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Nº 70068755289 (Nº CNJ: 0085722-36.2016.8.21.7000) 2016/CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. MANDATOS. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO. CONTRATO DE HONORÁRIOS. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE. CONTRATO DE RISCO. NULIDADE AFASTADA. PERCENTUAL DE HONORÁRIOS. ESTIPULAÇÃO MEDIANTE PREENCHIMENTO DE LACUNA A CANETA. CIÊNCIA DO PERCENTUAL NÃO ESCLARECIDA. ADEQUAÇÃO DO PERCENTUAL MANTIDA. CASO CONCRETO. Em
que pese o percentual estabelecido no pacto, ainda que elevado, pudesse ser considerado compatível com o trabalho realizado, sobretudo pelos riscos assumidos pelo profissional em caso de insucesso na ação ajuizada contra a Brasil Telecom, o fato de ter sido preenchido o campo atinente aos honorários a caneta não permite concluir que as partes tenham acordado quanto aos termos da respectiva cláusula no ato de sua celebração. Redução do percentual mantida.
APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO DESPROVIDOS.
APELAÇÃO CÍVEL | DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL |
Nº 70068755289 (Nº CNJ: 0085722- 36.2016.8.21.7000) | COMARCA DE SANTO ÂNGELO |
ADVOGADO | APELANTE/RECORRIDO ADESIVO |
ADVOGADA | APELANTE/RECORRIDO ADESIVO |
PARTE AUTORA | RECORRENTE ADESIVO/APELADO |
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação e ao recurso adesivo.
Custas na forma da lei.
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Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DES. XXXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXXXXXXX (PRESIDENTE) E DES.ª XXXXXXX XX XXXXX XXXXXXX.
Porto Alegre, 04 de maio de 2016.
DES.x XXX XXXXXXX XXXX,
Relatora.
R E L A T Ó R I O
DES.x XXX XXXXXXX XXXX (RELATORA)
Adoto o relatório da sentença (fls. 155-159v):
“Parte Autora ajuizou Ação Declaratória de Nulidade de Cláusula Contratual c/c Arbitramento de Honorários Advocatícios em face de Casal de Advogados, ambas as partes qualificadas na inicial. Relatou que contratou os serviços dos demandados a fim de que os mesmos viessem a lhe prestar assessoria jurídica para o ajuizamento de ação de indenização contra a Brasil Telecom S/A. Disse que a ação tramitou perante a 1ª vara cível da comarca de Santo Ângelo sob o n.º 029/1.16.0000298-0. Afirmou que foi entabulado acordo nos autos, tendo, na sequência, os demandados formulado pedido de reserva de honorários advocatícios contratuais, juntando o contrato de honorários, com previsão de pagamento de 40% do proveito econômico da ação. Sinalizou a abusividade do valor estipulado. Destacou que o percentual foi colocado depois da sua assinatura. Alegou que é pessoa de idade avançada, analfabeta, sendo que só sabe desenhar o seu nome, e, além
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disso, possui problemas visuais, o que dificultou seu entendimento acerca dos termos que estava a contratar. Referiu que houve lesão a seus direitos. Pleiteou fosse declarada nula a obrigação de pagamento de honorários contratuais, no percentual de 40% sobre o proveito econômico da ação. Requereu o arbitramento dos honorários advocatícios. Juntou documentos.
Foi concedida a AJG (fl.88).
Os demandados apresentaram contestação (fls.91- 96). Referiram que o contrato foi celebrado com o pleno conhecimento da autora, sem qualquer vício. Afirmaram que não foi cobrado nada da requerente pelo ajuizamento e acompanhamento processual. Sinalizaram que os honorários contratuais devem ser mantidos na forma como ajustados, uma vez que se tratou de modalidade de contrato de risco, em que o profissional trabalha durante muitos anos sem nada receber, contando apenas com a verba que receberá ao final, em caso de êxito. Manifestou-se pela improcedência da revisão postulada. Requereu fosse anotado no rosto dos autos da liquidação de sentença o direito de receberem os honorários contratados e os sucumbenciais. Juntou documentos.
