1.1 O CONCEITO DE CREDITO E SEUS ELEM ENTOS CONSTITUTIVOS
1
o CRÉDITO PÚBLICO: ASPECTOS GERAIS
1.1 O CONCEITO DE CREDITO E SEUS ELEM ENTOS CONSTITUTIVOS
Segundo Xxxx, “ crédito significa etimologicamente crer ou ter confiança” ', pois desde as primeiras versõcs e interpretações do latim, no século XVI, as palavras credo, crediti e creditum eram traduzidas por xxxx, confiar a outros ou emprestar crendo, ou seja, com fé na moral do tom ador do empréstimo.
Na opinião do autor, essa concepção vem se mantendo, uma vez que crédito seria um termo ligado à idéia de confiança ou fé na con- duta de uma pessoa, isto é, em sua acepção geral e mais permanente, a palavra crédito estaria relacionada “ com duas formas de crença: a con- fiança ou fé na moral de uma pessoa disposta a cumprir com os seus deveres e obrigações, e a crença de que poderá cumpri-los, por dispor de meios econômicos” .’
A lição de Xxx é clara no sentido de que o crédito, tanto o pú- blico quanto o privado, repousaria sobre a conƒiança dos prestamistas e sobre a existência de capitais disponíveis. Sendo esses elementos os
' ORÍA, Salvador. Finanzas. Buenos Aires: Giiiltenno X.xxxx, 1948, v. 3, p. 07.
^ Ibid., p. 07.
17
dois termos do credito, desde um irrisório em préstim o feito dc um particular para outro particular, até o mais considerável empréstimo contraído pelo Govcmo dc uin país, pois a base dessas operações seria a mesma, ainda quc destoantcs na forma c na proporção. Conclui dizendo quc “não há credito quando não há ncni confiança c nem capitais, assim como quando liá capitais sem confiança ou confiança sem capitais”.“
Como assevera Xxxx Xxxxx xx Xxxxxx, “o crédito pressupõe uma
relação fundada na confiança que o fornecedor do capital deposita no devedor, em virtude do conhecimento da situação econômica deste’” . Esse conhecimento se opera por meio da atividade económica em - preendida pelo devedor, não só considerando o estágio de evolução dc tal atividade econômica, mas também a forma de conduzi-Ia.
Por sua vez, Xxxxx Xxxxxxxx define o crédito como;
a possibilidade de proporcionar-se o gozo ou a d isp o sição de um capital estranho, obtido livrem ente do verdadeiro p ro p rietário ; seja m ed xxx te a prom essa de reem bolso futuro nos p razos co n v en cio n ad o s pelas partes; seja m ediante um a rem uneração do to m ad o r ao p restam ista, g eralm en te denom inada ju ro s; seja, p o r últim o, m ed xxx te a ad o ção co n co rren te de am bas soluções.^
Ao lado dos elementos confiança e existência de capital, para que se efetive uma operação de cunho creditício, necessariamente estará presente o elemento tempo, uma vez que o crédito im plica a troca de um bem ou valor no presente por uma prom essa de riqueza futura que, aliás, será a responsável pelo reembolso do que foi em prestado e pelo pagamento dos juros ou outros benefícios oferecidos aos prestamistas.
No dizer de Xxxxx, tomar emprestado é “antecipar-se sobre o futuro, é gozar antecipadamente o futuro”.^ Xxxx, para ele;
^ SAY.Léon. Dictionnaire desJinances. Paris: Berger-Levrault, 1889. v. [,p . 1335.
■’ XXXXXX, Xxxx Xxxxx xx. Aspectos do Capitai Financeiro. São Paulo: Livraria Martins, 1942. p -48.
^ XXXXX XXXXXXXX, Xxxx. Science des Finances. Paris: Guillaumin, 0000, x. 0, x. 000.
^ XXXXX, Xxxxx. La Dette Publique et les Droits de l 'État. Paris: Xxxxxx Xxxx.seau,
1S84, p. 26.
18
to m ad o no sentido gerai da palavra, o em p réstim o é um ato p elo qual um d o s contratantes co lo ca à d isp o sição do o u tro c ap ita is ou v a lo res dos quais cie se d ep reen d e para lhe d eixar ao seu go zo ou uso te m p o - rário, so b certas co n d içõ es de rem u n eração do se rv iç o e dc g aran tias asseg u ran d o o seu reem b o lso no prazo de ex p iração co n v e n c io n a d o .’
As colocações ate aqui feitas são amplas c aplicam -sc ao credito de uma forma genérica, abrangendo tanto a idéia de crédito público quanto a dc credito privado, pois essa diferenciação, cm nosso enten- dimento, c bastante sensível c centrada essencialm ente na natureza do tomador do empréstimo, bem como na ƒinalidade por elc encam pada no momento em quc recorre à operação de crédito, como procura- remos dem onstrar mais tarde, ao analisarmos a natureza jurídica do empréstimo público.
Até porque, quando o tom ador for um ente público, a operação dc crédito deverá ter um interesse público envolvido, isto c, deverá visar ao alcancc de uma finalidade que seja socialm ente relevante, en- quanto, sendo o tomador uin particular, os interesses envolvidos na operação dc crédito serão, ao menos substancialm ente, privados.
Tal é a sensível diferença entre a operação de crédito pública e a operação de credito privada que Xxxxxxx Xxxxxxx, um dos m aiores es- tudiosos do regime jurídico dos empréstimos públicos, salientou;
as relaçõ es ju r íd ic a s de d ireito pú b lico e privado, q u e se reú n am sob a d esig n ação genérica d e em préstim o, são rev estid as d as m esm as q u a lid a - d es essenciais, de m odo que ao direito público, e em p articu lar o d ireito fin an ceiro , são extensíveis os princípios in fo rm ad ores das fig u ras obri- g acio n a is elaboradas e desenvolvidas p ela d o u trin a priv atista, ev íd en -
o
tem en te adaptadas às pecu liarid ad es do créd ito público.
Com base no crédito ou confiança de que dispõem o Estado ou as pessoas jurídicas de direito público que, em última análise, represen- tam não só sua presença, mas também trazem consigo aquela pre- sunção de perenidade e solvência quc lhe são próprias, é que se tom a
’ Ibid., p . 25.
ATALIBA. Geraldo. Empréstimos Públicos e seu Regime Juridico. São Paulo: XX,
0000.x. 10 -n.
19
facilitada a aquisição d o s recursos ou bens dc que neccssilam perante os seus proprietários originários, sejam clcs capitalistas investidores ou meros cidadãos poupadores de suas economias.
Os fatores dc convencim ento dos prestamistas por paríc do Rs- tado vêm bem elucidados na liçào secular dc Cossa. quando clc afirma que o crédito público com o faculdade dc contrair débitos cm condi- ções favoráveis dependeria, cm relação aos prestamistas, de circuns- tâncias que influíssem sobre a vontade e sobre a possibilidade dc o Estado cum prir com as suas obrigações assumidas. Afimiando que isso apenas se mostraria possível de acordo com “ a benevolência do ordenamento político e administrativo do Estado, bem como das con- dições financeiras, do sistem a de tributos, das cifras dos débitos ante- riores e. finalmente, da condição econômica do Estado, isto c, do esta- do da riqueza nacional” .^
1.2 C R É D IT O PÚ B L IC O E EX PR ESSÕ ES C O R R EL A TA S Como mencionava Xxxxxxx Xxxxxxxxxx, há quase um século.-
todos os países procuram, por meio do empréstimo, que é a conseqüên- cia natural do crédito, o recurso preciso para a realização dos melho- ramentos exigidos pelo progresso morai e material de uma sociedade que acompanha os movimentos da civilização moderna.”
Assim sendo, havendo crédito público poderá o Estado recorrer a um empréstimo público ju n to aos capitalistas e poupadores, a fim de prover suas necessidades de caixa ou de investimento, c dessa opera- ção de crédito concretizada é que advirá a dívida pública, em nome do alcance dos interesses públicos, ou seja, de uma finalidade social- mente relevante, que em realidade é a responsável pela legitimidade de tal operação.
“ COSSA. Xxxxx. Primi Elem enti di Scienza delle Finanze. 9* ed. Milano; Xxxxxx Xxxxxx, 0000, p. 181.
FIGUEIREDO, Elpídio. Princípios Elementares da Ciência das Finanças. Recife,- Diário de Pernambuco, 1909, p. 179.
20
Apoiados na iiçao dc Villcgas, podemos cníao dizer que:
o crédilo piiblico é a aptidão politica, econôm ica, ju r íd ic a e m oral <Jc um Estado para o b ter dinheiro ou bens em em p réstim o; e que o em préstim o público é a operação de crédito co n creta m ediante a qual o E stado obtém tal dinheiro ou bens; e a d iv ida pública consiste na
obrigação que contrai o E stado com os prestam istas com o conseqüência do em préstim o e fe tu a d o ."
Com realce na forma com que o Estado lida com sua dívida pública c o rigoroso adimplemento do quc foi convencionado c um dos maiores indicadores da sua saúde financeira, bem como de seu crédito.
Tanto é assim quc o enfático De Xxxxxxx e Xxxxx leciona scr a dívida pública “ a obrigação a que não pode faltar o Governo, sem quebra da dignidade constitucional e do próprio crédito, que deve ser conservado a bem do Pais” .*'
Entretanto, a operação dc crédito efetivada será “patrimonial- mente neutra”" , nada sendo acrescido de forma absoluta aos cofres públicos, pois tudo aquilo que for angariado pelo Tesouro, sob a for- ma de empréstimo, o será de forma provisória c transitória, uma vez que deverá haver a restituição dos valores recebidos nos prazos fixa- dos e na forma convencionada.
Como ensina Xxxxx xx Xxxxxxxx, todo e qualquer recurso que passe a fazer parte dos cofres públicos, seja a quc título for, denomina- se entrada, e essas entradas classificam-se, respectivamente, conforme sejam definitivas ou provisórias, em receitas e ingressos. De modo que, “não há ingresso definitivo”.”
Por essa mesma razão, o notável Aliom ar Baleeiro afirma serem os empréstimos meros ingressos ou entradas de caixa, não se in-
" VILLEGAS. Xxxxxx X, Curso de Finanzas. Derecho Financíero y Tributario.
Buenos Aires: Depaima, 1972, p. 343.
DE XXXXXXX X XXXXX, Xxxxx Xxxx. Noções de Finanças e Direito Fiscal. 3“ ed. Curitiba: Guaíra, sem data. p. 115.
Cf. XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxx. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. T ed. São Paulo; Saraiva, 1999. p. 56.
XX.XXXXXX, Xxxxx Xxxxxxxxx de e XXXXXXX, Xxxxxxx. Manual de Direito Financeiro. 4" ed. São Paulo: RT. 2001, p. 33-34.
21
cluindo entre as receitas propriamente ditas, uma vez quc “ não criam valores positivos para o patrimônio público, já que a cada soma recebida no ativo do Tesouro, a titulo de empréstimo, corresponde um lançamento no passivo contrabalançando-o”."
Nesse sentido, também o mestre português Xxxxxxxx Xxxxxxx afir- ma que os recursos advindos de cmprcstimo.s públicos, ou seja, da utilização do credito público, nào aumentam o patrimônio do Estada, c os denomina dc “ receitas não-cfetivas”."
1.3 BREVE HISTORICO DOS EM PRÉSTIM OS PÚBLICOS
Embora nao haja um fato histórico que indique com precisão o iní- cio da utilização dos empréstimos públicos, acrcdita-se que o seu empre- go remonte a vários séculos anteriores à era crista’’, uma vez quc existem registros desse periodo que fazem referência a negócios com as caracte- rísticas dc um empréstimo público, e quc eram firmados por imperadores, senadores e outros homens públicos dotados de notoriedade.'*
Naquela época, diferentemente de hoje, cm que os empréstimos pú- blicos são legitimados pelo atendimento das necessidades públicas, ou seja, sào voltados à consecução de uma finalidade pública, a sua ocorrência des- tinava-se ao atendimento das necessidades e vontades pessoais do gover- nante, que, aliás, tinha em sua própria pessoa a representação do Estado.
