Processo n.º 2880/2016 Requerente: A Requerida: B
Processo n.º 2880/2016 Requerente: A Requerida: B
1. Relatório
1.1. A requerente, alegando que os serviços incluídos na viagem organizada que adquiriu à requerida, com destino a Fuerteventura (Espanha), não foram prestados de acordo com o contrato, sobretudo em relação às instalações hoteleiras, pede que a requerida seja condenada a restituir-lhe a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) ou, caso assim não se entenda, a pagar uma indemnização de igual montante.
1.2. A requerida apresentou contestação escrita, na qual, apesar de confirmar que efetuou a reserva na unidade hoteleira onde a requerente ficou instalada, alega que os serviços incluídos no programa de viagem foram prestados conforme ao contrato e que a unidade hoteleira se encontra devidamente classificada pelas autoridades competentes como estabelecimento turístico de “4 estrelas”, cumprindo todos os requisitos de qualidade da sua categoria.
2. O objecto do litígio
O objecto do litígio (ou o thema decidendum)1 corporiza-se na questão de saber se assiste ou não à requerente o direito de ser reembolsada da quantia despendida com a compra da viagem ou o direito de ser ressarcida dos danos que alega terem-lhe sido causados.
1 Sobre as noções de “litígio”, material e formal, “questões”, “thema decidendum”, “questões fundamentais” e “questões instrumentais”, ver XXXX XX XXXXXX XXXXXX, Do Conceito de Prova em Processo Civil, Edições Ática, 1961, pp 131 e ss.
3. As questões de direito a solucionar
Considerando o objecto do litígio, o pedido deduzido pela requerente e a contestação da requerida, há duas questões de direito a solucionar: a questão de saber se se verificam os pressupostos do direito à resolução, pela requerente, do contrato celebrado com a requerida; e, subsidiariamente, a questão de saber se se verificam os pressupostos do direito a indemnização invocado pela requerente (que é, simetricamente, a questão da eventual responsabilidade civil da requerida).
4. Fundamentos da sentença
4.1. Os factos
4.1.1. Factos admitidos por acordo
Havendo, quanto a eles, consonância no relato das partes, considerando o requerimento inicial e a contestação, considero admitidos por acordo os seguintes factos:
a) a requerida dedica-se a atividades próprias das agências de viagens;
b) a requerente adquiriu à requerida uma viagem a Fuerteventura, incluindo, por um preço único, o transporte aéreo, transfer e alojamento no hotel X 4* para três pessoas (a requerente, o seu marido e a sua filha);
c) a requerida informou a requerente que o hotel onde iria ficar alojada tinha a categoria de “4 estrelas”;
d) é frequente, em Fuerteventura, o aparecimento de baratas em áreas habitadas, e assim também nas instalações turísticas.
4.1.2. Factos provados
Com relevância para a decisão da causa, julgo provados os seguintes factos:
a) No dia 18.05.2016, a requerente dirigiu-se à aqui requerida, com intenção de adquirir um pacote turístico com programa de viagem pré-organizado, com destino a Palma de Maiorca, para gozar as suas férias em época balnear – facto que julgo provado com base nas declarações, consonantes, prestadas pela requerente e pela representante da requerida na audiência de julgamento;
b) A requerente solicitou informação à requerida sobre o preço do pacote turístico pretendido, tendo descartado a aquisição do mesmo e admitido equacionar outros destinos, que não o inicialmente escolhido, por pretender um preço mais económico – facto que julgo provado com base nas declarações, consonantes, prestadas pela requerente e pela representante da requerida na audiência de julgamento;
c) A requerida apresentou outros pacotes turísticos com destinos alternativos à requerente, nomeadamente um pacote com destino a Marrocos, o qual foi também afastado pela requerente por causa do regime alimentar praticado naquele país – facto que julgo provado com base nas declarações, consonantes, prestadas pela requerente e pela representante da requerida na audiência de julgamento;
