LIMITES, NEGAÇÃO E CONTRATO: O QUE OS DISCURSOS JUVENIS NOS DIZEM SOBRE CONSENTIMENTO
LIMITES, NEGAÇÃO E CONTRATO: O QUE OS DISCURSOS JUVENIS NOS DIZEM SOBRE CONSENTIMENTO
LÍMITES, NEGACIÓN Y CONTRATO: QUÉ NOS DICEN LOS DISCURSOS DE LOS JÓVENES SOBRE EL CONSENTIMIENTO
BOUNDARIES, DENIAL AND CONTRACT: WHAT YOUTH DISCOURSES TELL US ABOUT CONSENT
Glaucia Marques Xavier1 Tatiana Souza de Camargo2
RESUMO
O consentimento é um conceito chave quando falamos em violência e em relações afetivo-sexuais. No entanto, pouco é discutido sobre o que ele significa, em que situações é utilizado e de que maneira. Este texto traz pistas sobre como estudantes do oitavo ano de uma escola pública de Porto Alegre entendem o consentimento e como a cultura escolar e os discursos que circulam sobre consentimento podem influenciar nesse entendimento. A discussão apresentada provém de uma pesquisa realizada com 18 participantes entre junho e dezembro de 2019. Um momento de observação participante seguido de encontros em formato de grupo focal nos mostrou que o consentimento parece ser entendido pelus jovens a partir de três aspectos: limites, negação e contrato. O diálogo aparece neste texto como uma potente ferramenta para que es jovens revejam posições e mudem de opinião, demonstrando a importância de falar sobre esse tema que é tão pouco abordado.
PALAVRAS-CHAVE: consentimento. gênero e sexualidade. escola pública. violências.
RESUMEN
1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul. `Porto Alegre, RS, Brasil.
2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul. `Porto Alegre, RS, Brasil.
El consentimiento es un concepto clave cuando hablamos de violencia y relaciones afectivo-sexuales. Sin embargo, se discute poco sobre qué significa, en qué situaciones se usa y cómo. Este texto aporta pistas sobre alumnos de octavo grado de una escuela pública de Porto Alegre entienden el consentimiento y cómo la cultura escolar y los discursos que circulan sobre consentimiento pueden influir en este entendimiento. La discusión presentada proviene de una investigación realizada con 18 participantes entre junio y diciembre de 2019. Un momento de observación participante y reuniones en forma de grupo focal nos mostraron que el consentimiento parece entenderse por les jóvenes desde tres aspectos: límites, negación y contrato. El diálogo aparece en este texto como una poderosa herramienta para que los/las/les jóvenes revisen posiciones y cambien de opinión, demostrando la importancia de hablar sobre este tema del que tan poco se aborda.
PALABRAS-CLAVE: consentimiento. género y sexualidad. escuela pública. violencias.
ABSTRACT
Consent is a key concept when it comes to violence and affective-sexual relationships. However, there are not many discussions about what it means, in what situations it is used and in what way. This text provides clues about how eight grade students from a public school in Porto Alegre understand consent and how school culture and discourses surrounding consent may influence this understanding. The discussion presented comes from a survey carried out with 18 participants between June and December 2019. A moment of participant observation followed by meetings in a focus group format showed us that consent seems to be understood by young people from three aspects: boundaries, denial and contract. Dialogue appears in this text as a powerful tool in order for young people to review positions and change minds, highlighting the importance of talking about a topic that people rarely address.
KEYWORDS: consent. gender and sexuality. public school. violence.
* * *
Introdução
O consentimento é um conceito chave quando falamos em violência e em relações afetivo-sexuais. No entanto, apesar de sua relevância, ele é muito pouco discutido teoricamente (Xxxxxxx Xxx XXXXX, 2014) e entre as pessoas no geral, seja em conversas com amigues3, na família ou na escola. Essa falta de discussões resulta em uma dificuldade em definir o que ele significa, como ele é entendido, em que situações é utilizado e de que maneira. Em amplo sentido, o consentimento está vinculado à
3 Por motivos políticos e de acordo com a perspectiva feminista e queer a qual nos alinhamos, usaremos a linguagem neutra com artigo “e”, “i” e “u” ao longo do texto. A linguagem neutra tem como objetivo não demarcar o gênero na fala e na escrita, rompendo com o binarismo linguístico. Sobre a linguagem neutra ver Héliton Xxxxx Xxx (2017).
identificação de situações de violência sexual, pois a ausência deste é o que determina esse tipo de violência (BERES, 2007).
O estupro é um tipo de relação sexual que acontece sem o consentimento de uma das pessoas envolvidas e é o que caracteriza, muitas vezes, as violências sexuais. Segundo o artigo 213 da Lei 12.015/2009 do Código Penal Brasileiro (BRASIL, 2009), o estupro é definido como um ato de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
Sabendo a definição jurídica dessa violência no Brasil, nos amparamos em alguns dados para mostrar por que devemos falar sobre isso com es jovens. Dos estupros que ocorrem em nosso país, 44% são praticados por alguém próxime da vítima (companheires, ex-companheires, pais, padrastos, parentes e conhecides) (INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2019) e 45% dos casos de violência sexual contra adolescentes e crianças acontecem no ambiente familiar (OUVIDORIA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS, 2019). O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020 (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2020) registrou um
estupro a cada oito minutos no país no ano de 2019, contabilizando 66.348 vítimas de estupro e estupro de vulnerável, sendo 58,8% das vítimas menores de 13 anos e 85,7% do sexo feminino. É visível, portanto, que essa violência tem um “alvo” e um “local” de perpetuação e que a maneira que abordamos comumente o assunto do estupro, como se ele fosse praticado por uma pessoa desconhecida e ocorresse, majoritariamente, na rua ou em um ambiente externo ao da casa da vítima, não condiz com a realidade dos dados sobre essa violência. Não podemos esquecer que esses índices são referentes a pessoas que denunciaram a violência que sofreram, o que não é o que costuma acontecer. Se utilizarmos a taxa de subnotificação projetada pelo Atlas da Violência de 2018 (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA; INSTITUTO DE PESQUISA
ECONÔMICA APLICADA, 2018) para o ano de 2019, onde 66.348 estupros foram notificados, a prevalência de estupro no Brasil seria cerca de 600 mil nesse ano.
Pesquisas nos mostram que es jovens muitas vezes não sabem diferenciar sexo de estupro (Xxxxx xx XXXX, 2018) e que seus discursos sobre consentimento são, aparentemente, contraditórios (Xxxxxxx Xxxxxxx XXXXXX, 2018). Isso faz com que muitas mulheres e meninas acabem passando por situações de abuso e estupro sem reconhecer que isso está acontecendo, enquanto meninos e homens estupram sem reconhecer que estão estuprando (Xxxxxx Xxxxxxxx xx XXXXX, 2017). A complexidade
que envolve o conceito de consentimento se relaciona com essa identificação ou não de situações de abuso e estupro, configurando novas formas de violência que ainda não conseguimos identificar e, consequentemente, combater.
Para Xxxx Xxxxxxx (2017), a fim de reduzirmos os abusos e a violência, é necessário que haja uma melhora na qualidade da educação para a sexualidade4 de crianças e adolescentes, tendo discussões sobre sexo, consentimento e uma vida sexual saudável antes que se tornem sexualmente ativos. Sendo a escola um local de aprendizagem sobre as questões relacionadas à sexualidade e ao gênero (Xxxxxxx Xxxxx XXXXX, 2012), cabe utilizarmos esse espaço para promover uma educação para a sexualidade que informe e problematize sobre as formas de viver e experienciar a sexualidade, o sexo e as identidades de gênero, não deixando de abordar as questões relacionadas à violência e ao consentimento.
