PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
XXXXXXXX XX XXX XXX
CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL: ORIGEM E FORMAS DE EXTINÇÃO
SÃO PAULO
XXXXXXXX XX XXX XXX
CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL: ORIGEM E FORMAS DE EXTINÇÃO
Trabalho de Monografia Jurídica apresentada ao Curso de Especialização em Direito Empresarial, como parte dos requisitos para obtenção do certificado de especialização em Direito Empresarial, sob orientação do Professor- Orientador Xxxxxx Xxxxxxxxx.
São Paulo – 2016
Pelo presente trabalho, buscou-se estudar o contrato de concessão comercial para comercialização de veículos automotores de via terrestre, previsto na Lei no 6.729/1979, alterada pela Lei no 8.132/1990 (“Lei Ferrari”).
A escolha do tema se deu por conta da importância do transporte rodoviário no Brasil, sendo o setor automobilístico um dos mais importantes da economia do país.
Para tanto, foram analisadas a origem do contrato de concessão comercial, cujas bases assentam-se na Lei Ferrari, a fim de buscar a perspectiva histórica do contexto em que a Lei Ferrari foi criada. Em seguida, foi feita uma breve distinção entre os contratos de concessão comercial típicos e atípicos, para depois abordar os principais direitos e obrigações da concedente e da concessionária. Ainda, foram abordadas as formas de extinção dos contratos em geral antes de analisar a extinção do contrato de concessão comercial previstas na Lei Ferrari, sendo esta explorada na atuação dos juízes e dos tribunais. Por fim, ao longo do desenvolvimento do trabalho foi constatado que os tribunais têm aceitado a resilição unilateral de forma imotivada (denúncia vazia), pela qual pretende-se demonstrar o cabimento de tal hipótese.
INTRODUÇÃO 06
CAPÍTULO I. Contrato de Distribuição 08
1.1 Breve histórico da indústria automobilística no Brasil 08
1.2 Razões para o surgimento da Lei 6.729/1979 10
1.3 O Contrato de concessão comercial: típico e atípico 13
1.3.1 O Contrato Típico de Concessão Comercial 14
1.4 Principais direitos e obrigações das partes no contrato de concessão comercial 16
1.4.1 Direitos da concedente 16
1.4.2 Obrigações da concedente 17
1.4.3 Direitos da concessionária 18
1.4.4 Obrigações da concessionária 19
CAPITULO II. Extinção do Contrato de Distribuição 20
2.1 Formas de extinção dos contratos em geral 20
2.1.1 Resolução do contrato 21
2.1.2 Resilição do contrato 23
2.1.3 Rescisão do contrato 24
2.2.1 Art. 23 da Xxx Xxxxxxx: Extinção do contrato pelo decurso do prazo de vigência 25
2.2.2 Art. 24 da Xxx Xxxxxxx: Extinção - resolução do contrato por prazo indeterminado por inexecução voluntária 28
2.2.3 Art. 25 da Xxx Xxxxxxx: Extinção - resolução do contrato por prazo determinado por inexecução voluntária (ou culposa) da concedente 33
2.2.4 Art. 26 da Xxx Xxxxxxx: Extinção - resolução do contrato por prazo indeterminado por inexecução voluntária (ou culposa) do concessionário 34
2.3 Artigos 22, § 2º e 27 da Lei Ferrari: Extinção da concessão e pagamento dos valores devidos 41
2.4 Sobre a resilição unilateral do contrato de concessão 47
CONCLUSÃO 53
BIBLIOGRAFIA 56
INTRODUÇÃO
Pelo presente trabalho, procurou-se entender a dinâmica da relação antagônica existente entre a concedente e a concessionária, através da pesquisa das razões históricas do surgimento da Lei Ferrari, para abordar os aspectos da extinção do contrato de concessão comercial típico.
A análise não foi feita apenas com base na legislação e na doutrina, mas também foi observado como os operadores do direito, os juízes e tribunais, aplicavam os pontos indicados neste trabalho.
O presente texto tratará o contrato de concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores de via terrestre no Brasil como uma espécie do contrato de distribuição, que, como gênero, cuida das situações de organização e escoamento da produção. A concessão comercial foi então tipificada com a promulgação da Lei no 6.729/1979, alterada pela Lei no 8.132/1990, conhecida por Xxx Xxxxxxx.
Iniciou-se o trabalho com um resumo da história da indústria automobilística no Brasil, desde a importação de carros, da montagem dos carros pelo método CKD até a implantação de fábricas automotivas com o incentivo governamental.
Ademais, foi abordado o contexto histórico em que a Lei Ferrari foi criada a fim de compreender melhor a natureza e a estrutura pela qual foi regulamentado o relacionamento entre concedente e concessionário, visando avaliar as razões que originaram a Xxx Xxxxxxx como um mecanismo de proteção às concessionárias, diante do domínio da atuação das concedentes.
Estabelecida uma rápida distinção entre o contrato de concessão comercial típico e atípico, cuidou-se de analisar os principais direitos e obrigações das partes.
Em um segundo momento, foram abordados a extinção dos contratos de forma geral para, em seguida, analisar a extinção dos contratos de concessão comercial previstas na Lei Ferrari.
Entre os aspectos abordados na extinção dos contratos, está o regime de penalidades progressivas, bem como o prazo mínimo de 120 dias para que a concessionária encerre suas operações.
Por fim, foi demonstrada a viabilidade da adoção da resilição unilateral de forma imotivada (denúncia), hipótese não prevista na Lei Ferrari, mas largamente aceita na jurisprudência.
CAPÍTULO I – O CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
1.1 Breve histórico da indústria automobilística no Brasil
A história do setor automotivo no Brasil começa com a chegada dos primeiros veículos importados pela família de Xxxxxx Xxxxxx, Xxxx xx Xxxxxxxxxx e Tobias de Aguiar1. Pouco tempo depois, ainda no início do século XX, algumas empresas começaram a montar modelos em galpões e depósitos em São Paulo, SP.
A Ford foi a primeira indústria a se estabelecer no Brasil, em 1919, na capital de São Paulo. Iniciou com a importação para, em seguida, montar os veículos pelo sistema CKD (Complete Knock Down), método pelo qual o fabricante importa as peças e componentes necessários para a montagem local do veículo.
Foi após a implantação do sistema CKD que surgiram os primeiros revendedores autorizados no país, levando as montadoras a criarem suas redes de distribuição2.
Aos poucos, tais empresas deixaram de ser importadoras de veículos e se tornaram montadoras, com fábricas instaladas na Região do ABC, SP.
Em 25 de junho de 1954, o presidente Xxxxxxx Xxxxxx proibiu a importação de peças favorecendo a nacionalização da produção por meio da promulgação do Decreto no 35.279.
Em 15 de maio de 1956 foi fundada a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), associação civil para representar os fabricantes de autoveículos (automóveis, veículos comercias leves, caminhões e ônibus) e de máquinas agrícolas automotrizes (tratores de
1 ANFAVEA. Anfavea celebra 60 anos de atividades no Brasil. Disponível: xxxx://xxx.xxxxxxx.xxx.xx/xxxx/00.00.00_XxxxxXxxxxxx_00%00xxxx.xxx. Acesso: 13/09/2016. 2 FENABRAVE. Disponível: xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/. Acesso: 13/09/2016.
rodas e de esteiras, colheitadeiras e retroescavadeiras) junto aos órgãos públicos e à sociedade.
Nesta mesma época o governo cria a Comissão de Desenvolvimento Industrial e instala a Subcomissão de Jipes, Tratores, Caminhões e Automóveis, com o intuito de eliminar as importações de veículos e criar um polo produtivo local, ainda na gestão do presidente Xxxxxxx Xxxxxx.
A partir deste momento surgem os primeiros projetos de construção de fábricas de veículos e em 1956 ocorre a formação do Grupo Executivo da Indústria Automobilística, GEIA, um natural substituto à pioneira Subcomissão. Criado pelo então presidente Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxxx, tinha como missão estimular em um prazo de 5 anos a produção local de veículos com alto índice de nacionalização.
Nesse sentido, as primeiras fábricas foram instaladas no Brasil: a Volkswagen em São Bernardo do Campo, em 1959 e a General Motors em São Caetano do Sul, em 1930. O presidente Xxxxxxxxx Xxxxxxxxxxx foi o grande responsável pela implantação e pelo desenvolvimento da indústria de automóveis no Brasil.
Em 18 de março de 1965, os distribuidores de veículos se organizaram em torno da Associação Brasileira de Revendedores Autorizados de Veículos (Abrave), pelo que depois foi modificada para Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automomotores (Fenabrave)3.
Surgem em sequência as primeiras Associações de Marca, que são as entidades civis que representam a rede de concessionárias,4 no início dos anos
3 FENABRAVE. Disponível: xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/. Acesso: 13/09/2016.
4 Art. 17 As relações objeto desta Lei serão também reguladas por convenção que, mediante solicitação do produtor ou de qualquer uma das entidades adiante indicadas, deverão ser celebradas com força de lei, entre: (...) II ‐ cada produtor e a respectiva rede de distribuição, esta através da entidade civil de âmbito nacional que a represente, designadas convenções da marca.
70, sendo a primeira delas a Associação Brasileira de Distribuidores Volkswagen (Assobrav).
Em suma, a história da indústria automobilística no Brasil começou com a importação dos primeiros veículos, em seguida da montagem de veículos a partis de peças e componentes importados (método CKD, como explicado acima) e, finalmente, com a instalação de indústrias que passaram a fabricar carros no país.
É nesse contexto que surge a tipificação do contrato de concessão comercial, cuja explicação será dada no item seguinte.
1.2 Razões para o surgimento da Lei 6.729/1979
Como se depreende do histórico acima exposto, a relação entre os produtores (ou montadoras) de veículos automotores e seus distribuidores (ou concessionários), atualmente regida pela Lei no 6.729, de 28 de novembro de 1979, (“Lei 6.729/79”, também conhecida como “Lei Ferrari”), alterada em 26 de dezembro de 1990 pela Lei no 8.132 (“Lei 8.132/90”), é bastante anterior à promulgação de tal normativo.
Havia na época muitas críticas com relação ao relacionamento entre as fábricas e os revendedores autorizados. A Abrave defendia que “a concentração da produção em poucas e poderosas indústrias, e a pulverização de milhares de pequenas empresas na ponta da distribuição exigiam a interferência do poder legislativo”. Além disso, a Abrave acreditava que, por serem as políticas e práticas comerciais das fábricas vinculadas a matrizes no país, nem sempre se adequavam à realidade nacional 5.
Foi então nesse contexto que houve por bem tipificar o contrato de concessão comercial. Em 1976, Xxxxxx Xxxxx propôs o Anteprojeto de lei (ou Projeto de Lei no 746-B/75), em conjunto com Xxxxxx Xxxxxxx, então presidente da Abrave, que, depois de aprovado no Congresso, deu origem à Lei Ferrari.
5 FENABRAVE. Disponível: xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/. Acesso: 13/09/2016
Tal projeto era composto de 94 artigos, ante os 37 constantes no atual texto legal, após o “intempestivo veto aposto pelo Presidente Xxxxxxx Xxxxxx ao Projeto de Lei aprovado pelo Congresso Nacional, acolhendo, substancialmente, a proposta do Deputado Xxxxxxxxxx”.6
Um dos pontos mais fortes do Anteprojeto apresentado era a preocupação com a defesa do consumidor. A Abrave entendia que o distribuidor é o elo entre a fábrica e o consumidor final, então a lei deveria servir às três pontas dessa relação.7
Uma boa parte do Anteprojeto dedicava-se a esse assunto, os quais destacam-se: procedimento sumário para apurar perdas e danos causados aos consumidores, proteção do consumidor contra propaganda enganosa e as campanhas de chamamento (ou “recall”, como são conhecidas). Vale destacar alguns trechos da “justificativa de tramitação” perante o Congresso Nacional da Lei Ferrari 8:
“(...) Encontramos, na tipificação do contrato de concessão comercial, a relação entre uma empresa produtora e uma empresa distribuidora, que, guardando a respectiva responsabilidade jurídica e em esferas de ação próprias, estabelecem prestações e contraprestações de execução diferida e contínua no objeto comum de alcançar o mercado consumidor. (...)