XXXXXXXX, Xxxxxxx. Uma Introdução á Ciência das Finanças. 14" ed., atua- lizada por Xxxxxx Xxxxx Novelli- Forense: Rio de Janeiro, 1984, p. 431.
XXXXXXXX XXXXXXX, Xxxx Xxxxxxx. Lições de Finanças Públicas. 5“ ed. Coim- bra: Coimbra Ed., 1997, p . 185-
” Rogério de Menezes Corigliano fala do surgimento dos empréstimos públicos por volta do terceiro milênio antes de Cristo nEmpréstimos Públicos. São Paulo: FDUSP - Dissertação de Mestrado, 2003. p. 26).
Xxxxxxx Xxxxxxxx apresenta, como resultado de uma refinada pesquisa histórica, vários exemplos ilustrativos, como: xxxxxxxxx referc-se a empréstimos tomados por Atenas para a aquisição de barcos de guerra; o empréstimo tomado por Cartago para pagar dívida.s de guerra; as cartas de Xxxxxx a Xxxxx. mencionando os empréstimos concedidos por banqueiros aos governantes subjugados pelo império romano; os negócios usurários realizados por Xxxxx, Xxxxxx e Bnitus a despeito da existência da lei Gabínia (67 a. C.), que proibia essa práüca, ni/ma Introdução..., p. 432-433).
22
Nesses tempos cm quc o rei era considerado o próprio Estado, os em préstim os tomados por clc assumiam a característica de uma obri- gação dc cimho pessoal, sem qualquer ligação direta com o Estado, assim como não era transmitida necessariam ente aos seus sucessores, visto quc estes últimos poderiam repudiar o quc havia sido acordado por aquele, muitas vezes, com o apoio da opinião pública.
Devido aos enormes riscos quc tal negociação engendrava cm relação aos prestamistas, o recurso ao expediente do em préstim o pú- blico pouco sc desenvolveu na Antigüidade. Até mesmo porque, cm decorrência do enorrnc risco de inadim plem ento, quando os prestam is- tas concediam o empréstimo, as garantias exigidas eram substanciais e havia o pagamento de juros muito elevados.
A Idade Média também não se apresentou propícia ao desenvol- vim ento dos empréstimos públicos, uma vez que eles ainda se reves- tiam do caráter de obrigação pessoal do governante e geralm ente eram destinados ao financiamento das guerras.
Alem disso, a produção não gerava excedentes que pudessem ser em pregados nos referidos empréstimos c o sistem a financeiro existen- te ainda era muito rudimentar, sem falar na doutrina religiosa e na concepção moral dominantes na época, que condenavam a prática de negociações usurárias.
Com o fim do sistema de produção feudal houve a evolução do chamado Estado Patrimonial, em que as finanças do rei eram confundidas com as finanças públicas, para o chamado Estado Fiscal” , pois, com o advento do capitalismo, muda completamente a ideologia financeira até então existente, com a nítida separação dos bens públicos daqueles pertencentes aos governantes, e há uma gradual ampliação da atuação estatal, a fim de garantir não só a segurança dos cidadãos nÈtat Gendar- me), mas também a prestação de serviços públicos e o cumprimento de um papel de caráter social nWelƒare State), por meio de investimentos em saúde, educação, melhor distribuição de rendas, etc.
Essas novas fúnções assumidas pelo Estado o obrigaram a buscar novas fontes de recursos, como os meios materiais indispensáveis ao atingimento desses objetivos, passando a increm entar o seu sistema
Cf. XXXX XXXXXX, Xxxxxxx, Curso de Direito Financeiro e Tributário. 8* ed. Rio dc Janeiro; Xxxxxxx, 0000, p. 06-08.
23
tributário c a melhorar o gerenciamento de suas despesas c rcccilas, alem dc, eventualmente, recorrer aos empréstimos públicos.
Na Europa do final do século XVII] c inicio do século XIX, cm particular na Inglaterra, já c possível notar um significativo desenvol- vimento na utilização dos empréstimos públicos, embora ainda recaísse sobre eles o estigma dc processo financeiro malcrico'” c transferidor de encargos excessivos das gerações presentes para as gerações futuras." ‘
Após décadas de acaloradas discussões, com pareceres contradi- tórios dos especialistas na m atéria", a maior aceitação do recurso aos empréstimos públicos se fez presente no sécijlo XX, mais especifi- camente a partir de 1930, por influencia das idéias dc Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx, quc preconizava ser o endividamento público um instnimento
Xxxxxxx Xxxxxxxx destaca que, nos séculos XVfl c XVIII, pensadores franceses como Xxxxxxxxxxx, Xxxxxxx. Saint-Simon e Quesnay, c pen.sadorcs ingleses, como Xxxxx Xxxx e Xxxx Xxxxx, declaravam serem os empréstimos públicos perni- ciosos e dignos de repulsa, uma vez que provocariam a mina das nações, pois esti- mulariam 0 espirito belicoso dos governantes e os conduziriam à aventuras ne- fastas. sem falar no afastamento das aplicações produtivas na agricultura, no comércio e na indústria, aniquilando os recursos em despesas estéreis de consumo e formando uma classe parasitária dc pessoas improdutivas, quc viveriam às custas dos juros, sem trabalharem ou assumirem qualquer risco empresarial nUma imro- dução..., P- 435).
Sobre esse aspecto de caráter econômico, que foge aos objetivos do presente estu- do, vide a seguinte obra, de Xxxxxxx X. Musgrave; Teoria das Finanças Públicas: um estudo da economia governamental, trad. Auriphebo Berrance Simões. São Paulo; Atlas, 1973, v. 2.
Como se pode notar das seguintes opiniões doutrinàrias;
Para Èmile Cossé: “Os empréstimos são perigosos expedientes, que somente se J u s t i f i c a m quando a necessidade se impõe. Todo empréstimo quc não é inevitável é um ato de loucura” (Op. cit., p, 386).
Já para Xxxxxx Xxxxxxxx; “O crédito, corretamente e sabiamente manipulado, é um maravilhoso instrumento quc permite criar riquezas” (Les illusions de l'Amérique en matière de Crédit. Paris: Librarie Technique et Economique, sem data, p. 295).
Ainda, para Xxxxxx Xxxx xx Xxxxx Xxxxxxx; “A conveniência do empréstimo cn- contra-se no destino a que se der ao seu produto, tudo dependendo de esquemas e planejamentos, previamente elaborados, em função dos fatores reprodutividade, interesse público e interesse social” (Financiamentos de Obras Públicas. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1956, p. 105-106).
24
dc intervenção do Estado na economia j)ara a manutenção do pleno emprego."’
Tais idéias ganharam fôlego especialmente após a Segunda Guerra Mundial, pois, com o agiganíamento do Estado, resultante da sua evolução do Estado Polícia para o Estado Providência, os recursos disponíveis não eram suficientes à consecução dos fins sociais c ao atendimento das necessidades públicas, c a utilização dos empréstimos públicos passou a scr encarada como uma alternativa viável, mediante a qual o Estado poderia angariar os referidos recursos e cum prir com o seu papel social.
Assim sendo, a utilização dos empréstimos públicos passou a estar desvinculada da ocorrência de situações extraordinárias, tais como calamidades públicas ou guerras, passando a ser uma m era forma de obtenção de recursos assim como o c a tributação, ou seja, o uso do crédito público pelos Governos passou a ser uma decisão politico-econòmica muito comum.
Somente a partir de 1970, quando os países passaram por graves crises financeiras e orçamentárias, em parte, devido ao abuso na utilização dos empréstimos públicos sem um adequado planejamento de médio c longo prazos, com o conseqüente descontrole do endividamento, é que passou a haver novamente uma certa rejeição à idéia de recorrer a tal expediente como meio eficaz de aquisição de recursos financeiros.
Um exemplo disso é o Brasil, pois, como país politicamente independente, teve sua origem ligada à realização dos empréstimos públicos, visto que sua independência da m etrópole portuguesa ocor- reu mediante a assinatura pelo príncipe regente de um Decreto, em 1822, que autorizava o chamado “ empréstimo de independência”, de modo que o País iniciou sua vida política atrelada ao convívio com a dívida pública, que, aliás, só fez crescer até os dias de hoje, com a constante aquisição de empréstimos públicos internos e externos.
23 Para Xxxxxxx Xxxx Xxxxxx, a aceitação das idéias de Xxxxxx foi um fenômeno mundial, atingindo tanto paises ricos, como os Estados Unidos da América, quanto países pobres, como o Brasil, de modo que houve uma brutal elevação no volume de empréstimos públicos, e a execução deficitária dos orçamentos públicos tomou- se uma constante (Op. cit., p. 193-194).
25
Apesar dessa longa tradição brasileira dc tolerância com o endi-
^j^.^iiicnto público, a partir da Constituição Federal dc 1967, com a rcdaÇ^^ quc lhe deu a Emenda Constitucional n" 1, de 1969, o regime dos empréstimos públicos passou a scr bem mais rígido*’, c
tal tendência foi mantida pela Constituição Federal vigente, como vcrcrnos cm outro capítulo.
Ao lado da rigidez constitucional, no âmbito infraconslitucional. finanças públicas passaram a ter dcslaquc. principalm ente no que ao controle orçamentário c do endividamento público, particti-
lanncnte com a edição da Lei Federal n° 4.320, de 17 dc março 1964
£ rnais recentemente, da Lei Complementar n° 101, dc 04 de maio de
7OOo. 9^^ ficou conhecida como a lei dc responsabilidade fiscal.
Desse modo, o ordenamento jurídico brasileiro passou a persc- sjuir mais efetiva um maior equilíbrio fiscal e orçamentário,
^ fm de evitar os efeitos negativos dc uma política governamental jg/ícitária como, por exemplo, a erosão dc seu crédito público junto
-los investidores nacionais e estrangeiros.
Além disso, a postura do Governo brasileiro vai ao encontro dos anseios do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Interna- tional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), também conhe- tiúoeomo Banco Mundial, que recomendam essas práticas como indi- cativas de uma boa gestão fiscal e dignas de concessão de crédito.
Essas instituições financeiras internacionais foram criadas com a teiebraçâo da Convenção Internacional de Bretton W oods, em 22 de jnlho de 1944, da qual o Brasil é signatário, para funcionarem como
^,ei-dadeiros entrepostos entre os países que dispõem e aqueles que ne-
^gssitam de recursos.
^sim se manifesta Xxxxxxx Xxxxxxx a respeito da Constituição dc 1967, com gmenda n® I, de 1969, no quc concerne ao regime juridico dos empréstimos públicos: “Não podemos deixar de assinalar, inicialmente, o profundo contraste enire esta abundância de regras - e conseqüente rigidez do sistema atual - e a pjrcímônia que caracterizou o regime das Constituições de 1946 e as anteriores. pa mesma forma, simples inspeção visual enseja verificar a diferença quantitativa e qualitativa entre o nosso sistema e o de países, mesmo federações, dc cultura próxima ou semelhante à nossa” nEmpréstimos..., p. 30).
26
o Bra.xxx passou a recorrer aos empréstimos provenientes dessas instituições desde a construção dc Brasília, o quc resultou, desde aquela época, na observância de suas recom endações no tocante à condução das políticas nacionais dc caráter m acroeconômico.
1.4 A H O D IE R N A U T IL IZ A Ç Ã O
DOS E M P R É S T IM O S PÚ B L IC O S
N a atualidade, com o ficou dem onstrado cm sua evolução histó- rica, o recurso aos em préstim os públicos passou a scr corriqueiro, dei- xando de cslar vinculado àquela idéia de que ele seria um m eio extra- ordinário de obtenção de ingressos aos cofres públicos, com o expe- diente do Estado, somente cm casos de urgência, calam idade pública c beligerância ou sua iminência.