d) A requerente acabou por optar por uma viagem com destino a Fuerteventura (Espanha), com estada desde o dia 22 ao dia 29 de julho de 2016 – facto que julgo provado com base no documento
de fls. 8 e nas declarações prestadas pela requerente e pela representante da requerida;
e) A requerente escolheu o hotel X de 4* (quarto standard de 2 adultos + 1 adolescente de 14 anos), que, à data da celebração do contrato, era o mais barato de todos os hotéis de “4 estrelas” disponibilizados pelo operador turístico – facto que julgo provado com base nas declarações prestadas pela representante da requerida e no depoimento da testemunha;
f) Este pacote foi vendido pela requerida à requerente por um preço global de €2.000,00 (dois mil euros), com tudo incluído (viagem e alojamento), já pago pela segunda – facto que julgo provado com base nos documentos de fls. 7 e 8;
g) O Hotel X 4* é um dos hotéis das Ilhas Canárias mais reservados pelos clientes da requerida – facto que julgo provado com base nas declarações da representante da requerida e no depoimento da testemunha;
h) Com base nas declarações prestadas em audiência pela requerente, no depoimento da testemunha, seu marido, e nas fotografias juntas na audiência de julgamento, julgo provado que o hotel X 4*, apresentava as seguintes condições:
- as paredes do quarto estavam sujas;
- o roupeiro do quarto tinha uma dobradiça das portas solta na parte superior;
- os lençóis apresentavam manchas;
- o chuveiro do WC estava sujo;
- apareceram baratas no quarto, o que obrigou ao uso de inseticida;
- em 22.07.2016, a requerente e outros clientes que com ela ficaram instalados no hotel X apresentaram reclamação
diretamente no hotel, junto da requerida e ainda junto do operador turístico;
- a representante do operador turístico manteve, pelo menos, três reuniões com a requerente e outros clientes, tendentes a resolver os problemas reportados;
- tais reuniões, no seu conjunto, consumiram cerca de 1 dia da estada da requerente em Fuerteventura;
- a requerente apresentou reclamação por escrito, via correio eletrónico, dirigida à requerida, em 08.08.2016 (documentos de fls. 9);
- devido às condições do hotel onde ficou instalada, com a sua família, e à incomodidade, ao transtorno e ao tempo gasto nas reclamações que apresentou e reuniões em que participou, a requerente não aproveitou plenamente as férias, que não lhe proporcionaram o descanso e o revigoramento esperados.
4.1.3. Factos não provados
Por ausência ou insuficiência de material probatório carreado para os autos, susceptível de fundar uma convicção minimamente segura, julgo não provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
a) O hotel X 4* denotava já ter alguns anos, necessidade de remodelação, apresentando sujidade na zona exterior e na zona envolvente à piscina;
b) O hotel tinha horários muito curtos para tudo, nomeadamente para as refeições, sendo a requerente pressionada para se deslocar dentro dos horários e não à sua vontade, bem como para fazer as refeições dentro de horários apertados;
c) Os funcionários do hotel falavam sempre para a requerente e para os outros hóspedes em alemão;
d) A comida servida no hotel adequava-se mais a uma dieta para clientes oriundos de países do centro da Europa como a Alemanha, do que para clientes provenientes de países Ibéricos, ou seja, a zona geográfica onde se encontra instalado o hotel, como seria legitimamente expectável;
e) A requerida foi informada pelo Operador, na altura das queixas dos clientes, que durante a sua estada efetuou uma inspeção de Urgência ao hotel, realizada pela sua Delegada da Zona;
f) O Operador informou a requerida que não se verificou nenhuma incidência e que foi comprovado que os serviços e instalações do hotel X 4* cumpriam com todos os requisitos de qualidade da sua categoria e da reserva original dos clientes.
4.2. Resolução das questões de direito
4.2.1. A relação obrigacional entre a requerente e a requerida: o contrato de viagem organizada regulado pelo Decreto-Lei n.º 61/2011, de 06.05.
Atenta a factualidade apurada, importa, desde já, qualificar o contrato celebrado entre as partes para, a partir daí, determinar o regime jurídico aplicável.