Considerando as formas de violência que passam despercebidas sob o nosso filtro do que é visível atualmente (BERES, 2007), neste artigo trazemos algumas pistas sobre
como es jovens entendem o consentimento e mobilizamos questionamentos e reflexões sobre a maneira qual esse entendimento é produzido. Reconhecendo a escola como espaço de constituição dos sujeitos, com sua cultura própria e rituais específicos (Xxxxxx Xxxx Xxxxxx XXX; Xxxxxxxx XXXXXXX, 2016), apresentamos neste texto elementos empírico-teóricos gerados por uma pesquisa5, amparada em uma perspectiva
teórico-metodológica pós-estruturalista, que se desenvolveu em uma escola pública de
Porto Alegre, RS, com estudantes do oitavo ano do Ensino Fundamental.
Pesquisar a partir de uma perspectiva pós-estruturalista exige romper com a ideia de verdades universais e absolutas para explicar e analisar o mundo e as relações sociais. O pós-estruturalismo enfatiza a noção da diferença, defendendo que os sujeitos são constituídos a partir do contexto local, histórico e cultural no qual estão inseridos e que as verdades também são produzidas a partir desses contextos (Xxxxxxx XXXXXX, 2000). Dessa forma, os diferentes enunciados que compõem os discursos sobre consentimento em nossa sociedade se imbricam na maneira de entender esse conceito e formam saberes acerca dele, produzindo modos de pensar, agir e falar como meninos e meninas. A escola, sendo um lugar que define conhecimentos e práticas a serem
4 A escolha da expressão “educação para a sexualidade”, ao invés de “educação sexual”, se dá neste texto pelo sentido mais amplo que o primeiro termo tem. Sobre esse termo ver Xxxx Xxxxxx (2007).
5 Os dados e a discussão que alimentam este texto foram oriundos da dissertação de mestrado do primeiro autor deste artigo (2021).
ensinadas e incorporadas (Xxxxxxxxx XXXXX, 2012), atua também na produção de saberes e de formas de ser daquelus que a habitam. Nesse contexto, cabe pensarmos o que está sendo dito nesses espaços, quem está dizendo e o que faz com que algo possa ser dito ou não nesse momento e local, se atendo às singularidades que fazem com que determinadas relações, formas de ser e maneiras de habitar o mundo existam da maneira que existem (Xxxx Xxxxx Xxxxx XXXXXXX, 2001).
É necessário deixar explícito que não tivemos com esta investigação a pretensão de estabelecer o significado universal de consentimento. Antes, nosso intuito foi justamente explorar como a definição desse conceito varia e está permeada de negociações e instabilidades em seu processo.
O contexto no qual uma pessoa está inserida, os tipos de conversa que ela tem referente a esse assunto, qual pensamento orienta a forma dela de se relacionar e entender as relações… São muitos os aspectos que contribuem para o entendimento do que significa consentir com algo (seja sexualmente ou em outro âmbito da relação) ou não.
É preciso ressaltar, também, que os resultados trazidos para esse artigo se situaram em torno das relações entre meninos e meninas cisgênero, partindo, portanto, de um saber a respeito do consentimento que é produzido a partir da (e pela) cisheteronorma6. No entanto, essa produção não deixa de afetar aquelus dissidentes dessa norma. Pelo contrário, o que se diz ou deixa de se dizer sobre consentimento tem efeitos concretos e palpáveis na vida de todas as pessoas, sejam elas heterossexuais, bissexuais, homossexuais, assexuais, transgênero (trans) ou cisgênero (cis).
O significado de consentimento para es jovens: tecendo o caminho teórico- metodológico da investigação
O projeto de pesquisa que deu origem a este artigo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP (CAAE: 18613319.6.0000.5347)) no segundo semestre de 2019, momento em que a coleta de dados foi realizada. Com o intuito de “capturar os atravessamentos dos discursos” (Xxxxxxx Xxxxxxx SALES, 2014, p.117), foi realizado
6 A cisheteronormatividade diz respeito à ideia de que existe apenas uma forma de ser e existir: a cisgênera e heterossexual. Essa existência é baseada em relações de poder entre os corpos, mantidas a partir de um conjunto bem delimitado de normas, reforços e punições que tentam garantir essa única forma de ser. Os sujeitos que não se enquadram nessa norma de gênero são considerados "anormais", desviantes, levando à marginalização e opressão de sujeitos dissidentes. Sobre a cisheteronormatividade ver Xxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxxx Xxxx (2020).
um período de observação participante de junho a novembro nas aulas de Ciências de duas turmas de oitavo ano que participaram da pesquisa, seguido de rodas de conversa, planejadas a partir da ideia de grupo focal, com es estudantes nos meses de novembro e dezembro. Tanto o momento de observação participante quanto as rodas de conversa foram realizadas com as turmas separadas. O grupo focal nos permitiu fazer uma análise dos diálogos estabelecidos sobre determinados assuntos, e não apenas de falas isoladas, uma vez que essa metodologia se caracteriza pela “produção de informações sobre tópicos específicos a partir do diálogo entre participantes de um mesmo grupo” (Xxxxx Xxxxxxx DAL’IGNA, 2014, p. 206).
Para participar da pesquisa, es estudantes precisavam que sues responsáveis assinassem um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Um Termo de Assentimento também foi assinado por cada ume antes de iniciarmos os encontros.
A observação participante ocorreu com as turmas separadas, cada uma em seu horário de aula. No decorrer do período em que passei observando as aulas de Ciências,
percebi uma variação na quantidade de alunes que frequentavam a escola. Em uma das turmas a participação nas aulas variou entre 10 e 24 alunes e em outra variou entre 15 e 20 alunes.
Durante os momentos de observação participante foi utilizado um diário de campo
para fazer anotações, enquanto as rodas de conversas foram registradas com o gravador de voz do celular. Os diálogos que se estabeleceram durante as rodas de conversa foram
posteriormente transcritos por nós. Essa transcrição realizada foi “seletiva”, ou seja, no processo de ouvir repetidamente os áudios gravados fomos “pescando” o que nos saltava aos ouvidos para transcrever. E esse já foi um movimento inicial de análise do que aparecia e do que “fazia falar”, como argumenta Xxxxxx Xxxxxxxx (2008). As rodas de conversa foram realizadas na sala de vídeo da escola e aconteceram no horário das aulas de Ciências das turmas de oitavo ano. Ocorreram quatro encontros de 1h10min com cada turma ao longo de um mês. No total, 18 estudantes, com idade entre 13 e 17 anos, participaram das rodas de conversa.
Por motivos éticos, os nomes atribuídos para todes estudantes neste artigo são fictícios e foram escolhidos propositalmente de maneira que não se possa identificar o gênero de quem está falando a partir deles. A escolha de usar nomes que podem ser considerados neutros na língua portuguesa foi feita por percebermos que o gênero não estabelecia, naquele contexto, um marcador de diferença. O que percebi, ao invés disso, foi que os enunciados que circulavam sobre consentimento para aquelus estudantes não
dependiam do gênero para serem tomados como verdades. Os discursos que se difundiam acerca de consentimento ultrapassavam a binariedade do gênero e se estabeleciam a partir dessa capilarização dos saberes produzidos, sendo reproduzidos tanto pelos meninos quanto pelas meninas.
Considerando que o tema de discussão dos encontros 3 e 4 foi especificamente o consentimento, enquanto os encontros 1 e 2 tratavam de temas mais gerais, como o que significa ser homem e ser mulher em nossa sociedade e como es participantes entendem o sexo e o prazer, as cenas desses encontros são as que compõem majoritariamente a discussão presente neste artigo. O encontro 3 se desenvolveu a partir da exposição de algumas situações, inventadas por nós, que envolviam consentimento e es estudantes precisavam opinar sobre a situação ser considerada um abuso ou não. As situações que compõem a discussão presente neste artigo são apresentadas no quadro 1 abaixo.
