aceitação da Obra
O dono da obra deve verificar a obra após a sua conclusão e antes da aceitação: tal comportamento visa confirmar a concordância da obra com o acordado (art. 1218º/1). Para que o dono da obra possa exercer esta posição jurídica é necessária a comunicação, pelo empreiteiro, da conclusão da obra e ainda que a obra seja colocada à disposição do dono (este dever, note-se, envolve condutas positivas e condutas negativas).
Pergunta-se: como se qualifica a posição jurídica do dono da obra, quanto à verificação?
a) Ónus (ónus material/encargo): o dono da obra pode escolher não a realizar, importando isso um conjunto de consequências potencialmente negativas.
i. Posição defendida por Xxxxx Xxxxxxxxxxx: traduz-se estruturalmente num dever, mas segue um regime particular, funcionando no interesse de outras pessoas (ainda que por estas não possa ser exigido).
b) Direito do dono da obra
c) Dever do dono da obra: resulta a letra do preceito (art. 1228º/1); só esta é consonante com o art. 1228º/2.
No que respeita ao prazo para a verificação: em primeiro lugar, funcionará a vontade das partes; no silêncio, aplica-se o prazo supletivo, previsto no art. 1218º/2.
No que respeita às despesas de verificação:
a) Quando se recorra a peritos (art. 1218º/3): são suportadas pela parte que tomou a iniciativa de recorrer a esses terceiros.
b) Quando não se recorra a peritos: elas correm por conta do empreiteiro, exceto se se tratar de uma verificação com um certo grau de complexidade ou duração (exemplos: testes ou período experimental), situações nas quais deve correr por conta do dono da obra (atenta a um interesse do dono da obra).
i. Base: boa fé e razoabilidade – ter em conta o principal beneficiado.
Realizada a verificação, segue o ónus material6 de comunicar o resultado ao empreiteiro (1218º/4). Consiste, esta comunicação, num ato jurídico simples, no qual se comunica a existência ou inexistência de vícios (aparentes), ou a existência de desvios ao plano convencionado. A este ónus devem ser aplicáveis os prazos constantes do art. 1218º/2.
Na falta de verificação ou de comunicação, o silêncio tem o valor de aceitação (1218º/5) – uma aceitação sem reservas (cujas consequências se encontram-se previstas no art. 1219º/1). A regência entende, ainda, que a denuncia se defeitos pode ocorrer sem a verificação da obra, em situações limite. Nessa perspetiva, o artigo 1218º/5 fica restringido às situações em que o dono da obra nada faz.
Nota: o art. 1218º/5 pressupõe incumprimento definitivo e não apenas mora no cumprimento do ónus/dever. A ausência de verificação ou de comunicação só valem como aceitação da obra depois de se fazer funcionar o art. 808º CC, interpelando o dono para cumprir o dever em falta, dando para isso prazo razoável, ou depois de o empreiteiro ter pedido interesse no cumprimento (objetivamente).
Posteriormente, deve, ainda, o dono da obra proceder à aceitação. Quais as consequências desta?
1) Transferência da propriedade (1212º/1).
2) Transferência do risco (1228º/2).
3) Irresponsabilidade do empreiteiro por vícios conhecidos do dono da obra e não ressalvados e pelos vícios aparentes, que se presumem conhecidos (1219º/1 e 2).
4) Em caso de aceitação com reservas: inicio do prazo de garantia legal ou convencional sobre os defeitos (1224º/1).
5) Vencimento da obrigação de pagamento (1211º/2).
Como se depreende, os efeitos dependerão do caráter da aceitação: nos termos do artigo 1219º/1, a aceitação pode ser feita sem reserva; nos termos do art. 1224º/1, a aceitação pode ser feita com reserva.
a) Aceitação com reservas: ocorre se a obra tiver defeitos, mas o dono da obra a aceita, declarando, assim, não prescindir dos direitos que lhe assistem.
a. Podem ser efetuadas expressa ou tacitamente.
b) Aceitação sem reservas: ocorre se o dono da obra aceitar a obra, simplesmente, sem menção a quaisquer defeitos que tenha encontrado.
a. Exoneração da responsabilidade do empreiteiro: por defeitos conhecidos do dono da obra (1219º/1); por defeitos aparentes (1219º/2 que se presumem conhecidos7).
i. Art. 1219º/1: uma presunção iuris tantum.
ii. Na hipótese de não ter havido, de todo, verificação, não parece que seja possível ilidir tal presunção (não seria possível, ao dono da obra, provar o desconhecimento, sem culpa).
A aceitação é informal (art. 219º), fundando-se, assim, no princípio da consensualidade. Ainda, não se impõe que seja expressa.
2.3. Outros Deveres e Ónus Acessórios do Contrato
Do contrato decorrem deveres acessórios para as partes, e, em particular, para o dono da obra:
a) Colaboração com o empreiteiro, permitindo a correta execução do projeto.
b) Comunicação e informação entre as partes.
6 Para os Professores Xxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx. A mesma opinião não é seguida por Xxxxxxx Xxxxxx, que entende tratar-se de um dever.
7 Com base no critério do homem médio, colocado na posição daquele agente. Note-se, no entanto, que este critério, se estiver em causa um dono de obra que é profissional ou que detém especiais conhecimentos acerca da obra em causa, deve ser mediado por essa circunstância concreta.
c) Entrega da coisa objeto da intervenção ou do terreno;
3. Direitos e Deveres das Partes – Direitos do Empreiteiro
3.1. Receção do Preço
Quanto à receção do preço, coloca-se a problemática da prescrição deste direito. A questão coloca- se, neste âmbito, do seguinte modo: saber se é aplicável, nos termos do artigo 317º/b), o regime da prescrição presuntiva.
O efeito da prescrição presuntiva não é, propriamente, a extinção da obrigação, mas antes a inversão do ónus da prova que deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem de provar o pagamento, para ficar a cargo do credor, que terá de demonstrar o não pagamento - e só por confissão do devedor, que pode ser extrajudicial, e nesse caso, só releva se for escrita, ou pode ser também judicial, caso em que tanto vale a confissão expressa como a tácita (considerando-se, neste contexto, confessada a dívida, se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento em tribunal, ou praticar em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento). Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Deve considerar-se, de acordo com a regência, que o contrato de empreitada (pequenas empreitadas) preenche a previsão normativa do art. 317º/b), estando por isso sujeito ao prazo de dois anos, a que corresponde a prescrição presuntiva, neste caso.
3.2. Direito de Retenção
O empreiteiro tem direito a retenção da obra e demais objetivos que deva entregar. Ainda que tal admissibilidade tenha sido discutida na doutrina, atualmente, é quase unanime, na doutrina e na jurisprudência, que o empreiteiro tem direito de retenção.
Um dos objetivos deste direito do empreiteiro é justamente repor o equilíbrio do contrato: o equilíbrio só é conseguido, perante a entrega da coisa, se for cumprida a correspondente obrigação de pagamento do preço. Assim: não sendo tal obrigação cumprida, pode o empreiteiro reter a obra.
Questão que se coloca: saber se o direito de retenção pode ser exercido sobre coisa de terceiro.
a) Doutrina maioritária [Xxxxx Xxxxxxxxxxx, de entre os quais]: responde no sentido afirmativo, exigindo que o empreiteiro haja adquirido a posse por título legítimo;
b) Jurisprudência: responde no sentido negativo ou dúbio, negando-o contra terceiros (designadamente, contra o proprietário da coisa).
Questão que se coloca: saber se o direito de retenção pode ser exercido sobre coisa própria.
a) Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxxx Xxxxxxxx: respondem no sentido negativo, uma vez que este pressupõe coisa alheia;
b) Xxxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxxxxx: invoca o art. 871º/4, ao admitir a reunião na mesma pessoa das qualidades de proprietário do bem hipotecado e credor hipotecado ou pignoratício; invoca os arts. 758º e 759º, que autorizam uma proximidade entre as figuras da hipoteca e penhor do direito de retenção.
4. Direitos e Deveres das Partes – Deveres do Empreiteiro
4.1. Realização da Obra
A realização da obra respeita a critérios específicos: nos termos do art. 1208º, porque se pretende sem vícios ou faltas de qualidade. Devem, em virtude a boa fé (art. 762º/2) ser cumpridas as regras da arte e todas as outras necessárias.
Quanto às regras da arte: esta são regras standard. Na falta de acordo das partes, representam aquelas objetivamente consideradas, de conhecimento por parte do empreiteiro. A obrigação do empreiteiro é uma obrigação de resultado, daí que só se mostre cumprida se a obra for entregue nos termos técnicos apropriados.