Segundo o artigo 15.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 61/2011, de 06.05, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 26/2014, de 14.02, diploma que regula o acesso e exercício da atividade das agências de viagem e turismo, são viagens turísticas as que combinem dois dos serviços seguintes: a)
transporte; b) alojamento; c) serviços turísticos não subsidiários do transporte e do alojamento. Para que estejamos na presença de uma viagem turística basta, por isso, que haja combinação de, pelo menos, dois daqueles serviços.
Considera ainda o nosso legislador, nos termos do mesmo artigo e diploma, que as viagens turísticas em sentido amplo podem ser de três tipos: a) as viagens organizadas; b) as viagens “por medida”; c) e as que não se incluam em algum dos tipos anteriores, que se denominam por “viagens turísticas em sentido estrito”2.
Atento o enquadramento legal acima exposto e, bem assim, a matéria supra dada por provada, resulta que, entre requerente e requerida, foi celebrado um contrato de prestação de serviços, definido no artigo 1154.º do Código Civil, na modalidade de “viagem organizada”, disciplinado em especial pelo já referido Decreto-Lei n.º 61/2011, de 06.05, que, no seu artigo 15.º, n.º 2, define viagem organizada por referência aos seguintes elementos: a) combinação prévia dos serviços; b) contratação a um preço com tudo incluído; c) período de duração mínima de 24 horas e inclusão de uma dormida; d) natureza dos serviços combinados de transporte e alojamento.
Conforme XXXXXX XXXXXXX0, o contrato de viagem organizada surge como “… uma modalidade sui generis do contrato de prestação de serviços, onde a agência se obriga numa prestação de carácter intelectual e material que é, simultaneamente, uma obrigação de resultado. Está, assim, afastada a aplicabilidade das regras do mandato, nos termos do art. 1156.º CCiv, bem como da disciplina do contrato de empreitada, uma vez que o conceito de obra aí constante não abrange as criações intelectuais.
2 Esta última designação, que não tem consagração legal, é utilizada por XXXXXX XXXXXXX, O Contrato de Viagem Organizada, Xxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, p. 103.
3 XXXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 67.
Encontramo-nos, por isso, na presença de um novo tipo legal, objecto de uma regulamentação específica.”
Constitui objecto do contrato de viagem organizada – vulgarmente designada por “pacote turístico” ou “pacote de férias” – o conjunto dos serviços de transporte, alojamento, animação, restauração ou outros, e não cada um desses serviços individualmente considerados, cabendo à agência a escolha dos prestadores dos serviços contemplados no programa, bem como a sua coordenação.
Embora não preste esses serviços, a agência obriga-se a garantir a sua correcta execução pelos terceiros, que escolhe para o efeito.
4.2.2. Do mérito das pretensões da requerente
Vejamos agora as pretensões da requerente: a condenação da requerida a restituir-lhe a quantia de €2.000,00 despendida na compra da viagem organizada ou, subsidiariamente, a condenação da requerida no pagamento de uma indemnização de igual montante.
4.2.2.1. Da rescisão contratual e consequente reembolso da quantia despendida pela requerente
Quanto à pretensão principal da requerente, que tem por objecto a restituição do preço pago, a inexistência do direito de resolução (ou “rescisão” – ou qualquer outro direito que determine a cessação do contrato com efeitos restitutórios) que ela pressupõe determina a sua improcedência. Desde logo, tal direito não encontra apoio no artigo 26.º do Decreto-
Lei n.º 61/2011, de 06.05., por força do qual se confere ao cliente o direito potestativo de rescisão (rectius, de resolução não fundamentada ou ad nutum) do contrato celebrado com a agência de viagem “a todo o tempo, devendo a agência reembolsá-lo do montante antecipadamente pago, deduzindo os encargos a que, comprovadamente, o início do cumprimento
do contrato e a rescisão tenham dado lugar e uma parte do preço do serviço não superior a 15 %.”