Atc m esm o porque, com a am pliação da atuação estatal e seu intervencionism o crescente em quase todas as atividades hum anas, outros recursos além daqueles advindos da exploração de seu próprio patrim ônio c da tributação passaram a se constituir em um a necessi- dade constante, não só para que o Estado pudesse arcar com seus desacertos m om entâneos de caixa e investim entos de utilidade públi- ca, mas tam bém para atender a uma crescente dem anda social.
N o dizer de Xxxx, “ O Estado é cada dia mais. não só a pessoa política, jurídica e moral representativa da coletividade, m as tam bém
o expoente da solidariedade social”.’^
O em préstim o público deixou de ser um recurso extraordinário, como antes a ele se referiam os financistas clássicos, passando a ser considerado uma forma ordinária de ingresso, ou seja, um verdadeiro e natural recurso do Estado.
Como ensina Fonrouge, o empréstimo público se transform ou em um recurso tão normal quanto o imposto, sendo a escolha entre ambos uma simples questão de oportunidade. Portanto, fixou-se m oderna- mente que o empréstimo, “oportuna e racionalmente utilizado, pode
Op. cit., p. 12.
27
constituir um instrumento de govcm o c não, como aiilcs, um mero expediente de exceção para cobrir gastos” ."*'
Tambcm o mestre italiano Xxxxxxxx, já há mais clc meio século, preconizava que os dois procedimentos, o do empréstimo e o do im- posto extraordinário, c em especial, o imposto extraordinário de cará- ter patrimonial, tecnicamente não deixavam diferença, dc modo quc, tambcm por isso, sobre a escolha por um ou por outro, mais do que nunca, “ o interesse público do momento é quc deveria decidir”."’
Por sua vez. Xxxxxxxx Xxxxxxx salienta quc hoje em dia o emprés- timo público é um recurso normal da Fazenda quc não está ligado às circunstâncias extraordinárias, pois “ o empréstimo, do ponto dc vista do direito financeiro, não é mais que uma técnica para conseguir determinados fms. Uma regulação normativa da atividade do Estado dirigida a consegui-los”.’®
Nesse sentido lambém, Xxxxxxx Xxxxxxxx afirma quc nos últimos séculos, na maioria dos países, os empréstimos públicos vêm sendo considerados como “um processo normal e ordinário de suprimento dos cofres públicos”.’*’
FONROUGE, Cados M. G. Derecho Financíero. 3“ ed. Buenos Aires; Xxxxxxx, 1977, V . 2, p. 12-13.
” XXXXXXXX, Xxxxxxxx. Compendio di Scienza delle Finanze. 21" ed, Padova: CEDAM, 1952,p. 305 e ss.
FERRXXXX XXXXXXX, Xxxx Xxxx. Xxxxx xx Xxxxxxx Xxxxxxxxxx Xxxxxxx. 00" xx. Xxxxxx: Xxrciai Pons, 1997, p. 554.
Uma Introdução..., p. 431.
28
A NATUREZA JURIDICA DOS EMPRÉSTIMOS PÚBLICOS
Questão das mais debatidas na doutrina e que ainda não se e s - gotou é a que se refere à natureza juridica dos em préstim os públicos, uma vez quc a essência dessa obrigação assum ida pelo Estado dian- te dos prestam istas dá margem à existência de interpretações diver- gentes.
Antes de nos posicionarmos, apresentarem os as duas correntes doutrinárias que em nosso entendim ento m ostram -se mais significa- tivas, por conterem uma m aior substância de argum entos e por terem um m aior núm ero de defensores com autoridade na matéria.
A prim eira corrente defende a idéia de que o em préstim o públi- co é um ato unilateral de soberania do Estado, e tem com o paladi- nos os m em oráveis Drago, Fonrouge, Ingrosso e Sayagués Laso.
Já a segunda corrente, por sinal com um m aior núm ero de adep- tos, com partilha o entendimento de que o em préstim o público é um contrato ƒirmado pelo Estado com os prestam istas, assim o procla- mam, dentre outros, os notáveis Trotabas, Jèzc. Duverger e Xxxxxxxx Xxxxxxx.
29
2.1 O EMPRÉSTIMO PUBLICO COMO ATO UNILATERAL DE SOBERANIA
Dentre os que defendem a lese de ser o em préstim o público um ato dc soberania, destaca-se Xxxxx, pois foi um dos pioneiros a tratar da questão, c as suas idéias constituintes da conhecida “ Doutrina Dra- go” serviram dc ponto dc partida para os demais doutrinadores quc sc filiaram a essa corrente.
Para Xxxxx, o reconhecimento da dívida pública, bem como a sua liquidação, devem ser feitos pela nação sem o desprezo dc seus direitos primordiais como entidade soberana que é. Até mesmo por- que, os prestamistas sabem que o Estado é dotado dc soberania c quc c condição inerente à toda soberania a impossibilidade dc obtenção dc seu direito de crédito via execução forçada caso ele se tom e inadim- plente, pois o seu patrimônio é inalienável e, portanto, inípcnhoràvel.^® Prossegue ele afinnando que os títulos representativos da dívida pública dc um Estado constituem uma classe ou categoria excepcional de obrigações que não podem ser confundidas com nenhuma outra, visto que tais títulos são emitidos em virtude do poder soberano do Estado, assim como a moeda, surgindo em decorrência de autoriza- ções legislativas e não apresentando as características gerais dos con- tratos de direito privado, uma vez que, na sua opinião, nao existe uma pessoa determinada a favor da qual se estabelecem obrigações, pois o pagamento dos titulos é prometido de forma indeterm inada ao porta- dor. 0 prestamista adquire os títulos representativos de seu crédito no mercado anônimo de capitais, sem qualquer formalidade ou relação
com o governo devedor, diferentemente do adiantamento de dinheiro promovido por aquele nos contratos ordinários de mútuo.^'
Conclui dizendo que a dívida proveniente dos empréstimos pú- blicos internos ou externos com emissão de bônus ou de títulos com determinados juros constitui a dívida pública propriamente dita, ou dí- vida nacional, e que a sua cobrança “não pode dar lugar à açÕes
^ DRAGO. Xxxx Xxxxx. Discursosy escritos. Buenos Aires: El Axxxxx, 0000, x. 2, p.
49-51.
ibid.,p. 100,
30
judiciais, porque esses bônus ou titulos saem dc circulação assim como o pape! m xxxx, e o seu serviço c atendido ou suspenso em vir- tude dc atos de soberania, perfeitamente caracterizáveis como tais” .^’
Por sua vez, Xxxxxxxx c incisivo ao afirmar quc considera ina- ceitável a posição contratualista, pois na sua opinião:
a o b rig ação d eriv ad a d o em p réstim o p ú b lico n asce an te r io rm e n te e in - d ep en d en tem en te do co n sen tim en to dos su b scrito res, de m o d o q u e a aceitação tácita, p o r parte destes, das co n d içõ es fix ad as no d o cu m en to em itid o , não co n fig u ra, nem ap erfeiçoa e nem in teg ra a o b rig ação a ssu - m ida pelo E stad o , que é ex clu siv am en te u n ila teral, e um a vez não ha- vendo co n trato c o m o prim eiro tom ador, m enos ain d a h av erá com os p osteriores p o ssu id o res do título, qu e o ad q u iriram na B o lsa ou no m ercado; e no caso dos títu lo s n o m in ais o E stad o se lim ita a estam p ar u m nom e n a p rim e ira vez, e n o futuro so m en te to m a n o ta das tra n sc r i- ções entre pesso as qu e lhe são estranhas, de form a qu e não seria p o s- sível falar e m acordo de vontades e nem de um a recip ro ca fixação de co n d içõ es, p o is o s títulos são lançados no m ercado e desd e o m om ento inicial ad q u irem individualidade própria, com o coisas co m um v a lo r in - trin seco n o m in al ou estab elecid o p elo m ercado, que co m p ro m etem o E stado ao cu m p rim en to das co n d içõ es fixadas, an tes m esm o da su b sc ri- ção, p o n an to , an tes de q u a lq u er ato de consentim ento.
Xxxxxxxx argumentando que as condições do empréstimo são estabelecidas m ediante lei, que é a expressão da soberania do Estado, sem quc haja a possibilidade de a vontade dos particulares influírem a respeito, pois o processo formador da obrigação “nasce aperfeiçoado em virtude do ato legislativo de criação” .^'*
Note-se tam bétn que Fonrouge com partilha da opinião de Xxxxx
quanto à im possibilidade de execução forçada do Estado devedor do empréstimo diante de autoridade judicial. Frisando que essa solução não pode prevalecer “nem mesmo hipoteticamente” , um a vez que não existe um tribunal competente para julgar um ato de soberania, pois a obrigação assum ida pelo Estado repousaria pura e exclusivamente na confiança que ele inspira e que se traduz em seu prestígio nos mer-
Ibid,, p. 138-139.
“ Op. cit-, p. 1027-1028.
Ibid., p. 1028,
31
cadüs nacional c internacional, c as garantias de adimplemcnto ofere- cidas seriam inoperantes na prática, exatamente “ pela falta de meios lícitos para tom á-las efetivas” .*^
Também Xxxxxxxx filia-se a essa corrente, afirmando scr a dívida
pública uma relação de direito público, cujas condições são estabe- lecidas mediante lei, que c a expressão da soberania estatal, de modo quc a obrigação dela advinda aprcscnta-sc unilateralmente e nào sob a forma contratual.
Em seu entendimento, portanto, com a existência de uma ici, que
é a expressão da soberania do Estado, fixando as condições dessa relação de direito público, loma-sc impossível a colaboração da vontade de um dos sujeitos, no caso o prestamista, e “se não há sua contribuição para a formação do negócio, não existe contrato”.*^
O mestre uruguaio Xxxxxxxx Xxxx também nào admite a natureza contratual do empréstimo público, seja elc considerado de direito privado ou seja ele considerado de direito público. Salientando que tal relação obrigacional “tem características especificas que não permitem concebê-la como um contrato, tipificando uma obrigação autónoma unilateral com valor por si mesma, que pode ser utilizada de muitas maneiras e com finalidades diversas” .*’
2.2 O EM PRÉSTIM O PUBLICO COMO CONTRATO
A doutrina francesa em sua maioria é partidária da corrente con- tratualista, destacando-se as posições de Trotabas, Jèze e Duverger.
Para Trotabas, o empréstimo público tem uma origem legal, as-
sim argumentando;
ele não p o d e ser em itido sem a intervenção do P o d er Legislativo. M as,
0 regim e ju r íd ic o qu e se estabelece entre o E stado tom ador do em-
Ibid. cit., p. 1028.
XXXXXXXX, Xxxxxxx. Isticuizioni di Diritto Finanziario. Napoli: Jovene, 1954, p. 744 e ss.
SAYAGUÉS XXXX, Xxxxxxx. Tratado de Derecho Administrativo. Montevideo,
1959. V . 2. p. 127-128.
32
préstim o e o capitalista prestam ista não c um regim e legal, de direito objetivo, m odificável a lodo instante pela lei. A lei do em préstim o seria apenas a condição de exercício do poder de xxx ar em prestado, que pertence ao Governo, c o ato juridico do em préstim o se realiza, em vinude do oƒerecimento quc é feito pelo M inistro das Finanças confonne a demanda em anada dos subscritores: há um acordo de vontades criador de uma situação jurídica, isto é. dc natureza contratual.'’^
Enfaticamente, ele ainda prossegue em seu raciocínio dizendo quc todas as teorias quc procuram estabelecer, sob o pretexto da soberania, ou da legitimidade de um regime, quc os empréstimos públicos nào são obri- gatórios para o Estado, são juridicamente falsas. Na sua visão, essas xxx- xxxx buscam cm vão justificar em direito quão nocivos poderiam ser os procedimentos aos quais os Estados seriam constràhgidos politica ou eco- nomicamente a arcar com seus compromissos, mas ao mesmo tempo ne- gligenciam que o descumprimento daquilo que foi previamente acertado c sempre condenável jurídica e moralmente. Atc mesmo porque, para ele, os empréstimos públicos são tão obrigatórios quanto os empréstimos pri- vados, pois “o fato de o empréstimo público apresentar-se como um con- trato dc direito público não atenuaria este seu caráter obrigatório”.^'^
Xxxx também é explícito afirmando que, como procedimento ju -
rídico, o empréstimo público é um contrato, um acordo de vontades, e é com base no crédito de quc se aproveita o Estado que ele é adquirido junto aos prestamistas. Dizendo que;
com o to d o s os contratos, q uer sejam eles concluídos p o r p articu lares ou p o r ag en tes públicos, o em préstim o p ú b lico d á lu g ar a situações ju ríd icas intangíveis. O s credores do patrim ônio adm inistrativo tom ador do em préstim o adquirem um direito de créd ito que os G overnos e os agentes do E stado têm o dever ju r íd ico de resp eitar, de m o d o qu e sob nenhum pretexto e por nenhum m otivo d eixarão de ser resp o n sab ili- zados: as despesas do serviço da divida são obrigatórias.^®
XXXXXXXX, Xxxxx. Précis di Science et Législation Financières. 9* ed. Paris: Dalloz. 1947. p. 391.