Pode perguntar-se, no entanto, qual a diligência exigida: é uma diligência média, pelo que, em regra, o empreiteiro não é obrigado a dominar as técnicas de ponta. Não obstante, tal diligência resultará sempre dos termos do acordo: pela interpretação (236º) pode, inclusive, vir a concluir-se ter o empreiteiro sido escolhido pelo facto de dominar essas técnicas de ponta, mais avançadas, pelo que, nessas circunstancias, essa será a diligência a observar.
O não cumprimento do empreiteiro desta obrigação no prazo convencionado pelas partes determina, nos termos gerais, a mora do empreiteiro (art. 805º/2/a), exceto se a decorrência do prazo for imputável ao dono da obra (situação, na qual, há lugar à prorrogação do prazo). E se as partes não houverem estipulado um prazo8? Estaremos perante uma obrigação de prazo natural (art. 777º/2): se for necessário fixar um prazo para o cumprimento e não havendo acordo (devendo, naturalmente, respeitar-se um prazo razoável), a fixação é deferida para o tribunal. Questão: o problema deve ser sempre resolvido através de processo de fixação judicial de prazo? A regência entende que não.
a) Problema: trata-se de uma situação injusta; entra em antinomia com o defendido pela jurisprudência e doutrina a propósito de um dever do empreiteiro (de eliminar defeitos ou de realizar nova construção – 1221º e 1225º do CC).
b) Nas situações em que é fixado um prazo razoável:
a. O deferimento ao tribunal não é razoável: se se optar por recorrer a tribunal, se o dono da obra ganhar a “disputa”, os efeitos da mora reportam-se ao momento do não cumprimento do prazo inicialmente fixado. Ou seja: ficciona-se que o prazo não deixa de correr, ainda que o processo esteja em curso, evitando-se, assim, a inércia do empreiteiro.
c) Só assim tal solução é consonante com o dever do empreiteiro eliminar defeitos ou de realizar nova construção: obrigação que é normativamente identifica à realização da obra;
4.2. Fornecimento de Materiais e Xxxxxxxxxx
Nos termos do art. 1210º/1: os utensílios e materiais, na ausência de estipulação das partes, devem ser fornecidos pelo empreiteiro. Na ausência de estipulação das partes, os materiais devem corresponder às características da obra e ser de qualidade média (1210º/2 CC).
E se os materiais foram de qualidade inferior à média? Considera-se haver cumprimento defeituoso da obrigação: são atribuídos, em função disso, ao dono da obra os direitos típicos (1220º e ss.).
E se os materiais foram de qualidade superior à média? Considera-se que não há lugar à revisão do preço, por vontade unilateral do empreiteiro, com a ressalva constante de possíveis alterações necessárias, nos termos do art. 1215º.
4.3. Guarda e Conservação da Coisa
O empreiteiro tem o dever de guardar e conservar a coisa (objeto mediato do contrato) – eventualmente, desde o momento em que a recebe do dono da obra (se for esse o caso) até ao momento da entrega.
Este dever está sujeito ao regime da obrigação de guarda do depositário e abrange, ainda, os materiais eventualmente fornecidos pelo dono e ainda não incorporados na obra. Assim, em caso de
8 Não está, este prazo, na completa disponibilidade do dono da obra: circunstância que resulta, aliás, da própria natureza da empreitada.
perecimento ou deterioração da coisa, presume-se a culpa nos termos do art. 799º do CC. É sempre um dever acessório que não descaracteriza a especificidade do contrato de empreitada.
4.4. Entrega da coisa
O momento do cumprimento da obrigação de entrega da coisa, assim, está dependente de um prazo.
No caso de as partes não terem estipulado esse prazo para o cumprimento, quid iuris?
a) Xxxxxxx Xxxxxxx: o vencimento dessa obrigação verifica-se no momento da aceitação da obra (pelo dono da obra).
b) Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx: aplicação do art. 777º/2 CC, por se tratar de obrigação de prazo natural.
c) Xxxxxxx Xxxxxx, Xxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx: depende da interpelação pelo dono da obra (art. 777º/1).
A regência discorda da posição enunciada em b), porque não considera que a obrigação de entrega da coisa seja uma obrigação de prazo natural (só a obrigação de realização da obra o é).
4.5. Outros Acessórios
Os deveres acessórios do empreiteiro resultam, fundamentalmente, da boa fé. São alguns exemplos:
a) Deveres de informação da outra parte, por xxxxx, xxxxx e sem deter das informações detidas pelo empreiteiro (logo, presumivelmente, parte mais fraca).
b) Entrega, com a própria obra, de todos os documentos a ela pertinentes (manuais de instruções, licenças de utilização, documentos de garantia voluntária, etc.): decorre do art. 882º/29, também aplicável em sede de empreitada, por ser um contrato oneroso pelo qual se transmitem direitos sobre bens (art. 939º - remissão).
5. Transferência da Propriedade
Em termos gerais: o regime da empreitada funciona como exceção às regras gerais de transferência de direitos reais (art. 408º), por efeito do contrato.
O regime especial vem enunciado no art. 1212º e parece só se aplicar às empreitadas de construção/criação, posto que só em relação a estas se coloca a problemática da transferência da propriedade. Não obstante, é um regime supletivo: a regência considera não existirem razões de interesse público que justifiquem a sua imperatividade.
Exemplo importante: as partes podem estipular a reserva de propriedade sobre a obra, realizada até ao integral pagamento do respetivo preço pelo dono da obra.
5.1. Empreitada de Xxxxx Xxxxx
(1) Se os materiais foram no todo (ou maioritariamente) fornecidos pelo empreiteiro: a propriedade transmite-se com a aceitação da obra por parte do dono da obra (art. 1212º/1/1ª parte).
(2) Se os materiais são do dono da obra: ele não perde a propriedade sobre elas e adquire-a sobre a obra completa, quando esta é terminada (não depende, já, da aceitação), nos termos do art. 1212º/2/2ª parte.
5.2. Empreitada de Xxxxx Xxxxxx
9 A não ser aplicável, semelhante dever acessório resultaria sempre da boa fé.
(1) Se o solo ou superfície pertencerem ao dono da obra: o dono da obra é o proprietário da coisa, ainda que os materiais tenham sido fornecidos pelo empreiteiro; a propriedade destes vai-se transmitindo à medida que são incorporados no solo (art. 1212º/2).
(2) Se o solo ou superfície pertencerem a terceiro: a transferência da propriedade ocorre se e quando
se verificar a transferência da propriedade do solo, para o dono da obra.
1) De acordo com alguma doutrina: lacuna, carente de integração.
2) Regência: omissão voluntária, dado que, nesses casos, estamos perante um contrato misto (atípico), onde juntamente com a obrigação de realizar uma obra, o empreiteiro faz uma promessa de venda do imóvel onde a obra será construída.
A regência questiona: o que, neste caso do contrato misto, é o ato gerador da transmissão da propriedade?
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx: admite poder ser a aceitação da obra, se ela revestir formalismo legal previsto para a transmissão de bens imóveis (art. 875º CC);
Xxxxx Xxxxxxxxxxx/Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx/Xxxxxxx Xxxxxx: opera com o contrato translativo da propriedade do terreno, podendo ocorrer antes (art. 1212º/2 – o dono da obra é proprietário desde o início), durante (o dono da obra passa a ser proprietário do solo e da obra, adquirindo o remanescente à medida da inserção dos materiais – art. 1212º/2) ou após a construção da obra (não se aplica o art. 1212º/2).
6. Risco de Deterioração ou Perecimento da Obra
O risco vem regulado no art. 1228º/1 do CC, reafirmando o principio geral constante do art. 796º/1. Assim, a verificação do risco comporta, previamente, a verificação do proprietário da coisa (conforme desenvolvido no ponto 5.).
Problema: quanto à perda e deterioração dos materiais ainda por incorporar na obra. Em relação a estes bens deve aplicar-se o regime geral, nos termos do art. 1228º/1 (o risco pertence, nesta medida, ao proprietário dos materiais ao momento do perecimento/deterioração).
O artigo 1228º prevê, no entanto, exceções: o risco corre, assim, por conta do dono da obra, nas situações em que este esteja em mora quanto à aceitação e à verificação. Este preceito, note-se, só se aplica aos casos de propriedade da obra pelo empreiteiro: os demais são respondidos, perentoriamente pelo art. 1228º/1.
Este regime do risco deve ser harmonizado com o dever de depósito do bem, já desenvolvido supra. Funciona, em primeiro lugar, a presunção de culpa do empreiteiro (depositário), nos termos do art. 799º do CC; só se for ilidida a presunção de culpa é que funciona, naturalmente, as regras do risco.
O regime do risco deve, ainda, ser conciliado com a impossibilidade objetiva de cumprimento, regulada no art. 1227º, que pressupõe a impossibilidade de refazer a obra (ficando, as demais hipóteses, sujeitas ao regime do risco).
