O CONTRATO DE KNOW-HOW E A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA
O CONTRATO DE KNOW-HOW E A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx
Co-orientador: Prof. Dr. Xxxxxx Xxxxx xx Xxxx
Florianópolis 2017
O CONTRATO DE KNOW-HOW E A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA
Esta Dissertação foi julgada adequada para obtenção do Título de “Mestre em Direito”, e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação em Direito.
Florianópolis, 18 de fevereiro de 2017.
Prof. Xxxx Xxx Xx Xxxxxx, Dr.
Coordenador do Curso
Banca Examinadora:
Prof. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, Dr. Orientador Universidade Federal de Santa Catarina | Prof. Xxxxxx Xxxxx xx Xxxx, Dr. Co-orientador Instituto Nacional da Propriedade Industrial |
Prof. Xxxxxxx Xxxxx xx Xxxxx Xxxx, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina | Profa. Xxxxxxx Xxxxxxxxx, Dra. Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões |
Xxxxx Xxxx Xxxxx Xxxxx Xxxx, Dr. | Prof. Everton das Xxxxx Xxxxxxxxx, Dr. Suplente Universidade Federal de Santa Catarina |
Este trabalho apresenta os resultados de pesquisa acadêmica, realizada por meio de levantamento bibliográfico e documental, não representando opinião oficial do INPI e nem tem qualquer relação com políticas do Instituto, não vinculando seus dirigentes, assessores ou servidores por ideias apresentadas no presente texto.
Aos meus pais, Xxxxxxx e Xxxx, e ao meu companheiro, Xxxxxx Xxxxxxx.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador, Prof. Xxxx Xxxxxx Xxxxxxxx, por todos os ensinamentos e pelo suporte durante meus estudos e minha pesquisa.
Agradeço ao meu co-orientador, Prof. Xxxxxx Xxxxx xx Xxxx, pelas conversas e contribuições na elaboração deste trabalho.
Agradeço à minha família, em especial aos meus pais, Xxxxxxx e Xxxx, aos meus irmãos, Xxxxx e Xxxxxx, e aos meus cunhados, Xxxxxxxxx e Xxxxxxx, pelo apoio incondicional.
Agradeço ao meu companheiro, Xxxxxx Xxxxxxx, por sua compreensão, paciência e parceria.
Xxxxxxxx aos meus colegas do GPITTI pelo acolhimento, aprendizado e união.
Agradeço aos meus amigos pelo companheirismo, amizade e compreensão da minha ausência.
Agradeço aos Professores do Programa de Pós-Graduação em Direito, pelo primor e dedicação no ensino.
Agradeço aos funcionários da Secretária do PPGD/UFSC, em especial à Cida e ao Fabiano, pela atenção de sempre.
Finalmente, agradeço a todos que contribuíram de alguma forma na elaboração do presente estudo.
“Quando alguém procura pode acontecer que os seus olhos vejam apenas a coisa que ele procura, que não permitam que ele encontre porque ele pensa sempre e apenas naquilo que procura, porque ele tem um objetivo, porque está possuído por esse objetivo. Procurar significa ter um objetivo. Mas encontrar significa ser livre, manter-se aberto, não ter objetivos.”
Sidarta – Xxxxxxx Xxxxx
RESUMO
O presente trabalho aborda os limites da atuação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) nos contratos de tecnologia e a sua relação com o instrumento de know-how. O estudo inicia contextualizando o histórico e a evolução do marco regulatório dos contratos de tecnologia, da transferência de tecnologia e da propriedade industrial, em âmbito internacional e no Brasil. Após, apresentam-se os Atos Normativos editados pelo INPI ao longo das suas atividades que tenham relação com os contratos de tecnologia, desde 1975 até 2016. Parte-se, então, para a exposição das modalidades de contratos de tecnologia que são averbados ou registrado pelo INPI. Por fim, discute-se sobre os aspectos relacionados ao exame de mérito dos contratos de tecnologia pelo INPI, mediante pesquisa de processos judiciais, de Projetos de Lei e de iniciativas do setor privado sobre o assunto. Além disso, discorre sobre o exame do contrato de know-how, com base no entendimento adotado pelo INPI. O método de abordagem é o dedutivo e a pesquisa se desenvolve pelo método monográfico. As técnicas de pesquisa utilizadas são as bibliográficas e documentais, por meio do levantamento do histórico dos acordos internacionais, das legislações nacionais e dos atos administrativos editados pelo INPI relacionados aos contratos de tecnologia. A abordagem do entendimento do INPI a respeito das cláusulas do contrato de know-how é feita por meio de dados fornecidos pelo Instituto e pela doutrina. O estudo demonstra que existe uma lacuna em relação ao contrato de know-how que necessita ser preenchida, ante a ausência de norma federal ou administrativa dispondo sobre os critérios e parâmetros da sua contratação.
Palavras-chave: Propriedade intelectual; Xxxxx xxxxxxxxxxx; Contrato de know-how; Transferência de tecnologia; Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
ABSTRACT
The present work deals with the role limits of the National Institute of Industrial Property (NIIP) within technology contracts and their relationship with the know-how instrument. The study begins at a context setting through historical background and the evolution of the regulatory framework of technology contracts, the transfer of technology, and industrial property, within the international environment and in Brazil. Thus, the Normative Acts edited by the NIIP throughout their activities related with the technology contracts, since 1975 until 2016. Moving forward, then, to the arrangements for technology contracts stated or registered by the NIIP. Finally, it looks at aspects related to merit examination of technology contracts by the NIIP, through the research of Lawsuits, Draft Bills, and private sector initiatives on the subject. In addition, it talks about the examination of the know-how contract, based on the understanding adopted by the NIIP. The approach method is deductive and the research develops through the monographic method. The bibliographic and documentary research techniques were applied for the assembly of international agreements, national legislation, and administrative acts published by the NIIP concerning technology contracts. The INPI's understanding of the know-how clauses agreement is based on data provided by the Institute and literature. The study demonstrates that there is a gap in relation to the know-how contract in need of being filled, due to the absence of a federal or administrative law on the criteria and parameters of its contracting.
Keywords: Intellectual property; Regulatory framework; Know-how contract; Technology transfer; National Institute of Industrial Property.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - | Pedidos de Registro/Averbação de Contratos de Tecnologia (1995-2015) .................................................. | 81 |
Gráfico 2 - | Receita com Royalties e Serviços de Assistência Técnica (ingressos em US$ milhões) ............................................. | 84 |
Gráfico 3 - | Despesas com Royalties e Serviços de Assistência Técnica (pagamentos em US$ milhões) ........................... | 84 |
Gráfico 4 - | Despesas com Royalties e Serviços de Assistência Técnica (2015) ................................................................. | 85 |
Gráfico 5 - | Número de Depósitos de Patentes (2014-2015)................ | 134 |
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - | Total de requerimento de averbação de contratos de tecnologia por categoria contratual....................................... | 82 |
Tabela 2 - | Dados dos Contratos de Tecnologia no INPI (2016)............. | 82 |
Tabela 3 - | Receita e Despesas com Royalties e Serviços de Assistência Técnica (2010-2015)......................................... | 83 |
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABAPI | – | Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial |
ABDI | – | Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial |
ABPI | – | Associação Brasileira da Propriedade Intelectual |
AECON | – | Assessoria de Assuntos Econômicos |
BACEN | – | Banco Central do Brasil |
CADE | – | Conselho Administrativo de Defesa Econômica |
CC/2002 | – | Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002) |
CCJC | – | Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados |
CDEIC | – | Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados |
CF/1988 | – | Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 |
CFT | – | Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados |
CGTEC | – | Coordenação-Geral de Contratos de Tecnologia do INPI |
CIDE | – | Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico |
CNI | – | Confederação Nacional da Indústria |
CNPq | – | Conselho Nacional de Pesquisas |
COF | – | Circular de Oferta de Franquia |
CPI/1945 | – | Código da Propriedade Industrial de 1945 (Decreto-Lei 7.903, de 27 de agosto de 1945) |
CPI/1967 | – | Código da Propriedade Industrial de 1967 (Decreto-Lei 254, de 26 de fevereiro de 1967) |
CPI/1969 | – | Código da Propriedade Industrial de 1969 (Decreto-Lei 1.005, de 21 de outubro de 1969) |
CPI/1971 | – | Código da Xxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx xx 0000 (Xxx 5.772, de 21 de dezembro de 1971) |
C&T | – | Ciência e tecnologia |
CT&I | – | Ciência, tecnologia e inovação |
CUP | – | Convenção da União de Paris |
DGPI | – | Diretoria Geral da Propriedade Industrial |
DICIG | – | Diretoria de Contratos, Indicações Geográficas e Registros do INPI |
DIRCO | – | Diretoria de Contratos de Transferência de Tecnologia e Correlatos do INPI |
DNPI | – | Departamento Nacional da Propriedade Industrial |
EMBRAPA | – | Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária |
EMBRAPII | – | Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial |
FINEP | – | Fundo de Financiamento de Estudos de Projetos e Programas |
FNDCT | – | Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico |
FT | – | Contrato de fornecimento de tecnologia (know-how) |
GATT | – | Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade) |
ICT | – | Instituição de Ciência e Tecnologia |
IN | Instrução Normativa | |
INPI | – | Instituto Nacional da Propriedade Industrial |
JFRJ | – | Justiça Federal do Estado do Rio de Janeiro |
IR | – | Imposto de Renda |
LPI ou LPI/1996 | – | Lei da Xxxxxxxxxxx Xxxxxxxxxx xx 0000 (Xxx 9.279, de 14 de maio de 1996) |
MAPA | – | Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento |
MCT | – | Ministério da Ciência e Tecnologia |
MCTI | – | Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação |
MDIC | – | Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços |
MEI | – | Mobilização Empresarial pela Inovação da CNI |
MF | – | Ministério da Fazenda |
MJ | – | Ministério da Justiça e Cidadania |
MPE’s | – | Micro e pequenas empresas |
MPF | – | Ministério Público Federal |
MS | – | Mandado de Segurança |
NBS | – | Nomenclatura Brasileira de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio |
NBES | – | Notas Explicativas da Nomenclatura Brasileira de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio |
OCDE | – | Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico |
OMC | – | Organização Mundial do Comércio |
OMPI | – | Organização Mundial da Propriedade Intelectual |
PACTI | – | Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional |
PAG | – | Sistema de Protocolo Automatizado Geral do INPI |
PBM | – | Plano Brasil Maior |
P&D | – | Pesquisa e desenvolvimento |
PD&I | – | Pesquisa, desenvolvimento e inovação |
PDP | – | Política de Desenvolvimento Produtivo |
PDTI | – | Programa de Desenvolvimento Tecnológico Industrial |
PITCE | – | Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior |
PL | – | Projeto de Lei |
II PND | – | II Plano Nacional de Desenvolvimento |
RDE | – | Registro Declaratório Eletrônico do BACEN |
RE | – | Recurso Extraordinário |
REsp | – | Recurso Especial |
RICD | – | Regimento Interno da Câmara dos Deputados |
RPI | – | Revista da Propriedade Industrial do INPI |
SAT | – | Contrato de serviço de assistência técnica e científica |
SDE | – | Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça |
SEAE | – | Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Justiça |
SISCOSERV | – | Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio |
SNCTI | – | Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação |
SRF | Secretaria da Receita Federal | |
STF | – | Supremo Tribunal Federal |
STJ | – | Superior Tribunal de Justiça |
SUMOC | – | Superintendência da Moeda e do Crédito |
TOTCode | – | Código Internacional de Conduta para a Transferência de Tecnologia (Draft International Code of Conduct on the Transfer of Technology) |
TRF2 | – | Tribunal Regional Federal da 2ª Região |
TRIPS | – | Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) |
UNCTAD | – | Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (United Nations Conference on Trade and Development) |
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 25
2 MARCO REGULATÓRIO DOS CONTRATOS DE TECNOLOGIA 33
2.1 ACORDOS INTERNACIONAIS 36
2.1.1 Código Internacional de Conduta para a Transferência de Tecnologia (TOT Code) 38
2.1.2 O Acordo TRIPS 40
2.2 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA 43
2.2.1 As Constituições do Brasil (1824-1988) 45
2.2.2 Criação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Lei 5.648/1970) 48
2.2.3 A legislação de Propriedade Industrial (1809-1996) 51
2.2.4 Evolução das políticas industriais e de inovação (1951-2016) 60
2.2.5 Outras legislações relacionadas aos contratos de tecnologia 68
2.3 SÍNTESE DO CAPÍTULO 73
3 O PAPEL DO INPI NOS CONTRATOS DE TECNOLOGIA 75
3.1 ESTRUTURA DO INPI 76
3.1.1 A Coordenação-Geral de Contratos de Tecnologia 76
3.1.2 Dados Estatísticos dos Contratos de Tecnologia 80
3.2 OS ATOS ADMINISTRATIVOS DO INPI RELACIONADOS AOS CONTRATOS DE TECNOLOGIA 85
3.2.1 Ato Normativo 15/1975 (1975-1991) 86
3.2.2 Resolução 22/1991 (1991-1993) 93
3.2.3 Ato Normativo 120/1993 (1993-1997) 96
3.2.4 Ato Normativo 135/1997 (1997-2013) 99
3.2.5 Instrução Normativa 16/2013 (2013-2016) 101
3.3 XXXXXXX XX XXXXXXXX 000
4 OS CONTRATOS DE TECNOLOGIA AVERBADOS OU REGISTRADOS PELO INPI 105
4.1 MODALIDADES DE CONTRATOS DE TECNOLOGIA 106
4.1.1 Contratos de propriedade industrial 107
4.1.1.1 Cessão de patentes e de marcas 109
4.1.1.2 Licença de patentes e de marcas 112
4.1.2 Contratos de transferência de tecnologia e de franquia 117
4.1.2.1 Contratos de prestação de serviços de assistência técnica e científica (SAT) 118
4.1.2.1 Contratos de franquia 120
4.2 ASPECTOS CONTRATUAIS DO FORNECIMENTO DE TECNOLOGIA (KNOW-HOW) 122
4.2.1 Conceito e características 123
4.2.2 Know-how x Segredo 125
4.2.3 Natureza jurídica 127
4.2.4 Principais cláusulas 128
4.3 XXXXXXX XX XXXXXXXX 000
5 O EXAME DE MÉRITO DOS CONTRATOS PELO INPI E O CONTRATO DE FORNECIMENTO DE TECNOLOGIA (KNOW- HOW) 137
5.1 O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE O EXAME DE MÉRITO 138
5.1.1 O caso Unilever x INPI 139
5.1.2 Os casos Koninklijke Philips Eletronics N.V. x INPI 150
5.1.2.1 Processo 2006.51.01.504157-8 (Certificado de Averbação INPI 041092) 151
5.1.2.2 Processo 2007.51.01.800906-6 (Certificados de Xxxxxxxxx XXXX 000000 e 990857) 157
5.2 PROJETOS DE LEI SOBRE O ASSUNTO 164
5.3 ALGUMAS INICIATIVAS DO SETOR PRIVADO A RESPEITO DA ATUAÇÃO DO INPI NOS CONTRATOS DE TECNOLOGIA 175
5.4 SÍNTESE DO ENTENDIMENTO DO INPI A RESPEITO DO CONTRATO DE KNOW-HOW 180
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 189
REFERÊNCIAS 199
1 INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem como finalidade precípua abordar os limites da atuação do INPI nos contratos de tecnologia e a sua relação com o instrumento de fornecimento de tecnologia (know-how). Para que isso seja viável, o trabalho está estruturado em quatro objetivos específicos, que são: estudar o marco regulatório dos contratos de tecnologia, em acordos internacionais e nas normas brasileiras; abordar os Atos Normativos editados pelo INPI relacionados aos contratos de tecnologia; explicar as modalidades de contratos de tecnologia que são averbadas ou registradas pelo INPI; e, por fim, discutir o exame de mérito nos contratos de tecnologia e a sua relação com o contrato de know-how. A escolha do contrato de fornecimento de tecnologia como objeto central do trabalho dá-se pelo fato de que o know-how não possui regulamentação em âmbito nacional. A única norma que dispõe sobre o registro desse instrumento é o artigo 211 da LPI/1996, além daquelas de
cunho fiscal e cambial, que se aplicam aos demais contratos.
No Brasil, os contratos de tecnologia são regidos por uma série de normas federais que tratam, desde a questão da propriedade industrial e intelectual, até aspectos tributários e cambiais da sua contratação. Além da legislação federal, os contratos de tecnologia igualmente são regulamentados por normas procedimentais editadas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), por meio de atos normativos e resoluções.
O INPI é o órgão responsável pela averbação dos contratos que envolvem direitos de propriedade industrial – como licença e cessão de marcas, patentes e desenhos industriais – e pelo registro dos contratos que impliquem em transferência de tecnologia e de franquia. Internamente, esse serviço é de responsabilidade da Coordenação-Geral de Contratos de Tecnologia (CGTEC).
Como será visto ao longo do estudo, além da função de executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, igualmente competia ao INPI, num primeiro momento, adotar medidas capazes de acelerar e regular a transferência de tecnologia no Brasil, bem como determinar melhores condições de negociação para licenciamento e cessão de patentes.
Tal atribuição estava em consonância com a política econômica intervencionista adotada pelo Estado brasileiro, durante os anos 1970 a 1990, em relação à contratação internacional de tecnologia. Acreditava- se que esse controle seria primordial para o desenvolvimento das empresas nacionais, pois seria responsável por criar condições
equilibradas em situações desiguais. Contudo, essa posição foi questionada por alguns estudiosos do assunto.
No contexto da regulação da transferência de tecnologia, a primeira norma administrativa sobre os contratos de tecnologia editada pelo INPI foi o Ato Normativo 15/1975, criado com o objetivo de estabelecer conceitos básicos e os critérios de averbação ou registro dos contratos de tecnologia, o qual era considerado muito restritivo, por prever inclusive a remuneração desses instrumentos. Após esse Ato, existiram outras normas administrativas mais flexíveis emitidas pelo INPI; sem mencionar, no entanto, quais seriam os critérios adotados quando da averbação ou registro, conforme o caso, dos contratos de tecnologia.
Com a entrada em vigor da LPI/1996, a normatização do papel do INPI de regular a transferência de tecnologia foi revogada. A grande questão em torno dessa mudança diz respeito à legitimidade do INPI realizar o exame de mérito nos contratos de tecnologia submetidos ao seu registro ou averbação.
A expressão “exame de mérito” utilizada neste trabalho refere-se à análise das cláusulas contratuais pelo INPI. Enquanto o “exame formal” corresponde às questões do pedido de registro ou averbação, como vg., a falta de uma procuração, o “exame de mérito” relaciona-se às disposições contratuais propriamente ditas.
Em que pese não haja norma determinando expressamente o exame de mérito pelo INPI, isto é, a análise das cláusulas contratuais, a CGTEC o faz. Não se está dizendo se é ou não atribuição da CGTEC/INPI realizar esse exame. É necessário estudar as principais manifestações a respeito do assunto e a base utilizada por cada uma, para que seja possível chegar a uma conclusão.
A modalidade contratual objeto deste estudo, fornecimento de tecnologia (know-how), é um dos instrumentos mais essenciais no cenário brasileiro. Isso porque, como parte das empresas multinacionais optam por não patentear suas invenções em território brasileiro, caso uma empresa nacional tenha interesse em adquirir o conhecimento daquela tecnologia patenteada fora do país, precisará firmar um contrato de know- how e registrá-lo perante o INPI, para fins de remessa de royalties para o exterior e dedutibilidade fiscal.
É importante esclarecer que, ao longo da dissertação, essa modalidade de contratação internacional de tecnologia será tratada com os seguintes termos: contrato de fornecimento de tecnologia; contrato de know-how; e contrato de fornecimento de tecnologia não patenteada.
Essas terminologias são compreendidas como sinônimas do mesmo instrumento.
A complexidade e controvérsias que norteiam o know-how e o contrato que o envolve, partem desde definir o conceito até questões tributárias, concorrenciais. A própria nomenclatura do contrato de know- how é objeto de debate entre os estudiosos do tema, porquanto parte entende que é possível ser denominado de licença de know-how, como uma locação, enquanto outra parte compreende somente ser possível a cessão de know-how, acarretando a ideia de compra e venda. Esta discordância reflete diretamente na concepção destes contratos, tendo em vista que impacta em outros termos.
O prazo de vigência dos contratos de fornecimento de tecnologia não patenteada também é objeto de divergência por não haver norma que o defina, porém o INPI vem utilizando, ao longo dos anos, o prazo de dedutibilidade fiscal previsto em lei. Tais situações são apenas parte das controvérsias que giram em torno de contrato de know-how, pelo que se demonstra a necessidade de um estudo profundo e minucioso acerca deste instrumento contratual de transferência de tecnologia, com base na diretriz que vem sendo adotada pelo INPI, quando do seu registro.