Atenta a inserção sistemática da norma em causa no conjunto do diploma e, sobretudo, da leitura e interpretação do teor das normas plasmadas nos artigos 23.º, 24.º, 25.º e 27.º, além, claro, do próprio artigo 26.º, tem que concluir-se que a consagração daquela prerrogativa unilateral está pensada para a eventualidade de o cliente, após a conclusão do contrato, mas ainda durante a sua execução, seja antes da partida, por não comparência (no show) ou já no decurso da viagem, decidir, independentemente de qualquer fundamento legal ou convencional, extinguir o vínculo contratual, destruindo os efeitos do contrato e colocando as partes na posição em que se encontravam antes da celebração do mesmo.
Ora, no caso em apreço, atenta a factualidade adquirida nos autos, não se mostra que a requerente tenha exercido tal faculdade durante o período que mediou entre a celebração do contrato e o início da sua estada ou mesmo no lapso temporal correspondente à sua estada em Fuerteventura (desde o dia 22 ao dia 29 de julho de 2016), mediante declaração unilateral recetícia, dirigida à requerida, baseada em qualquer fundamento (objetivo) ocorrido posteriormente à celebração do contrato ou, simplesmente, por perda subjetiva de interesse na prestação.
A pretensão da requerente também não é acolhida pelo disposto no artigo 25.º do mesmo diploma. O direito de rescisão que o preceito consagra depende de eventual alteração do preço da viagem organizada (nos termos do artigo 23.º daquele diploma, maxime o seu n.º 4), ou de impossibilidade de cumprimento pela requerida, antes da partida, de obrigação essencial emergente do contrato, por facto não imputável ao cliente (nos termos do artigo 24.º do mesmo diploma, maxime o seu n.º 2)
No caso, não se verifica nenhum desses pressupostos constitutivos do referido direito de “rescisão”.
Improcede, portanto, a pretensão restitutória da requerente.
4.2.2.2. Da responsabilidade civil contratual da requerente
4.2.2.2.1. Subsidiariamente, a requerente, formula uma pretensão indemnizatória, dirigida ao ressarcimento de danos sofridos em consequência do alegado incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de viagem organizada celebrado com a requerida. A questão de saber se se concretizam, no caso, os pressupostos da obrigação de indemnizar identifica-se com a questão do apuramento dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil contratual.
Nos termos dos arts. 798. e ss. e 562.º e ss. do Código Civil, a responsabilidade civil (isto é, a obrigação de indemnizar) do devedor (no caso, a requerida) depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) ocorrência de danos sofridos pelo credor (no caso, a requerente); (ii) incumprimento das suas obrigações pelo devedor (o incumprimento corresponde, na responsabilidade contratual, ao “facto ilícito”); (iii) relação de causalidade entre o incumprimento do devedor e os danos sofridos pelo credor; (iv) culpa do devedor;
Creio que todos estes pressupostos se verificam no caso.
Antes de avançar, importa esclarecer os pressupostos em que assenta a sentença a respeito da distribuição do ónus da prova.
Mesmo para quem não partilhe o entendimento de MENEZES CORDEIRO4, segundo o qual a presunção de culpa do devedor estabelecida no n.º1 do art. 799.º do Código Civil, na linha da “faute” francesa (por
4 XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, Da Responsabilidade Civil dos Administradores, Lex, Lisboa, 1996, pp. 468-469.
oposição à cortante distinção germânica entre “culpa” e “ilicitude”) abrange também uma presunção de ilicitude e uma presunção de causalidade, “a responsabilidade contratual basta-se com o preenchimento do tipo «falta (…) ao cumprimento», sendo depois ao devedor que incumbe a «prova desoneradora» de causas de justificação […] ou de falta de causalidade entre a sua conduta, apta a realizar o resultado da prestação, e a sua não verificação […]” – de tal modo que “ao credor bastará provar a existência da obrigação, presumindo-se a sua subsistência e os prejuízos”5. E ainda que a referida presunção de causalidade se restrinja à causalidade “fundamentadora” (a que relaciona a conduta do devedor incumpridor com a violação do direito do credor), não incluindo a chamada causalidade “preenchedora” (a que liga a violação do direito do credor aos danos por ele sofridos), deve sublinhar-se que no direito português prevalece a “formulação negativa da causalidade adequada”, “que põe a cargo do lesado (o credor) o ónus de alegar e de provar a condicionalidade e a cargo do lesante (o devedor) o ónus de provar a inadequação. Quer isto dizer: “1.º que o lesado (…) tem o ónus de alegar e de provar que o facto é, em concreto, condição sine qua non do dano; 2.º que o lesante (…) tem o ónus de alegar e provar que o facto é, em abstracto, indiferente para o dano e só se tornou uma condição sine qua non dele em resultado de circunstâncias extraordinárias”6.