Como se sabe, houve iniciativa do Congresso Nacional a propósito, através do projeto apresentado pelo nobre deputado Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx, que, sob número 746-B/75, subiu à sanção presidencial, vindo o governo anterior vetá-lo inteiramente. O exame das razões de veto demonstra que não se tratava de rejeitar a estrutura, a sistemática e o objetivo do projetos, todos louváveis, mas sim de aliviá-lo de uma sobrecarga de normas claramente
6 Xxxxxx XXXXX. Estrutura Normativa da Lei 6.729 Sobre Concessões Comerciais Entre Produtores e Distribuidores de Veículos Automotivos Terrestres, p.65,66. Complementa ainda Reale ao afirmar que “o certo é que não se compreenderá o real significado e alcance da Lei n. 6.729 – a que se deu o nome de “Lei Ferrari” – sem o devido estudo do mencionado Anteprojeto, não somente por sua abrangência, com toda uma parte destinada à garantia dos direitos dos usuários (completamente suprimida) mas pela atenção que, na Hermenêutica Jurídica, deve ser dispensada aos precedentes históricos”.
7 FENABRAVE. Disponível: xxxx://xxx.xxxxxxxxx.xxx.xx/. Acesso: 13/09/2016.
8 BRASIL. Ofício EM/GM/No 06. 10 de setembro de 1979.
adjetivas ou procedimentais, para prevalecer a espinha dorsal da proposição (...).
O governo, então, declarou que se encontrava “consciente da alta importância da proposição para o equacionamento não apenas das complexas relações entre fabricantes e distribuidores mas, sobretudo, entre estes e o consumidor”. (...)
Mas cumpre ressaltar que o projeto 746-B/75, acima referido, continha disposições referentes aos direitos do consumidor, matéria não produzida no texto ora proposto. Ao ver aquela proposição, o Poder Executivo considerou que não haviam sido estabelecidas normas imprescindíveis (...). Na verdade, apesar dos elevados propósitos que a inspiram, aquela proposição legislativa, adstrita pela mesma importância do tema predominante – a concessão comercial, não pode dar, ao capítulo destinado aos “Direitos do Consumidor”, a amplitude necessária. (...) parece certo que a matéria, pela sua importância, seja cuidada em legislação específica e abrangente. (grifo nosso)
Assim, após a eliminação de todas as referências consumeristas no texto devido à importância que merecia ser dada ao tema e com a transição para o governo Xxxxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxx persistiu com o projeto9. O governo então, exigiu também que as duas associações, Anfavea e Abrave redigissem conjuntamente o novo projeto.
O anteprojeto com as modificações feitas por ambas associações foi então apresentada ao Presidente Xxxxxxxxxx para ser encaminhado ao Congresso Nacional, sob o no 31/1979.
Após emendas do Deputado Xxxxxxxx Xxxxxxxxxx, o anteprojeto converteu- se em lei federal no dia 28 de novembro de 1979 pelo Presidente Xxxxxxxxxx.
Assim, a atipicidade legal dos contratos de distribuição foi quebrada, em 1979, pela promulgação da Lei Ferrari, que cuida especificamente da
9 Em razão da posição de destaque assumida por Xxxxxx Xxxxxxx nesse processo que a Lei 6.729/1979 é conhecida como “Lei Ferrari”.
“distribuição de veículos automotores de via terrestre”. Essa lei, fruto de intensos debates e do antagonismo de interesses das montadoras e as concessionárias, pretendia ser um instrumento que viabilizasse o “convívio equilibrado, harmonioso” entre esses.
1.3 O Contrato de concessão comercial: típico e atípico
Inicialmente, é pertinente esclarecer que o contrato de concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores é o único contrato de distribuição típico no ordenamento jurídico brasileiro. Este e aquele, espécie e gênero, respectivamente, preocupam-se com o escoamento da produção, assim como os de agência e representação comercial, comissão mercantil e franquia, cuja distinção entre tais institutos não faz parte do presente trabalho.
No mesmo sentido, leciona Xxxxx Forgioni que os contratos de distribuição são contratos atípicos porque não encontram definição no sistema normativo brasileiro; falta a disciplina geral dos contratos de distribuição, “limitando-se o texto legal a disciplinar a concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores (Lei 6.729/79)”.10
A mesma autora acrescenta que o início da vigência do Código Civil de 2002 não alterou a atipicidade do contrato de distribuição, tendo em vista que a “distribuição” referida nos artigos 710 e seguintes do CC na realidade refere-se ao instituto da representação comercial.11
No que pese a distinção feita no parágrafo acima, no presente trabalho trataremos como expressões sinônimas os contratos de distribuição e os contratos de concessão comercial. Da mesma forma, concedentes ou fornecedores ou montadora e, do outro lado, distribuidores ou concessionários.
10 Xxxxx X. FORGIONI, Contrato de Distribuição, p.38.
11 Ibid, p.38
Feitas essas considerações iniciais, tecer-se-ão alguns comentários com relação ao conceito e características do contrato de concessão comercial.
1.3.1 O Contrato Típico de Concessão Comercial
Os contratos de distribuição, como mencionado anteriormente, são um dos principais instrumentos para o escoamento da produção pela concedente, por meio de empresários, viabilizando um sistema de comercialização próprio para esse instituto.
Nesse sistema, concedente e concessionário abdicam reciprocamente de suas parcelas de autonomia e liberdade. Xxxxxx Xxxxxxx esclarece que, de um lado, a concedente renuncia em se relacionar com o mercado consumidor; os concessionários, por outro lado, renunciam parte de sua autonomia ao organizar suas instalações de acordo com os padrões definidos pela concedente.12
Trata-se de um contrato tipificado pela Lei 6.729/79, tendo como objeto (a) a comercialização dos bens produzidos pela concedente e a prestação de serviços de assistência técnica de pós-venda dos mesmos e (b) cessão gratuita do direito de uso da marca da concedente ao concessionário, conforme definidos no art. 3º, incisos I a III da Lei Ferrari.13
Conforme o próprio Anteprojeto, o contrato:
“estabelece os conceitos básicos de sujeitos, bens e serviços (arts. 1º e 2º), dá o objeto da concessão comercial e as atividades que lhe são correlatas (arts. 3º e 4º) e estabelece os limites fundamentais para seu exercício, estatuindo direitos e responsabilidades do concedente e do concessionário, quanto à área de concessão (arts. 5º e 6º). O art. 7º estabelece normas reguladoras do regime de quotas; o art. 8º dispõe sobre o índice de fidelidade na compra de mercadorias, pelo concessionário, do
12 Xxxxxx REQUIÃO, Contrato de Concessão de Venda com Exclusividade, p.8.
13 Art . 3º Constitui objeto de concessão: I ‐ a comercialização de veículos automotores, implementos e componentes fabricados ou fornecidos pelo produtor; Il ‐ a prestação de assistência técnica a esses produtos, inclusive quanto ao seu atendimento ou revisão; III ‐ o uso gratuito de marca do concedente, como identificação.
produtor, como condição implica (sic) do contrato; o art. 9º dispõe sobre a formulação e o atendimento dos pedidos; o art. 10 cuida da complexa questão dos estoques a serem suportados pelo concessionário, na medida de sua capacidade empresarial, e das reparações devidas pelo concedente, quanto ao estoque de componentes; e o art. 11 dispõe sobre a época do pagamento da mercadoria pelo concessionário, condicionando-o ao faturamento, salvo expresso ajuste entre o concedente e a rede de distribuição. Os artigos subsequentes dispõem sobre o objetivo da concessão, que é a venda ao consumidor, e a disciplina das vendas diretas, prevenindo a concorrência do concedente à rede de distribuidores (arts. 12 e 15), a fixação do preço final e da margem de comercialização (arts. 13 e 14) e a proteção da integridade da marca da fábrica e dos interesses coletivos do concedente e da rede de distribuição.
Considerando o caráter de permanência do vínculo contratual, com prestações diferidas, e tendo em vista a dinâmica destas relações e do próprio mercado, o anteprojeto estabelece convenções entre as categorias econômicas de produtores e distribuidores de veículos automotores e entre produtor e rede de distribuição, estas e aquelas representadas por suas respectivas associações, modo adequado para que os interessados, no campo privado de suas relações, possam disciplinar suas atividades e resolver suas dúvidas e controvérsias, sempre com respeito às normas da lei (arts. 17 a 19).
A seguir, cuida o anteprojeto do contrato de concessão propriamente dito, prescrevendo requisitos de forma, explicitando condições básicas de conteúdo e quanto à duração e regulando as condições de rescisão e os efeitos das infrações (arts. 20 a 27).
Os demais dispositivos são complementos necessários: o da correção monetária, no caso de mora, no cumprimento de obrigações resultantes da rescisão contratual, ajuste entre produtor e sua rede de distribuição, quanto a contratações que tenham por objetivo exclusivo comercialização de componentes ou prestação de assistência técnica; inaplicabilidade da alienação fiduciária, quando se trata de mercadoria, adquirida pelo concessionário, destinada à comercialização; e disposições transitórias (arts. 28 a 33).”14
14 BRASIL. Ofício EM/GM/No 06. 10 de setembro de 1979.
Tal contrato é classificado como misto ou complexo, uma vez que engloba vários outros contratos, a saber: contrato de compra e venda mercantil, contrato de fornecimento, contrato de prestação de serviços de assistência técnica, contrato de cessão de direito de uso da marca, conforme dispõe a própria exposição de motivos da lei.
Trata-se de contrato mercantil; consensual; bilateral (art. 2º da Lei 6.729/79); oneroso, no qual produtor e distribuidor visam obter vantagens; comutativo, já que exige uma equivalência das prestações e contraprestações.
1.4 Principais direitos e obrigações das partes no contrato de concessão comercial
A Lei Ferrari assegura direitos e impõe obrigações às concedentes e aos concessionários, e conforme já mencionado, para cada direito de uma parte corresponde a uma obrigação da contraparte, tendo em vista a natureza comutativa do contrato de concessão comercial.
1.4.1 Direitos da concedente
Pela análise feita através da leitura da Lei Ferrari, a concedente poderá: estabelecer a classe de veículos automotores que integrarão a concessão e proibir o concessionário que comercialize veículos novos de outras marcas, direitos estes previstos no art. 3º, § 1º, alíneas a e b; nomear novos distribuidores na hipótese de o mercado comportar mais concessionários em determinada área operacional e/ou pela necessidade de prover vaga de concessão extinta, ambas previstas nas alíneas I e II do art. 6º da Lei Ferrari.
O artigo 10, § 1º, dispõe que a concedente tem o direito de exigir que o concessionário mantenha um estoque proporcional à rotatividade dos produtos (veículos automotores, implementos e componentes), desde que respeitados os seguintes limites: 65% da atribuição mensal da quota anual para os veículos automotores, 5% do valor das vendas realizadas nos últimos 12 meses com
relação aos implementos e para os componentes, o valor que não ultrapasse o preço pelo qual adquiriu aqueles que vendeu a varejo nos últimos três meses.
Cabe também à concedente fixar o preço de venda aos concessionários, a fim de preservar a uniformidade e condições de pagamento para toda a rede de distribuição (art. 13, § 2º da Xxx Xxxxxxx), bem como nomear serviços autorizados, conforme disposto no artigo 28 da citada lei.
1.4.2 Obrigações da concedente
Xxxxxxx Xxxxx assevera que dentre as obrigações da concedente está a obrigação nuclear desta em “possibilitar a realização do serviço transferido ao concessionário, ou seja, a venda ao consumidor dos bens compreendidos na concessão, na forma, no tempo e na quantidade previstas”.15 Nesse sentido, a concedente teria a obrigação de garantir ao concessionário as condições indispensáveis para o exercício de sua atividade.