1. Noções Gerais
A Subempreitada
A subempreitada vem prevista no art. 1213º e é definida como o contrato pelo qual um terceiro se obra para com o empreiteiro a realizar a obra a que se encontra vinculado, ou uma parte dela. O recurso, na prática, a este mecanismo resulta de várias motivações:
a) Especialização técnica, impossibilitando que todas as valências da obra sejam asseguradas por um único empreiteiro.
b) Gestão mais adequada dos meios, procurando responsabilizar subempreiteiros por partes determinadas da obra.
2. Regime Aplicável
Do artigo 1213º/1, e do regime do subcontrato, decorre que o empreiteiro fica, em relação ao subempreiteiro, na mesma posição do dono da obra em relação ao empreiteiro. Assim: (1) o regime da empreitada é aplicável à relação de subempreitada – exceto os preceitos que tenham em vista a proteção do dono da obra leigo, posto que na mesma posição não está o empreiteiro (1214º/3, p.e.); (2) a subempreitada é um contrato subordinado ao contrato de empreitada, logo, está numa relação de dependência para com este.
2.1. A Admissibilidade da Subempreitada
É legítimo questionar: em que momento é possível a subcontratação? A resposta encontra-se no art. 1213º/2, que remete para o art. 264º, ou seja, nos momentos em que seja possível a subprocuração. A resposta, no entanto, depende da distinção entre substitutos e auxiliares.
1) Substitutos: aqueles que tomam a posição do empreiteiro na execução da obrigação principal e o fazem com autonomia e liberdade de meios.
a. Regulação: art. 264º/1 – se o representado o permitir ou se tal faculdade resultar da procuração ou da natureza da relação jurídica em causa.
b. É esta a regra geral que resulta para a subempreitada: (1) se o dono da obra o aceitar; (2) se o contrato base o permitir (autorização expressa ou tácita); (3) se isso for necessário para a execução do contrato.
2) Auxiliares: aqueles que são meros prestadores de apoio material ao empreiteiro, enquanto este executa, por si, as obrigações assumidas.
a. Regulação: art. 264º/4 – só não é permitido se a procuração ou impedir ou se tal impedimento resultar da natureza do ato a praticar.
A posição da jurisprudência e da doutrina tem sido distinta: na verdade, tem-se admitido, na generalidade, a subempreitada, exceto se se demonstrar que o contrato foi celebrado em função de particulares qualidades do empreiteiro (ou seja, se se concluir no sentido da infugibilidade da prestação). Esta posição, de acordo com a regência, para “adicionar” ao art. 264º/1 a relevância dos usos. Sobre nos casos de empreitada de bens imóveis, tem a jurisprudência concluído que é o comitente/dono da obra que tem o ónus de provar se o contrato intuitu personae (e não o empreiteiro a justificar o recurso a subempreiteiros). Xxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxx Xxxxxxxx concordam com esta posição, justificando-a através de três vias alternativas (por ordem de preferência):
1) Resulta do art. 264º/1 pela alusão à relação jurídica base: resulta do próprio acordo, salvo situações excecionais, a fungibilidade das prestações (admissibilidade de princípio de comissário subcontratar ou usar auxiliares);
2) O disposto no art. 1213º/2, ao remeter para o art. 264º/1, indica uma aplicação com as necessárias adaptações – estas justamente derivadas da circunstância da empreitada ser, por norma, caracterizada por prestações fungíveis.
3) Da assimilação da relevância material da norma e do caso, resultaria uma correção diacrónica: não se trataria de uma remissão pura; haveria que adaptar o disposto no art. 1213º/2, não vigente na atualidade – estando em vigor uma outra, que permite ao empreiteiro subcontratar, desde que a empreitada não tenha em vista somente as qualidades do empreiteiro, o que carece de ser provado pelo dono.
2.2. Consequências da Inadmissibilidade
Na circunstância de ser inadmissível a contratação de subempreiteiro, importa averiguar as consequências de tal violação por parte do empreiteiro.
a) Alguma doutrina: fundamento para a nulidade do contrato (seguiria um regime específico, apenas podendo ser invocada pela parte nela interessada – o dono da obra).
b) Xxxxx Xxxxxxxxxxx/Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx: incumprimento do contrato, que gera responsabilidade contratual do empreiteiro perante o dono da obra (não se trata de mera pretensão indemnizatória, antes carece de verificação de danos) e inoponibilidade do contrato de subempreitada;
i. Se for detetada durante a execução da obra: a subempreitada, não autorizada, pode ser impedida pelo dono da obra e por ele imposta a substituição do subempreiteiro irregular por um auxiliar do empreiteiro (ou por outro subempreiteiro por si autorizado);
ii. Se for realizada subempreitada em contrato realizado em função das qualidades do empreiteiro (qualidades do sujeito fossem parte do contrato): poderá significar uma pera o valor assumido pelo dono da obra, ainda que a obra não sofra, em si, nenhuma qualidade negativa; pode equacionar-se, neste ponto, o cumprimento defeituoso (possibilidade de recusa e a exigência da realização pessoal pelo empreiteiro, a redução ou mesmo a resolução), em função do caso concreto.
2.3. A Posição do Empreiteiro
Perante a subempreitada o empreiteiro não fixa exonerado da sua responsabilidade: é responsável, aliás, por todos os defeitos da obra, ainda que derivem de culpa do subempreiteiro (art. 800º do CC).
Naturalmente, disporá de direito de regresso face ao subempreiteiro (conforme resulta do art. 1226º). Xxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx limitam este direito de regresso nas situações em que o empreiteiro haja aceitado sem reservas a prestação do subempreiteiro, existindo vícios aparentes dessa prestação, depois detetados e denunciados pelo dono da obra ao empreiteiro – por não ter aceite com reservas, não salvaguarda a sua responsabilidade por vícios aparentes (art. 1219º também aplicável às relações entre empreiteiro e subempreiteiro).
Outra questão: saber se a invocação dos direitos do empreiteiro, face ao subempreiteiro, por cumprimento defeituoso, que aquele tenha tido de resolver face ao dono da obra, está sujeita aos prazos de caducidade curtos previstos no CC. Porquê? Estipula o art. 1226º a caducidade do direito de regresso decorridos os prazos: a comunicação da denuncia dos defeitos, feita pelo dono da obra ao empreiteiro, que, se se prender com trabalhos feitos por subempreiteiro, deve ser reportada a este no prazo de 30 dias a partir da receção da denuncia.
A restrição enunciada funcionada para o exercício do direito de regresso: será que funciona também para os demais direitos, ou, em relação a esses, funcionam os prazos gerais da prescrição? A regência considera serem aplicáveis os mesmos prazos, uma vez que se trata de contrato subordinado, logo, sujeito às mesmas regras que o contrato base. Semelhante solução resulta do art. 1226º: regula a hipótese não resolvida pelo art. 1220º/1, deixando os demais casos para as regras gerais. Nota: o inicio do prazo deve ser,
no entanto, adaptado e corresponder, não ao momento de entrega da obra pelo subempreiteiro ao empreiteiro, mas o momento da entrega da obra ao dono da obra (pelo empreiteiro) – pois que, só a partir daqui, são detetáveis os defeitos, em virtude da utilização da obra.
Outra questão a resolver: o não pagamento pelo dono da obra ao empreiteiro não é fundamento para o não pagamento da obra, pelo empreiteiro ao subempreiteiro, se tal não resultar do contrato. São dois contratos autónomos, logo, comportam tal consequência.
2.4. As Relações entre o Dono da Obra e o Subempreiteiro
A primeira questão a colocar: existe alguma relação entre o subempreiteiro e o dono da obra? A única disposição a este propósito resulta do art. 1226º, de acordo com a qual o empreiteiro é colocado como intermediário da responsabilidade. Ainda, em sentido negativo aponta a relatividade dos contratos, nos termos do art. 406º/2. E, excecionalmente, nos termos do art. 606º e ss., é admissível ação sub-rogatória.
Como responder? Há que ter em conta que a subempreitada é uma substituição do empreiteiro na execução da prestação, pelo que há associação indubitável entre os fins de ambos os contratos – retira-se, assim, um interesse direto do dono da obra na prestação do subempreiteiro. Logo, deve estabelecer- se algum tipo de relações próximas: no entanto, há que ressalvar que não é de admitir o comportamento dono da obra como semelhante, quer perante o empreiteiro, quer perante o subempreiteiro.
A este propósito, assim, surgem dois problemas fundamentais, a resolver (na ausência de estipulação das partes):
1) Pode o subempreiteiro exigir o pagamento do preço da subempreitada ao dono da obra, caso esta obrigação tenha ainda sido cumprida pelo empreiteiro?
i. Regência: admite a possibilidade, com algumas dúvidas, sustentando tal solução no equilíbrio da relação e no facto de o dono da obra beneficiar diretamente do trabalho realizado pelo empreiteiro; acresce, neste sentido, o facto de o subempreiteiro ter direito de retenção da coisa e poder exercê-la mesmo contrato o dono da obra, até ser pago pelo trabalho e despesas.