Ibid., p. 391.
XXXX, Xxxxxx. Cours de Science des Finances et de Législation Financière Française. 6* ed. Paris: Xxxxxx Xxxxx, 1922, p. 294,
33
Por sua vez, Xxxxxxxx inicia seu raciocínio comparando o cm- pj-csdnio público ao imposto, dizendo que o imposto, como o próprio j^yiiic indica, c uma imposição ao contribuinte quc clc tem que aceitar, jg.^do em vista que nào pode recusar. Ao contrário, o empréstimo está
^ggcado na concordância dos subscritores, uma vez que cm condiçõc.s ppiinais ninguém c obrigado a subscrever o empréstimo, dc modo quc gonicntc o subscrevem aqueles quc assim quiserem. Portanto, “juridi- g ^ icn le o imposto c decidido por um ato unilateral do Estado, e o
^.,nprcstimo ó um contrato” .”
Prossegue em sua argumentação ressaltando que há, entretanto, gfpa importante diferença entre o empréstimo público c os cmprés- únios privados, uma vez que, entre os particulares, as condições do gjiiprcstimo compõem o objeto de uma discussão entre o prestamista e Q tomador, visto que as cláusulas são debatidas c estabelecidas em co- acordo, de modo que haveria um contrato na sua forma tradi-
gjonaimcnte concebida.
No que concerne ao empréstimo público, a situação não seria a mes- porque o Estado fixa sozinho, unilateralmente, as condições do em- préstimo: taxas de juros, formas de emissão, datas de reembolso etc. O gubscritor pode somente aceitar ou recusar como um todo a subscrição, dc jriaiieira quc se ele aceita( deverá sc submeter a todas as cláusulas estabe- [gcidas pelo Estado, uma vez que nào poderá discutir com o Estado para Qbter condições mais favoráveis, devendo aderir às condições gerais gstabelecidas para todos os prestamistas. Haveria assim uma uniformi- dade na situação jurídica dos subscritores do mesmo empréstimo, que
úcaria distante da concepção tradicional do contrato.’*
Diz ainda que “se o empréstimo do Estado é um contrato, é um contrato de natureza especial: um contrato de direito público, em que
opoder e a autoridade do Estado se manifestam por meio de uma mol- dura contratual, para fixar as cláusulas de forma unilateral”.’*
Conclui comentando que contratos desse tipo passaram a ser chamados de “contratos de adesão”, pois apenas uma das partes fixa
XXXXXXXX, Xxxxxxx. Finances Publiques. 8"ed. Paris: PUF, 1975. p. 135.
«[bid„p. 135-136.
Ibid., p. 136-
34
as cláusulas a que a outra deverá pura c sim plesm ente aderir. E ntre- tanto. noíou-sc quc esses contratos im peram m esm o em rclaçào aos particulares, ale porque a noção dc contrato livrem ente debatido é muito mais teórica do que prática, pois m uito freqüentem ente have- ria desigualdade de falo entre as partes presentes, o quc sem pre per- m itiria a uma delas fixar condições para a celebração do contrato. De modo que a difercnçiaçào entre os contratos dc em préstim os públi- cos c os contratos dc em préstim os privados não teria m uita im por- tância prálica.'*‘*
Entre os financistas espanhóis também predom ina a sim patia à corrente contratualista, destacando-se Xxxxxxxx Xxxxxxx, que se apro- fundou no estudo da natureza jurídica dos em préstim os públicos.
Segundo ele, os efeitos jurídicos da vontade do Estado de tom ar emprestado, declarada por meio da emissão de títulos representativos da dívida pública, explicam-se recorrendo à figura da oƒerta de conirato. De modo que, na análise jurídica da dívida pública, observa- sc a diferença entre a manifestação da vontade do Estado dirigida a quem queira entregar uma soma de dinheiro cm empréstimo (oferta de contrato) e a manifestação materializada da entrega c aceitação dessa soma, lam bém com o declaração da vontade dos sujeitos que querem produzir um efeito jurídico, portanto, um contrato.
Para ele, nem a indeterminação da pessoa com quem sc vai contratar, no m om ento da emissão dos títulos da dívida pública, nem a fixação de condições por somente uma das partes invalidam a teoria contratual, pois nesses casos têm-se, respectivamente, a oferta de contrato feita ao público e o contrato de adesão.
Salientando ainda que a impossibilidade de execução forçada do patrim ônio do Estado inadimplente não seria suficiente para negar a existência do caráter contratual, uma vez que a impossibilidade da execução forçada nào implica a inexistência do contrato, citando a lição de Xxx Xxxxx, no sentido de que a insuficiência de um a sanção nào implica a inexistência de uma regra.
Ibid., p,l36 .
Op. cit., p. 550.
Ibid.. p. 550,
35
Em sua argum entação destaca, ao falar dos empréstimos públi- cos, quc c conveniente fazer referência à distinção das três funções típicas do Estado, quais sejam; a executiva, a legislativa c a judicial.
Isso porque, na sua opinião, a contratação dc um empréstimo público por parte do Estado é uma relação disciplinada pelo seu ordenamento jurídico interno, como cm qualquer outro contrato pri- vado. O fato dc o Estado poder anular os efeitos de tal contralo me- diante uma lei (grifo nosso) não influiria em sua natureza jurídica, não o dcstipificaria com o contrato, visto quc a lei estaria fora c aci- ma da relação contratual. Até mesmo perquc, considera que a lei pode vir a m odificar os efeitos dc um contrato de direito público, tanto quanto pode m odificar os efeitos de um contrato de direi- to privado.
Frisando tam bém que é inválida a afirmação dc que no caso dos empréstimos públicos é o Estado, ou seja, é o devedor, quc modifica os efeitos do referido contrato, pois uma vez observada aquela tri- partição funcional descrita, o devedor é o Estado-Administração, c quem modificaria os efeitos do contrato mediante a lei seria o Es- tado-legislador.
Após tecer essa sua linha de raciocínio, enfatiza que na sua
opinião o acordo de vontades existente entre o Estado tom ador do empréstimo, que o solicitou c ao qual concorreu voluntariam ente o prestamista, seria o gerador dos efeitos jurídicos advindos dessa rela- ção obrigacionaJ, de forma que, definitivamente, essa relação seria regida por um contrato.“’
Xxxxxxxx Xxxxxxx vai ainda mais longe na análise da questão, ao questionar se tal contrato de empréstimo público, submetido pois ao ordenamento jurídico interno do Estado, obedeceria às regras de direito público (adm inistrativo) ou às regras de direito privado (comum).
Ressaltando que o requisito indispensável para o entendimento de que esse conjunto de normas, regulador da relação contratual, seja de direito administrativo, é a presença do Estado-Administração na qualidade de parte, mas com sua atuação pautada pelo interesse pübli-
Ibid.. p. 551.
36
co, como um verdadeiro ente público, e não como um particular qual- quer que estivesse submetido às normas dc direito privado.'''^
Prossegue afirmando que, a seu juízo, a atividade desenvolvida pelo Estado quando contrata um empréstimo público seria exercida como verdadeiro ente público, como verdadeiro Eslado-Administra- ção, uma vez que dotado estaria de poder dc império, ou seja, sem sc colocar em pc dc igualdade com o particular, haja vista ter sido motivada a contratação pela defesa de um “ interesse coletivo prim á- rio'’, como por exemplo o desenvolvimento dos ser\dços públicos, que é o próprio campo de atuação do Estado-Administração.
Daí a sua justificativa para a presença nesse tipo de contrato das ditas “ cláusulas exorbitantes”, que não só poderiam beneficiar o Esta- do, mas também, em muitos casos, apresentarem-se mais favoráveis aos prestamistas do que as condições usuais de mercado, a fim de atraí-los à contratação, cm última análise, procurando sempre o bem da coletividade.
Assim sendo, no seu modo de ver, o empréstimo público seria contraído pelo Estado como ente público propriamente dito, de modo que a relação contratual a que se daria vida encontraria seu regime jurídico nas normas de direito público ou de direito adm inistrativo.“^'^
Xxxxxxxx Xxxxxxx finaliza dizendo o seguinte:
a divida pública refere-se a um contrato real, unilateral, de d ireito público, p ela qual um a d as partes, que po d x xxx x x xx xx x x x xxxo ou privado, entrega a um en te público um a q u an tid ad e de dinheiro, co m - p rom etendo- se este últim o ao seu reem bolso com ju ro s , ou a p ag ar so -
m ente os ju ro s , ou ainda a pagar um determ inado m o ntan te d u ran te um ce_rto t.em po. 50
48 No que concerne à diferenciação entre os contratos celebrados pelo Estado- Administração, sob os regimes de direito público e de direito privado vide: XXXXXXXXX, Xxxx Xxxx.s. Direito Administrativo Brasileiro. 22* cd, São Paulo: Malheiros. 1997, p. 194 e ss. e Xx XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx. Direitù Administraiivo. 6* cd. São Paulo: Atlas, 1996, p. 207 c ss.
O p.cil..p . 552.
Ibid-, p. 552.
37
Compartilha dc seu entendimento o ilustre Xxxxx xx Xxxxxxx, elìdo ser o empréstimo público um contrato dc direito público^',
^xxx como Xxxxx Xxxx, ao afirmar quc os ingressos representativos õívída pública “ são obtidos com base em uma relação conlratuai, dívida interna deve scr considerado um contrato dc
público”.**
' .Ainda dentre os doutrinadorcs espanhóis, Carrera Raya leciona “o Estado, enquanto Administração, fica submetido às condições
^^(itratuais do empréstimo público, e quc cm nada sc debilita .sua
^^turcza contratual o fato de que, eventualmente, o Esiado-Iegislador
^’'^^ifique aquela relação”. **
^ Elencando na seqüência uma série dc características quc, em sua jj^ção, destacariam que o regime jurídico do contrato de empréstimo
^•jõlico seria exclusivamente administrativo, uma vez quc o ente pú-
^jjco tomador do empréstimo ostentaria uma série dc prerrogativas
o colocariam em uma posição de supremacia no seio do negócio
^^ntratual.
Expressamente refere-se a cinco dessas características, quais
a) o serviço publico', diz que sena coerente deduzir que o em - préstimo público tem a natureza de contrato administrativo, uma vez que os ftindos obtidos dessa maneira não seriam mais que simples meios para atender a atividade gestora normal dos entes públicos, ou seja, esse contrato seria utilizado com o um dos instrumentos de execução dos serviços públicos que o Estado tem para si encomendados.
b)o5 prerrogativas do poder público: fala da existência no re- gime jurídico dos empréstimos públicos de um conjunto de prerrogativas, que existiriam unicamente em favor do ente pú- blico tomador do empréstimo, e que teriam como razão dc
51 SAtNZ DE XXXXXXX, Xxxxxxxx. Lecciones de Derecho Financiero. T ed.
Hiadrid: Universidad Compluiense, 1989, p. 405 e ss.
