NOVE RAZÕES PARA DIZER NÃO AOS CONTRATOS COM O AGRONEGÓCIO DO DENDÊ
NOVE RAZÕES PARA DIZER NÃO AOS CONTRATOS COM O AGRONEGÓCIO DO DENDÊ
Por que as pequenas e pequenos agricultores perdem ao produzir para a indústria
de óleo de dendê?
Baseado em experiências da América Latina, da África Subsaariana e do Sudeste Asiático
Gostaríamos de agradecer a Xxxx Xxxxx Xxxxxx, Xxxxxx Xxxxx, Xxxxxxxx Xxxxx, Xxxxx Xxx Xxxxxxxx, Xxxxxx Xxxxxxxxx, Xxxxxxx Xxxxx, Xxxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxxx, Xxxx Xxxxxxx, Xxxxx Xxxxxxx Xxxxxx Xxxxxx e Xxxxx Xxxxxxx, por suas valiosas contribuições.
Layout e ilustrações: Xxxxxxx Xxxxxx
Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM)
Junho de 2021
Este trabalho foi possível graças às contribuições de Misereor/KZE (Alemanha), da Agência Sueca de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional (Sida), através da Sociedade Sueca para a Conservação da Natureza (SSNC), e da organização suíça Pão para Todos (BfA). As visões aqui expressas não refletem necessariamente a opinião oficial dos colaboradores ou de seus financiadores.
Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM) Av Bolivia, 1962 BIS
CP 11500
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NOVE RAZÕES PARA DIZER NÃO AOS CONTRATOS COM O AGRONEGÓCIO
DO DENDÊ
Por que as pequenas e pequenos agricultores perdem ao produzir para a indústria de óleo de dendê?
BASEADO EM EXPERIÊNCIAS DA AMÉRICA LATINA, DA ÁFRICA SUBSAARIANA
E DO SUDESTE ASIÁTICO
2 Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 3
SUMÁRIO
Introdução 4
A indústria do óleo de dendê 6
O que é um contrato de integração? 9
O que é um contrato 9
Por que os contratos com empresas são tão perigosos
para as pequeñas e pequenos agricultores? 11
Como as empresas de óleo de dendê fazem com que as pequenas e pequenos agricultores assinem o contrato? 13
Nove razões para dizer Não aos contratos
com o agronegócio de dendê 15
PROMESSA 4
PROMESSA 5
PROMESSA 6
PROMESSA 7
PROMESSA 8
PROMESSA 9
A empresa proporciona segurança ao
comprar toda a produção de frutos de dendê 22
As pequenas e pequenos agricultores ficarão
ricos plantando dendê para a empresa 24
É possível cultivar alimentos
entre os dendezeiros 27
O programa de integração
também inclui mulheres 30
A empresa compartilha os benefícios com
as pequenas e pequenos agricultores, ou seja,
um negócio no qual todas e todos ganham 32
Uma forma “nova” e melhor
de integração agrícola 34
PROMESSA 1
PROMESSA 2
PROMESSA 3
Receber pagamentos assim que
o contrato for assinado 16
A empresa fornece mudas de dendezeiro e fertilizantes
para quem assina o contrato 18
A empresa oferece assistência técnica 20
Considerações finais: Resistir aos contratos de integração enquanto se fortalece a agricultura camponesa 38
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INTRODUÇÃO
A principal preocupação de pequenas e pequenos agricultores é preservar e reproduzir seu modo de vida, e a autonomia é fundamental para esse objetivo. São elas e eles que zelam por suas próprias terras e pela vegetação, o solo e a água. Dependem desse cuidado com a terra que os sustenta.
Ao longo de muitas gerações, estas camponesas e camponeses acumularam amplo conhecimento sobre a coleta de alimentos silvestres e sobre a caça e a pesca. Eles também sabem como selecionar e reproduzir sementes, e como manejar e usar uma ampla variedade de cultivos e plantas silvestres. Esse conhecimento, bem como a autonomia para decidir quando e como trabalhar, e a quem vender a produção para obter renda, permite que famílias e comunidades de pequenas e pequenos agricultores desfrutem da soberania alimentar.1 As redes de solidariedade e colaboração mútua que construíram entre famílias, coletivos e comunidades cumprem um papel importante na promoção da pequena agricultura.
No entanto, esse tipo de agricultura está sob constante
ameaça há décadas. Os modos de vida destas agricultoras
1 A soberania alimentar é o direito das pessoas a consumir alimentos saudáveis e culturalmente apropriados, produzidos com métodos ecologicamente corretos e sustentáveis, e definir seus próprios sistemas alimentares e agrícolas. No centro dos sistemas e das políticas alimentares, a soberania alimentar coloca as aspirações e necessidades daqueles que produzem, distribuem e consomem alimentos – e não as demandas dos mercados e das empresas. Declaração de Nyéléni, Mali, 2007
Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 5
Apesar de terem acesso a menos de um quarto de todas as terras agrícolas do planeta, as pequenas e pequenos agricultores cultivam a maior parte dos alimentos que acabam em nossos pratos. Mesmo assim, o número destes agricultores vem diminuindo no mundo todo, enquanto aumenta a quantidade de terras controladas pelo agronegócio, como as empresas de óleo de dendê. Ao retirar terras de pequenas e pequenos agricultores, essas empresas os expõem ao risco de passar fome.2
AS PEQUENAS E PEQUENOS AGRICULTORES SÃO OS PRINCIPAIS FORNECEDORES DE ALIMENTOS DO MUNDO
e agricultores vêm sendo fragilizados, e suas vozes raramente são levadas em consideração quando os governos tomam decisões que afetarão suas terras. Em vez disso, as autoridades distribuem concessões ou fornecem incentivos para que as empresas ocupem grandes áreas de terras que há muito vinham sendo usadas para agricultura camponesa e/ou coleta de produtos florestais.