O mesmo autor afirma ser fundamental que a concedente assegurasse a entrega ao concessionário do bem, conforme a quota previamente ajustada entre a concedente e o concessionário. Sobre a cláusula de quota, o autor afirma16:
“A cláusula de quota, usual na distribuição de veículos automotores, tem repercussões importantíssimas na mecânica do contrato. Em primeiro lugar, se o concedente se obriga a vender todo mês determinada quantidade de produtos de sua fabricação e o concessionário se obriga a compra-los por preço certo ou determinável, a compra e venda poderia ser considerada uma só para todas as unidades alienadas no curso do contrato, enquanto que, se no contrato não houver tal cláusula, o que há é uma série
15 Xxxxxxx XXXXX, Contratos, p. 376.
16 Ibid, p. 376
de vendas, concluídas à medida que o concessionário encaminha pedidos ao fabricante.”
Ainda, Xxxxxxx Xxxxx trata da questão da exclusividade, pela qual a concedente se obriga a dar exclusividade ao concessionário nomeado em determinada área operacional, sendo então proibido nomear outro concessionário.
Com a devida vênia, não concordamos com tal opinião, uma vez que a concedente poderá nomear outro concessionário nas hipóteses previstas no art. 6º da Xxx Xxxxxxx, bem como essa lei estabelecer que a área operacional pode comportar mais de um concessionário da mesma rede.1718
1.4.3 Direitos da concessionária
À concessionária são asseguradas as seguintes prerrogativas, dentre as quais, destacam-se: (i) comercializar os veículos novos da marca da concedente 19 ; (ii) receber a contraprestação pelos serviços de manutenção obrigatórios pela garantia do fabricante20; (iii) fazer uso gratuito da marca da concedente21.
Há ainda outros direitos estabelecidos na Lei Ferrari, quais sejam: (i) participar das modalidades auxiliares de venda que a concedente promover ou adotar, tais como consórcios, sorteios, arrendamentos mercantis e planos de
17 Art. 6° É assegurada ao concedente a contratação de nova concessão: (Redação dada pela Lei nº 8.132, de 1990)
I ‐ se o mercado de veículos automotores novos da marca, na área delimitada, apresentar as condições justificadoras da contratação que tenham sido ajustadas entre o produtor e sua rede de distribuição; (Redação dada pela Lei nº 8.132, de 1990)
II ‐ pela necessidade de prover vaga de concessão extinta. (Redação dada pela Lei nº 8.132, de 1990)
§ 1° Na hipótese do inciso I deste artigo, o concessionário instalado na área concorrerá com os demais interessados, em igualdade de condições. (Redação dada pela Lei nº 8.132, de 1990)
§ 2° A nova contratação não se poderá estabelecer em condições que de algum modo prejudiquem os concessionários da marca. (Redação dada pela Lei nº 8.132, de 1990)
18 Art. 5º, § 1°.
19 Art. 3º, I.
20 Art. 5º, § 4°.
21 Art. 3º, III.
financiamento 22 ; (ii) comercializar implementos e componentes novos produzidos ou fornecidos por terceiros, mercadorias de qualquer natureza que se destinem a veículo automotor, implemento ou à atividade da concessão e veículos automotores e implementos usados de qualquer marca23
1.4.4 Obrigações da concessionária
Conforme anteriormente informado, a Lei Ferrari assegura direitos e impõe obrigações às concedentes e aos concessionários, sendo que para cada direito de uma parte corresponde a uma obrigação da contraparte.
Pois bem. Quando Xxxxxxx Xxxxx afirma que a obrigação nuclear da concedente é efetivamente vender todo mês determinada quantidade de produtos de sua fabricação, é obrigação espelho do concessionário comprar tal quantidade desses produtos:
“É comum, no contrato de distribuição, inserir-se a cláusula de quota para compelir o concessionário a comprar certa quantidade de unidades em períodos determinados e sucessivos na vigência do contrato. Esta medida de segurança é, do mesmo passo, uma obrigação a ser cumprida também no interesse do concessionário e que poderá exigir a entrega da quota, isto é, do número mínimo de unidades, no período determinado.24
22 Art. 3º, § 3°.
23 Art. 4º, I, II e III.
24 Xxxxxxx XXXXX, Contratos, p. 376.
CAPÍTULO II – EXTINÇÃO DO CONTRATO DE CONCESSÃO
2.1 Formas de extinção dos contratos em geral
Como todo relacionamento contratual, as partes estão sujeitas ao término desta relação tendo em vista as eventuais divergências e deterioramento das relações que podem surgir ao longo do tempo.
Antes de abordar as formas de extinção do contrato de concessão comercial, pertinente abordar as modalidades de extinção dos contratos em geral, que mais se relacionam com o contrato de concessão comercial.
Xxxxxxx Xxxxx ensina que o vocábulo “extinção” deve ser utilizado “para todos os casos nos quais o contrato deixa de existir”25. Aduz ainda que:
“Os contratos realizam-se para a consecução de certo fim (...). Cumpridas as obrigações, o contrato está executado, seu conteúdo esgotado, seu fim alcançado. Dá-se, pois, a extinção. (...) A execução é, essencialmente, o modo normal de extinção dos contratos. Pode ser instantânea, diferida ou continuada. (...) Há, por conseguinte, duas maneiras de extinção normal do contrato: a execução instantânea, imediata ou diferida, e a execução continuada ou periódica até a expiração do prazo estipulado, ou pela vontade de uma das partes se o contrato é por tempo indeterminado. (grifo nosso)26
Dessa forma, nos contratos de execução instantânea, imediata ou diferida, executado o contrato e/ou cumpridas suas obrigações, dá-se a extinção do contrato.
25 Xxxxxxx XXXXX, Contratos, p. 169.
26 Ibid, p. 169.
No entanto, muitas vezes o contrato extingue-se sem que tenham sido cumpridas as obrigações, seja por causas anteriores ou contemporâneas à sua formação, caso em que ocorreria a anulação do contrato, seja por causas supervenientes à formação do contrato, caso em que ocorreria a dissolução do contrato. Xxxxxxx Comes dispõe que a dissolução do contrato pode se dar por resolução, resilição e rescisão do contrato (Cf. XXXXX, Xxxxxxx. Contratos, p. 170).
2.1.1 Resolução do contrato
A inexecução contratual por um dos contratantes, que pode ser culposa ou não, dá ensejo à resolução do contrato. Ela também é denominada como rescisão na hipótese em que é promovida pela parte que foi prejudicada. A resolução é então “um remédio concedido à parte para romper o vínculo contratual mediante ação judicial”.27
Estabelece o mesmo autor que nos contratos bilaterais, cada contratante pode pedir a resolução se a outra parte não cumpre as obrigações do contrato, pelo que afirma que sempre haverá nos contratos uma cláusula resolutiva, seja expressa ou tacitamente prevista no contrato.
Nesse sentido, afirma que “há, em todo contrato bilateral, implicitamente, uma cláusula resolutiva, pela qual a inexecução de uma parte autoriza a outra a pedir a resolução.”28
Podem as partes então reforçar tal cláusula resolutiva implícita ao ajustarem o pacto comissório expresso, pela qual as partes expressamente indicam quais hipóteses cujo descumprimento importará na resolução do contrato.29
27 Xxxxxxx XXXXX, Contratos, p. 171.
28 Ibid, p. 172.
29 Ibid, p. 174.
O fundamento do pacto comissório expresso, isto é, a cláusula resolutiva expressa residia no princípio da força obrigatória dos contratos, cuja disposição era controvertida nos tribunais à época. O Código Civil de 2002 positivou o pacto comissório expresso através do seu art. 474 e pacificou o entendimento desde então com relação a esse tema.
Nesse sentido, não é necessário o ajuizamento de uma ação judicial para resolução ou rescisão, uma vez que a cláusula resolutiva expressa opera-se de pleno direito.30
Quais então seriam os efeitos da resolução do contrato?
Efeitos da resolução por inexecução voluntária (ou culposa) nos contratos de execução continuada: a resolução não tem efeitos em relação ao passado (ex-nunc), as prestações cumpridas não se restituem. 31 ., sujeitando o inadimplente ao pagamento de perdas e danos, que abrangem os danos emergentes e lucros cessantes.32
Efeitos da resolução por inexecução involuntária (sem culpa) nos contratos de execução continuada: a resolução nesse caso também não tem efeitos em relação ao passado (ex-nunc), no entanto, a parte inadimplente não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, não estando portanto sujeito ao pagamento de perdas e danos à outra parte. Sem necessidade de intervenção judicial.33
Efeitos da resolução por onerosidade excessiva nos contratos de execução continuada: é aquela que, “em virtude de acontecimento extraordinário e imprevisível, sobrevenha, dificultando extremamente o cumprimento de obrigação de um dos contraentes”. A resolução nesse caso também tem efeitos
30 Código Civil de 2002: “Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera‐se de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.”
31 Xxxxxxx XXXXX, Contratos, p. 175.
32 Ibid, p. 176.
33 Ibid, p. 177.
em relação ao passado (ex-tunc), sem espaço para pedido de perdas e danos à outra parte. Necessária intervenção judicial.34
2.1.2 Resilição do contrato
Trata-se de uma das formas de extinção do contrato por simples declaração de vontade de um ou dos dois contratantes, respectivamente, resilição unilateral e resilição bilateral.
A resilição bilateral, também chamada distrato, geralmente é utilizada nos contratos de execução continuada para pôr termo antes do prazo de expiração do contrato, podendo ser convencionado também para pôr fim a um contrato por tempo indeterminado. Caso o contrato venha a se extinguir por ter expirado o prazo estipulado, dá-se a extinção normal do contrato, sem necessidade de distratar (Cf. XXXXX, Xxxxxxx. Contratos, p. 184).
Na resilição unilateral, o fundamento da faculdade de resilir varia conforme a modalidade de contrato. Na resilição unilateral dos contratos por tempo indeterminado, Xxxxxxx Xxxxx afirma que:
“(...) presume a lei que as partes não quiseram se obrigar perpetuamente, e, portanto, que se reservaram a faculdade de, a todo tempo, resilir o contrato. (...) A natureza do poder de resilir unilateralmente o contrato não sofre contestação: trata-se de um poder potestativo. (...) Nos contratos por tempo indeterminado a resilição unilateral é o meio próprio para dissolvê-los. Se não fosse assegurado o poder de resilir, seria impossível ao contratante libertar-se do vìnculo se o outro não concordasse.”35
34 Xxxxxxx XXXXX, Contratos, p. 179, 180.
35 Ibid, p. 185.
Assim, para valer, a parte que não mais está interessada na manutenção da relação contratual deve enviar um pré-aviso à outra parte, também conhecida como denúncia do contrato, a fim de não romper de modo brusco o contrato. A falta de aviso prévio à outra parte não invalida a resilição em si, sendo eficaz ainda que não tenha sido dada. Conforme Xxxxxxx Xxxxx, “embora válida, a denúncia desacompanhada de aviso prévio sujeita o denunciante ao pagamento de indenização dos prejuízos que a outra parte sofre” 36. Há notadamente outros casos em que a notificação prévia é indispensável, seja por determinação legal ou convencional.
Na resilição unilateral dos contratos por tempo determinado, a denúncia é possível, mas sujeitará o denunciante a perdas e danos. Xxxxxxx Xxxxx afirma que “nos contratos por tempo determinado não cabe, em princípio, a resilição unilateral.”37
2.1.3 Rescisão do contrato
Xxxxxxx Xxxxx adverte sobre o uso equivocado da palavra “rescisão”, comumente usada como sinônimo de resolução, resilição ou de dissolução, esta no sentido amplo, asseverando que deve ser reservada para uso específico de extinção de contrato.
Em seguida, explica que rescisão é ruptura do contrato em que houve lesão, somente podendo ser obtida por via judicial, exigindo-se que uma das partes tenha obtido vantagens desproporcionais. No caso, a sentença rescisória retroagiria à data de celebração do contrato (Cf. XXXXX, Xxxxxxx. Contratos, p. 188).
2.2 Formas de extinção do contrato típico de concessão comercial
36 Xxxxxxx XXXXX, Xxxxxxxxx, p. 186.
37 Ibid, p. 186.
Tecidas as considerações sobre a extinção dos contratos em geral, passaremos a introduzir o assunto especificamente para os contratos típicos de concessão comercial.