DB pÉREZ XXXX, Xxxxxxxx. Derecho Financiero y Tributario. 9“ cd. Madrid; Civi- 135, 1999, p. 410.
í? XXXXXXX XXXX, Xxxxxxxxx Xxxx. Manual de Derecho Financiero. Madrid; Tcc-
CÛS. 1994, v. 01, p. 153.
fundo justificadora a relação im cdiala do contrato dc em prés- timo público com o atendim ento das necessidades públicas, o que indicaria assim sua inclusão na categoria dos contratos administrativos.
c) a posição desigual das portes no contrato: afirm a que no con- trato de empréstimo público as partes ocupariam um a posição desigual como conseqüência da existência das prerrogativas em favor do ente público tom ador do em préstim o, até mesmo porque ele representaria o interesse coielivo c não um mero interesse particular.
d) a adesão: fala que o Estado-A dministração impõe condições de contratação via norm as ou cláusulas, aos quais caberia ao prestamista som ente aceitar a oferta na forma proposta ou simplesmente recusá-la sem qualquer possibilidade de discuti- la. Assim sendo, os prestamistas deveriam aderir a tais condi- ções fixadas pelo ente público tom ador do em préstim o ou nem existiria o vínculo contratual entre eles.
e) a jurisdição: menciona ainda que nos países que adotam o contencioso administrativo, a competência da jurisdição adm i- nistrativa deveria ser observada nas questões conflitantes que surgissem com relação ao contrato de em préstim o público, tom ando-se clara a indicação de sua qualificação jurídica co- mo de um contrato de cunho administrativo.^**
A título de conclusão, diz ele que “o empréstimo público é um contrato adm inistrativo”^^, em que o Estado-Administração assum e o com prom isso de devolver o capital emprestado mais os juros, ou a pagar som ente os juros ou um a quantidade de dinheiro durante certo tem po ao prestamista.
A corrente contralualista também tem um maior núm ero de adep- tos entre os financistas da América do Sul, c aqui apresentarem os as teses de alguns deles, que se destacaram.
lbicl.,p. 153-156.
Ibid., p. 156.
39
Iniciamos corn De Juano, que preconiza ser o empréstimo pú- blico “um contrato de direito público regido essencialmente por nor- mas constitucionais c administrativas, especialmente naqueles disposi- tivos que se referem ao credito público”.
Entretanto, clc coloca em relevo que tal regime de direito público
não poderia dar margem a alguma arbitrariedade por parte do Estado, visto que caberia a este devolver o que foi emprestado conforme as bases previstas quando da emissão do empréstimo. Atc porque, a ope- ração seria feita em nome do interesse público, e comprometendo o bom nome e a honra do Estado, dc modo que o descumprimento do avcnçado comprometeria o seu crédito para o futuro, pois o Estado nào conseguiria contratar novos empréstimos, ou estes o seriam con- tratados sobre bases mais severas, com outras garantias além das con- vencionais e cm condições mais onerosas.^’
Também Villegas ensina que “o empréstimo público c um contrato como todos os contratos que celebra o Estado, e considerando que o Estado c um dos contratantes, não se pode objetar que o emprés- timo c um contrato público”.58
Por sua vez, Xxxxxx afirma ser comum que o financiamento dos
gastos públicos se faça por meio de “um contrato dc empréstimo segundo as condições fixadas pelo Estado, na forma de oferta ao público de um contrato de adesão, com base em uma lei sancionada pelo Parlamento” .
Já Xxxxxx, ao tratar do empréstimo público, enfatiza que, “desde logo, trata-se de um contrato e não de um ato de autoridade, ainda que este contrato seja regido pelo direito público, como um contrato administrativo de índole financeira”.^®
DE XXXXX, Xxxxxx. Curso de Finanzas y Derecho Tributario. Rosario: Mo- lachino, 1964, V. 3, p. 117.
Ibid., p. 117.
Op. cit.. p. 356-357.
XXXXXX, Xxxx. Finanzas Publicas y Derecho Tributario. Buenos Aires; Cangallo. 1993, p. 886.
BIELSA, Rafael. Compendio de Derecho Público. Buenos Aires: Depalma, 0000, Xxxxxxx Xxxxxx, v, 3, p. 379 e ss.
40
Dentre os doutrinadorcs pátrios também c prevalecente a idéia de quc o empréstimo público é um contrato, ressaltando as opiniões clássicas de Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxx, bem com o a de outros com autoridade na matéria.
Para Xxxxxxx Xxxxxxxx, “em sua forma pura e original, o crédilo público se assenta em negócios jurídicos do tipo contrato, quaisquer que sejam as peculiaridades desse ato quando dele participa contraente privilegiado c poderoso, como é o Estado”.'"'
A lição de Xxxxxxx Xxxxxxx assim se manifesta;
o em préstim o público, com o gerador da d iv ida pública, é um contrato p elo qual alguém transfere a um a pessoa pública, seja e la p olítica ou m eram ente adm inistrativa, um a certa quantia de dinheiro, com a o b ri- gação d esta entregar igual quantia de dinheiro, com ou sem vantagens pecuniárias, no prazo convencionado.
Ele prossegue dizendo que, uma vez qualificado como contrato, fica evidente o necessário pressuposto da liberdade de contratar, podendo ser o prestamista ou mutuante pessoa pública ou privada, c até mesmo pessoa de direito internacional.
Em seu entendimento, como o tomador do empréstimo seria uma pessoa submetida a regime jurídico de direito público, o contrato adqui- riria feição especial, pois sua dinâmica c desempenho sofreriam as alte- rações decorrentes de exigências constantes dos princípios publicíslicos.^* Outra opinião que se faz notar é a de Xxxxx xx Xxxxxxxx, quc conceitua o empréstimo púbüco como “contrato administrativo pelo qual o Estado recebe determinado valor que se obriga a pagar, na for-
ma por ele estipulada”.^
Além disso, ele esclarece que:
o ato de autorização legislativa para contratação do em préstim o é um ; o d e concretização do em préstim o é outro. São dois atos Jurídicos autôno- m os. 0 prim eiro ingressa no m undo ju ríd ico p o r m eio de lei. ato pro-
ÍJmci Introdução..., p A 32 . ''' Empréstimos p. 05.
Ibid., p. 05 e ss.
^ Manual..., p .152.
41
dutor de efeitos juriclicos p rim ários e de alteração da o rd em non n ativ a. Indiscutivel fruto da so b eran ia do E stado, qu e não reco n h ece outro p o - der superior ao seu no âm b ito internacional e tam bém não co n h ece o u - tro po d er que lhe seja igual no âm bito interno. O seg u n d o ato é o da contratação, ou seja, o da livre m anifestação de v on tad e daq u eles que vierem a adquirir o s títu los em itidos pelo E stado ou sim plesm ente em prestar dinheiro, m ediante algum tipo d e garantia.* ’''
Assim sendo, na sua opinião, o ato de emissão dc autorização do empréstimo é que seria unilateral e fruto da soberania estatal. Jà a con- tratação do empréstimo em si, realizada após a refcrida autorização legis- lativa, constituiria um ato bilateral, decorrente da vontade do contratante.
Também para Xxxx Xxxxxx, a teoria que tem m aior fundamento é a que considera os empréstimos públicos como contratos de direito administrativo pois, na sua visão, eles assemelham-sc às demais rela- ções contratuais estabelecidas pelo Estado, uma vez que, como de- monstrado por inúmeros juristas antigos c modernos, nestes contratos, “a Administração é dotada de poder de império, e jam ais assume a posição de plena igualdade com o particular” .^*”
Já Xxxxx Xxxxxx apresenta uma opinião um pouco mais velada,
dizendo que os empréstimos públicos são em inentem ente voluntários, e que, em seu modo de ver, “ resultam de um contrato de mútuo ou de aquisição de títulos representativos da dívida, porém, estando sempre presente a espontaneidade”.^’
Ainda no que toca à corrente contratualista, vale fazer referência ao entendimento singular do mestre italiano Xxxxxxx, pois ele afirma que:
a dívida pública v em estip u lad a não p e la fo rça do exercício da au - toridade financeira do E stado em relação aos cidadãos, m as em virtude
de uma espontânea adesão dos particulares à oferta de m ú tu o passivo por parte do Estado, sendo os eƒeitos de tal contraio regulados pelo direito privado, salvo algum insuperável limite de direito público em caráter geral (grifos nossos), com o por exem plo a im p o ssib ilid ad e de
“ Ibid., p. 154.
XXXX XXXXXX. Xxxxxxx. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 8“ ed. Rio de Janeiro: Xxxxxxx, 0000, p. 196.
Op.cU-.p- 60.
42
ex p ro p riação d o s bens d o d o m in io pú b lico estatal a fim d e o b te r re- cu rso s p ara o pagam ento dos ju ro s d a divida pública/*'’
2.3 CONCLUSÃO
Como ficou demonstrado ale o presente m om ento, a discussão em tom o da natureza jurídica dos em préstim os públicos parece estar longe de alcançar um consenso doutrinário.
Isso tendo em vista que apenas as duas principais correntes foram apresentadas, e ainda assim repletas dc divergências nas argum enta- ções dos seus partidários, as quais não serão analisadas a fundo aqui por não ser esse o objetivo primordial do presente trabalho.
Entretanto, não nos furtarem os de em itir nossa opinião, já ante- cipando que a corrente contratualista, alem de contar com ura núm ero m aior de paladinos, contém argumentos que nos pareceram mais con- vincentes, do mesmo modo que a sua ramificação, no sentido de que esse contrato é um contrato de direito público, m ostrou-se m ais per- suasiva.
Inicialmente, para fins terminológicos, ressaltam os que alguns doutrinadores de Direito Administrativo fazem a distinção entre as expressões Contratos da Administração e Contratos Adm inistrativos.
Segundo eles, a expressão ^"Contratos da Administração ” deve ser em pregada em sentido amplo, englobando tanto os contratos fir- mados pela Administração Pública sob o regime de direito público quanto sob o regim e de direito privado. Por sua vez, o emprego da ex- pressão ‘'Contratos Administrativos ” deve ser reservada para a de- signação apenas daqueles “ajustes que a Adm inistração, nessa quali- dade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo um regime jurídico de direito público”.^^
BOMPANI, Viio. // Rapporto Giuridico di Debito Pubblico. Bologna: Edizioni Universitarie, 1947, p. 48-49.
Cf. XX XXXXXX, Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, op. cit. . p. 207.
43
Até porque, como leciona Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx:
em bora tipica do direito privado, a instituição do contrato é utilizada pela A dm inistração Pública na sua pureza originária (contratos privados reali- zados pela Administração) ou com as adaptações necessárias aos negócios públicos (contratos administrativos propriam ente ditos). Dai por que a teoria geral dü contrato è a m esm a tanto para os contratos privados (civis e com erciais) com o para os contraías públicos, de c|ue são espécies os contratos administrativos e os oconios internacionais.
Prossegue sua lição, dizendo que o verdadeiro critério dc dife- renci^ção dos contratos administrativos, dos demais contratos dc dírei- privado celebrados pela Administração, seria a participação da
^ôiTiinistração na relação juridica com supremacia de poder para fixar 25 condições iniciais do ajuste. Isto é, a tipificação do contrato admi- j^jstrativo decorreria do privilégio administrativo na relação contratual. faculta à Administração impor cláusulas exorbitantes e derroga-
tória-^ do direito privado, com a sua atuação sob a égide do direito público, ou SQ]Z., publicae iitiliíatis caiisa.^^
Ainda que admitamos essa supremacia do Estado-Administração pjYi relação aos demais contratantes, a sua competência para a fixação condições da contratação não deverá ser confundida com a
çj<;pressão de um ato administrativo unilateral.
Isso porque, os atos administrativos unilaterais, decorrentes do poder de império estatal, caracterizam-se pela existência de uma única úeclaração de vontade por parte do Estado-Administração, e pela sua
■^ƒjiposição aos particulares, que deverão arcar com o ônus obrigacional riela advindo, independentemente de sua concordância e até mesmo oontr^ a sua vontade.