2 Hambrientos de tierra: los campesinos alimentan al mundo
– con menos de una cuarta parte de la tierra agrícola https:// xxxxxxxxxxxx.xxx/xx/?xx0000
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A INDÚSTRIA DO ÓLEO DE DENDÊ
O principal foco das indústrias de óleo de dendê é maximizar seus lucros. Seu objetivo é manter os custos de produção em níveis mínimos e vender o máximo possível de óleo. E quanto mais terras elas puderem controlar, mais óleo poderão vender. Em muitos lugares, a produção industrial de óleo de dendê se tornou uma ameaça real
a pequenas e pequenos agricultores. Com apoio total de governos e instituições financeiras (como os bancos),
as empresas de óleo de dendê assumiram o controle de centenas de milhões de hectares de terra, e destruíram e contaminaram áreas de pesca, solos férteis e florestas. Esse controle por parte das empresas também resultou em:
• Poucos empregos, mal remunerados e perigosos: os poucos empregos que as empresas disponibilizam aos membros das comunidades geralmente incluem tarefas que os expõem a agrotóxicos perigosos e outros riscos. Esses empregos também são mal remunerados, e o risco de acidentes é alto.
• Poluição: é generalizada a poluição do solo e da água potável por agrotóxicos e fertilizantes usados em grandes quantidades nas plantações, que afetam negativamente a saúde das trabalhadoras e
trabalhadores e as comunidades próximas. Geralmente, são trabalhadoras mulheres que aplicam esses agrotóxicos.
• Violência: As famílias agricultoras enfrentam a ameaça de ser despejadas e ter que encontrar outro lar, sob risco de acabar na penúria e na indigência. Vigilância e restrições à mobilidade também são comuns.
Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 7
• Violência contra as mulheres: As mulheres correm riscos especialmente altos de sofrer violência dentro e perto das plantações das empresas, pois são cada vez mais expostas a várias formas de abuso, incluindo violência sexual e estupro.
Com o aumento da resistência a essas grandes concessões, as empresas começaram a usar outras estratégias para assumir o controle das terras das comunidades, que incluem a terceirização do plantio por meio de programas de integração entre pequenas e pequenos produtores e empresas. Esse sistema permite que as empresas assumam o controle de áreas cada vez mais amplas e aumentem
sua produção de óleo de dendê sem ser acusadas de se tornarem latifundiárias nem de expulsar famílias
camponesas. Os governos também começaram a promover esses sistemas para evitar os conflitos sociais que as grandes concessões a empresas provocam. Outro nome para isso é contrato de integração ou de parceria.
A agricultura sob contratos de integração também se tornou uma tática usada pelas empresas de óleo de dendê para ter acesso a novos financiamentos, muitas vezes públicos, de bancos de desenvolvimento, agências de ajuda, governos e outros financiadores. Elas afirmam que esses contratos beneficiam as pequenas e pequenos agricultores, quando, na verdade quem se beneficia deles são as empresas e seus financiadores.
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A NOVA ESTRATÉGIA DA OLAM PARA EXPANDIR PLANTAÇÕES DE DENDÊ NO GABÃO
A OLAM International é uma empresa transnacional que atua no negócio de óleo de dendê no Gabão. Desde 2009, recebeu grandes concessões de terras do governo nas províncias de Estuaire e Ngounié.
A empresa pretende se tornar a maior produtora de óleo de dendê da África. Depois de ter sido acusada de grilagem de terras em grande escala, destruição da pequena agricultura e desmatamento, a empresa mudou de estratégia. Em vez de apenas estabelecer plantações de dendê administradas por ela própria, a OLAM criou a SOTRADER, empresa da qual é coproprietária juntamente com o Estado do Gabão. A SOTRADER lançou o projeto GRAINE em 2015, sob a bandeira da promoção da segurança alimentar no país. O projeto também incluía um programa de contratos de integração para dendê, prometendo benefícios às pequenas e pequenos agricultores. A OLAM garantiu financiamento do Banco Africano de Desenvolvimento para o projeto.
A SOTRADER obteve uma concessão de 54.400 hectares na província de Ngounie e começou a ampliar suas operações a extensas e férteis áreas de savana. Também decidiu que seriam estabelecidos 18 mil hectares de plantações de dendezeiros para as comunidades. A OLAM elaborou planos para organizar as famílias em cooperativas de 150 a 300 membros, onde cada um receberia entre quatro e sete hectares com plantações de dendê. Em outros 12 mil hectares, a OLAM começou a expandir as plantações de dendê sem organizar cooperativas, como faz com as plantações dentro de suas próprias áreas de concessão.