Conforme o art. 22 da Lei Ferrari, existem 4 possibilidades para a extinção ou dissolução do contrato: (i) “por acordo das partes”, que equivale à hipótese do distrato ou resilição bilateral; (ii) por “força maior”, que trata da hipótese de extinção do contrato por resolução por inexecução involuntária das partes; (iii) “pela expiração do prazo determinado, estabelecido no início da concessão”, que equivale à hipótese da extinção normal do contrato pelo decurso do seu prazo e
(iv) “por iniciativa da parte inocente, em virtude de infração a dispositivo desta Lei”, que trata da hipótese de extinção do contrato por resolução por inexecução voluntária ou culposa das partes 38
De acordo com a classificação adotada por Xxxxxxx Xxxxx, pode se verificar que a Lei Ferrari usou de modo equivocado o vocábulo resolução nos casos de distrato e da extinção normal do contrato pelo decurso do prazo determinado. Para Xxxxxxxx Xxxxxx, a Xxx Xxxxxxx omitiu-se com relação à hipótese de resilição unilateral (ou denúncia), sendo possível tal modalidade de extinção do contrato de concessão.
2.2.1 Art. 23 da Xxx Xxxxxxx: Extinção do contrato pelo decurso do prazo de vigência
Estabelece o art. 23 da Lei Ferrari:
“Art. 23. O concedente que não prorrogar o contrato ajustado nos termos do art. 21, parágrafo único, ficará obrigado perante o concessionário a: I - readquirir-lhe o
38 Art . 22. Dar‐se‐á a resolução do contrato:
I ‐ por acordo das partes ou força maior;
Il ‐ pela expiração do prazo determinado, estabelecido no início da concessão, salvo se prorrogado nos termos do artigo 21, parágrafo único;
III ‐ por iniciativa da parte inocente, em virtude de infração a dispositivo desta Lei, das convenções ou do próprio contrato, considerada infração também a cessação das atividades do contraente.
estoque de veículos automotores e componentes novos, estes em sua embalagem original, pelo preço de venda à rede de distribuição, vigente na data de reaquisição: II - comprar-lhe os equipamentos, máquinas, ferramental e instalações à concessão, pelo preço de mercado correspondente ao estado em que se encontrarem e cuja aquisição o concedente determinara ou dela tivera ciência por escrito sem lhe fazer oposição imediata e documentada, excluídos desta obrigação os imóveis do concessionário. Parágrafo único. Cabendo ao concessionário a iniciativa de não prorrogar o contrato, ficará desobrigado de qualquer indenização ao concedente.”
É comum o uso da expressão “indenizações previstas na Lei Ferrari”. No entanto, faz-se necessário estabelecer o correto uso para que não ocorram confusões, de tal modo que as obrigações da concedente previstas no presente artigo da Lei Ferrari na realidade tratam de recomposição ao “status quo ante” do concessionário, e não um valor indenizatório, ao disciplinar que a concedente deve (i) recomprar os veículos (e componentes) novos pelo preço de venda à rede e (ii) comprar os equipamentos, máquinas, ferramental e instalações à concessão.
Segundo Xxxxxxxx Xxxxxx, quando a concedente procede à recompra dos estoques e compra dos demais ativos específicos da concessão, esta recebe o domínio dos bens, que passam a integrar seu ativo. Já a concessionária, receberá o preço correspondente por tais aquisições feita pela concedente, sem incorrer em prejuízo (Cf. XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx de, Contrato Típico de Concessão Comercial: (...), p. 209).
Nesse sentido, confira-se:
“Ressalte-se, contudo, que o pagamento de tais valores fica condicionado à transferência à apelada dos respectivos estoques,
implementos e componentes novos, bem como dos equipamentos, máquinas e ferramental, sob pena de enriquecimento sem causa das apelantes”39
Caso não haja acordo quanto aos preços destes itens, a Convenção da Categoria Econômica determina a nomeação de perito por cada parte.40
Sobre o trecho “e cuja aquisição o concedente determinara ou dela tivera ciência por escrito sem lhe fazer oposição imediata e documentada”, Xxxxx Xxxx xxx Xxxxxx defende:
“Ou seja, é dever da concedente indenizar o concessionário de todos os equipamentos e maquinário exigidos para a instalação e funcionamento da concessão. Os demais itens destinados à instalação da concessão, que, porventura, não tenham sido exigidos pela montadora mas que o concessionário tenha entendido necessária a sua aquisição, visando melhorar a qualidade dos serviços, também serão objeto de recompra pela concedente, nos mesmos termos e formas referidos, mas, para isso, é necessário que o concessionário tenha providenciado uma comunicação, por escrito, para a montadora, informando
39 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação no 1005183‐38.2014.8.26.0100. 36ª Câmara de Direito Privado. Rel. Xxxxxx Xxxxxxxx. 28 de julho de 2016. Diário da Justiça: 29/07/2016.
40 Convenção da Categoria Econômica, Capítulo XIX, Art. 10. – Na extinção do contrato de concessão, nos termos da Lei, observar‐se‐ão os seguintes procedimentos: I ‐ quanto à reaquisição, que o produtor deverá fazer dos estoques de veículos automotores, implementos e componentes novos do distribuidor, cada uma destas mercadorias terá seu preço de reaquisição apurado de per si; II ‐ quanto à aquisição, que o produtor também deverá fazer dos equipamentos, máquinas, ferramental e instalações destinados à concessão, os respectivos preços de mercado: a.‐ serão acordados entre o produtor e o distribuidor; b.‐ não havendo acordo, serão apurados por peritos de reconhecida idoneidade, um indicado pelo produtor e outro pelo distribuidor, sob desempate de eventual divergência por perito nomeado de comum acordo pelas associações representativas das respectivas categorias econômicas, correndo os respectivos honorários e despesas da perícia por conta da parte vencida. Parágrafo único – As providências a que se refere o presente artigo deverão estar concluídas no prazo de sessenta dias, contado da data da conclusão da perícia.
essas aquisições, e que esta não tenha realizado oposição imediata e documentada sobre tais aquisições.”41
Convém relembrar que a extinção normal do contrato pela expiração do prazo estabelecido em contrato, conforme visto anteriormente, não enseja o dever de reparar. Ainda, em razão de o primeiro interregno contratual não ser inferior a 5 anos, a Lei Ferrari garantiu um prazo mínimo que, na opinião do legislador, seria compatível e suficiente ao investimento despendido pelo concessionário e à geração do resultado desejado (Cf. XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx Penteado de, Contrato Típico de Concessão Comercial, p. 211).
Com relação á parte final desse artigo, cabe ressaltar que a lei expressamente excluiu da obrigação da concedente a compra dos imóveis do concessionário. Nesse caso, o legislador intencionalmente excluiu os imóveis por entender que o concessionário pode e deve dar outra destinação econômica a estes.
2.2.2 Art. 24 da Xxx Xxxxxxx: Extinção - resolução do contrato por prazo indeterminado por inexecução voluntária
Passados os 5 anos iniciais do contrato de concessão, o contrato de concessão torna-se por prazo indeterminado42 – é o que se verifica na prática na maioria dos contratos de concessão das marcas.
Com efeito, a maioria dos casos de pedido de resolução do contrato parte das montadoras, conforme disciplinado pelo art. 24 da Lei Ferrari.
41 Xxxxx Xxxx xxx XXXXXX, O Direito dos Concessionários, p. 137.
42 Art . 21. A concessão comercial entre produtor e distribuidor de veículos automotores será de prazo indeterminando e somente cessará nos termos desta Lei.
Parágrafo único. O contrato poderá ser inicialmente ajustado por prazo determinado, não inferior a cinco anos, e se tornará automaticamente de prazo indeterminado se nenhuma das partes manifestar à outra a intenção de não prorrogá‐lo, antes de cento e oitenta dias do seu termo final e mediante notificação por escrito devidamente comprovada.
Semelhantemente ao caso do art. 23 da Xxx Xxxxxxx, a concedente deverá adquirir as instalações relacionadas à concessão (art. 24, II, Lei Ferrari). Já com relação à recompra dos estoques de carros e componentes novos, diferentemente da disposição do art. 23, aqui reside a obrigação de a concedente pagar o preço de revenda ao consumidor, e não o preço que havia sido vendido à rede. Nesse caso, Xxxxxxxx xx Xxxxxx aponta o caráter indenizatório da obrigação estabelecida no art. 24, I, Lei Ferrari (Cf. XXXXXX, Xxxxxxxx Xxxxxxx Penteado de, Contrato Típico de Concessão Comercial, p. 218).
Adicionalmente às 2 obrigações estabelecidas acima, a Lei Ferrari estipulou uma terceira obrigação à concedente inadimplente com suas obrigações perante o concessionário, prevista no art. 24, III: a do pagamento de perdas e danos à concessionária.43
A fim de liquidar essas perdas e danos, o valor dos 18 meses projetados e dos 3 meses para cada quinquênio deve ter como base o valor do faturamento do concessionário realizado nos 2 últimos anos anteriores à rescisão, devendo esse valor ser corrigido monetariamente.
A título de exemplo, um concessionário cujo contrato vigorou por 15 anos terá direito a 3 quinquênios, que equivalem a 9 meses, que deverão ser somados à parte fixa dos 18 meses. Assim, o concessionário teria direito a 27 meses de indenização.
43 Art . 24. Se o concedente der causa à rescisão do contrato de prazo indeterminado, deverá reparar o concessionário:
I ‐ readquirindo‐lhe o estoque de veículos automotores, implementos e componentes novos, pelo preço de venda ao consumidor, vigente na data da rescisão contratual;
II ‐ efetuando‐lhe a compra prevista no art. 23, inciso II;
III ‐ pagando‐lhe perdas e danos, à razão de quatro por cento do faturamento projetado para um período correspondente à soma de uma parte fixa de dezoito meses e uma variável de três meses por quinqüênio de vigência da concessão, devendo a projeção tomar por base o valor corrigido monetariamente do faturamento de bens e serviços concernentes a concessão, que o concessionário tiver realizado nos dois anos anteriores à rescisão;
IV ‐ satisfazendo‐lhe outras reparações que forem eventualmente ajustadas entre o produtor e sua rede de distribuição.
Para um melhor entendimento, caso a soma do faturamento de um concessionário nos últimos 2 anos tenha sido o valor de 24 milhões de reais (já corrigido), esse valor deverá ser dividido por 24 meses, para que seja possível alcançar o valor base mensal, cujo resultado é então de 1 milhão de reais. No presente caso, tal valor deve ser multiplicado por 27 meses, obtendo-se o valor de 27 milhões de reais. Assim, o montante de perdas e danos será de 4% sobre os 27 milhões, totalizando então 1 milhão e 80 mil reais.
Xxxxxxxx xx Xxxxxx apurou tal cálculo em sua tese na seguinte fórmula:44
I = F x (18+(3 x t div 60))) div 25, onde:
I é o valor da indenização;
F corresponde ao faturamento médio mensal corrigido que o concessionário tiver realizado nos 2 últimos anos de vigência do contrato e
t corresponde ao número de meses pelos quais o contrato vigorou.
Para Xxxxx Xxxx dos Santos tal valor trata-se de valor pouco expressivo, tomando-se por base os elevados valores dos faturamentos e dos investimentos realizados.45 No entanto, não podemos olvidar que a indenização tem como base o faturamento projetado, descontando-se os custos da transação, tais como compra de veículos para estoque, salários, despesas fixas, tributos, entre outros.
Conforme entendimento de Xxxxxxxx xx Xxxxxx, “trata-se de pré-fixação de perdas e danos, abrangendo danos emergentes (i.e. recompra de estoques ao preço de revenda e ressarcimento dos investimento feitos no aparelhamento da concessão – incisos I e II) e também dos lucros cessantes (inciso III), estes últimos reparados em conformidade com o lucro líquido que seria gerado pelo faturamento projetado”.46
44 Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx XXXXXX, Contrato Típico de Concessão Comercial: Origem, conceito, disciplina, formas de extinção e efeitos decorrentes, p. 219.
45 Xxxxx Xxxx xxx XXXXXX, O Direito dos Concessionários, p. 138.
46 Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx XXXXXX, Contrato Típico de Concessão Comercial: Origem, conceito, disciplina, formas de extinção e efeitos decorrentes, p. 220.
Ainda, o inciso IV do art. 24 da Lei estabelece que a concedente irá satisfazer outras reparações que forem eventualmente ajustadas entre o produtor e a rede de distribuição, que seriam portanto ajustes regulados através de convenção da marca.