No caso dos autos, a requerente provou o que era seu ónus provar. Provou: (i) a existência do contrato de viagem organizada que a ligou à requerida, do qual deriva o seu direito (violado, no caso) à prestação dos serviços turísticos sem imperfeições ou perturbações; (ii) e provou que o incumprimento da requerida (o não cumprimento exato da obrigação de
5 XXXXX XXXX XXXXX, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. II, Coimbra Editora, 2008, p. 1111, nota 3118.
6 XXXX XXXXXX XXXXX XXXXXXXX, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, p. 651.
prestação do serviço de alojamento, manifestado nas condições de habitabilidade do quarto e de uso de algum mobiliário) foi condição sine qua non (causa sem a qual) não se teriam produzido os danos que a afetaram. A requerida não ilidiu a presunção de culpa que a onera, nem provou nenhum facto que justificasse o incumprimento da obrigação de prestação exata do serviço de alojamento.
É certo que o serviço de alojamento hoteleiro não foi diretamente prestado pela requerida. Todavia, um dos aspectos mais marcantes do regime jurídico das viagens organizadas consiste, precisamente, no facto de as agências (organizadoras e vendedoras) se obrigarem a garantir o exato cumprimento por parte dos terceiros que, diretamente, prestam os serviços incluídos no programa de viagem. É, justamente, esta “responsabilidade objectiva” por facto de terceiro que o legislador acolhe no art. 29.º do Decreto-Lei n.º 61/2011, de 06.05.
Esta disciplina legal, particularmente exigente para as agências e para os operadores turísticos, é inteiramente compreensível. Trata-se de programas “comercializados repetitivamente, por vezes ao longo de anos, com um elevado número global de participantes”, pelo que “as agências estão em condições de conhecer bem a oferta disponível, de fornecer sobre ela informações completas e fidedignas e de acompanhar e controlar regularmente, in loco, as condições de execução dos serviços compreendidos. A cognoscibilidade e o relativo controlo dos factores de risco, a sua fácil contabilização e absorção como custos empresariais, tornam admissível uma responsabilização que se estenda para além da imputação por culpa.”7
Xxxxxx, e em suma, ainda nas palavras de XXXXXXX XX XXXXX XXXXXXX, as agências são detentoras do “conhecimento técnico que dará
7 XXXXXXX XX XXXXX XXXXXXX, O contrato de viagem organizada, na lei vigente e no anteprojecto do Código do Consumidor, in Estudos em Homenagem da Faculdade de Direito de Lisboa ao Professor Doutor Xxxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx, 90 Anos, Coimbra, Almedina, p. 560.
suporte e garantia a uma eficaz selecção e combinação unificadora dos serviços parcelares pretendidos”, pelo que “a intervenção da agência é um factor de confiança para o turista, a todos os níveis”, nomeadamente “no da criteriosa escolha dos prestadores de serviço.”8
4.2.2.2.2. É inequívoco, em face dos factos considerados provados, que as deficientes condições do alojamento [ver, supra, 4.1.2.-h)] onde ficou instalada a requerente e a sua família causaram danos à requerente e à sua família: incomodidade, transtornos e perda de tempo de férias com reclamações e reuniões com a direção do hotel e o operador turístico.
Trata-se do conhecido “dano das férias estragadas” (danno da vacanza rovinata), porquanto as expectativas da requerente em passar umas férias descontraídas e sem preocupações, na companhia do seu marido e filha, saíram lesadas.
