The Hostility of Expropriation in the Unilateral Termination of the Administrative Contract in the Public Service
A Hostilidade da Encampação na Extinção Unilateral do Contrato Administrativo no Serviço Público
The Hostility of Expropriation in the Unilateral Termination of the Administrative Contract in the Public Service
Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxxxx xx Xxxxxx Xxxxx0
RESUMO
Em decorrência do fator surpresa, a encampação é frequentemente apontada pela doutrina administrativista como a mais agressiva das modalidades extra- ordinárias de extinção unilateral do contrato administrativo de prestação de serviço público. O encerramento abrupto da avença não acarreta prejuízos so- mente ao concessionário, mas também causa transtornos ao poder concedente, criando um ambiente de incerteza e instabilidade quanto à parceria instaurada. Através de uma interpretação contemporânea, principalmente sob as lentes do moderno princípio da continuidade do serviço público, esse instituto extrema- mente hostil assume um papel secundário, sendo aplicável somente em último caso, preservando, assim, uma cultura estável de desenvolvimento econômico social.
Palavras-Chave: Encampação. Extinção unilateral. Contrato administrativo. Ser- viço público. Lei nº 8.987/95.
ABSTRACT
As a result of the surprise factor, the expropriation is often singled out by the administrative doctrine as the most aggressive of the extraordinary forms of
1 Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ/CE). Mestrando em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). MBA em Gestão Pública pela Universidade de Fortaleza (UNI- FOR). Especialista em Direito e Processo Constitucionais, em Direito e Processo Administrativos e em Direito Processual Penal pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Mem- bro e Sócio Fundador do Instituto Cearense de Direito Administrativo (ICDA). E-mail: xxxxx.xxxxxxxx@xxxx.xxx.xx
unilateral termination of the administrative contract for the provision of public service. The abrupt termination of the agreement is detrimental not only to the concession holder, but also cause inconvenience to the granting authority, crea- ting an atmosphere of uncertainty and instability regarding the established part- nership. Through a contemporary interpretation, mainly through the lens of the modern principle of continuity of public service, this extremely hostile institute plays a secondary role, being applicable only as a last resort, preserving thus a stable culture of social and economic development.
Keywords: Expropriation. Unilateral termination. Administrative contract. Pu- blic service. Law nº 8.987/95.
1 INTRODUÇÃO
O titular absoluto da prestação dos serviços públicos é o povo, representado em sua totalidade pelo Estado; a execução desse ofício, por sua vez, ocorre na forma da lei sob duas maneiras: direta ou indireta. A primeira se dá quando a própria Administração Pública exerce a função, por intermédio de seus órgãos próprios ou por meio de pessoas jurídicas criadas ou autorizadas por lei específica. A segunda ocorre quando a atividade é delegada pelo Poder Público aos particulares, através do mecanismo jurídico da concessão ou permissão, formalizado por contratos administrativos.
Essa transferência de poderes aos particulares é temporária, envolvendo apenas a execução dos serviços públicos, fazendo com que a titularidade permaneça incessantemente nas mãos do Estado. Tal peculiaridade não transmuda a natureza jurídica do serviço, nem afasta o Poder Público da sua prestação que, em nome do interesse coletivo e na condição de responsável final pelo seu oferecimento de forma adequada, ostenta várias atribuições, dentre elas a de agente fiscalizador. A lei geral das concessões fez com que todo o esforço estatal, antes concentrado tão somente na execução do serviço público, fosse agora transferido para a vigilância e controle dessa atividade. Por esse motivo é que visualizamos inúmeros dispositivos que legitimam a permanente fiscalização na sua prestação pelo poder concedente responsável pela delegação, através da cooperação dos usuários, como também o livre acesso aos encarregados de tal atividade.
A essência de toda e qualquer concessão sempre foi de viabilizar a
prestação das obras e dos serviços públicos à sociedade através da transferência do ônus à iniciativa privada, originando uma parceria entre os dois setores. Essa associação de interesses para alcançar os fins estatais desejados pode ser justificada pelo binômio supremacia estatal x carência de recursos. Ao mesmo tempo em que o Poder Público se apresenta na titularidade da gestão, planejamento e execução das necessidades estatais, exibe sua insuficiência estrutural, técnica e financeira para viabilizá-las, recorrendo à cooperação como forma de atingir tais metas.
A Lei nº 8.987/95, ao mesmo tempo em que traz um complexo jurídico-normativo voltado para o início da concessão e permissão de serviços públicos, previsto no art. 175 da Constituição Federal de 1988, também disciplina, de maneira não taxativa, inúmeras formas de extinção da atividade transferida ao particular. O encerramento formal e definitivo da parceria jurídico-administrativa entre os segmentos público e privado pode acontecer tanto por iniciativa do poder concedente quanto por iniciativa da empresa concessionária, ou ainda pelo atendimento de todas as obrigações contratuais firmadas na avença.
Normalmente, a extinção da concessão de serviços públicos ocorre pelo simples advento do termo final do contrato, também denominado reversão pela grande maioria dos administrativistas, caracterizando o retorno instintivo e natural do serviço ao poder concedente (art. 36, Lei nº 8.987/95). Isso acontece pelo fato das concessões serem firmadas sempre por um tempo certo e determinado, inexistindo a transmissão da execução do serviço público à iniciativa privada de maneira eventual e flutuante. A preocupação do legislador em afastar qualquer dúvida sobre o tema pode ser atestada pelo teor do dispositivo que obriga o poder concedente a publicar, antes mesmo da divulgação do edital da licitação, ato que justifique a conveniência da outorga de concessão ou permissão, caracterizando seu objeto, área e, notadamente, o prazo (art. 5º, Lei nº 8.987/95).