Ao contrário do que acontece nos casos de licença e de cessão de patentes, marcas e desenho industrial – que se tratam de direitos concedidos ou registrados pelo INPI e regulamentados pela LPI/1996 – o contrato de fornecimento de tecnologia apenas é mencionado no artigo
211 de LPI/1996 como sendo passível de registro junto ao INPI, inexistindo norma que estabeleça os parâmetros para a transferência de know-how.
No tocante ao conceito de contratos de transferência de tecnologia, tem-se duas formas para sua utilização. A primeira, lato sensu, compreende por transferência de tecnologia todos os contratos, como cessões e licenças de direitos de propriedade intelectual e industrial, know-how, serviços de assistência técnica e científica, e franquia. A segunda, stricto sensu, compreende o contrato de transferência de tecnologia como o know-how (fornecimento de tecnologia) e os serviços de assistência técnica e científica.
Entende-se que, no Brasil, o legislador separou os instrumentos de licenciamento/cessão e de transferência de tecnologia. Os contratos de tecnologia são o gênero, cujas espécie são: propriedade industrial; transferência de tecnologia; franquia; e também propriedade intelectual.
Para fins deste trabalho, considerar-se-á como contratos de propriedade industrial aqueles direitos concedidos ou depositado junto ao INPI, como patentes, marcas e desenhos industriais. Já os contratos de
transferência de tecnologia abrangem o de fornecimento de tecnologia e o de serviços de assistência técnica e científica. Há ainda o contrato de franquia, o qual pode compreender um ou mais direitos de propriedade industrial, bem como a transferência de tecnologia.
Os contratos de propriedade intelectual não serão tratados especificamente nesta dissertação, porém serão mencionados am passam os contratos de licença e de cessão de topografias de circuitos integrados e de programas de computador, porquanto ambos serão averbados perante o INPI, conforme determinado por suas legislações específicas.
Assim, os contratos de tecnologia serão divididos da seguinte
forma:
a) Contratos de propriedade industrial: licença e cessão de
patentes, de desenhos industriais e de marcas;
b) Contratos de transferência de tecnologia: fornecimento de tecnologia (know-how) e prestação de serviços de assistência técnica e científica; e
c) Contratos de franquia.
Apesar de os Atos Normativos do INPI que tratam sobre contratos de tecnologia adotarem a definição lato sensu de transferência de tecnologia, o Decreto vigente que regulamenta a Estrutura Regimental do INPI é bem claro ao diferenciar as modalidades de contratos. Determina que compete à CGTEC: registrar os contratos que impliquem transferência de tecnologia e franquia, na forma da Lei nº 9.279, de 1996; e averbar os contratos de licença e cessão de direitos de propriedade industrial, na forma da Lei no 9.279, de 1996.
Compreende-se que essa deve ser a denominação correta, tendo em vista que a LPI/1996 regulamenta, num primeiro momento, a cessão e a licença das patentes, dos desenhos industriais e das marcas. Ao passo que, em seu artigo 211 dispõe que será de competência do INPI registrar os contratos que impliquem transferência de tecnologia e de franquia, isto é, aqueles atos que não compreendem direitos de propriedade industrial.
É importante elucidar que a diferença apresentada entre transferência de tecnologia em sentido amplo ou estrito apenas diz respeito às modalidades contratuais, isto é, aos contratos de direitos de propriedade industrial, de transferência de tecnologia e de franquia. O ato de transferência de tecnologia se aplica a qualquer instrumento, inclusive em contrato de licenciamento de patente, por exemplo. Assim, o trabalho abordará a transferência de tecnologia em duas perspectivas: a primeira, relacionada ao ato de transferir, para todos os instrumentos aqui tratados; e a segunda, ligada aos contratos de tecnologia em si, mais precisamente
ao fornecimento de tecnologia (know-how) e à prestação de serviços de assistência técnica e científica.
As expressões “averbar” ou “registrar” os contratos de tecnologia serão definidas, no presente estudo, de acordo com a modalidade contratual utilizada. A LPI/1996, além de incluir os contratos de franquia sob a responsabilidade do INPI, igualmente esclareceu especificamente o que seria averbado ou registrado pelo INPI. Até aquele momento, utilizava-se a palavra averbar para todas as modalidades contratuais, sem qualquer distinção.
No caso específico do licenciamento, há a expressão “averbação” na LPI/1996, ao passo que a cessão consta apenas a palavra “anotação”. Entende-se, neste caso, que ambos são sinônimos e serão utilizados apenas como “averbação”, nos termos do que dispõe o Decreto 8.854, de 22 de setembro de 2016, que regulamenta a Estrutura Regimental do INPI. A LPI/1996 e o referido Decreto definiram que a averbação corresponde àqueles contratos que possuem título principal, como patentes, marcas e desenho industrial, cujos instrumentos possuem como
objeto esses direitos de propriedade industrial.
Por outro lado, o registro compreende os contratos que não possuem título de propriedade industrial, tais como o fornecimento de tecnologia (know-how), a assistência técnica e científica e a franquia, todos previstos pelo artigo 211 da LPI/1996.
Ainda que o contrato de franquia implique no licenciamento de direitos de propriedade industrial, como marcas e patentes, entende-se que a franquia possui como elemento principal a aquisição de um modelo de negócio, sendo que os direitos de propriedade industrial são inerentes, acessórios, à franquia. Desse modo, há o registro do contrato de franchising perante o INPI, e não a sua averbação, conforme determina a própria legislação.
Para apresentar a discussão sobre a averbação ou registro dos contratos de tecnologia junto ao INPI, o trabalho será dividido em quatro capítulos e as considerações finais. O primeiro capítulo contextualizará o histórico e a evolução normativa dos contratos de tecnologia em âmbito internacional e no Brasil – e, claro, da propriedade industrial em si. Demonstrar-se-á a sua regulamentação nos acordos internacionais, como a Convenção da União de Paris e o Acordo TRIPS, bem como a tentativa de criação de um código internacional relacionado à transferência de tecnologia. Em relação às normas nacionais, abordar-se-á as Constituições Federais, a criação do INPI, as legislações de propriedade industrial, a evolução das políticas industriais e de inovação no Brasil e,
por fim, outras legislações aplicáveis aos contratos de tecnologia, como leis tributárias, cambiais, fiscais e concorrenciais.
O propósito do segundo capítulo é apresentar todos os Atos Normativos editados pelo INPI ao longo das suas atividades que tenham relação com os contratos de tecnologia, que vão desde o Ato Normativo 15/1975 até a Resolução 170, de 15 de julho de 2016, última norma ligada aos contratos. Como a busca realizada localizou mais de trinta normas sobre o assunto, a exposição será dividida pelos principais atos administrativos, os quais tratam especificamente sobre o procedimento de averbação/registro, e dentro serão identificados os demais atos existentes durante aquele período. Além disso, apresentar-se-á dados estatísticos dos contratos de tecnologia no Brasil, bem como a história da averbação/registro dos contratos junto ao INPI e ao órgão interno responsável por esses instrumentos, cuja atribuição atualmente é da CGTEC.
Já o terceiro capítulo estudará as modalidades de contratos de tecnologia que são averbados ou registrado pelo INPI, conforme levantamento doutrinário sobre o tema e algumas informações prestadas pelo INPI em sua página virtual, na plataforma que trata sobre os serviços de transferência de tecnologia. Considerando que o objeto principal desta dissertação é o contrato de fornecimento de tecnologia não patenteada (know-how), demonstrar-se-á o conceito do contrato, a sua natureza jurídica, a diferença entre segredo know-how, bem como suas principais cláusulas, apresentando o entendimento de alguns doutrinadores em relação ao seu conteúdo.
O quarto e último capítulo pretende discutir aspectos relacionados ao exame de mérito dos contratos de tecnologia pelo INPI e à sua ligação com o contrato de fornecimento de tecnologia. Inicialmente, com base em três leading cases que estão tramitando junto ao Poder Judiciário, dentre os quais houve recentemente a primeira decisão do Superior Tribunal de Justiça a respeito do assunto, proferida em 16 de fevereiro de 2017. Na segunda parte, serão estudados dois Projetos de Lei da Câmara dos Deputados, um já arquivado e o outro em trâmite, com o objetivo de alterar a redação do artigo 211 da LPI/1996 e regulamentar o exame de mérito nos contratos de tecnologia pelo INPI. Posteriormente, analisar- se-á iniciativas do setor privado em relação à atuação do INPI, em especial às sugestões da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ao final do capítulo, será apresentada uma síntese do entendimento do INPI em relação ao contrato de fornecimento de tecnologia (know-how).
Com o levantamento dos dados e informações fornecidas ao longo dos quatro capítulos deste trabalho, far-se-á algumas considerações finais
sobre o estudo, apontando o papel dos órgãos administrativos envolvidos nos contratos de tecnologia, como o INPI, o Banco Central do Brasil, a Secretaria da Receita Federal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Além disso, abordar-se-á a questão da ausência de regulamentação do contrato de know-how. Por fim, serão apresentadas conclusões sobre o estudo realizado ao longo da dissertação.
No tocante ao método de abordagem do trabalho, será utilizado o método de pesquisa dedutivo, partindo do geral para o particular, bem como a pesquisa se desenvolverá pelo método monográfico, mediante o estudo de legislações e de casos concretos para verificar como é realizada a análise dos contratos de tecnologia pelo INPI, especialmente em relação ao contrato de fornecimento de tecnologia.
As técnicas de pesquisa a serem utilizadas nesta dissertação serão as bibliográficas e documentais. Para apresentar o histórico das legislações federais relacionadas aos contratos de tecnologia, buscou-se na base de dados da Câmara dos Deputados, disponível na internet: as leis que dispõem sobre a propriedade industrial no País; as leis que criaram os órgãos responsáveis pela execução da propriedade industrial em âmbito nacional; e os Decretos que regulamentam a estrutura regimental do INPI. A busca dos Atos Normativos do INPI deu-se por meio da base de dados física e eletrônica – esta última apenas dos Atos posteriores à 2013 – disponibilizada pelo Instituto. A localização de todas essas normas baseou-se no dispositivo das leis que revogava a(s) anterior(es), pelo qual era possível identificar a norma anterior.
Para levantar as informações sobre os processos judiciais, buscou- se no site do STJ as três decisões do TRF2 que estavam pendentes de julgamento e, como as demandas atualmente tramitam de forma eletrônica, foi possível realizar o download dos processos na íntegra. Os Projetos de Lei foram localizados também na base de dados da Câmara dos Deputados, disponível na internet.
Finalmente, considerando que o presente trabalho tem como objetivo estudar os limites da atuação do INPI nos contratos de tecnologia e a sua relação com o contrato de know-how, a análise realizada durante os capítulos limitar-se-á à legislação brasileira, fazendo apenas menção a alguns acordos internacionais ou normas da União Europeia com o propósito de contextualizar o tema. Assim, esta dissertação não fará estudo comparativo entre a legislação brasileira e outras normas internacionais.
2 MARCO REGULATÓRIO DOS CONTRATOS DE TECNOLOGIA
A inovação tecnológica vem ganhando cada vez mais destaque no cenário mundial quando o assunto é desenvolvimento tecnológico, crescimento econômico e vantagem competitiva. O desenvolvimento econômico, científico, tecnológico e social de um país, além do investimento em P&DI, depende de fatores como: a proteção aos direitos de propriedade intelectual; a cooperação, parcerias e transferência de tecnologia; o aprimoramento do know-how das organizações; entre outros.
Xxxxxx (2007) afirma que a propriedade intelectual assumiu papel central, no comércio mundial, quando o conhecimento e a informação passaram a se destacar mais do que os bens materiais. A aquisição de informação capaz de criar novos conhecimentos e tecnologias são hoje mais relevantes para o desenvolvimento de uma nação do que a produção e distribuição de bens materiais. O valor de uma empresa passou a ser quantificado preponderantemente pelos seus ativos intangíveis, como, por exemplo, o número de patentes concedidas, a marca, dentre outros, e não mais pelos seus bens tangíveis.
Assim como os direitos de propriedade intelectual, os contratos de tecnologia, principalmente em âmbito internacional, têm influência significativa no processo de desenvolvimento de uma nação, na medida em que traduzem o compartilhamento de conhecimentos, tecnologias e modelos de negócios entre empresas, pessoas e instituições de países em diferentes condições sociais.
Segundo Xxxxx x Xxxxx (2008), os três objetivos principais da propriedade intelectual são: promover a inovação; recompensar o criador/detentor; e garantir que a inovação seja disseminada no âmbito social. A proteção intelectual confere a propriedade exclusiva da invenção, por um determinado lapso temporal, de modo que o seu criador e/ou detentor possa lucrar com o invento e, assim, retribua o seu dispêndio financeiro e pessoal.
É importante observar que a concessão ou registro de um direito de propriedade intelectual não confere por si só o retorno financeiro dispendido pelo seu detentor. A comercialização desse direito, por meio de um contrato de licenciamento para uso/exploração, da cessão definitiva ou da sua produção, é que será responsável por determinar o valor daquele ativo intangível e recompensar o investimento realizado.
No Brasil, a propriedade intelectual se divide em três grandes grupos: direito autoral, propriedade industrial e proteção sui generis. Esta
última se refere às topografias de circuitos integrados1, às cultivares2 e aos conhecimentos tradicionais3.
O direito autoral4 compreende: direitos de autor, que são obras literárias, artísticas e científicas, descobertas científicas e direitos conexos, os quais abrangem as interpretações dos artistas intérpretes e as execuções dos artistas executantes, os fonogramas e as emissões de radiodifusão. Além disso, a proteção à propriedade intelectual de programa de computador5 é considerada também direito de autor.
A propriedade industrial, por sua vez, inclui as patentes, que protegem as invenções e modelos de utilidade em todos os domínios da atividade humana, marcas, desenhos industriais, indicações geográficas e repressão à concorrência desleal, sendo que a atual LPI/1996 determina os procedimentos de concessão e de registro dos direitos de propriedade industrial.
O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é o órgão responsável pela proteção à propriedade industrial no país. O INPI é uma autarquia federal brasileira, criada pela Lei 5.648, de 11 de dezembro de 1970, sendo vinculado atualmente ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) e responsável pelo aperfeiçoamento, disseminação e gestão do sistema brasileiro de direitos de propriedade industrial6.
Dentre as competências do INPI está a averbação ou registro, conforme o caso, dos contratos de tecnologia relativos a direitos de propriedade industrial – como licença e cessão de marcas, patentes e desenhos industriais – e daqueles que impliquem em transferência de tecnologia e de franquia.
No que se refere aos contratos de tecnologia, Viegas (2007, p. 6) esclarece que a transferência de tecnologia entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, ao longo da segunda metade do século XX, “gerou conflitos políticos e tentativas de uniformização de normas, todas sem sucesso”.
1 Lei 11.484, de 31 de maio de 2007.
2 Lei 9.456, de 25 de abril de 1997.
3 Lei 13.123, de 20 de maio de 2015.
4 Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.
5 Lei 9.609, de 19 de fevereiro de 1998.
6 Apesar de as topografias de circuitos integrados e os programas de computador serem classificados, respectivamente, como proteção sui generis e direitos autorais, ambos são registrados perante o INPI, conforme determinado por suas legislações.
Desse modo, a regulamentação da contratação internacional de tecnologia dependia, historicamente, da visão política e do modelo econômico utilizado pelos países receptores de tecnologia, isto é, aqueles em desenvolvimento. A partir dos anos 1970, esses países, tal como o Brasil, compreendiam que muitas empresas fornecedoras de tecnologias
– multinacionais de países desenvolvidos – exploravam as receptoras de tecnologia, por meio da cobrança exorbitante de royalties, por períodos grandes e por tecnologias ultrapassadas, com cláusulas restritivas à liberdade das receptoras em comercializar os produtos. (VIEGAS, 2007). Viegas (2007, p. 6) afirma que esses países entendiam a transferência de tecnologia como uma forma “não bem-vinda de permitir a evasão de divisas e um impedimento à consecução das metas de desenvolvimento tecnológico e competitividade internos”, pelo que editaram legislações locais com o objetivo de: impedir a contratação de tecnologias em condições desfavoráveis às empresas nacionais; controlar o preço contratado; e incentivar a aquisição de tecnologias capazes de
contribuir para os seus desenvolvimentos econômicos e sociais.
No Brasil, no início dos anos 1970, o INPI foi criado com a atribuição, além de conceder e registrar os direitos de propriedade industrial, de acelerar e regular a transferência de tecnologia, bem como de estabelecer melhores condições de transação e exploração de patentes em âmbito nacional. A disposição expressa de tal competência demonstra a tamanha importância dos contratos de tecnologia para o desenvolvimento nacional, em total consonância com a política econômica da época, cujo objetivo era fomentar e fortalecer a produção brasileira.
No ano de 1971 entrou em vigor Código da Propriedade Industrial (Lei 5.772, de 21 de dezembro de 1971), pelo qual se determinou a competência do INPI para averbar os contratos de propriedade industrial e registrar os contratos que implicassem em transferência de tecnologia. Já em 1975, o INPI editou o famoso Ato Normativo 15, considerado restritivo à contratação. Durante esse período, houve a implementação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979), o qual visava, dentre outros objetivos, capacitar o sistema produtivo brasileiro e gerar o avanço tecnológico do País.
Em razão da crise econômica, ao final dos anos 1980 e no início dos anos 1990, o Brasil passou a adotar uma postura mais flexível em relação à contratação internacional de tecnologia, na busca de atrair maior capital estrangeiro (VIEGAS, 2007). Em 1991, o Ato Normativo 15/1975 do INPI foi revogado pela Resolução 22, a qual flexibilizou os
procedimentos para averbação ou registro dos contratos de tecnologia junto ao Instituto.
Nos anos 1990, há dois grandes marcos regulatórios da propriedade intelectual e também dos contratos de tecnologia. No âmbito internacional, foi firmado o Acordo sobre Aspectos Comerciais dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo TRIPS), o qual dispõe, ainda que de maneira superficial, sobre a transferência de tecnologia. Houve também a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), sendo a propriedade intelectual um de seus alicerces. No Brasil, em 1996, instituiu-se a nova Lei da Propriedade Industrial, a qual manteve o registro ou averbação dos contratos de tecnologia junto ao INPI, porém retirou o seu poder de análise sobre a oportunidade e conveniência desses instrumentos para o desenvolvimento nacional.
Assim, este capítulo apresentará o histórico e a evolução normativa dos contratos de tecnologia em âmbito internacional e no Brasil, tratando também sobre: as leis de propriedade intelectual; as políticas econômicas, industriais e de inovação implementadas no País; e outras legislações aplicáveis aos contratos de tecnologia, como normas tributárias, fiscais, cambiais e concorrenciais. Os Atos Normativos editados pelo INPI serão abordados especificamente no próximo capítulo.
2.1 ACORDOS INTERNACIONAIS
O primeiro acordo internacional que tratou sobre o direito de propriedade intelectual foi a Convenção da União de Paris (CUP), celebrada no ano de 1883 e que entrou em vigor em 1884, tendo o Brasil como um de seus signatários originais, conforme Decreto 9.233, de 28 de junho de 1884. A Convenção tem como fundamento a liberdade dos países membros em implementarem suas próprias normas de proteção, definindo apenas o princípio da igualdade, segundo o qual nacionais e estrangeiros deveriam ser tratados de forma igual em relação à concessão de direitos de propriedade intelectual.
O texto da CUP passou por diversas alterações, sendo que em 1967, em Estocolmo, houve a criação da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI/WIPO), cujos objetivos são: favorecer a assinatura de acordos de proteção da propriedade intelectual; adotar medidas para melhorar a prestação de serviços em matéria de propriedade intelectual; prestar assistência técnica aos Estados que a solicitarem; promover estudos e publicações sobre a proteção da propriedade intelectual (SEITENFUS, 2000).
Xxxxxx (2010) assevera, no entanto, que a CUP não regulamenta especificamente os termos de transferência de tecnologia, know-how ou segredo de negócio, os quais sequer são mencionados na Convenção. A única previsão é o artigo 10 bis, dispondo que os países signatários estão obrigados a assegurar aos outros países do acordo efetiva proteção contra a concorrência desleal, conceituando-a como qualquer ato de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial.
Apesar de a CUP ter sido exitosa num primeiro momento, sua última revisão, ocorrida em 1980, não obteve sucesso, tendo em vista que os países desenvolvidos buscavam maior proteção aos direitos de propriedade intelectual, enquanto os países em desenvolvimento pretendiam diminuir o monopólio daqueles e melhorar a sua criação e transferência de tecnologia (FRANCO, 2010).
A partir da segunda metade do século XX, os países em desenvolvimento passaram a demonstrar, em fóruns internacionais, anseio por maior acesso às tecnologias estrangeiras, normalmente advindas dos países desenvolvidos, e avanço de sua capacitação tecnológica. Nesse contexto, ao final da primeira Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNTAD) instaurou-se um grupo composto de setenta e sete países em desenvolvimento com o objetivo de estabelecer uma cooperação para tratamento diferenciado aos países subdesenvolvidos em relação à propriedade intelectual (XXXXXX, 2010).