Quadro 1: Situações presentes na discussão deste artigo
Situações hipotéticas envolvendo consentimento | |||||||
Situação 1 | Xxxxxxx, um menino muito confiante, gosta de Xxxxxx, uma menina da sua turma da escola. Xxxxxx porém, não está interessada em Xxxxxxx e não dá bola para suas cantadas. Xxxxxxx insiste todo dia em falar com ela para que eles saiam. Ele senta do seu lado na sala, vai atrás dela no recreio e manda várias mensagens pelo Whatsapp. Mesmo Xxxxxx dizendo constantemente que não quer sair com ele, Xxxxxxx acredita que ela está só se fazendo e que uma hora ela vai aceitar, afinal as meninas são assim mesmo. | ||||||
Situação 2 | Xxxxx e Xxxxxxxxx estão no primeiro ano do ensino médio e namoram há 3 meses. Xxxxx é virgem e se sente um pouco insegura sobre fazer sexo pela primeira vez, Xxxxxxxxx, por outro lado, já teve outra namorada e é mais experiente. Desde o primeiro mês de namoro dos dois, ele insiste para que eles transem, porém Xxxxx sempre desvia do assunto, sem dizer não mas tentando adiar o momento. Certo dia, Xxxxxxxxx convida ela para passar a tarde na casa dele, pois sua mãe e seu pai não estarão em casa. Ela aceita, pois afinal faz tempo que os dois não conseguem ficar sozinhos juntos. Chegando lá, os dois começam a se beijar na sala e o clima vai esquentando. Xxxxxxxxx a leva para o quarto e vai dando sinais de que está a fim de transar. Ela se sente um pouco desconfortável, pois ainda não estava com vontade e não acha que aquele seria o melhor momento, porém ela já havia aceitado o convite de ir para a casa dele e eles já estavam namorando há um certo tempo. Ela acaba cedendo e os dois transam. | ||||||
Situação 3 | Vitória | está | voltando | pra | casa | sozinha | de |
madrugada depois de uma festa. Ao passar por uma rua vazia e escura, um homem que estava escondido atrás de um poste agarra ela e a joga no chão. Ela tenta se soltar e sair, porém ele a segura, baixa suas calças e em seguida tira seu pênis para fora e penetra ela. Ao “terminar”, ele ainda a xinga, avisando que mulher que se dê ao respeito não anda sozinha a essa hora na rua. |
Fonte: elaborado pela autora.
No encontro 4, outros materiais foram utilizados para instigar novamente discussões sobre consentimento. Foram eles: uma cena de um episódio do seriado “One Day At a Time”7, o vídeo “Consentimento é simples como chá”8 e uma série de tirinhas9 que utilizam situações do dia a dia para falar de consentimento.
A discussão trazida para este artigo resultou de uma análise amparada nos pensamentos foucaultianos, buscando pensar de que maneira e segundo que regras os enunciados de uma situação estão sendo construídos e o que faz com que um determinado enunciado se torne verdadeiro e não outro (XXXXXXXX, 2008). Para
Xxxxxxxx, o discurso se estabelece como um conjunto de enunciados que ultrapassa a simples referência às coisas, estando imerso em relações de poder e saber e se relacionando com as práticas sociais de um determinado local e tempo histórico. Tais relações e práticas são atualizadas a todo momento, não se mantendo fixas e imutáveis (desde e) para sempre (FISCHER, 2001).
A partir da escuta dos discursos que circulam sobre consentimento entre es
estudantes, identificamos alguns enunciados que se fizeram mais presentes, aparecendo de maneira recorrente nos materiais transcritos, e estabelecemos três eixos analíticos para discussão e análise. Esses enunciados, além de orientarem a escrita deste artigo, demonstram como os discursos são – invariavelmente – práticas (FISCHER, 2001). Os limites do consentimento formam o primeiro eixo analítico que orientam nossa discussão; as negociações do consentimento e a negação como parâmetro para consentir, o segundo; e o consentimento como um contrato imortalizado, o terceiro. Na próxima parte deste texto, operamos com excertos de falas des participantes da pesquisa e de observações registradas em diário de campo.
Limites do consentimento: onde o desejo termina e começa a violência?
7 Episódio 2 da 3ª temporada, dos 9min32s até os 11min24s. Disponível na Netflix.
8 Disponível em: xxxxx://xxxxx.xx/0X0xX0X0xxx
9 Disponível em: xxxxx://xxxxxxxxxxxx.xxx.xx/xxxxxxxx/xxx-xxxxxxxxx-xx-xxx-x-xxx-xxxxxxxx-xxxxxx- naturalizacao-do-estupro/
O consentimento é um conceito que pressupõe uma prática. Aceitar ou não algo. E para ser aceito, algo precisa ser proposto (ou imposto, no caso da falta de aceitação). No entanto, definir o consentimento e, consequentemente, situações de abuso, estupro e demais violências, não é algo simples. A partir deste eixo, pretendemos evidenciar essa complexidade na percepção da ausência ou presença de consentimento e como isso é entendido por es estudantes que participaram da pesquisa a fim de definir certas práticas como violentas ou não. Os limites entre o que é consentido e o que é um abuso parecem se estabelecer a partir de “barreiras” imaginárias, que não são fixas, e delimitam o que uma pessoa precisaria fazer para ultrapassar a fronteira do consentimento da outra.
Uma das situações hipotéticas de abuso expostas no encontro 3, em que um menino ficava insistindo para se relacionar com uma menina que constantemente recusava suas tentativas, produziu discussões sobre onde termina o consentimento e começa o abuso. As conversas giraram em torno de um dualismo entre a pessoa não ter feito nada fisicamente e a outra pessoa já ter dito que não queria. Dentre es participantes, todes, exceto ume, consideraram o comportamento do menino na situação hipotética como abusivo. Exponho abaixo fragmentos desses diálogos:
Lau: Não, ela falou que não, eu sei, mas é que tipo, ele... se ele tipo, se ele pegasse e fizesse alguma coisa a respeito10, tipo obrigasse ela a fazer alguma coisa que ela não quer, isso seria abuso.
Mel: Acho que não é abuso, sora. Porque ele não encostou nela.
O diálogo acima nos faz pensar sobre o que seria efetivamente “fazer algo” que seria considerado um abuso ou não. A insistência não é considerada por Xxx e Xxx como algo abusivo, mesmo que o “não” já tenha sido enunciado diversas vezes e em diferentes contextos. Parece haver ainda uma diferenciação por parte de Xxx em relação a “insistir para que algo aconteça” e “coagir”, como observamos na primeira frase. Mas no geral, “fazer alguma coisa” aparenta estar associado para elus a alguma tentativa
10 Grifos das autoras. O recurso do negrito é utilizado nos diálogos entre estudantes com a finalidade de ressaltar falas consideradas relevantes para a discussão presente no texto.
física, o que é evidenciado pela fala des estudantes quando argumentam que só seria um abuso se o menino encostasse na menina, independente de ela já ter dito várias vezes que não queria nada.
Entretanto, a maioria des estudantes, consideraram que insistir em se relacionar com alguém que já recusou diversas vezes as tentativas de iniciar uma relação é um comportamento abusivo. Esse reconhecimento (e a falta dele por parte de algumes estudantes), por si só, já evidencia as complexidades do consentimento e como ele é entendido, dado e/ou recebido. Reconhecer a insistência como algo que ultrapassa o limite do consentir nos permite enxergar, de forma menos turva, as negociações complexas que envolvem esse conceito.
Em termos legais, o consentimento é o principal critério usado para definir as violências e os crimes sexuais (Xxxxx XXXXXXXXX, 2015), fazendo com que esse conceito se relacione fortemente ao discurso jurídico. No entanto, não há uma definição específica do que seria consentir ou não, e nem de como identificar a afirmativa (ou
falta dela) nesses casos. O que fica explícito, pela Lei 12.015/2009 do Código Penal (BRASIL, 2009), é que o estupro ocorre quando há violência ou grave ameaça para haver relação sexual. Outros crimes sexuais, como de violação sexual ou assédio sexual, não citam violência ou ameaça, e acabam sendo crimes considerados mais “leves”, com uma pena menor. Pensando nesse aspecto, a ausência de consentimento em um estupro
é delimitada pela recusa verbalizada – e de preferência expressa com resistência física –
da vítima em se engajar em alguma relação sexual. Essa definição de estupro acaba por reforçar o imaginário social de que estupradores são pessoas desconhecidas, que articulam um ataque e pegam alguém de maneira desprevenida na rua ou em algum lugar isolado.