A previsão obrigatória de um prazo nos contratos administrativos de concessão, além de ser uma exigência dos editais de licitação elaborados pelo poder concedente, também constitui uma cláusula indispensável na formalização do acordo (art. 18, I, Lei nº 8.987/95 c/c art. 23, I, Lei nº 8.987/95). De acordo com o estatuto das concessões, a fixação do lapso temporal ficará a critério do poder concedente, dispensando a edição de lei para essa finalidade e respeitando as determinações em contrário das
legislações especiais.2 Nesses termos, o encerramento habitual da concessão acontece pela sucessão do momento final do prazo fixado previamente na avença, ou seja, pela simples expiração do lapso temporal estabelecido no contrato administrativo firmado, dispensando qualquer comunicação prévia para sua concretização.
Porém, existem outras modalidades de conclusão da prestação do serviço público, rotuladas de extraordinárias pela doutrina administrativista mais abalizada em face do encerramento prematuro do acordo durante a execução contratual, antes da conclusão do prazo final estipulado. Dentre as diversas espécies anômalas previstas na lei geral das concessões está o famigerado instituto da encampação, considerada a mais importante e agressiva modalidade extintiva. Com a supressão dos contratos administrativos de concessão há o regresso da exploração do serviço público para as mãos do ente estatal, que optará por prestá-lo diretamente ou por realizar uma nova licitação a fim de escolher uma nova empresa concessionária, dentre outras hipóteses cabíveis.
2 ENCAMPAÇÃO
A encampação, também denominada de resgate pela maioria dos administrativistas, de acordo com o estatuto das concessões é a primeira forma extraordinária de extinção unilateral dos contratos de concessão de serviços públicos por ato do poder concedente (BRASIL, Lei nº 8.987, 1995, art. 35, II). Dentre todas as espécies de interrupção contratual da relação instaurada, a encampação é de longe a modalidade mais drástica, invasiva e hostil, sendo o fator surpresa o principal responsável por essa agressividade, apanhando totalmente desprevenido o parceiro privado.
2.1 Definição
A lei geral das concessões, seguindo uma tendência normativa
2 Embora o estatuto das concessões tenha exigido categoricamente um lapso temporal para a duração dos contratos de concessão, não é encontrado na lei nenhum indicativo numérico de quais seriam esses prazos, como tam- bém qualquer referência aos limites mínimo e máximo para a vigência da avença. Porém, no tocante às concessões de transmissão e de distribuição de energia elétrica, terão o prazo necessário à amortização dos investimentos limitado a 30 (trinta) anos, contado da data de assinatura do imprescindível contrato, podendo ser prorrogado no máximo por igual período, a critério do poder concedente e nas condições estabelecidas no contrato (art. 4º, § 3º, Lei nº 9.074/95).
contemporânea, trouxe uma definição para o instituto da encampação. Senão
vejamos:
Art. 37. Considera-se encampação a retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização, na forma do artigo anterior. (BRASIL, ibid.).
O fenômeno da encampação se apresenta como sendo a retomada antecipada e coativa do serviço previamente concedido ao particular pelo poder concedente, estritamente por motivos supervenientes de interesse público. É a recuperação abrupta pelo poder concedente, através de um ato unilateral, do serviço concedido ao parceiro privado, antes de expirado o prazo final de encerramento do contrato firmado entre as partes, por razões de índole administrativa. Portanto, a encampação se traduz em uma nítida rescisão unilateral do contrato administrativo estabelecido, visando à retomada iminente do serviço concedido, pondo fim à parceria celebrada com a iniciativa privada.
Deve ser afastado todo e qualquer traço de natureza sancionatória da encampação, sendo possível sua decretação ainda que a empresa concessionária não tenha praticado nenhuma irregularidade ou violação aos deveres contratuais ou legais. Em uma interpretação a contrario sensu, pode ser afirmado que a opção pela utilização da encampação, em vez de outros instrumentos, se deve exatamente pela perfeita adimplência do contrato firmado.
Importante ainda ressaltar que a rescisão unilateral moldada nos regramentos da encampação poderá ocorrer tanto nos contratos de concessão quanto nos contratos de permissão de serviços públicos, em face da proximidade fisiológica entre os institutos administrativos (BRASIL, Lei nº 8.987, 1995, art. 40, Parágrafo Único).
O emprego da expressão técnica encampação, atribuída da mesma finalidade, não é uma exclusividade do estatuto das concessões, sendo possível encontrar sua utilização em outras legislações especiais. Como exemplo podemos citar o art. 167 do Decreto nº 24.643 (BRASIL, 1934) (Código das Águas), autorizando a União a encampar a concessão, em qualquer tempo, quando interesses públicos relevantes o exigirem, mediante
indenização prévia.
Ainda na seara das analogias, é oportuno registrar o alerta para não confundir o instituto da encampação, técnica aplicada nas concessões de serviços públicos, com a teoria da encampação, manobra jurídica de retificação aplicada em sede de mandado de segurança. A teoria da encampação é uma construção jurisprudencial bastante sedimentada pelos tribunais superiores, objetivando a correção da legitimidade passiva das ações de mandado de segurança. Desde que preenchidos alguns requisitos, o equívoco na identificação da autoridade coatora seria afastado, permitindo ao magistrado julgar o litígio, evitando a extinção do processo.
Embora o ponto central na decretação da encampação seja o interesse público superveniente, baseado em aspectos administrativos ou políticos, veremos mais adiante que a mencionada discricionariedade deve ser cercada de cuidados, a fim de não comprometer a validade do ato exarado.