2) Pode o dono da obra exigir ao subempreiteiro a reparação dos defeitos da obra?
i. Xxxxxxx Xxxxxx: nega a ação direta – recorre ao art. 1226º para justificar que a relação é entre o dono da obra e o empreiteiro; a única exceção a esta lógica seria o art. 1225º, que admite a responsabilidade do empreiteiro perante o dono da obra ou terceiro adquirente (se o empreiteiro é responsável pelo prejuízo infligido a um terceiro, então, também o subempreiteiro o será diante do dono da obra, por ser também terceiro na relação entre dono da obra e empreiteiro).
ii. Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx: admite a ação direta.
iii. Xxxxx Xxxxxxxxxxx/Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx: admite a ação direta;
1. Entende não ser contrária, tal solução, ao previsto no art. 1226º, que postula a opção de o dono da obra agir junto do empreiteiro ou junto do subempreiteiro – o art. 1226º limita-se a regular as relações entre empreiteiro e subempreiteiro, se o dono da obra tiver agido junto do empreiteiro.
Vicissitudes do Objeto da Empreitada
1. Alterações ao Plano Convencionado
O regime das alterações ao plano convencionado encontra-se previsto no art. 1214º a 1217º do CC. Em linhas gerais, importa reter algumas distinções:
a) Alterações em sentido próprio ou em sentido estrito: art. 1214º a 1216º.
b) Alterações que comportam autonomia em relação ao plano inicial, obras novas ou trabalhos extracontratuais: art. 1217º.
c) Alterações da iniciativa do empreiteiro: art. 1214º.
d) Alterações da iniciativa do dono da obra: art. 1216º.
e) Alterações necessárias: art. 1215º.
Note-se, no entanto, que, muitas vezes, o dono da obra pode emitir simples instruções complementares ao projeto, ou ainda podem resultar pequenos ajustes da parte do empreiteiro, que estejam dentro da margem de previsibilidade (ambos) e que se comportem como formas de suprir “lacunas” no plano convencionado. Estes casos não representam alterações ao contrato, sujeitas ao regime enunciado, já que a sua existência depende do regular cumprimento do pactuado, nos termos da boa fé (762º/2).
1.1. Alterações da Iniciativa do Empreiteiro
As alterações da iniciativa do empreiteiro, nos termos do art. 1214º/1, em princípio estão vedadas: vale, assim, nos termos gerais do art. 406º/1, uma modificação sujeita à vontade de ambas partes, não admissível como imposição unilateral do empreiteiro.
Nos casos em que o empreiteiro considere poder o plano convencionado ser alterado (alteração, essa, que não se enquadre na previsão do art. 1215º), a proposta deve ser feita ao dono da obra, que só mediante aceitação do dono da obra comporta uma alteração eficaz (art. 406º/1). Caso sejam realizadas sem a correspondente alteração, o dono da obra pode aceitá-las – tem-se a obra por defeituosa – e não fica, este, obrigado a aumentar o preço (assim como não é aplicável o regime do enriquecimento sem causa), art. 1214º/2. Funciona como uma penalização ao empreiteiro.
Xxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx consideram, no entanto, que o art. 1214º/2 deve ser alvo de uma interpretação restritiva: nos casos em que a alteração tiver resultado em valorização objetiva, não se verificando qualquer desvalorização subjetiva (não se prejudicando o interesse do dono da obra), a solução tornar-se-ia abusiva. Assim: (1) é afastada a 1ª parte do artigo 1214º/2, ou seja, o dono da obra fica impedido de tratar a coisa como defeituosa; (2) não é afastada a 2ª parte do art. 1214º/2, ou seja, não é, do mesmo modo, invocável perante o dono da obra o instituto do enriquecimento sem causa.
O art. 1214º/3 prevê uma exceção, aplicável aos casos de empreitada por preço global, nos quais é admissível o recurso ao enriquecimento sem causa pelo empreiteiro, contra o dono da obra, sempre que a autorização for dada, mas não revestir a forma escrita com indicação do aumento do preço. Em consequência:
a) Autorização verbal s/ indicação do aumento do preço: só tem direito ao enriquecimento.
b) Autorização verbal c/ indicação do aumento do preço: só tem direito ao enriquecimento.
c) Autorização por escrito s/ indicação do aumento do preço: só tem direito ao enriquecimento.
d) Autorização por escrito c/ indicação do aumento do preço: tem direito ao aumento do preço indicado.
Nota: o caracter excecional das exigências de forma do art. 1214º/3 e o escopo (proteger o dono contra aumentos do preço global inicialmente fixado), indicam que o preceito só tem aplicação se as alterações importarem um aumento do preço. Assim: a autorização do dono, em caso de alteração geradora de diminuição do preço, não tem de ser dada por escrito com indicação da redução do preço.
Nas outras hipóteses de empreitada (empreitada por medida, por artigo, por tempo de trabalho ou por percentagem), as alterações da iniciativa do empreiteiro não precisam de autorização por escrito, mesmo que tenham as partes optado por forma mais solene para a celebração do contrato – dando, assim, ao empreiteiro o direito de aumento do preço10.
1.2. Alterações Necessárias
As alterações necessárias, reguladas no art. 1215º, ocorrem se as regras técnicas ou a salvaguarda de direitos de terceiro exigirem a introdução de modificações ao plano convencionado – ocorrendo, assim, uma derrogação do princípio da estabilidade dos contratos (art. 406º/1). A ratio do preceito (art. 1215º) é admitir uma alteração unilateral (imposta quer pelo empreiteiro, quer pelo dono da obra), que resulta de fatores externos às partes.
Xxxxx Xxxxxxxxxxx, adotando uma perspetiva própria a respeito da interpretação, invoca o sentido normativo do art. 1215º/1 no sentido do seu alargamento a alterações ao projeto determinadas por ato do poder público (porque se trata de uma alteração externa, de carater vinculativo, em tudo semelhante às previstas normativamente no preceito).
O art. 1215º/2 prevê a possibilidade de o empreiteiro denunciar o contrato, se o preço for elevado em mais de 20% face ao valor inicialmente considerado, e ainda de exigir uma indemnização equitativa. O objetivo é a inexigibilidade de manter o empreiteiro vinculado a um contrato para cujo cumprimento, após as alterações, pode não ter habilitação. O objetivo da indemnização é a proibição do enriquecimento sem causa, daí que esta deve ser calculada tendo em conta o trabalho e as despesas já efetuadas e a utilidade proporcionada pela obra já realizada para o dono da obra.
Nota: as alterações podem comportar uma diminuição do custo da obra para o empreiteiro.
Perante tal situação, várias soluções (a regência parece concordar com ambas):
1) O dono da obra tem direito à diminuição da contraprestação a pagar ao empreiteiro (perda de parte da remuneração do empreiteiro).
2) Aplicação do art. 1216º/3: o empreiteiro mantém o direito à remuneração, deduzida apenas do que eventualmente tenha utilizada em outras aplicações da sua atividade.
Problema: supondo que não há acordo acerca da natureza necessária da alteração, quais as consequências aplicáveis ao empreiteiro que executa as alterações?
a) Pires de Lima e Xxxxxxx Xxxxxx: aplicação do art. 1214º/2 e 3; entendem depender de decisão judicial a determinação das alterações como necessárias, em caso de desacordo.
a. Problema: a ampliação do regime do art. 1214º a estas situações é inaceitável, tendo em conta que o empreiteiro pode estar a cumprir regras técnicas, regras emitidas por ato de poder publico;
b) J. Espírito Santo: o empreiteiro, por sua iniciativa, faz as alterações necessárias, sem dar conta ao dono da obra, tendo a proteção do art. 1215º (tem direito ao preço das alterações e a alterações ao prazo).
a. Problema: o dono da obra, perante a necessidade de alterações, pode querer prescindir da realização da obra (o que pode fazer livremente, por via do art. 1229º) – logo, do regime resulta a comunicação ao dono da obra.
c) Xxxxx Xxxxxxxxxxx/Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx: a solução exige a construção de uma regra
específica, resultante da boa fé e procurando evitar enriquecimentos injustificados.
a. Se o dono da obra aceitar a obra nos termos executados não se justifica uma consequência negativa para o empreiteiro – o dono da obra dá o acordo tácito a
10 Podem, no entanto, surgir dificuldades de âmbito probatório, sobretudo se o contrato houver sido celebrado por escrito.