O discurso do senso comum se estabelece bastante nessa ideia do “estupro verdadeiro”, em que a “vítima perfeita” – uma mulher “decente” – é obrigada à força pelo “típico” estuprador – um homem desconhecido, mentalmente perturbado, em um beco – a manter uma relação contra a própria vontade e que luta com seu agressor até o final (XXXXX, 2017). Essa noção da ausência do consentimento em uma situação de violência a partir de uma renúncia explícita, com o uso da força, leva a construção de uma ideia do consentimento pautada na negação, relacionando-se com as enunciações jurídicas.
A questão criminal, vinculada ao discurso do senso comum, apareceu no diálogo des estudantes em uma das situações que narrava, de maneira resumida, um “estupro
verdadeiro”, onde uma mulher voltava sozinha para casa de noite e era atacada por um homem. Logo que começamos a ler essa situação es estudantes já começaram a gritar, eufóricos, que era um abuso. “Abuso, abuso!”, “estrupo!” (sic), e “nem lê, xxxxxxxx, nem lê, já era ó…” foram alguns dos gritos que quase nos impediram de terminar de ler a situação. As falas abaixo ilustram a posição des estudantes:
Remi: Isso é uma pessoa machista né, um homem machista... que acha que mulher não pode ficar tarde na rua e coisa e tal.
Xxx: Um machista e um criminoso, porque estrupo (sic) é crime.
O reconhecimento daquela situação como um estupro “de verdade” e, portanto, um crime, demonstra que a ausência de consentimento é facilmente identificada quando inserida em um contexto de violência mais explícita. Também aponta como a definição de consentimento se sustenta fortemente a partir do campo jurídico, não havendo dúvidas acerca desse conceito quando o caso é um estupro que cumpre os requisitos de um imaginário do senso comum.
A situação foi, ainda, encarada como um ato de machismo, além de um crime. Essa percepção se faz intrigante, pois em nenhuma outra situação, em nenhum dos quatro encontros que tivemos, com os diversos temas que conversamos, o tema “machismo” apareceu. Mas ali, naquela situação de “estupro verdadeiro”, o machismo se fez presente.
Será que, para essus estudantes, o conceito de “machismo” está associado a situações e comportamentos em que a violência está explícita, apenas? Podemos nos fazer essa e outras perguntas para pensar de que forma as violências mais sutis, discutidas com es jovens nos encontros, são entendidas por elus e o efeito que isso tem na identificação de comportamentos abusivos. Questionamos, também, de que maneira a popularização do feminismo se relaciona com a forma que es jovens percebem ou não essas violências. As ideias e posições políticas feministas difundidas na cultura juvenil decorrem, em grande parte, do feminismo que chamamos de mainstream, caracterizado por ser um movimento que circula nas plataformas comuns, redes sociais e universidades, sendo identificado muitas vezes como “feminismo liberal” (Xxxxxx XXXXXX, 2020).
Esse movimento aposta no empoderamento feminino e clama pela defesa dos direitos das mulheres ao mesmo tempo que se pauta em uma lógica cisheteronormativa que universaliza a identidade "mulher" – e, portanto, as violências e opressões sofridas por esse grupo – ao atribuir às mulheres cisgênero brancas de classe média o referencial identitário do feminismo.
Sendo assim, é possível que essa popularização dificulte o reconhecimento de diferentes formas de violências, que não se configuram apenas na violência explícita de um “estupro verdadeiro” nem na vítima e agressor “esperados” nesse cenário, dificultando também que es jovens consigam se enxergar em uma situação violenta ou perpetuando alguma violência. O que um feminismo que enxerga mulheres como um grupo homogêneo, pautado pela cisgeneridade e pela branquitude, que aposta na criminalização como resposta para a violência e que falha em considerar as relações de gênero, raça e classe como inter-relacionadas está ensinando? E de que forma esses saberes afetam as percepções dessus jovens sobre as violências e o consentimento?
Ao perguntar para es estudantes se o “não consentir” precisava ser verbalizado para ser entendido, elus afirmaram que não, que se poderia empurrar a outra pessoa, demonstrar fisicamente que não quer. Como a expressão de uma resistência física é mais difícil de ser mal interpretada, perguntei o que seria a mínima demonstração de consentimento para elus, e Xxx respondeu o seguinte:
Tipo assim, sora, tu tá lá passando a mão e aí ela vai lá e baixa... tipo saaai (sic)... e aí ele vai lá e tenta passar e a mulher vai lá tira a mão dele. Aí isso daí já é ela falando que não quer.
A fala de Xxx traz um ponto para refletirmos: o de como o nosso corpo fala e como os corpos se comunicam. A linguagem corporal é uma das formas pelas quais o consentimento se expressa. Existem “sinais”, como es estudantes mencionaram em outro momento, que a pessoa dá com seu corpo, com seu toque, com as palavras, demonstrando interesse ou não em ter alguma relação sexual. Não seria necessário chegar ao “não” afirmativo, com resistência física, para evitar que uma situação de abuso aconteça (Xxxxx XXXXXXXXX; Xxxxxx XXXXX, 1999) se houvesse a intenção das duas pessoas envolvidas em perceber a vontade uma da outra.
Essa intenção é atravessada pelos scripts de gênero que existem em nossa sociedade e se incorporam às relações afetivo-sexuais dos indivíduos. Os scripts de gênero são definidos por Xxxx Xxxxxx (2019, p. 214) como “roteiros, definições, normas, apontamentos, às vezes negociáveis, em outras circunstâncias nem tanto, que prescreveriam as condutas dos sujeitos”, de acordo com a genitália com que nascem. Os scripts sexuais, na mesma linha de pensamento, são os roteiros sexuais que organizam as diferentes maneiras em que as interações sexuais podem se estruturar (Xxxxxxx XXXXX; Xxxx. H XXXXXX, 1999).
Xxxxx Xxxxxxxx (2007) se refere aos scripts sexuais como guias das “regras” do que seria adequado e do significado das atividades realizadas durante o sexo, de forma que aos homens, no geral, fica delegada a prontidão para toda e qualquer relação sexual, e a incumbência de tomar a iniciativa nessas relações, e às mulheres cabe aceitar ou não essa investida. Ou seja, no que diz respeito à norma, paira a suposição de que as mulheres dão o consentimento aos homens (BERES, 2007; XXXXXXXXX, 2007), generificando esse conceito (BERES, 2007).
É muito comum nos casos em que ocorrem essas violências mais “sutis”, decorrentes da instabilidade do consentimento enquanto processo e da complexidade de entendê-lo e interpretá-lo, que a pessoa que foi violenta e/ou abusiva não perceba a violência e/ou o abuso que cometeu (XXXXX, 2017). Existe uma dificuldade muito grande em perceber o “não” da outra pessoa quando este não é enunciado ou acompanhando de resistência física. Essa dificuldade pode estar relacionada com a forma que aprendemos a ser e existir como homens e mulheres em nossa sociedade. As pedagogias sexuais se inscrevem de maneiras distintas nos corpos e constituem os sujeitos femininos e masculinos de acordo com o que é considerado “normal” em um determinado tempo e local histórico (LOURO, 2000). Diferentes formas de se relacionar consigo e com outres são ensinadas de acordo com essa identificação com um gênero ou outro advinda das características biológicas dos indivíduos.
A partir da fala de Xxx, podemos pensar também em como se faz necessário estarmos à espreita na sala de aula, como professoris, para abordarmos determinados assuntos que permeiam as relações de gênero e de sexualidade com es estudantes. Estarmos atentes aos momentos em que um assunto ou outro surge na sala aula se torna uma forma mais natural e espontânea de conversarmos com es estudantes sobre temas que costumam ser mais difíceis de ser introduzidos em aula.
Em uma das aulas de Ciências que observamos, pudemos reparar um desses momentos em que poderia se discutir com es estudantes o tema de consentimento e violência sexual. Trazemos um fragmento de nossas anotações no diário de campo sobre esse episódio:
Alguns alunos estão falando sobre as gurias que eles são a fim. Um aluno fala “pedi o whats, [pra] trocar uma ideia”. E logo depois continua “fazer que nem o Xxxxxx, levar ela pra Paris, só que não vou estrupar (sic) ela, né”.