2.2 Requisitos
Extrai-se da definição legal da encampação a presença de três
requisitos essenciais para sua existência irrepreensível: (a) interesse público;
(b) lei específica; (c) pagamento de indenização. Como a norma em exame apresenta uma natureza cogente, os quesitos elencados se manifestam como genuínas condições prévias de validade da extinção da concessão. A falta de qualquer desses elementos aponta para a impossibilidade na decretação do instituto, sujeita a controle administrativo, político e jurisdicional.
Observa a melhor doutrina que não é possível ao concessionário, em nenhuma hipótese, se opor à decretação da encampação, pois se trata de um ato imperativo, estando seu direito de rebelar-se limitado apenas à esfera da indenização (MEIRELLES, 2002). A nota, todavia, deve estar acompanhada de duas importantes ressalvas: desde que preenchidos os requisitos legais e observado o caráter subsidiário da encampação. Havendo qualquer lesão à legalidade estrita ou à sua aplicação acessória e excepcional, poderá o ente privado provocar a anulação da medida administrativa extintiva como resultado do controle desempenhado sobre tais atos (BRASIL, 2007).
Cabe ainda observar que, depois de ultrapassadas todas as etapas formais da encampação, retornando a prestação do serviço em definitivo ao Poder Público, não pode este simplesmente desistir, voltando atrás em sua
decisão e desfazendo o ato administrativo.
2.2.1 Interesse público
O primeiro requisito da encampação consiste na apresentação de um motivo de interesse público, ou seja, a decisão está relacionada diretamente com o mérito administrativo exposto pelo gestor estatal. Trata-se de um ato administrativo puramente subjetivo e unilateral, dependendo a decisão unicamente do foro íntimo da autoridade pública, de sua convicção sobre a situação casuística formalmente apresentada.
Existem basicamente duas formas de a Administração Pública refletir sobre aquela situação fática ensejadora da possível rescisão unilateral da avença. A primeira, de iniciativa do Poder Público, se origina internamente, dentro do próprio ambiente estatal de trabalho, a partir da qualidade de fiscal permanente dos serviços públicos transferidos à iniciativa privada. A segunda, de iniciativa dos usuários, se origina externamente, a partir de denúncias levadas pela sociedade ao conhecimento da Administração Pública, a fim de iniciar uma análise detalhada sobre a notícia ventilada.
A ferramenta da denúncia representa um importante instrumento democrático, colocado à disposição da população a fim de comunicar ao poder concedente sobre diversos acontecimentos muitas vezes não anunciados explicitamente. Desde o advento da Carta Magna de 1988, a proposta de uma cultura de participação mais ativa dos usuários na condução do bem coletivo vem sendo constantemente estimulada, afastando de vez a era dos atos obscuros. Cabe aos órgãos públicos a missão de estimular a população a realizar as denúncias, facilitando, inclusive, o acesso a essa ferramenta, como, por exemplo, através das ouvidorias e da utilização da internet.
Algumas situações de interesse público que serviriam de justificativa para a retomada do serviço concedido pela encampação: que certa atividade, daquele momento em diante, seja prestada exclusivamente pelo Poder Público em face do interesse relevante; que certa atividade, daquele momento em diante, seja descartada pela ausência de interesse coletivo e substituída por outra de maior relevância visando a necessidade pública.
Como essa modalidade extintiva apresenta uma natureza eminentemente discricionária, a simples fundamentação normativa macula
a ingerência estatal, devendo a encampação estar pormenorizadamente motivada, precisando de embasamentos fáticos concretos e objetivos para sua decretação. Não basta simplesmente afirmar, de forma temerária e aventureira, que há interesse público na medida administrativa; a motivação deve vir encorpada de detalhes e recheada de documentos que comprovem a necessidade de sua utilização. A justificativa da ausência de conveniência e oportunidade pela manutenção do serviço público sob a gerência da concessionária deve estar solidificada em dados convincentes e palpáveis, provando a real necessidade da retomada do serviço público de maneira antecipada e repentina.
Dessa forma, a simples vontade política dos governantes não é pretexto suficiente para a decretação da encampação, sendo necessária a demonstração minuciosa das causas relevantes que ensejaram a tomada daquela decisão. A motivação expressa do ato que origina a interrupção prematura da vigência do contrato de concessão se torna, assim, o núcleo e a matriz de validade do instituto extintivo, devendo ocorrer de forma justa e satisfatória.
A lei geral das concessões não se preocupou em disciplinar a utilização do interesse público, limitando-se, somente, em apontá-lo como um dos elementos normativos necessários. Justamente por essa carência legislativa o interesse público precisa estar claramente delineado, sob pena da sua utilização se inclinar para o abuso de poder, baseado em interesses pessoais e dando origem ao arbítrio.
Xxxxxxx as esclarecedoras anotações de Xxxx xxx Xxxxxx Xxxxxxxx
Filho a respeito da motivação da encampação:
Registre-se, no entanto, por oportuno, que, embora esses fatores sejam próprios da avaliação dos administradores públicos, estão eles vinculados à sua veracidade. Em outras palavras, se o con- cedente encampa o serviço sob a alegação do motivo A, fica vin- culado à efetiva existência desse motivo; se inexistente o motivo alegado, o ato da encampação é írrito e nulo. (2013, p. 410).
Dessa forma, pode-se afirmar que a discricionariedade que norteia a motivação do interesse público como requisito da encampação não é uma discricionariedade administrativa qualquer, comumente utilizada aos demais atos públicos. Trata-se, na verdade, de uma discricionariedade qualificada,
enobrecida na sua essência, temperada em seu espírito, em decorrência da violência do instituto e estritamente vinculada à situação concreta apresentada.