Em 2020, após cinco anos, a gestão de todas as plantações de dendê da SOTRADER era feita integralmente pela OLAM. Os membros das comunidades foram empregados nas plantações da OLAM, mas
os salários são muito baixos e dependem da produtividade das trabalhadoras e trabalhadores, e não do número de horas trabalhadas por dia ou semana.
Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 9
O QUE É UM CONTRATO DE INTEGRAÇÃO?
Ao assinar um contrato desse tipo, uma agricultora ou agricultor se compromete a trabalhar em sua terra de acordo com as regras ditadas pela empresa de óleo de dendê. Essas regras estabelecem exatamente como ela ou ele deve plantar dendezeiros em suas próprias terras e exigem que venda os frutos a essa empresa, geralmente com exclusividade, pelo preço definido pela empresa.
A empresa apresentará um contrato elaborado por seus advogados, cujas regras não costumam estar sujeitas
a negociação – o agricultor recebe uma oferta do tipo “pegar ou largar”. As empresas geralmente chamam aos que assinam esses contratos de agricultores ou pequenos produtores integrados, mas também usam outros termos simpáticos, como “parceiros” ou “aliados”.
O QUE É UM CONTRATO?
Um contrato é um acordo escrito entre duas ou mais partes, que se torna válido depois de todas essas partes assinarem uma cópia (em papel).
No caso de contratos entre pequenas e pequenos produtores integrados e empresas de óleo de dendê, as principais partes são o/a agricultor/a e a empresa de óleo de dendê. Além do contrato com a empresa
específica, o/a agricultor/a pode precisar assinar outro,
com um banco ou um órgão do governo. Por exemplo, em alguns casos, a/o agricultor/a terá de fazer um
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empréstimo para começar a plantação de dendezeiros, o que também requer a abertura de uma conta bancária, se ainda não tiver.
Às vezes, ela ou ele assina um contrato como membro de um grupo maior de pequenas e pequenos produtores, por exemplo, uma associação.
Muitas empresas de óleo de dendê em Camarões prometeram a seus clientes que nenhuma floresta será destruída para viabilizar a produção. Eles chamam isso de política de “desmatamento zero”.
Como parte dela, as empresas começaram a usar um novo esquema envolvendo programas de integração: para isso, criam grupos de agricultoras e agricultores que têm que assinar contratos de 30 anos. Os contratos exigem que esses grupos estabeleçam plantações de dendezeiros em suas terras, com mudas selecionadas. Cada grupo que assina o contrato recebe uma quantidade significativa de dinheiro, e terá que produzir com exclusividade para a empresa. A empresa não é visível, mas dita o uso da terra e fornece às agricultoras e agricultores os meios para destruir as terras florestais e substituí-las por plantações de dendezeiros. Assim, a empresa pode culpar as pequenas e pequenos agricultores pela destruição e se apresentar como um empreendimento que não destrói florestas.
UM NOVO PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO AGRÍCOLA EM CAMARÕES
Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 11
POR QUE OS CONTRATOS COM EMPRESAS SÃO TÃO PERIGOSOS PARA AS PEQUENAS E PEQUENOS AGRICULTORES?
🞈 Existe um grande desequilíbrio de poder entre as par- tes. Empresas, governos e bancos gastam muito dinheiro, tempo e conhecimento jurídico redigindo contratos que lhes beneficiem. Eles também descobriram maneiras mui- to eficazes de fazer com que a outra parte – a pequena ou pequeno agricultor – cumpra as condições estabelecidas no contrato. Por exemplo, se a/o agricultor/a deixar de cumprir os termos, o contrato diz que ela ou ele sofrerá as consequências jurídicas, que podem incluir multas ele- vadas e até mesmo a perda da terra. Mas não há previsão desse tipo de penalidade ou multa para a outra parte do contrato: empresas, governos e/ou bancos.
Questão para o debate
Você já viu ou ouviu falar de outras táticas que as empresas de dendê usam em sua região ou seu país para evitar confiitos e imagem negativa?
As agricultoras e agricultores, por sua vez, têm menos expe- riência, dinheiro e tempo para dedicar a compreender os de- talhes do contrato. Pode ser a primeira vez que uma deter- minada agricultora ou agricultor assina esse tipo de contrato, ao passo que a empresa provavelmente já assinou centenas ou milhares de acordos parecidos em diferentes partes do mundo. Essa experiência se reflete na estratégia da empresa para fazer com que a/o agricultor/a assine o contrato.
🞈 Os contratos estão cheios de palavras e expressões que não costumam ser usadas pelo povo em geral. Às vezes, es- tão até redigidos em idiomas estrangeiros. Como resultado, ao assinar os papéis, as agricultoras e agricultores podem nem conseguir ler ou entender completamente o conteúdo.
12 Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 13
🞈 As empresas costumam apressar as agricultoras e agri- cultores para que assinem os documentos. Elas não têm qualquer interesse em ajudar a/o agricultor/a a entender os detalhes do contrato, e é por isso que muitas vezes não lhes dão tempo suficiente para buscar orientação de pessoas em quem confiem. Elas sabem: uma vez que o documento é assi- nado, a/o agricultor/a fica preso ao contrato com a empresa e/ou banco por muito tempo, geralmente 15 a 30 anos.