alterações efetuadas em proveito da obra ou da salvaguarda de direitos de terceiros; deve o empreiteiro ser ressarcido do preço respetivo por inteiro.
b. Se o dono da obra demonstrar, a posteriori, que as alterações não correspondem à sua planificação subjetiva, poderá exigir a eliminação nos termos do art. 1214º/2/1ª parte (se impossível ou excessivamente onerosa, deve existir ressarcimento na medida do enriquecimento do dono da obra (art. 473º e ss.);
1.3. Alterações da Iniciativa do Dono da Obra
Nas alterações impostas pelo dono da obra não funciona o art. 406º/: antes, tais alterações, nos termos do art. 1216º podem ser impostas unilateralmente pelo dono da obra. No entanto, as alterações a operar, unilateralmente, pelo dono da obra comportam limitações (art. 1216º/1 CC – resultando, ainda, da boa fé):
a) Limites qualitativos: a alteração não pode alterar a natureza da obra (tem de se limitar a algo ainda compreendido no que possa ser considerado necessário, ou pelo menos oportuno e proveitoso, para a obra acordada, tendo em conta as necessidades inicialmente expressas no plano convencionado).
i. Caso envolver alteração da natureza da obra: aplicação do art. 1217º (obras novas).
b) Limites quantitativos: a alteração (o valor da contraprestação a pagar ao empreiteiro pela sua realização) não exceder a xxxxxx xxxxx xx xxxxx (xx xxxxxxxxxx xx xxxx) estipulado;
i. Quando não se trate de empreitada por preço global: parte-se do valor estimado da obra, obtido pela multiplicação dos valores unitários estabelecidos pela dimensão estimada da obra;
A comunicação ao empreiteiro, das alterações, segue a liberdade de forma (art. 1216º e 219º do CC).
Estando verificados os requisitos previstos no art. 1216º, o empreiteiro fica vinculado à realização daquelas alterações. No entanto, uma vez que as alterações podem comportar consequências para o equilíbrio contratual, o art. 1216º/2 e 3 postulam formas de correção desse equilíbrio: aumento do preço e do prazo da obra (1216º/2).
Pergunta-se: pode o empreiteiro renunciar, antecipadamente, por meio de clausula contratual, ao direito de receber a compensação? Para a regência: existem, no Direito Civil, várias disposições que indiciam a proibição de disposição de direitos futuros (arts. 809º e 942º do CC). Assim, a solução passa por verificar, perante um contrato de empreitada, se há, à luz do art. 1216º, uma mera repartição do risco e delimitação das obrigações das partes ou, por outro lado, uma renuncia efetiva ao direito nele estipulado.
A propósito do art. 1216º/2: está na base um pressuposto de aumento do esforço do empreiteiro para a conclusão da obra. Pode, no entanto, suceder o oposto: nestes casos, o empreiteiro recebe o preço acordado, deduzido do montante poupado em despesas ou adquirido por outras aplicações da sua atividade (assim resulta do art. 1216º/3).
De acordo com a regência: os trabalhos a menos devem ser compensados com os trabalhos a mais. Exemplo: numa obra de 100000€, trabalhos suplementares no valor de 25000€ (valor superior a 1/5 do preço inicial), mas ter o dono da obra retirado trabalhos ao plano no valor de 10000€.
Solução: o empreiteiro ficará obrigado a realizar todos os trabalhos a mais assim como deverá receber apenas 15000€ (foi esse, apenas, o valor real de aumento do valor da obra – descontados 10000€ de trabalhos a menos de 25000€ de trabalhos a mais).
Motivo: não faria sentido o empreiteiro recusar-se a realizar os 5000€ de trabalhos a mais (por exceder 1/5), receber os 20000€ correspondentes aos
trabalhos a mais realizados e, ainda, o preço dos trabalhos a menos, mesmo descontado das despesas poupadas e o que ganhou com outras aplicações da sua atividade.
Na circunstância de não estarem verificados os pressupostos (art. 1216º), o empreiteiro pode recusar-se a efetuá-las e prosseguir com a execução dos trabalhos nos termos inicialmente acordados. Destarte, o dono da obra, perante tal recusa, pode sempre recorrer da solução prevista no art. 1229º do CC.
1.4. Trabalhos Extracontratuais
Reguladas no art. 1217º do CC, os trabalhos extracontratuais respeitam a alterações posteriores à entrega e a obras novas, ou seja, têm em comum alterações/obras situadas fora da relação contratual estabelecida.
1) Obras novas: a autonomia resulta de um juízo técnico ou funcional – trabalhos suscetíveis de serem objeto de uma obra independente.
2) Alterações posteriores à entrega: a autonomia resulta de um critério criminológico, ou seja, por serem efetuadas depois da entrega;
Na hipótese de ser realizada, sem autorização do dono da obra, permite: a recusa da obra/alteração; a eliminação (se possível), e uma indemnização pelo prejuízo causado (art. 1217º/2). Na circunstâncias de o dono da autorizar, pergunta-se se deve haver compensação ao empreiteiro e, a haver, em que termos.
a) Solução maioritária: pode haver lugar a compensação, por vários títulos – arts. 473º e ss., por via do enriquecimento sem causa; arts. 464º e ss., por via da gestão de negócios; arts. 1340º e 1341º, por via da acessão industrial.
Na hipótese de ser realizada a pedido do dono da obra, o empreiteiro não fica obrigado a realizar os trabalhos, mas pode aceitar fazê-lo: podem constituir, estas, um novo contrato ou, eventualmente, alterações ao contrato já existente.
Vicissitudes e Patologia da Empreitada
1. Sistematização do Problema: as Três soluções Legais
O legislador prevê três regimes típicos e diferenciados, aplicáveis em sede de perturbações típicas da prestação do empreiteiro:
1) O regime legal base: arts. 1220º a 1224º.
2) O regime aplicável aos defeitos em empreitadas relacionadas com imóveis de longa duração: art. 1225º.
3) O regime aplicável às empreitadas no âmbito das relações de consumo: previsto no DL 67/2003.
2. A Responsabilidade do Empreiteiro
A responsabilidade do empreiteiro está, naturalmente, sujeita ao regime geral do incumprimento das obrigações (nas situações, p.e., em que a obra não seja de todo realizada ou seja realizada só em parte, ou seja, não terminada).
Não obstante, nos casos em que estamos já perante cumprimento defeituoso (quando estejam em causa defeitos da obra), a responsabilidade do empreiteiro está sujeita ao regime especial do contrato de empreitada.
2.1. A Responsabilidade por Vícios de Direito
Podem ocorrer vícios de Direito resultantes da realização da prestação. São exemplos:
1) Utilização de terreno sujeito a ónus ou limitações (p.e.: hipoteca ou outros direitos reais de gozo, como o usufruto, a servidão ou o uso e habitação);
2) Utilização de projetos ou patentes tutelados por direitos de propriedade intelectual a favor de terceiros;
3) Xxxxx, sobre a obra, garantias a favor de terceiro antes da transferência da propriedade da obra;
4) Fizer parte da prestação do empreiteiro, como obrigação acessória, o fornecimento de bens móveis e depois se vier a saber serem objeto de limitações;
5) Execução perfeita da obra pressupuser a entrega da obra devidamente licenciada e isso não acontecer, por razão imputável ao empreiteiro;
O problema, nestes casos, está em saber se se aplica (1) o regime da venda de bens onerados (arts. 905º e ss.) ou (2) o regime dos arts. 1219º e ss.. De acordo com a regência, a melhor solução resulta da aplicação do (1) regime da venda de bens onerados (arts. 905º e ss.), por remissão, aliás, do art. 939º do CC. Apresenta como razões: (i) apesar de não se fazer essa distinção no regime dos arts. 1219º e ss, o regime previsto para a compra e venda de bens onerados está mais direcionado para os vícios de Direito, justamente pelas soluções que comporta.
2.2. Responsabilidade Contratual e os Deveres de Proteção e Outros Deveres Acessórios do Empreiteiro
2.3. Exclusão e Limitações legais da Responsabilidade
2.4. Modificações Convencionais da Responsabilidade
2.5. Transmissão dos Direitos Emergentes da Responsabilidade
3. Responsabilidade por Defeitos – Regime Geral
3.1. Defeitos da Obra
Por forma a apurar em que circunstâncias há, ou não, cumprimento defeituoso, é necessário, em primeiro lugar, apurar o que entender por defeito da obra (art. 1208º e 1218º e ss.).
Assim, por defeito devem entender-se desconformidades (em sentido amplo) entre a prestação devida e a prestação efetuada. Em termos gerais, podem distinguir-se duas categorias de defeitos:
1) Vícios, ou seja, divergências entre a obra realizada e um padrão comum, determinado segundo as regras da arte aplicáveis.