Como explica XXXXXX XXXXXXX, na mesma obra que vimos citando, “parece adquirir autonomia o dano resultante da frustração da viagem, dos inconvenientes, preocupações, desilusões e aborrecimentos resultantes da não realização da viagem organizada ou da sua execução em modo diverso daquele que foi contratado.”9
E perfilhando o entendimento que vem sendo adotado mesmo “nos ordenamentos mais restritivos em relação à reparabilidade de danos não patrimoniais” e, bem assim, pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia10, consideramos o dano das “férias estragadas” um dano
8 Op. cit., pp. 560-561.
9 XXXXXX XXXXXXX, O Contrato de Viagem Organizada, p. 229.
10 Conforme refere XXXXXXX XX XXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 581, no direito italiano, «após o leading case decidido pelo Tribunal de Roma, em 6 de outubro de 1989, os tribunais têm reconhecido, de modo quase uniforme, o direito a indemnização pelo “dano das férias estragadas”». E prossegue: «[e]ste tipo de dano encontra-se, aliás, expressamente previsto no §651f do BGB, como dano “por uso sem utilidade do tempo de férias” (wegen nutzlos aufgewendeter Urlaubszeit). Também o Tribunal de Justiça, num acórdão de 12 de março de 2002 (processo C-168/00), proferido a título prejudicial a pedido do Landesgericht Linz, e a propósito de um litígio em que estava em causa a reparação do dano causado pela perda do gozo de férias, decidiu que o artigo 5.º da directiva [Directiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados] “deve ser interpretado no sentido de
não patrimonial, suscetível, face ao disposto no nosso ordenamento jurídico, de ser reparado.
Trata-se, é certo, de danos não patrimoniais (isto é, não convertíveis diretamente numa quantia pecuniária equivalente). Mas trata-se, também, de danos não patrimoniais com suficiente “gravidade” para “merecerem a tutela do direito”, nos termos do art. 496.º do Código Civil.
É conhecida a controvérsia doutrinal a respeito da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no domínio da responsabilidade contratual11. No âmbito das relações reguladas pelo direito do consumidor – como sucede com aquela de que se trata nos autos –, todavia, o legislador tomou expressamente posição sobre o problema, não deixando espaço para a polémica. Com efeito, o art. 12.º/1 da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de julho), atribui ao consumidor o “direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos”. Solução que é confirmada, no domínio específico das viagens organizadas, pela norma do artigo 35.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 61/2011, de 06.05, onde se fixa o âmbito de incidência do seguro (obrigatório) de responsabilidade civil.
Não é simples a tarefa de quantificação da compensação por danos não patrimoniais. De acordo com o n.º 3 do art. 496.º do Código Civil, e o art. 494.º, para o qual remete, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso,” “(…) o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”.
conferir, em princípio, ao consumidor um direito à reparação do dano moral resultante da não execução ou incorreta execução das prestações incluídas numa viagem organizada.”». Mais desenvolvidamente, sobre o “dano das férias estragadas” ou “dano das férias arruinadas”, vide, também, XXXXXX XXXXXXX, op. cit., p. 228-232.
11 Veja-se, sobre o ponto em questão, XXXXX XXXXX XX XXXXXXX XXXXX, Direito das Obrigações, 12.ªEd., Almedina, 2011, pp. 603-604.
“A equidade não reclama certamente uma decisão que reconheça só parcialmente a razão a um sujeito. Sem prejuízo da sua flexibilidade, não se trata, portanto, como por vezes se pensa, de, sob a sua capa, distribuir (acriticamente) “o mal pelas aldeias”, impondo uma repartição de sacrifícios a quem não a merece”12. Ainda assim, e sobretudo quando a equidade “é convocada para a solução de aspectos quantitativos”, “sobra sempre uma margem de discricionariedade, um espaço de conformação, uma escolha no intervalo entre os limites mínimo e máximo, que depende afinal da norma técnica ou do critério que, de entre os possíveis, o avaliador, segundo a equidade, prefira utilizar”13. O recurso a “juízos de equidade” permite uma “justiça individualizadora”14, centrada nas particularidades do caso concreto, em que “basta a persuasividade intrínseca do critério invocado para resolver (bem) a situação singular sub iudice”15.