🞈 Em uma negociação entre agricultoras e agricultores, geralmente o que conta é a palavra dita, e não o que está escrito em um pedaço de papel. O representante da em- presa vai explorar esse costume e dizer: “É isso que está escrito no contrato, é só assinar aqui”. Ele evitará mencio- nar partes do contrato que sejam perigosas ou arriscadas para a/o agricultor/a. E quanto mais perigosas ou arris- cadas forem as regras, mais fica confuso ou difícil será
de entender o que está escrito. Nenhuma agricultora ou agricultor assinaria se soubesse que essas regras arrisca- das também faziam parte do contrato.
Não, os contratos nem sempre são escritos, embora geralmente o sejam. Na Indonésia, por exemplo, há casos em que os acordos entre empresas e comunidades são feitos verbalmente. O acordo é baseado apenas na palavra da empresa, e nada é colocado no papel. Existem outros casos em que há contrato, mas a empresa não fornece uma cópia à comunidade. O líder da comunidade pode nem ter assinado, mas a empresa diz que tudo foi acordado em uma reunião com ele.
OS CONTRATOS SÃO SEMPRE ESCRITOS?
🞈 Ao assinar um contrato na condição de membros de um grupo maior (por exemplo, uma associação), as agriculto- ras e agricultores podem nem perceber que estão assinan-
do algo que os obriga a produzir frutos de dendê exclusi- vamente para aquela empresa.
Para as agricultoras e agricultores da África Ocidental e Central, os perigos dos programas de integração são diferentes dos de outras regiões. As comunidades dessas regiões evoluíram junto com os dendezeiros, e suas culturas locais envolvem o cultivo e uso do dendê e seu óleo. Isso não acontece em outras regiões onde as empresas estabeleceram suas plantações industriais de dendê, com exceção de algumas partes da América Latina onde há comunidades com fortes raízes africanas. Nos países latino-americanos e asiáticos, assinar um contrato com empresas de dendê significa entrar na produção de um cultivo industrial para a qual, na maioria das vezes, não existe um processamento artesanal e mercado local. As únicas opções para a agricultora ou agricultor vender os frutos do dendê são a empresa ou
uma cooperativa ligada a ela. Na África Ocidental e Central, no entanto, as agricultoras e agricultores cultivam dendezeiros desde tempos imemoriais, e costumam ter experiência em métodos de produção em pequena escala, que lhes permitem abastecer o mercado local de óleo de dendê sem depender de uma grande empresa do setor.
PERIGOS DIFERENTES PARA PEQUENAS E PEQUENOS AGRICULTORES DE DIFERENTES REGIÕES
COMO AS EMPRESAS DE ÓLEO DE DENDÊ FAZEM COM QUE AS PEQUENAS E PEQUENOS AGRICULTORES ASSINEM O CONTRATO?
A situação que leva a agricultora ou agricultor a estar preso a um contrato de integração geralmente começa com uma visita do representante da empresa de óleo de dendê em sua casa, às vezes acompanhado de uma
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autoridade local ou alguém com cargo público, como um vereador ou deputado. Depois de inspecionar a terra junto à agricultora ou agricultor, o representante da empresa falará sobre seu programa de integração de pequenos produtores e fará uma oferta de adesão.
A empresa afirmará que a agricultora ou agricultor pode enriquecer se aderir ao programa, que tudo o que ela ou ele tem que fazer é assinar um acordo (o contrato) se
comprometendo a plantar dendê para a empresa nas suas terras. Muitas vezes, a empresa promete que a agricultora ou agricultor poderá continuar plantando alimentos em suas terras e se oferece para comprar todos os frutos que os dendezeiros produzirem.
Como discutiremos a seguir, isso não é uma oferta, e sim uma armadilha. A agricultora ou agricultor não poderá vender frutos a outros compradores potenciais e deverá aceitar o preço estabelecido pela empresa.
Porém, as empresas e o governo apresentam o contrato de integração como um negócio onde todos têm a ganhar,
ou seja, um negócio que, segundo eles, só trará benefícios à pequena ou pequeno agricultor e à empresa. As promessas têm um só propósito: assinar rapidamente o contrato, de forma que o plantio de dendê para a empresa possa começar imediatamente. É por isso que eles se certificarão de que
as agricultoras e os agricultores não tenham tempo para
pensar sobre a decisão ou encontrar informações sobre as experiências de pequenas e pequenos produtores de outros lugares. Uma vez assinado o contrato, são obrigados a obedecer às regras da empresa e perdem sua autonomia.
A seguir, discutiremos nove das promessas mais comuns que as empresas fazem com relação aos contratos de integração – e as informações que elas costumam ocultar.
Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 15
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NOVE RAZÕES PARA DIZER NÃO AOS CONTRATOS COM O AGRONEGÓCIO
DO DENDÊ
As empresas fazem promessas... mas
o que essas promessas significam na prática?
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Promessa 1:
Receber pagamentos assim que o contrato for assinado
O que as empresas escondem:
Acumular dívidas desde o início
JUROS
Uma vez que o contrato é assinado e a agricultora ou agricultor começa a plantar dendezeiros em suas terras, a empresa geralmente já faz os pagamentos, embora
DÍVIDAS
os dendezeiros ainda não estejam produzindo frutos.
Esses pagamentos não são doações, e sim empréstimos. Além disso, a empresa geral- mente faz esses pagamentos por um tempo limitado, raramente mais de três meses.
Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 17
Os empréstimos são feitos por um banco ou pela própria empresa, e têm que ser pagos em um prazo de três a cin- co anos, que é o tempo aproximado que os dendezeiros levam para dar frutos.
Para que servem esses pagamentos? Servem para manter a agricultora e agricultor durante o tempo em que precisa trabalhar constantemente nas plantações de dendê,
mas no qual os dendezeiros ainda dão poucos frutos. Nesses primeiros anos, não há muito o que vender para a empresa. Se os dendezeiros demorarem mais do que o
esperado para produzir frutos, a agricultora ou agricultor pode precisar de mais dinheiro emprestado e se endividar ainda mais.
Questões para o debate
O que significa para uma família camponesa estar endividada por um longo período?
O que acontece quando o empréstimo vai ficando maior e não pode ser pago nos termos do contrato?
Considerando-se que esse dinheiro é um empréstimo, o banco ou a empresa cobrarão juros. Isso significa que a dívida da agricultora ou agricultor continuará crescendo.
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Promessa 2:
A empresa fornece mudas de dendezeiro e fertilizantes para quem assina o contrato
O que as empresas escondem:
As agricultoras e agricultores terão que pagar por esses insumos e acabarão com uma renda
muito menor do que esperavam
Mesmo que deem de presente algumas mudas de dendezeiro, as empresas não fornecerão todas de graça, nem os fertilizantes. A agricultora ou agricultor terá que arcar com o custo das mudas de alto rendimento e do fertilizante específico e caro que será obrigado a usar.
A empresa ou o banco deduzirão o dinheiro dos pagamentos que farão à agricultora ou agricultor assim que ela ou ele começar a lhe vender frutos de dendê.
O custo das mudas e do fertilizante pode reduzir o pagamento prometido em 25% a 40%.
Quando insetos ou doenças prejudicarem a plantação de dendezeiros, a agricultora ou agricultor terá que aplicar agrotóxicos que ela ou ele mesmo deverá comprar, e isso também vale para ferramentas e equipamentos.
Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 19
A empresa não fornecerá o equipamento de proteção que deve ser usado ao se aplicar o fertilizante químico ou agrotóxico. Se quiser
usá-lo, a agricultora ou agricultor também terá que pagar por ele. Se a empresa oferecer outras ferramentas ou equipamentos, cobrará
da agricultora ou agricultor posteriormente.
Com frequência, a empresa cobra preços muito mais altos do que os fornecedores locais.
Questões para o debate
O que acontece se o fertilizante específico que a empresa quer que seja aplicado nas plantações não estiver disponível na região ou a empresa cobrar muito mais do que o preço do mercado local?
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Promessa 3:
Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 21
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Normalmente, o contrato inclui uma cláusula que dá aos agrônomos da empresa acesso à propriedade da
A empresa oferece assistência técnica
O que as empresas escondem:
A agricultora ou agricultor é obrigado a seguir as instruųões do agrônomo da empresa
As empresas oferecem assistência técnica apenas por um curto período, geralmente durante os primeiros anos do contrato. E essa assistência tem um preço alto.
agricultora ou agricultor a qualquer momento. Os técnicos podem entrar na propriedade quando quiserem e ditar a forma como deve ser manejada a plantação de dendê.
Eles vão dizer que vieram ajudar, mas, na verdade, vêm para se certificar de que a agricultora ou agricultor esteja cumprindo as regras do contrato. É como se tivesse se tornado empregada ou empregado da empresa em suas próprias terras. Se as instruções do técnico não forem seguidas, ele pode relatar isso à empresa.
A seguir, a empresa pode atrasar os pagamentos ou aplicar multas, alegando que a agricultora ou agricultor não cumpriu integralmente as cláusulas do contrato e, por isso, ela irá reduzir ou interromper os pagamentos até que a agricultora ou agricultor corrija seu comportamento.
Questões para o debate
Como você se imagina trabalhando com um agrônomo que pode entrar na sua propriedade a qualquer momento, impor punições e decidir o que você tem que fazer?
Que tipo de consequências isso pode ter para sua própria maneira de praticar a agricultura?
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Promessa 4:
A empresa proporciona seguranųa ao comprar toda
a produųão de frutos de dendê
Nine reasons to say no to contract farming with palm oil companies 23
O que as empresas escondem:
A agricultora ou agricultor perde
a liberdade de decidir a quem vender
O contrato geralmente diz que a agricultora ou agricultor é obrigado a vender todo o dendê produzido em
suas terras à empresa responsável pelo programa de integração.
Isso significa que a terra continua sendo propriedade da agricultora ou agricultor, mas o dendê é da empresa.
Questões para o debate
Que riscos as agricultoras e agricultores correm se a empresa pagar muito menos do que ela ou ele esperava pelo dendê?
Também significa que haverá punições se uma agricultora ou agricultor vender esse dendê a outro comprador que pague um preço melhor.
A empresa pode inclusive ameaçar cancelar o contrato, exigir o reembolso imediato do dinheiro já pago ou impor pagamentos extras para cobrir as despesas que diz ter tido enquanto ajudava a agricultora ou agricultor a estabelecer sua plantação.