Réplica (fls.101-102)
A parte ré regularizou a representação processual (fls.105-106).
Intimadas as partes a dizer sobre seu interesse na produção probatória, a autora acostou documentos (fls.109-137) e os demandados postularam o julgamento antecipado do feito, acostando documentos (fls.140-141).
Vieram os autos conclusos para sentença. É o RELATÓRIO.”
Dispositivo assim redigido:
“ISSO POSTO, com base no art. 269, inc.I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente
ação ajuizada por Parte Autora em face de Casal de Advogados, para o fim de redimensionar os honorários advocatícios contratados para o percentual de 25% do valor a ser recebido pela parte autora (na data de 11.12.2012, R$ 187.966,23), devidamente
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atualizado, em decorrência do acordo realizados nos autos da ação de cobrança n.º 029/1.06.0000298-0.
Sendo recíproca a sucumbência, condeno os litigantes ao pagamento das custas processuais – 50% cada - e dos honorários advocatícios devidos ao procurador da parte adversa, os quais fixo em R$ 950,00 para todos, observadas as diretrizes do art. 20 do CPC. Compensem-se os honorários, na forma da Súmula n.º
306 do STJ c/c art.21 do CPC. Suspendo a exigibilidade das custas processuais em relação à autora, eis que litiga sob o pálio da AJG, na forma do art. 12 da Lei nº 1.060/50.”
Inconformada, apela a demandada às fls. 161-167. Em razões de recurso, resumidamente, defende a regularidade do percentual de honorários contratado entre as partes. Advoga pela prescrição da pretensão de revisão do mandato, com fundamento no art. 206, § 3º, V, do Código Civil. Requer o provimento do apelo. Com preparo (fl. 168-169).
Recebido o recurso no duplo efeito (fl. 170), apresentadas as contrarrazões (fls. 172-178) e interposto recurso adesivo pela autora. Em suas razões adesivas às fls. 179-186, sustenta a nulidade da cláusula de honorários, pois acometida de doença nos olhos, de modo que não tinha ciência do que estava assinando, ressaltando que não estava assistida por qualquer pessoa no momento da celebração do contrato.
Apresentadas contrarrazões ao recurso adesivo (fls. 191-199), subiram os autos a esta Corte, vindo conclusos para julgamento.
Registro, finalmente, que foram observadas as formalidades constantes dos arts. 931, 934 e 935 do Novo CPC.
É o relatório.
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V O T O S
DES.x XXX XXXXXXX XXXX (RELATORA)
Prospera, em parte, a pretensão recursal.
De início, afasto a alegação de prescrição trienal, sendo inaplicável a espécie o prazo previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil, uma vez que não se trata de pretensão de reparação civil, mas sim revisão da cláusula de honorários.
Quanto ao mérito, verifica-se dos autos que a autora contratou os demandados para ingressar com demanda contra a Brasil Telecom, firmando contrato de honorários advocatícios, assumindo o pagamento de 40% do ganho obtido, no caso de êxito na demanda, cujo pedido foi julgado procedente.
As partes divergem quanto à interpretação da cláusula que estipulou os honorários advocatícios, especialmente a abusividade ou não do percentual acordado, de 40% sobre o valor atualizado da causa.
Assim dispõe a cláusula contratual (fl. 17):
HONORÁRIOS PROFISSIONAIS:
A) 40% (quarenta por cento) do provimento obtido relativamente à obtenção de diferença de ações, e/ou pagamento de indenização pelo incumprimento contratual.
B) Na hipótese de realização de acordo em qualquer fase, idêntico percentual, incidente sobre os valores da composição.
C) O (a) contratante se declara ciente de que o procedimento poode ser constituir em demanda judicial prolongada, de risco e de resultado imprevisível.
Afere-se do contrato de prestação de serviços que se trata de um contrato de risco, ou seja, a parte contratada somente receberia pelos serviços em caso de sucesso na ação de conhecimento.