A subjetividade do julgador (que deve ser responsavelmente assumida, em vez de ser escondida) é, no campo da compensação por danos não patrimoniais, uma dimensão ineliminável da decisão. Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/05/2013, proferido no processo n.º 1721/08.5TBAVR.C1, disponível em xxxx://xxx.xxxx.xx/: “A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista, não obedecendo o seu cálculo a uma qualquer fórmula matemática, podendo por isso, variar de acordo com a sensibilidade do julgador ao caso da vida que as partes lhe apresentam”.
É sabido, por outro lado, que os danos não patrimoniais não são propriamente “indemnizáveis”, no sentido em que não são suscetíveis de “restauração natural”, nem reduzíveis a um equivalente pecuniário.
12 XXXXXX XXXXXXXX DA FRADA, A Equidade (ou a “Justiça com Coração”), in ROA, 2012, p. 131.
13 XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXXXX, Determinação do Preço por Terceiro, in Cadernos de Direito Privado, n.º 30, p. 7.
14 XXXXXXX XXXXXXX XXXXXXXX, A Decisão Segundo a Equidade, in O Direito, ano 122, 1990, p. 267.
15 XXXXXX XXXXXXXX XX XXXXX, Ob. cit, p. 132.
Verdadeiramente, mais do que “remover” o dano (como sucede na indemnização em sentido próprio, quer na modalidade de restauração natural, quer na modalidade de “indemnização em dinheiro”), trata-se de atribuir ao lesado uma quantia que lhe possa proporcionar uma “satisfação” capaz de “compensar” o dano sofrido. “O objectivo essencial é proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material, a única possível, que lhe possibilite obter e desfrutar de alguns prazeres ou distrações da vida até mesmo de ordem espiritual que visam atenuar de alguma forma a sua dor”16.
No caso, considerando todos os factores decisórios relevantes – a “justiça individualizadora” própria da equidade, a implicar a consideração da especificidade do caso, a natureza “compensatória” da reparação dos danos não patrimoniais e o grau de culpa da requerida (não sendo possível, por falta de dados, a consideração da situação económica das partes), os concretos aborrecimentos e inconveniências causados à requerente –, creio equitativa uma compensação de € 350,00.
5. Decisão
Nestes termos, com base nos fundamentos expostos, julgando a acção parcialmente procedente, condeno a requerida a pagar à requerente a quantia de € 200,00 (duzentos euros).
Notifique-se
Porto, 23 de janeiro de 2017,
16 XXX XXXXXX XX XXXXXXX XXXXXX, A Reparação dos Danos na Responsabilidade Civil, Um Olhar sobre a Xxxxxxxxxxxxxx, Xxxxxxxx, 0000, p. 30.
O Juiz-árbitro (Xxxxx Xxxxxx)
Resumo:
1. A requerente, alegando que os serviços incluídos na viagem organizada que adquiriu à requerida, com destino a Fuerteventura (Espanha), não foram prestados de acordo com o contrato, sobretudo em relação às instalações hoteleiras, pede que a requerida seja condenada a restituir-lhe a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) ou, caso assim não se entenda, a pagar uma indemnização de igual montante.
2. A requerida apresentou contestação escrita, na qual, apesar de confirmar que efetuou a reserva na unidade hoteleira onde a requerente ficou instalada, alega que os serviços incluídos no programa de viagem foram prestados conforme ao contrato e que a unidade hoteleira se encontra devidamente classificada pelas autoridades competentes como estabelecimento turístico de “4 estrelas”, cumprindo todos os requisitos de qualidade da sua categoria.
3. O tribunal, reconhecendo a verificação de execução defeituosa do serviço de alojamento incluído no programa da viagem organizada comercializada pela requerida e, em consequência daquela, de danos não patrimoniais sofridos pela requerente, julgou a acção parcialmente
procedente, condenando a requerida a pagar à requerente a quantia de € 200,00 (duzentos euros).