2) Desconformidades em sentido estrito, ou seja, representativas de uma divergência em relação ao estipulado entre as partes (desvio ao plano acordado).
A prova da existência de defeitos pertence ao dono da obra (art. 342º/1).
Questão que se pode colocar: como distinguir incumprimento parcial de cumprimento defeituoso? A relevância da questão respeita ao regime aplicável, ou seja: (1) a ser cumprimento defeituoso, seria aplicável o disposto nos arts. 1218º e ss.; (2) a ser incumprimento parcial, seria aplicável o disposto nos arts. 798º e ss.
Para distinguir: (1) o cumprimento defeituoso é um vício qualitativo; (2) o incumprimento parcial é um vício quantitativo (falta de elementos que exercem uma função própria na obra, individualizadora e autónoma – se a falta não se reportar a um papel específico, estamos perante defeito (1)).
3.2. Situações de Irresponsabilidade do Empreiteiro
O art. 1219º prevê situações de irresponsabilidade do empreiteiro, nomeadamente, quando se tratem de defeitos aparentes, derivando, esta irresponsabilidade, da verificação e aceitação da obra. Sistematizando:
a) A aceitação da obra, com conhecimento dos defeitos da mesma, faz cessar a responsabilidade do empreiteiro por esses defeitos.
b) Presumem-se conhecidos os defeitos aparentes.
c) A aceitação sem reservas, da obra, não desresponsabiliza o empreiteiro em relação aos defeitos ocultos.
Pode perguntar-se: como apurar a distinção entre defeitos aparentes e defeitos ocultos? A distinção resulta de um dever de conhecimento, ou seja, o desconhecimento com culpa equivale ao conhecimento (boa fé subjetiva). Em geral, a apreciação deve ser feita de acordo com o padrão do bonus pater familias. Este padrão, no entanto, pode variar consoante o dono da obra seja um leigo ou um técnico: na hipótese de ser um técnico, dever-se-á ter por base a diligência média de um profissional daquela área. A natureza oculta ou aparente do defeito depende, assim, das circunstâncias concretos e do dever de conhecimento, em especial, aplicável e exigível.
3.3. Denúncia dos Defeitos
O art. 1220º postula um prazo de 30 dias para a denuncia dos defeitos, desde a sua descoberta. A existência deste prazo curto está relacionada com a tutela dos interesses do empreiteiro. No entanto, há que notar que o prazo para a denúncia se conta a partir da descoberta do defeito.
A este propósito: o Prof. Xxxxx Xxxxxxxxxxx entende que os prazos de 2 e 5 anos são prazos para a descoberta do defeito e não prazos máximos para a prepositura máxima da ação.
Na eventualidade, no entanto, de o defeito ser reconhecido pelo empreiteiro, o dono da obra fica desobrigado da denuncia (art. 1220º/2). Esta norma é dúbia: se, por um lado, aparenta proteger o dono da obra, por outro, revela igualmente uma proteção em relação ao empreiteiro (protege o empreiteiro porque
significa que, a partir do reconhecimento, os prazos para o dono da obra exercer os seus direitos começam a correr – arts. 1224º e 1225º/2 e 3). Se, eventualmente, o reconhecimento for após a denuncia, como devem ser contados os prazos? Não parece ser aplicável o art. 1220º/2.
Não há regra similar ao art. 916º (compra e venda) para o contrato de empreitada: a regência considera, assim, que tal preceito deve ser aplicável à empreitada, prescindindo-se da denuncia quando haja dolo do empreiteiro ao ocultar os defeitos. Se, eventualmente, o conhecimento desses defeitos for posterior à decorrência dos prazos, a regência considera que o agente doloso não pode ser beneficiado, pelo que os direitos podem ser exercidos pelo empreiteiro, ainda que após tenha decorrido o prazo.
3.4. Recusa da Obra
É o “primeiro” direito do dono da obra, perante a entrega desta com defeitos (art. 1224º). Deverá, nestes termos, justificar a recusa e indicar os meios para a ultrapassar, exercendo um dos demais direitos que lhe são atribuídos. A recusa comporta estes efeitos e, ainda, impede a transmissão da propriedade da coisa (art. 1212º) – continuando, o risco, a correr por conta do empreiteiro (art. 1228º).
Há, assim, algum dever de aceitação? Xxx, mas apenas nas situações de obra de acordo com o plano convencionado e sem vícios. Nestas situações, a recusa gera mora do credor (art. 813º), situação em que se dá a inversão do risco.
3.5. Eliminação dos Defeitos e Realização de Nova Obra
A eliminação de defeitos e a realização da obra conformam meios de garantir um cumprimento perfeito do contrato de compra e venda, face a um cumprimento defeituoso.
Nos termos do art. 1221º e ss., os direitos em apreço estão sujeitos a um encadeamento: em primeiro lugar, deve funcionar a eliminação dos defeitos; só se esta não for possível ou for desproporcionada, é que funciona a realização de uma obra nova (1221º/1). Cessam, no entanto, estes direitos se as despesas foram desproporcionadas em relação ao proveito (art. 1221º/2). Nestes casos, resta ainda a redução do preço, na circunstância de os defeitos serem suportáveis; caso contrário, e em ultima análise, a solução é a resolução do contrato.
Naturalmente, a direitos do dono da obra correspondem deveres do empreiteiro: dever de eliminação de defeitos e dever de construção de nova obra. E, apesar de o CC não prever prazos para o cumprimento destes deveres, tem-se entendido poder, o dono da obra, fixar um prazo razoável para o seu cumprimento, que, decorrido, convoca a mora do devedor (805º).
Na circunstância de o devedor (neste caso, o empreiteiro), se recusar ao cumprimento, podemos ter uma de várias situações: (1) execução específica da prestação (art. 817º); (2) condenação em sanção pecuniária compulsória (art. 829º-A); (3) percorrer os trâmites afim de colocar o empreiteiro em incumprimento definitivo (fixação de novo prazo e interpelação admonitória, que decorrido gera incumprimento definitivo – arts. 805º e ss.), por forma a poder finalmente resolver o contrato.
Note-se que este dever pode envolver a assistência do dono da obra (boa fé – 792º/2): a falta desta, coloca-o em mora do credor (art. 813º). Não obstante, tal recusa, por parte do dono da obra, pode ser legítima, em caso de perda de interesse, objetivamente apreciado (art. 808º) – nesses casos, não há mora do credor, antes incumprimento definitivo.
A doutrina tem colocado o problema de saber se podem ser exercidos estes direitos ainda durante a execução da obra, na eventualidade de detetar desconformidades com o plano convencionado, com as regras da arte ou com outras prescrições vinculativas para o empreiteiro.
a) Em sentido negativo [Xxxx Xxxxxxx; Xxxxxx Xxxxxxxx]: não podem ser exercidos durante a execução da obra, porque, apesar do poder de fiscalização, entre o empreiteiro e o dono da obra não existe uma relação de subordinação que o permita (só os pode, assim, exercer
perante a obra terminada); ainda, um argumento histórico, no sentido de que essa solução foi afastada do Anteprojeto de Xxx Xxxxx;
b) Em sentido positivo [Xxxxx Xxxxxxxxxxx/Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx]: entende que podem estes direitos ser exercidos no decorrer da execução da obra, dependendo da hipótese, na medida em que (1) o argumento histórico não é decisivo, (2) não se trata de nenhuma ordem inovadora, antes um chamar ao correto cumprimento da obrigação, que (3) seria desadequada à luz da boa fé, pois permitira que o empreiteiro persistisse na realização de uma obra com defeitos (cumprir defeituosamente); (4) no plano prático, redundaria em perda de tempo.
Ultima questão: notar que o exercício destes deveres pode originar novos defeitos. Nestas situações, entende-se que o dono da obra pode recorrer de outros remédios, não se ficando pela eliminação defeitos e pela realização de obra cumpridos de forma defeituosa.
3.6. Redução do Preço
A redução do preço (art. 1222º/1) pode correr em três situações: as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito; a eliminação dos defeitos ou a nova construção forem impossíveis; se, quando em mora, o empreiteiro se recorrer a cumprir, inclusive perante interpelação admonitória, entrando em incumprimento definitivo.
Em termos gerais, este mecanismo traduz a perda de valor da obra face ao empreiteiro, atendendo ao caráter sinalagmático do contrato. Assim, não representa uma indemnização, mas uma forma de reestabelecer o equilíbrio das partes. Logo, só pode funcionar, a redução do preço, se a obra perder valor.
A determinação da redução faz-se mediante as regras da compra e venda, por remissão do art. 1222º/2 (aplica-se, assim, o art. 884º). A propósito do art. 884º/2, existem várias possibilidades, para determinar a redução:
a) Diferença entre o valor ideal da obra sem defeitos e o seu valor real com defeitos.
b) Diferença entre o preço acordado e o valor real da obra com defeitos.
c) Diferença entre o preço acordado e o preço atribuído pelas partes ao contrato se tivessem antecipado a sua realização com defeitos.
d) Solução aberta, dependente de: preço acordado, valor objetivo da obra e valor ideal da obra.