Já no caso de um contrato administrativo, como acreditamos ser
o contrato de empréstimo público, o fato de o Estado-Administração fixar unilateralmente as condições da contratação não lhe retira o caráter contratual, uma vez que o prestamista apenas se submeterá a tais condições se aceitá-las, ou seja, se concordar espontaneamente sias. Portanto, nao existe uma imposição decorrente do poder dc
™0p- c i t .. p- 194. 21 Ibid.. p. 196.
44
império cslatal, como no caso dos atos adm inistrativos unilaterais, mas sim um acordo dc vontades.
No dizer dc Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxx Xx Xxxxxx, o contrato adm inis-
trativo, ainda que as cláusulas regulamentares ou de serviço sejam fixadas unilateralmente, só vai ser aperfeiçoado se a outra parle con- sentir, uma vez que o contratado nào é titular dc mera faculdade ou- torgada pela Administração, mas assume direitos c obrigações junto ao poder público contratante. Falta às cláusulas fixadas unilateral- mente pela Administração a imperatividade, que caracteriza os atos administrativos unilaterais, pois aquelas nào têm, com o estes últimos, a capacidade de impor obrigações ao particular, seni a sua m anifes- tação de concordância.
Diz ainda que o fato dc a Administração estabelecer unilate- ralmente as condições do ajuste não lhe retiraria a natureza contratual, pois enquanto não se produzisse o acordo dc vontades, nenhum efeito resultaria do ato unilateral da Administração.’^
Conclui argumentando que no contrato administrativo existiria uma oferta feita a toda coletividade e, caso surgissem interessados que a aceitassem, teríamos então a celebração do ajuste, formando-se um a vontade contratual unitária. De modo que o contrato administrativo poderia ser enquadrado no conceito geral dc contrato como um acordo de vontades gerador de direitos e obrigações recíprocos.’^
Além disso, como frisou Xxxxxxxx Xxxxxxx, deve-se atentar para a tripartição funcional dos poderes estatais, pois as leis que, eventual- mente, modifiquem o contrato de empréstimo público interno, serão criadas pelo Estado-iegislador, expressão de seu Poder Legislativo, enquanto o contrato em si é firmado pela Estado-Administração, que é a expressão de seu Poder Executivo, de modo que não se pode dizer que é o próprio devedor (o Estado-Administração tom ador do em prés- timo) que modifica os efeitos do contrato por meio da lei.’ *
Observada essa divisão funcional, também resulta nos contratos de empréstimo público, como bem demonstrou Xxxxx xx Xxxxxxxx, a
Op. cit., p. 210.
Ibid., p. 211.
Op, cit., p. 551.
45
existência dc dois atos jurídicos autônomos: o prim eiro é o ato da autorização legislativa dada pelo Poder Legislativo (Estado-Iegislador) ao Poder Executivo (Estado-Administração) para a contratação do em- préstimo; e o segundo é o ato da contratação propriamente dita, ou se- ja, da concretização do empréstimo, em que o Poder Executivo (Es- tado-Administraçâo) tem sua oferta dc contrato aceita pelo presta- mista.
Dc modo que apenas o primeiro ato é unilateral c decorrente da
soberania do Estado, pois o Estado-legislador decide se a contratação será ou não autorizada. Já o segundo ato, ■posterior à autorização legislativa concedida, é bilateral e fruto de um acordo das vontades do Estado-Administração (tomador do empréstimo) e do prestam ista.’^
Como disse Xxxxxxxx, em sua lição apresentada neste trabalho, a Iei do empréstimo público é apenas a condição de exercício do poder de tomar emprestado, tendo em vista que o empréstimo nào poderá se concretizar sem a intervenção do Poder Legislativo. Entretanto, o ato de tomar emprestado propriamente dito pertence ao Governo, como resultado de sua oferta de contrato feita pelo agente público compe- tente, e aceita pelos prestamistas, consubstanciando assim o acordo de vontades que lhe imprime o caráter contratual.’^
No mais, a adesão dos prestamistas às clausulas fixadas unilate- ralmente pelo Estado-Administração também não exclui o caráter contratual, porque mesmo nos contratos entre particulares a idéia de livre discussão das cláusulas que o constituirão é, com o asseverou Duverger, muito mais teórica do que prática, pois, na verdade, as par- tes quase sempre apresentam alguma desigualdade de fato, de modo que uma delas acaba impondo condições de contratação.”
Quanto ao regime jurídico dos contratos de em préstim o público, consideramos que tais contratos sejam de direito público, nao só pela presença do Estado-Administração no pólo passivo da relação obriga- cional, mas também pela existência, nessa espécie de contrato, de cláusulas especiais que privilegiam o ente público em nom e do atendi-
Manual..., p. 154.
Précis...,p. 391.
’’ Op. cit., p. 136.
46
mento do interesse público, visto que a razão mesma da contratação do empréstimo é a consecução de uma finalidade pública, que deverá prevalecer ante qualquer interesse privado.
Assim sendo, legitimado estará o contrato dc em préstim o público somente quando o ente público tom ador do m ontante junto aos prestamistas agir como verdadeiro mandatário da sociedade, buscando mediante este contrato uma finalidade socialm ente relevante, isto c, o bem da coletividade.
Tanto é assim que, em vista desse objetivo de com prom isso so- cial, a presença em sua substância das cham adas cláusulas exorbi- tantes ou de prerrogativa, a favor do ente público e como expressão de seu poder dc império, serão plenam ente justificáveis e até mesmo de- sejáveis.
A lição dc Xxxxx xx Xxxxxxxx é bastante enfática, no sentido de que é indubitável ser o empréstimo público um contrato de direito pú- blico, pelas seguintes razões que ele elencou;
a) para a contratação do empréstimo público deve haver prévia dotação orçamentária;
b) há a exigência de disposição legal específica;
c) deve existir também obrigatoriamente a autorização e controle do Poder Legislativo;
d) é necessária a finalidade pública;
e) se previsto em lei, há possibilidade de alteração unilateral de determinadas cláusulas;
0 há sujeição a prestação de contas;
g) apresenta-se inviável a execução forçada nos m oldes do direi- to privado;
h) poderá haver a rescisão unilateral do contrato, tam bém cham a- do de resgate antecipado.’^
A presença de uma pessoa de direito público, como tom adora do empréstimo, submetida pois a um regime jurídico especial, dito públi- co, imprime a esse contralo um aspecto peculiar, uma vez que a supre- macia do interesse público sobre o interesse particular, bem como a
Mamicil..., p, 157.
47
indisponibilidade do interesse público, deverão ser respeitados, como princípios informadores que são do regime jurídico administrativo, tendo em vista que tal regime é o que resulta da caracterização nor- m ativa de determinados interesses atinentes à sociedade como um lo- do e não aos particulares.’’^
Como assevera Xxxx Xxxx, “ traço característico da Administra- ção Pública, como forma dc atividade, é estar vinculada, não a uma vontade ou a uma personalidade, porém a um fim impessoal [...] vin- culada como se acha ao fim social”.^®
A título conclusivo, consideramos o empréstimo público um contrata de direito público (contrato administrativo cm sentido estri- to), pois é um contrato ofertado pelo ente público tomador, com base em seu crédito, tendo em vista uma finalidade pública, unilateralmente fixando as condições de restituição futura do capital, e que é aceito pelo prestamista, pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que dispõe do capital solicitado pelo primeiro.
Cf. XXXXXXXX XX XXXXX, Xxxxx Xxxxxxx, Natureza e Regime Jurídico das Autarquias.SãoVzú\o\ RT, 1968,p. 292.
XXXXX XXXX, Ruy. Princípios de Direito Administrativo Brasileiro. 2“ ed. Porto Alegre: Do Globo, 1939, p. 52-53.
48
3
CLASSIFICAÇÕES DA DÍVIDA PÚBLICA
A dívida pública, assim entendida como sendo “a divida do Es- tado ou dos entes públicos descentralizados ou territoriais”*', é a conseqüência natural do contrato de crédito público firmado, uma vez que da operação de crédito efetuada pela pessoa jurídica de direito público é que surgem as suas obrigações para com os prestamistas.
O que fica evidente no conceito de Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx, quando afirma que “ a dívida pública compreende o conjunto de obrigações de natureza financeira assumidas pelo poder público. Contrai-se a dívida pública m ediante a celebração de operações de crédito”.**
D eve-se ter presente tam bém a enunciação de Jèze, pois, em seu modo de ver, a dívida pública, seguindo a terminologia financeira, seria a designação conferida ao “ montante global de obrigações pecu- niárias contraídas pelo Estado a título de empréstimo, qualquer que seja a sua modalidade” .**
Como bem salienta Xxxxxxx Xxxxxxxx, nem todo o passivo do Estado poderá ser incluído no conceito de dívida pública, pois a Fazenda poderá ter outras dívidas totalmente alheias à contratação dos
Cf. Xxxx Xxxxxx. op- cit., p. 885.
CONTT. Xxxx Xxxxxxxx, Direito Financeiro na Constituição cie 1988. São Paulo; Xxxxxxxx Xxxxxx, 1998. p. 70.
Cours de Science..., p. 2)5.
49
empréstimos públicos e, portanto, obedecendo a regim es jurídicos diferentes. Esses outros compromissos fazendários, estranhos ao cre- dito público, são por cie denominados “dividas adm inistrativas” .^*
Assim também é a lição dc Trotabas, que diz ser a dívida pública a resultante dos diversos empréstimos emitidos pelo Estado, seja por fms monetários, de tesouraria ou por fins orçamentários. Entretanto, ressaltando que eles não representam a totalidade dos com prom issos financeiros ou obrigações do Estado.
Citando como exemplos desses numerosos compromissos assumidos pelo Estado, mas alheios aos empréstimos públicos: os contratos celebra- dos sob o regime jurídico de direito privado; os compromissos adminis- trativos, como a expropriação de utilidade pública; os serviços prestados pelos funcionários e empregados do Estado, que sc traduzem no pagamen- to de seus salários e pensões; as responsabilidades do poder público etc.
Frisando que esses outros compromissos financeiros e obrigações do Estado seriam estranhos à teoria geral do crédito público, ou seja, à dívida pública propriamente dita.*^
Trotabas ainda diferencia as dívidas públicas propriamente ditas das outras dívidas do Estado, dizendo que os dois grupos se aproxi- mam do ponto de vista de um a obrigação do Estado, um a vez que, qualquer que seja a fonte da obrigação assumida, o Estado estará sem- pre obrigado ao seu adimplemento, ainda que seguindo procedimentos diferentes. Entretanto, na sua opinião, existe uma diferença essencial do ponto de vista financeiro: enquanto as outras dívidas do Estado aparecem nas contas públicas como despesas, a dívida pública pro- priamente dita (decorrente do recurso ao crédito público), ao contrário, é destinada a realizar imediatamente uma receita, pois surgirá como despesa somente mais tarde, como fruto do pagamento futuro do seu sem ço, ou da sua futura amortização ou reembolso.
É oportuno dizer que nas referências feitas aos empréstimos públi- cos ao longo deste trabalho é preciso ter sempre em mente o seu caráter voluntário, respeitando a sua natureza jurídica, que em nosso entendi- mento é contratual, como ficou demonstrado no capítulo anterior.
Uma Introdução..., p. 476.
Précis p- 358-359.
Ibid.. p. 359.
50
Dito isso a tìm de repudiar a idéia dc “cniprcstim o forçado” ou “em préstim o com pulsório” quc, a nosso juizo, apresenta em si urna verdadeira contradição terminológica, não devendo subsistir, uma vez que é impossível conceber um acordo dc vontades que tenha em seu âmago uma imposição.