Nos parece que o legislador foi muito preciso ao estipular quais valores devidos a concedente se obrigaria perante o concessionário nessas circunstâncias, como pode se verificar o quanto refletido em cada disposto dos 4 incisos do art. 24 da Lei Ferrari.
Há entendimentos diversos, no entanto, com relação a tal dispositivo. Há aqueles que defendem que o inciso IV do art. 24 da Lei Ferrari dá espaço para interpretação com base na lei comum, que contempla que a indenização se mede pela extensão dos danos. Nesse sentido, Xxxxx Xxxxxx dos Dias defende que:
“Dessa forma, as indenizações dos concessionários estariam esgotadas, limitando-se ao formulismo imposto pela Lei Especial, preconizado no artigo 24, incisos I, II e III, da Lei 6.729/79. Mas dentro do princípio aplicado no Direito Comum, que contempla que a indenização se mede pela extensão dos danos, a mesma lei determina, no mesmo artigo, a satisfação de outras reparações em favor do concessionário. Nessas reparações, incluem-se todas aquelas decorrentes do contrato de concessão, quer tenham sido ajustadas ou não no contrato de concessão ou nas convenções de marca. (...) Dessa forma, é fácil admitir que (...) ao se referir, textualmente, a “outras reparações”, remeteu ao Direito Comum a possibilidade dos concessionários serem reparados por todos os danos sofridos.”47
47 Xxxxx Xxxx xxx XXXXXX, O Direito dos Concessionários, p. 140‐142.
Tal interpretação é corroborada pela seguinte transcrição do julgado envolvendo a matéria:
“(...) o inciso IV do mesmo dispositivo alude à satisfação de outras reparações derivadas do relacionamento entre a concedente e a concessionária, ainda que não previstas na Lei ou no próprio contrato. Assim, ainda que não contido expressamente nos incisos I, II e III do artigo 24 da Xxx Xxxxxxx, é de se finalizar com os argumentos do já citado Professor Xxxxxx Xxxx (...) que diz: "No meu entender, não há dúvida sobre esse enquadramento na hipótese dos autos, visto com é óbvio que 'outras reparações ajustadas entre o produtor e sua rede de distribuição' tanto podem depender de ajustes expressos como de ajustes implícito. De outro lado, a concessionária não está postulando indenização por títulos diversos (conforme se pretende) nem, tampouco, duas indenizações, mas sim uma reparação cabal com base apenas em responsabilidade contratual. Não há, pois, que falar em 'dualidade de indenização', nem em ''rígido limite indenizatório'.(...) Como penso ter demonstrado, os quatro incisos do 9...art.24 da Lei 6.729/79 não podem ser interpretados restritivamente. (...) Logo, aplicável à legislação especial supletivamente a legislação geral civilista.”48
Com a devida vênia, discordamos da opinião acima, tendo em vista que a lei especial prevalece sobre a lei geral. Ainda, o inciso IV da Lei é enfático ao esclarecer que as outras reparações devem ter sido ajustadas entre produtor e a rede de distribuição, que corresponde a regular tal matéria em convenção de marca, conforme estabelece o art. 17, II da Lei Ferrari 49 ou até mesmo no próprio contrato.
48 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação no 1.297.016‐8. 7ª Câmara Cível. Rel. Xxx Xxxxx Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxxx xx Xxxxx. 09 de agosto de 2016. Diário da Justiça: 19/08/2016.
49 Art . 17. As relações objeto desta Lei serão também reguladas por convenção que, mediante solicitação do produtor ou de qualquer uma das entidades adiante indicadas, deverão ser celebradas com força de lei, entre:
I ‐ as categorias econômicas de produtores e distribuidores de veículos automotores, cada uma representada pela respectiva entidade civil ou, na falta desta, por outra entidade competente, qualquer delas sempre de âmbito nacional, designadas convenções das categorias econômicas;
II ‐ cada produtor e a respectiva rede de distribuição, esta através da entidade civil de âmbito nacional que a represente, designadas convenções da marca.
Nesse sentido:
deve ser reformada para condenar a apelada à obrigação de readquirir o estoque de veículos automotores, implementos e componentes novos, bem como os equipamentos, máquinas, ferramental e instalações à concessão, na forma acima descrita acima (itens f e g da petição inicial). A apelada também fica condenada ao pagamento de indenização pelas perdas e danos à razão de 4% do faturamento projetado até o término dos respectivos contratos, a ser apurada em liquidação de sentença (item h da petição inicial). As indenizações devem ser calculadas para cada um dos contratos isoladamente. O valor de recompra e a indenização pelas perdas e danos serão corrigidos e atualizados em conformidade com o artigo 27 da Lei nº 6.729/79.50
Podemos verificar que o magistrado decidiu apenas pela indenização prevista na Lei Ferrari, e não com base no Código Civil.
2.2.3 Art. 25 da Xxx Xxxxxxx: Extinção - resolução do contrato por prazo determinado por inexecução voluntária (ou culposa) da concedente
Os arts. 24 e 25 dizem respeito à resolução por culpa da concedente, com a diferença do contrato ser por prazo indeterminado e determinado, respectivamente.
Assim, basicamente são muito semelhantes os valores devidos pela concedente em ambos casos, com a diferença que nos contratos por prazo determinado, adicionalmente ela deverá pagar (i) com relação à perdas e danos, 4% sobre o faturamento projetado até o término do contrato, tomando-se como base igualmente o faturamento médio mensal realizado pelo concessionário nos últimos 2 anos de vigência do contrato e (ii) as demais reparações eventualmente
50 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação no 1005183‐38.2014.8.26.0100. 36ª Câmara de Direito Privado. Rel. Xxxxxx Xxxxxxxx. 28 de julho de 2016. Diário da Justiça: 29/07/2016.
ajustadas entre produtor e rede serão pagas na medida em que forem satisfeitas as obrigações vincendas até o termo final do contrato rescindido. 51
Com relação ao inciso I do art. 25, como exemplo, um concessionário cujo contrato por prazo determinado de 5 anos, vigorou por 3 anos e 8 meses, portanto a quantidade de meses faltantes para o término do contrato é equivalente a 16 meses, tendo portanto o concessionário o direito correspondente a 16 meses de indenização.
Assim, caso a soma do faturamento de um concessionário nos últimos 2 anos tenha sido o valor de 24 milhões de reais (já corrigido), esse valor deverá ser dividido por 24 meses, para que seja possível alcançar o faturamento médio mensal, cujo resultado é então de 1 milhão de reais. No presente caso, tal valor deve ser multiplicado por 16 meses, obtendo-se o valor de 16 milhões de reais. Assim, o montante de perdas e danos será de 4% sobre os 16 milhões, totalizando então 640 mil reais.
No caso da segunda parte do inciso I do art. 25, hipótese em que o concessionário sequer alcançou 2 anos de vigência do contrato, a projeção tomará por base o faturamento até então realizado. Assim, caso o concessionário tenha resolvido o contrato com apenas 1 ano e 2 meses, terá direito a indenização correspondente a 14 meses.
2.2.4 Art. 26 da Xxx Xxxxxxx: Extinção - resolução do contrato por prazo indeterminado por inexecução voluntária (ou culposa) do concessionário
O art. 26 da Lei Ferrari estabelece que “se o concessionário der causa à rescisão do contrato, pagará à concedente a indenização correspondente a cinco
51 Art . 25. Se a infração do concedente motivar a rescisão do contrato de prazo determinado, previsto no art. 21, parágrafo único, o concessionário fará jus às mesmas reparações estabelecidas no artigo anterior, sendo que:
I ‐ quanto ao inciso III, será a indenização calculada sobre o faturamento projetado até o término do contrato e, se a concessão não tiver alcançado dois anos de vigência, a projeção tomará por base o faturamento até então realizado;
Il ‐ quanto ao inciso IV, serão satisfeitas as obrigações vincendas até o termo final do contrato rescindido.
por cento do valor total das mercadorias que dele tiver adquirido nos últimos quatro meses de contrato”.
A interpretação isolada desse artigo pode causar dúvida se o legislador se referiu a contratos por prazo determinado ou não, de tal forma que esse artigo deve ser levado em consideração em conjunto com o parágrafo único do art. 2352, levando assim à correta interpretação que a hipótese do art. 26 trata-se de contrato por prazo indeterminado.
Dessa forma, no caso em que a concessionária descumprir as obrigações entalecidas no contrato de concessão, tal como o não atingimento da performance de revenda bem como a compra dos veículos em volume inferior à quota anual ajustada, ensejará o direito da concedente em pedir a resolução do contrato.
Nessa hipótese, a concedente não irá pagar nenhum valor ao concessionário, seja a título de recompra de estoque e dos bens destinados à instalação, seja a título das indenizações previstas na Lei Ferrari. Tal fato se deve porque houve uma falta do concessionário com relações às obrigações estabelecidas junto à concedente, sendo então nesse caso quem deve pagar a indenização é o concessionário à concedente.
No entanto, para que possa ser configurada a resolução do contrato nesses termos, necessário obedecer o dispositivo do art. 22, §1º, que estabelece que a resolução deve ser precedida da aplicação de penalidades gradativas.53
52 Art . 23. O concedente que não prorrogar o contrato ajustado nos termos do art. 21, parágrafo único, ficará obrigado perante o concessionário a:
I ‐ readquirir‐lhe o estoque de veículos automotores e componentes novos, estes em sua embalagem original, pelo preço de venda à rede de distribuição, vigente na data de reaquisição:
II ‐ comprar‐lhe os equipamentos, máquinas, ferramental e instalações à concessão, pelo preço de mercado correspondente ao estado em que se encontrarem e cuja aquisição o concedente determinara ou dela tivera ciência por escrito sem lhe fazer oposição imediata e documentada, excluídos desta obrigação os imóveis do concessionário.
Parágrafo único. Cabendo ao concessionário a iniciativa de não prorrogar o contrato, ficará desobrigado de qualquer indenização ao concedente.
53 Art . 22. Dar‐se‐á a resolução do contrato: (...) III ‐ por iniciativa da parte inocente, em virtude de infração a dispositivo desta Lei, das convenções ou do próprio contrato, considerada infração também a
Ou seja, para que a concedente possa extinguir o contrato por culpa do concessionário, necessariamente deverá aplicar penalidades ao concessionário, conforme depreende-se do seguinte julgado:
“Concessão de veículos automotivos. Rescisão irregular. Descumprimento dos artigos 21 e 22 da lei 6.729/79, que constituem normas cogentes, de observação obrigatória pelas partes. Concessionária que não foi formalmente penalizada pela concedente, de forma gradativa, nem se lhe concedeu o prazo de 120 dias previsto em lei para o encerramento das atividades.”54 (grifo nosso)
No julgado acima o magistrado pronunciou-se pela irregularidade da rescisão contratual. Xxxx, ainda, que havia todo um procedimento administrativo a ser seguido de modo cogente pela concedente, que de modo algum estava legitimada a agir a seu inteiro arbítrio na ocasião, tendo sido esta condenada a pagar R$ 100.000,00 pelos danos morais causados à concessionária pela irregularidade no procedimento da resolução contratual.
No mesmo sentido, corrobora o seguinte julgado pela abusividade e irregularidade da resolução do contrato que prescinde da aplicação da gradação punitiva:
“Para o caso em apreço, em sede de cognição sumária, a única abusividade vislumbrada foi a notificação da agravada, para a rescisão do contrato sem a devida aplicação das penalidades gradativas reguladas na convenção de marca e previstas pelo §1º do artigo 22 da Xxx Xxxxxxx.(...).
Vale destacar que a alegação da agravada de que antes da rescisão do contrato não foram observadas as penalidades gradativas previstas pelo
§1º do artigo 22 da Lei nº 6.279/79 além de ser deduzido no plano da ação
cessação das atividades do contraente. § 1º A resolução prevista neste artigo, inciso III, deverá ser precedida da aplicação de penalidades gradativas.