De acordo com a regência, a melhor opção é a b), admitindo atenuações em razão do valor ideal objetivo da obra sem defeitos.
3.7. Resolução do Contrato
A resolução do contrato (art. 1222º/1), à semelhança da redução do preço, pode correr em três situações: as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito; a eliminação dos defeitos ou a nova construção forem impossíveis; se, quando em mora, o empreiteiro se recorrer a cumprir, inclusive perante interpelação admonitória, entrando em incumprimento definitivo.
A resolução depende de a obra se ter tornado inapropriada para o seu fim – referência, neste ponto, similar à perda objetiva de interesse do credor.
Para a resolução, no entanto, é exigido um requisito de gravidade da falta, pois que para os defeitos menores deverá operar a redução. O legislador procurou, nestas situações, evitar o exercício dos direitos, de uma das partes, em excessivo prejuízo da outra parte (neste caso, o empreiteiro).
A propósito da resolução e, uma vez que não há regime específico, esta deve seguir o regime geral (art. 432º e ss.). Em termos de efeitos: o dono da obra não está obrigado ao pagamento do preço, se ainda não pagou; devendo ser restituído o que já haja sido prestado (restituição em espécie preferencial em relação à restituição do valor.
Questão: qual o destino da obra?
1) Empreitada de bens móveis, com transferência da propriedade da obra e dos materiais (1212º/1): as transferências de direitos são destruídas, retornando a obra à propriedade do empreiteiro se este tiver fornecido os materiais na sua maior parte;
a. Existindo materiais fornecidos pelo dono da obra: direito à sua restituição ou ao seu valor.
2) Empreitada de bem imóvel, construída sobre solo do dono com materiais do empreiteiro: a propriedade transmitiu-se no momento da incorporação (1212º/2); a resolução, no entanto, não reverte esta transferência, pois os materiais incorporados perderam autonomia enquanto objeto de direitos reais autónomas, por meio de acessão industrial,
Assim, têm sido apresentadas soluções: (1) o dono poder, para além da resolução, exigir a demolição da obra a expensas do empreiteiro, pois tal corresponde à reposição da situação prévia à celebração do contrato; (2) o dono poder escolher manter a obra na sua propriedade (solução que, materialmente, se configura como uma redução do preço).
3.8. Indemnização
O direito à indemnização dos danos encontra-se previsto no art. 1223º, sendo esta indemnização subsidiária em relação aos demais mecanismos. Serve, em termos gerais, para ressarcir os prejuízos não eliminados integralmente pelo exercício dos direitos à eliminação dos defeitos, à nova construção e à redução do preço.
No caso da resolução coloca-se a dúvida de saber se, havendo lugar a indemnização, esta deve abranger: (1) o interesse contratual negativo, pelo facto de a resolução operar retroativamente e de o dono da obra pretender ser colocado na posição em que estaria se o contrato não houvesse sido realizado; (2) o interesse contratual positivo. A regência entende que não há motivos que justifiquem a posição (1), ou seja, entende ser a solução mais correta (2), por não se compreender a limitação ao interesse contratual negativo.
3.8.1. Questão: Indemnização por Custos dos Trabalhos de Reparação ou
Construção da Obra Nova pelo Dono da Obra ou Por Terceiro às Custas Deste?
Questão: saber se o dono da obra, perante a existência de defeitos, goza da possibilidade de recorrer a préstimos de um terceiro, assumindo os custos necessários à eliminação desses defeitos e imputando esses custos ao empreiteiro.
a) Posição tradicional: nega essa possibilidade, com base do direito ao cumprimento perfeito do contrato, que pertence ao empreiteiro (é o principal interessado, logo, fá-lo-á a um custo menos elevado que um terceiro estranho ao contrato);
b) Posições intermédias: o entendimento tradicional não deve ser absoluto, o que significa que se admite a eventualidade de urgência (evitar prejuízos ulteriores) na realização das obras, que permite ao dono da obra recorrer a terceiro a expensas do empreiteiro.
c) Xxxxx Xxxxxxxxxxx/Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxxx (parcialmente), Xxxxx Xxxxxxx: admitia essa possibilidade, para além da urgência, quando o empreiteiro estivesse em incumprimento definitivo dos deveres de reparação e/ou nova construção – assim, o retorno por parte do empreiteiro afigurar-se-ia apenas como uma indemnização decorrente do cumprimento defeituoso.
3.9. Imóveis de Longa Duração
O regime de imóveis de longa duração vem previsto no art. 1225º do CC: só tem aplicação relativamente às empreitadas de construção reparação ou modificação que tenham por objeto um bem imóvel; só se aplica às empreitadas relativas a certo tipo de bem imóvel (destinado, por sua natureza, a longa duração).
É a natureza dos imóveis em causa que, como se depreende, justifica o alargamento dos prazos.
Assim, 1ª questão: saber o que se entende por imóvel destinado, por sua natureza, a longa duração.
1) Característica que depende da natureza do imóvel e não da conceção subjetiva pelo dono da obra - reúnem características como estabilidade e solidez; expetativa de duração dos imóveis ser superior, p.e., ao prazo de responsabilidade do empreiteiro;
2) São exemplos: edifícios, pontes, estradas, pontões, pista, diques, barragens, plataformas marinhas, canais, tuneis, poços, etc.
Pergunta-se, em problema diverso, se o disposto no art. 1225º depende da gravidade dos defeitos. Alguns autores, considerando a gravidade pressuposto base, apoiam a convicção no argumento histórico. Xxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx discordam, entendendo que a tutela é global e completa, relativa a uma obra unitariamente considerada.
A propósito do âmbito da responsabilidade do art. 1225º, pergunta-se se é também aplicável o disposto no art. 1219º, ou seja, a irresponsabilidade do empreiteiro por defeitos conhecidos, que não tenham sido objeto de reserva no momento da aceitação.
a) Em sentido afirmativo: posição tradicional, entendendo que seria contraditório que os defeitos aparentes fossem ressalvados, pois que a ratio do preceito (permitir a responsabilidade pela revelação dos defeitos ao longo de um perídio de tempo mais longo);
b) Em sentido negativo, Xxxxxxx Xxxxxx: entende que está em causa uma garantia de durabilidade da obra, logo, a vigorar independentemente do conhecimento do dono da obra acerca da existência de defeitos.
i. Xxxxx Xxxxxxxxxxx e Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx: concordam com esta tese.
4. Responsabilidade do Empreiteiro Perante Terceiro Adquirente
O artigo 1225º/1 alarga a responsabilidade do empreiteiro ao terceiro adquirente da obra: este preceito tutela, note-se, não apenas o adquirente da propriedade sobre o imóvel edificado, mas, também, o adquirente do direito de algum outro direito real menor que lhe atribua alguma forma de gozo sobre o bem (não havendo, de acordo com a regência, limites a respeito de sub-adquirentes).
Uma vez que se configura por motivos imperativos (segurança), os prazos mencionados no art. 1225º não são passíveis de redução convencional – apenas de alargamento.
O termo inicial do prazo dá-se com a entrega da obra ao primitivo dono e não recomeça a cada aquisição – todos os prazos, suscetíveis de se iniciarem no momento da entrega da obra, não recomeçam em virtude de novas aquisições.
Uma vez que não é parte do contrato, não goza dos mesmos direitos do dono da obra: assim, apenas lhe assiste os direitos à eliminação dos defeitos, a nova construção e indemnização (se existirem danos).
5. A Empreitada de Consumo
O regime da empreitada de consumo vem previsto no DL 67/2003, por remissão, em especial, do art. 1º-A/2. O regime aplicável vem definido no art. 1º-A/1, ou seja, contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores, pressupondo, assim, a encomenda de uma obra destinada a um uso não profissional.
A regência distingue, nesta relação de consumo, três elementos principais:
a) Elemento subjetivo: o dono da obra deve surgir enquanto elo final no processo económico, ele aparece sem fins empresariais ou profissionais livres; o empreiteiro é o profissional a atuar no âmbito da sua atividade económica;
b) Elemento teleológico: o objeto do contrato deve ser destinado a um determinado fim, já implícito no elemento subjetivo, devendo genericamente referir-se como não profissional.
c) Elemento relacional: uma relação entre um profissional (no exercício da sua atividade) e um consumidor.