Fica evidente e cristalino a inafastabilidade da prática do controle externo sobre a decisão final do gestor estatal em ordenar o emprego da medida extrema. O exercício do controle jurisdicional, que recairá sobre os motivos de interesse público invocados na utilização da encampação, terá por finalidade analisar a conveniência e a oportunidade da ferramenta à luz do caso apresentado. Tanto a ação popular quanto a ação civil pública servem como instrumentos jurídicos adequados para a efetivação da vigilância externa.
Importante ainda frisar que, em uma interpretação sistemática e sociológica da lei geral das concessões, infere-se que a utilização da encampação deve ser disponibilizada como uma ferramenta excepcional, uma espécie de ultima ratio entre as diversas formas de extinção do contrato de concessão. Nesses termos, o emprego desse instituto extintivo assume um caráter nitidamente subsidiário, incomum e extravagante, somente se valendo dela quando as outras medidas administrativas já tiverem sido devidamente tomadas e não tiverem surtido os efeitos aspirados pelo gestor estatal.
Podem ser apontados três motivos básicos norteadores dessa conclusão: o forte impacto da medida, o gasto exorbitante do dinheiro público e a manutenção da segurança jurídica. O primeiro indica que, devido à gravidade do ato administrativo causado tanto à esfera privada quanto à própria continuidade do serviço coletivo, deve o agente estatal dar prioridade à concretização do interesse público, atendendo os direitos e garantias constitucionais. O segundo acena no sentido de a Administração Pública tentar evitar, ao máximo, gastos desnecessários com a indenização do particular em decorrência dos prejuízos sofridos pela interrupção precoce. O terceiro aponta para uma relação de respeito e confiança existente entre o poder concedente e o concessionário, no sentido de que a magnitude dos investimentos realizados não será feita em vão, devendo atingir seus principais objetivos, que é disponibilizar os melhores serviços à população, auferindo lucros razoáveis.
Temática bastante controvertida gravita em torno de um diálogo entre o estatuto das concessões e a lei de improbidade administrativa. Imaginemos a situação fática: mesmo sendo visível o interesse público pela retomada
do serviço, por discricionariedade do poder concedente, este resolve não fazê-lo, mantendo a prestação do serviço público nas mãos do parceiro privado, e, lamentavelmente, o dano efetivamente vem a ocorrer. Indaga-se: seria possível responsabilizar o gestor público como tendo praticado um ato improbo? Parece viável o enquadramento da conduta dos agentes públicos pertencentes aos quadros do poder concedente como um ato que causa prejuízo ao erário ou, ainda, como um ato que atenta contra os princípios da administração pública (arts. 10 e 11, Lei nº 8.429/92).
2.2.2 Lei específica
O segundo requisito da encampação é a necessidade da edição de uma lei ordinária, prévia e específica, com o escopo de autorizar a execução desse fenômeno administrativo extintivo. Entenda-se por lei ordinária aquela que seguiu o trâmite processual legislativo comum, compreendendo a iniciativa, deliberação, aprovação e publicação; por lei prévia aquela que inovou no ordenamento jurídico antes da efetiva decretação da encampação; e por lei específica aquela que aborda em seu corpo normativo apenas sobre a temática da extinção da concessão, vedado o trato de assuntos diversos. Somente após a aprovação desta lei especial pela casa legislativa competente é que a encampação poderá ser definitivamente executada, retomando o poder concedente o serviço público transferido (BRASIL, 2008).
Tal formalidade não poderia em nenhuma hipótese ser afastada, tendo em vista que para se iniciar o processo de descentralização do serviço público mediante delegação a terceiros é também necessária prévia autorização legislativa. Constatado que a decisão de transferir a gestão de serviços públicos não possui origem exclusivamente em um ato administrativo, com muito mais razão ao se extinguir a relação pactuada pela encampação, há novamente a obrigatoriedade da concordância do povo. Através de uma interpretação principiológica, é possível invocar a teoria do paralelismo das formas a fim de solidificar esse entendimento, afastando qualquer argumento de possível violação a separação de poderes.
Essa conjugação de vontades provenientes de órgãos independentes, porém harmônicos entre si, além de servir como instrumento de controle externo, também fornece ao concessionário um elevado grau de segurança contratual. Em ambos os casos, a fiscalização ocorrerá na seara do Poder
Legislativo, sobre os atos do Poder Executivo, evitando a utilização da medida extintiva para fins estritamente pessoais, visto que o procedimento será apreciado não por uma única pessoa, mas por um órgão colegiado, trazendo maior estabilidade e tranquilidade à relação instaurada. Caberá aos membros da casa legislativa, por meio do controle político, analisar a idoneidade da demanda através de uma reavaliação dos motivos apresentados, confirmando se tais fatos justificam a utilização da medida extrema.
Nesses termos, a propagação da encampação como um ato administrativo puramente unilateral deve ser manifestada com a devida cautela. Na verdade, há uma reunião de desejos, onde apenas o somatório de entendimentos de ambas as casas, executiva e legislativa, tornará possível a sua utilização. Não seria nenhum exagero afirmar que a legislação, no tocante à encampação, tenha dito menos do que queria dizer, sendo necessário ao operador do direito se utilizar da interpretação extensiva ou ampliativa a fim de alcançar o completo entendimento do regramento. O ato unilateral ao qual a lei se refere está atrelado apenas e tão somente à manifestação administrativa, devendo ainda ser invocada a devida autorização na casa legislativa. Em suma, na encampação o poder concedente deve se curvar à decisão do povo, manifestada pelos seus legítimos representantes.