Conforme visto, durante os anos 1970, alguns países em desenvolvimento, como o Brasil, adotaram medidas no sentido de editar legislações nacionais regulamentando a contratação internacional de tecnologia, cujo controle se dava por meio de intervenção estatal direta, de acordo com as políticas econômicas e indústrias locais.
Diante desse cenário, ocorreram diversas iniciativas na década de 1980 no sentido de criar normas internacionais para regulamentar a transferência de tecnologia, advindas dos próprios países em desenvolvimento, com o objetivo de conseguirem maior acesso a tecnologias de ponta, em condições mais vantajosas. Dentre elas, destaca- se as negociações para a implementação de um Código Internacional de Conduta para a Transferência de Tecnologia, TOT Code (VIEGAS, 2007).
Posteriormente ao TOT Code ocorreu a celebração do Acordo TRIPS durante os anos 1990. De acordo com Xxxxxx (2010), algumas cláusulas específicas sobre a contratação de transferência de tecnologia foram inseridas em acordos internacionais, a partir dos anos 1990,
prevendo objetivos, escopos e maneiras de implementação da transferência de tecnologia. Contudo, em grande parte dessas disposições, as cláusulas somente determinam “maiores esforços” nesse sentido.
2.1.1 Código Internacional de Conduta para a Transferência de Tecnologia (TOT Code)
Segundo Xxxxxx (2010, p. 44), as negociações na Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) para a criação de um Código de Conduta em Transferência de Tecnologia teve início no ano de 1974, “como iniciativa que reconhecia o papel fundamental que a ciência e a tecnologia desempenham no desenvolvimento socioeconômico de todos os países” e que, consequentemente, seria capaz de acelerar o desenvolvimento dos países menos subdesenvolvidos. Ao final da primeira UNCTAD instaurou-se um grupo composto de setenta e sete países em desenvolvimento com o objetivo de estabelecer uma cooperação para tratamento diferenciado aos países subdesenvolvidos em relação à propriedade intelectual.
Explica Franco (2010, p. 44) que a primeira regra do Código era que este não teria efeito vinculante, “mas tornar-se-ia um norte para as operações de transferência de tecnologia a serem contratas internacionalmente”, de modo que quaisquer ações estatais de acordo com as normas do TOT Code seriam legítimas, porém “nenhuma parte estaria estritamente obrigada a cumprir com o instrumento”.
De acordo com Xxxxxx (2007), durante essas negociações internacionais, os países em desenvolvimento buscavam tanto a aprovação de suas políticas internas quanto a proteção contra a imposição de empresas multinacionais, as quais procuravam países mais favoráveis para transferência de tecnologia e investimento. Ao mesmo tempo, os países desenvolvidos igualmente possuíam interesse em regulamentar internacionalmente a contratação de tecnologia, de modo a evitar conflitos decorrentes de legislações diferentes e promover a harmonizações de normas aplicáveis aos países em desenvolvimento.
Considerando que a maioria das empresas fornecedoras de tecnologia eram, e ainda são, de países desenvolvidos, a intenção destes fica clara, porquanto são as maiores potências e detém grande parte do conhecimento e da informação. Ao passo que a maioria das receptoras de tecnologia (localizadas em países em desenvolvimento) estão em condições desfavoráveis e muitas vezes aceitam o que o detentor quer para poder obter aquela contratação.
Viegas (2007, p. 8) explica que, durante as negociações, “a posição dos países em desenvolvimento era diametralmente oposta à dos países desenvolvidos quanto à função do Estado na análise e aprovação dos contratos de tecnologia”. No caso dos países em desenvolvimento, como Brasil, defendia-se a intervenção do Estado nas negociações, enquanto os países desenvolvidos sustentavam que a redução de interferência estatal eram “as melhores armas para promover a transferência de tecnologia internacional”.
Além disso, havia divergência quanto à visão dos países desenvolvidos e em desenvolvimento a respeito da concepção de abuso de poder econômico. Os países desenvolvidos entendiam-no como “o exercício de restrições à liberdade de concorrência”, ao passo que os países em desenvolvimento compreendiam que as restrições constantes nos contratos de tecnologia precisariam ser examinadas no sentido de verificar se iriam ou não auxiliar o desenvolvimento da indústria nacional (BARBOSA, 2003).
Para Viegas (2007), essas tentativas de se chegar a um Código Internacional de Conduta de Transferência de Tecnologia não obtiveram êxito. Xxxxxx (2010, p. 45) acrescenta que, apesar do fracasso dessas negociações, o preâmbulo do TOT Code possui considerações importantes a respeito do papel da tecnologia perante o desenvolvimento: “trata da necessidade de os países mais desenvolvidos darem acesso à tecnologia aos países menos desenvolvidos”, levando-se em consideração o direito de todas as pessoas de se favorecerem dos avanços e do desenvolvimento em ciência, tecnologia e inovação, de modo a melhorar o seu padrão de vida.
Ainda assim, o TOT Code contém consideráveis capítulos, desde a conceituação de transferência de tecnologia, até itens como objetivos e princípio, tratamento da matéria em âmbito nacional por cada país, exemplos de cláusulas consideradas restritivas, treinamento de mão de obra local, entre outros (FRANCO, 2010)7.
Viegas (2007, p. 9) assevera que o TOT Code não prosperou pelos seguintes motivos: primeiro, porque as visões de países desenvolvidos e em desenvolvimento eram excessivamente divergentes pelo qual não houve possibilidade de diálogo entre os grupos envolvidos, principalmente no que se refere à intervenção estatal no exame dos contratos; e segundo, porque “a recessão econômica que atingiu os países em desenvolvimento na década de 1980 (a chamada década perdida)
7 No tocante ao conceito de transferência de tecnologia adotado pelo TOT Code, sugere-se a leitura de Xxxxx Xxxxxx (2010).
obrigou os países em desenvolvimento a flexibilizarem suas legislações internas numa tentativa de atrair mais capitais estrangeiros”.
Nesse mesmo sentido, Xxxxxx (2010) complementa apresentando parte do relatório do TOT Code em que é mencionado a liberalização dos regimes de investimento e de transferência de tecnologia por parte dos países em desenvolvimento, com o objetivo de atrair mais investimento estrangeiro.
Tal situação é bem evidente no Brasil entre a década de 1970 e 1980, quando houve a criação do INPI e a edição do Ato Normativo 15/1975, e posteriormente, nos anos 1990, com a revogação da competência de exame da oportunidade e conveniência dos contratos de tecnologia e da flexibilização dos procedimentos pela Resolução INPI 22/1991.
Com essa flexibilização por parte dos países em desenvolvimento, perdeu-se o interesse na pactuação de um acordo internacional para regulamentar especificamente a contratação de tecnologia. Nesse ponto, Viegas (2007) assevera que os países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos da América, conseguiram inserir na Rodada Uruguai do GATT, além do comércio de serviços, assuntos relacionados à propriedade intelectual, o que resultou no Acordo TRIPS, a seguir estudado.
2.1.2 O Acordo TRIPS
Xxxxxx (2010, p. 47) explica que, ao final da segunda guerra mundial, iniciaram-se negociações internacionais no sentido de incentivar o comércio mundial, sendo que no ano de 1993, ao final da Rodada do Acordo sobre Tarifas e Comércios (sigla GATT), ocorrida no Uruguai, houve a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a execução de acordos a serem cumpridos no âmbito desta organização, em especial o Acordo sobre Aspectos Comerciais dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo TRIPS).
O Brasil é signatário do Acordo TRIPS, cuja Ata Final que incorpora os resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT foi promulgada por meio do Decreto 1.355, de 30 de dezembro de 1994.
Segundo Xxxxxx (2010), o TRIPS aumentou a capacidade de efetivar e fazer valer os direitos de propriedade intelectual num contexto global, ao determinar critérios mínimos de proteção aos direitos de propriedade intelectual nos ordenamentos jurídicos dos países signatários. Xxxxxxxxx (2014, p. 117) acrescenta que o Acordo surge da ideia principal
de que “mais proteção à propriedade intelectual promove o livre comércio e atrai investimentos”, o que em conjunto culmina no crescimento econômico e no bem-estar social. Essa ideia provém da concepção dos países desenvolvidos no sentido de “desenvolvimento como crescimento”, por meio dos mecanismos de proteção à propriedade intelectual.
O Acordo TRIPS, no que se refere aos contratos de tecnologia, prevê algumas exceções importantes envolvendo esses instrumentos, ainda que contenha um padrão elevado de proteção aos direitos de propriedade intelectual (FRANCO, 2010).
Na parte preliminar do TRIPS (BRASIL, 1994a), observam-se dois “reconhecimentos” que se relacionam à contratação internacional de transferência de tecnologia:
[...] Reconhecendo os objetivos básicos de política pública dos sistemas nacionais para a proteção da propriedade intelectual, inclusive os objetivos de desenvolvimento e tecnologia;
Reconhecendo igualmente as necessidades especiais dos países de menor desenvolvimento relativo Membros no que se refere à implementação interna de leis e regulamentos com a máxima flexibilidade, de forma a habilitá- los a criar uma base tecnológica sólida e viável. [...] (grifou-se)
Dentre os objetivos do Acordo, descritos em seu artigo 7, além da regulamentação dos direitos de propriedade intelectual, destaca-se a sua consequente contribuição para o fomento da inovação tecnológica e “para a transferência e difusão de tecnologia” (BRASIL, 1994a), de modo a beneficiar produtores e usuários de tecnologias.
Em relação aos princípios do TRIPS, o item 2 do artigo 8, dispõe que poderão ser tomadas medidas, que estiverem de acordo com o regulamentado no Acordo, para impedir os titulares de irem além de seus direitos de propriedade intelectual ou para obstar “recurso a práticas que limitem de maneira injustificável o comércio ou que afetem adversamente a transferência internacional de tecnologia” (BRASIL, 1994a).
Segundo Xxxxxx (2010), os artigos 7 e 8 do TRIPS devem ser interpretados em conjunto, para não se entender que o país fornecedor de tecnologia pode impor sua política interna de transferência de tecnologia, apenas pelo fato desta estar de acordo com os termos mínimos propostos pelo Acordo.
Prosseguindo, o artigo 39 do Acordo TRIPS, ao tratar sobre a proteção de informação confidencial, estabelece que, aplicando-se o artigo 10 bis da CUP em relação à concorrência desleal, os signatários protegerão a informação confidencial ao possibilitar que pessoas físicas e jurídicas evitem que “informações legalmente sob seu controle seja divulgada, adquirida ou usada por terceiros, sem seu consentimento” (BRASIL, 1994a), desde que a informação seja secreta, isto é, não seja conhecida em geral nem facilmente acessível, tenha valor comercial por ser secreta e tenha sido objeto de precauções razoáveis, nas circunstâncias, pela pessoa legalmente em controle da informação, para mantê-la secreta.
No tocante ao controle das práticas de concorrência desleal em contratos de licenças, o artigo 40.1 regulamenta que os signatários do Acordo pactuam que algumas práticas ou exigências de licenciamento de direitos de propriedade intelectual que limitem a concorrência “podem afetar adversamente o comércio e impedir a transferência e disseminação de tecnologia” (BRASIL, 1994a).
O artigo 40.2, por sua vez, prevê que:
2. Nenhuma disposição deste Acordo impedirá que os Membros especifiquem em suas legislações condições ou práticas de licenciamento que possam, em determinados casos, constituir um abuso dos direitos de propriedade intelectual que tenha efeitos adversos sobre a concorrência no mercado relevante. Conforme estabelecido acima, um Membro pode adotar, de forma compatível com as outras disposições deste Acordo, medidas apropriadas para evitar ou controlar tais práticas, que podem incluir, por exemplo, condições de cessão exclusiva, condições que impeçam impugnações da validade e pacotes de licenças coercitivas, à luz das leis e regulamentos pertinentes desse Membro. (BRASIL, 1994a).
O artigo 40 do Acordo é extremamente importante quando for estudado, no quarto capítulo, o exame de mérito realizado pelo INPI nos contratos de tecnologia. Em dois processos judiciais que serão objeto de análise, o artigo 40 do TRIPS é uma das bases legais utilizadas para se entender que o INPI possui legitimidade para, por exemplo, limitar o valor de remessa de royalties para o exterior. De acordo com as manifestações nesse sentido, o artigo 40.2 determina a possibilidade de os países
Membros adotarem medidas para obstar eventual abuso de direito de propriedade intelectual.
O artigo 66 do TRIPS, intitulado “Países de Menor Desenvolvimento Relativo Membros”, além de tratar sobre o prazo desses países para entrada em vigor dos termos do Acordo TRIPS em suas legislações locais, dispõe sobre o fomento à transferência de tecnologia:
2. Os países desenvolvidos Membros concederão incentivos a empresas e instituições de seus territórios com o objetivo de promover e estimular a transferência de tecnologia aos países de menor desenvolvimento relativo Membros, a fim de habilitá-los a estabelecer uma base tecnológica sólida e viável. (BRASIL, 1994a)
Não obstante, conforme conclui Xxxxxx (2010, p. 50-51), o Acordo TRIPS não definiu o significado dos termos: tecnologia, pela autora conceituada como aquela protegida por patente ou por outro direito de propriedade intelectual, como no caso do segredo de negócio; e transferência de tecnologia. Por outro lado, assevera que o TRIPS possui diversas normas contendo “exceções importantes à proteção da propriedade intelectual a serem utilizadas pelos países em desenvolvimento”, como o estabelecimento de uma base tecnológica sólida, a transferência internacional de tecnologia, o desenvolvimento tecnológico e a disseminação de tecnologia.
Assim, Xxxxxx (2010) explica que o TRIPS não impede o Brasil de impor suas normas e políticas específicas para transferência de tecnologia. No caso da contratação de know-how, isto é, de tecnologia não patenteada, cada país pode adotar um regime diferente para sua regulação, por não ter sido objeto de negociação no âmbito do referido Acordo.
2.2 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Antes de se adentrar na legislação brasileira relativa aos contratos de tecnologia e à propriedade industrial, explica-se que os contratos em geral, considerados como negócio jurídico, são regidos pelo Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. De acordo com o artigo 104 do CC/2002, para a validade do negócio jurídico é necessário: agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei.
Os artigos 421 e 422 do Código Civil preveem os princípios da autonomia da vontade e da boa-fé aplicáveis aos contratos em geral:
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.8 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. (BRASIL, 2002)
Após esse breve esclarecimento sobre os contratos em geral, passa- se à história da propriedade industrial no Brasil, particularmente da origem das patentes que ocorreu com a vinda da Família Real em 1808. O Alvará de 1785, que proibia as fábricas, indústrias e manufaturas na então Colônia, foi revogado e substituído pelo Alvará de 28 de janeiro de 1809, pelo qual foram adotadas iniciativas para o desenvolvimento industrial, como:
[...] isenção de direitos à importação de matérias primas, isenção de direitos à exportação de produtos manufaturados e, entre outras, a concessão de privilégios aos inventores e introdutores de novas máquinas, que teriam o direito exclusivo de explorar a invenção por catorze anos (ABAPI, 1998, p. 16)
Passada a Independência do Brasil, a questão da patente foi inserida no âmbito da preparação da primeira Carta Magna do Brasil, a Constituição Imperial de 1824. As marcas de fábrica e os direitos autorais foram incluídos a partir da Constituição Republicana de 1891.
Em 1923 criou-se o primeiro órgão responsável pela proteção e controle da propriedade industrial no Brasil, a Diretoria Geral da Propriedade Industrial, que veio a ser substituída pelo Departamento Nacional da Propriedade Industrial (em 1933) e atualmente está sob a responsabilidade do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
Na legislação infraconstitucional, os direitos de propriedade industrial de patentes e de marcas foram previstos, num primeiro momento, em normas separadas. Em 1945 houve o primeiro Código que abrangeu a regulamentação dos direitos de propriedade industrial.
Concomitantemente à evolução da história da propriedade industrial no Brasil, foram implementadas diversas ações governamentais
8 O artigo 421 do CC/2002 é utilizado como base para defender a autonomia das partes em contratos de tecnologia e afastar a possibilidade de exame de mérito pelo INPI.
e políticas de ciência, tecnologia e inovação, que tiveram influência direta na posição estatal sobre esses direitos, principalmente em relação aos contratos de tecnologia.
Este trabalho abordará a evolução das principais legislações federais relacionadas aos contratos de tecnologia, revogadas e em vigor. Dentre as normas fiscais e cambiais, serão analisadas as leis e atos que estão em vigência, tendo em vista que parte dessas legislações são muito antigas e, até pode-se dizer, obsoletas, pois não acompanharam todo o processo de desenvolvimento científico e tecnológico que o País tem passado nos últimos anos9.
2.2.1 As Constituições do Brasil (1824-1988)
De acordo com Xxxxxxxx (1994, p. 120), a Constituição é a norma que determina os contornos da política econômica, onde se insere a tecnologia e “as diretrizes de sua utilização pelos agentes do sistema econômico”. Das oito Constituições que existem no Brasil, de 1824 a 1988, somente a Constituição de 1937 “não incluiu expressamente os privilégios industriais entre as garantias aos direitos individuais”.
A Constituição do Império de 1824 determinava em seu artigo 179, inciso XXVI, a proteção das descobertas e das produções aos inventores, por meio da concessão de um privilégio exclusivo temporário ou da indenização em caso de “interesse do Estado em tornar de domínio público o invento” (PIMENTEL, 1994, p. 122). Segundo Xxxx Xxxxxxxxx (1946, p. 31)
[...] essa Constituição proclamou, com antecipação de meio século, o princípio da propriedade do inventor, que somente em 1878, o Congresso Internacional da Propriedade Industrial, reunido em Paris, definitivamente assentara.
Acrescenta Pimentel (1994) que a primeira Constituição não tratava, ainda, sobre a proteção às marcas e outras garantias e prerrogativas industriais. Na primeira Constituição Republicana, outorgada em 24 de fevereiro de 1891, reiterou-se a garantia à proteção
9 Exemplo claro disso é que a Portaria 436, de 30 de dezembro de 1958, do Ministério da Fazenda, a qual fixa percentuais máximos para a dedução de royalties, não prevê a biotecnologia como ramo de atuação. Entretanto, a biotecnologia é uma das áreas mais crescentes no Brasil, principalmente em razão da sua riqueza de recursos naturais.
dos inventos, sendo inserida a propriedade das marcas de fábrica, além da proteção aos autores de obras literárias e artísticas, de acordo com os direitos autorais, conforme artigo 72, §§ 25, 26 e 27.
A Constituição da República de 1934, promulgada em 16 de julho, manteve a proteção às obras literárias, artísticas e científicas, aos inventos industriais e às marcas de indústria e comércio. Contudo, ao contrário das demais Constituições, a Constituição de 1937, do Estado Novo, ao estabelecer os direitos e garantias individuais em seu artigo 122, não fez referência expressa aos direitos de propriedade dos inventores, das marcas e ao uso do nome comercial, “não registrando a garantia aos direitos industriais em nenhum dos outros títulos, ou dispositivos do texto” (PIMENTEL, 1994, p. 124)10.
Em 18 de setembro de 1946, foi promulgada a Constituição de 1946, a qual restabeleceu a regulamentação proteção às obras literárias, artísticas e científicas, aos inventos industriais, às marcas de indústria e comércio e ao uso do nome comercial, em consonância com as disposições contidas nas Constituições de 1891 e 1934 (§§17, 18 e 19 do
artigo 141).
Durante o regime militar, outorgou-se a Constituição de 1967, cujo texto manteve as garantias à propriedade intelectual e industrial previstas na Constituição de 1946, conforme §§24 e 25 do artigo 150, “sem prever a hipótese de indenização pela vulgarização dos inventos, rompendo com a tradição que vinha das anteriores, desde a Constituição do Império” (PIMENTEL, 1994, p. 125)11. A Constituição de 1967 apenas menciona que o Poder Público incentivará a pesquisa científica e tecnológica, dentro da ideia de cultura.
A atual Constituição Federal de 1988 determina, no inciso II do artigo 3º, a garantia do desenvolvimento nacional como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. O artigo 5º consagra os direitos e garantias fundamentais, incluindo expressamente a proteção aos direitos autorais (incisos XXVII e XXVIII) e à propriedade industrial:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
10 Não obstante, no ano de 1945 foi instituído o primeiro Código da Propriedade Industrial, pelo Decreto-Lei 7.903, de 27 de agosto, cuja legislação vem tratar especificamente da proteção e regulação dos direitos e obrigações relativos à propriedade industrial no país.
11 No decorrer deste período, o então o Departamento Nacional da Propriedade Industrial foi substituído pelo atual INPI, bem como o CPI de 1945 foi revogado pelo de 1971.
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País. (BRASIL, 1988)
A CF/1988 determina, em seu artigo 170, que a ordem econômica, “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Dentre os princípios da ordem econômica a serem observados está o da “livre concorrência” (inciso IV). Este princípio é utilizado nas ações judiciais estudadas no último capítulo para fundamentar a impossibilidade de o INPI realizar o exame de mérito nos contratos de tecnologia.