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Promessa 5:
As pequenas e pequenos agricultores ficarão ricos plantando dendê para a empresa
O que as empresas escondem:
Depois de deduzidas todas as despesas, os pagamentos
recebidos são muito menores do que o esperado, muitas vezes
deixando a família de bolsos vazios
A empresa determina o preço. Os pagamentos são baseados no peso dos frutos de dendê in natura entregues à empresa. Segundo a maioria dos contratos, o preço no mercado mundial determina quanto a empresa pagará à agricultora ou agricultor. Pode até ser assim, mas também é fácil para a empresa definir um preço diferente, por exemplo, alegando que a qualidade dos frutos não é boa
o suficiente (veja abaixo). No final das contas, é a empresa que define o preço, e não a produtora ou produtor.
Qualidade inferior significa menos dinheiro. As mudas que uma agricultora ou agricultor planta podem ser
as mesmas usadas nas plantações da empresa, mas seu rendimento e a qualidade dos cachos de dendê
Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 25
costumam ser inferiores porque as pequenas e pequenos agricultores trabalham em condições muito diferentes
e menos vantajosas do que as empresas. Nesse caso, a empresa vai reduzir o preço pago à agricultora ou agricultor, alegando que a qualidade dos frutos está
abaixo do esperado. Na realidade, dificilmente alcançará a produtividade e a qualidade que o representante da empresa prometeu quando o contrato foi assinado.
Não se pode armazenar dendê. Se considerar muito baixo o preço pago pela empresa, a agricultora ou agricultor não poderá armazenar os frutos frescos, pois
eles apodrecem se não forem processados em 48 horas.
Despesas com transporte não estão incluídas. Outro custo adicional
e significativo com o qual a agricultora ou agricultor terá que arcar é o transporte dos
26 Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 27
frutos in natura até a unidade moageira da empresa.
Em alguns casos, a empresa se oferece para recolher os frutos, mas a oferta geralmente vale por tempo limitado. Além disso, a empresa pode recolher os cachos, mas só depois de fazer a colheita de suas próprias plantações. Os frutos da plantação da agricultora ou agricultor podem
já ter começado a se deteriorar no momento em que são entregues à unidade moageira da empresa, e só então ela decidirá o preço que vai pagar pelo produto.
Despesas com mudas e fertilizantes. Os pagamentos são reduzidos ainda mais porque a agricultora ou agricultor tem que pagar, aos poucos, o empréstimo e os adiantamentos feitos pela empresa para a aquisição de mudas e fertilizantes, e assim por diante.
Depois de todas essas deduções, a agricultora ou agricultor pode ficar com muito pouco dinheiro para todo o esforço que fez e os frutos que entregou à empresa.
Questões para o debate
Você conhece alguém a quem empresas, governos ou bancos fizeram esse tipo de promessas grandiosas? Como foi a experiência dessas pessoas?
De que você acha que as pequenas e pequenos agricultores realmente precisam para melhorar sua economia e sua qualidade de vida?
Promessa 6:
6
É possível cultivar alimentos entre os dendezeiros
O que as empresas escondem:
Restriųões a outros cultivos junto à plantaųão de dendê
Algumas empresas dizem que as famílias camponesas podem cultivar alimentos nas plantações de dendê, mas só permitem isso nos primeiros anos, enquanto os dendezeiros ainda não estão produzindo frutos.
Contudo, a maioria das empresas aplica restrições rígidas para não permitir que as agricultoras e agricultores cultivem alimentos nessas plantações, pois não querem outras plantas competindo com seus dendezeiros porque isso poderia diminuir a produtividade. Quem tenta plantar alimentos apesar das restrições das empresas descobre que não cresce muita coisa depois que os dendezeiros começam a ficar mais desenvolvidos.
O cultivo do dendê exige muito trabalho durante o ano, principalmente durante a colheita. No campo é comum que as jovens e os jovens ajudam nos trabalhos de cultivo e cuidado dos animais como forma de aprendizagem e para ajudar a família. No entanto, algumas empresas não
Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 29
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permitem que crianças menores de 18 anos trabalhem nas plantações. Isso significa que a agricultora ou agricultor que trabalha sob contrato de integração pode ter que contratar mais pessoas para concluir todo o trabalho, o que gera custos adicionais. Também significa que a família pode ter pouco ou nenhum tempo sobrando para cultivar seus próprios alimentos.
Muitas agricultoras e agricultores em contratos de integração simplesmente param de cultivar alimentos, o que os força a comprar itens básicos para sua alimentação e pode gerar outro problema: despesas domésticas mais altas e consumo de comida de qualidade inferior, ou mesmo alimentos processados.
Como a agricultura sob contratos de integração geralmente acontece em regiões onde a empresa também ocupou muita terra para suas próprias plantações, a tendência é que sobre menos espaço para a produção
de alimentos básicos. Isso geralmente significa uma redução na oferta desses alimentos em
mercados locais, e aumento de preços.
Questões para o debate
O que você acha que acontecerá se não puder mais cultivar seus próprios alimentos?
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Promessa 7:
O programa de integraųão também inclui mulheres
O que as empresas escondem:
Onde os programas de integraųão se expandem, as mulheres ficam mais dependentes dos homens e sua carga de trabalho aumenta
Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 31
acesso às terras delas. Porém, na maioria dos casos, são os homens que assinam os contratos enquanto as mulheres fazem a maior parte do trabalho nas plantações, com exceção das tarefas de colheita.