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Quanto à alegação de nulidade do contrato alegada pela autora em seu recurso adesivo, não há qualquer indício nos autos no sentido de que a autora não estivesse ciente da necessidade de pagamento de honorários convencionais, ainda que não no percentual constante no contrato, tendo em vista que o risco é inerente a essa cláusula, pois se o constituinte não lograsse êxito na demanda, o seu patrono nada receberia.
Com efeito, a sentença reconheceu que o problema de visão não afasta a possibilidade de celebração do contrato de honorários com cláusula de risco, como segue:
A parte autora pretende seja declarada nula a obrigação de pagamento de honorários contratuais no montante de 40% do proveito econômico obtido com a ação, pleiteando o arbitramento destes em montante razoável, e em consonância com o trabalho realizado pelos requeridos nos autos da ação n.º 029/1.06.0000298-0.
Argumenta que assinou o contrato de honorários em condição vulnerável, sendo pessoa idosa, analfabeta, com dificuldades de visão (apresentado doença sob o CID H 35.3), o que, aliado à abusividade do valor contratado, consubstancia-se em situação hábil a viciar a contratação, merecendo trâmite a pretensão apresentada.
Com efeito, na lição de Xxxxx Xxxxxx Xxxxxxxx e Xxxxxxx Xxxxxxxx Xxxxx (in Novo Curso de Direito Civil, 2ª ed., Vol. IV, Tomo I. São Paulo: Saraiva, 2006), o contrato “é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia de suas próprias vontades”.
Ou seja, o contrato tem como característica diferenciadora, em relação aos demais negócios jurídicos, a convergência das manifestações de vontades contrapostas, formadora do denominado consentimento, este que, nas situações previstas no inciso II, do art. 171, do CC – quais sejam, erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores –, fica prejudicado, ocasião em que o instrumento contratual torna-se passível de anulação.
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No caso concreto, não se verifica, todavia, nenhuma das situações acima expostas. O contrato sub xxxxxx foi assinado pela autora, ao que tudo indica, em plena consciência quanto aos termos pactuados.
O alegado analfabetismo da demandante não ficou comprovado nos autos, e mesmo que assim não fosse, vale ressaltar que tal condição não possui o condão de nulificar (por si só) o contrato por ela firmado, pois não lhe retira a capacidade para compreensão dos atos da vida civil e para exprimir sua vontade.
Além disso, não é causa de incapacidade relativa ou total da pessoa, consoante se denota dos arts. 3º e 4º do Código Civil, o que significa dizer que não implica em vício do negócio por ausência da capacidade de contratar.
Nesse sentido:
“APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO ORDINÁRIA. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. CONTRATANTE ANALFABETO. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. O fato de o
contratante ser analfabeto não invalida o contrato formalmente perfeito, mormente quando não há comprovação de que houve vício de consentimento na formação do pacto, ou de que tenha a instituição financeira se aproveitado da vulnerabilidade do consumidor. Caso em que o contratante estava acompanhado de pessoa alfabetizada e de sua confiança, que também assinou o instrumento. O analfabetismo, de per si, não induz à presunção de incapacidade da pessoa, seja absoluta ou relativa. Precedentes jurisprudenciais. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME.” (Apelação Cível Nº 70050908862, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Xxxxx Xxxxx Xxx Xxx, Julgado em 13/12/2012)
Quanto à invocada “pouca visão” (em decorrência da doença sob o CID H 35.3), igualmente não configura elemento viciador do negócio jurídico entabulado.
Neste aspecto, vale notar que o Código Civil não considera (nem) o cego uma pessoa absolutamente incapaz, pois apesar da deficiência ele consegue se adaptar à sociedade com muita facilidade e consegue exercer os atos da vida social.
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Ainda, não há falar em ignorância acerca dos termos pactuados no instrumento, eis que as regras da experiência comum levam-me a crer que o teor das cláusulas do contrato - notadamente aquela condizente ao pagamento -, foram, se não discutidas pelas partes, ao menos, informadas à contratante.