Em relação ao abuso de poder econômico, o §4º do artigo 173 da CF/1988 determina que a “lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” (BRASIL, 1988).
No tocante à tecnologia e inovação, no ano de 2015 foi promulgada a Emenda Constitucional 85, de 26 de fevereiro, a qual veio a modificar e incluir artigos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 no sentido de prever expressamente a palavra “inovação” no texto constitucional, que até então somente se referia à ciência e tecnologia.
O inciso V do artigo 23 atualmente dispõe que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação” (BRASIL, 2015).
De acordo com a atual redação dos artigos 218 e 219 da CF/1988 (BRASIL, 2015):
Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação.
§ 1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em
vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação.
[...]
Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.
Parágrafo único. O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia. (grifou-se)
Colhe-se do parágrafo único do artigo 219 (inserido pela Emenda Constitucional 85/2015), a determinação expressa de estímulo à transferência de tecnologia pelo Estado, como tema diretamente atrelado à pesquisa científica básica e tecnológica, considerados prioritários para o desenvolvimento do país.
Além da constatação de que a regulamentação da propriedade intelectual e industrial está presente nas Constituições do Brasil desde o período Imperial (1824) até o atual (1988), com exceção da Constituição de 1937, nota-se que a CF/1988 realça a importância da ciência, da tecnologia e da inovação.
A inserção, em texto constitucional, de um capítulo dedicado a tratar exclusivamente da CT&I, principalmente após a Emenda de 2015, demonstra o seu papel crucial na pesquisa científica básica e tecnológica e, consequentemente, no desenvolvimento científico, tecnológico, social e econômico do País. Nesse sentido, a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia estão intimamente relacionadas com essa política prioritária do Estado de estímulo à CT&I, o que torna ainda mais relevante o estudo do tema.
2.2.2 Criação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Lei 5.648/1970)
Segundo Xxxx Xxxxxxxxx (1946), o crescimento exponencial da industrialização no início dos anos 1920 impôs a necessidade de criação de um órgão governamental, especializado e centralizado, para tratar
sobre marcas e patentes. Naquela época, o Brasil já possuía legislações infraconstitucionais apartadas que regulamentavam as patentes e marcas em âmbito nacional. Contudo, as patentes eram tratadas por uma Diretoria, ao passo que as marcas eram depositadas nas respectivas Juntas Comerciais.
Desse modo criou-se a Diretoria Geral da Propriedade Industrial (DGPI), primeiro órgão responsável pelo assunto no Brasil, instituída pelo Decreto 16.264, de 19 de dezembro de 1923, e subordinada ao então Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. De acordo com o artigo 1º, a DGPI tinha “a seu cargo os serviços de patentes de invenção e de marcas de indústria e de comércio, ora reorganizados, tudo de acordo com o regulamento anexo” (BRASIL, 1923).
A DGPI foi substituída pelo Departamento Nacional da Propriedade Industrial (DNPI), constituído pelo Decreto 22.989, de 26 de julho de 1933. Após a entrada em vigor do primeiro CPI/194512, o DNPI foi reorganizado pelo Decreto-Lei 8.933, de 26 de janeiro de 1946.
Vinculado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o DNPI tinha por finalidade, conforme artigo 1º:
I – promover e executar, na forma da legislação em vigor e no dos tratados e convenções a que o Brasil esteja ligado, a proteção das Propriedades Industrial, em sua função econômica e jurídica, garantindo os direitos daqueles que contribuem para melhor aproveitamento ou distribuição da riqueza, mantendo a lealdade da concorrência no comércio e na indústria e estimulando a iniciativa individual, no espirito criador e inventivo; e
II – promover o aproveitamento das invenções pela indústria nacional, através dos órgãos públicas com a mesma relacionados e dos particulares representativos dos seus interesses, servindo de intermediário entre ele e o inventor. (BRASIL, 1946)
No ano de 1970, o DNPI foi sucedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o qual permanece até hoje como o órgão
12 O Código da Propriedade Industrial de 1945 previa apenas a anotação dos contratos de licença de direitos de propriedade industrial. Porém, não incorporava os contratos que implicassem em transferência de tecnologia, os quais foram implementados como de atribuição do INPI pelo Código da Propriedade Industrial de 1971, conforme se verá mais à frente.
responsável pela proteção à propriedade industrial no país. O INPI é uma autarquia federal brasileira, criada pela Lei 5.648/1970, sendo vinculado ao então Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC)13 e incumbido pelo aperfeiçoamento, disseminação e gestão do sistema brasileiro de concessão e garantia de direitos de propriedade industrial, bem como pela averbação e registro, respectivamente, dos contratos de propriedade industrial e de transferência de tecnologia.
Destaca-se que recentemente o MDIC veio a sofrer uma transformação em suas competências e em sua nomenclatura. Por meio da Medida Provisória 726, de 12 de maio de 2016, o Ministério passou a se chamar Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (inciso I do artigo 2°), permanecendo o INPI como órgão vinculado a este Ministério.
Entre os serviços do INPI, estão os registros de marcas, desenhos industriais, indicações geográficas, as concessões de patentes e as averbações e registros de contratos de tecnologia. Para Xxxxxxx (2015), o INPI determina sua competência pelos contratos que pertencem à sua área de atuação, quais sejam: a licença e cessão de marcas e patentes, a franquia e os contratos que impliquem em transferência de tecnologia.
O artigo 2º da Lei 5.648/1970, quando da sua entrada em vigor, assim dispunha:
Art 2º O Instituto tem por finalidade principal executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica. Parágrafo único. Sem prejuízo de outras atribuições que lhe forem cometidas, o Instituto adotará, com vistas ao desenvolvimento econômico do País, medidas capazes de acelerar e regular a transferência de tecnologia e de estabelecer melhores condições de negociação e utilização de patentes, cabendo-lhe ainda pronunciar-se quanto à conveniência da assinatura ratificação ou denúncia de convenções, tratados, convênio e acordos sobre propriedade industrial. (grifou-se)
Nesse sentido, a Lei 5.648/1970 regulamentava no parágrafo único do artigo 2° que caberia ao INPI a análise da conveniência e oportunidade
13 O INPI já foi vinculado, no início, ao Ministério da Justiça, entre outros.
sobre questões atinentes aos contratos de tecnologia, com vistas ao desenvolvimento econômico do País e a acelerar e regular a transferência de tecnologia.
Posteriormente, com a promulgação da atual Lei da Propriedade Industrial de 1996, o texto do artigo 2° foi alterado e, portanto, a finalidade do INPI foi modificada. Retirou-se o seu poder de exame de conveniência e oportunidade dos contratos de tecnologia.
Conforme a vigente redação do artigo 2º, o INPI tem como função primordial executar, no país, as normas que instituem a propriedade industrial, em razão da sua finalidade social, econômica, jurídica e técnica, “bem como pronunciar-se quanto à conveniência de assinatura, ratificação e denúncia de convenções, tratados, convênios e acordos sobre propriedade industrial” (BRASIL, 1970).
Por fim, destaca-se que o presente estudo apresentará, no próximo capítulo, toda evolução regimental do órgão interno do INPI responsável pela averbação e registro dos contratos de tecnologia, atualmente sob a competência da Coordenação-Geral de Contratos de Tecnologia, ligada à Presidência.
2.2.3 A legislação de Propriedade Industrial (1809-1996)
Como visto, a história das patentes surgiu pelo Alvará de 1809, da Família Real, reconhecendo a concessão de um privilégio de catorze anos. De acordo com ABAPI (1998, p. 17), ao contrário do que ocorre hoje, em que há o reconhecimento do direito de proteção à propriedade intelectual, “a patente foi introduzida no Brasil dentro de uma política de fomento à indústria”, após a Revolução Industrial.
A primeira lei que tratou sobre a regulamentação das patentes foi a Lei de 28 de agosto de 1830, cujo preâmbulo dispunha: “Concede privilegio ao que descobrir, inventar ou melhorar uma indústria útil e um prêmio que introduzir uma indústria estrangeira, e regula sua concessão” (BRASIL, 1830).
O artigo 8º da referida legislação previa: “o que tiver uma patente, poderá dispor dela, como bem lhe parecer, usando ele mesmo, ou cedendo-a a um, ou a mais” (BRASIL, 1830). Verifica-se, portanto, a possibilidade de licenciamento ou de cessão da patente desde aquela época. No ano de 1860, o Decreto 2.712, de 22 de dezembro, alterou o critério utilizado para determinar o início da validade do privilégio, para a partir da data de assinatura da concessão da patente.
As marcas, por sua vez, surgiram por meio do Decreto 2.682, de 23 de outubro de 1875. Segundo o artigo 1º: “é reconhecido a qualquer
fabricante e negociante o direito de marcar os produtos de sua manufatura e de seu comércio com sinais que os tornem distintos dos de qualquer outra procedência” (BRASIL, 1875).
A respeito da menção a contratos envolvendo marcas, o artigo 12 determinava que:
Nas transmissões das fabricas, assim como nas alterações sobrevindas ás firmas sociais, se a marca tiver de subsistir, far-se-á no registro a respectiva averbação, dando-se cópia desta ao fabricante, ou negociante, e fazendo-se público pela imprensa. (BRASIL, 1875)
O primeiro Código da Propriedade Industrial no Brasil deu-se pelo Decreto-Lei 7.903, de 27 de agosto de 1945 (CPI/1945). Como visto acima, o órgão responsável naquela época era o já extinto Departamento Nacional da Propriedade Industrial. De acordo com seu artigo 2º:
A proteção da propriedade industrial, em sua função econômica e jurídica, visa reconhecer e garantir os direitos daqueles que contribuem para o melhor aproveitamento e distribuição de riqueza, mantendo a lealdade de concorrência no comércio e na indústria e estimulando a iniciativa individual, o poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo. (BRASIL, 1945)
Especificamente em relação aos contratos de tecnologia, o CPI/1945 não previa o registro dos contratos que implicassem em transferência de tecnologia e de franquia junto ao DNPI. O artigo 50 regulamentava a possibilidade de concessão de licença pelos proprietários de patentes de invenção, modelo de utilidade e desenhos ou modelos industriais para “exploração do invento privilegiado”. Tal como ocorre atualmente, o artigo 52 dispunha que a averbação do contrato de licença somente teria efeitos perante terceiros, “depois de anotado no Departamento Nacional da Propriedade Industrial, onde, para esse fim, o interessado deverá apresentar o título hábil que ali ficará arquivado” (BRASIL, 1945).
Conforme determinava o artigo 147 do CPI/1945, os titulares de marcas registradas também poderiam firmar contrato de licença para autorização de uso, cuja validade perante terceiros ficava vinculada à sua anotação junto ao DNPI. Em relação à cessão desses direitos, os artigos
44 e 143 previam, respectivamente, a possibilidade de alienação ou transferência da propriedade de invenção e da propriedade de marca, título de estabelecimento, insígnia e expressão ou sinal de propaganda. Nestes casos, a alienação se dava por ato intervivos e a transferência por meio de sucessão legítima ou testamentária.
O CPI/1945 dispôs também sobre os crimes contra a concorrência desleal. Dentre as hipóteses previstas, estavam incluídas as violações ao segredo industrial, na forma que segue:
Art. 178. Comete crime de concorrência desleal que:
[...]
XI. divulga ou explora, sem autorização, quando a serviço de outrem, segrêdo de fábrica, que lhe foi confiado ou de que tece conhecimento em razão do serviço;
XII, divulga ou se utiliza, sem autorização, de segredo de negócio, que lhe foi confiado ou de que teve conhecimento em razão do serviço, mesmo depois de havê-lo deixado. (BRASIL, 1945)
O Código da Propriedade Industrial de 1967 (CPI/1967)14, Decreto-Lei 254, de 28 de fevereiro, manteve a possibilidade de licenciamento e de cessão das patentes de invenção, desenhos ou modelos industriais, com mesmo procedimento junto ao DNPI.
Importante destacar a substituição do termo “invento privilegiado”, previsto na norma anterior, por “invento patenteado”, conforme redação do artigo 36. Além disso, conservou-se a cessão e o licenciamento de marcas, insígnias e expressões ou sinais de propaganda, nos termos dos artigos 116 e 123, respectivamente, do CPI/1967.
Dois anos após o CPI/1967, foi editado o Código da Propriedade Industrial de 1969, pelo Decreto-Lei 1.005, de 21 de outubro de 1969, que igualmente previa o licenciamento e a cessão dos direitos de propriedade industrial. Em relação às patentes de invenção e de modelos e desenhos industriais, as disposições estavam previstas nos artigos 31 a 41 do CPI/1969. Já o licenciamento e cessão das marcas, títulos de estabelecimento e expressões ou sinais de propaganda estavam regulamentados nos artigos 110 a 118 do CPI/1969.
14 O CPI/1945 previa a proteção de propriedade industrial das novas variedades de plantas, o que foi revogado com o CPI/1967. Atualmente as cultivares são regulamentadas pela Lei 9.456/1997.
Não houve disposição sobre os contratos de transferência de tecnologia nos Códigos de 1945, 1967 e 1969. Isso não significa dizer que esses instrumentos não existiam. Na verdade, a antiga Superintendência da Moeda e do Crédito (atualmente Banco Central do Brasil), era responsável por esses contratos, até a criação do INPI.
No ano de 1971, após a criação do INPI, foi promulgada a Lei 5.772, de 21 de dezembro, a qual instituiu o novo Código da Propriedade Industrial (CPI/1971), revogando-se as disposições anteriores. De acordo com Xxxxxxx (2002, p. 3), o CPI/1971, ao contrário dos Códigos antecessores de 1945, 1967 e 1969 (todos Decretos-Lei) foi votado pelo Congresso Nacional “em discussões com a indústria nacional e estrangeira e os advogados especialistas, documentadas nos Anais então publicados”.
Xxxxxxxxxx Xxxxxxx (2002, p. 3) que, por implicar em exercício democrático, o CPI/1971 sofreu intervenções informais em razão do clima político e ideológico daquela época, além do que “refletia a influência técnica, especialmente alemã, propiciada pelo início do programa de assistência da Organização Mundial da Propriedade Intelectual”.
No âmbito do CPI/1971, a proteção aos direitos de propriedade industrial se daria por meio: da concessão de privilégios de invenção, de modelo de utilidade, de modelo industrial e de desenho industrial; da concessão de registros de marcas de indústria e de comércio ou de serviço, de expressão ou sinal de propaganda; de repressão a falsas indicações de procedência; e de repressão à concorrência desleal. No que se refere às patentes (privilégios), as disposições que tratavam sobre o seu licenciamento ou cessão estavam entre os artigos 26 a 32 do CPI/1971. Os artigos 29 e 30 estabeleciam a licença dos privilégios de invenção e de modelos e desenhos industriais:
Art. 29. A concessão de licença para exploração será feita mediante ato revestido das formalidades legais contendo as condições de remuneração e as relacionadas com a exploração do privilégio, bem como referência ao número e ao título do pedido ou da patente.
§ 1° A remuneração será fixada com observância da legislação vigente e das normas baixadas pelas autoridades monetárias e cambiais.
§ 2º A concessão não poderá impor restrições à comercialização e à exportação do produto de que
trata a licença, bem como à importação de insumos necessários à sua fabricação.
§ 3º Nos termos e para os efeitos deste Código, pertencerão ao licenciado os direitos sobre os aperfeiçoamentos por ele introduzidos no produto ou no processo.
Art. 30. A aquisição de privilégio ou a concessão de licença para a sua exploração estão sujeitas à averbação no Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
Parágrafo único. A averbação não produzirá qualquer efeito, no tocante a royalties, quando se referir a:
a) privilégio não concedido no Brasil;
b) privilégio concedido a titular residente, domiciliado ou com sede no exterior, sem a prioridade prevista no artigo 17;
c) privilégio extinto ou em processo de nulidade ou de cancelamento;
d) privilégio cujo titular anterior não tivesse direito a tal remuneração. (BRASIL, 1971)
O licenciamento e a cessão das marcas, por seu turno, eram previstos nos artigos 87 a 92 do CPI/1971. O artigo 90 dispunha especificamente sobre o licenciamento das marcas ou expressões ou sinais de propaganda:
Art. 90. O titular de marca ou expressão ou sinal de propaganda poderá autorizar o seu uso por terceiros devidamente estabelecidos, mediante contrato de exploração que conterá o número do pedido ou do registro e as condições de remuneração, bem como a obrigação de o titular exercer contrôle efetivo sôbre as especificações, natureza e qualidade dos respectivos artigos ou serviços.
1º A remuneração será fixada com observância da legislação vigente e das normas baixadas pelas autoridades monetárias e cambiais.
2º A concessão não poderá impor restrições à industrialização ou à comercialização, inclusive à exportação.
3º O contrato de exploração, bem como suas renovações ou prorrogações só produzirão efeito
em relação a terceiros depois de julgados conforme e averbados pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
4º A averbação não produzirá qualquer efeito, no tocante a pagamento de royalties, quando se referir a:
a) registro não concedido no Brasil;
b) registro concedido a titular domiciliado ou com sede no exterior, sem a prioridade prevista no artigo 68;
c) registro extinto ou em processo de nulidade ou de cancelamento;
d) registro em vigência por prorrogação;
e) registro cujo titular anterior não tivesse direito a tal remuneração. (BRASIL, 1971)
Denota-se que, ao contrário do até então previsto pelos Códigos que regiam a Propriedade Industrial no Brasil, o CPI/1971 dispôs sobre critérios a serem observados, quando da elaboração dos contratos de licença para exploração de patentes e de marcas, como a remuneração, indicação do número do pedido ou registro, observância à legislação fiscal e cambial, assim como hipóteses em que não haveria remessa de royalties, ainda que o contrato fosse averbado junto ao INPI.
O disposto no §2º dos artigos 29 e 90 do CPI/1971, citados acima, a respeito das restrições à comercialização, exportação e importação, nos casos de licenciamento de patentes ou marcas, refletia diretamente a política econômica e industrial intervencionista do país daquela época. Xxxx disposições estavam em consonância com a lei que criou o INPI e a sua função de examinar a conveniência e oportunidade os contratos de tecnologia, com vistas ao desenvolvimento econômico do País e a acelerar e regular a transferência de tecnologia (artigo 2º, parágrafo único, Lei 5.648/1970).
O CPI/1971 foi a primeira legislação de propriedade industrial que dispôs sobre o registro dos contratos que implicassem em transferência de tecnologia. Segundo o seu artigo 126:
Art. 126. Ficam sujeitos à averbação15 no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, para os efeitos do artigo 2º, parágrafo único, da Lei n. 5.648, de 11
15 Conforme se demonstrará mais à frente neste trabalho, entende-se que a nomenclatura “averbação” prevista no art. 126 do CPI/1971 está incorreta, o que foi corrigido pela atual LPI/1996.
de dezembro de 1970, os atos ou contratos que impliquem em transferência de tecnologia. (BRASIL, 1971)
A inserção da modalidade de contrato de transferência de tecnologia como de responsabilidade do órgão que regula a propriedade industrial, no caso o INPI, deu-se justamente no período em que havia previsão do exame de mérito nos contratos de tecnologia. Tanto que a própria norma que regulamenta o seu registro junto ao INPI cita expressamente o artigo que determina essa observância pelo órgão.
Em que pese o CPI/1971 tenha trazido maior previsão e especificidade sobre os contratos de tecnologia, isso não retirou algumas lacunas existentes sobre as suas disposições, principalmente em relação aos contratos de transferência de tecnologia. Nota-se que a disposição, por meio de lei federal, pouco tratou sobre os contratos de transferência de tecnologia, deixando a cargo do INPI a função de regulamentar os procedimentos internos para registro desta modalidade contratual.
Oportuno consignar que o artigo 128 do CPI/1971 manteve o texto do CPI/1945 em relação aos crimes de concorrência desleal, permanecendo, consequentemente, as hipóteses de violação ao segredo de fábrica (inciso XI) e ao segredo de negócio (inciso XII).
Em meados de 1987, iniciou-se o processo de mudança da Lei da Propriedade Industrial brasileira, cuja origem se deu, principalmente, pela pressão feita pelo Governo dos Estados Unidos da América, a partir de sanções unilaterais impostas sob a Seção 301 do Trade Act, e também pelo contexto histórico que vivia a política do então Governo Xxxxxx (XXXXXXX, 2002). Furtado (1996) complementa que a atual Lei da Propriedade Industrial resultou das relações comerciais com outras nações, especialmente grandes potências econômicas como os EUA.
A Portaria Interministerial 346, de julho de 1990, criou Comissão para elaborar o Projeto de Lei do Governo com vistas à alteração do CPI/1971. A Comissão Interministerial era formada por várias subcomissões e reunia representantes dos Ministérios da Justiça, da Economia, das Relações Exteriores, da Saúde e da Secretaria de Ciência e Tecnologia, além de técnicos do INPI e de outros consultores externos. De acordo com Xxxxxxx (2002), em diversas ocasiões, a Comissão Interministerial ouviu as associações, empresas e entidades governamentais interessadas no tema, inclusive contou com a participação da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI) e da Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial
(ABAPI).