As mulheres perdem economicamente em duas frentes. Em primeiro lugar, quem recebe o dinheiro são os homens que levam o dendê à indústria. Em segundo lugar, correm o risco de perder boa parte do seu acesso à terra e de
não mais poder cultivar outros alimentos para vender por conta própria.
Isso também prejudica a capacidade das mulheres de reproduzir seus conhecimentos, práticas, usos e tradições sobre o cultivo de alimentos e plantas medicinais e os transmitir aos filhos.
Questões para o debate
Em sua comunidade, que tipos de tarefas e responsabilidades as mulheres geralmente assumem em comparação com os homens? Existem muitas mulheres que são chefes de família e a sustentam sozinhas? As mulheres têm direito à terra?
O que você acha que aconteceria se uma empresa de dendê viesse à sua comunidade com um programa de integração e dissesse que as mulheres são bem- vindas na assinatura dos contratos?
As mulheres tendem a assumir os fardos mais pesados nos domicílios rurais. Se ingressarem em programas de integração nessas condições, elas serão sobrecarregadas com o árduo trabalho de cuidar da plantação de dendezeiros, além de suas tarefas domésticas de sempre.
Portanto, quando as empresas destacam o fato de também assinarem contratos com mulheres, não significa que tenham um programa dedicado a realmente apoiá-las e empoderá-las. Essa pode ser uma tática da empresa de óleo de dendê em áreas onde as mulheres são chefes de família e a empresa também quer ter
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Promessa 8:
8
A empresa compartilha os benefícios com as pequenas e pequenos agricultores, ou seja, um negócio
no qual todas e todos ganham
O que as empresas escondem:
Benefícios financeiros mínimos às agricultoras e agricultores, enquanto perdem autonomia e se expõem ao risco de se endividar e perder suas terras
Uma vez que todos os custos ocultos forem deduzidos do pagamento prometido, o que sobra é um benefício financeiro mínimo – se é que sobra algum benefício.
Enquanto isso, a empresa certamente se beneficia, e
muito, porque recebe frutos de dendê cultivados em terras sob seu controle, sem correr qualquer risco ou ter qualquer custo relacionado à produção.
No final das contas, é a empresa que controla o êxito ou o fracasso da agricultora ou agricultor. Ela tem os meios para permitir que uma agricultora ou agricultor ganhe dinheiro ou vá à falência. A empresa decide porque, em colaboração estreita com o banco, é ela que controla o crédito, os insumos e o preço final do produto.
Nine reasons to say no to contract farming with palm oil companies 33
Isso significa que, por algum tempo, a empresa pode proporcionar lucros para incentivar o maior número possível de agricultoras e agricultores
a participar do programa de integração. Mas quando decide que
é hora de assumir o controle da terra,
a empresa só aumenta a taxa de juros do empréstimo e o custo dos insumos ou orienta
o agrônomo a incomodar as famílias e reduzir o preço pago pelo produto. A família xxxxxxxxx está presa a algo de que não pode escapar.
Pior ainda, a família corre o risco de perder suas terras
se não puder pagar a dívida. Nesses casos, as terras
– incluindo a plantação de dendezeiros – podem ser ocupadas por um fazendeiro de maior porte.
Questões para o debate
Na sua opinião, quais são as principais diferenças entre ser dono de sua própria terra e assinar
um contrato em que se compromete a cultivar dendezeiros para uma empresa em sua terra?
Você está envolvido em programas de integração agrícola ou conhece pessoas que estejam? Em caso afirmativo, você observou outras ameaças ou riscos para as agricultoras e agricultores que não foram mencionados neste livreto? E, se não, poderia imaginar outras ameaças possíveis?
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Promessa 9:
Uma forma “nova” e
melhor de integraųão agrícola
O que as empresas escondem:
Os novos esquemas são ainda mais arriscados para as agricultoras e agricultores, apesar de falarem de “inclusão” ou “participaųão”
Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 35
As empresas de óleo de dendê estão muito cientes das ameaças que os contratos de integração representam para as vidas das famílias camponesas, e muitas dessas ameaças foram mencionadas nas oito promessas anteriores.
Elas também sabem que os bancos que financiam seus negócios e os clientes que compram seu óleo de dendê estão se conscientizando dessas ameaças.
A Mesa Redonda sobre Óleo de Dendê Sustentável (RSPO, na sigla em inglês) é um dos vários esquemas de certificação criados por e para empresas com plantações de
óleo de dendê. Quando uma destas empresas é certificada pela RSPO, ela pode anunciar que seus produtos vêm de plantações que não causam danos às comunidades de agricultores, nem a solos, fontes de água ou florestas. Mas a experiência mostra que os consumidores são enganados: onde uma empresa certificada pela RSPO atua, florestas, fontes de água e solos são também destruídos, e os direitos das comunidades locais continuam sendo violados, como ocorre numa empresa não-certificada. Em vez
de resolver os muitos problemas que essas plantações causam às comunidades, a RSPO se tornou uma ferramenta útil para que as empresas façam lavagem verde em suas práticas destrutivas, ampliando suas operações e aumentando seus lucros.
O QUE É A RSPO?
É por isso que as empresas têm feito parcerias com algumas ONGs para promover uma “nova” forma de contratos de integração que dizem ser melhor, além de mais sustentável e includente. As empresas frequentemente promovem essa “nova” forma de agricultura em colaboração com a Mesa Redonda sobre Óleo de Dendê Sustentável (RSPO) e sua iniciativa para certificar agricultores integrados.