A acusação de estupro de Neymar gerou grande polêmica na mídia11 e pode ser considerada como um desses casos em que a ausência de consentimento não foi entendida ou que o consentimento foi considerado implícito devido à situação em que as duas pessoas se encontravam e a tudo que antecedeu o momento da relação sexual. É
muito interessante que e estudante coloque essa situação em sua fala como uma situação de estupro e que aponte que não cometeria o mesmo crime. Os limites do consentimento e as negociações e instabilidades que o envolvem poderiam ser postas em discussão nesse momento, a fim de pensarmos o que faz com que aquela situação seja considerada um estupro para determinadas pessoas, mas não para outras.
É claro que como professoris nem sempre prestamos atenção nas conversas
paralelas que acontecem na sala de aula e às vezes também não temos as ferramentas teórico-didáticas, ou mesmo a disposição física e mental, para falar sobre determinados assuntos. Porém, nosso intuito aqui é apontar um caminho que não busca julgar aquelus que não falam sobre uma coisa ou outra em suas aulas, mas sim mostrar as possibilidades de fala e escuta sobre assuntos tão delicados como os de violência sexual.
Apontamos esse caminho para também lembrarmos que a escola e as salas de aula, como espaços altamente generificados (SEFFNER; Yara De Xxxxx XXXXXXXXX, 2016) que são, xxxxxxx e dão lições sobre sexualidade cotidianamente (LOURO, 2012).
11 Para mais informações ver:
Modelo acusa Neymar de estupro:
xxxxx://xxx.xxx.xxx.xx/xxxxxxx/xxxxxxx/xxxxxxx-xxxxxxxx/0000/00/00/xxxxxx-xxxxxxx-xxxxxxxx-xx- estupro-pedi-para-neymar-parar-ele-xxx-xxxxx.htm
Neymar nega acusações:
xxxxx://xx.xxxxx.xxx/xxxxx/xxxxxxxxxx-xx/xxxx/0000/00/00/xxxxxx-x-xxxxxxx-xx-xxxxxxx-xx-xxxxx- boletim-de-ocorrencia-e-registrado-em-sao-paulo.ghtml
Modelo é indiciada por denúncia caluniosa: xxxxx://xxxxxx.xxxxxx.xxx/xxxxxx/0000/00/00/xxxxxxxx/0000000000_000000.xxxx
O silêncio também comunica (Xxxxxx XXXXXXX, 2014) e, portanto, é também produtivo de saberes, assim como a maneira por meio da qual o quebramos para nos comunicarmos com es estudantes, a linguagem que usamos, o tom da fala e o conteúdo do que queremos expor produzem diferentes compreensões em cada ume que está nos ouvindo e dialogando conosco em sala de aula. É essencial pensarmos como o poder se capilariza nas relações estabelecidas nesse ambiente e que saberes ele produz, assim como de que maneira ele constitui os sujeitos de (e para) quem fala (Xxxxxxx XXXXX- XXXX; Xxxxx XXXXXXX, 2011).
Uma vez que “os sujeitos são efeitos de discursos, e esses efeitos – produzidos no interior de inúmeras e bem concretas relações institucionais, sociais e econômicas – não existem senão nos corpos” (FISCHER, 2001, p. 218), o que falamos em sala de aula, os discursos que acionamos a partir da linguagem, subjetivam os sujeitos e deixam marcas em seus corpos, constituindo suas identidades e suas formas de habitar e se relacionar com o mundo. A relação de poder-saber que se estabelece entre professore/alune é, assim como qualquer relação que envolve poder, sempre produtiva. O que, portanto, estamos produzindo em nossa prática docente a partir dos discursos que acionamos? Que posições de sujeito estamos construindo como possíveis de serem ocupadas por nosses estudantes?
Negociações entre o “sim” e o “não” e a negação como parâmetro
A ausência do consentimento é o que separa uma prática sexual qualquer de uma violência sexual. O “não” enunciado é o que traça o limite entre o que é desejado e o que não é, entre o que pode ou não ser feito e onde se deve parar. No entanto, pela complexidade em identificar o consentimento (ou a falta dele) em algumas situações, esse limite muitas vezes acaba borrado e passamos a habitar uma zona cinzenta desse conceito, onde o “não” e o “sim” acabam sendo negociados durante o processo de consentir. Dessa maneira, esse eixo traz uma análise sobre como es estudantes entendem a afirmação e a negação do consentimento, pensando ainda quais “não” e quais “sim” são aceitos e tomados como verdadeiros em determinados contextos.
As negociações que se estabelecem no processo do afirmar ou negar o consentimento apareceram nas discussões sobre uma das situações hipotéticas envolvendo consentimento no encontro 3. A situação envolvia um casal de namorades em que a menina era virgem e o menino não, ele insistia constantemente para eles
transarem enquanto ela desviava sempre do assunto. A história terminava com a menina cedendo, mesmo não estando com vontade e se sentindo desconfortável. A discussão se desenvolveu em torno do que seria “insistir” e “ceder”, trazendo reflexões sobre os motivos e sentidos implicados nessas ações, de forma a atribuir ao ato de ceder um significado: a afirmação do consentimento ou a confirmação da ausência dele. Trago os seguintes diálogos e falas para ilustrar essa ideia:
Xxxx: Ah, é... ela deixou, né. Se ela falasse “não”...
Xxx: Eu acho que é um abuso, porque não deixa de ser um abuso, ela não queria.
Lau: Ela cedeu!
Xxx: Porque ele insistiu.
(diálogo 1)
Remi: Ela foi pressionada, mas ela não foi abusada. Xxx: Ela foi pressionada, não abusada.
[...]
Lau: Tá, mas se ela não queresse (sic) mesmo ela ia falar não,
então alguma parte dela queria porque se ela não quisesse mesmo, aí ela ia falar "não, não quero".
(diálogo 2)
Xxx: Exatamente, ela já cedeu, sora. Acho que foi mais por obrigação do que por consentimento.
(diálogo 3)
Os diálogos acima se estabeleceram entre quatro estudantes, porém de todes que estavam presentes, apenas Xxx e Xxx consideraram aquela situação um abuso, sendo que Xxx acabou mudando de opinião a partir da discussão, concordando com o restante des estudantes de que aquela situação não seria abusiva. Portanto, a discussão se desenvolveu com Xxx, e em parte Xxx, que considerou que ceder demonstrava uma ausência de consentimento, enquanto outres estudantes utilizaram de diferentes argumentos para afirmar que a menina havia consentido. A justificativa principal era ela não ter dito “não”, o que implicaria que ela queria, como Xxx expõe no diálogo 2.
Xxxxxxx Xxx Xxxxx (2014), em sua pesquisa realizada com jovens adultes sobre como elus negociavam suas experiências sexuais e entendiam o consentimento, traz resultados que vão ao encontro de alguns trazidos neste artigo. Algumes participantes argumentaram que a ausência do “não”, ou de um comportamento que indicasse negação, significaria que a pessoa está consentindo. O critério para entender o consentimento de outre seria, para essus participantes da pesquisa de Beres, a ausência de recusa ou de resistência. Em torno da ideia da negação como parâmetro, bastante presente nas falas des estudantes neste artigo, tudo que não é negado ou explicitamente recusado é entendido como consentido.
Nesse mesmo diálogo, e também no diálogo 1, estudantes estabelecem uma diferença entre ser pressionada e ser abusada, considerando o “ceder” pela insistência de outre uma forma de consentir. Situações que envolvem coerção, pressão psicológica, entre outras formas que o consentimento concedido pode ser duvidoso (Flávia BIROLI, 2013), parecem se diferenciar para esse grupo de estudantes das situações em que há negação explícita, que são, portanto, identificadas facilmente como de abuso. Além disso, Xxx retoma o enunciado discutido no eixo I, de que o menino não teria “feito nada”, portanto não seria um abuso. Essa relação nos mostra que os enunciados não existem isolados (FISCHER, 2001), de maneira que “um enunciado tem sempre margens povoadas de outros enunciados” (XXXXXXXX, 2008, p. 110).