54 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação no 0063833‐80.2010.8.26.0506. 34ª Câmara de Direito Privado. Rel. Xxxxxx Xxxxxx. 06 de julho de 2016.Publicado em o8/07/2016.
principal, revela que eventual prejuízo causado à concessionária deverá ser resolvido em perdas e danos”.”55 (grifo nosso)
A Lei Ferrari, em seu art. 19, inciso XV dispõe que a convenção de marca é competente para estabelecer normas e procedimentos relativos ao regime de penalidades gradativas.56
Diante da polêmica desse assunto, na prática foi verificado que as concedentes não conseguiram regulamentar o sistema de aplicação de gradação punitiva através de convenção de marca junto às suas respectivas associações.
Tal constatação é corroborada pelo pronunciamento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que assevera que “apesar dos quase trinta anos de vigência da Lei, a verdade é que até agora não houve convenção da marca disciplinando as penalidades gradativas”.57
No entanto, conforme pesquisa realizada com as convenções parciais de marca de 5 montadoras, constatou-se que apenas a Ford e a Volks conseguiram implementar convenção de marca disciplinando sobre a matéria da gradação punitiva.
Em razão dessa dificuldade das concedentes e suas respectivas associações de marca regularem tal disciplina através de convenção, algumas montadoras, que se estabeleceram mais recentemente no Brasil, resolveram por bem disciplinar tal matéria no próprio contrato de concessão.
Embora essa matéria deva ser idealmente regulada por convenção de marca, o fato de ser regulada através do contrato de concessão não invalida a
55 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Agravo de Instrumento no 696981‐3. 7ª Câmara Cível. Rel. Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx. 09 de novembro de 2010. DJ:24/11/2010.
56 Art . 19. Celebrar‐se‐ão convenções da marca para estabelecer normas e procedimentos relativos a: (...) XV ‐ regime de penalidades gradativas (art. 22, § 1º) (...);
57 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação no 992.05.090953‐2. 28ª Câmara de Direito Privado. Rel. Xxxxx Xxxxxxxx. 24 de novembro de 2009.Publicado em 14/12/2009.
aplicação do quanto estabelecido (no contrato de concessão), desde que não seja abusivo, tendo em vista o princípio do “pacta sunt servanda”.
Para corroborar tal raciocínio e conforme as análises feitas nos contratos de concessão de algumas montadoras estabelecidas no Brasil, podemos depreender que, algumas matérias que deveriam ser reguladas em convenção de marca estão dispostos no contrato de concessão, e vice-versa, a exemplo da constatação feita com relação ao regime de penalidades progressivas. Desde que não haja abusividade, é válida a regulamentação de uma matéria em instituto diferente do previsto na Lei Ferrari, considerando a teleologia das normas, a boa-fé e os princípios de direito.
Ainda, o que se verifica na prática é que, geralmente, quando as partes chegam ao ponto de estar inviável a continuidade do contrato, uma vez que a relação entre concedente e concessionária encontra-se deteriorada, é comum essa questão acabar no judiciário, uma vez que as partes culpam de forma recíproca a inexecução contratual. Nesse cenário, forçosamente o judiciário interviria para resolver o conflito para verificar se a resolução do contrato pela concedente por inexecução culposa da concessionária, mesmo que precedida de gradação punitiva, embora prevista em contrato, e não em convenção de marca, configuraria abusividade por parte daquela.
Todavia, em diferente sentido se pronunciou o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao destacar que, conforme as circunstâncias, a aplicação de penalidade progressiva seria desnecessária:
“Dispondo "sobre a concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores de via terrestre", a Lei 6279, de 28 de novembro de 1979, com as alterações introduzidas pela Lei 8132, de 26 de dezembro de 1990, estabelece que o contrato se resolve, entre outras hipóteses, "por iniciativa da parte inocente, em virtude de infração a dispositivo" dessa "Lei, das convenções ou do próprio contrato" (art. 22, III). Tal modalidade de resolução "deverá ser precedida da aplicação de penalidades gradativas" (idem, § Io ).
A Lei cometeu a elaboração do "regime de penalidades gradativas" às convenções da marca (art. 19, XV), porque as relações que constituem seu objeto são "também reguladas por convenção que, mediante solicitação do produtor ou de qualquer uma das entidades", "deverão ser celebradas com força de lei, entre" "cada produtor e a respectiva rede de distribuição, esta através da entidade civil de âmbito nacional que a represente" (art. 17 e inciso II - o erro de concordância, "convenção" "deverão ser celebradas", é do texto legal).
No entanto e apesar dos quase trinta anos de vigência da Xxx, a verdade é que até agora não houve convenção da marca disciplinando as penalidades gradativas.
A omissão imputa-se à montadora, mas do mesmo modo imputa-se à entidade representante das concessionárias no âmbito nacional, à qual se dá convocar convenção.
O tema não se compreende nas atribuições das convenções das categorias econômicas (art. 18, I a IV), a prejudicar a discussão sobre a pertinência ou não de seu aproveitamento subsidiário. Xxxxx e embora invocada no apelo da concessionária (f.1533) ata da primeira convenção das categorias não se encontra em nenhum dos nove volumes que compõem os autos, a impedir exame de seu conteúdo. O que veio foi cópia de convenção parcial da marca (fls. 79/171).
Bem, a regra das penalidades gradativas, porque dependente de regulamento pela convenção da marca, "com força de lei", não tem eficácia plena. Enquanto não receber regulamentação, manterá sua eficácia contida, fenômeno idêntico ao que se passa com normas constitucionais que dependem de lei e com leis que dependem de regulamento.
Em conseqüência, a ausência formal de penalidade gradativa antes da rescisão não reflete ilegalidade e tampouco implica anulação do ato. (grifo nosso)””58
58 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº 992.05.090953‐2. 28ª Câmara de Direito Privado. Rel. Xxxxx Xxxxxxxx. 24 de novembro de 2009.Publicado em 14/12/2009. No mesmo sentido, não prospera a alegação da necessidade de aplicação gradativa das penalidades, em atenção ao disposto no parágrafo primeiro do artigo 22 da Lei nº 6.729/79 e amparo no artigo 19 das Convenções da Marca os julgados: (i) BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº 0148614‐ 36.2003.8.26.0100. 33ª Câmara de Direito Privado. Rel. Xxxx Xxxxxx. 28 de setembro de 2015. Publicado em 01/10/2015 e (ii) BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº 0304287‐ 90.2001.8.26.0100. 32ª Câmara de Direito Privado. Rel. Xxxxx xx Xxxxx. 16 de agosto de 2012. Publicado em 17/08/2012.
As concedentes, portanto, não estariam impedidas de resolver o contrato pela inexistência de convenção de marca que trate de tal assunto, sem possibilidade de dar cumprimento quanto ao disposto no art. 22, §1º da Lei Ferrari, conforme o julgado acima.
Adicionalmente, note-se, como bem observado pelo ilustre relator Xxxxx Xxxxxxxx que, a regulamentação sobre a gradação punitiva é tema que não se compreende nas atribuições das convenções das categorias econômicas 59 , sendo discutível a pertinência ou não de seu aproveitamento de forma subsidiária.
Assim, embora não tenha atribuição para tanto, em 1983, a Convenção da Categoria Econômica disciplinou também sobre penalidade gradativa em seu capítulo XXIII, descrevendo em ordem crescente a penalidade de advertência e de multa e remete para a convenção de marca estipular outras penalidades.
Pela Convenção da Categoria Econômica, as penalidades serão graduadas de acordo com os antecedentes do infrator, os motivos e a consequência da infração, as circunstâncias atenuantes e agravantes e as incidências genéricas e específicas.60
59 Art . 18. Celebrar‐se‐ão convenções das categorias econômicas para:
I ‐ explicitar princípios e normas de interesse dos produtores e distribuidores de veículos automotores; Il ‐ declarar a entidade civil representativa de rede de distribuição;
III ‐ resolver, por decisão arbitral, as questões que lhe forem submetidas pelo produtor e a entidade representativa da respectiva rede de distribuição;
IV ‐ disciplinar, por juízo declaratório, assuntos pertinentes às convenções da marca, por solicitação de produtor ou entidade representativa da respectiva rede de distribuição.
60 Art. 2º ‐ Por infração à Lei e às convenções serão aplicáveis as seguintes penalidades: I ‐ advertência; II
‐ multa; Parágrafo único – Além destas, a convenção da marca poderá estipular outras penalidades. Art. 3º ‐ Para efeito do disposto no art. 2º, em seu inciso II, e quaisquer outros fins: I ‐ as infrações classificar‐ se‐ão, por sua natureza, em: a.‐ leves; b.‐ médias; c.‐ graves. II ‐ as penalidades graduar‐se‐ão de acordo com os antecedentes do infrator; os motivos e conseqüências da infração; as circunstâncias atenuantes ou agravantes do cometimento, incluindo‐se nestas últimas a reincidência genérica ou específica.
Parágrafo único – Em convenção da marca, poderá dar‐se o acréscimo de outras classes às prescritas no inciso I e de outros elementos aos indicados no inciso II do presente artigo.
Como se pode ver, a questão da gradação punitiva é assunto polêmico: a Lei Ferrari estabelece como condição “sine qua non” para a resolução do contrato pela parte inocente. Todavia, na prática, revela-se inviável tendo em vista ser rara a convenção de marca que trate dessa matéria diante da polêmica do assunto, havendo diversos entendimentos para tal.
2.3 Artigos 22, § 2º e 27 da Lei Ferrari: Extinção da concessão e pagamento dos valores devidos
Para todas as hipóteses de resolução de contrato, estabelece o art. 27 da Lei Ferrari o seguinte, de tal modo que as reparações previstas nos artigos 23 a 26 da Lei Ferrari deverão ser satisfeitas no prazo de 60 dias, a contar da extinção da concessão:
“Os valores devidos nas hipóteses dos artigos 23, 24, 25 e 26 deverão ser pagos dentro de sessenta dias da data da extinção da concessão e, no caso de mora, ficarão sujeitos a correção monetária e juros legais, a partir do vencimento do débito” (grifo nosso).
Como pode se ver, a lei menciona que o pagamento deve ser feito em até 60 dias contados da “extinção da concessão”, que dá margem a 2 possíveis interpretações: extinção da concessão, isto é, a resolução do contrato de concessão, ou tratou de dizer da extinção das operações nos termos do art. 22,
§ 2º, que trata do encerramento das atividades do concessionário?61
Ainda, em qualquer caso de resolução contratual, a Lei Ferrari prevê em seu art. 22 § 2º que “as partes disporão do prazo necessário à extinção das suas relações e das operações do concessionário, nunca inferior a cento e vinte dias,
61 Art . 22. Dar‐se‐á a resolução do contrato:
(...) § 2º Em qualquer caso de resolução contratual, as partes disporão do prazo necessário à extinção das suas relações e das operações do concessionário, nunca inferior a cento e vinte dias, contados da data da resolução.
contados da data da resolução”, que trata-se de um prazo para a cessação gradual das operações do concessionário.
Na opinião de Xxxxxxxx Xxxxxx, o prazo de 120 dias indicado no art. 22 §
2º:
“destina-se à solução de eventuais pendências recíprocas que tenham sido colhidas pela resolução contratual, e sua razão liga-se à conveniência de haver uma fase de transição no atendimento à área operacional para que não sobrevenham percalços ao concessionário em vias de extinção, aos clientes da marca e ao concedente.”62
Ainda, Xxxxxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxxxxx assevera que na resolução prevista no artigo 22, § 2º “a lei não cogita de notificação prévia para a resolução, mas, de um prazo para a extinção dos negócios entre concedente e concessionário, pós-resolução.”63
Os 120 dias estipulados pela Lei Ferrari, então, do lado do concessionário, serve para a extinção gradual de suas operações; para a concedente, corresponde ao prazo para que possa nomear outro concessionário naquela área operacional, evitando-se assim a solução de continuidade no atendimento aos clientes da marca.64
Xxxxxxxxxx então na hipótese de que a concedente não prorrogou o contrato de concessão por prazo determinado, notificando a concessionária 180 dias antes de completar o termo final de vigência do contrato (15/07/2017), em 15/12/2016. Considerando então que o termo final de vigência do contrato é em
62 Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx XXXXXX, Contrato Típico de Concessão Comercial: Origem, conceito, disciplina, formas de extinção e efeitos decorrentes, p. 204.