36 Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 37
O que está por trás dessa última promessa de uma “nova” forma de contrato de integração agrícola? As iniciativas direcionadas a essa “nova” forma estão voltadas a oferecer treinamento e capacitação para o cultivo de dendê, por exemplo, com relação a melhores técnicas agrícolas. O objetivo é aprimorar a produtividade e a qualidade dos frutos cultivados nas plantações de dendezeiros cuja gestão é de pequenas e pequenos agricultores.
O objetivo da empresa é transformar as pequenas plantações em pequenas plantações industriais, onde as agricultoras e agricultores usam métodos de manejo e produção semelhantes aos das empresas em suas plantações industriais. É como transformar a agricultora ou agricultor em pequena ou pequeno empresário do dendê. O único foco da empresa é expandir a produção e fazer com que haja uma competição entre as pequenas e pequenos agricultores, como fazem as grandes transnacionais do óleo de dendê. A mensagem implícita dessas iniciativas é: não vale a pena ser pequena ou pequeno agricultor.
Os programas de capacitação e treinamento que elas promovem para ensinar a “nova” forma de plantar dendezeiros têm um grande problema: não abordam as mudanças fundamentais nos valores e na cultura que resultam desses contratos de integração. Em vez disso, a empresa afirma que a falta de produtividade e a baixa
qualidade das frutas são culpa da agricultora ou agricultor
e que ela ou ele precisa mudar o manejo da plantação de dendê.
A “nova forma”, explica a empresa, é voltada a melhorar a maneira de produzir das agricultoras e agricultores.
Na realidade, porém, em vez de mudar as condições dos contratos agrícolas, esses novos esquemas tiram ainda mais a autonomia das famílias e aprofundam cada vez mais a dependência em relação à empresa.
Questões para o debate
Quais são os valores, os costumes e as práticas relacionados à sua família e à comunidade da qual você faz parte, e que você mais valoriza? E como você, sua família e/ou comunidade os preservam e defendem?
O que você acha que acontecerá com esses valores, costumes e práticas se você aderir a programas de integração?
O que você imagina que as empresas pensam sobre as pequenas e pequenos agricultores e seu modo de vida, seus costumes e suas práticas?
Embora em número reduzido, as “novas” iniciativas de contratos de integração produzem muito material de propaganda reluzente, no qual tanto as empresas quanto as ONGs envolvidas elogiam os supostos benefícios dessa “nova” forma de agricultura.
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CON2IDERAŲÕE2 FINAI2: RESISTIR AOS CONTRATOS DE INTEGRAÇÃO ENQUANTO SE FORTALECE A AGRICULTURA CAMPONESA
Não é fácil ser pequena ou pequeno agricultor hoje em dia. As ameaças, dificuldades e desafios diários são muitos.
A maioria dos atuais programas de apoio às agricultoras e agricultores, em vez de ser uma forma importante
de apoio, muitas vezes prejudica ainda mais a pequena agricultura.
Os contratos de integração são um bom exemplo disso. Embora empresas e governos afirmem que eles vão melhorar os meios de subsistência e a renda das
agricultoras e agricultores, eles fazem o oposto. No final das contas, destroem sua autonomia e outros valores importantes, fragilizam sua cultura rural e fazem com que suas famílias corram o risco de perder suas terras.
Colocam seu destino e futuro nas mãos de grandes empresas nacionais e multinacionais de óleo de dendê. Aumenta o fardo das mulheres nas comunidades agrícolas. E assim por diante.
Por outro lado, as próprias agricultoras e agricultores já mostraram que há maneiras de melhorar a subsistência da agricultura camponesa, garantindo a preservação do controle sobre suas terras, sua autonomia e outros valores importantes, bem como sobre suas culturas. São muitas as experiências em que as agricultoras e agricultores se
Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê 39
uniram e enfrentaram, juntos, as ameaças, as dificuldades e os desafios com que se depararam.
Em muitos casos, as agricultoras e agricultores se organizaram em diferentes formas de coletivos porque descobriram que unidos, têm uma chance melhor de fortalecer suas práticas agrícolas e fazer avançar suas reivindicações. Alguns desses coletivos são muito pequenos. Outros se expandiram e formaram grandes movimentos internacionais, como a Via Campesina, um movimento de pequenas e pequenos agricultores
organizado globalmente. Muitas dessas experiências têm em comum o fato de que seus membros têm orgulho
de ser agricultoras ou agricultores, e suas organizações visam valorizar e fortalecer a agricultura camponesa, agora e no futuro. Isso é muito diferente dos contratos de integração, que apresentam a pequena agricultura como algo atrasado, a ser superado.
Muitas dessas diferentes experiências de agricultoras e agricultores se organizando em coletivos começaram
com apenas alguns deles, tanto mulheres quanto homens, reunindo-se para conversar com outros produtores da mesma ou de outras comunidades e discutir os problemas que enfrentam, e como poderiam encontrar maneiras de resolvê-los.
Esperamos que este livreto possa fornecer mais informações úteis para a reflexão, principalmente se os representantes de uma grande empresa de óleo de dendê circularem pela sua comunidade e tentarem convencer as pessoas a aderirem a um programa de contratos de integração.