Ainda no diálogo 1, Xxx tenta argumentar que a menina do relato não queria, e, portanto, achava que era um abuso. Já no diálogo 3, após um momento de discussão com outres estudantes, elu muda sua argumentação, afirmando que a menina apenas desviava do assunto, o que não seria suficiente para considerar como não consentido. Xxx, por outro lado, manteve firme sua posição de que o “desviar do assunto” já é um indicativo de que a pessoa não quer, e concluiu sua argumentação de que ceder está relacionado a fazer algo por ser obrigade, e não porque realmente se quer. Depois da fala de Xxx, Xxx disse ficar “sem palavras” e quando essa situação apareceu novamente para discussão no encontro, Xxx afirmou que o que Xxx xxxxx fez elu refletir, que realmente a menina tinha ido por obrigação e não por vontade própria.
Essas mudanças de pensamentos ao longo dos diálogos entre es estudantes nos mostram a potencialidade que existe no falar e na maneira que falamos. Nos aponta também como o entendimento de consentimento é maleável e repleto de complexidades e percepções que variam à medida que alguém diz uma coisa sobre ele (o ele aqui se refere a consentimento, então manteremos assim) e não outra, assim como varia de
acordo com o contexto em que isso está sendo dito e a maneira que se diz. Essas diferentes formas de dizer produzem diferentes sujeitos e subjetivam, de maneira distinta, os indivíduos. À medida que um discurso ou outro nos atravessa, passamos a ocupar a posição de um determinado sujeito, uma posição que não é fixa, que não existe em essência, mas sim que é produzida a partir de diferentes enunciações (FOUCAULT, 2008).
As diferentes formas de entender algo, dependendo da maneira que esse algo é enunciado e a partir de qual discurso, pode funcionar como uma forma de resistir à norma, de a tensionar, vivê-la de outra maneira. Como Xxxxxxxx (2007) aponta, as relações de saber-poder são sempre produtivas e o poder só existe se houver, também, a possibilidade de resistência. Assim, podemos, a partir da posição que ocupamos como professoris, agir “a serviço” da norma, reforçando-a, mantendo as relações (tanto de professore/alune quanto às afetivo-sexuais) da maneira que elas já existem, perpetuando a violência e as desigualdades, ou podemos agir de maneira a criar, ou mostrar, outras
formas de habitar o mundo.
A corporificação de nossos sentidos, desejos e vontades e do que nos forma como sujeito que somos atravessados pelas relações de poder vigentes, permite que transformemos a realidade ao nosso redor, provando que ela não é fixa nem estática (Xxxxxx XXXXXX, 2004). Sendo a realidade o que fazemos dela, e nossos corpos
instrumentos de validação dessa realidade, podemos, nesses processos de subjetivação a
partir da linguagem, dos discursos e saberes que nos cercam, nos tornar algo que excede a norma (XXXXXX, 2004), criando diferentes formas de ser e de estar que antes não eram consideradas possíveis e reais.
Estando o consentimento envolvido na aceitação ou renúncia de algo, é necessário que pensemos de que forma ele se estabelece nas relações. A linguagem não verbal, também identificada como os “sinais” por algumes estudantes durante os encontros, é a maneira que as pessoas mais se comunicam para estabelecer se uma relação é consentida (BERES, 2014; KITZINGER; XXXXX, 0000). O diálogo abaixo ilustra como algumes estudantes viam nos “sinais” uma maneira de demonstrar o consentimento:
Xxx: Xxx, mas foi coisa de momento aí, se ela tipo…. ele é safadinho, mas se ela não quisesse ali na hora ali, ela pegava e falava "não", ou tipo, dava sinais de que ali na hora do...
Xxx: Mas ela já deu sinais também porque se ela sempre desvia do assunto e ela não diz que “não”, mas também não diz que “sim”, ele também tem que se tocar. Tu não acha?
O fato de a menina fugir e desviar do assunto é encarado por dues estudantes como um sinal de que ela não desejava aquela relação, enquanto outre estudante não considera que esses seriam indícios suficientes de que ela não queria. Não dizer nada, no caso, nem “sim” nem “não”, é entendido por essus estudantes como uma demonstração de ausência do consentimento, que não precisa acompanhar a negação através das palavras para ser entendido como tal (KITZINGER; XXXXX, 0000). Em sua fala, Xxx também desloca a responsabilidade da pessoa que não quer se relacionar sexualmente de enunciar o “não” a todo custo para a pessoa que está tomando a iniciativa. O consentimento nesse contexto aparece como algo construído mutuamente pelas pessoas que estão em um relacionamento afetivo-sexual e não apenas como algo que é dado, tomado ou recebido unilateralmente de uma pessoa para outra.
Após assistirem à cena do seriado “One Day at a Time”, es estudantes passaram a discutir sobre os significados dos “não” e dos “sim” ditos no trecho. A cena falava de um personagem que estava namorando outra que antes não queria sair com ele. Por recomendação da avó, o menino insistia para sair com a menina até ela aceitar, e a cena se desenrolava com argumentações em torno do enunciado “meninas dizem ‘não’ quando querem dizer ‘sim’”. No encontro, es estudantes confirmaram a enunciação do “não” como parâmetro para identificar a ausência do consentimento, enquanto afirmaram que nem todo “não” é um “não” de verdade. Havendo circunstâncias, portanto, em que o “não” não seria aceito como verdadeiro. Ao perguntar para es estudantes o que seria um “não” que na verdade significa “sim”, elus responderam da seguinte maneira:
Xxx: Ah, sora... [...] se “não” recebeu um “não”... Caê: Se não recebeu “não” é “não”, entendeu. [...]
Juá: Se for um “não” muito sério, tipo muito muito sério é um “NÃO”.
Xxx: É tipo "não" e "não" – faz um “não” mais sério e um com uma risadinha
Essa ideia de que “não” é “não”, porém depende do “não”, ilustra muito bem uma contradição no entendimento do consentimento e de como a negação como um parâmetro nem sempre serve. Podemos problematizar essa fala no sentido de questionar como saber, portanto, qual “não” pode ser tomado como verdadeiro ou não. Em qual contexto um “não” significaria “sim”? Sob que circunstâncias? Será que todas as pessoas entenderiam da mesma maneira esse “não” criptografado? Para Caê, se a pessoa não recebeu um “não”, isso, por si só, significa “não”. Já para Xxx, a ausência do “não” remete ao “sim”. A concordância em qual “não” demonstraria a ausência do consentimento pareceu se estabelecer na maneira em que a palavra é enunciada. Um “não” dito com uma entonação séria e semblante fechado não deve ser confundido com um “sim”, já um “não” acompanhando de um sorriso ou de uma risada, pode estar querendo significar mais do que o que está sendo dito.
Fica a critério da outra pessoa, portanto, conseguir desvendar, buscar algum
indício na fala, no toque, no olhar, de que aquele “não” estaria significando um “sim”. A expressão, a linguagem corporal, dessa maneira, contribui para que um enunciado seja entendido como uma coisa ou outra. Esse entendimento, no entanto, pode levar a diferentes situações de violência, uma vez que não temos como adivinhar se o “não” de alguém carrega a intenção de um “sim”. O processo de transformar o “não” enunciado
em um “sim”, que estaria escondido, por trás do “não”, faz ainda com que as violências
passem despercebidas. Afinal, como considerar algo um estupro, um abuso, ou uma violência sexual se a vítima, mesmo reagindo ou demonstrando explicitamente que não quer, estaria secretamente desejando aquela violência?
Parece, nessa lógica do negar, ser necessário que estejamos sempre preparades para dizer “não” e mantermos firme nossa posição. O “não” deve ser enunciado, fortalecido, demonstrado de diversas maneiras e expressões. A responsabilidade de impedir um abuso ou estupro é, dessa forma, da pessoa que não deseja, ou não tem como escolher se deseja ou não, ter a relação ou prática sexual iniciada ou aceitar a tentativa de início pela outra pessoa. Ainda assim, mesmo quando enunciado, diversas vezes esse “não” - ou até a ausência dele - não é percebido como negação. Da mesma maneira, o não “transformado” em sim através da coerção ou ameaça, não é entendido como algo violento, pois é sentido, escutado e/ou enxergado como consentir.