O processo de modificação do CPI/1971 para a atual legislação deu-se concomitantemente ao momento em que se estava discutindo o Acordo TRIPS em âmbito mundial, o qual veio a ter grande influência na redação da nossa legislação de propriedade industrial.
Nesse cenário, foi promulgada a atual Lei da Propriedade Industrial (LPI/1996), Lei 9.279, de 14 de maio de 1996, a qual revogou o CPI/1971. A legislação vigente é proveniente do Projeto de Lei 824, apresentado em 8 de maio de 1991, na Câmara dos Deputados e iniciado durante o Governo Collor, cujo resultado deu-se no Governo Xxxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxxxx.
A LPI/1996, que completou 20 anos no ano passado, tem como escopo regular os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial no país. A proteção dos direitos relacionados à propriedade industrial dá- se pela: concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade; concessão de registro de desenho industrial; concessão de registro de marca; repressão às falsas indicações geográficas; e repressão à concorrência desleal (artigo 2º).
Os “privilégios” das legislações anteriores passaram a ser denominados exclusivamente de patentes de invenção e de modelo de utilidade. Até o CPI/1971 o desenho industrial também era considerado um “privilégio” a ser patenteado e, com a LPI/1996, passou a ter disposição específica, como um registro.
Passando-se à previsão de contratos, como estes serão objeto de estudo no terceiro capítulo, far-se-á apenas uma indicação da regulamentação dos contratos de propriedade industrial e de transferência de tecnologia no contexto da LPI/1996.
Em relação às patentes de invenção e de modelo de utilidade, a cessão é regulamentada nos artigos 58 a 60. O licenciamento das patentes é previsto pelos artigos 61 a 63 (licença voluntária), 64 a 67 (oferta de licença) e 68 a 74 (licença compulsória).
Em que pese se afirmou que o desenho industrial deixou de ser considerado um privilégio e passou a ser um registro, o artigo 121 da LPI/1996 determina que as disposições sobre cessão e licenciamento voluntário de patentes aplicam-se aos modelos de utilidade. Desse modo, em termos de contratos de propriedade industrial, equiparam-se os procedimentos a serem adotados.
No tocante às marcas, os artigos 134 a 138 da LPI/1996 regulamentam a sua cessão, ao passo que a licença de uso é prevista pelos artigos 139 a 141.
Ao contrário do CPI/1971, em que os contratos de transferência de tecnologia eram tratados nas disposições finais e transitórias, a LPI/1996
regulamenta esses contratos no título específico “Da transferência de tecnologia e da franquia” (Título VI), o qual somente possui um artigo.
O artigo 211 da LPI/1996 determina que:
Art. 211. O INPI fará o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares para produzirem efeitos em relação a terceiros.
Parágrafo único. A decisão relativa aos pedidos de registro de contratos de que trata este artigo será proferida no xxxxx xx 00 (xxxxxx) xxxx, xxxxxxxx xx xxxx xx xxxxxx xx xxxxxxxx. (XXXXXX, 1996)
Além de incluir explicitamente os contratos de franquia sob a responsabilidade do INPI16, a LPI/1996 igualmente esclareceu o que seria averbado ou registrado pelo INPI. Até aquele momento, utilizava-se a palavra averbar para todas as modalidades contratuais, sem qualquer distinção.
Definiu-se então que a averbação corresponde àqueles contratos que possuem título principal, como patentes, marcas e desenho industrial, cujos contratos possuem como objeto esses direitos de propriedade industrial. Por outro lado, o registro compreende os contratos que não possuem título, tais como o fornecimento de tecnologia (know-how), a assistência técnica e científica e a franquia, todos previstos pelo artigo 211 da LPI/1996.
Dentre as principais mudanças ocasionadas pela LPI/1996, pode- se observar que, para este trabalho, a mais substancial foi a trazida pelo artigo 240. Revogou-se o papel do INPI de adotar “medidas capazes de acelerar e regular a transferência de tecnologia e de estabelecer melhores condições de negociação e utilização de patentes”, previsto anteriormente no parágrafo único do artigo 2°.
A partir de então, foi determinado que o INPI tem por objetivo principal “executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica”, conforme redação conferida pelo artigo 240 da LPI/1996.
Com a LPI/1996, Xxxxxxx (2015) esclarece que o INPI deixou de ter o poder de intervenção nos contratos, a respeito de sua conveniência e
16 Apesar do contrato de franquia somente ter sido inserido pela LPI/1996 como de responsabilidade do INPI, o Ato Normativo INPI 115/1993 já regulamentava sobre o processo de averbação de Contratos de Franquia junto ao Instituto.
oportunidade; permanecendo, entretanto, a competência do INPI para atuar como assessor, “ex ante”, da Receita Federal e do Banco Central na análise dos contratos que impliquem em transferência de tecnologia.
Acrescenta-se que a LPI/1996 manteve a repressão à concorrência desleal como um dos critérios de proteção dos direitos relativos à propriedade industrial. Contudo, a lei atual modificou a redação das hipóteses de concorrência desleal, ao retirar as expressões “segredo de fábrica” e “segredo de negócio” anteriormente previstas. Desse modo, o artigo 195 da LPI/1996 determina que comete crime à concorrência desleal, quem:
XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude.
Nesses casos, também se considera crime à concorrência desleal quando as informações são divulgadas, exploradas ou utilizadas por empregador, sócio ou administrador da empresa, conforme §1º do citado artigo.
Assim, dentre todo o histórico das legislações de propriedade industrial, foi possível verificar que a inserção do registro dos contratos de transferência de tecnologia como de responsabilidade do órgão que regula a propriedade industrial, atualmente o INPI, ocorreu nos anos 1970, período em que o País possuía uma política econômica e industrial de regulação do mercado tecnológico, por meio do controle da contratação internacional de tecnologia.
2.2.4 Evolução das políticas industriais e de inovação (1951-2016)
Como visto, as políticas industriais brasileiras (dos anos de 1950 até os dias atuais) têm grande influência no processo de importação de tecnologia, principalmente em relação aos contratos de tecnologia que são averbados/registrados junto ao INPI. Ao longo dos anos, o exame de
mérito realizado pelo Instituto nesses instrumentos está intimamente relacionado à política industrial vigente, isto é, se é protecionista ou flexível.
Quando se pensa em contratação internacional de tecnologia no Brasil, é estritamente necessário que se observe a política industrial da época. Além disso, as políticas de inovação do País também estão relacionadas diretamente a esses instrumentos, na medida em que dispõem sobre incentivos e estímulos à inovação tecnológica brasileira, o que compreende na criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia, conforme o próprio texto constitucional determina.
Desse modo, esta subseção abordará a evolução das políticas industriais e de inovação no País, apontando alguns marcos regulatórios importantes nessa história.
O INPI (2016), ao abordar a história da averbação/registro de contratos no Instituto, divide-a em quatro fases: a primeira, denominada “controle de capitais estrangeiros” (1950-1970); a segunda, “estratégia de substituição de importações” (1970-1990); a terceira, “estratégia de inserção internacional” (1990-2000); e a quarta, “desenvolvimento do sistema nacional de inovação” (anos 2000).
Na primeira fase (1950-1970), quando ainda não existia o INPI, afirma-se o foco das normas e práticas brasileira, em um primeiro momento, era o controle de remessas de royalties e lucros ao exterior e, após, o estímulo ao desenvolvimento industrial em setores prioritários. O registro dos contratos de tecnologia foi instituído pela Lei 4.131/1962.
Na política de inovação brasileira, o primeiro marco regulatório deu-se, no ano de 1951, com a criação do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), pela Lei 1.310, de 15 de janeiro, com o objetivo de “promover e estimular o desenvolvimento da investigação científica e tecnológica em qualquer domínio do conhecimento” (BRASIL, 1951).
O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) foi criado pelo Decreto-Lei 719, de 31 de julho de 1969, com a finalidade de dar apoio financeiro aos programas e projetos prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico nacionais.
A partir dos anos de 1970 até 1990, expõe o INPI (Ibid.) que a política industrial tinha como objetivo a regulação do mercado de tecnologia, a partir da conveniência e interesse dos objetivos e estratégias da política nacional de desenvolvimento industrial. Nessa fase houve a sua criação e a instituição do CPI/1971, momento em que os atos e contratos que implicassem transferência de tecnologia passaram a ser sujeitos à registro do INPI.
O INPI (Ibid.) acrescenta que “foi organizado com a missão de acelerar e regular a transferência de tecnologia e de estabelecer melhores condições de negociação e utilização de patentes e outros direitos de natureza análoga”.
Já no ano de 1974 houve o lançamento do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), o qual era uma política industrial do Estado brasileiro, criado com o objetivo de desenvolver a economia do País em relação ao cenário mundial. O II PND vigorou entre os anos de 1975 e 1979 e teve influência significativa no processo de averbação e registro dos contratos de tecnologia junto ao INPI. O Ato Normativa 15/1975, que regulava esse procedimento no Instituto, mencionava expressamente que aquela norma se baseava no II PND.
Paralelamente a isso, o Governo Federal buscava também a estruturação de um sistema nacional articulado de CT&I. A primeira iniciativa de organização desse sistema ocorreu em 1975, com a criação do Sistema Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o qual organizava e agrupava as entidades que utilizavam recursos governamentais para realizar atividades de pesquisas científicas e tecnológicas. Seguindo-se os Planos Básicos de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, então administrados pelo CNPq (PIMENTEL et al, 2012).
Em 1984 foi instituída a Política Nacional de Informática, pela Lei 7.232, de 29 de outubro, com a finalidade de “capacitação nacional nas atividades de informática, em proveito do desenvolvimento social, cultural, político, tecnológico e econômico da sociedade brasileira” (BRASIL, 1984), conforme artigo 2º.
Xxxxxxxxx (1997, p. 122) observa que o controle tecnológico nacional estava entre as maiores preocupações da política brasileira em relação à transferência de tecnologia, nos anos 1970 e 1980, o que foi introduzido na Lei 7.232/1984, ao exigir “o controle tecnológico nacional a fim de qualificar determinada empresa como brasileira”, segundo o artigo 12.
A partir de 1985, com a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia, como órgão central do sistema federal de C&T, estruturou- se o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI), que “dispõe de fóruns de articulação e interlocução dos atores de CT&I e de mecanismos para atuar de forma integrada e com a cooperação entre os governos e órgãos das esferas federal e estadual” (PIMENTEL et al, 2012, p. 366).
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 5 de outubro, destinou-se um capítulo a tratar
especificamente sobre a promoção e incentivo ao desenvolvimento científico, à pesquisa, e à capacitação científica e tecnológica, por meio dos artigos 218 e 21917.
Ainda no ano de 1988, o Decreto 96.760, de 22 de setembro, implementou uma nova política industrial, com o objetivo de modernizar e aumentar a competitividade do parque industrial do País. Dentre os programas dessa política, ressalta-se o Programas de Desenvolvimento Tecnológico Industrial (PDTI), criado para “capacitação empresarial no campo da tecnologia industrial, por meio da criação e manutenção de estrutura de gestão tecnológica permanente, inclusive com o estabelecimento de associações entre empresas e vínculos com instituições de pesquisa” (BRASIL, 1988).
O PDTI das empresas deveria ser apreciado pelo INPI, nos casos de importação de tecnologia, conforme artigo 30 do Decreto 96.760/1988. Após a aprovação do PDTI, os atos e contratos de importação de tecnologia “sobre os quais se calcularão os benefícios concedidos estarão sujeitos ao regime de simples notificação, conforme regulado pelo INPI, dispensada a consulta prévia” (BRASIL, 1988)18. Houve, a partir de então, uma flexibilização da política industrial brasileira em relação à contratação internacional de tecnologia.
Com o início dos anos 1990, o INPI (Ibid.) afirma que se iniciou a terceira fase da política industrial, denominada “estratégia de inserção internacional”, a qual foi marcada pela flexibilização das normas e dos procedimentos relacionados à averbação de contratos, que ocorreram no contexto das reformas do Estado. A partir de então, o Sistema de Propriedade Intelectual passaria a estimular os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e promover a maior transferência internacional de tecnologia.
Segundo o INPI (Ibid.), nesta etapa, houve a aprovação de diversas legislações pertinentes à transferência de tecnologia, como: a Lei 8.383/1991, a qual revogou os dispositivos impeditivos de remessas, a título de transferência de tecnologia, entre matriz e subsidiárias no País; a Lei 8.955/1994, que regulamentava as franquias; a Lei 9.279/1996, que instituiu a nova e vigente LPI; e outras relacionadas, como a Lei
17 Como visto na subseção 2.2.1 deste trabalho, a Emenda Constitucional 85/2015 alterou a redação dos artigos 218 e 219 no sentido de prever expressamente a palavra “inovação” em seu texto constitucional.
18 O Ato Normativo INPI 93, de 8 de novembro de 1988, dispôs sobre o regime de simples notificação.
9.609/1998 (proteção ao software) e a Lei 9.456/1997 (proteção de cultivares).
Nesse período, no tocante ao FNDCT, a partir da percepção da necessidade da ampliação da estrutura de CT&I, de sinergia entre a universidade e o setor empresarial, de incentivos à pesquisa e desenvolvimento (P&D) e de seu fomento em bases competitivas e sustentáveis, começaram a ser implementados Fundos Setoriais, a partir de 1999, com a função de
[...] ampliar e dar estabilidade ao financiamento de CT&I, atendendo a diversas áreas, cada um com recursos próprios, oriundos de contribuições incidentes sobre o faturamento das empresas (CIDE, IPI, remessa de recursos ao exterior, pagamento de royalties, assistência técnica e serviços especializados ou profissionais) e/ou sobre o resultado da exploração de recursos naturais pertencentes à União. (XXXXXXXX et al, 2012, p. 362)
Na quarta e última etapa da política industrial brasileira, ocorrida a partir dos anos 2000, a averbação e o registro dos contratos junto ao INPI passaram a “compor o novo contexto baseado na articulação e no fortalecimento do sistema nacional de inovação” (INPI). De acordo com o Instituto, as ações relacionadas à defesa da concorrência e à integração internacional da economia brasileira igualmente estão inseridas neste contexto atual, em que os serviços de apoio ao mercado de tecnologia se ressaltam, tendo o INPI passado por uma reorganização, iniciada a partir de 2004 com o Decreto 5.147 até o ano de 2016, com o Decreto 8.854, visando: a modernização dos procedimentos; a melhor prestação de serviços; e a maior interação com os usuários.
No ano de 2004, foi criada a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), pela Lei 11.080, de 30 de dezembro, cujo objetivo é promover a execução da política industrial, em consonância com as políticas de ciência, tecnologia, inovação e de comércio exterior. A política industrial recente do Brasil foi dividida em três fases: a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), de 2004 a 2008; a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), de 2008 a 2010; e o Plano Brasil Maior (PBM), de 2011 a 201419.
19 Para mais informações sobre essas políticas industriais, sugere-se leitura no Portal da ABDI
A primeira política industrial foi a PICTE, lançada em 31 de março de 2004, com o objetivo de fortalecer e expandir a base industrial brasileira por meio da melhoria da capacidade inovadora das empresas, sendo concebida a partir de uma visão estratégica de longo prazo, cujo pilar central era a inovação e a agregação de valor aos processos, produtos e serviços da indústria nacional (PIMENTEL et al, 2012).
De acordo com Xxxxxxxx et al (2012), a PITCE atuou em três eixos: linhas de ação horizontais (inovação e desenvolvimento tecnológico, inserção externa/exportações, modernização industrial, ambiente institucional); setores estratégicos (software, semicondutores, bens de capital, fármacos e medicamentos); e atividades portadoras de futuro (biotecnologia, nanotecnologia e energias renováveis).
Destaca-se que a ABDI, no documento da PICTE, observa o esgotamento do modelo adotado nos anos 1980 a 1990 de controle de capitais. A Agência afirma que o referido modelo não prosperou e que foi necessário pensar em uma nova forma de fazer a política industrial brasileira.
Em que pese a importância e impacto da PICTE no sistema de inovação brasileiro, permanecia, ainda, a necessidade de instituir um ambiente legal que favorecesse e facilitasse os projetos cooperativos de Instituições Científicas e Tecnológicas (ICT’s) com empresas, para fins de promoção e incremento efetivo da inovação no setor produtivo (PIMENTEL et al, 2012). Nesse sentido, foi expedida a Lei 10.973, de 2 de dezembro de 2004, denominada de Lei de Inovação.
A Lei de Inovação, em vigência até os dias atuais, estabeleceu medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, “com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do País” (BRASIL, 2004), nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Já em 2005, houve a promulgação da Lei 11.196, de 21 de novembro, denominada de Lei do Bem, a qual concedeu um conjunto de incentivos fiscais às atividades de P&D voltadas à inovação em empresas. O Decreto 5.798, de 7 de junho de 2006, disciplinou o procedimento dos incentivos fiscais às atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, nos termos da Lei 11.196/2006.
Entre os anos 2007 a 2010, foi implementado o Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional (PACTI), do Ministério da Ciência e Tecnologia, cuja principal finalidade era definir diversas iniciativas, ações e programas que possibilitassem
tornar mais decisivo o papel da CT&I no desenvolvimento sustentável do País.
No ano de 2008 foi elaborada a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) pelo Governo Federal, no sentido de dar continuidade à PICTE (2004), com o objetivo de fortalecer a economia do país e sustentar o crescimento e incentivar a exportação, tendo como princípios norteadores o diálogo com o setor privado e o estabelecimento de metas, necessário ao seu permanente monitoramento (PIMENTEL et al, 2012).
O Plano Brasil Maior (PBM) foi instituído em 2011, sucedendo a PDP e estabelecendo a política industrial, tecnológica, de serviços e de comércio exterior para o período de 2011 a 2014. O PBM definiu um conjunto inicial de medidas e o completou a partir do diálogo com o setor produtivo, durante o período definido.
No ano de 2013, o Decreto de 2 de setembro qualificou a Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII), como uma Organização Social, com a finalidade de “promover e incentivar a realização de projetos empresariais de pesquisa, desenvolvimento e inovação voltados para setores industriais por meio de cooperação com instituições de pesquisa tecnológica” (BRASIL, 2013).
O último marco legal da política de inovação brasileira foi a implementação do Código Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovação (Código de CT&I), criado pela Lei 13.243, de 11 de janeiro de 2016, o qual alterou dispositivos da Lei de Inovação de 2004, a fim de ampliar as parcerias público-privadas e as relações entre as universidades e centros de pesquisa com o setor produtivo.
No que se refere especificamente aos contratos de tecnologia, a Lei de Inovação (2004) regulamentou sobre a possibilidade de licenciamento e de cessão de direitos de propriedade intelectual pelas Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICT’s), cujo texto foi modificado pelo Código de CT&I (2016), porém mantendo-se as hipóteses.
Os artigos 6º e 7º preveem sobre o licenciamento e a transferência de tecnologia:
Art. 6° É facultado à ICT pública celebrar contrato de transferência de tecnologia e de licenciamento para outorga de direito de uso ou de exploração de criação por ela desenvolvida isoladamente ou por meio de parceria. (BRASIL, 2016)
[...]
Art. 7° A ICT poderá obter o direito de uso ou de exploração de criação protegida. (BRASIL, 2004)
Desse modo, a ICT pode transferir sua tecnologia ou licenciar os direitos sobre sua criação (feita de forma exclusiva ou em conjunto) a terceiros, com algumas especificidades descritas nos parágrafos do artigo 6º, assim como também pode explorar, por meio de licença, a criação de outrem.
Além disso, há as hipóteses de cessão dos direitos pela ICT, conforme artigos 9º e 11:
Art. 9o É facultado à ICT celebrar acordos de parceria com instituições públicas e privadas para realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica e de desenvolvimento de tecnologia, produto, serviço ou processo.
[...]
§3° A propriedade intelectual e a participação nos resultados referidas no § 2o serão asseguradas às partes contratantes, nos termos do contrato, podendo a ICT ceder ao parceiro privado a totalidade dos direitos de propriedade intelectual mediante compensação financeira ou não financeira, desde que economicamente mensurável.
Art. 11. Nos casos e condições definidos em normas da ICT e nos termos da legislação pertinente, a ICT poderá ceder seus direitos sobre a criação, mediante manifestação expressa e motivada e a título não oneroso, ao criador, para que os exerça em seu próprio nome e sob sua inteira responsabilidade, ou a terceiro, mediante remuneração.