Interessante sistematizar geograficamente tal espécie normativa dentro do trâmite da encampação: inicialmente, o processo administrativo se origina dentro da esfera do Poder Executivo a fim de apresentar os motivos que autorizem a utilização do instituto; após a exposição das justificativas, com a abertura do espaço para o exercício do contraditório e da ampla defesa, o poder concedente expedirá o decreto; em um segundo momento, a medida extintiva será encaminhada ao Poder Legislativo a fim dos motivos serem reapreciados pelos membros da casa, editando, ao final, uma lei específica no caso de concordância recíproca; por derradeiro, sendo aprovado o pedido de rompimento unilateral da avença com a retomada antecipada do serviço público, a solicitação retorna ao Poder Executivo de origem para, só a partir daí, ser executada, ocorrendo a assunção do serviço, a ocupação das instalações, a extinção de direitos e privilégios e retorno dos bens reversíveis. É necessário observar que a lei especial emanada do Poder Legislativo não decreta nem aprova o instituto extintivo da encampação, mas simplesmente autoriza o Poder Executivo a decretá-la. Nesse ambiente, também é forçoso concluir que a aprovação da lei não vincula o Poder
Executivo, podendo este, se entender oportuno, afastar a apreciação da aplicação da medida. Isso ocorre porque a elaboração do decreto pelo Poder Executivo, que reflete sua função administrativa típica, possui um caráter discricionário, ficando a edição sujeita à conveniência do gestor público, sendo incabível a interferência de qualquer pessoa. Além disso, vale ressaltar que o mérito do ato discricionário constitui o núcleo decisório essencial do Poder Executivo, responsável pela segurança da independência entre os poderes. Sua violação estaria recheada de inconstitucionalidade, pois representaria uma nítida afronta ao princípio constitucional da separação dos poderes, uma cláusula pétrea.
Como a lei geral das concessões não trouxe estipulação específica em relação ao quorum necessário para a aprovação da lei autorizativa, prevalece a regra geral, ou seja, da maioria absoluta dos membros da casa e a maioria simples dos votos dos presentes à sessão plenária.
Ainda é possível invocar outra importante justificativa, de ordem econômico-financeira, no tocante à imposição normativa para a decretação da encampação. A retomada abrupta do serviço público pode acarretar a necessidade do dispêndio imediato de uma grande quantia em dinheiro dos cofres públicos a fim de indenizar o parceiro privado. O diálogo xxxxxx na casa legislativa sobre a proposta de encerramento da concessão servirá, também, para analisar a disponibilidade orçamentária da medida extintiva. Constatada essa inviabilidade, os órgãos estatais poderão fazer uso de alguma dotação específica para materialização da encampação.
Vejamos os relevantes ensinamentos do saudoso Xxxx Xxxxx Xxxxxxxxx a respeito da obrigatoriedade da edição de lei autorizando a encampação (2002, p. 377): “Justifica-se que assim seja, uma vez que a retomada do serviço pode importar indenização vultuosa, dependente, talvez, de dotação específica”.
Para alguns administrativistas, a constitucionalidade desse requisito normativo é passível de questionamento, para outros nem tanto.3 A alegação reside no fato de que a exigência da aprovação de uma lei por outro poder está restrita somente às hipóteses constitucionalmente previstas, havendo violação ao princípio da separação dos poderes quando tal vinculação estiver alocada em nível infraconstitucional. Todavia, como a matéria ainda não foi
3 A favor da inconstitucionalidade: Xx Xxxxxx (2009, p. 116). A favor da constitucionalidade: Fortini (2009, p. 49).
objeto de provocação no Supremo Tribunal Federal, o instituto continua em
plena eficácia normativa.
Também fica perceptível e notório a inafastabilidade da prática do controle externo sobre a lei que autorizar o emprego da medida extrema. O exercício do controle jurisdicional, que recairá sobre os motivos de interesse público invocados na utilização da encampação, terá por finalidade analisar a conveniência e a oportunidade da ferramenta à luz do caso apresentado. Isso acontece porque a função da edição da lei representa apenas mais uma exigência normativa, expressando a segunda etapa obrigatória para a decretação da encampação. Embora a casa legislativa funcione como órgão ratificador da ideia de retomada antecipada do serviço público, ela não possui a missão de consolidar possíveis incongruências do ciclo inaugural. Mesmo após a edição da lei, caso sejam encontradas irregularidades na motivação do instituto, será viável seu questionamento na seara jurisdicional. O mandado de segurança será o instrumento jurídico adequado para a efetivação da vigilância externa.
2.2.3 Pagamento de indenização
O terceiro requisito da encampação versa sobre a obrigatoriedade do pagamento prévio de uma indenização ao parceiro concessionário despojado repentinamente de suas atividades habituais. Devemos entender como pagamento prévio aquele realizado de forma antecipada e preliminar, ou seja, antes da retomada do serviço concedido. O dispositivo se fundamenta tanto na ausência de culpa do ente privado na extinção extemporânea da avença quanto pelo desequilíbrio sobre a equação econômico-financeira gerada pelo rompimento antecipado (BRASIL, 1968).
Alguns administrativistas utilizam sabiamente a expressão duplo acautelamento para se referir aos requisitos da lei específica autorizativa e do pagamento de indenização prévia, afirmando que tais condições são, de fato, verdadeiras garantias do concessionário, ferramentas de anteparo do parceiro privado no momento da decretação da encampação, protegendo a parte mais desprotegida da relação contra possíveis erros e abusos (XXXXXXX XXXX, 2009, p. 494).
Rotulado como um princípio de ordem constitucional, a manutenção
da equação econômico-financeira pelos atores envolvidos na avença é
instrumento basilar em toda e qualquer relação concessionária, devendo ser a todo custo preservada (art. 37, XXI, Constituição Federal de 1988). Porém, sendo inevitável a mácula a essa premissa básica, como no caso da modalidade da encampação, movida estritamente por interesse público, o desajuste deve ser rapidamente solucionado, neste caso em particular através do ressarcimento dos prejuízos causados à empresa concessionária.