O significado de consentir fica comprometido quando o “não” de determinados indivíduos é invalidado (Xxxxxx XXXXXXX, 1989 apud BIROLI, 2013), fortalecendo
as ambiguidades e as problemáticas que envolvem as fronteiras do consentimento (BIROLI, 2013). Se supomos que o “não” dito pode ser um “sim” não verbalizado, ou que a ausência deste “não” significa concordância, abrimos caminho para um entendimento escorregadio, subjetivo e perigoso de consentimento, que apaga violências mais “sutis” que já são difíceis de ser identificadas.
O consentimento como um contrato imortalizado
O consentimento, por envolver a aceitação ou não de algo, é muitas vezes entendido como um contrato. Nesse enunciado, uma vez que esse contrato é assinado, ele se imortaliza na ideia de que qualquer relação sexual possível de acontecer após essa assinatura é consentida. Em algumas conversas entre es estudantes o consentimento apareceu como algo pré-estabelecido, ora afirmado a partir do comportamento das pessoas, ora pelo fato de elas estarem em um relacionamento afetivo-sexual. Trago dois fragmentos de diálogos para ilustrar:
Xxx: Pô, e ela vai na casa do cara sozinha e os dois ali e ele… [...] tá os dois sozinho no clima aí depois ele leva ela pro quarto, aí ela tipo, ela não fala, ela vai, tipo, só vai, aí tipo, se ela não quisesse nada ela pegava e começava dizendo "ah, não quero".
Remi: Não, primeiro que ele tem que perguntar.
Lau: Ah, às vezes... tem situação que tu não pergunta tipo "ah, vamo fude (sic)?".
Remi: Mas, tipo... com um estranho.
Lau: Não, não é estranho, tão namorando.
(diálogo 1)
Caê: Tipo assim, aí o cara vai, fica cheio de tesão e a mina falou "não, vamo (sic) lá" e o cara tá indo lá, entendeu, direto, aí a mina vai lá, dá pra trás… é mancada isso aí, sora.
(diálogo 2)
Ir até a casa da outra pessoa ou ter estado a fim de transar em um momento anterior parecem surgir nesses diálogos como maneiras de “assinar” o contrato do consentimento. Esse pensamento de que aceitar um convite para ir até a casa da outra pessoa, ou ir para o quarto com ela, é um sinal de consentir ao sexo é muito presente no senso comum. A maneira que a pessoa se comporta seria um indício de que ela quer aquilo, sendo, portanto, mais válido do que o que ela realmente deseja no momento (no caso, não ter a relação sexual) e acaba se configurando como uma justificativa para um ato não consentido.
Nesse contexto, o comportamento, associado a uma conduta moral em relação à sexualidade, se torna central para definir a ausência ou presença de consentimento. A honestidade e os “bons costumes” passam a incidir diretamente sobre a maneira pela qual são traçadas as fronteiras do consentimento, definindo o que seria uma relação consentida de verdade, uma relação em que o consentimento não foi explicitado e o sexo forçado (XXXXXX, 2013).
Para algumes estudantes, uma pessoa mudar de ideia em relação a transar, depois de ter dito ou demonstrado que queria, é considerado algo errado, que não deveria ser feito. A “quebra” desse contrato que foi “assinado” verbalmente em um momento anterior não é bem aceita por essus estudantes. Se foi dito, demonstrado, desejado, então deve ser dito novamente, demonstrado de maneira incansável, desejado para sempre.
Sobre essa fixidez do consentimento nas relações, Xxxxxxxxx (2007) afirma:
O consentimento, seja ativamente ou passivamente estabelecido, também pode ser assumido uma vez que a atividade sexual aconteceu. [...] Como resultado, o consentimento sexual não é buscado novamente – é simplesmente assumido. (XXXXXXXXX, 2007, p. 309, tradução nossa).12
Essa maneira de entender o consentimento como algo estático, fixo, “dado” em um determinado momento e imortalizado na relação em função disso, pode levar a uma maneira de se relacionar que é pouco orgânica, que não permite fluidez, que aposta na ausência de mudanças como algo a aspirar em um relacionamento. Porém, nossos desejos, assim como nossos afetos em um âmbito mais geral, têm sua sazonalidade e suas maneiras de (des)aparecer (Geni Xxxxxxx Xxxxx XXXXXXXX, 2021). É preciso que
12 “Consent, whether actively or passively established, also may be assumed once sexual activity has taken place. [...] As a result, sexual consent is not sought again – it is simply assumed.” (XXXXXXXXX, 2007, p. 309).
respeitemos a autonomia do corpo de outres como forma de também exercitarmos a nossa.
No diálogo 1, novamente diferentes enunciados se cruzam: a necessidade de afirmar o “não” para delimitar a ausência do consentimento e a ideia de que, em função des envolvides na situação estarem namorando, não seria uma situação de abuso ou violência. Esse enunciado de que relações entre namorades são sempre consentidas apareceu em outro momento quando es estudantes estavam conversando sobre a situação em que um homem mais velho namora uma menina menor de idade. Trago a fala de Xxxx para ilustrar:
Ela deu porque quis, não é.. eles na-mo-ram (sic).
A fala é bem elucidativa da “assinatura” do consentimento por meio do envolvimento em uma relação afetivo-sexual. “Deu porque quis”, afinal era seu namorado. A relação aparece, em si, como um contrato de renúncia à própria autonomia (BIROLI, 2013), onde os corpos daquelus que se relacionam estariam sempre disponíveis para a sua parceria, com a garantia de acesso ilimitado ao corpo alheio. Esse governo do outro em detrimento ao autogoverno é muitas vezes imperceptível ou facilmente confundido com outros atributos das relações afetivo-sexuais. Pode ser que, de fato, não se tratasse de um abuso a situação discutida por essus estudantes, porém o fato de as pessoas envolvidas nela estarem namorando não é uma justificativa para a ausência de violência.
A noção do consentimento como algo que já está implícito quando se passa a se relacionar com alguém apareceu na mesma pesquisa (BERES, 2014) mencionada no eixo analítico anterior. Um dos participantes falou a seguinte frase em um momento da entrevista: “você não bate na porta da sua própria casa”, fazendo referência ao fato de o consentimento não ser algo que ele e sua namorada levavam em consideração em seu relacionamento. Após ele falar isso, sua namorada concordou com tal afirmação. Outres participantes também tinham essa ideia de que o consentimento não é algo que exerce uma influência em seus relacionamentos. Para elus, um “pedido” explícito para transar não seria necessário quando as pessoas estão se relacionando.
Tanto a pesquisa da Xxxxx quanto o diálogo des estudantes demonstra que esse tipo de violência que ocorre dentro dos relacionamentos é difícil de ser identificada, e pode haver vários motivos para que essa dificuldade ainda impere. Reconhecer sua
parceria na posição de ume abusadore e se reconhecer como pessoa que passou por uma situação de abuso são processos cercados de dores e conflitos internos e externos que não são fáceis de lidar. Além disso, a ideia de propriedade ainda se faz muito presente nas relações afetivo-sexuais atuais. A partir do relacionamento, o casal passa a “pertencer” um ao outro, se completando, formando uma unidade (XXXXXX, 2007).
Esse tipo de relacionamento, baseado no amor-romântico, busca constantemente provas da existência do amor e de sua eternidade, assim como precisa manter em controle a outra pessoa para que sua outra metade não se perca. Em função desses procedimentos para a manutenção do amor, os relacionamentos são baseados em uma lógica possessiva, gerando um controle que muitas vezes pode acabar em situações de violência (XXXXXX, 2007).