Parágrafo único. A manifestação prevista no caput deste artigo deverá ser proferida pelo órgão ou autoridade máxima da instituição, ouvido o núcleo de inovação tecnológica, no prazo fixado em regulamento. (BRASIL, 2016)
O caso previsto no artigo 9º trata especificamente sobre a cessão dos direitos de propriedade intelectual existentes sob acordos de parceria de PD&I, a qual pode se dar tanto a título gratuito quanto oneroso, desde
que seja possível quantificar esses direitos20. Por outro lado, o artigo 11 confere a possibilidade de a ICT ceder os direitos da criação ao criador, a título gratuito, ou a terceiro, de forma onerosa.
Diante disso, tem-se que a política de inovação do País possibilita o licenciamento e de cessão de direitos de propriedade industrial, bem como de transferência de tecnologia, pelas Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação, o que é um ponto importante, quando se pensa na sua função colaborativa em prol da inovação tecnológica do país.
Ainda assim, verifica-se que a política industrial brasileira, a partir dos anos 1970, foi de controle da regulação da transferência internacional de tecnologia, de modo a assegurar o desenvolvimento da indústria local. A partir dos anos 1990 e até os anos 2000, houve uma mudança nessa concepção restritiva do Governo brasileiro e as políticas industriais passaram a ter uma maior abertura, buscando a inserção internacional do País. Tais mudanças impactaram diretamente na análise realizada pelo INPI nos contratos de tecnologia.
2.2.5 Outras legislações relacionadas aos contratos de tecnologia
Xxxxxx (2010) explica que a política fiscal brasileira para pagamento relacionados à transferência de tecnologia sempre esteve intimamente relacionada à política cambial, andando ambas em conjunto na repressão à distribuição disfarçada de lucros e manobras contábeis que pretendiam burlar a lei então em vigor que restringia a remessa de pagamentos entre empresas relacionadas com controle do capital volante.
Segundo Xxxxxxxxx (1997), há dois interesses diversos quando se trata de transferência de tecnologia. Do ponto de vista do fornecedor, essa gera renda tributada por meio de imposto de renda. Por outro lado, para o receptor, o seu interesse é que os pagamentos sejam passíveis de dedução como despesa operacional, quando da aferição do lucro real do seu imposto de renda. Tanto em âmbito interno quanto externo, considera-se o imposto de renda como o principal tributo a recair sobre a transferência de tecnologia.
Xxxxxxxx (1997, p. 149) ensina que a Lei 3.470, de 28 de novembro de 1958 – a qual alterou a legislação do Imposto de Renda – estabeleceu as primeiras restrições à dedutibilidade fiscal dos pagamentos dos
20 A valoração de ativos intangíveis é um dos temas mais controversos no âmbito da propriedade intelectual. Avaliar um bem material é uma tarefa relativamente simples. No caso dos ativos intangíveis, por outro lado, não há uma regra definida de como serão quantificados ou até mesmo se é possível mensurá-los.
contratos de tecnologia, criando “limites que seriam calculados em bases percentuais sobre a receita bruta do produto fabricado ou vendido com o uso da tecnologia correspondente”. Além disso, a legislação determinou a averbação dos contratos de licenciamento de marcas e patentes junto ao então DNPI, como requisito para a dedutibilidade.
O artigo 74 da Lei 3.470/1958 regulamenta que:
Art. 74. Para os fins da determinação do lucro real das pessoas jurídicas como o define a legislação do imposto de renda, somente poderão ser deduzidas do lucro bruto a soma das quantias devidas a título de royalties pela exploração de marcas de indústria e de comércio e patentes de invenção, por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes até o limite máximo de 5% (cinco por cento) da receita bruta do produto fabricado ou vendido.
[...]
§ 3º A comprovação das despesas a que se refere este artigo será feita mediante contrato de cessão ou licença de uso da marca ou invento privilegiado, regularmente registrado no país, de acordo com as prescrições do Código da Propriedade Industrial (Decreto-lei nº 7.903, de 27 de agosto de 1945), ou de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, desde que efetivamente prestados tais serviços. (BRASIL, 1958)
No tocante aos limites para a dedutibilidade fiscal dos pagamentos por tecnologia, a Portaria do Ministério da Fazenda (MF) 436, de 30 de dezembro de 1958, ainda em vigor, estabeleceu coeficientes percentuais máximos “para a dedução de royalties, pela exploração de marcas e patentes, de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante”, amortização, levando em conta os tipos de produção, de acordo com o seu grau de essencialidade. Os grupos constantes da Portaria foram alterados em três oportunidades: Portaria/MF 113/1959, 314/1970 e 60/1994, cujo objetivo foi incluir itens nos Grupos já existentes na primeira normativa. De acordo com Xxxxxxxxx (1997), os limites impostos pela Portaria/MF 436/1958 variam conforme o setor da indústria ou comércio em que a tecnologia será aplicada. O percentual máximo de 5% para as indústrias de base – como cimento, metalurgia pesada e construção naval
– 4% a 2% para as indústrias essenciais de transformação – produtos químicos, alimentares e farmacêuticos – e de 1% para as demais indústrias
de transformação e para as marcas de indústria e comércio. No grupo do limite de 1% para dedução, por exemplo, estaria a indústria ligada à biotecnologia, a qual vem crescendo constantemente e, mesmo assim, é ignorada nas normativas que tratam sobre a questão.
Em 1962, foi promulgada a Lei 4.131, de 3 de setembro, com o escopo de disciplinar “a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior”. Xxxxxxxxx (1997) assevera que a Lei introduziu o conceito de royalty, vigente até hoje, como “a quantia devida ao titular de uma marca ou patente em pagamento pela licença de uso das mesmas”.
O artigo 9º da Lei 4.131/1962 determina a submissão dos contratos e demais documentos necessários aos órgãos competentes da Superintendência da Moeda e do Crédito e da Divisão do Imposto sobre a Renda, para autorização de remessa para o exterior.
Xxxxxxxxx (1997) ressalta que as atribuições da antiga Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) são atualmente exercidas pelo Banco Central do Brasil (BACEN), assim como a Divisão do Imposto sobre a Renda foi extinta e suas competências são exercidas hoje pela Secretaria da Receita Federal (SRF).
O BACEN, em relação ao comércio exterior, é responsável por formular e executar as políticas cambial e monetária do País. Para fins de remessa de royalties para o exterior, o contrato deve ser averbado ou registrado perante o INPI e após, registrado junto ao BACEN, pelo Registro Declaratório Eletrônico. Já a SRF é responsável pela administração dos tributos internos e aduaneiros da União Federal. No tocante aos contratos de tecnologia, a SRF é responsável por regulamentar a questão da dedutibilidade fiscal da remessa de royalties.
O artigo 11 da Lei 4.131/1962 (conforme alteração dada pela Lei 4.390, de 29 de agosto de 1964) dispõe que os pedidos de registro de contrato de patentes, marcas da indústria e comércio ou outros títulos da mesma espécie, para efeito de transferências financeiras para o pagamento de royalties, deverão estar acompanhados da “certidão probatória da assistência e vigência, no Brasil, dos respectivos privilégios”, concedidos então pelo extinto DNPI (atualmente INPI), bem como a prova de que os direitos não caducaram.
Já o artigo 12 da Lei 4.131/1962 prevê sobre a dedutibilidade fiscal nos contratos de tecnologia:
Art. 12. As somas das quantias devidas a título de "royalties" pela exploração de patentes de invenção, ou uso da marcas de indústria e de comércio e por assistência técnica, científica,
administrativa ou semelhante, poderão ser deduzidas, nas declarações de renda para o efeito do art. 37 do Decreto nº 47.373 de 07/12/1959, até o limite máximo de cinco por cento (5%) da receita bruta do produto fabricado ou vendido. (BRASIL, 1962)
O §2º do artigo 12 prevê que as deduções, nestes casos, serão realizadas quando for comprovado que as despesas são provenientes de assistência técnica, científica, administrativa e semelhantes, bem como de cessão ou de licença de uso de marca ou patente. O §3º, o qual se estudará mais adiante, prevê o prazo de cinco anos, prorrogáveis por mais cinco, para a dedutibilidade dessas despesas.
No que se refere aos contratos de tecnologia firmado entre filial ou subsidiária de empresa estabelecida no Brasil e sua matriz com sede no exterior, no caso de maioria do capital da matriz estrangeira, o artigo 14 da Lei 4.131/1962 determinava que não seria permitida a remessa de royalties.
A Lei 8.383, de 30 de dezembro de 1991, revogou os dispositivos que impediam a remessas, a título de transferência de tecnologia, entre matriz e subsidiárias (controladas por empresa estrangeira), limitado ao valor máximo de dedutibilidade. Isso se deu no período em que a política industrial flexibilizou as normas nacionais, a respeito dos contratos de tecnologia, para fins de inserção internacional.
O Decreto 3.000/1999, que regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre a Renda, dispõe:
Art. 355. As somas das quantias devidas a título de royalties pela exploração de patentes de invenção ou uso de marcas de indústria ou de comércio, e por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, poderão ser deduzidas como despesas operacionais até o limite máximo de cinco por cento da receita líquida das vendas do produto fabricado ou vendido (art. 280), ressalvado o disposto nos arts. 501 e 504, inciso V (Lei nº 3.470, de 1958, art. 74, e Lei nº 4.131, de 1962, art. 12, e Decreto-Lei nº 1.730, de 1979, art. 6º).
[...]
§ 3º A dedutibilidade das importâncias pagas ou creditadas pelas pessoas jurídicas, a título de aluguéis ou royalties pela exploração ou cessão de patentes ou pelo uso ou cessão de marcas, bem
como a título de remuneração que envolva transferência de tecnologia (assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes, projetos ou serviços técnicos especializados) somente será admitida a partir da averbação do respectivo ato ou contrato no Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, obedecidos o prazo e as condições da averbação e, ainda, as demais prescrições pertinentes, na forma da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. (BRASIL, 1999)
Como se vê, a dedutibilidade fiscal também é um dos efeitos da averbação/registro dos contratos de tecnologia, tendo em vista que a dedução dos valores pagos a título de royalties, somente será admitida a partir da averbação do respectivo contrato no INPI, conforme §3° do artigo 355 do Decreto 3.000/1999.
No ano de 2000, a Coordenação-Geral do Sistema de Tributação da Receita Federal definiu, pela Decisão n° 9, de 28 de junho de 2000, sobre o início do prazo de contagem da dedutibilidade fiscal:
EMENTA: DEDUTIBILIDADE DE DESPESAS COM ROYALTIES E ASSISTÊNCIA TÉCNICA, CIENTÍFICA, ADMINISTRATIVA OU
SEMELHANTES. São dedutíveis as despesas com royalties e assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes correspondentes ao período de tramitação do processo de averbação no INPI do contrato respectivo. Esse período, portanto, retroage somente até a data do protocolo do pedido de averbação, sendo vedada a dedução fiscal dessas despesas quando incorridas em período anterior a essa data.
Além disso, salienta-se que a Lei 10.168, de 29 de dezembro de 2000, estabeleceu o pagamento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), a qual é devida pela pessoa jurídica “detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior”, conforme artigo 2º. De acordo com o seu §2º, as pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior, também ficam obrigadas a pagar o CIDE.
Em relação à legislação concorrencial, destaca-se o papel do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), o qual é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, criado inicialmente pela Lei 8.884, de 11 de junho de 1994, e posteriormente alterado pela Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011.
O CADE possui a missão de zelar pela livre concorrência no mercado, sendo a entidade responsável, no âmbito do Poder Executivo, não só por investigar e decidir, em última instância, sobre a matéria concorrencial, como também fomentar e disseminar a cultura da livre concorrência.
De acordo com o artigo 36 da Lei 12.529/2011, considera-se infração à ordem econômica, independentemente de culpa: limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa (inciso I); dominar mercado relevante de bens ou serviços (inciso II); aumentar arbitrariamente os lucros (inciso III); e exercer de forma abusiva posição dominante (inciso IV). Além disso, constitui infração à ordem econômica “exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnologia ou marca”.
O papel do CADE nos contratos de tecnologia será estudado ainda ao final do trabalho, em razão da importância de sua função na regulação dos contratos de tecnologia, no que se refere a infrações à ordem econômica.
2.3 SÍNTESE DO CAPÍTULO
O primeiro capítulo apresentou o contexto histórico e a evolução dos contratos de tecnologia em âmbito internacional e no Brasil. Há pouca menção, em termos de acordos ou convenções internacionais, envolvendo contratos de tecnologia. As tratativas para regulamentar especificamente o tema não obtiveram êxito.
Em relação às normas nacionais, abordou-se as Constituições Federais, a criação do INPI, as legislações de propriedade industrial, a evolução das políticas industriais e de inovação no Brasil e, por fim, outras legislações aplicáveis aos contratos de tecnologia, como leis tributárias, cambiais, fiscais e concorrenciais.
As atribuições determinadas ao INPI, quando da sua criação, foram revogadas com a entrada em vigor da LPI/1996, sendo debatido até hoje se tal mudança implicou na exclusão da competência do INPI realizar o exame de mérito nos contratos de tecnologia ou retirou-se tão somente o seu poder de se manifestar quanto à conveniência e oportunidade dos contratos para o desenvolvimento do País.
Os contratos de licenciamento e de cessão envolvendo patentes e marcas são previstos desde o início da legislação que trata sobre a proteção às patentes e às marcas, assim como esses direitos foram dispostos ao longo das Constituições brasileiras. Por outro lado, os contratos que impliquem em transferência de tecnologia, objeto deste estudo, somente vieram a ser previstos como modalidade contratual a ser registrada no INPI, pelo CPI/1971, o que antes era de competência da SUMOC.
A partir de 1950, instaurou-se no País uma série de políticas industrias e de inovação, com o objetivo de fomentar a pesquisa e o desenvolvimento científico, tecnológica e de inovação no Brasil. O Governo e os Ministérios definiram planos de aceleração, criando-se órgãos com a finalidade de auxiliar, promover e fiscalizar esse processo. As políticas industriais tiveram grande impacto na análise dos contratos de tecnologia pelo INPI, de acordo com a posição estratégica adotada pelo País na inserção internacional.
Além disso, o Brasil possui diversas normativas que dispõem sobre a tributação dos contratos de tecnologia no país, abordando remessa de royalties, dedutibilidade fiscal, percentuais máximos, entre outros. Demonstrou-se apenas uma parte das normas, que serão retomadas mais à frente no trabalho, quando for analisado o procedimento administrativo de averbação ou registro dos contratos de tecnologia junto ao INPI.
Como mencionado ao longo deste capítulo, além das normas federais existentes relacionadas aos contratos de tecnologia, o INPI editou diversos Atos Normativos com o objetivo de regulamentar o procedimento desses instrumentos. Nesse sentido, o próximo capítulo apresentará a evolução do órgão interno do INPI responsável pela averbação ou registro dos contratos e alguns dados estatísticos sobre o comércio de tecnologia. Posteriormente, estudar-se-á todos os Atos Normativos emitidos pelo INPI que tenham ligação com contratos de tecnologia, a fim de demonstrar a sua normatização, desde a sua criação até os dias atuais.
3 O PAPEL DO INPI NOS CONTRATOS DE TECNOLOGIA
Xxxxxxxx Xxxxxxxx, em artigo publicado na Revista da ABPI de 1996, anterior à promulgação da LPI/1996, afirma que a então Diretoria de Transferência de Tecnologia do INPI teve atuação dividida em três fases, até aquele momento. A primeira, ocorrida a partir a sua criação, deu-se com o objetivo de obstruir a saída de divisas do país, “principalmente no que diz respeito a remessa disfarçada de lucros das multinacionais, que, por razões tributárias, poderiam se utilizar da remessa de royalties para repatriar o capital investido no Brasil” (1996, p. 40).
A segunda fase, caracterizou-se pelo controle da entrada de tecnologia no Brasil, com o objetivo de desenvolvimento industrial nacional. Naquela época, o Plano Nacional de Desenvolvimento do Governo brasileiro se utilizou de diversos órgãos, como BACEN e INPI, para dar seguimento no projeto de industrialização nacional (ADEODATO, 1996).
É importante observar que nessas primeiras fases, denominadas pelo INPI de “estratégia de substituição de importações”, os contratos de tecnologia possuíam influência significativa no papel de prestação de serviços pelo Instituto à comunidade brasileira. Além da sua função de conceder e registrar os direitos de propriedade industrial, o INPI deveria regular o mercado da transferência de tecnologia, demonstrando sua importância no contexto da política industrial brasileira.
De acordo com Xxxxxxxx (1996, p. 40), a terceira fase ocorreu durante o esgotamento do modelo de crescimento até então adotado, sendo identificada como um período de desregulamentação. Primeiro, da maneira informal, e posteriormente com a revogação dos Atos Normativos de controle expedidos pelo INPI e, por último, com a alteração legal que “tornou pouco atrativa a remessa disfarçada de lucros e praticamente eliminou as restrições a contratos entre controladoras estrangeiras e suas filiais aqui instaladas” (por meio da Lei 8.383/1991).
Concomitantemente ao final desta terceira fase, verificou-se uma nova função do INPI, enquanto acabavam com as anteriores, pela qual o Instituto tomou a dianteira, “criando canais de viabilização e de negócios em termos de contratos entre estrangeiros e residentes no país”, como a regulamentação do instrumento de franquia e do rateio de custos da P&D (ADEODATO, 1996, p. 40).
Assim, este capítulo abordará a evolução do órgão do INPI responsável pela averbação/registro dos contratos de tecnologia, desde a Secretaria de Informação e Transferência de Tecnologia até a atual
CGTEC. Buscou-se, ainda, alguns dados estatísticos, para demonstrar a importância dos contratos de tecnologia no cenário nacional e, em especial, do contrato de fornecimento de tecnologia não patenteada, responsável pelo maior valor de remessa de royalties ao exterior. Posteriormente, serão apresentados todos os Atos Normativos emitidos pelo INPI que tenham ligação com contratos de tecnologia.
3.1 ESTRUTURA DO INPI
3.1.1 A Coordenação-Geral de Contratos de Tecnologia
Com a criação do INPI em 1970, pela Lei 5.648, estabeleceu-se a sua obrigação de adotar medidas com vistas a acelerar e regular a transferência de tecnologia, bem como estabelecer condições de negociação e exploração de patentes. Xxxxxx, então, a função do INPI no sentido de determinar a oportunidade e conveniência de determinadas transações que envolvessem propriedade intelectual, conforme dispunha o parágrafo único do artigo 2º.
Diante disso, editou-se o Decreto 68.104, de 22 de janeiro de 1971, que veio a regulamentar a composição do INPI. Por meio dessa norma criou-se a Secretaria de Informação e Transferência de Tecnologia, cuja competência era, dentre outras, orientar, fiscalizar e fazer executar as atividades relacionadas à informação, transferência de tecnologia, documentação e arquivo.
No ano de 1976, o Decreto 77.483, de 23 de abril, foi emitido e, revogando a norma anterior, dispôs sobre a estrutura básica do INPI. O Decreto conferiu à Diretoria de Contratos de Transferência de Tecnologia e Correlatos a atribuição de analisar os contratos de exploração de patentes, uso de marcas e aqueles que implicassem em transferência de tecnologia industrial.
Importante destacar que o artigo 2° do Decreto 77.483/1976 ratificava a competência do INPI prevista na Lei 5.648/1970 em relação aos contratos:
I - adotar medidas capazes e de regular e acelerar a transferência de ciência e de tecnologia e de estabelecer melhores condições de negociação e utilização de tecnologia industrial importada, inclusive a patenteada;
II - pronunciar-se quanto à conveniência da assinatura, ratificação ou denúncia de convenções,
tratados convênios e acordos sobre propriedade industrial e transferência de tecnologia industrial; e III - criar melhores condições de absorção, adaptação ou desenvolvimento de ciência ou tecnologia industrial. (BRASIL, 1976)
Passados quinze anos, a estrutura do INPI foi alterada pelo Decreto 77, de 4 de abril de 1991, e o órgão responsável pelos contratos de tecnologia passou a ser denominado de Diretoria de Transferência de Tecnologia, ao qual caberia analisar e decidir quanto à averbação de contratos de exploração de patentes, de uso de marcas e aos que impliquem transferência de tecnologia. Competia também decidir sobre registros de tecnologias especiais atribuídas ao INPI.
Nos mesmos moldes da norma anterior, consoante artigo 1º, o Decreto 77/1991 manteve a finalidade do INPI em:
I - adotar medidas capazes de acelerar e regular a transferência de tecnologia, em consonância com as diretrizes que regem o desenvolvimento tecnológico, bem como de estabelecer melhores condições de negociação e de utilização de patentes;
II - pronunciar-se quanto à conveniência da assinatura, ratificação ou denúncia de convenções, tratados, convênios e acordos sobre propriedade industrial21. (BRASIL, 1991)
Mais de uma década após, entrou em vigor o Decreto 4.636, de 21 de março de 2003, o qual revogou o Decreto 77/1991 e aprovou nova estrutura regimental do INPI. Em seu artigo 12 determinou-se que competia à Diretoria de Transferência de Tecnologia “analisar e decidir quanto à averbação de contratos para exploração de patentes, uso de marcas e ao que implique transferência de tecnologia e franquia” (BRASIL, 2003), além de tecnologias especiais atribuídas ao INPI, como o programa de computador.