O sistema normativo de ressarcimento de danos, embora seja uma forma justa de compensar os prejuízos causados pela retomada brusca do serviço, é indubitavelmente o ponto mais controvertido entre os administrativistas. De acordo com o art. 37 da Lei nº 8.987/95, responsável pela disciplina da encampação, a indenização prévia deverá ocorrer nos moldes da regulamentação do instituto da reversão. Este, por sua vez, prevê somente a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis ainda não amortizados ou depreciados, não fazendo menção a quaisquer outras formas de recomposição patrimonial.
Apesar da delimitação legislativa, quando nos deparamos com a indenização na seara da encampação, a primeira informação relevante aos intérpretes da lei é que ela deverá ocorrer da forma mais ampla possível. Portanto, a compensação pelos vultosos prejuízos patrimoniais causados ao parceiro concessionário deve ser analisada sob quatro vertentes: expropriação dos bens, lucros cessantes, danos emergentes e bens não reversíveis. É justamente esse o momento crítico do assunto, pois dessas quatro possibilidades de recomposição patrimonial, apenas a primeira está anunciada de forma expressa na lei geral das concessões.
No tocante à expropriação de bens, como a encampação interrompe de maneira antecipada o contrato de concessão, embaraçando o planejamento inicial da empresa privada com relação à recuperação do montante investido, dificilmente existirá algum bem que já esteja totalmente amortizado ou depreciado. Nesses termos, é pacífico na doutrina e o próprio estatuto das concessões assim determina, caberá ao poder concedente efetuar a indenização dos bens reversíveis ainda não amortizados ou depreciados, através de um levantamento de seus respectivos valores.
No tocante aos lucros cessantes, ou seja, aquilo que o concessionário deixou de lucrar, o tema é bem mais controvertido, porque o dispositivo legal que regulamenta a indenização da encampação não faz manifesta referência a tal modalidade compensatória.
Fazendo uma interpretação literal da legislação, poderíamos chegar à conclusão de que a omissão quanto à indenização pelos lucros cessantes significa simplesmente a sua impossibilidade jurídica. Em outros escritos, no caso da encampação, não seria possível a recuperação patrimonial do concessionário através dos lucros cessantes, devido à falta de previsão normativa, fundamento lógico de sua cobrança no mundo dos fatos. Todavia, a doutrina administrativista mais abalizada entende ser possível a indenização dos lucros cessantes, não por uma análise conforme a letra da lei, mas em decorrência do princípio geral do direito, segundo o qual todo aquele que cause dano a outrem é obrigado a ressarci-lo, como também pela ofensa à equação econômico-financeira do contrato firmado (ARAGÃO, 2008, p. 658; XXXXXXXXXX, 2008, p. 399; XXXXXX XXXXX, 1997, p. 341-
342; XXXXX, 0000, p. 535; XXXXX, 0000, p. 16; XXXX; XXXXXX; WALD,
2004, p. 412).
Podemos chegar também à mesma conclusão através de uma interpretação sociológica da lei geral das concessões. O elemento lucro dentro do universo das concessões de serviços públicos não é tratado como uma variável acidental, mas como um requisito intrínseco. Quando essa atividade passa a ter execução privada, o desempenho concessionário reveste-se de um caráter empresarial, em que o fim lucrativo é algo essencial e necessário. Dentro da técnica concessionária, o lucro, que deve ser alcançado basicamente através do pagamento das tarifas pelos usuários, serve de incentivo e estímulo para o bom desempenho da função social.
Vejamos as pertinentes reflexões de Xxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx a
respeito da relação entre a concessão e o lucro por ela auferido:
Não se compadece de proveito abusivo nem de comportamentos oportunistas, mas prestigia o ganho da atividade empresarial que dê importância ao valor social do trabalho, à dignidade da pessoa e à livre iniciativa (CF, arts. 1º, III e IV, e 170). Aqui, a mão visível do Estado deve ser firme e competente. Ao Poder Público cumpre zelar por tais princípios constitucionais, implementando-os numa perspectiva desenvolvimentista. (2010, p. 27).
A jurisprudência dos tribunais superiores também já se mostrou, por diversas vezes, favorável ao pagamento dos lucros cessantes como forma de abrangência da indenização decorrente da utilização da encampação
(BRASIL, 2008b, 2009a, 2009b, 2010, 2011).
Infere-se que a norma do art. 36 da Lei nº 8.987/95 estabelece, na verdade, tão somente um piso mínimo e razoável para a materialização da compensação pecuniária em virtude da utilização do instituto extintivo. Portanto, decretar a encampação sem o devido pagamento de uma indenização pelos lucros cessantes seria ir de encontro à própria mola propulsora da concessão, fraturando um de seus pilares fundamentais. Esse entendimento reflete a legítima dialética normativa concessionária, a visão contemporânea do fenômeno e a inteligência da disciplina normativa em estudo. Assim, faz-se necessário que o ressarcimento seja aferido em razão da extensão do dano, afastando o locupletamento indevido do poder concedente e o empobrecimento do parceiro privado.
No tocante aos danos emergentes, ocasionados pelo encerramento prematuro da avença, também devem ser alvo de indenização pelo poder concedente, embasados nos mesmos fundamentos dos lucros cessantes.