O pertencimento a outre alguém também alimenta a violência por si só, uma vez que, partindo dessa lógica, cada pessoa envolvida na relação passa, em algum nível, a abdicar da sua autonomia em prol do bem-estar do casal. O estupro no casamento é um
exemplo disso. O casamento é considerado a maior “prova” de amor que se poderia dar a outre (XXXXXX, 2007), a união eterna de duas “almas gêmeas”, a renúncia voluntária de sua liberdade afetivo-sexual, que só pode significar “amor verdadeiro”. Em função da sacralidade do casamento, o estupro marital foi encarado até pouco tempo como “uma impossibilidade lógica, uma vez que o direito ao corpo da mulher era entendido
como algo que é transferido para o marido no momento do casamento” (BIROLI, 2013,
p. 233). Essa ideia ainda aparece na maneira em que as relações sexuais são vistas nos relacionamentos, como nas falas des estudantes que consideram o sexo entre namorades como sempre consentido ou des participantes da pesquisa de Beres que não consideram o consentimento como algo que deve ser levado em consideração em suas relações.
A partir das falas des estudantes, percebemos que aceitar o convite de ir até a casa de outra pessoa, iniciar uma relação sexual ou estar um relacionamento afetivo são vistos como diferentes formas de “assinar” o contrato do consentimento. Nessa perspectiva, se a pessoa foi até a casa da outra é porque já estava aceitando transar; se ela iniciou a relação sexual então tudo dentro dessa prática é consentido; e se ela namora uma pessoa, está sempre disposta e disponível para se relacionar sexualmente da maneira que for.
Essa “assinatura” não deixa de ser uma forma de governo dos corpos, acionado a partir do dispositivo da sexualidade, conceito cunhado por Xxxxxxxx (2007). Segundo o autor, a sexualidade não é um “dado” da natureza, algo que está na essência do ser, mas
sim um construto de práticas, discursos, regras, normas, instituições – dentre outras formas pelas quais o poder se capilariza – que pertencem a uma complexa tecnologia de controle e de disciplinamento dos corpos, dos desejos e dos prazeres. E esse controle opera de maneiras distintas de acordo com o gênero e a raça dos indivíduos, moldando e subjetivando os sujeitos a partir dos discursos que são produzidos em um tempo e local determinado, tecido pelo momento histórico no qual eles se encontram (XXXXXXXX, 2007).
Assim, as diferentes formas de “assinar” o contrato do consentimento nos dizem maneiras de ser e estar no mundo, quais formas de se relacionar são “corretas”, “aceitáveis” e passíveis de existência. Nos é dito o que é “esperado” a partir de nossas ações, de como nos comportamos e como isso é entendido pelas outras pessoas. A vivência das relações e as maneiras que entendemos o consentimento é, portanto, atravessada pela sexualidade, que diz uma forma de existir e de se relacionar na nossa sociedade.
O que nos dizem os discursos juvenis sobre consentimento?
Sem ter a pretensão de apontar um significado universal para o consentimento, mas sim com o intuito de mostrar como ele se sustenta a partir de negociações, complexidades e áreas cinzas, este texto trouxe pistas sobre como es jovens entendem o consentimento e indagações para pensarmos de que maneira o que é entendido por elus se inscreve como discursos-práticas nas relações.
Como professoras de Ciências, buscamos trazer a discussão sobre consentimento e violência sexual para a escola, para a sala de aula, para a relação professore/alune e para os diálogos (ou falta deles) estabelecidos nesses espaços. Os diferentes discursos que circulam em nossa sociedade (jurídico, do senso comum e do feminismo mainstream) nos dizem uma verdade sobre o que é consentir, influenciando, junto com a cultura escolar, a forma que es jovens entendem a presença ou ausência do consentimento em determinadas situações.
Percebemos que o consentimento parece ser entendido a partir de três aspectos: limites, negação e contrato. Esse entendimento se estrutura na inter-relação desses aspectos e é atravessado, ainda, pelos diferentes discursos mencionados acima. Os limites do consentimento e como eles são entendidos no sentido de definir certas práticas sexuais como violentas parecem ser identificados e validados pelo referencial
dos conhecimentos jurídicos. As falas des estudantes sobre a fácil identificação de um “estupro verdadeiro” como um crime ilustram essa validação.
Essas definições também se relacionam com os saberes produzidos pelo senso comum, que têm como ideia de estupro algo muito fora da realidade do que essa violência é na prática. O senso comum aparece, ainda, na ideia do consentimento como um contrato imortalizado e na noção da negação como parâmetro para consentir (que também é capturada pelo saber jurídico na hora de definir se alguma situação ocorreu com ou sem consentimento, se configurando em um crime ou não).
A popularização do feminismo mainstream, aliada a um esvaziamento da pauta feminista e baseada em uma noção enviesada da luta por equidade de gênero, pode também estar relacionada com a maneira que essus jovens entendem ou deixam de entender situações de violência, de machismo e comportamentos problemáticos nas relações. Ao universalizar a identidade “mulher” e atribuí-la às mulheres brancas cisgênero, as experiências de outras mulheres não brancas e pessoas que também se
prejudicam pela norma vigente de gênero, como homens transgênero e pessoas não binárias deixam de ser consideradas em discussões sobre consentimento nas relações afetivo-sexuais.
Podemos dizer que es estudantes entendem que se alguém não consentir com
alguma relação ou prática sexual e ela acontecer mesmo assim, isso resulta em uma situação de violência sexual, seja ela um abuso ou um estupro. No entanto, a dificuldade
em identificar a ausência ou presença do consentimento é o que torna complexo o reconhecimento dessas situações. Apostar na negação como parâmetro para reconhecer, implica em entender o consentimento como se ele estivesse sempre pré-estabelecido, pressupondo que ele precisa ser retirado. Portanto, apesar de ser um termo que expressa uma afirmação, seu entendimento, nesse contexto, passa pela noção de que algo só não é consentido se o “não” for explicitamente enunciado. E mesmo esse “não” explícito é muitas vezes questionado. As negociações entre o “não” e o “sim” e a maneira que esses enunciados são tomados como verdadeiros ou não faz com que algumas violências, chamadas de mais “sutis” neste artigo, acabem passando despercebidas, seja por quem as pratica ou por quem as sofre.
O consentimento parece ser entendido, ainda, por essus estudantes como algo relacionado unicamente às práticas sexuais. No entanto, acredito que uma noção de consentimento mais abrangente, que se capilarize em outros aspectos dos relacionamentos, pode ser uma força motora contra violências dentro (e fora) das
relações. Pensar no consentimento em um sentido mais amplo nos permite rever a maneira com que nos relacionamos umes com outres, derrubar fronteiras e reestabelecer limites que não sejam pautados na violência e na negação.
Assim, a noção de consentimento que consideramos necessária de trazer para as discussões com es jovens é a de pensar nossas formas de se relacionar como resistência, em como criar e viver esse conceito por outro aspecto que não seja o da legislação (que define quais práticas sexuais são um crime ou não), do senso comum (presente em nossa sociedade) e o do feminismo mainstream (pautado pela branquitude e cisheteronormatividade). Ampliar o conceito de consentimento e traçar nossa própria régua a respeito do que é consentir ou não é uma forma de negar ao Estado o poder de legislar sobre nossos corpos e de construirmos diferentes formas de lidar com essas situações de violência.
Para finalizar este texto, gostaríamos de ressaltar como, a partir do diálogo estabelecido entre es estudantes sobre as situações envolvendo consentimento, elus mudavam de opinião. Falar sobre algo que é muito pouco falado movimentou os pensamentos e abriu espaço para novas coisas serem ouvidas, criando para es estudantes presentes nos encontros a possibilidade de rever posições e pensar de outra maneira. E quando isso é colocado dentro da escola criamos um ambiente muito potente de novos mundos a serem habitados e novas formas de ver e vivenciar as relações, que antes podiam não parecer passíveis de existência. Dialogar, portanto, nos permite não permanecer iguais. Deixar de apostar em ideias fixas e nos binarismos imutáveis é um caminho para a mudança. E mudar é potência, pois mudando criamos outras realidades e possibilidades de ser e estar.
Referências
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Recebido em setembro de 2021. Aprovado emdezembro de 2021.