Nesse ponto, ressalta-se que o Decreto 4.636/2003 entrou em vigor quase sete anos após a publicação atual LPI/1996, a qual revogou expressamente a competência do INPI em se manifestar quanto à
21 O termo “transferência de tecnologia industrial” previsto na norma anterior foi excluído no Decreto 77/1991.
oportunidade e conveniência dos termos dos contratos de tecnologia em prol do desenvolvimento do País.
Não obstante, observa-se que, durante esse período, permaneceu em vigência o artigo 1º do Decreto 77/1991, o qual estabelecia expressamente como finalidade do INPI, entre outras, “adotar medidas capazes de acelerar e regular a transferência de tecnologia, em consonância com as diretrizes que regem o desenvolvimento tecnológico” (BRASIL, 1991), assim como estabelecer melhores condições para a negociação e exploração de patentes.
Em que pese o texto contido no parágrafo único do artigo 2º da Lei 5.648/1970 tenha sido revogado pela atual LPI/1996, permaneceu a incoerência com a finalidade do INPI prevista em sua estrutura regimental e, via de consequência, a própria competência da Diretoria de Transferência de Tecnologia da época.
Já no ano de 2004, a estrutura regimental do INPI foi novamente alterada, pelo Decreto 5.147, de 21 de julho, e a Diretoria de Contratos de Tecnologia e Outros Registros, conforme artigo 13, passou a ser o órgão competente para:
I - analisar e decidir quanto à averbação de contratos para exploração de patentes, uso de marcas e ao que implique transferência de tecnologia e franquia, na forma da Lei no 9.279, de 1996, de modo alinhado às diretrizes de política industrial e tecnológica aprovadas pelo Governo Federal22 (BRASIL, 2004).
Apesar dos termos “analisar e decidir” constarem na redação acima, não significa dizer que se trata de exame de mérito, podendo ser considerado tão somente um exame formal dos contratos de tecnologia pelo INPI. No entanto, quando o texto menciona que essa análise e decisão se dará “de modo alinhado às diretrizes de política industrial e tecnológica aprovadas pelo Governo Federal”, ao que parece, novamente é conferido ao INPI o poder de realizar o exame das cláusulas dos contratos firmados.
Nota-se que, conforme abordado no primeiro capítulo, a LPI/1996 foi fruto de debates ocorridos entre Governo, setor produtivo e Associações ligadas à propriedade intelectual (ABAPI e ABPI), o que pode ter sido decisivo para a retirada da autoridade do INPI no exame de
22 Quando da edição do Decreto 5.147/2004, estava em andamento a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PICTE), do Governo brasileiro.
mérito dos contratos de tecnologia23. Contudo, a sua estrutura regimental manteve a competência de análise e decisão dos contratos em conformidade com as políticas industriais e de inovação.
Urge mencionar que a disposição do Decreto 5.147/2004 foi utilizada nas ações judiciais que serão estudadas no último capítulo desta dissertação como base para destacar a competência do INPI para analisar e decidir quanto aos contratos. Como o Decreto é um ato regulamentado pelo Presidente da República, a sua previsão expressa denota, em tese, a concordância do Governo quanto aos seus termos.
Com a entrada em vigor do Decreto 7.356, de 12 de novembro de 2010, o órgão responsável pela análise dos contratos passou a ser a Diretoria de Contratos, Indicações Geográficas e Registros (DICIG), mais precisamente a Coordenação-Geral de Contratos de Tecnologia (CGTEC), vinculada àquela. Esta configuração vigorou até a publicação da última estrutura regimental do INPI.
De acordo com o artigo 19 do Decreto 7.356/2010, cabia à DICIG averbar os contratos de licença de direitos de propriedade industrial “nos títulos correspondentes”24, bem como registrar os contratos que impliquem transferência de tecnologia e de franquia, demonstrando expressamente a diferenciação entre averbar e registrar junto ao INPI.
À DICIG/CGTEC igualmente competia a função de prestar orientações às micro e pequenas empresas (MPE’s), instituições de ciência e tecnologia (ICT’s) e órgãos governamentais em relação às “melhores práticas de licenciamento de direitos de propriedade industrial e outras formas de transferência de tecnologia, inclusive quanto à emissão de licenças compulsórias” (BRASIL, 2010).
No ano de 2016 a estrutura regimental do INPI foi modificada em duas oportunidades. A primeira ocorreu mediante a edição do Decreto 8.686, de 4 de março, pelo qual ratificou-se, nos mesmos termos, as competências da DICIG dispostas no Decreto 7.356/2010.
A última alteração na estrutura regimental do INPI veio a ocorrer com a publicação do recente Decreto 8.854, de 22 de setembro de 2016, o qual extinguiu a Diretoria de Contratos, Indicações Geográficas e
23 Trata-se apenas de suposição baseada no contexto apresentado. Para qualquer afirmação nesse sentido, seria necessário estudar o histórico dos debates ocorridos no âmbito do Projeto de Lei 824/1991, na Câmara dos Deputados, e das Atas da Comissão criada pela Portaria Interministerial 346/1990.
24 O Decreto 7.356/2010 excluiu a previsão de análise e decisão dos contratos de tecnologia, em consonância com as políticas industriais e de inovação do Governo.
Registros. Nesse sentido, a Coordenação-Geral de Contratos de Tecnologia passou a ser órgão específico singular ligado diretamente à Presidência do INPI, cuja atribuição é assim definida:
Art. 14. À Coordenação-Geral de Contratos de Tecnologia compete:
I - registrar os contratos que impliquem transferência de tecnologia e franquia, na forma da Lei nº 9.279, de 1996;
II - averbar os contratos de licença e cessão de direitos de propriedade industrial, na forma da Lei no 9.279, de 1996; e
III - participar das atividades articuladas do INPI com outros órgãos, empresas e entidades, com vistas à maior participação de brasileiros nos sistemas de licenciamento de direitos de propriedade industrial e outras formas de transferência de tecnologia. (BRASIL, 2016)
Denota-se que houve a exclusão da incumbência de prestar orientação às MPE’s, ICT’s e órgãos governamentais a respeito das melhores práticas de elaboração de contratos de propriedade industrial e de transferência de tecnologia. Por outro lado, foi incluído o papel da CGTEC em integrar atividades voltadas à maior participação de brasileiros nos sistemas que envolvem contratos de propriedade industrial e de transferência de tecnologia, o que parece abarcar a competência anteriormente prevista, ao incorporar quaisquer órgãos, empresas e entidades. Conforme será estudado, na parte sobre os atos administrativos do INPI, é possível verificar que há outros serviços prestados pela CGTEC aos usuários, além daqueles dispostos no Decreto 8.854/2016.
Após o histórico apresentado das competências do órgão interno do INPI responsável pela averbação/registro dos contratos de tecnologia, passa-se ao estudo de alguns dados estatísticos desses contratos, com base em informações disponíveis na internet.
3.1.2 Dados Estatísticos dos Contratos de Tecnologia
O INPI, por meio da Assessoria de Assuntos Econômicos (AECON), divulga, mensalmente, tabelas estatísticas contendo os números de requerimentos e decisões em processos administrativos de sua competência, tais como pedidos de contratos de tecnologia, patentes,
marcas, desenho industrial, programas de computador, indicações geográficas e topografias de circuito integrado.
De acordo com o INPI, essas estatísticas consistem em um levantamento preliminar que possa indicar o uso da propriedade intelectual no Brasil, de modo que seu objetivo é elaborar indicadores referentes à propriedade intelectual que possibilitem o acompanhamento das atividades de invenção no Brasil (INPI, 2015).
No tocante aos contratos de tecnologia, os dados contemplam os números de requerimentos de averbação ou registro e de decisões, as quais podem ser arquivamentos, averbações/registro ou indeferimento. As fontes utilizadas são a Revista da Propriedade Industrial (RPI) e o Sistema de Protocolo Automatizado Geral (PAG).
No Gráfico a seguir, o INPI demonstra um panorama do número de pedidos de averbação ou registro de contratos de tecnologia, de 1995 a 2015. Neste caso, houve uma diminuição de aproximadamente quinhentos pedidos no ano de 2015 (1.385) em relação à 2014 (1.771). Assim, via de consequência, também há uma baixa no número de decisões (ver Gráfico 1).
Gráfico 1 – Pedidos de Registro/Averbação de Contratos de Tecnologia (1995- 2015)
Fonte: INPI, Relatório CNI/MEI, 2016.
A Tabela 1 demonstra que, no ano de 2016, o número de requerimentos de averbação/registro de contratos de tecnologia também diminuiu, passando para um total de 1.027 pedidos.
Tabela 1 – Total de requerimentos de averbação de contratos de tecnologia por categoria contratual
CATEGORIA CONTRATUAL | Total Geral |
Uso de Marcas | 170 |
Licença | 161 |
Cessão | 9 |
Exploração de Patentes e Desenho Industrial | 13 |
Licença | 13 |
Cessão | - |
Fornecimento de Tecnologia | 145 |
Serviço de Assistência Técnica | 234 |
Franquia | 26 |
Alteração de Certificado | 393 |
Outros (Duas ou mais categorias contratuais) | 46 |
TOTAL GERAL | 1.027 |
Fonte: INPI. Elaboração: AECON.
Pela Tabela 2, elaborada a partir de dados da AECON, denota-se que o número de decisões anuais é superior ao de requerimentos de averbação ou registro de contratos de tecnologia. Além disso, a quantidade de decisões de arquivamento vem diminuindo drasticamente, ao passo que os deferimentos dos pedidos de averbação ou registro vem aumentando. Veja-se:
Tabela 2 – Dados dos Contratos de Tecnologia no INPI (2016)
Fonte: INPI. Elaboração: AECON.
É importante destacar que os números apresentados a respeito das decisões proferidas pela Coordenação-Geral de Contratos de Tecnologia compreendem apenas arquivamentos, averbações e indeferimentos. Não contabilizam, portanto, os despachos que determinam o cumprimento de exigências.
No que concerne às receitas e despesas com royalties e serviços de assistência técnica, os dados divulgados pelo Banco Central do Brasil até o ano de 2015 demonstram que os valores remetidos ao exterior têm sido quase o dobro do montante arrecadado pelas empresas brasileiras em decorrência de contratos de tecnologia (BACEN, 2016).
A Tabela 3 demonstra o Balanço de Pagamento Tecnológico em que houve divulgação pelo Banco Central do Brasil. Para este trabalho, utilizar-se-á os últimos cinco anos disponibilizados, isto é, entre 2010 e 2015.
Tabela 3 – Receita e Despesas com Royalties e Serviços de Assistência Técnica (2010-2015)
Receita com Royalties e Serviços de Assistência Técnica (ingressos em US$ milhões) | ||||||
ANO | UM25 | EP26 | FT27 | SAT28 | FRA29 | TOTAL |
2010 | 67 | 7 | 64 | 605 | 1 | 743 |
2011 | 94 | 10 | 122 | 653 | 1 | 880 |
2012 | 84 | 26 | 95 | 1.163 | 3 | 1.372 |
2013 | 66 | 14 | 158 | 816 | 11 | 1.065 |
2014 | 119 | 33 | 57 | 293 | 1 | 503 |
2015 | 202 | 61 | 55 | 391 | 1 | 710 |
Despesas com Royalties e Serviços de Assistência Técnica (pagamentos em US$ milhões) | ||||||
2010 | 283 | 212 | 1.310 | 547 | 193 | 2.544 |
2011 | 340 | 298 | 1.378 | 791 | 219 | 3.027 |
2012 | 433 | 356 | 1.475 | 646 | 225 | 3.134 |
2013 | 393 | 358 | 1.568 | 530 | 217 | 3.064 |
2014 | 630 | 296 | 1.460 | 467 | 97 | 2.950 |
2015 | 457 | 353 | 1.015 | 254 | 99 | 2.178 |
Fonte: Banco Central do Brasil
Constata-se, assim, que a maior receita com royalties e serviços de assistência técnica dos últimos cinco anos provém do Contrato de Serviço Assistência Técnica e Científica (SAT), o qual tem representado mais da metade desses proventos, como pode ser visto no Gráfico 2.
25 UM: Contrato de licença de uso de marca.
26 EP: Contrato de licença para exploração de patente.
27 FT: Contrato de fornecimento de tecnologia (know-how).
28 SAT: Contrato de prestação de serviços de assistência técnica e científica.
29 FRA: Contrato de franquia.
Gráfico 2 – Receita com Royalties e Serviços de Assistência Técnica
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria, 2016.
Em relação às despesas com royalties e serviços de assistência técnica dos últimos cinco anos verifica-se que o Contrato de Fornecimento de Tecnologia (Know-How) representa, de maneira contínua, quase cinquenta por cento do montante pago a título de royalties ao exterior (ver Gráfico 3).
Gráfico 3 – Despesas com Royalties e Serviços de Assistência Técnica
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria, 2016.
No ano de 2015, percebe-se que a remessa de royalties relativa ao Contrato de Know-How é muito superior aos demais, compreendendo quase metade do total, conforme Gráfico 4.
Gráfico 4 – Despesas com Royalties e Serviços de Assistência Técnica (2015)
Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria, 2016.
Apresentou-se, portanto, alguns dados estatísticos fornecidos pelo INPI e pelo BACEN a respeito dos contratos de tecnologia. Essa pesquisa não é exaustiva, uma vez que seria possível fornecer dados mais específicos dos pedidos. Contudo, buscou-se apenas demonstrar panorama geral da importância dos contratos de tecnologia no cenário econômico nacional, principalmente do contrato de fornecimento de tecnologia (know-how) objeto deste trabalho, o qual é responsável pelo maior valor de remessa de royalties ao exterior.
3.2 OS ATOS ADMINISTRATIVOS DO INPI RELACIONADOS AOS CONTRATOS DE TECNOLOGIA
O papel do INPI é primordial quando o assunto é averbação ou registro dos contratos de tecnologia, incluindo-se, neste ponto, a sua consequência perante a Receita Federal e o Banco Central do Brasil. Isso porque, a averbação ou registro pelo INPI autoriza a remessa de royalties ao exterior, sendo condição sine qua non e ex ante.
Com o objetivo de regulamentar o procedimento de averbação ou registro dos contratos de tecnologia, o INPI editou uma série de atos normativos, desde a sua criação. Neste capítulo estudar-se-á do Ato Normativo 15, de 11 de setembro de 1975, primeira norma a respeito dos contratos de tecnologia, até a Resolução 170, de 15 de julho de 2016.
Como a busca realizada localizou mais de trinta Atos Normativos sobre o assunto, a exposição será dividida pelos principais atos administrativos, os quais tratam especificamente sobre o procedimento de averbação/registro, e dentro serão identificados os demais atos existentes durante aquele período.
Destaca-se que, em algumas ocasiões, somente se utilizará a palavra averbação, tanto para os contratos de propriedade industrial quanto para os de transferência de tecnologia e de franquia, tendo em vista que determinados atos normativos não faziam essa diferenciação, pelo que se manterá a nomenclatura utilizada à época da sua vigência.
3.2.1 Ato Normativo 15/1975 (1975-1991)
Baseado nas competências conferidas pelo artigo 2º, parágrafo único, da Lei 5.648/1970 e pelo artigo 126 da Lei 5.772/1971, o INPI editou o Ato Normativo INPI/PR 15/1975 com o objetivo de estabelecer conceitos básicos e os critérios de averbação dos contratos de tecnologia. Esta foi a primeira norma sobre o assunto, desde a sua criação.
Possivelmente a norma mais ampla editada pelo INPI a respeito dos contratos de tecnologia, o Ato Normativo 15/1975 foi o único que veio a determinar expressamente os efeitos da averbação, a nomenclatura, o significado, a remuneração e as condições dos contratos.
Para Xxxxxxx (2015, p. 430-431), o Ato Normativo 15/1975 estabelecia os procedimentos internos adotados pelo Instituto para análise desses instrumentos, bem como determinava “o conjunto de normas legais que regiam o comércio de tecnologia”.
Dentre as considerações do Ato, constava a finalidade do INPI de executar as normas relativas a propriedade industrial, bem como de adotar medidas para regular a transferência de tecnologia e acelerar o desenvolvimento do país, conforme previa o parágrafo único do art. 2° da Lei 5.648/1970, já revogado.
Considerou-se ainda as diretrizes estabelecidas no II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), o qual estava ligado ao avanço tecnológico do Brasil. O II PND vigorou entre os anos 1975 a 1979 e teve como objetivo desenvolver a economia do país frente ao cenário internacional.
O Ato 15/1975 teve como fundamento orientar os contratantes em relação aos termos contratuais, os quais deveriam estar de acordo com a política de exame do INPI, as legislações vigentes à época, a política governamental de transferência de tecnologia industrial e a política econômico-financeira do país, conforme descrito em suas considerações. O primeiro importante ponto dessa norma é que se determinou os efeitos da averbação do contrato junto ao INPI em seu item 1: a legitimação para os pagamentos; a permissão de dedutibilidade fiscal; e a
comprovação, quando for o caso, de exploração efetiva da patente ou o uso efetivo da marca30;o que se mantém até os dias atuais.
Os contratos eram determinados por cinco categorias: a) licença para exploração de patente; b) licença para uso de marca; c) fornecimento de tecnologia industrial; d) cooperação técnico-industrial; e e) serviços técnicos especializados. O Ato 15/1975 descreve minuciosamente os aspectos de cada categoria. Contudo, considerando a sua profundidade e que o presente trabalho tem como objetivo tratar especificamente do contrato de fornecimento de tecnologia (know-how), abordar-se-á apenas o conceito e as condições básicas deste contrato, determinadas pelo item 4 da norma.
De acordo com o objetivo descrito no Ato 15/1975, considera-se como fornecimento de tecnologia industrial
[...] o contrato que tem por finalidade específica a aquisição de conhecimentos e de técnicas não amparados por direitos de propriedade industrial depositados ou concedidos no país, a serem aplicados na produção de bens de consumo ou de insumos, em geral. (INPI, 1975)
O fornecimento da tecnologia abrange, segundo o item 4.1.1, os dados técnicos de engenharia de produto ou de processo, incluindo-se a metodologia utilizada para sua obtenção, como fórmulas, informações técnicas, instruções e outros elementos que permitam a fabricação do produto ou processo objeto do contrato. Ainda, engloba os dados e informações para atualizações e a respectiva prestação de assistência técnica.
No caso de o fornecedor ser de fora do país, a tecnologia transferida deveria cumprir alguns requisitos. Em primeiro lugar, a tecnologia precisaria estar em consonância com a política governamental para o setor, enquadrando-se nas regras de seleção prioritárias em relação à natureza do produto ou processo objeto do contrato e à sua importância para o desenvolvimento nacional.
Além disso, a tecnologia deveria corresponder a níveis que não fossem possíveis de se alcançar ou obter no país, o que seria averiguado mediante a comparação “com a efetiva e disponível capacitação interna
30 No caso da comprovação de exploração de patente ou de uso efetivo da marca, destaca-se que vige no Brasil o instituto da caducidade, que é hipótese de extinção da patente/marca por ausência de exploração/uso.
para a sua execução ou com fontes alternativas já existentes” (INPI, 1975).
A tecnologia deveria também provocar, em um curto prazo, vantagens satisfatórias para o progresso do setor, conforme os objetivos determinados pela política ou planos nacionais em matéria de desenvolvimento e tecnologia industrial.
Por fim, era necessário que a tecnologia criasse condições qualitativas para o produto resultante do contrato, bem como permitisse a substituição da importação do produto, tanto de insumos quanto de matéria necessária à sua fabricação.
No tocante à remuneração (royalties), prevista no item 4.2, esta seria determinada em função dos seguintes parâmetros:
a) grau de inovação da tecnologia, pelo tempo de seu conhecimento e utilização;
b) grau de complexidade da tecnologia, por meio da comparação com outras tecnologias com a mesma finalidade;
c) nível qualitativo do produto proveniente da aplicação da tecnologia;
d) fornecimento de atualização das informações e dados técnicos, principalmente no setor em que haja grande rotatividade das inovações;
e) tradição e importância do fornecedor no setor e a sua capacidade de pesquisa e desenvolvimento;
f) ramo de atividade ou o tipo de produção; e
g) prazo para a transferência total do conteúdo da tecnologia e sua consequente absorção pelo receptor/adquirente.
O valor da remuneração do contrato de fornecimento de tecnologia poderia ser fixado tanto em percentual ou valor fixo por unidade de produto, os quais incidiam sobre o preço líquido de venda, a receita líquida de venda ou o lucro obtido do produto oriundo da aplicação da tecnologia.