Assim a lição de Xxxxxxx .xxxxx Xxxxx, quc considera o em prés- timo com pulsório um tributo, no que é seguido pelos tributaristas de maior autoridade no País, pois o vínculo firmado entre xxx xxxx e prestamista está baseado na livre manifestação dc vontade das partes. Daí resultar m anifesta a contradicíio in terminis, um a vez que se tratando dc em préstim o não poderá ser com pulsório, do mesmo modo que, se for com pulsório, nào poderá ser em préstim o. Em seu dizer, “podc-se afirm ar quc a natureza dos em préstim os com pulsórios coin- cide e confunde-se com a dos tributos. Num e noutro caso há uma prestação pecuniária instituída por lei, com caráter com pulsório, e cuja satisfação independe de atividade discricionária do poder público” .*’
Como leciona Xxxxxxx Xxxxxxx, o empréstimo público como contrato quc é, deve ser lÍ\Tcmentc contraído pelas partes, e tal figura contratual “obedece aos princípios gerais do direito informadores de qualquer contra- to. O vínculo jurídico nasce da livre manifestação da vontade das partes”.**
Por sua vez, Xxxx assevera que “ o em préstim o forçado nào é um empréstimo propriamente dito, pois o em préstim o é essencialmente um contrato, ou seja, o fruto de um livre acordo de vontades. A partir do momento em que este elemento essencial desapareça, não há mais contrato, não há m ais empréstimo” .*''
O m estre italiano Xxxxx é ainda mais enfático, afirmando que “ o empréstimo público é um contrato cujas condições são livremente oferecidas e aceitas, de modo que o em préstim o forçado seria uma requisição dc dinheiro, uma forma ao mesmo tempo ardilosa e simples de o Estado se ver livre de seus credores” .’ *
” XXXXX, Xxxxxxx Xxxxx. Natureza Jurídica dos Empréstimos Compulsórios. In:
Revista de Direito Administrativo, n° 70, out./dez. 1962, p. Û9.
** Empréstimos..., p. 72.
Cours de Science..., p. 468.
XXXXX, Xxxxxxxxx. Principes de Science des Finances, trad. Xxxxxx Xxxxxx. Paris: Xxxxxx Xxxxx, 1928. v. 2. p. 333.
51
Assim também é a lição secular de Xxxxx Xxxxxx, quando clc critica a existência dos empréstimos forçados, falando dc s c l i crescente aban- dono, “por contrariarem à própria natureza do crédito, que pressupõe completa espontaneidade e confiança recíproca entre os conlraumios”.'''
Por fim, a opinião de Xxxxx xx Xxxxxxxx, no sentido de que os em- préstimos compulsórios “não se confundem com os empréstimos públi- cos, tendo estes a natureza contratual e, aqueles, a natureza tributária” .'”
Serão aqui desconsideradas as classificações do crédito público, e via de conseqüência da dívida pública, que levem cm conta a com- pulsoriedade de certos empréstimos públicos, ainda que se faça a dis- tinção doutrinária de crédito público próprio (caráter voluntário) c de crédito público impróprio (caráter compulsório), visto que, como an- tes mencionado, nos parece impossível conciliar a idéia de imposição com a de acordo de vontades.
Também refutamos as classificações dos empréstimos públicos centradas cm seu caráter temporário ou perpétuo, que, por sua vez, dariam origem às dívidas públicas, respectivamente, de existência temporária ou perpétua.
Entendido esse critério da perpetuidade como sendo o da impos- sibilidade ou nâo-obrigatoriedade de restituição ou reembolso do capital por parte da pessoa jurídica de direito público tomadora do empréstimo, uma vez que ela ficaria obrigada indefinidamente ao pagamento do serviço da dívida.
Discordamos dessa perpetuidade dos empréstimos, sejam os em- préstimos públicos remíveis ou irremiveis, como os distinguiu opo- rtunamente Xxxxx Xxxxxx, ao dizer que “nos primeiros o Estado tem a faculdade de efetuar o reembolso quando quiser, de modo que se apresentam perpétuos justam ente por nào haver a obrigatoriedade de o Poder Público resgatá-los; e já nos segundos o Estado não possui esta faculdade, uma vez que o reembolso é impossíveí” .'^^
Isso porque parece manifesto que o empréstimo traga implícito cm seu bojo o seu caráter transitório, pois a oferta dc contrato feita
XXXXX XXXXXXX, Xxxxxxxx. Scienza delle Finanze. 2* ed. Firenze: G. Barbera,
1890, p. 230-231,
Maniial..., p. 159.
Op. cit., p. 61.
52
pela pessoa jurídica dc dircito público aos prestamistas, como antes mencionado, bascia-sc na fixaçào unilateral das condições dc resti- tiíição ƒutura do capital emprestado.
No dizer dc Xxxx Xxxxxx, “ o credito público, como sinônimo da credibilidade c da confiança, somente existirá se for respeitado o prin- cípio da seriedade ou irrelraiabilidade da promessa de restituição do empréstimo”^'*, que, cm sua opinião, seria um subprincípio da própria legalidade a que devem sc submeter tais empréstimos públicos.
Como afirma Xxxxxxxx Xxxxxxx, a dívida pública compreende as operações de crédito pela qual o Estado ou outro ente público rccebc um montante a que se obriga a devolver, isto é, a dívida pública ori- gina-se geralmente de um empréstimo, cuja existência “ depende da entrega deste montante e do compromisso dc sua restituição”.^^
Nesse sentido é o ensinamento do mestre português Xxxxxxxx Xxxxxxx, que explicitamente diz não serem os empréstimos perpétuos verdadeiros empréstimos, tanto cm relação aos empréstimos irremí- veis quanto aos empréstimos remíveis, pois os empréstimos irrcmíveis nem sequer podem scr pagos pelo Estado, e já os empréstimos remí- veis, em bora possam ser pagos, o Estado não tem a obrigatoriedade de efetuar o pagamento.
Conclui dizendo que em ambos os casos, estaríamos diante de
espécies de rendas perpétuas, de juros a que o Estado se obriga a saldar sem limitações temporais.*’*’
Feitas essas considerações restritivas, e partindo da idéia de empréstimo público como o gerador da dívida pública, mediante a assunção de compromissos temporários de índole financeira da parte de pessoas jurídicas de direito público, e por meio da efetivação vo- luntária de uma operação de crédito, ainda assim a doutrina financeira é rica em classificações da dívida pública, utilizando-se dos critérios mais variados para tal.
Até mesmo porque, como oportunamente frisou Xxxxxxx Xxxxxxx,
“todas as formas que a fértil inventiva humana pode engendrar sào
Op. cit.. p. 195.
Op. cit., p. 548.
Op. cit.. p. 189.
53
acessíveis ao poder púbüco cm inatcria de empréstimos públicos, uma vez que a sua essência, que c o empréstimo, pode scr revestida dc toda c qualquer forma jurídica lícita” ”
Entretanto, na seqüência, cuidaremos apenas dc algumas das usuais classificações da dívida pública corriqueiramente apresentadas na doutri- na, tanto por financistas clássicos quanto por financistas contemporâneos.
Classificações essas que. cm nosso entendimento, merecem espe- cial atenção justam ente por constarem do texto constitucional vigente, ainda que de forma tácita.
3.1 DIVIDA PDBLICA FEDERAL, ESTADUAL E M UNICIPAL
Tal classificação parte da esfera governamental a que pertence a pessoa jurídica dc direito público tomadora do empréstimo junto aos prestamistas, uma vez que a dívida pública será ƒederal, estadual ou municipal, conforme tenha sido contraída mediante uma operação de crédito realizada, respectivamente, pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios.
Assim sugere o artigo 52, incisos VI e VII, da Constituição Federal, que relaciona dentre as competências privativas do Senado Federal a de fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como a de dispor sobre os limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno dos referidos entes federativos.
Ressalte-se que essa classificação traz à baila a importante questão da competência legislativa, uma vez que, embora os em prés- timos públicos a serem contratados por todos os entes federativos de- vam ter seus limites e condições fixados pelo Senado Federal, apenas os seus respectivos Poderes Legislativos, dentro de suas respectivas esferas, poderão autorizar mediante lei a contratação dos empréstimos.
Como ensina Trotabas, a emissão de um empréstimo público traz consigo um problema de competência, que é resolvido pela regra fun-
Empréstimos..., p, 74.
54
xxx ental dc quc “ lodo poder dc decisão pertence ao Poder L egisla- tivo, pois o Governo possui apenas os poderes de cxccução”.’*
Ate mesmo em razão do princípio federativo e da autonom ia fi-
nanceira dos entes” , tendo em vista que não se pode falar em hierar- quia de Poderes Legislativos dentro de um a Federação.
Essa c a lição dc Xxxxxxx Xxxxxxx, quando diz quc:
n o sso sistem a co n stitu cio n al é com plexo, ríg id o e q u ase e x a u stiv o , ju s ta m e n te p o r g aran tir a au to n o m ia financeira d as p e sso a s p ú b lic a s , im pedindo atritos recíprocos e co n co rrên cia so b re as m esm as m a tc ria s . D e m o d o que a n atu reza po lítica d essas p esso as as nivela, j á q u c to d as elas ex traem os seu s p o d eres da m esm a fo n te qu e é a C o n stitu ição , e daí a in ex istên cia de h ierarq u ia entre elas.
Assim sendo, diante da igualdade dos Poderes Legislativos em um a Federação, a contratação dos em préstim os públicos será possibi- litada pela autorização legislativa concedida pelo Poder Legislativo com petente, ou seja, o Poder Legislativo da respectiva esfera governa- m ental tom adora do empréstimo.
3.2 DÍVID A PÚBLICA EXTERNA E INTERNA
Nosso texto constitucional vigente tam bém faz referência a essa classificação, de forma indireta, no artigo 52, inciso VII, quando fala da disposição pelo Senado Federal de limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno das entidades federativas. Assim como o faz expressamente em seu artigo 163, inciso II, ao estabelecer ser da com petência de lei com plem entar dispor sobre a dívida pública externa e interna.
précis p. 360.
Como diz Xxxx Xxxxxxx Xxxxx: “A Constituição Federal é o texto m atriz do princípio da autonomia e, ao mesmo tempo, a fonte dc suas limitações” nA A u- tonomia cio Estaáo-membro no Direito Constitucional Brasileiro. Belo Horizonte; Santa M aria, 1964, p. 331).
ATALIBA. Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: XX,
0000, p. lOO e ss.
55
Entretanto, não existe nas doutrinas pátria c estrangeira uma con- vergência quanto ao conceito dc divida pública cxícma e interna, uma vez que há uma infinidade dc critérios adotados pelos financistas para determinar a sua diferenciação e, muitas vezes, tais critérios são ado- tados de forma conjunta.
Dentre eles, destacamos; o mercado ou local da celebração do
contrato; o local de pagamento ou dc execução do contrato; a nacio- nalidade da moeda adotada; a nacionalidade dos contratantes; o orde- namento jurídico aplicável ao contrato, clc.
Na opinião de Xxxxxxxx Xxxxxxx, do ponto de vista jurídico, o critério niais adequado para o enquadramento da dívida pública como dívida externa ou dívida interna seria o do local onde o contrato de empréstimo público se realiza, assim como o do local onde o referido contrato deverá ser executado, uma vez que a observ'ància desses critérios remeteria à lei diretamente aplicável ao contrato, dc forma qiic, sendo aplicável a lei do país emissor do empréstimo tcriamos uma dívida pública interna e, uma vez aplicável a lei dc um outro país ou mesmo o Dircito Internacional, teríamos uma dívida pública extcma."”
Para Régis dc Oliveira, o critério de diferenciação ccntra-se no local de pagamento do crédito, sendo a divida pública interna a emitida e resgatada no mercado do país, independentemente da nacionalidade dos prestamistas. Já a dívida pública externa caracteriza-se pela transferência de divisas ao exterior, ou seja, o local de pagamento do empréstimo será externo à praça do país emissor, independentemente da moeda de pagamento ser nacional ou estrangeira. '*’■
Por sua vez, Oría elenca três critérios simultâneos que, a seu juízo, garantiriam a distinção almejada, pois a ocorrência conjunta deles carac- terizaria a existência de uma dívida pública intema, e a não-ocorrência caracterizaria a existência de uma dívida pública externa.