A idade avançada e falta de instrução, outrossim, não justificam o pedido de nulidade contratual.
Mesmo que se admita que a idade avançada possa ter deixado a demandante em situação de vulnerabilidade, o fato é que era perfeitamente capaz do ponto de vista jurídico, não havendo, em princípio, razão para que se lance dúvidas quanto ao teor das declarações dela emanadas.
Dessa feita, considerando-se que, salvo exceções, deve prevalecer o que foi pactuado entre as partes, em função do Princípio Pacta Sunt Servanda, bem como levando em conta que a matéria não é presumível, sendo necessário a produção de prova robusta acerca de algum vício a inquinar o negócio, ônus do qual não se desincumbiu a demandante, imperioso o reconhecimento da validade da cláusula contratual que estipulou os honorários, sendo a improcedência do pedido, no ponto, a medida que se impõe.
No entanto, quanto ao percentual de honorários pactuado, no caso concreto, considerando-se que foi estipulado em 40% sobre o ganho obtido, mediante complementação de lacuna, de forma manuscrita, deve ser mantida a sentença que o reduziu ao patamar de 25%, pois não há um juízo de certeza quanto à ciência da autora quanto ao percentual pactuado.
Com efeito, em que pese o percentual estabelecido no pacto, ainda que elevado, pudesse ser considerado compatível com o trabalho realizado, sobretudo pelos riscos assumidos pelo profissional em caso de insucesso na ação ajuizada contra a Brasil Telecom, o fato de ter sido preenchido o campo atinente aos honorários a caneta não permite concluir que as partes tenham acordado quanto aos termos da respectiva cláusula no ato de sua celebração.
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Importante destacar que aquele que assume o risco deve, da mesma forma, ter uma retribuição superior à normalmente estipulada nos contratos comutativos, o que possibilita a não utilização da Tabela da OAB/RS para fixação da remuneração do advogado.
Quanto ao tema, a jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. MANDATO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONTRATO. CDC. ERRO SUBSTANCIAL. LESÃO. 1. O contrato de
honorários celebrado pelas partes é claro e não contém cláusulas abusivas. 2. O vício de consentimento ou de vontade deve ser demonstrado de forma inequívoca, sendo que a pobreza não induz ao reconhecimento de ignorância ou falta de discernimento. 3. A lesão pressupõe a assunção de obrigação manifestamente desproporcional por pessoa inexperiente ou em estado de premente necessidade, o que não restou comprovado nos autos. 4. O percentual de honorários reajustado em aditamento, de 35%, embora elevado, é compatível com o contrato de risco. 5. Honorários contratuais não se confundem com os sucumbenciais. Sentença mantida pelos próprios fundamentos. Apelo improvido. (Apelação Cível Nº 70025763780, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Xxxxx Xxxxxxx Xxxxx, Julgado em 17/06/2009) (Grifei)
A propósito, lembro as disposições do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil - CEDOAB, que, em seu art. 38, estabelece: “Na hipótese da adoção de cláusula 'quota litis', os honorários devem ser necessariamente representados por pecúnia e, quando acrescidos dos honorários de sucumbência, não podem ser superiores às vantagens advindas em favor do constituinte ou do cliente.”
Destarte, à vista da forma como estipulado o percentual de honorários no patamar de 40%, correta a adequação levada a efeito na sentença, reduzindo-o ao patamar de 25%, que se mostra razoável ao trabalho desenvolvido, mantendo-se a sentença no ponto.
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Xxxx exposto, voto em negar provimento à apelação e ao recurso adesivo.
DES.ª XXXXXXX XX XXXXX XXXXXXX - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. XXXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXXXXXXX (PRESIDENTE) - De
acordo com o(a) Relator(a).
DES. XXXXXXX XXXXXXX XX XXXXXXXXXXXX - Presidente - Apelação Cível nº 70068755289, Comarca de Santo Ângelo: "NEGARAM PROVMENTO À APELAÇÃO E AO RECURSO ADESIVO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: XXXXX XXXXXXX XXXXXXX