No tocante aos bens não reversíveis, os vultosos investimentos realizados pelo particular, a fim de garantir um serviço adequado aos usuários, podem recair nesses tipos de bens, necessários à dinâmica da concessionária e à confiança depositada no ente público. A fim de evitar o locupletamento ilícito, embasados na noção de indenização ampla que norteia a encampação, uma parcela da doutrina administrativista entende ser possível o ressarcimento de bens impossíveis de serem amortizados. Diante da provável impossibilidade de recomposição patrimonial devida em virtude da extinção antecipada do contrato, o concessionário será ressarcido tanto dos bens reversíveis quanto dos bens não reversíveis.
Vejamos as envolventes observações de Xxxxxx Xxxxxx Xxxxx a respeito
da temática da indenização dos bens não reversíveis:
Isso implica dizer que a não reversibilidade dos bens deve ser considerada tanto em relação ao poder concedente quanto ao concessionário. Se o patrimônio adquirido pelo particular em função do serviço público lhe for reversível, o Poder Público não precisará pagar a ele qualquer indenização, cabendo ao concessionário dar ao bem o destino que melhor atenda seus interesses. Contudo, se o bem não puder reverter ao conces- sionário e ao concedente, posto que inútil para ambos, caberá ao ente estatal indenizar o particular pelo valor do bem irrever- sível, ficando o Poder Público com a propriedade desse bem
e responsável em dar a esse patrimônio uma destinação útil, seja utilizando-o para outras possíveis atividades ou até mesmo promovendo a sua alienação em leilão público. (2005, p. 517).
No entanto, importante ressaltar que o entendimento da plenitude da indenização precedentemente ventilada não deve ser encarado com feições absolutas, podendo sofrer amplas modelações segundo a autonomia da vontade dos envolvidos. O art. 23, XI, da Lei nº 8.987/95 arrola como cláusulas essenciais do contrato de concessão aquelas relativas aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas, quando for o caso.
A fissura legislativa consente aos participantes da avença a inserção de cláusulas contratuais com o objetivo de repartições de contratempos, limitando validamente o valor pago nas indenizações devido à encampação. Seguindo essa linha de pensamento, pode-se ainda mencionar que algumas leis específicas impõem, de forma expressa, claras limitações à reparação civil oriunda dessa modalidade de extinção contratual unilateral (BRASIL, Lei nº 9.427, 1996, art. 19).
Por todo o exposto, pode-se chegar a duas conclusões anexas: (i) embora o estatuto das concessões só tenha disciplinado o ressarcimento de danos ao concessionário quanto aos bens reversíveis, não amortizados ou depreciados, o posicionamento majoritário da doutrina e jurisprudência se inclina no sentido da recomposição patrimonial ser efetivada de forma plena, abrangendo os danos efetivos e os futuros; (ii) a ideia de plenitude da indenização pode ser relativizada nos moldes contratuais pactuados, tendo por base as disposições normativas da própria lei geral das concessões, como também normas-regras de leis setoriais específicas.
Por fim, vale assinalar o entendimento de alguns administrativistas no sentido de que o pagamento da indenização deva ocorrer em dinheiro, fazendo uma analogia com o instituto da desapropriação, adormecido no art. 5º, XXIV da Constituição Federal de 1988, sendo proibida qualquer outra forma de reparação pecuniária (AMARAL, 2002, p. 102). Outros publicistas, aperfeiçoando a temática, afirmam que o pagamento em dinheiro ocorrerá, obrigatoriamente, de uma única vez, afastando com isso qualquer tipo de negociação entre o particular e o gestor estatal (XXXXXX XXXXX, 2005,
p. 539). Tais soluções, embora não disciplinadas em lei, aparecem como
cautelas oportunas e necessárias a fim de promover uma segurança jurídica ao empreendimento, servindo como instrumento na busca do equilíbrio fiscal.
2.3 Processo administrativo
Nos moldes da lei geral das concessões, para a decretação da encampação não seria necessária prévia instauração de um processo administrativo formal, com abertura para o contraditório e ampla defesa, pois se trata de um ato puramente unilateral, desprovido de ferramentas de cunho judicial. O instrumento utilizado na aplicação da medida extintiva seria um simples procedimento administrativo, servindo unicamente para materializar a sequência dos atos legalmente necessários, tais como a motivação do interesse público, a indicação da lei específica aprovada na casa legislativa e o cálculo do valor da indenização.
Todavia, se invocarmos a teoria do núcleo comum da processualidade (MEDAUAR, 2008, p. 15-32), adicionada aos princípios que regulam o exercício das atividades estatais, temperada pelo caráter agressivo da encampação, parece bastante razoável a abertura de um canal de diálogo entre as partes envolvidas antes da utilização do instituto, sanando eventuais insatisfações. Essa oportunidade de entendimento poderia ocorrer tanto na esfera do Poder Executivo, antes da decisão final sobre a necessidade do emprego da encampação, quanto no âmbito do Poder Legislativo, antes da autorização e da elaboração da lei específica solicitada pelo órgão administrativo.
Vejamos as prósperas contemplações de Xxxxxxxx Xxxxxxxx a respeito da necessidade da existência de processo administrativo na encampação (2013, p. 567): “É importante salientar que a extinção da concessão, assim como qualquer contrato administrativo, exceto no caso de advento do termo contratual, exige a instauração de procedimento administrativo, garantindo ao contratado o contraditório e ampla defesa.”
É oportuna, ainda, a invocação da interpretação sistêmica da temática dos contratos administrativos a fim de sedimentar a necessidade da instauração prévia, no fenômeno da encampação, do processo formal. Segundo o art. 80, I, da Lei nº 8.666/93, responsável por disciplinar as consequências advindas da rescisão do contrato administrativo por ato unilateral da Administração
Pública, haverá obrigatoriamente a instauração de processo administrativo, cedendo espaço ao contraditório e ampla defesa. Assim, também parece bastante sensato que na assunção imediata do objeto contratado, ainda que motivada por razões estritamente de interesse público, exista a prévia formalização do processo administrativo.