63 Apud. Xxxxxxxxxx xx Xxxxxx XXXXXXXX. Parecer. 19 de junho de 1987. BRASIL. Estado do Paraná. 2ª Vara Cível da Comarca de Curitiba. Ação de rito ordinário no 45. 196/84 ajuizada por Transrio S.A. contra Volvo do Brasil Veículos Ltda. P. 619‐634.
64 Xxxxxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx XXXXXX, Contrato Típico de Concessão Comercial: Origem, conceito, disciplina, formas de extinção e efeitos decorrentes, p. 206.
15/07/2017, e que desse prazo começa a contagem dos 120 dias para a extinção das relações contratuais (art. 22, § 2º da Lei Ferrari), os 60 dias para pagar os valores devidos à concessionária seriam contados do termo final de vigência do contrato, ou seja, pagamento até 15/09/2017 ou do fim do prazo dos 120 dias, isto é, pagamento até 15/01/2018?
Nos parece então que o legislador quis na realidade referir-se à extinção da relação e das operações do concessionário nos termos do art. 22, § 2º da Lei Ferrari, e não da extinção do contrato; nota-se, portanto, a dubiedade do termo “extinção da concessão”, conforme acima explicado, sendo que no exemplo acima, o pagamento dos valores devidos deve, portanto, ser feito até15/01/2018.
Para Xxxxx Xxxx xxx Xxxxxx, os 120 dias previstos no art. 22, § 2º da Lei Ferrari correspondem a uma extensão do contrato de concessão, período no qual devem ser mantidos o fornecimento dos produtos pela concedente:
“devem ser mantidas as mesmas condições anteriores à notificação da resolução contratual, pois é entendido que a concessão somente se encerrará após o transcurso do referido prazo. Dessa forma, podemos deduzir que a concessão comercial mantém-se vigente durante o transcurso dos 120 dias, razão pela qual não poderá haver qualquer restrição quanto à execução do contrato, devendo ser mantido o fornecimento das quotas de veículos, peças e componentes, quando solicitado, e devendo ser mantidos normais o atendimento de pós-venda e o fornecimento das garantias dos veículos.”65 (grifo nosso)
Exemplo concreto da interpretação acima foi o que aconteceu no acórdão proferido pela 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo de relatoria da desembargadora Xxxxxx Xxxxx, que, ao julgar a Apelação no 0131499-60.2007.8.26.0003, pronunciou que a prescrição da
65 Xxxxx Xxxx xxx XXXXXX, O Direito dos Concessionários, p. 133.
reparação civil por danos teria contagem apenas a partir da data da extinção das relações entre as partes, ao invés da data da notificação rescisória, argumentando o seguinte:
“Consta-se dos autos que a ré, Volkswagen do Brasil Indústria de Veículos Automotores Ltda, notificou a concessionária autora, em 1º.10.2004 (fl.255), da sua intenção de rescindir o contrato (fls.255/257), tendo constado da notificação que, “em cumprimento ao disposto no artigo 22, § 2º, da Lei 6.729/79, as partes disporão do prazo de 120 dias contados do recebimento da presente notificação, período destinado exclusivamente à extinção das relações e das operações comerciais eventualmente pendentes” (fl.257).
A ação foi proposta em 20.12.2007 (fl.02) e o processo foi extinto por ter sido reconhecida a ocorrência de prescrição, mas prescrição não ocorreu.
Ao caso tem mesmo aplicação o prazo prescricional de três anos previsto no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil, porque trata de hipótese de reparação civil. O início da contagem do referido prazo, porém, ao contrário do que entendeu o Douto Magistrado, não se deu na data da entrega da notificação da rescisão contratual.
É que a Lei nº 6.729/79, que dispõe sobre os contratos de concessão comercial, como o entabulado entre as partes, impõe período de, no mínimo, cento e vinte dias a partir da resolução contratual, para que concessionária e concedente encerrem suas relações e operações comerciais pendentes (artigo 22, § 2º).
Dessa forma, a pretensão indenizatória surgiu a partir do término daquele prazo, porque só depois do encerramento das operações havidas entre as partes seria possível verificar se ocorreram reparações ou se restaram perdas e danos, nos termos dos artigos 24 a 26 da mesma lei.”66 (grifo nosso)
Então, no caso concreto acima, como a ciência da notificação da resolução se deu em 1º.10.2004, o prazo prescricional só teve início em 1º.02.2005, isto é, 120 dias após a notificação rescisória. Como a ação foi
66 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação no 0131499‐60.2007.8.26.0003. 29ª Câmara de Direito Privado. Rel. Xxxxxx Xxxxx. 29 de outubro de 2014.Publicado em 29/10/2014.
proposta em 20.12.2007, não ocorreu a prescrição, verificando-se que o prazo de 120 dias funcionou como um aviso prévio e que a data de resolução do contrato então se operou 120 dias após o envio da notificação rescisória.
Em outro julgado, a concedente havia rescindido o contrato entabulado entre as partes via notificação extrajudicial, pelo que a concessionária ajuizou uma cautelar sob o argumento de que a respectiva rescisão se deu de forma ilegal, que foi concedida. A concedente, por sua vez, requereu então a concessão de efeito suspensivo para a revogação da liminar, a fim de que tivesse sido mantida a rescisão do contrato de concessão e alternativamente, requereu que a suspensão da rescisão do contrato perdurasse somente 120 dias, a contar da notificação da denúncia realizada por ela. No fim, foi dada a suspensão da rescisão do contrato pelo prazo mínimo legal de 120 (cento e vinte) dias, contado a partir da data da notificação, decisão esta que foi mantida em sede recurso.67
Acerca da disposição dos 120 dias do art. 22, § 2º da Lei Ferrari há um julgado emblemático envolvendo a Volkswagen e uma de suas concessionárias mais antigas, a Sopave. Esta havia sido condenada em ação de obrigação de não fazer ajuizada pela Volkswagen contra ela, a fim de determinar que após o prazo de cento e vinte dias assinalado na notificação de rescisão contratual, se abstivesse a Sopave de utilizar painéis, insígnias e qualquer outro sinal de identificação da “marca Volkswagen”.
Depois que a Volkswagen fez uma comunicação na imprensa em 06.08.2004 acerca da rescisão contratual, informando que a Sopave não mais a representaria, deixando de fornecer à concessionária peças e veículos novos no prazo fixado para a finalização do contrato, a Sopave apelou: a Volkswagen teria infringido a Lei nº 6.729/79, visto que o prazo de cento e vinte dias previsto em seu artigo 22, parágrafo 2º, seria para o encerramento das “Operações do Concessionário” como um todo, sem qualquer limitação. Veja trecho do acórdão:
67 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Agravo de Instrumento no 696981‐3. 7ª Câmara Cível. Rel. Xxxx Xxxxxxxx xx Xxxxx Xxxxx. 09 de novembro de 2010. Publicado em:24/11/2010.
“A relação jurídica entabulada entre as partes perdurou até 22.07.2004, quando a concedente rescindiu o contrato por meio da notificação colacionada às fls. 23/25, ao argumento de que a concessionária descumpriu suas obrigações contratuais, passando a apresentar desempenho comercial insatisfatório e acúmulo expressivo de prejuízos, além de ter interrompido o pagamento das parcelas decorrentes do Termo de Confissão de Dívida celebrado em 17.05.2002, fixando o prazo de cento e vinte dias para extinção das relações e das operações comerciais eventualmente pendentes.
Inconformada com a resilição unilateral do contrato, a concessionária ajuizou a presente ação, objetivando a declaração de nulidade da comunicação feita ao público pela concedente acerca da rescisão contratual, assim como a declaração de que o prazo de vigência do contrato será de no mínimo cento e vinte dias.
E compulsando-se os autos é possível verificar que a validade da notificação que rescindiu o contrato entabulado entre as partes foi reconhecida de forma definitiva por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento nº 1.336.029-5 por este Egrégio Tribunal Justiça, ocorrido em 02.03.2005, não havendo nos autos notícia de que houve interposição de recurso contra tal Xxxxxxx (fls. 489/498).
Dessa forma, não se há falar em nulidade da comunicação da rescisão contratual em jornal de grande circulação, que inclusive foi renovada pela requerida, em cumprimento à decisão que antecipou parcialmente os efeitos da tutela, para constar que o contrato de concessão perduraria por cento e vinte dias contados a partir de 22.07.2004, nos termos do artigo 22, parágrafo 2º, da Lei nº 6.279/79, apenas para ultimar as operações ou negociações já existentes (fls. 220).
Como bem anotado pela douta magistrada, “manifestada a intenção da ré Volkswagen em não mais continuar com o contrato celebrado com a autora Sopave, perfeitamente cabível e louvável a notificação pública, em jornal de grande circulação, aos consumidores finais a fim de que se acautelem quanto à contratação com concessionária que não mais representa a montadora de veículos em questão” (fls. 555).68
68 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação no 9289309‐17.2008.8.26.0000. 30ª Câmara de Direito Privado. Rel. Orlando Pistoresi. 4 de dezembro de 2013. Publicado em: 05/12/2013.
Como bem observado pelo douto magistrado, o contrato de concessão foi efetivamente encerrado quando do envio da notificação rescisória pela concedente, no entanto, decidiu que o contrato perduraria por 120 dias apenas para ultimar as operações ou negociações já existentes.
Resumidamente, tem-se, portanto, as seguintes interpretações possíveis:
(i) enviada a notificação rescisória (geralmente pela concedente), a rescisão produziria efeitos imediatos? Nesse caso, os 120 dias pós-notificação não seriam considerados extensão do contrato de concessão, logo, serviriam apenas para extinção das relações contratuais; (ii) ou, a partir do envio da notificação rescisória, os 120 dias serviriam como uma espécie de aviso prévio, operando- se a resolução do contrato apenas com o decurso do prazo de 120 dias? Nesse caso, o prazo do aviso prévio seria concomitante ao prazo para encerramento das atividades da concessionária preconizado no art. 22, § 2º da Lei Ferrari.
Das poucas jurisprudências encontradas com relação ao tema dos 120 dias do art. 22, § 2º da Lei Ferrari, constatou-se que a maioria tratou tal período equivalente ao aviso prévio. No entanto, bastante divergente as decisões com relação a quando os efeitos da rescisão se operavam.
Adicionalmente, nesse período, o fornecimento dos produtos deve ser mantido pela concedente? Data vênia, como estabelece a Lei Ferrari, trata-se de um período de encerramento das relações e atividades da concessionária, sendo incompatível com o fornecimento de novos produtos, razão pela qual discordamos do posicionamento de Arlei dos Santos.
2.4 Sobre a resilição unilateral do contrato de concessão
Conforme avançou-se nas pesquisas do presente trabalho, foi constatado que um crescente número de julgados aplicaram a resilição unilateral de forma imotivada (denúncia vazia) do contrato de concessão comercial, hipótese não expressamente prevista na Lei Ferrari, embora seja uma das formas de extinção
dos contratos de execução continuada pela regra geral da lei civil, conforme visto acima.
O entendimento firmado na jurisprudência é o de que a concedente tem o direito de denunciar o contrato, mesmo que a concessionária não tenha inadimplido o contrato, resolvendo-se em perdas e danos eventual abuso desse direito. Confira-se o entendimento do Tribunal Estadual de São Paulo:
“E, como se sabe, os contratos que vigoram por prazo indeterminado podem ser resilidos a qualquer momento pela parte que assim o desejar, ainda que imotivadamente (ou seja, inexistindo descumprimento contratual pela outra parte), vez que, em homenagem ao princípio da autonomia da vontade, não há como obrigá-la a manter eternamente um pacto que não se lhe mostra mais interessante. (...)
A própria Lei Ferrari, regulando esta peculiar atividade explorada pelas partes, não fica ao largo de que, querendo, o contratante não pode ser impedido de proceder à ruptura unilateral e imotivada do contrato.
Xxxxx ver que os artigos 24, 25 e 26 estabelecem penalidades para a parte que denunciar imotivadamente o contrato, o que leva a entender que, embora não saia de todo impune se o fizer, a parte não pode ser impedida de desfazer o negócio, ainda que não haja descumprimento de qualquer obrigação pelo outro contratante.