Tais critérios identificadores de uma dívida pública interna seriam os seguintes; o lugar ou mercado de emissão dos títulos representativos do empréstimo deverá ser o do território do país emissor; a moeda ou divisa em que se encontra expresso o valor dos títulos emitidos deverá ser
Op. cit., p. 555.
Manual..., p. 166-167.
56
a correspondente a do mesmo pais emissor; c o local indicado no contrato para o pagamento dos serxnços da divida, assim como a sua forma de extinção, deverá scr também o do território do país emissor.'®^
Já para Xxxxxxxx Xxxxxxx, a dívida pública interna é aquela contraída dentro do próprio país, uma vez que o Estado sc dirigiu aos prestamistas nacionais, enquanto a dívida pública cxtcma é aquela contraída no estran- geiro, uma vez que o Estado sc dirigiu aos prestamistas estrangeiros.
Dc modo que a totalidade ou quase totalidade dos empréstimos
públicos serão subscritos ou por nacionais ou por estrangeiros conforme a oferta dc contrato de empréstimo tenha sido feita peio Estado prio- ritariamente aos primeiros ou aos segundos. Ressaltando ainda que essa distinção não leva em conta a nacionalidade da moeda, nem a residência dos prestamistas c nem a existência de um movimento internacional de capitais, pois, segundo scu entendimento, em todos esses casos a divida
poderia ser interna ou externa dependendo dc quem manifeste interesse
, . |(j4
cm subscrever o emprcstimo.
Apresentamos também a opinião de Xxxxxxx Xxxxxxx, que faz a diferenciação a partir do crédito público, dizendo que o crédito públi- co externo abrange o crédito estrangeiro e o crédito internacional, am - bos regidos pelo direito internacional público. Sendo o crédito estran- geiro aquele que é obtido junto ao Governo de um outro pais ou a uma instituição financeira sediada em outro país; e o crédito internacional é aquele obtido junto a instituições plurinacionais, multinacionais ou internacionais desvinculadas de qualquer país.
Já o crédito público interno, em sua visão, é aquele realizado no mercado interno ou praça financeira do país, ou seja, dentro do terri- tório do próprio Estado emissor.'®^
No entendimento de Trotabas a dívida pública interna é a dívida emitida no mercado nacional, seja ela subscrita por nacionais ou estra- ngeiros, mas obedecendo exclusivamente à legislação nacional do E s- tado emissor. Por sua vez, a dívida pública externa propriamente dita seria aquela decorrente de empréstimos em itidos’no mercado estran-
Op, cit., p. 120 e ss. Op. cit., p- 187-188.
Empréstimos p. 75.
57
gciro c juridicamente submetida ao direito internacional, c não mais ao direito nacional do Estado cmissor.'^'^’
A nosso juízo, o critério de diferenciação que se apresenta mais seguro c o do local do pagamento do montante emprestado, sendo interna a divida pública paga dentro da praça financeira do pais toma- dor, uma vez que nào há uma transferência dc divisas ao exterior, c cxtema a dívida pública paga fora da praça financeira do pais toma- dor, isto é, com transferência de divisas para o exterior.
3.3 DÍVIDA PUBLICA FLUTUANTE E CONSOLIDADA OU FUNDADA
Essa classificação apresenta-se também dc forma tácita em nosso texto constitucional vigente, pois o artigo 52, inciso VI, ao tratar ainda das competências privativas do Senado Federal, estabelece quc a ele cabe a fixação, por proposta do Presidente da República, dos limites globais para o montante da dívida consolidada da Uníão, dos Estados, do Distrito Federai c dos Municípios.
Quanto à dívida ƒlutuante, o texto constitucional é ainda mais sutil, pois a referência é feita nas entrelinhas, quando o seu artigo 165,
§ 8®, estabelece as exceções ao princípio orçamentário da exclusivi- dade, isto é, o princípio de que a lei orçam entária anual apenas conterá dispositivos destinados à previsão da receita e à fixação da despesa, exceto quando houver dispositivo autorizando a abertura de créditos suplementares ou a contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.
Entendemos ser tal menção constitucional dirigida indiretamente à divida flutuante, uma vez que as operações de crédito por anteci- pação de receita orçamentária destinam-se prioritariamente à cobertura de insuficiências momentâneas de caixa, portanto, visam basicamente sincronizar as receitas previstas e as despesas fixadas em um dado momento.
'^Précis..., p. 364-365.
58
Conforme o ensinam enlo de Xxxxx ar Baleeiro, “ a dívida fluluan- tc c a contraída para suprir em baraços de tesouraria, assim entendidos, a cobertura dc déficit c o ingresso de receitas som ente após a neces- sidade dc realização das despesas, que neste último caso dão origem ao chamado crédito por antecipação dc receitas”.
Com o já dizia Xxxxx Xxxx, “ a dívida flutuante c para o T esouro a principal fonte provedora de recursos temporários m ediante a anteci- pação dc receitas, servindo até mesmo como fator indicador da sua verdadeira situação financeira” '®'^, um a vez que, em scu modo dc ver, o recurso exagerado a csle expediente representaria a existência de um período crítico das contas públicas.
A Lei Federal n® 4.320 de 1964, ainda em vigor, conceitua em seus
artigos 92 e 98, respectivamente, as dívidas flutuante e íundada ou conso- lidada. Dizendo ser a dívida flutuante aquela contraída em regra com um prazo inferior a doze meses e que compreende os restos a pagar, os ser- viços da dívida, os depósitos e os débitos de tesouraria. Já a dívida fun- dada é a que compreende os compromissos exigíveis após o decurso dc doze meses, que foram assumidos a fim de atender a um desequilíbrio orçamentário ou financeiro decorrente de obra ou de serviço público.
Também a própria Lei de Responsabilidade Fiscal conceitua a dívida pública consolidada ou fundada como “ montante total, apurado sem duplicidade, das obrigações financeiras do ente da Federação, assu- midas em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados e da realização dc operações de crédito, para amortização em prazo superior a 12 (doze) meses” (inciso I, do artigo 29). Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal conceitua a divida flutuante, quando faz referência às operações de crédito por antecipação de receitas orçamentárias, como sendo aquelas operações realizadas e liquidadas, com juros e outros encargos, do dia dez de janeiro até o dia dez de dezembro de cada exercício financeiro, sendo destinadas ao atendimento das insuficiências de caixa ocorridas neste lapso temporal (caput e incisos l e II, do artigo 38).
Em nosso entendimento, a utilização dessa operação de anteci- pação de receita orçam entária remete à idéia de dívida flutuante, como
Uma Inlrodução p. 484.
XXXXX XXXX, Xxxxxxxxx Xxxx de. Divida do Brasil. São Paulo: Olegário Ribeiro & C., 1917. p. 100.
59
veremos a seguir, ao apresentar o conceito corrente na doutrina das dividas flutuante c consolidada.
Para Xxxxx dc Xxxxxxxx, divida flutuante seria aquela adquirida
para suprir deficiência de caixa e ser resgatada a curto prazo; e dívida consolidada ou fundada aquela destinada a investimento c quc tem prazo longo de resgate.'”
Também Bompani conceitua dívida flutuante como a dívida
reembolsável em um curto prazo, que não exceda ao exercício finan- ceiro, objetivando prover momentâneas necessidades de caixa; e dívida consolidada como aquela que compreenílc todos os emprésti- mos públicos que estejam sistematizados dc forma fixa no quadro das finanças públicas, de forma quc seus serviços aprescntem-se entre as despesas ordinárias do orçamento."*'
Por sua vez. Xxxxx Xxxxxx afirma que a dívida consolidada ou fundada é aquela resultante dc em préstim os públicos de médio e longo prazo; enquanto a dívida flutuante é a resultante de em prés- timos de curto prazo, salientando quc esta última é um recurso em- pregado pelo Poder Público, por meio dc operações dc crédito que prom ovem a antecipação dc receitas, a fim de adequar a cronologia da arrecadação àquela do desembolso, de modo que não ocorra a sua insolvência."'
Já para Trotabas, a dívida consolidada (por ele chamada de dívi- da inscrita) compreende os empréstimos públicos que são emitidos pa- ra atender fins financeiros e por um longo prazo; e a dívida flutuante é a em itida visando a cobertura de necessidades de tesouraria, como um simples procedimento de execução orçamentária, responsável pelo estabelecimento de um sincronismo das despesas e receitas em um mesmo exercício financeiro."^
O ensinamento de Xxxxxxxx Xxxxxxx é no sentido de que a distin- ção entre dívida flutuante e dívida consolidada verifica-se conside- rando dois critérios: a finalidade e a duração. Quanto ao fim, a dívida flutuante é a que se destina à satisfação de necessidades momentâneas
Manual..., p. 167. '" 'O p . cit., p. 15-16.
Op. cit.. p. 65-66.
Précis p. 365-366.
60
do Tesouro, ao passo qtic a dívida consolidada sc destina à satisfação de suas necessidades permanentes. Quanto à duração, a prim eira é dc curto prazo, c a última é de longo prazo ."“
Tam bém trazemos a lição de Xxxxxxx Xxxxxxx, que ao analisar tais classificações à luz do dircito positivo brasileiro, conclui que o critério de diferenciação cntrc as dívidas consolidada e flutuante seria o dos objetivos visados pelo Poder Público quando da contra- tação do empréstimo.
Dc modo que, a seu juízo, a dívida consolidada ou fundada seria aquela destinada a um investimento de capitai, um acréscim o do patrim ônio público ou uma inversão duradoura dc cunho finan- ceiro ou patrim onial, que resultasse em um saldo positivo para o Estado. Já a divida flutuante seria aquela levantada a curto prazo, visando a sua aplicação em serviços transitórios ou eventuais, ou a fim dc socorrer necessidades passageiras, ou ainda para o pagam ento de despesas correntes."'*
Convém ainda lembrar, quanto às operações de crédito por ante- cipação de receitas ou dividas flutuantes, que o atual texto consti- tucional vigente nào traz mais de forma expressa limitações temporais ou limitações quanto ao seu montante relativo ao volume de receitas disponíveis para o cxcrcicio financeiro.
Diferentemente da Constituição de 1967, com redação dada pela Emenda Constitucional n® I, de 1969, pois, cm seu artigo 67, além de haver uma limitação temporal, uma vez que a sua liquidação deveria se efetivar até o dia 30 de janeiro do exercício financeiro seguinte, tais operações de antecipação de receitas estavam restritas à quarta parte da receita disponível estimada para aquele exercício financeiro.
Se a ausência de dispositivo expresso, restringindo essas operações no texto da Constituição vigente, impede a limitação de seu montante com relação às receitas consideradas dísporúveis para o respectivo exer- cício financeiro, o mesmo não ocorre quanto à ausência dc sua limitação temporal, pois seu caráter transitório deverá ser observado.
‘'^XXXXXXXX XXXXXXX. Lições de Finanças. Compilação de Xxxx Xxxxxxx Xxxxx.
Coimbra: Coimbra Ed., sem data, p. 305.
Empréslimos. .. p. 98-99.
61
Assim é a lição de Xxxxx dc Xxxxxxxx, no sentido de que não exis- te mais limitação das operações de crédito por antecipação de receitas quanto ao montante relativo à rcccita disponível para o exercício financeiro, tendo em vista que as deficiências de caixa momentâneas deverão ser supridas para o bem do crédito público, dc modo quc, no atual regime constitucional, os agentes públicos passaram a dispor de uma maior liberdade para a sua utilização, pelo m enos no aspecto quantitativo.
Por outro lado, em seu entendimento, tambcm em nome do pres- tígio do crédito público, a limitação temporal para a liquidação de tais operações nao pode ser desconsiderada, ainda que a Constituição atual silencie a respeito. Isso porque, a ausência dc um limite até mesmo descaracterizaria a operação, que é transitória.
A sua liquidação deverá ser feita assim que houver o ingresso nos cofres públicos da receita cuja antecipação sc efetuou. Assim sen- do, sempre será observado o exercício financeiro em que o em présti- mo se concretizou.'"
Manual..., p. 168.
62