O encerramento repentino e abrupto de um vínculo jurídico estabelecido entre as esferas pública e privada, ainda que dentro da margem legal das cláusulas exorbitantes, sempre causa forte impacto em ambos os lados. A instauração de um processo administrativo apresenta nítida função de mediação, instrumento capaz de aproximar as partes envolvidas, possibilitando a apresentação dos argumentos e a troca de informações. Sob a ótica do princípio da continuidade do serviço público, o processo administrativo serviria, também, como instrumento mínimo de apaziguamento dos ânimos, na tentativa de reverter a utilização da medida extrema. Somando os argumentos narrados, parece bastante razoável, prudente e legítima a existência de uma ferramenta capaz de reunir todos os elementos possíveis sobre a encampação, racionalizando a utilização do instituto.
2.4 Disposições complementares
A hostilidade na utilização da encampação não se resume, apenas, na retomada inesperada pelo poder concedente, por motivos de interesse público, do serviço transferido à concessionária. Ainda é possível que essa modalidade seja acompanhada de medidas de natureza expropriatória, a fim de manter a continuidade plena do serviço público oferecido aos usuários, zelando pela sua não interrupção (art. 5º, XXIV, Constituição Federal de 1988).
Porém, o emprego da desapropriação deve ser interpretado como uma ferramenta acessória, de utilização secundária e manuseio excepcional, sendo utilizada apenas nos casos onde o poder concedente responsável pela instauração do processo de encampação julgue ser necessário ultrapassar a assunção do serviço. Nessas hipóteses, entendendo o gestor estatal que tanto a ocupação das instalações quanto o retorno dos bens reversíveis sejam medidas insuficientes para a regular continuidade da prestação do serviço público, poderá se valer do instrumento desapropriatório, alcançando
outros bens e direitos do parceiro privado, a exemplo das ações da empresa concessionária. Novamente, os princípios da supremacia do interesse público e da continuidade do serviço público, essenciais ao equilíbrio da dualidade permanente do exercício da função administrativa, aparecem como edificações teóricas fundamentadoras da atividade estatal intervencionista.
Após a edição da lei especial autorizando a utilização da encampação, a medida extrema retorna ao poder concedente que, somente através da publicação de decreto, instaura em definitivo o instituto administrativo extintivo. Vale relembrar que o papel da casa legislativa é de apenas autorizar o emprego da encampação, cabendo ao poder concedente a última palavra, determinando o encerramento unilateral da parceria.
Deverá existir um nexo entre a competência da natureza do serviço público delegado e o ato administrativo material exarado, ou seja, a legitimidade para editar o decreto extinguindo o contrato firmado deverá coincidir com a natureza do serviço delegado. Por exemplo, se a União é a detentora da titularidade da prestação do serviço público delegado ao particular, somente um ato oriundo do executivo federal poderá pôr fim à avença firmada. Caso haja controvérsia sobre o procedimento, o foro competente para processar e julgar, neste caso em especial, será o da justiça federal (art. 109, I, Constituição Federal de 1988).
A técnica da encampação opera efeitos ex nunc, ou seja, não retroativos, produzindo seus efeitos somente daquele momento em diante, não alcançando os fatos pretéritos, sendo todos os atos anteriores à sua decretação considerados plenamente válidos.
3 CONCLUSÃO
A noção da concessão de serviço público, tanto no passado, aliada aos ideais liberais da revolução francesa, quanto no presente, atrelada às consequências sociais do pós-guerra, sempre esteve ligada à noção de desenvolvimento econômico. Em todos esses momentos, a colaboração de esforços foi constantemente idealizada com a participação do particular, seja através da concessão de obras públicas ou de serviços públicos.
No contexto atual, marcada pela ideia de reordenação das funções estatais frente aos novos papéis desempenhados pelo Poder Público, a concessão surge como solução inevitável ao pleno desenvolvimento
econômico e social. Porém, essa parceria deve estar acompanhada de mecanismos jurídicos modernos, interpretações jurisprudenciais perspicazes e constante aprimoramento doutrinário sobre a matéria, transmitindo confiança ao particular.
O rompimento dessa cooperação público-privada causa um forte impacto para todos os envolvidos, inclusive para a sociedade, que vê o funcionamento do serviço público afetado, quer pela sua ausência, quer pela queda da qualidade. Portanto, faz-se necessário um reexame minucioso dos requisitos da encampação sob uma percepção contemporânea dos institutos administrativos, buscando o fim comum da primazia do interesse coletivo.
Restou demostrado que o fator surpresa, embora faça parte da logística normativa da encampação, parece ir de encontro à noção do bom exercício do serviço público. Infere-se, ainda, que todas as exigências legais que cercam o instituto da encampação aparentam, na verdade, servir de desestímulo aos gestores públicos, desencorajando sua utilização, alocando- as como ferramentas excepcionais e secundárias. Assim, os freios normativos para o emprego da encampação forçam uma maior reflexão em sua escolha imediatista.
Nesse ambiente, o princípio da continuidade do serviço público assume uma postura de fonte-matriz de todo o sistema concessionário, irradiando suas concepções por toda a lei geral das concessões e institutos afins. Nesses termos, a compreensão da aplicação subsidiária da encampação aparece como um desdobramento lógico, refletindo a inteligência atual dos dispositivos normativos e o real espírito do instituto concessivo. Assumindo essa postura interpretativa, cria-se uma cultura de preservação da parceria no serviço público, afastando a ideia imediatista de extinção unilateral do contrato administrativo pelo poder concedente.
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