Não se ignora que o mesmo texto legal impõe às partes a observância de certos procedimentos prévios para que possam exercitar esse seu direito de pôr fim à relação contratual.
De fato, o § 1º do art. 22 dispõe que a resolução do contrato, ainda que fundada na culpa da outra parte, deverá ser precedida da aplicação de penalidades gradativas.
Já o § 2º do mesmo dispositivo estabelece que, “em qualquer caso de resolução contratual, as partes disporão do prazo necessário à extinção das suas relações e das operações do concessionário, nunca inferior a cento e vinte dias, contados da data da resolução”.
Trata-se, como se observa, de passos que a lei, diante do vulto do investimento e comprometimentos da concessionária, exige do outro parceiro, evitando a consagração de prejuízos absolutos.
Mesmo quem se diz inocente não tem direito de se pautar de forma independente à regência da lei. Isto é, deixando de cumprir esse procedimento prévio.
A inobservância destas formalidades exigidas pela lei para a denúncia do contrato, contudo, não impede a resilição, mas apenas implica no ressarcimento das perdas e danos suportados pela parte prejudicada.69 (grifo nosso)
Verifica-se, portanto, que a jurisprudência prestigiou a resilição unilateral do contrato, tendo em vista que não se pode obrigar as partes vincularem-se eternamente com fundamento no princípio da autonomia da vontade, resolvendo-se em perdas e danos.
Até o Superior Tribunal de Justiça vêm adotando mesmo entendimento, confira-se:
“CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR INOMINADA. RESCISÃO DE CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL. LIMINAR PARA CONTINUIDADE DA CONCESSÃO. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO. I. É
princípio do direito contratual de relações continuativas que nenhum vínculo é eterno. Se uma das partes manifestou sua vontade de rescindir o contrato, não pode o Poder Judiciário impor a sua continuidade. II. Ausência do fumus boni juris, pressuposto indispensável para concessão de liminar. Precedentes do STJ. III. Agravo regimental improvido.
(0x Xxxxx, XxXx xx 000.000, Xxx. Min. Xxxxx Xxxxxxxxxx Junior, por unanimidade, j. em 23 de setembro de 2008.)
“Não há dúvida que, sendo o contrato por prazo indeterminado, como é o caso dos autos, a Lei nº 6.729/79 permite a sua resilição unilateral e imotivada, em face de sua explícita disposição acima mencionada. Ademais, não se pode olvidar do princípio básico do direito contratual de relações
69 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº 9145161‐73.2009.8.26.0000. 3ª Câmara Extraordinária de Direito Privado. Rel. Xxxxx Xxxxxxxx. 25 de setembro de 2014. Publicado em 26/09/2014.
continuativas, segundo o qual nenhum vínculo é eterno, não podendo nem mesmo o Poder Judiciário impor a sua continuidade quando uma das partes já manifestou a sua vontade de nela não mais prosseguir, sendo certo que, eventualmente, caracterizado o abuso da rescisão, quando for o caso, responderá quem o tiver praticado, mas tudo será resolvido no plano indenizatório.
(...) Não me parece possa a recorrida, ao ajuizar a ação principal, pretender que sejam mantidas indenes, até enquanto ela quiser, as relações comerciais entre as partes se elas vivificavam em decorrência de um contrato por tempo indeterminado e se a sua continuidade já não mais consulta aos interesses de um dos contratantes, no caso, da recorrente.
A recorrida pode, quando muito, buscar reparação pelos danos acaso decorrentes de cogitada resilição, mas isso é questão a ser abordada em outro feito. Esse é o entendimento que se extrai da leitura do art. 22 da Lei n. 6.729/79.
Não posso deixar de registrar que a confiança e a cooperação que existia entre as partes foi sendo minada com a propositura de ação judicial pela recorrida acusando a recorrente de atos de deslealdade e de abuso de poder: a ação ajuizada perante Tribunal norte-americano, as duas representações perante o CADE e "as mútuas acusações das partes, cada uma atribuindo descumprimento de cláusulas contratuais pela outra", do que se dessume que a quebra da harmonia e esse relacionamento conflituoso poderá abalar a imagem da autora.
Além do mais, como destacou o eminente Ministro Xxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxx, ao proferir voto-vogal no mencionado agravo regimental, "com o passar do tempo, se mantidas as relações comerciais por ordem legal, a tendência é que a situação se deteriore. É importante que a relação de uma empresa com outra seja harmônica, até porque o consumidor é quem está na ponta final do produto, e ficará prejudicado"70
Ao não vedar a resilição unilateral imotivada, a Lei implicitamente a admite, até porque conforme os princípios gerais de direito, as relações jurídicas não são obrigadas a ser eternas.
70 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial no 534.105‐MT. Rel. Min. Xxxxx Xxxxx Xxxxx. 16 de setembro de 2003. Publicado em 19/12/2003.
Conforme opinião de Xxxxxxx Xxxxx já vislumbrada acima, a natureza do poder de resilir unilateralmente o contrato não sofre contestação por tratar-se de um poder potestativo. Nos contratos por tempo indeterminado a resilição unilateral é o meio próprio para dissolvê-los. Se não fosse assegurado o poder de resilir, seria impossível ao contratante libertar-se do vìnculo se o outro não concordasse.
Como em qualquer caso de extinção das relações jurídicas, a resilição unilateral do contrato de concessão geralmente gera conflito entre as partes, seja de forma imotivada ou com base em inadimplemento do contrato. Se não houvesse conflito, as partes certamente assinariam um distrato. Quando uma das partes resolve extinguir o contrato unilateralmente é porque certamente não conseguiu alcançar um consenso com a outra parte.
Ainda, o que pôde ser verificado, é que geralmente quem pede a resilição é a concedente. Seja de forma imotivada ou com base em inadimplemento contratual, em regra a concessionária contesta a resolução argumentando que a rescisão se deu de forma ilegal, sem cumprimento das providências anteriores estabelecidas pela Lei Ferrari, para, ato contínuo, solicitarem perante o judiciário medida liminar para que restabeleça o vínculo contratual.
Todavia, conforme depreende-se do pronunciamento acima do STJ, quando uma das partes manifesta sua vontade de rescindir o contrato, nem mesmo o Poder Judiciário pode impor a sua continuidade, tendo em vista o princípio da autonomia da vontade.
Ademais, foi constatado em diversos dos julgados pesquisados que, na notificação rescisória, a concedente concedia o prazo de 120 dias para a extinção das relações e das operações comerciais – conforme vislumbrado acima, o prazo do aviso prévio seria concomitante ao prazo para encerramento das atividades da concessionária preconizado no art. 22, § 2º da Lei Ferrari.
Assim, conforme decisões jurisprudenciais e as constatações acima, é possível sim a denúncia do contrato, tendo em vista que esta é forma de extinção própria dos contratos por prazo indeterminado. Embora não esteja previsto expressamente na Lei Ferrari, esta não proíbe, e pelas decisões pesquisadas, nem sempre implicará no dever de indenizar.
Por fim, registra-se que o instituto da arbitragem é uma possibilidade de resolução de conflitos em caso de rescisão do contrato sem comum acordo entre as partes. Um caso que virou divisor de águas sobre o assunto foi o caso entre a exportadora francesa Renault vs. CAOA, antiga distribuidora da marca: em razão do fim da parceria, a CAOA tentou por várias vezes impedir na Justiça o curso da arbitragem, embora previsto no contrato entre eles. No entanto, o tribunal entendeu que a existência da cláusula de arbitragem cheia – aquela que prevê no próprio contrato as regras que devem ser seguidas no caso de instalação de um procedimento arbitral – é suficiente para afastar o caso do Judiciário. Ao reafirmar a impossibilidade de anular sentenças arbitrais na Justiça, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo segue a posição atual das cortes superiores.7172
71 https://arbitragempaulista.wordpress.com/2008/05/05/arbitragem‐renault‐x‐caoa/ . Acesso em 22/11/2016.
72 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação no 9122879‐56.2000.8.26.0000. 6ª Câmara de Direito Privado. Rel. Isabela Gama de Magalhães. 19 de fevereiro de 2009. Publicado em 19/02/2009.
CONCLUSÃO
Ao longo do presente trabalho, foi demonstrado que a Lei Ferrari tinha o objetivo de disciplinar e ajustar os conflitos existentes entre a rede de concessionárias e as concedentes, conforme indicado no panorama histórico da indústria automotiva no Brasil.
Como tentativa de contribuir para o desenvolvimento da matéria, foi abordado um breve histórico do contexto em que foi criada a Lei Ferrari, que essencialmente confere proteção à concessionária, diante da natural atuação de domínio que a montadora exerce sobre a rede de concessionárias. Sobre isso, “há, sim, exercício de posição dominante, porém não de forma abusiva, pois a relação aqui é travada entre dois empresários e, ao aceitar o pacto completo do contrato, o concessionário não está premido pelas circunstâncias para contratar a aquisição de bens de extrema necessidade, mas porque vislumbra oportunidade de lucro. E onde há oportunidade de lucro, há risco73”.
Curiosamente, foi verificado que o Anteprojeto da Lei Ferrari continha disposições consumeristas, uma vez que o distribuidor é o elo entre a fábrica e o consumidor final, então a lei deveria servir às três pontas dessa relação.
De forma breve, foi registrada também a importante distinção entre os contratos de concessão comercial típicos e atípicos, tendo em vista que o contrato de distribuição é gênero, do qual o contrato de concessão comercial é espécie, sendo que este regula especificamente a relação entre produtores e distribuidores de veículos automotores de via terrestre e foi tipificada através da Lei Ferrari, a fim de melhor compreensão do objeto do presente trabalho (contrato de concessão comercial típico).
Conforme demonstrado, a Lei Ferrari assegura direitos e impõe obrigações às concedentes e aos concessionários, e consoante já mencionado,
73 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação no 1399502‐9. 6ª Câmara Cível. Rel. Carlos Eduardo Andersen Espínola. 03 de maio de 2016.Publicado em 17/05/2016.
para cada direito de uma parte corresponde a uma obrigação da contraparte, tendo em vista a natureza comutativa do contrato de concessão comercial.
Como todo relacionamento contratual, as partes estão sujeitas ao término desta relação tendo em vista as eventuais divergências e deterioramento das relações que podem surgir ao longo do tempo.
A Lei Ferrari, então, estabelece 4 hipóteses de extinção do contrato, previstas ao longo dos arts. 23 a 26 da Lei Ferrari, sendo que ela disciplinou de modo completo com relação aos valores devidos nas hipóteses de extinção do contrato de concessão. Embora a Lei Ferrari, como lei especial, deva prevalecer sobre a lei geral, que é o Código Civil, verificou-se que não foi refletido de forma uníssona na jurisprudência pesquisada.
E, para possibilitar a extinção do contrato, foi lembrada da necessidade da prévia aplicação do regime de penalidades progressivas estabelecida na Lei Ferrari, nos casos em que há resolução do contrato por prazo indeterminado por inexecução voluntária (ou culposa) do concessionário, que a princípio deve ser regulada em matéria de convenção de marca. No que pese a Lei Ferrari ter estabelecido a aplicação de penalidades progressivas como condição “sine qua non” para a resolução do contrato pela parte inocente, todavia, na prática, revelou-se inviável tendo em vista ser rara a convenção de marca que trate dessa matéria, havendo diversos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o assunto.
Outrossim, a Lei Ferrari prevê prazo não inferior a 120 dias para a cessação gradual das atividades do concessionário. Conforme demonstrado, foi verificado que há divergências com relação aos efeitos do envio da notificação rescisória, para fins de extinção das relações contratuais, com reflexos no fornecimento dos produtos pela concedente.
Por fim, a partir das pesquisas dos julgados sobre extinção contratual, em todas suas modalidades, foi constatado que um crescente número de julgados
aplicaram a resilição unilateral de forma imotivada (denúncia vazia) do contrato de concessão comercial, hipótese não expressamente prevista na Lei Ferrari, embora seja uma das formas de extinção dos contratos de execução continuada pela regra geral da lei civil, conforme visto acima. O entendimento firmado na jurisprudência é o de que a concedente tem o direito de denunciar o contrato, mesmo que a concessionária não tenha inadimplido o contrato, resolvendo-se em perdas e danos eventual abuso desse direito.
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