O Ato 15/1975 determinava qual seria o critério de “preço líquido” a ser utilizado para fins de remuneração, que consistia no valor do faturamento, baseado nas vendas realizadas, deduzidos os valores de impostos, taxas, insumos e componentes importados – que sejam direta ou indiretamente relacionados com o produto –, comissões, créditos por devoluções, fretes, seguros e embalagens, assim como outras deduções porventura pactuadas entre as partes contratantes. Era possível também as partes determinarem um valor fixo para a documentação técnica inicialmente entregue, o que seria considerado um adiantamento da remuneração devida no contrato.
Nesses casos, a forma de pagamento era de acordo com os períodos estabelecidos no contrato (trimestral, semestral ou outro), deduzindo-se eventual adiantamento, o qual poderia ser pago à vista ou parcelado, mediante fatura do fornecedor comprovando a entrega da documentação técnica.
Quanto aos técnicos que deveriam realizar a prestação de assistência técnica, o valor total da sua remuneração, pagos em moeda estrangeira, era estimado da seguinte forma: a) número de técnicos; b) individualização das respectivas diárias, determinadas em função da especialização e da categoria de cada técnico; e c) previsão do período entendido como suficiente para a prestação da assistência técnica do fornecedor e a consequente execução do programa de treinamento do pessoal do receptor/adquirente.
A respeito da forma de pagamento, o Ato 15/1975 determinava que as despesas de estadia de técnicos estrangeiros no país (diárias, ajudas de custos, entre outros) deveriam ser estimadas, individualizadas e pagas em cruzeiros diretamente a cada técnico. No tocante ao pagamento ao fornecedor pelos serviços prestados em si, esse deveria ser realizado à medida em que fossem realizados pelos técnicos, pela entrega de faturas descriminadas.
Passando-se ao item do prazo do contrato de fornecimento de tecnologia, o Ato previa o caráter temporário da vinculação contratual, que consideraria o prazo necessário para capacitar o adquirente/receptor a dominar a tecnologia objeto do contrato, “mediante a sua adequada utilização e a obtenção de resultados reais derivados de sua incorporação” (INPI, 1975).
Desse modo, caberia ao adquirente/receptor apresentar, separadamente, informações sobre a sua capacitação tecnológica (infraestrutura técnico-administrativa), indicando o cronograma para absorção da tecnologia e para execução do programa de formação de seus funcionários especializados. Neste caso, o INPI possuía a faculdade de acompanhar, a qualquer momento da vigência contratual, o desenvolvimento do referido cronograma.
Além das cláusulas citadas, eram condições básicas do contrato de fornecimento de tecnologia industrial:
a) indicar e discriminar o conjunto de dados e informações técnicas relacionadas à tecnologia objeto do contrato, bem como o escopo ou campo de atuação dos técnicos;
b) explicitar o produto ou os processos e as atividades ou setor da indústria em que a tecnologia se aplica;
c) estabelecer a entrega de informações e dados completares ligados à tecnologia, como também no caso de haver patente relacionada ao contrato de fornecimento, com a elaboração de contrato de licença específico para tanto;
d) conter a obrigatoriedade de assistência por parte do fornecedor, durante a vigência do contrato;
e) prever a transferência total, completa e suficiente da tecnologia, de modo a assegurar a sua obtenção e autonomia indispensável pelo adquirente;
f) determinar a garantia de que o fornecedor não poderia, a qualquer tempo do contrato, fazer valer quaisquer direitos de propriedade industrial relacionados ao conteúdo da tecnologia, com exceção de futuras inovações ligadas à tecnologia;
g) fixar a responsabilidade pelo pagamento do imposto de renda devido no Brasil; e
h) definir outras obrigações e responsabilidades das partes.
Por outro lado, o contrato não poderia conter cláusula restritiva e/ou impeditiva para o fornecimento da tecnologia e para as atividades realizadas pelo adquirente, relacionadas ao CPI/1971 vigente à época e à Lei 4.137/1962, que regula até hoje a repressão ao abuso do Poder Econômico. Exemplo disso seria uma cláusula impondo o uso de marca ou propaganda estrangeira para o fornecimento da tecnologia, bem como disposições passíveis de “limitar, regular, alterar, interromper ou impedir a política e as atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico do adquirente da tecnologia” (INPI, 1975).
Outrossim, INPI proibia cláusulas no contrato que visassem:
a) incluir quaisquer referências a direitos de propriedade industrial31;
b) determinar a obrigatoriedade de o adquirente/receptor ceder, a título gratuito, “as inovações, melhoramentos ou aperfeiçoamentos por ele introduzidos ou obtidos no país com relação à tecnologia transferida” (INPI, 1975), que poderiam ser transmitidos ao fornecedor, nas mesmas condições da tecnologia objeto da transferência; e
c) prever qualquer outro serviço que não tivesse relação com o objeto do contrato.
Assim, o Ato 15/1975 previa pormenorizadamente os termos dos contratos de propriedade industrial e de transferência de tecnologia, bem
31 Neste caso, o contrato de fornecimento de tecnologia somente poderia prever a indicação de patente protegida no exterior, que não fosse objeto de proteção no Brasil.
como aquilo que não poderiam conter. Ao final determinava que os contratos de outras categorias, assim como outras condições contratuais que não estivessem especificamente tratadas na norma, seriam submetidas a “estudo preliminar do INPI, para a necessária orientação” (INPI, 1975).
O Ato Normativo 15/1975 foi a primeira norma editada pelo INPI para regulamentar os contratos de tecnologia, que vigorou por quinze anos e somente veio a ser revogado no ano de 1991, com a edição da Resolução 22, de 27 de fevereiro de 1991, que será tratado a seguir.
Nesse ínterim, todavia, outras normas suplementares foram publicadas pelo INPI, com o objetivo de definir critérios, bem como determinar a aplicação das diretrizes estabelecidas no Ato 15/1975 para alguns setores industriais específicos. O Ato Normativo 30, de 19 de janeiro de 1978, regulamentava a as normas para fins de averbação dos atos ou contratos de tecnologia envolvendo fabricantes de veículos.
Por sua vez, o Ato Normativo 32, de 5 de maio de 1978, instituiu a sistemática de Consulta Prévia ao INPI nas negociações de transferência de tecnologia, tornando-a obrigatória nos contratos de tecnologia em que o licenciador, fornecedor, cooperador ou prestador de serviços técnicos especializados fosse residente ou domiciliado no exterior. A consulta era facultativa quando se tratasse de serviços técnicos especializados relativos a serviços de inspeção e/ou supervisão de montagem de equipamentos importados, o que passou a ser obrigatório a partir do Ato Normativo 55, de 20 de agosto de 1981.
O Ato Normativo 43, de 22 de setembro de 1980, instituiu os formulários dos processos referentes a contratos de tecnologia. O Ato Normativo 56, de 20 de agosto de 1981, dispôs sobre a averbação de atos ou contratos de tecnologia ligados ao setor hoteleiro.
Em relação à prestação de serviços técnicos especializados, o Ato Normativo 60, de 24 de março de 1982, estabeleceu as normas para a sua contratação no exterior, fixando parâmetros e critérios para tanto. Já o Ato Normativo 61, publicado na mesma data do anterior, determinou o procedimento de licenciamento de uso de marcas, incluindo-se os contratos por prazo indeterminado. O Ato Normativo 64, de 16 de setembro de 1983, regulamentou sobre investimentos em pesquisas e de capital de risco como condição para averbação de contratos de transferência de tecnologia32.
32 O Ato 64/1983 apenas determinava que a Diretoria de Contratos de Transferência de Tecnologia e Correlatos (DIRCO) acompanharia o processo de
No que concerne ao contrato de licenciamento de patentes, o Ato Normativo 65, de 21 de outubro de 1983, estabeleceu a obrigatoriedade de justificação pelo licenciante, no momento da Consulta Prévia, da “necessidade de importação e a escolha do fornecedor com base em avaliação técnico-econômica comparativa entre a tecnologia a ser importada e outras fontes e tecnologias disponíveis”, a partir de pesquisa realizada no banco de patentes do Centro de Documentação e Informação Tecnológica do INPI (CEDIN).
Posteriormente, o Ato 65/1983 foi alterado pelo Ato Normativo 74, de 29 de agosto de 1985, pelo qual se dispensou a exigência de levantamento para determinados tipos de empresas. Ambos os Atos 65/1983 e 74/1985 foram revogados pelo Ato Normativo 86, de 14 de abril de 1987, considerando os programas de difusão tecnológica do INPI realizados na época, como o Programa de Fornecimento Automático de Informações Tecnológicas (PROFINT), em que as empresas adquirentes já tinham acesso contínuo a documentos de patentes relacionados às suas respectivas áreas33.
O Ato Normativo 81, de 29 de julho de 1986, instituiu o procedimento simplificado de licenciamento de marcas, mediante o preenchimento do contrato formular, anexo ao Ato, que continha todas as cláusulas contratuais padronizadas.
Com a publicação do Ato Normativo 85, de 10 de fevereiro de 1987, dispensou-se a necessidade de apresentação de legalização consular de documentação estrangeira para averbação dos contratos de tecnologia, quando esses fossem sujeitos a mesma formalidade em procedimento posterior perante o Banco Central do Brasil34.
O Ato Normativo 93, de 8 de novembro de 1988, instituiu o regime de simples notificação para a averbação dos contratos de tecnologia, pela emissão do Certificado de Averbação em setenta e duas horas após o protocolo, às empresas que tivessem seus Programas de Desenvolvimento
implementação de programas nacionais de investimento, com a intenção de fortalecer a capacitação técnica local.
33 Ainda assim, a DIRCO poderia, se entendesse necessário, pesquisar junto ao CEDIN sobre “a oportunidade do negócio jurídico pretendido face à disponibilidade de tecnologia e fornecedores alternativos, inclusive no que tange ao patenteamento em outros países” (INPI, 1987).
34 Nestes casos, a informação da dispensa de legalização consular passaria a constar no certificado de averbação emitido pelo INPI.
Tecnológico Industrial (PDTI) aprovados pelo INPI, nos moldes do Decreto 96.760/198835.
No ano de 1989 foram publicados os Atos Normativos 97, de 29 de março, e 99, de 14 de junho. O Ato 97/1989 regulamentava a fiscalização, pelo INPI, para efeitos das isenções incidentes sobre despesas de solicitação, obtenção e manutenção, no exterior, de direito de propriedade industrial, nos termos do artigo 106, do Decreto 96.760/1988. Já o Ato 99/1989 dispôs sobre as normas de averbação dos contratos de tecnologia no setor siderúrgico.
3.2.2 Resolução 22/1991 (1991-1993)
Passados quase dezesseis anos de vigência do Ato Normativo 15/1975, o INPI revogou-o por meio da Resolução 22, de 27 de fevereiro de 1991a. Além do referido Ato, igualmente restaram revogados todas as demais normas suplementares citadas na subseção anterior.
A Portaria 104, de 27 de fevereiro de 1991, assinada pelo então Ministro de Estado da Justiça36, autorizou o Presidente do INPI a “expedir normas regulamentares sobre averbação de Contratos de Transferência de Tecnologia”. Determinou ainda que caberia ao INPI elaborar “Manual de Orientação para as partes interessadas na averbação de Contratos de Transferência de Tecnologia”37, art. 2º (BRASIL, 1991a).
Em cumprimento à Portaria MJ 104/1991, o INPI editou a Resolução 22/1991a, que estabeleceu as normas para orientar o processo administrativo de averbação de atos e contratos de tecnologia. Essa norma ocorreu no período em que houve a flexibilização pelo Governo brasileiro da contratação internacional de tecnologia.
O artigo 1º determinou a competência do INPI para averbar os atos de contratos que implicassem em transferência de tecnologia, com vistas a promover a inovação tecnológica e produzir os efeitos de caráter tributário e cambial. Entendia-se por contratos de transferência de tecnologia: exploração de patentes; uso de marca; fornecimento de tecnologia; e prestação de serviços de assistência técnica e científica. Já o
35 Na subseção que tratou sobre a evolução da política industrial no Brasil, foi tratado sobre o PDTI.
36 O INPI, naquele período, era vinculado ao Ministério da Justiça.
37 O Manual dos Contratos de Transferência de Tecnologia mencionado na Portaria foi instituído pelos seguintes documentos: Resolução 22/1991a; Instrução Normativa n° 01/1991b; formulários do pedido de averbação; indicação da documentação necessária; e lista de legislações vigentes e aplicáveis aos contratos de tecnologia.
ato de transferência de tecnologia era representado por documento hábil que produzisse efeitos idênticos ao contrato.
De acordo com o artigo 3º da Resolução 22/1991a, os contratos deveriam indicar claramente o seu objeto, descrever especificamente o processo pelo qual se faria a transferência da tecnologia e apontar os direitos de propriedade industrial eventualmente envolvidos.
No tocante ao conteúdo dos contratos, o artigo 7º da Resolução determinava que o contrato de fornecimento de tecnologia estipularia “as condições da aquisição de conhecimentos e tecnologias não amparados por direitos de propriedade industrial, depositados ou concedidos no Brasil” (INPI, 1991a). Segundo o seu parágrafo único, o contrato poderia prever cláusulas de sigilo e de indisponibilidade da tecnologia negociada. Além disso, em todos os contratos o cedente deveria fornecer ao cessionário “todos os dados e informações técnicas, assim como a assistência técnica necessária à sua aplicação e à atualização do seu objeto, para promover a efetiva absorção e a capacitação tecnológica” (INPI, 1991a). Era obrigatório também a previsão de responsabilidade das partes no que se refere ao ônus financeiro decorrente das obrigações
tributárias.
Quanto à remuneração, o artigo 11 da Resolução 22/1991a determinava que o contrato poderia estabelecer preço fixo, em percentual sobre o preço líquido de venda ou lucro obtido, ou em valor fixo sobre cada unidade produzida, com exceção dos contratos de prestação de serviços de assistência técnica e científica. Considerava-se preço líquido o valor do faturamento, baseado nas vendas realizadas, deduzindo-se os impostos, taxas e outros encargos ajustados entre as partes. O artigo 12 estipulava que a remuneração deveria levar em conta os níveis de preços praticados no Brasil e no exterior em contratos semelhantes.
No que concerne ao processo de averbação junto ao INPI, além do procedimento utilizado na tramitação desses processos, o artigo 15 da Resolução previa a possibilidade de o Presidente do INPI determinar o reexame de pedidos de averbação indeferidos, por meio de requerimento da parte, quando fosse demonstrada a contradição da decisão com dispositivo legal. O INPI poderia também acompanhar o processo de transferência da tecnologia objeto do contrato, bem como suspender ou anular a averbação, após ouvir as partes, no caso de transgressão à legislação, cessando os seus efeitos.
Complementarmente à Resolução 22/1991a publicou-se a Instrução Normativa 01, de 2 de julho de 1991b, a qual dispôs sobre a elaboração e exame dos contratos de tecnologia, os quais deveriam conter previsão sobre:
a) o objeto do negócio e setor industrial aplicado;
b) a responsabilidade pela gestão do controle de qualidade;
c) a propriedade do cessionário sobre os direitos decorrentes de melhoramentos ou aperfeiçoamentos nos contratos de exploração de patentes ou fornecimento de tecnologia;
d) as condições de treinamento do pessoal técnico especializado; e
e) a responsabilidade das partes pelas informações prestadas nos contratos, principalmente naqueles de exploração de patentes e uso de marca.
De acordo com o item 1.2, para efeito da norma, consideram-se os contratos de fornecimento de tecnologia
[...] instrumentos utilizados para a formalização da transferência de conhecimentos e de tecnologias não amparadas por direito de propriedade industrial no Brasil e deverão conter cláusulas que assegurem ao cessionário a absorção da tecnologia negociada, de forma a permitir a capacitação tecnológica (INPI, 1991b).
Seguindo o disposto no item 1 do Ato Normativo 15/1975, a IN 01/1991b determinava em seu item 2.1 que os efeitos da averbação do contrato eram: a permissão da remessa para o exterior dos pagamentos decorrentes dos contratos de tecnologia; a permissão de dedutibilidade fiscal; e a comprovação, quando for o caso, de exploração efetiva da patente ou o uso efetivo da marca.
Em relação ao procedimento de averbação junto ao Instituto, a IN 01/1991b determinou a obrigatoriedade de apresentação de carta justificativa “explicitando os objetivos da contratação, juntamente com declaração e detalhamento sobre vinculação acionária entre as partes” (INPI, 1991b).
No ano de 1993, o INPI publicou os Atos Normativos 110, de 23 de março, 112, de 27 de maio, 114 e 115, ambos de 30 de setembro, a respeito dos contratos de tecnologia. O Ato 110/1993 alterou a redação do artigo 6º da Resolução 22/1991, no que se refere ao conteúdo dos contratos de exploração de patentes e de uso de marcas.
O Ato Normativo 112/1993 determinou a dispensa de exigência de averbação do contrato de uso de marca junto ao INPI para fins de comprovação de uso efetivo por terceiro (processos de caducidade). Já o Ato Normativo 114/1993 alterou a redação dos itens 1.4 e 1.5 da Instrução
Normativa 01/1991, em relação aos contratos de exploração de patentes e de uso de marcas.
Por fim, o Ato Normativo 115/1993 regulamentou o processo de averbação de contratos de franquia junto ao INPI, levando em consideração que esses contratos envolvem uso de marcas, transferência de tecnologia, prestação de serviços, transmissão de padrões operacionais e outros aspectos38.
3.2.3 Ato Normativo 120/1993 (1993-1997)
O Ato Normativo 120, de 17 de dezembro de 1993, revogou a Resolução 22/1991 e Instrução Normativa 01/1991, ao dispor sobre o processo de averbação dos atos e contratos de transferência de tecnologia e correlatos.
Nas considerações da norma, citaram-se: o artigo 218 da Constituição da República Federativa do Brasil, no que se refere à promoção e incentivo ao desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica; o artigo 2º e parágrafo único da Lei 5.648/1970, que atribuiu ao INPI a função de acelerar e regular a transferência de tecnologia; e os artigos 30, 90 e 126 da Lei 5.772/1971, os quais determinaram a competência do INPI para proceder à averbação/registro dos contratos de tecnologia.
O Ato 120/1993 regulamentava que a dependência tecnológica mútua dos países e a centralização das especialidades tecnológicas em determinadas regiões do mundo, em virtude de questões econômicas, fazem com que a importação de tecnologia tenha adquirido uma crescente importância.
Outrossim, considerava que a eliminação de proibições de importações e da gradual redução de barreiras tributárias na área tecnológica estimularia a competitividade e a produtividade dos vários setores da indústria.
Por fim, foi declarado que a averbação dos atos e contratos de tecnologia e seus correlatos “não deve constituir em entrave ou fator de atraso no acesso da indústria nacional às fontes de tecnologia e de pesquisa e desenvolvimento existentes no Brasil e no exterior” (INPI, 1993).
38 Conforme já visto, o artigo 126 da CPI/1971 somente previa a averbação de contratos de transferência de tecnologia, sendo que o artigo 211 da LPI/1996 passou a prever também o registro do contrato de franquia.
Desse modo, definiu-se no item 1 que o processo de averbação perante o INPI dos atos e contratos de licenciamento de direitos de propriedade industrial, que implicassem transferência de tecnologia, compartilhamento de custos e/ou cooperação em programas de pesquisa e desenvolvimento, franquia, serviços de assistência técnica, científica e similares, se daria nos moldes da norma em questão.
De acordo com o item 2 do Ato 120/1993, prevaleceria a liberdade contratual nos contratos acima descritos, considerando-se nulos os dispositivos que ofendessem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Nos casos de licenciamento de patentes e de marcas, o contrato deveria indicar expressamente os seus respectivos números, sendo que seria conferido efeito precário aos contratos em que a patente ou marca ainda não tivesse sido concedida, cujos efeitos fiscais e cambiais retroagiriam à data do depósito da patente e à data do registro da marca, respectivamente.
Nesse ponto, o caput do item 4 determinava que o INPI limitaria sua análise, em todos os contratos de tecnologia, à verificação da situação das marcas e patentes licenciadas, assim como à informação quanto aos limites aplicáveis de dedutibilidade fiscal para fins de Imposto de Renda e de remessa em moeda estrangeira dos pagamentos contratuais.
O §1º do item 4 estabeleceu que não seria objeto de exame ou de exigência por parte do INPI
[...] os dispositivos contidos nos atos ou contratos de que trata este Ato Normativo não especificamente relacionados aos aspectos elencados no caput deste artigo, inclusive aqueles que se refiram a preço, condições de pagamento, tipos e condições de transferência de tecnologia, prazos contratuais, limitações de uso, acumulação de objetos contratuais, legislação aplicável, jurisdição competente e demais cláusulas (INPI, 1993).
Além disso, o INPI não poderia recusar averbação baseada em alegação de violação de legislação repressora de concorrência desleal, anti-trust ou de abuso de poder econômico, de proteção ao consumidor, entre outras, facultando-se ao órgão a opção de informar às partes quanto aos aspectos legais relacionados, conforme §2º do item 4.
O item 6 determinava o prazo máximo de trinta dias, contados da data do protocolo, para averbação dos atos e contratos. O §1º estipulava