A propósito do elemento subjetivo tem-se questionado se, eventualmente, o termo consumidor abrange pessoas singulares ou pessoas singulares e pessoas coletivas, sendo que da letra da lei não resulta solução.
a) Menezes Leitão: tem-se pronunciado no sentido da ponderação, particular de cada ordenamento jurídico;
b) Xxxxx Xxxxxxxxxxx/Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx: apesar de haver fortes indícios práticos para a consideração do termo consumidor como referente apenas a pessoas singulares, não se pode excluir que, em determinadas circunstancias, as pessoas coletivas possam ser equiparadas a consumidores (singulares), para efeitos de atribuição da respetiva tutela.
a. Exemplo: situações em que se verifique a aquisição para fins não profissionais e, ainda, se verifique a relação de desequilíbrio que parece pautar as relações de consumo;
Por outro lado, a propósito do elemento teleológico tem-se questionado os seguintes problemas: (i) bens de uso misto, ou seja, simultaneamente profissional e não profissional; (ii) bens de uso não profissional irreconhecível pela contraparte; (iii) bens adquiridos para uso profissional, mas o adquirente atua fora da sua atividade profissional.
Cada situação, entende a regência, deve ser avaliada casuisticamente. Deve entender-se, assim, para efeitos do problema (i) o uso dominante. Nos casos (iii) deve ter-se em conta que, ainda que atue fora da sua atividade profissional, estaria sempre numa posição diferente do consumidor isolado (por isso, a solução passa por uma comparação entre o consumidor isolado e o profissional, procurando saber em relação a quem à maior proximidade).
1. Noções Gerais
Extinção do Contrato de Empreitada
A extinção do contrato de empreitada é admissível nos termos gerais, através de vários mecanismos:
(1) cumprimento; (2) revogação por mútuo acordo; (3) caducidade; (4) resolução por incumprimento; (4) resolução por alteração de circunstâncias; (5) denúncia. No entanto, há também regimes específicos: (i) impossibilidade objetiva de cumprimento não imputável às partes; (ii) desistência do dono da obra; (iii) a morte, extinção, incapacidade ou insolvência do empreiteiro; (iv) a morte, extinção ou insolvência do dono da obra.
2. Impossibilidade Objetiva de Cumprimento Não Imputável às
Partes
A impossibilidade objetiva em causa é a superveniente e vem regulada no art. 1227º, já que a impossibilidade originária nada tem de específico e segue o regime geral previsto no art. 401º (nulidade do contrato).
O art. 1227º aponta para a aplicação do art. 790º, postulando a extinção de ambas as obrigações: o empreiteiro fica, assim, desobrigado de realizar a obra e o dono fica desobrigado de pagar o preço (se já o tiver pago, tem direito à restituição do preço). Para além disso, prevê regras específicas:
a) No caso de a obra já se ter iniciado: permite o pagamento do trabalho e das despesas do empreiteiro (afastando, assim, o disposto no art. 795º/1 – menos favorável, que só admitiria o ressarcimento na medida do enriquecimento sem causa).
a. O que entender por despesas?11 Devem entender-se as despesas consumidas, ou seja, irreversibilidade da afetação da despesa sem detrimento da parte da obra já realizada e a ser entregue ao respetivo dono (maioria dos casos). Excecionalmente, podem ser englobadas despesas com materiais invulgares, comprados em especial para aquela obra ou, ainda, despesas mesmo quando a obra não se haja iniciado (mesmo exemplo de materiais invulgares).
Exige-se uma impossibilidade (1) efetiva, (2) absoluta e (3) definitiva. (1) Efetiva, na medida em que não basta um mero agravamento da dificuldade da prestação. (2) Absoluta, na medida em que se exige que a obra não pode vir a ser realizada por terceiro (exceto se a prestação é infungível). (3) Definitiva, na medida em que a impossibilidade não se tem um âmbito temporal restrito.
3. Desistência do Dono da Obra
A desistência, pelo dono da obra, vem prevista no art. 1229º: é uma forma de extinção ad nutum, sem necessidade de motivo justificativo, suscetível de ser invocado a todo o tempo. Os efeitos da desistência produzem-se, apenas para o futuro, pelo que não são destruídos, retroativamente, os efeitos da empreitada. Naturalmente, apesar de a discricionariedade excluir a sindicância pelo tribunal, o abuso de direito e, eventualmente, a boa fé são sempre invocáveis.
Em termos formais, não é exigida nenhuma forma especial: vigora a liberdade de forma, nos termos do art. 219º. A desistência pode, ainda, ser expressa ou tácita: art. 217º do CC.
Problema: saber se, para a desistência, deve ser exigido um pré-aviso razoável.
11 As soluções apresentadas partem do entendimento da regência acerca do problema da interpretação e do sentido normativo das palavras.
a) Xxxxxxxx e Jurisprudência: resposta negativa, por ausência de previsão expressa e, ainda, porque o aviso prévio é um instituto próprio dos contratos de duração indeterminada (não merece, o empreiteiro, a mesma tutela);
b) Xxxxx Xxxxxxxxxxx/Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx: por regra, não pode afirmar-se a necessidade de pré-aviso; pois, no caso da empreitada, aliás, faz sentido que a desistência produza efeitos no momento imediato da comunicação.
a. Pode justificar-se o pré-aviso: por via da boa fé, perante as circunstâncias da situação específica, por exemplo, em contratos de execução duradoura (contratos de empreitada de manutenção) ou onde o empreiteiro esteja em particular situação de dependência económica.
Como consequência da desistência surge o dever de indemnizar: responsabilidade civil por facto lícito ou pelo sacrifício, que abrange não só os gastos resultantes dos materiais e do trabalho, como também o proveito suscetível de ser retirado da obra pelo dono da obra (nesta última parte – indemnização pelo interesse contratual negativo).
Problema: saber se a desistência por parte do dono da obra é harmonizável com a exigência de indemnização por danos provocados pelo empreiteiro (execução já iniciada).
a) Alguma doutrina: já se defendeu que a opção pela desistência afastava a possibilidade de o dono da obra poder exigir os direitos atribuídos pelos arts. 1220º e ss. (que pressupunham a manutenção do contrato).
b) Xxxxx Xxxxxxxxxxx/Xxxxxx Xxxxx Xxxxxxxx: entende que o dono da obra tem direito a exigir a responsabilidade do empreiteiro por erros de execução entretanto verificados, ainda que opte pela desistência, produzindo-se os efeitos constantes dos arts. 1220º e ss.
3.1. Natureza da Desistência
A tese regularmente aceite vê na desistência forma específica de cessação do contrato de empreitada, insuscetível de ser reconduzida a nenhuma das formas típicas de cessação dos contratos. É justificada, em ultima análise, pela prevalência, no contrato de empreitada, do interesse do dono.
4. A Morte, Extinção, Incapacidade ou Insolvência do
Empreiteiro
4.1. Morte, Extinção ou Incapacidade
No caso da empreitada e, excecionalmente, a morte ou incapacidade do empreiteiro podem importar como forma de extinção: regra geral, não importam (1230º), no entanto, na circunstância de ser a prestação intuitu personae podem importar (art. 1230º/1).
Quando o contrato se extinga por via do art. 1230º, devem aplicar-se as soluções previstas para a impossibilidade objetiva do cumprimento (art. 1227º por remissão do art. 1230º/2). Estamos, assim, perante um motivo de extinção do contrato ope legis e produtor de efeitos apenas para o futuro.
Pode, ainda, haver lugar à compensação a pagar aos sucessores, pelo trabalho executado e despesas realizada (nos termos do art. 1227º).
4.2. Insolvência do Empreiteiro
A insolvência do empreiteiro não importa a extinção do contrato de empreitada. O que resulta, do regime legal (art. 102º do CIRE), é a suscetibilidade de o administrador da insolvência optar por cumprir ou não cumprir o contrato. Acresce que, na hipótese de optar pela manutenção do contrato, o dono da obra (art. 111º/1 do CIRE) pode sempre optar por desvincular-se, se considerar não lhe dar garantias a execução naqueles termos.
5. A Morte, Extinção ou Insolvência do Dono da Obra
5.1. Morte, Extinção ou Incapacidade
Apesar de o art. 1230º não o prever especificamente, na verdade, é admissível a hipótese, por aplicação analógica, de uma extinção do contrato de empreitada por morte, extinção ou incapacidade do dono da obra.
Nestas situações, os efeitos serão os mesmos que os previstos no art. 1230º para os casos em que as vicissitudes ocorrem da parte do empreiteiro, sendo que a natureza intuitu personae do contrato deve ser provada pelo empreiteiro.
4.2. Insolvência do Empreiteiro
Nos casos de insolvência do dono da obra, nos termos do art. 111º do CIRE, é admissível a denuncia pelo empreiteiro (exceção à regra geral de inadmissibilidade de denuncia pelo empreiteiro) e, ainda, nos termos do art. 108º do CIRE, a indemnização deste.